UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO Francine Hesse ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DE ESTRICNINA, FLUORACETATO DE SÓDIO E ALDICARB: REVISÃO DE LITERATURA Porto Alegre - RS 2008 Francine Hesse ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DE ESTRICNINA, FLUORACETATO DE SÓDIO E ALDICARB: REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais para obtenção do título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientador: Dallegrave Porto Alegre - RS 2008 Profa. Dra. Eliane Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA H587a Hesse, Francine. Aspectos toxicológicos de estricnina, fluoracetato de sódio e aldicarb: revisão de literatura / Francine Hesse. -- Mossoró: 2009. 36f. : il. Monografia (Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural do SemiÁrido. Orientadora: Profª. Dra. Eliane Dallegrave. 1.Pesticida. 2.Intoxicação. 4.Monofluoracetato. 4.Aldicarb. I.Título. 3.Estricnina. CDD: 632.95 Bibliotecária: Keina Cristina Santos Sousa e Silva CRB/15 120 FRANCINE HESSE ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DE ESTRICNINA, FLUORACETATO DE SÓDIO E ALDICARB: REVISÃO DE LITERATURA Parecer dos Professores....................................................................................................................... .......................................................................................................................................... .......................................................................................................................................... Data da Defesa: 06/ março/2009. ____________________________________________ (Prof. Dr. Alexandre Rodrigues Silva) UFERSA _____________________________________________ (Profa. Msc. Valéria Natascha Teixeira) _____________________________________________ (Prof. Msc Masahiko Ohi) UFPR AGRADECIMENTOS Agradeço sempre em primeiro lugar aos meus pais, Antonio e Ioni por toda a força e apoio que sempre me deram. Agradeço a minha orientadora Eliane Dallegrave por toda sua atenção, paciência e dedicação, uma pessoa a quem tenho muita admiração. iii RESUMO Os pesticidas são responsáveis pela maioria das intoxicações acidentais ou intencionais em cães e gatos e o diagnóstico clínico destas intoxicações é geralmente difícil, principalmente pela diversidade de intoxicações possíveis. Agentes tóxicos como a estricnina, o monofluoracetato e o aldicarb, são pesticidas de uso proibido como raticidas e ainda assim, utilizados ilegamente. Por apresentarem quadro de intoxicação aguda e sinais clínicos semelhantes, no que tange principalmente aos sinais neurológicos é necessário que o clínico veterinário possa diferenciar os mesmos para um manejo terapêutico mais adequado e rápido. O presente trabalho expõe uma revisão sobre a intoxicação em cães e gatos por estes pesticidas, descrevendo os sinais clínicos de forma a comparar as semelhanças e diferenças entre quadros de intoxicação, relatando os exames laboratoriais e dados epidemiológicos que possam auxiliar no diagnóstico, alertando ainda quanto a importância para a saúde pública em relação ao uso ilegal e indiscriminado destes produtos. Palavras Chave: Pesticida. Intoxicação. Estricnina. Monofluoracetato. Aldicarb iv ABSTRACT Pesticides are responsible for the most of accidental or intentional intoxication in dogs and cats, and, clinical diagnostic of this intoxication is very hard to do, mainly by the wide range of possible intoxication. Toxic agents like; strychnine, monofluorocetate and aldicarb are prohibited pesticides to be used as raticides, even thought, they are used illegally. For showing cases of acute intoxication and very alike clinical signs, mainly concerning to neurological signs, it is necessary that the Clinic Veterinarian, should differentiate these signs in order to get the most adequate and fastest therapeutic management. The present work, shows up a revision about dogs and cats intoxication by these pesticides, describing clinical signs in order to compare the similarity and differences between intoxication cases, given account lab tests and epidemiologic data, that may help to make easy the diagnostic, warning either, about the matter of public health, connecting the illegal and indiscriminate use of these products. Keywords: Pesticide. Intoxication. Strychnine. Monofluorocetate. Aldicarb. v LISTA DE FIGURAS Figura 1 Ciclo de Krebs e o bloqueio deste pelo fluorocitrato, metabólito tóxico do fluoroacetato de sódio ......................................................................... 17 Figura 2 Carbamilação da acetilcolinesterase pelo carbamato. Notar que o pesticida liga-se aos dois locais ativos da enzima .................................... 24 Figura 3 Quadro comparativo entre sinais clínicos na intoxicação por estricnina, flouracetato de sódio e aldicarb .............................................................. 30 vi LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS acetil-CoA Acetil coenzima A ACh - Acetilcolina AChE - Acetilcolinesterase CIT Centro de Informação Toxicológica CO2 Dióxido de carbono ºC– Graus Celcius DL50 – Dose letal mediana e.g. Por ejemplo FAS - Fluoracetato de sódio g Gramas GMA Monoacetato de glicerol IM - Intramuscular IV – Intravenoso mg/kg – Miligrama por kilograma mL/kg – Mililitro por kilograma ®- Marca registrada MC – Massa corporal PPM Partes por milhão SNC – Sistema nervoso central UI – Unidades internacionais vii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 09 2 OBJETIVOS ................................................................................................... 10 3 REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................... 12 3.1 ESTRICNINA .................................................................................................. 12 3.1.1 Características do agente ............................................................................... 13 3.1.2 Mecanismo de ação ......................................................................................... 13 3.1.3 Sinais clínicos .................................................................................................. 13 3.1.4 Diagnóstico ...................................................................................................... 14 3.1.5 Manejo terapêutico ......................................................................................... 15 3.2 FLUORACETATO DE SÓDIO ....................................................................... 16 3.2.1 Características do agente ............................................................................... 16 3.2.2 Mecanismo de ação ......................................................................................... 16 3.2.3 Sinais clínicos .................................................................................................. 18 3.2.4 Diagnóstico ...................................................................................................... 19 3.2.5 Manejo terapêutico ......................................................................................... 20 3.3 ALDICARB ...................................................................................................... 22 3.3.1 Características do agente ............................................................................... 22 3.3.2 Mecanismo de ação ......................................................................................... 22 3.3.3 Sinais clínicos .................................................................................................. 24 3.3.4 Diagnóstico ...................................................................................................... 25 3.3.5 Manejo terapêutico ......................................................................................... 26 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 28 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 33 viii 9 1 INTRODUÇÃO Os animais domésticos estão sujeitos às intoxicações tanto acidentais quanto intencionais. Raticidas, inseticidas e acaricidas são causas muito comuns destas intoxicações e, podem, em casos graves, provocar a morte dos animais afetados. Segundo Melo e Silva Júnior (2005), os pesticidas são responsáveis pela maioria das intoxicações acidentais ou intencionais na medicina veterinária e o diagnóstico clínico das intoxicações nos carnívoros domésticos é geralmente difícil. A principal razão é, sem dúvida, a diversidade de intoxicações possíveis (OLIVEIRA et al., 2002). Vale ressaltar que os pesticidas são substâncias químicas, cujo uso é amplamente difundido no mundo e, em razão de serem responsáveis por inúmeros casos de intoxicação, merecem atenção quanto à racionalidade no seu emprego. No Brasil já aparecem na terceira posição dentre os agentes causais das intoxicações agudas, sendo os inseticidas (organofosforados, piretróides, carbamatos e organoclorados) os responsáveis pelo maior número de ocorrências (ALONZO; CORRÊA, 2003 apud GABRIEL et al., 2004). Nas intoxicações intencionais, os pesticidas utilizados, geralmente são aqueles de uso restrito ou proibido, em razão da alta toxicidade de alguns deles para mamíferos e da rapidez de seu modo de ação, o que os tornam muito populares para finalidades criminosas ou, no caso de seres humanos, para tentativas de suicídio. Tal circunstância é ainda mais grave pelo fato de que, em muitos casos ocorre adulteração do produto antes de sua comercialização, podendo ser misturado com grafite, milho moído, farinha de trigo ou areia. Há ainda associações de vários pesticidas (por exemplo, organofosforados, carbamatos, anticoagulantes e/ou fluoracetato de sódio), agravando o quadro clínico, dificultando a terapêutica e, consequentemente, reduzindo as chances de sobrevivência do animal intoxicado (SPINOSA et al., 2008). Embora em nosso país seja permitido apenas o uso de cumarínicos (anticoagulantes) como raticidas, na prática clínica nos deparamos com um grande número de acidentes por carbamatos e estricnina. Esses produtos são altamente tóxicos tanto para humanos como para animais e pode-se observar que dentre os óbitos muitos são causados por este grupo farmacológico (HANSEN, 2006). Dentre os raticidas mais apontados como causadores de intoxicação pode-se citar o monofluoracetato de sódio, proibido no Brasil desde meados da década de 80, a estricnina que também tem seu uso proibido em diversos países (MORAES, 1999), e o aldicarb, pesticida 10 carbamato extremamente tóxico, para uso exclusivo agrícola, utilizado ilegalmente como raticida e que tem sido apontado como um dos principais agentes utilizados para a intoxicação criminosa de animais domésticos no Brasil (SPINOSA et al., 2008), sendo comercializado clandestinamente com o nome de “chumbinho”. Em virtude do acesso restrito como resultado das regulamentações de agentes tóxicos em muitos países, a incidência de intoxicação por estricnina diminuiu de maneira razoavelmente drástica, nos últimos tempos. Entretanto, ela ainda permanece como um agente tóxico significante para gatos e constitui um dos principais agentes usados em casos maliciosos (CHANDLER et al., 2006). Segundo Spinosa et al. (2008) o ácido monofluoracético ou monofluoracetato de sódio teve sua produção, importação, formulação e comercialização totalmente proibidas em 1982 no Brasil, entretanto, há evidências do uso ilegal e sem critérios causando intoxicações, principalmente em crianças e animais domésticos (COLLICCHIO-ZUANAZE et al., 2005). Devido a seu baixo custo, às facilidades de aquisição e a sua alta toxicidade, o aldicarb tem sido amplamente utilizado de forma ilegal como raticida doméstico e como agente de escolha para exterminar animais de companhia, criando um cenário que coloca em risco também a saúde humana. Como em qualquer caso clínico, o diagnóstico de uma intoxicação deve basear-se na anamnese, na descrição pormenorizada dos sinais clínicos, no tempo que decorreu entre a observação dos primeiros sinais e a provável morte do animal, ou na resposta do mesmo à terapêutica instituída (DORMAN, 1997 apud OLIVEIRA et al, 2002). Infelizmente, além do despreparo dos proprietários, também pode-se observar um despreparo do clínico veterinário ao fazer o diagnóstico diferencial entre os raticidas e tratamento do paciente intoxicado (HANSEN, 2006). Segundo Dallegrave et al. (2007), muitas vezes o médico veterinário se encontra frente aos acidentes tóxicos induzidos pelo homem, como nos envenenamentos intencionais objetivando eliminar animais e cabe a este profissional a atuação dinâmica em programas sociais que visem esclarecer a população principalmente quanto à ilegalidade e os outros riscos da utilização de substâncias ilícitas em ambientes públicos ou mesmo privados. 11 2 OBJETIVOS O presente trabalho objetiva expor uma revisão sobre intoxicação em cães e gatos pelos raticidas ilícitos estricnina, fluoracetato de sódio e aldicarb, descrevendo suas características, mecanismo de ação, sinais clínicos, comparando as semelhanças e diferenças entre quadros de intoxicação por estes pesticidas, relatando os exames laboratoriais que possam auxiliar no diagnóstico destes agentes tóxicos e descrever as medidas terapêuticas mais adequadas frente a cada tipo de intoxicação e ainda, alertando a importância para a saúde pública em relação ao uso indiscriminado destes produtos. 12 3 INTOXICAÇÕES POR RATICIDAS ILÍCITOS EM CÃES E GATOS 3.1 ESTRICNINA 3.1.1 Características do agente A estricnina é um alcalóide, extraído da planta Strychnos nux vomica (SPINOSA et al., 2008) e S. ignatti (PETERSON; TALCOTT, 2006). É o ingrediente ativo usado no controle de roedores e de alguns parasitas (FORD; MAZZAFERRO, 2007), sendo utilizada como rodenticida desde o século XVI na Alemanha. Segundo Melo; Silva Júnior (2005), esta substância está banida no Brasil devido aos seu potencial letal, altamente tóxica para mamíferos, porém ainda utilizada como agente de escolha para envenenamentos intencionais de animais de estimação. O sulfato de estricnina é um pó branco, moderadamente solúvel em água. As iscas de estricnina são pobremente solúveis em água e se aderem fortemente às partículas do solo. Sua persistência no meio ambiente não é longa e mais de 90% desaparece do solo dentro de 40 dias (PETERSON; TALCOTT, 2006). A dose tóxica é de 0,75 mg/kg para cães, e 2 mg/kg para gatos segundo Spinosa et al. (2008). Nicholson (2004) cita doses de 0,25mg/kg a 2 mg/kg como sendo letais para a maioria dos animais. Após a ingestão, este agente tóxico é rapidamente absorvido no trato gastrintestinal, sendo amplamente distribuído nos tecidos, como cita Spinosa et al. (2008), bem como sua absorção pode ocorrer na mucosa nasal e por exposição dérmica. As concentrações mais altas se encontram no sangue, fígado e rins, não se concentrando em tecidos nervosos (BEASLEY, 1999). Segundo Peterson; Talcott (2006), apenas uma pequena quantidade (menos de 4 ppm) pode ser encontrada no sangue. O agente é metabolizado no fígado e seus metabólitos são excretados na urina, entretanto 1% a 20% da dose de exposição original é excretada intacta na urina. 13 3.1.2 Mecanismo de ação A transmissão dos impulsos nervosos através da sinapse é quimicamente mediada pelos neurotransmissores. O neurotransmissor é liberado a partir do nervo terminal présináptico do neurônio estimulado, cruza a fenda sináptica, e combina-se com um receptor específico na membrana pós-sináptica (KORE; BEASLEY, 1999). A glicina é um importante neurotransmissor de neurônios inibitórios no cérebro e medula espinhal, seu efeito é póssináptico. É o neurotransmissor para as células de Renshaw, que transmitem sinais inibitórios aos neurônios motores circundantes (GUYTON; HALL, 2006) no corno ventral da medula espinhal (BEASLEY, 1999). A estricnina atua especificamente em nível da medula espinhal, bloqueando o funcionamento dos neurônios inibitórios, as células de Renshaw, inibindo seu receptor específico de glicina (SORACI; TAPIA, 2001). Conforme Spinosa et al. (2008) possui estrutura semelhante à glicina, bloqueando competitivamente os receptores pós-sinápticos deste neurotransmissor no neurônio motor da medula central. Por esta razão os efeitos dos transmissores excitatórios se tornam exagerados e os neurônios se tornam tão excitados que eles entram rapidamente em descargas repetitivas, resultando em severos espasmos musculares tônicos (GUYTON; HALL, 2006). Braund (2003) cita que alguns sinais supraespinhais possam estar associados com a inibição do ácido gamma-aminobutírico (GABA). Este neurotransmissor é secretado pelos nervos terminais da medula espinhal, cerebelo, gânglios basais e várias áreas do córtex, acredita-se que sempre cause inibição (GUYTON; HALL, 2006). A inibição pré-sináptica reduz a transmissão excitatória nas fibras primárias aferentes pela ação do GABA. Se sua função for prejudicada, pode resultar em desordens convulsivas, tetânicas e espásticas (KORE; BEASLEY, 1999). 3.1.3 Sinais Clínicos O primeiro alvo para a estricnina é o sistema nervoso central. As alterações clínicas produzidas por esta intoxicação ocorrem, geralmente de 10 minutos a 2 horas após a ingestão da isca (PETERSON; TALCOTT, 2006; SPINOSA et al., 2008). Agitação e apreensão 14 (NICHOLSON, 2004), ansiedade, aumento da freqüência respiratória e intensa sialorréia (SPINOSA et al., 2008) são os sinais clínicos iniciais. Em seguida, conforme os mesmos autores, os animais podem apresentar ataxia e espasmos musculares que geralmente iniciamse pelos músculos da face, disseminando-se para a musculatura dos membros, seguidos de convulsões tônico-clônicas e opistótono. Geralmente não ocorrem sinais de pedalagem ou movimentos de corrida e atividade mastigatória (BEASLEY, 1999), raramente ocorre perda da consciência e é possível haver mioglobinúria. Os sinais são estimulados ou exarcebados por estímulos externos como ruídos, toque ou luz concordam os autores Nicholson (2004), Ford e Mazzaferro (2007) e Spinosa et al.. (2008). Pode-se notar midríase, hipertermia e cianose durante as convulsões. A morte do animal ocorre por parada respiratória, por causa do comprometimento do músculo diafragmático (SPINOSA et al., 2008) e pode ocorrer durante a primeira convulsão ou após ataques exaustivos de convulsões (NICHOLSON, 2004). 3.1.4 Diagnóstico O diagnóstico é feito associando-se os sinais clínicos da intoxicação e a análise química, pesquisando a presença de estricnina nas amostras biológicas ou iscas (SPINOSA et al., 2008). Podem ser mandados para análise: iscas, conteúdo estomacal congelado obtido pela lavagem ou na necropsia nos casos letais (BEASLEY, 1999). São vários os métodos analíticos utilizados para detecção de estricnina como a cromatografia de camada delgada, a cromatografia líquida de alta performance e a cromatografia de gás associada ao espectrômetro de massa. Conforme Ford e Mazzaferro (2007), na suspeita desta intoxicação deve-se coletar o conteúdo gástrico para análise. A estricnina também pode ser detectada no soro, plasma e urina. Após a morte ocorre rápido rigor e rápido relaxamento (BEASLEY, 1999). Na necropsia, geralmente não se apresentam lesões a exceção de pequenas petéquias sobre o pâncreas e um conteúdo digestivo pigmentado indicador de um envenenamento (SORACI e TAPIA, 2001). Alguns órgãos como fígado e o rim podem ser colhidos para análise química (SPINOSA et al.., 2008). 15 3.1.5 Manejo Terapêutico Caso o animal se apresente assintomático no momento da consulta, Ford e Mazzaferro (2007) indicam a indução do vômito, havendo sinais clínicos deve ser feita a lavagem orogástrica. A lavagem gástrica deve ser feita com uma solução de permanganato de potássio (1/2000) para oxidar a estricnina e adicionar a esta solução, ácido tânico (1 a 2%) para reduzir a absorção e carvão ativado (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005). Para o controle do quadro convulsivo, Spinosa et al. (2008) sugerem o diazepan (2,520 mg/kg, por via IV ou oral) ou o pentobarbital sódico. A dose recomendada por Nicholson (2004) e Melo e Silva Júnior (2005) para o pentobarbital é de 30 mg/kg por via intravenosa até o efeito esperado para controlar as convulsões. Para gatos deve-se usar tiobarbitúricos como o tiopental sódico, conforme Melo e Silva Junior (2005). Fluídos intravenosos devem ser administrados para corrigir a hipovolemia, suprir continuamente as necessidades de manutenção, prevenir falência renal induzida por rabdomiolise (raro), e auxiliar na correção da hipertermia e acidose moderada a leve (PETERSON e TALCOTT, 2006). Caso o animal apresente acidose, Spinosa et al. sugere a utilização de bicarbonato de sódio. Estimular a excreção com manitol a 5% diluído em salina (6,6 mL/ kg/hora) como indicam Melo e Silva Júnior (2005). Nicholson (2004) indica a admistração de cloreto de amônio via intra-venosa ou oral para acidificação da urina, aumentando a excreção urinária. Pode ainda ser utilizado vitamina C (3000 UI) para o mesmo fim, conforme Melo e Silva Júnior (2005). Os animais devem ficar em ambiente escuro e silencioso, uma vez que qualquer estímulo, visual, sonoro ou mesmo tátil, pode desencadear uma nova convulsão. Este tratamento deve ser mantido até a completa excreção da estricnina que, segundo Nicholson (2004) ocorre em aproximadamente 42 horas. 16 3.2 FLUORACETATO DE SÓDIO 3.2.2 Características do Agente O fluoracetato de sódio (FAS), também conhecido como composto 1080, tem ocorrência natural em algumas plantas tóxicas sendo, no Brasil, encontrada na Palicurea marcgravii. O composto 1080 (sintetizado pela primeira vez em 1896, na Bélgica) é quimicamente idêntico a sua ocorrência natural do monofluoracetato de sódio e exibe sintomas idênticos no envenenamento em animais (EASON et al., 1999 apud WEAVER, 2003). Esta substância química foi sintetizada nos Estados Unidos em meados de 1940, para uso como rodenticida (SPINOSA et al., 2008). Segundo o mesmo autor, seu uso foi introduzido no Brasil em 1965, retirado do mercado em 1980 devido ao alto número de acidentes fatais e em 1982, foi totalmente proibida sua produção, importação, formulação e comercialização em todo o território nacional. Embora haja esta proibição, o uso do FAS no Brasil é feito geralmente de forma ilegal (PALERMO NETO; MORAES-MOREAU, 1995 apud COLLICCHIO-ZUANAZE; SAKATE, 2005), sendo que ainda hoje vêm sendo descritos casos de intoxicação por este rodenticida. Este é um composto incolor, inodoro e insípido (FORD; MAZZAFERRO, 2007), podendo ser adicionado em qualquer tipo de isca, a dose tóxica varia de 0,05 a 1 mg/kg. 3.2.2 Mecanismo de ação O efeito tóxico não é produzido diretamente pelo fluoracetato de sódio e sim pela formação de um metabólito, o fluoricitrato, sendo assim, esta intoxicação é denominada síntese letal (SPINOSA et al., 2008). O fluoracetato de sódio após sua absorção age diretamente no ciclo de Krebs. A semelhança estrutural entre os radicais FCH2 do fluoracetato com o CH3 do acetato, permite que o FAS mimetize sua função e se incorpore ao ciclo de Krebs (COLLICCHIO-ZUANAZE; SAKATE, 2005). Ao adentrar na célula, reage com a acetil coenzima A (acetil- CoA), na presença de ATP (adenosina-5’-trifosfato) para 17 formar fluoracetil CoA, que, por sua vez reage com o oxalacetato e água formando o fluoricitraro (SPINOSA et al., 2008). O fluoricitrato por sua vez, age impedindo a conversão enzimática do citrato a isocitrato (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005), resultando em bloqueio do ciclo dos ácidos tricarboxílicos (ciclo de Krebs). Em conseqüência ocorre depleção de energia, acúmulo de citrato, lactato e queda do pH sanguíneo, uma vez que ocorre parada da respiração celular oxidativa e acúmulo de amônia na circulação. O processo de formação e o conseqüente bloqueio do ciclo de Krebs estão representados na Figura 1. Fonte: Collichio-Zuanase e Sakate, 2005. Figura 1. Ciclo de Krebs e o bloqueio deste pelo fluoricitrato, metabólito tóxico do fluoracetato de sódio. O citrato circulante acumula-se em todos os tecidos, principalmente no miocárdio e no sistema nervoso central (SNC) e em menor quantidade no fígado (GAL et al., 1956 apud COLLICCHIO-ZUANAZE; SAKATE, 2005) e o citrato acumulado combina-se com o cálcio, quelando-o, levando a uma conseqüente hipocalcemia (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005; SPINOSA et al., 2008). A inibição do ciclo de Krebs pelo FAS provoca diminuição da produção de ATP em até 50% pela redução do metabolismo da energia oxidativa, havendo também diminuição da oxidação do acetato e da síntese hepática do acetoacetato. A utilização de acetoacetato nos tecidos é inibida e há um acúmulo de ceto-substâncias no sangue que são excretadas na urina. Há também diminuição da utilização de piruvato na incorporação de CO2, nos ácidos 18 orgânicos (NOVÁK et al., 1972 apud COLLICCHIO-ZUANAZE e SAKATE, 2005). Os primeiros efeitos são manifestados pelo sistema nervoso e coração pela falta de energia e acúmulo de amônia na circulação, o que caracteriza uma acidose metabólica. 3.2.3 Sinais Clínicos Os efeitos clínicos e patológicos presentes na intoxicação pelo FAS, são divididos entre sinais cardiovasculares e neurológicos que variam de acordo com a espécie animal, com intensidade dose-dependente e variações individuais. Nos cães, as alterações no SNC são predominantes, havendo predominância dos efeitos cardíacos em gatos (HUMPHEREJS, 1988 apud COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005). Todavia, estudos mais recentes verificaram a importância das manifestações neurológicas que são também predominantes nesta espécie (COLLICCHIO-ZUANAZE, 2002). De acordo com Melo; Silva Júnior (2005), Peterson; Talcott (2006) e Spinosa et al. (2008), os sinais clínicos podem aparecer de trinta minutos até duas horas após a ingestão. O período latente variável é resultado do tempo de conversão do fluoracetato e seu acúmulo a níveis tóxicos (PETERSON; TALCOTT, 2006). Os sinais mais evidentes são excitação, irritabilidade, náuseas, vômito, diarréia, micção freqüente, corrida frenética em linha reta (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005), convulsões do tipo tônico-clônica (SPINOSA et al., 2008) e, de acordo com Ford e Mazzaferro (2007) pode haver coma secundário ao edema cerebral. Com a progressão do quadro as convulsões são mais fracas, devido à exaustão energética muscular. A morte ocorre entre duas a doze horas após a ingestão e ocorre durante as convulsões ou pela paralisia respiratória subseqüente (BEASLEY, 1999), o que leva a um prognóstico desfavorável. Os sinais clínicos apresentados por gatos, segundo Collicchio-Suanaze e Sakate (2005) são episódios de vômito e diarréia inicialmente, dor abdominal, hipotermia, midríase irresponsiva bilateral, agitação, taquipnéia, hiperexcitabilidade, hiperreflexia, vocalização e miados constantes, episódios convulsivos tetânicos com apnéia transitória, prostração e eventualmente óbito. A morte resulta tipicamente da depressão do centro respiratório mas ocasionalmente como resultado de uma fibrilação ventricular (SHERLEY, 2004). A manutenção da temperatura corpórea em situações metabólicas desfavoráveis é bastante limitada. Os gatos intoxicados pelo FAS apresentam um desequilíbrio na 19 termorregulação, secundário ao bloqueio do suprimento energético e diminuição do metabolismo corpóreo (COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005). Por outro lado, cães intoxicados com FAS apresentam inicialmente hipertermia (DE PAULA, 2000 apud COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005), verificada durante os períodos de hiperexcitabilidade e convulsões tônico-clônicas. 3.2.4 Diagnóstico No diagnóstico devem ser considerados histórico e sintomatologia do paciente, sendo importante incluir na chave diferencial: estricnina, hipocalcemia, organoclorados, encefalopatias hepáticas e outras encefalites graves em cães e gatos (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005). O modo de ação e a evolução clínica da intoxicação destes compostos diferem, mas os sinais clínicos, principalmente no estágio convulsivo, são bastante similares (SAKATE, 2002). Alterações na patologia clínica incluem hiperglicemia, aumento dos níveis séricos de citrato, hipocalcemia e acidose (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005). Segundo Sakate (2002) o aumento significativo dos níveis de citrato nos rins diferenciam a intoxicação pelo fluoracetato com outras substâncias. A elevação dos níveis de citrato nos tecidos é, de certa forma, patognomônica da intoxicação por compostos organofluorados. A análise clínica se faz pesquisando a presença do agente nas iscas, no vômito ou no conteúdo estomacal, usando para tanto a técnica do eletrodo específico de íon fluoreto (SPINOSA et al., 2008). Nicholson (2004) comenta que níveis teciduais do composto podem ser detectados por cromatografia gasosa capilar-espectrometria de massa, mas poucos laboratórios oferecem este serviço. As lesões encontradas em necropsia incluem: repleção de estômago, cólon e bexiga urinária, cianose, rápido rigor mortis, congestão de fígado e rins, diástole cardíaca com hemorragia subapical (lesão não específica), edema cerebral e infiltração linfocítica do espaço de Virchor-Robin (BEASLEY, 1999). 20 3.2.5 Manejo Terapêutico A maioria das tentativas de reversão dos efeitos tóxicos do FAS tem falhado. A terapia deve tentar impedir a ação do fluoricitrato no bloqueio do ciclo de Krebs ou bloquear a rápida metabolização do fluoracetato em fluoricitrato (COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005). O tratamento inicial é sintomático, com assistência respiratória, infusão rápida de cristalóides, lavagem gástrica com carvão ativado, diazepínicos e barbitúricos (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005) para o controle das convulsões. Fluidoterapia com solução fisiológica ou Ringer; não deve ser usada solução glicosada, uma vez que, conforme Sakate (2002), o animal pode apresentar hiperglicemia. Não é indicado o uso de eméticos a menos que seja muito cedo, que não existam sinais clínicos e o animal deverá ser constantemente monitorado no caso de convulsões (BEASLEY, 1999). Melo; Silva Júnior (2005) sugerem a administração de monoacetato de glicerol (GMA) (Monoacetin®) na dose de 0,1 a 0,5 mg/kg, via intramuscular a cada hora, totalizando 2 a 4 mg/kg, visando regenerar a enzima aconidase (acetil-CoA), para possibilitar a entrada do citrato novamente no ciclo. Segundo Sakate (2002), a dose do GMA é de 0,55 mg/kg, IM, a cada trinta minutos durante doze horas. A ausência de convulsões com o uso do GMA indica que há diminuição na síntese do fluoricitrato ou interferência na passagem deste pela barreira hematencefálica, mas são necessárias doses acima de 100 mg/kg para se obter um aumento significativo nos níveis de acetato circulante. Todavia, de acordo com Beasley (1999), esta droga apresenta ação de curto período, pode ser difícil de ser obtida e não é muito efetiva a menos que a dose do FAS seja próxima ou menor que a DL50. Peterson; Talcott (2006) ressaltam ainda que a aplicação intramuscular da GMA é extremamente dolorosa. CollicchioSuanaze; Sakate (2005) citam um estudo realizado por Taitelman et al. em 1983 com gatos experimentalmente intoxicados com FAS onde os animais tratados com o monoacetato de glicerol apresentavam um agravamento no quadro de acidose metabólica. Segundo Peterson; Talcott (2006) pode-se utilizar um tratamento que substitui o monoacetato de glicerol que é a utilização de acetamida em dextrose a 5%, sendo que a proporção feita é de 15g de acetamida em um litro de dextrose a 5%. Esta solução é administrada em uma dose inicial de 20 a 25 ml/kg pela via endovenosa por um período de 60 minutos, seguidas por aproximadamente 5 ml/kg/hora pelas próximas dozes a dezoito horas conforme necessário. Para cães maiores de 20 kg, um total de dois litros de solução é dada. Spinosa et al., (2008) sugere a utilização de 10% de acetamida associado à 5% de dextrose, 21 por via endovenosa na dose de 7 a 10 ml/kg em um período de trinta minutos e depois a cada quatro horas, por vinte e quatro a quarenta e oito horas. No tratamento de gatos com intoxicação por FAS, a dose deve ser reduzida em no mínimo 75% (PETERSON; TALCOTT, 2006). Outro protocolo sugerido por Spinosa et al. (2008) é a administração de pentobarbital sódico em dose suficiente para induzir uma leve anestesia seguido pela administração de uma solução de 8,4% de bicarbonato de sódio em solução salina, na dose de 300 mg/kg, por um período de quinze a trinta minutos. Alternativamente, metade da dose de bicarbonato de sódio pode ser administrada em bolus e o restante em infusão lenta (PETERSON; TALCOTT, 2006). Pacientes com hipocalcemia ou tetania devem ser suplementados com gluconato de cálcio por via endovenosa (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005). Segundo Sakate (2002), deve-se utilizar o gluconato de cálcio a 10%, 130 mg/kg, IV, muito lentamente a cada 30 minutos, durante 12 horas. Succinato de sódio, em combinação com gluconato de cálcio, está recomendado na dose de 240 mg/kg, a cada trinta minutos a uma hora durante doze horas (SAKATE, 2002). A utilização do succinato de sódio e gluconato de cálcio a 10% como protocolo terapêutico na intoxicação por fluoracetato em gatos permite uma normalização mais precoce do pH, bicarbonato de sódio e cálcio ionizado, revertendo assim, de maneira mais eficiente os quadros de acidose metabólica e hipocalcemia (COLLICCHIO- ZUANAZE, 2002). Segundo Sakate (2002), cães apresentam hipertermia e gatos hipotermia (muitas vezes abaixo de 34º C) e esta condição deve ser controlada. O mesmo autor sugere o uso de diuréticos como a furosemida 2 a 4 mg/kg, IV, para aumentar a excreção pela via urinária. 22 3.3 ALDICARB 3.3.1 Características do agente Os organofosforados e carbamatos são conhecidos como agentes anticolinesterásicos, mundialmente utilizados desde o século XX, principalmente a partir de 1970, quando se iniciou o declínio dos organoclorados. O uso destes pesticidas envolve o controle e combate de diversas pragas e, na Segunda Guerra Mundial, há indícios de que alguns organofosforados tenham sido empregados como armas químicas (SPINOSA et al. 2008). Segundo estes autores, os carbamatos foram primeiramente obtidos a partir do alcalóide extraído da semente da planta Physiostigma venenosum, conhecida como fava de Calabar ou feijão-de-prova, que era utilizada em rituais de feitiçaria por tribos Africanas no leste da África. O grupo dos carbamatos é formado por derivados do ácido N-metil-carbâmico e dos ácidos tiocarbamatos e ditiocarbamatos e dentre os derivados do ácido N-metil-carbâmico o Aldicarb encontra-se entre os metil-carbamatos juntamente com o carbaril que apresentam marcante atividade anticolinesterásica. O Aldicarb, um potente inseticida do grupo dos carbamatos, utilizado ilegalmente como raticida, tendo sido responsável por um grande número de óbitos no país (SPINOSA et al., 2008). Sendo assim, aldicarb é o carbamato de maior toxicidade disponível no mercado (MACHAMER e PICKEL, 1994 apud MORAES, 1999), não tendo liberação para a sua produção no país. No Brasil, o aldicarb pode apenas ser comercializado para fins agrícolas, e de acordo com Xavier et al. (2007a), é manufaturado na forma de pequenos grânulos pretos, com 15% de principio ativo (Temik 150®), e é popularmente conhecido como “chumbinho”. Trata-se de um pesticida carbamato altamente tóxico por via oral, podendo ser também absorvido pela pele íntegra, se na forma líquida (XAVIER et al., 2007a). De acordo com o mesmo autor, sua elevada lipofilicidade resulta em toxicidade dérmica aproximadamente mil vezes maior que a de outros carbamatos. A DL50 em ratos varia entre 0,6 e 1,0 mg/kg, conforme Spinosa et al. (2008), e o atendimento precoce do animal é fundamental para aumentar suas chances de sobrevida, isso ocorre principalmente quando há intoxicação criminosa de cães e gatos, quando grandes quantidades do pesticida são adicionadas em iscas palatáveis. 23 3.3.2 Mecanismo de ação A acetilcolina (ACh) é secretada por neurônios em várias áreas do sistema nervoso, mais específicamente pelos terminais das células piramidais do córtex motor, diferentes tipos de neurônios no gânglio basal, nos neurônios motores que inervam a musculatura esquelética, nos neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso autônomo, nos neurônios pósganglionares do sistema nervoso parassimpático e em alguns neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpático. Na maioria das vezes, a acetilcolina tem efeitos excitatórios, entretanto, é sabido que esta possui efeitos inibitórios em alguns nervos terminais do parassimpático periférico, resultando por exemplo na inibição da contração do músculo cardíaco pelo nervo vago (GUYTON, 2006). A ACh é inativada pela acetilcolinesterase (AChE) que é uma serina-esterase que forma uma ligação covalente com o grupo acetila. Algumas drogas não têm um efeito direto nos órgãos efetores parassimpáticos mas, elas potencializam os efeitos da Ach, secretada, naturalmente, nos terminais parassimpáticos (GUYTON, 2006). Tanto os carbamatos como os organofosforados exercem sua toxicidade por meio da inibição da atividade da acetilcolinesterase presente nas sinapses colinérgicas, resultando em acúmulo do neurotransmissor acetilcolina e, consequentemente, na estimulação excessiva dos receptores nicotínicos e muscarínicos (SPINOSA et al., 2008). Os ésteres carbamatos inativam a AchE pela sua ligação com a mesma, entretanto esta reação é reversível (WILLIAMS et al., 2000). Conforme Spinosa et al. (2008), a AChE possui dois locais ativos sendo um aniônico, e o outro esterásico. Como mostra a Figura 2, os carbamatos ligam-se em ambos os sítios ativos da enzima, ligação por carbamilação. Após sua carbamilação, a enzima pode ser rápida e espontaneamente hidrolisada na sua forma original, com pronta recuperação da atividade da AChE após doses subagudas, sem a ocorrência de intoxicação cumulativa (por isto são chamados de inibidores reversíveis da AChE). Entretanto, apesar dessa ação ser geralmente transitória (uma a duas horas), encontram-se na literatura relatos de inibição prolongada (mais de sessenta horas) em seres humanos intoxicados por esses pesticidas. Além disso, a reativação espontânea da acetilcolinesterase, que ocorre mais facilmente na toxicose por cabamatos, é muito lenta em gatos jovens e idosos (SPINOSA et al., 2008). 24 Fonte: Spinosa et al. (2008). Figura 2 Carbamilação da acetilcolinesterase pelo carbamato. Existem dois tipos de colinesterases: a acetilcolinesterase (AChE verdadeira, acetilidrolase ou colinesterase eritrocitária), encontrada no tecido nervoso, na junção neuromuscular e na superfície de membrana de glóbulos vermelhos de mamíferos, e a butilcolinesterase (pseudocolinesterase, colinesterase inespecífica, colinesterase plasmática ou sérica, acilcolina ou acilidrolase) que hidrolisa vários outros ésteres, além da acetilcolina, e é encontrada no plasma, no fígado, no pâncreas, na mucosa intestinal e na substância branca do sistema nervoso central. Os gatos apresentam a butilcolinesterase também nos eritrócitos. Além da AChE, os organofosforados e carbamatos também podem inibir outras colinesterases, como as pseudocolinesterases (SPINOSA et al., 2008). 3.3.3 Sinais clínicos Os sinais clínicos resultam da acumulação no organismo da acetilcolina, conseqüência das propriedades anticolinesterásicas do princípio tóxico. Esses sinais respondem a uma hiperestimulação do sistema nervoso autônomo com: alterações muscarínicas, alterações nicotínicas e alterações do SNC (SORACI; TAPIA, 2001). Os primeiros sinais do envenenamento estão relacionados com a estimulação muscarínica e incluem profusa salivação, lacrimejamento, secreção brônquica, diarréia, 25 micção, bradicardia e constrição pupilar. Estes sinais são seguidos pelos efeitos nicotínicos e estimulação do SNC (e.g., tremores musculares, espasmos e hiperexcitabilidade) que pode evoluir em convulsões clônicas ou tônico-clônicas (AHRENS, 1997). Spinosa et al. (2008) relatam além destas alterações, depressão do centro respiratório, cianose e coma. Além destes, podem ocorrer manifestações cardíacas como arritmias, anormalidades eletrocardiográficas, defeitos de condução e alterações da pressão arterial; e hipotermia ligeira a moderada. A ocorrência de bradicardia é mais comum, mas pode haver taquicardia pela liberação de catecolaminas pelas adrenais (XAVIER et al., 2007a). Dispnéia (devido ao aumento de secreções pulmonares e bronquiais) normalmente se manifesta com respiração pela boca. Tremores e convulsões são vistos em casos severos. A morte pode ocorrer pela paralisia respiratória (espasmo bronquial, convulsões tônicas) ou edema pulmonar (BERNY, 2007). Segundo Xavier et al. (2007a), os pesticidas anticolinesterásicos estão também associados à ocorrência de neuropatia periférica tardia (dores musculares, fraqueza muscular progressiva e diminuição dos reflexos tendinosos que ocorrem após duas a três semanas ou até meses após a exposição) e à síndrome intermediária que pode ser observada dois a três dias após a exposição, sendo os sinais representados principalmente por ptose palpebral, hiporreflexia e flacidez da musculatura do pescoço. 3.3.4 Diagnóstico O diagnóstico da intoxicação por aldicarb é embasado, via de regra, na avaliação clínica e na medida da atividade das colinesterases plasmática e eritrocitária (XAVIER et al., 2007b). Segundo Melo; Silva Júnior (2005), esta determinação deve ser feita nas primeiras horas de intoxicação. Conforme os mesmos autores, o diagnóstico pode ser baseado na resposta ao tratamento com atropina. A possibilidade do emprego de análise química para a identificação do agente tóxico no material biológico de animais intoxicados pode auxiliar o clínico na presteza do atendimento ao paciente e no estabelecimento de medidas de prevenção, além de ser indispensável em situações que envolvam litígios. A cromatografia de camada delgada mostrou ser uma técnica adequada para identificar o aldicarb tanto no conteúdo gástrico, como nos alimentos usados como iscas sem sofrer influência dos diferentes componentes da matriz (XAVIER et al., 2007b). 26 A constatação da atividade da colinesterase abaixo de 50% pode indicar intoxicação. Infelizmente nem sempre a depressão dos níveis da atividade enzimática sangüínea pode ser correlacionada com a gravidade da intoxicação, pois os sinais clínicos aparecem quando as colinesterases dos tecidos nervosos estiverem inibidas, e o nível sangüíneo dessa enzima reflete, de modo geral, os níveis enzimáticos dos tecidos nervosos. Para avaliação da AChE ou da pseudocolinesterase, podem ser usados sangue, plasma, cérebro total ou núcleo caudato (SAKATE, 2002). Parâmetros bioquímicos adicionais que podem estar alterados incluem hiperamilasemia, hiperlipasemia, hiperglicemia, hipocalemia, acidose, leucocitose com ou sem desvio à esquerda e aumento dos níveis de creatina quinase (CK) e asparato transaminase (AST) (PETERSON; TALCOTT, 2006). Nos casos de sensibilidade abdominal aguda, é importante a determinação das enzimas pancreáticas amilase e lipase, em razão do risco de pancreatite aguda. A pancreatite aguda pode ser resultante do aumento da pressão intraductal e da secreção exócrina pancreática causados pela estimulação colinérgica (SPINOSA et al., 2008). 3.3.5 Manejo Terapêutico No caso de agentes extremamente tóxicos, como o aldicarb, o atendimento precoce do animal é fundamental para aumentar suas chances de sobrevida. Neste caso, o ponto crítico do atendimento emergencial é a descontaminação gástrica, realizada preferencialmente por lavagem gástrica (SPINOSA et al., 2008). Segundo Melo; Silva Júnior (2005), o prognóstico do quadro de intoxicação pelo aldicarb é reservado a desfavorável. Como medida específica, emprega-se o sulfato de atropina (SPINOSA et al., 2008). O sulfato de atropina age por um mecanismo de competição, inibindo a ação da acetilcolina sobre o órgão efetor (HANSEN, 2006). Segundo Spinosa et al. (2008), a dose recomendada é de 0,2 a 0,5 mg/kg sendo um quarto da dose via IV e o restante SC ou IM. A dose é repetida em intervalos de três a seis horas enquanto os sintomas permanecerem (AHRENS, 1997; SPINOSA et al., 2008). A superdosagem de sulfato de atropina pode causar estase abdominal, taquicardia, delírio e hipertermia; assim, deve-se evitar a atropinização excessiva (SAKATE, 2002). Desta forma, Spinosa et al. (2008) recomenda a utilização da menor dose possível, dada a possibilidade de que sejam administradas várias repetições e neste caso, preconiza-se a 27 administração de metade da dose. Como marcador clínico mais seguro da atropinização efetiva, pode-se ter a redução da sialorréia e do alívio das alterações respiratórias (ausência de dispnéia e de secreções respiratórias), já que o diâmetro pupilar não é um indicador confiável em gatos e em alguns cães. A dose de atropina deve ser reduzida ou sua administração descontinuada se houver o desenvolvimento de taquicardia, estase gastrintestinal, alterações de comportamento ou hipertermia. Os efeitos muscarínicos central e periférico (bradicardia, broncoconstrição, secreção brônquica excessiva, vômito, etc.) são bloqueados com o sulfato de atropina, mas este não reverte os efeitos nicotínicos como tremores musculares (SAKATE, 2002). Estes sinais, de acordo com Spinosa et al. (2008) poderão persistir por mais de 24 horas. Conforme os mesmos autores, oximas (reativadores da acetilcolinesterase) não devem ser utilizadas nas intoxicações por carbamatos, já que formam um complexo enzima-pesticida reversível espontaneamente e diversos estudos e experiências clínicas mostraram que há um aumento da toxicidade ao carbamato quando alguma oxima é utilizada no tratamento. Nos casos em que houver dispnéia severa, a oxigenoterapia deverá ser instituída a fim de suprir a demanda de oxigênio exigida pelo miocárdio na ocorrência de taquicardia. O uso de anticonvulsivantes deve ser cuidadoso por causa da depressão respiratória. Podem ser usados benzodiazepínicos, ou barbitúricos de acordo com a gravidade (SAKATE, 2002). No caso de ocorrerem convulsões, a dose recomendada por Spinosa et al.(2008) do diazepan é de 0,5 a 1,0 mg/kg, via intravenosa. A alcalinização da urina com o uso de bicarbonato de sódio (3 a 4 mEq/kg, IV ou VO na dose de uma colher das de chá em copo d’água, por cinco a sete dias) em pequenos animais auxilia na recuperação mais rápida deles (SAKATE, 2002). Cuidado de suporte é muito importante, especialmente em gatos, e inclui monitorização de hipo ou hipertermia, suplementação de potássio oral ou parenteral se for detectada hipocalemia, e fuidoterapia parenteral, suporte eletrolítico e nutricional (BRAUND, 2003). Estes cuidados podem se estender por várias semanas. O uso concomitante de succinilcolina, tranqüilizantes fenotiazínicos e outros medicamentos causadores de depressão respiratória, além de procaína, compostos como magnésio, anestésicos inalatórios, agentes bloqueadores neuromusculares, antibióticos aminoglicosídeos, clindamicina, lincomicina, polimixinas A e B, colistina e teofilina é contraindicado nas intoxicações por agentes anticolinesterásicos (SPINOSA et al., 2008). 28 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O êxito do diagnóstico toxicológico dependerá de uma análise exaustiva de informações emergentes de estudos interdisciplinares de caráter epidemiológico, clínico, necrópsico, histopatológico e analítico (laboratório toxicológico) (OLIVEIRA et al. 2002). Segundo dados fornecidos pelo Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul, as intoxicações animais por raticidas reportadas no período de 2005 a 2007, somam 307 casos, sendo 97,1% referente a cães (95,3%) e gatos (4,7%). Dos raticidas envolvidos em acidentes tóxicos com cães e gatos, 81% foram produtos da classe dos cumarínicos, raticidas lícitos no país. Entretanto, 9,8% dos casos nestas espécies foram por raticidas ilícitos, mais especificamente a estricnina e o fluoracetato de sódio. Não há registros de intoxicações animais por Aldicarb no Estado do Rio Grande do Sul. Os dados obtidos no levantamento dos registros de intoxicação por raticidas indicam um número relevante de casos de intoxicações por estes agentes em cães e gatos neste Estado, entretanto, considerando que os registros neste órgão não são compulsórios estes dados encontram-se subestimados. Hansen (2006), realizou estudo feito através de inquérito epidemiológico em clínicas veterinárias selecionadas aleatoriamente na cidade de Curitiba, onde foram observados que de 40 de cães e gatos intoxicados por pesticidas, oito casos foram por cumarínicos, nove por carbamato e três por estricnina e, nos casos de óbito, os cães principalmente foram vítimas de pesticidas rodenticidas, mostrando que não somente a população está despreparada, como o comércio em si, que continua distribuindo tais produtos sem licença. Segundo Spinosa et al. (2008), no Brasil, os rodenticidas lícitos são somente os do tipo anticoagulante de efeito crônico, sendo esta decisão fundamentada em três pontos: (1) nas intoxicações acidentais (homem e animais não alvo) deve haver tempo hábil para o tratamento, portanto, descartam-se rodenticidas de efeito agudo; (2) necessidade de que o raticida tenha um antídoto específico para realizar o tratamento de maneira adequada; e (3) por razões humanitárias, o rodenticida não deve causar morte violenta nos animais-alvo. Ao considerar-se a gravidade potencial dos raticidas ilícitos, percebe-se que o índice de óbitos por estes agentes registrados no CIT/RS de 2005 a 2007 em cães e gatos, dos casos com evolução conhecida, revela-se muito mais alto do que por raticidas lícitos (cumarínicos): do total de casos por fluoracetato este índice foi de 62,5%, de estricnina 55% enquanto que dos cumarínicos representaram 4,6%. 29 Apesar de o aldicarb ser uma substância classificada como agrotóxico de uso restrito no país, seu uso como raticida ilícito tem sido registrado em vários estados brasileiros. Sendo assim, a divulgação de informações a respeito deste tema, incluindo o estudo da toxicologia do aldicarb, é altamente relevante, não somente por fornecer auxílio à rotina do médico veterinário, mas também por servir como um novo documento que torna público a gravidade do problema no Brasil (XAVIER et al., 2007a). Os números de intoxicações em cães foram maior do que em gatos em ambos os levantamentos epidemiológicos citados. Segundo Fraser (1991) apud Hansen (2006), embora as citações refiram-se a prevalência, não se pode deixar de levar em consideração que muitas vezes os gatos intoxicados não retornam às suas casas, pois gatos normalmente, quando adoentados, apresentam uma resposta denominada comportamento agonístico, buscando sua “segurança” em locais de difícil acesso para possíveis predadores, e conseqüentemente não podendo chegar ao socorro médico e desta forma serem identificados como caso toxicológico. Estes dados fundamentam um maior conhecimento sobre os agentes tóxicos mais envolvidos nos acidentes em nosso meio, facilitando o diagnóstico, tornando o atendimento mais rápido e também, possibilitando ações preventivas no que se refere à educação dos proprietários para o desenvolvimento de uma consciência do risco tóxico (DALLEGRAVE e SEBBEN, 2008). A anamnese auxilia o clínico na sua conduta, entretanto ela deve ser considerada mas não deve ser priorizada uma vez que muitas vezes pode ocorrer omissão, distorção ou préconcepção por parte do proprietário. A descrição pormenorizada dos sinais clínicos deve sempre prevalecer, principalmente quando se busca auxílio aos centros de informação toxicológicas, os quais representam uma importante ferramenta para a conduta clínica do médico veterinário disponibilizando dados atualizados, específicos e em tempo real, uma vez que na maioria das vezes não há tempo para uma busca bibliográfica rápida por parte do clínico veterinário frente a uma intoxicação aguda. Os casos de intoxicação são atendidos com certa freqüência em todas as clínicas veterinárias do país e representam emergência clínica na maioria das vezes (HANSEN, 2006). Portanto, o manejo de um caso agudo de intoxicação, independente do agente deve sempre priorizar o paciente emergencial para sua estabilização e a partir disto buscar qual foi a origem da intoxicação. Segundo Peterson; Talcott (2006) este manejo pode ser organizado em cinco partes: (1) ABC do paciente crítico: via aérea, respiração, circulação; (2) realizando o controle de convulsões ou tremores; (3) avaliação de distúrbios metabólicos e clínicos e instituição de um plano para sua estabilização; (4) descontaminação gastrintestinal; e (5) 30 cuidados de suporte. Animais intoxicados podem ter seus mecanismos homeostáticos severamente alterados e mais ainda podem estar hipotérmicos ou hipertérmicos. É necessário tratar o paciente e não a toxicose. Isto significa que apesar da descontaminação gastrintestinal, podem haver ainda mais preocupações em relação ao tratamento imediato em cada caso individual. A importância da sintomatologia está na decisão da conduta clínica frente às intoxicações, haja vista que nem sempre os produtos referidos no rótulo refletem a real composição, podendo haver misturas entre compostos (o que dificulta a conduta) e falta de informação sobre o tóxico (HANSEN, 2006). Os sinais clínicos associados às intoxicações por estricnina, fluoracetato de sódio e aldicarb, são muito semelhantes no que diz respeito principalmente às manifestações neurológicas, estes, iniciam-se e transcorrem de forma extremamente aguda. Entretanto, os mecanismos de ação dos mesmos são diferentes, provocando alterações no metabolismo de forma diferente. Para tanto será demonstrado no quadro abaixo um comparativo dos sinais clínicos, baseado nas referências deste presente trabalho. SINAIS ESTRICNINA Hiperexcitabilidade Sialorréia Náuseas, Vômitos Diarréia Micção freqüente Taquipnéia Ataxia Espasmos musculares Convulsões Movimentos de corrida Reflexos Pupilares Temperatura corpórea Cianose Sim Intensa Sim Sim Sim Tônico-clônicas, responsivas a estímulos externos Sem sinais de pedalagem ou movimentos de corrida Midríase Hipertermia Pode haver FLUORACETATO DE SÓDIO Sim Sim Sim Sim Sim, principalmente gatos Tônico-clônicas, em gatos, hiperreflexia ALDICARB Sim Intensa Pode haver Sim Sim Sim Clônicas ou tônico clônicas Corridas frenéticas em linha reta - Midríase Hipertermia em cães, hipotermia em gatos - Miose Hipotermia ligeira a moderada Pode haver - : não referido na literatura consultada. Figura 3. Quadro comparativo entre sinais clínicos na intoxicação por estricnina, fluoracetato de sódio e aldicarb. 31 Análises laboratoriais podem confirmar e/ou quantificar os resultados de uma exposição a um agente tóxico. Hematologia, bioquímica, urinálise podem ser de grande valia, assim como o conteúdo gástrico (vômito, coleta por sondagem ou mesmo post mortem), fezes ou mesmo pêlos. Outras análises incluem avaliação post mortem, incluindo a utilização de tecidos como fígado, rins, gordura e cérebro para pesquisa do agente, metabólitos ou mesmo possíveis lesões causadas por estes. Amostras ambientais como alimento, ração, água, solo, plantas tóxicas, iscas, medicamentos, objetos contaminados com produtos químicos, ou outros, não confirmam, mas sugerem um provável diagnóstico (DALLEGRAVE; SEBBEN, 2008). Em determinados casos, a análise toxicológica é indispensável para proceder a terapêutica posterior, para confirmar a eficácia e determinar a aplicação de tratamentos específicos. De acordo com Oliveira et al. (2002), a análise química de amostras colhidas no animal ou no ambiente é fundamental para estabelecer e confirmar o diagnóstico de um quadro clínico de intoxicação. O resultado positivo ou negativo de uma análise química nem sempre é uma evidência conclusiva da ocorrência ou não de intoxicação. Isto significa dizer que um resultado negativo não exclui a ocorrência de uma intoxicação, existem compostos químicos com elevada toxicidade, cujas concentrações nos tecidos são impossíveis de detectar e quantificar pelos métodos analíticos existentes atualmente. Dessa forma, o tratamento imediato de uma intoxicação não depende da análise toxicológica, mas sim dos sinais clínicos e da anamnese. Na maioria dos casos o tratamento sintomático realiza-se em função da perturbação das funções vitais e das alterações biológicas, portanto a determinação analítica de substâncias tóxicas pode ser solicitada nos seguintes casos (GALEY e HALL, 1990 apud OLIVEIRA et al., 2002): a) animais com sinais ou sintomas característicos das intoxicações mais freqüentes (estricnina, organoclorados, organofosforados, rodenticidas); b) morte súbita de um animal (cão ou gato) clinicamente são durante as horas que precederam a sua morte; c) morte de um ou de vários animais num contexto de atitude mal intencionada (envenenamento). Independentemente da circunstância em que a intoxicação ocorreu, a orientação do proprietário é fundamental para a prevenção de novos casos. Além disso, se há exposição animal a um determinado pesticida, é maior o risco de o ser humano tornar-se também uma vítima de intoxicação (SPINOSA et al., 2008). Muitas vezes estes produtos são utilizados erroneamente como pesticidas domésticos, ou ainda pior, utilizados intencionalmente na morte criminosa de animais. Sendo assim, a divulgação de informações a respeito deste tema é extremamente relevante, pois além de servir como auxílio à rotina do clínico veterinário, 32 serve como um documento que torna pública a gravidade do uso indiscriminado de pesticidas ilícitos no Brasil. REFERÊNCIAS AHRENS, F. A. Farmacologia Veterinária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 360 p. ALMEIDA, J.M. Toxicologia Clínica – Sintomas e Tratamentos de Emergência em animais envenenados - I Jornadas Técnicas Universitárias. Portugal, 2004. Disponível em <http://www.nucleovet.com/upload/toxicologia_clinica.pdf> Acesso em 11/ago/2007. BEASLEY, V. Toxicants that affect the autonomic nervous system. Veterinary Toxicology. International Veterinary Information Service. Ithaca, NY: 1999. Disponível em <www.ivis.or> Acesso em março/2008. BERNY, P. 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