RAUL CASTRO BRASIL
Professor - CLF
Análise das obras
UVA 2016.1
ENSAIOS
32ª Edição – 2016
COORDENAÇÃO EDITORIAL:
COORDENAÇÃO GERAL:
AUTOR:
ASSISTÊNCIA EDITORIAL:
COORD. DE PRODUÇÃO GRÁFICA :
COORDENAÇÃO DE REVISÃO:
EDIÇÃO DE ARTE:
IMPRESSÃO:
ACABAMENTO:
Francisco Lúcio Pontes Feijão
Carlos Albuquerque
Raul Castro Brasil
Silvana Cândido
Auricélio Rodrigues Vasconcelos
Andreline Coelho da Silva
Antonio Johnyslei Alves Sampaio
Gráfica CLF
Gráfica CLF
Raul Castro Brasil
Resumo das Obras - UVA 2016.1 – 32ª edição – Sobral:
CLF, 2015
Conteúdo: Literatura Brasileira - Ensaios
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2015
Impresso no Brasil
Apresentação
Caros alunos,
Se hoje sei Literatura, é porque estive escalando nos ombros de gigantes. Passei a
amar Literatura nas beiras de um terceiro ano que me predestinava a um curso de
Direito, comecei a ter professores que, quando entravam em sala, aos poucos, em
doses moderadas, mostravam-me um pouco do saber literário.
E foi nas salas do mesmo colégio que hoje ensino, que me apaixonei
perdidamente pelas letras, porque tive professores que ensinavam com tanto amor,
afinco e destreza, que aquilo me cativou, havia horas que eu não sabia o que mais me
encantava, o conhecimento que detinham ou amor com que ensinavam.
Eles me concediam a ponta do iceberg, e me convidavam a mergulhar e descobrir
o que havia por baixo, e lá ficava a contemplar a maravilha de saberes que estavam
além de uma aula. Hoje tenho a honra de estar ao lado deles em profissão.
Não estou tentando aqui convencê-lo a fazer Letras, mas se quiserem tentar....
Enfim, tento a cada dia de meu magistério transbordar esse mesmo amor,
dedicação e saber, foi por isso que surgiu esse material, apresento-lhe aqui uma ponta
do iceberg, um pouco dos cinco livros que a tão almejada UVA nos indica, o que não
os impedem de conhecê-los melhor, de estudá-los, sem ficar na loucura de qual
pergunta a questão quererá saber. Desfrutar um prazer imenso que é ler na íntegra os
romances românticos, naturalistas e pré-modernistas. Ninguém faz cálculos por
prazer, ninguém faz equações por amar Química, mas ler um bom livro, um bom
romance...
Talvez tenha sido por isso que optei pelas letras, porque descobri que, nas artes,
pode-se fazê-las com imenso prazer em ler, descobrir e estudar.
Raul Castro.
Sumário
• ROMANTISMO
I. Dona Guidinha do poço (Manoel de Oliveira Paiva) ......................... 10
II. Escrava Isaura (Bernardo Guimarães) ............................................. 10
• MODERNISMO
III. Olhai os Lírios do campo (Érico Veríssimo) ..................................... 98
IV. Menino do Engenho (José Lins do Rego) ....................................... 94
• LITERATURA CONTEMPORÂNEA
V. O grande Mentecapto (Fernando Sabino) ..................................... 94
Análise da Obra
Dona Guidinha do Poço
Manoel de Oliveira Paiva
UVA 2016.1
O AUTOR
MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA nasceu em Fortaleza, no dia 02 de julho de 1861, filho
de uma tradicional família na capital, o jovem cursou uma parte de seus estudos aqui e a
outra no Rio de Janeiro, porem retorna a sua terra, após adquirir tuberculose.
Participou do movimento intitulado Clube Literário, no qual escreveu algumas de
suas obras na Revista N'a Quinzena. Mas, foi com o romance Dona Guidinha do Poço,
que o escritor alcança o reconhecimento. O romance regionalista, que fora baseado em
fato real, no ano de 1853, em Quixeramubim, foi primeiramente, publicado em forma de
folhetins de revistas. Porém, o romance só é publicado em forma de livro no ano de
1952.
Oliveira Paiva faleceu em 29 de setembro de 1892, vítima de tuberculose.
RÁPIDAS ANÁLISES
Obra do autor cearense Manuel de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço resgata
elementos da cultura nordestina e pormenores da vida interiorana, na história de uma
mendiga que, no final do século XIX, era alvo de piadas nas ruas, por ter sido condenada
pela Justiça de Quixeramobim pelo assassinato do próprio marido. A tragédia inclui
elementos de vingança, prisões e mortes.
É a saga da fazendeira Marica Lessa. Essa via foi devassada pelo historiador Ismael
Pordeus que teve acesso em cartório de Quixeramobim, ao processo em que a poderosa
fazendeira Marica Lessa respondeu pelo assassinato de seu marido o Cel. Domingos
d´Abreu e Vasconcelos por volta de 1853. A fazendeira poderosa amasiou-se com um
sobrinho do marido, Senhorinho Pereira, e contratou o executante do crime contra seu
consorte. Descoberta a trama, a desditosa dama foi condenada a muitos anos de prisão,
vindo a cumprir sua pena na cadeia pública de Fortaleza. Ao ser solta, semi-enlouquecida
Análise das Obras | UVA 2016.1
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e depauperada, perambulava pelas ruas da capital até quando morreu como indigente.
Foi nessa história real que se baseou Oliveira Paiva para escrever Dona Guidinha do Poço.
É um romance modelar do realismo brasileiro. Compromissado com a realidade, ele
mostra uma história que realmente aconteceu, mudando os nomes dos personagens e
acrescentando alguns detalhes ficcionais e ilustrativos. Depois há a coragem do autor em
introduzir na sua linguagem o rico latifúndio lingüístico regional. O falar da região
aparece como forma de trazer não só o homem mas principalmente sua fala para dentro
do enredo. Além disso há outra realidade cruciante no romance, que ainda hoje se faz
presente na região do semiárido nordestino que é a seca.
A seca, pois, e o regionalismo margeiam o tempo todo a saga trágica acontecida na
fazenda Poço da Moita. A linguagem do povo está tão presente que necessária se tornou
a elaboração de um glossário no final do livro. Com cerca de quinhentos verbetes esse
glossário de termos bem demonstrativos do falar do sertão cearense comprova a
preocupação do autor em devassar a vida daquela gente sofrida a partir da sua
linguagem. Prova é que a partir da primeira expressão do livro “De primeiro” esse falar já
se apresenta. Depois disso vão se configurando cenas e temperamentos entrevistos sem
a crueza naturalista em moda, mas deixando-os subentendidos como na estética
realista.
Dona Guidinha do Poço é, portanto, um romance comprometido com a estética
realista, resgata a linguagem regionalista do centro sul cearense, apresenta uma história
de paixão e morte que traz, secundando-a, o fenômeno climático da seca, tão marcante
na região Nordeste como nos romances da geração de 30. Daí que o embrião para o
romance de seca da segunda fase do nosso modernismo finca-se, segundo Alfredo Bosi,
em Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva, Luzia-Homem, de Domingos Olímpio e A
fome, de Rodolfo Teófilo. Esses três autores cearenses foram testemunhas da grande
seca dos anos de 1877, 1878 e 1879. Essa temática aliada ao resgate que faz do
regionalismo, faz com que se afirme que nenhum escritor cearense soube trabalhar com
tanta felicidade a nossa linguagem do povo – sem desfigurar o conteúdo literário como
Oliveira Paiva. Além disso há a técnica narrativa empreendida pelo escritor quando ele
consegue tornar sugestiva qualquer minúcia, valendo-se de indicações objetivas para
reforçar indiretamente o sentido da narrativa ou insinuar o caráter de um personagem.
Dona Guidinha do Poço, considerado por José Ramos Tinhorão como um clássico da
literatura brasileira. Obra de profundidade, psicológica e sociológica, vale-se de um estilo
vivo, onde se fundem poesia, reflexão, senso de humor, a presença do falar regional
nordestino, além do aproveitamento das tradições orais e das narrativas dos contadores
de história.
FOCO NARRATIVO
Em função do tempo, o narrador é a voz que conta um “causo”. Jogralcontador,
assegura, através de sua narração, o tempo cósmico-simbólico e restaura, no jogo de
corda bamba, o equilíbrio. Narrador sem rosto, voz discretamente onisciente e
onipresente, porque situada em outro tempo: a história contada já aconteceu. Mas, se
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Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
algumas pistas são maliciosamente jogadas cá e lá, ele guarda a surpresa do final (que
conhece), mantendo o ouvinte-leitor preso ao narrar.
Narrador popular, oral, que pouco intervém e que tem sua fala própria – e não é de
espantar que, como Flaubert, use e abuse do estilo indireto livre.
Alguém conta uma história: o clássico narrador na terceira pessoa vai nos narrar o
que sucedeu no Poço da Moita. Vemos na narrativa outras vozes surgirem e vários
narradores proliferarem. O narrador de Dona Guidinha é um homem culto, com belo
manejo de língua, conhecedor do latim e que julga desabusadamente a sociedade.
SURGIMENTO – ORIGENS – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
A segunda metade do século XIX, na Europa, define-se por uma série de
transformações econômicas, científicas e ideológicas que possibilitam o surgimento de
uma estética anti – romântica. Começam a surgir diferenças sociais gritantes, entre as
quais sobressai o aparecimento do proletariado.
Se a maior parte dos românticos se limitou a lastimar a condição humana nessa
sociedade que se encaminhava cada vez mais para exploração do homem pelo homem,
o realista vai “dissecar” esse mesmo quadro, pondo à mostra a chaga da corrupção
social, sobretudo em duas instituições: a Família e a Igreja.
Em Portugal o Realismo / Naturalismo se inicia em 1865, com a Questão Coimbrã, e
vai até 1890, ano da publicação de Oaristos, de Eugênio de Castro, que marca o início do
Simbolismo. A Questão Coimbra foi uma polêmica entre românticos e jovens realistas,
iniciada com Antônio Feliciano de Castilho e Antero de Quental. Castilho, no posfácio de
um livro de Pinheiro Chagas (Poema da mocidade) criticou as novas idéias e teve como
resposta uma carta aberta de Antero de Quental (Bom senso e bom gosto), em que este
pregava a evolução do pensamento e a liberdade de criação, tachando Castilho de
passadista.
No Brasil, começa em 1881, com a publicação de O mulato, de Aluísio Azevedo
(naturalista), e de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (realista), e
vai até 1893, publicação de Broqueis , de Cruz e Souza
CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
Interpretação da vida: personagens (causas e feitos);
A verdade, e não apenas a verossimilhança;
Objetividade: o narrador fora da cena;
Retrato fiel dos personagens;
Critica ao homem e à sociedade;
Presença da sexualidade nas obras;
Objetivismo: a linguagem deve ser clara e não conter dados subjetivos;
Apresentação das realidades sem preocupações morais;
Retrato da vida contemporânea (descrições )
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
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TEMPO e ESPAÇO
Dona Guidinha do Poço passa-se em dois anos, distribuídos ao longo dos 5 Livros:
dois meses para o Livro I (o amor despontando); um mês para o Livro II (o amor se
consuma em posse); onze meses para o Livro III (a paixão cega); novamente um mês para
o Livro IV (o drama) e um mês ou mais para o Livro V (desenlace). Um preâmbulo de
abertura completa a conta.
O tempo cronológico, convencional e linear, com discretos flash backs, é altamente
marcado, em dias, meses e até, por vezes, horas. Uma precisão, a mais óbvia, é, no
entanto, insidiosamente escamoteada: o ano dos acontecimentos. Sabe-se que Guida
era pequena na seca de 25 (“em 25, ela era ainda pequenota…” p. 56) e que tem, no
momento da narrativa, mais de 30 anos. Essa inesperada imprecisão aponta para um
desdobramento temporal entre o enunciado e o narrado: na verdade, a história de Guida
pertence ao passado, é um “causo”, contado em outro momento. Aconteceu, “foi
verdade” (a prova, as marcas de datas), no tempo da história.
Ao tempo cronológico, exterior e ao tempo psicológico, interior, soma-se um tempo
cósmico, cíclico, marcado pelas estações. Assim o Livro I é o da seca, em março; no Livro II
vêm as chuvas de abril e maio; o Livro III, o mais extenso, cobre as quatro estações –
primavera, verão, outono, inverno e novamente as chuvas; o Livro IV retorna à primavera
e o Livro V, ao verão.
Tempo cósmico, que é o tempo real do sertão e também o do mito e que, como as
outras dimensões, dilui-se no final.
TEMÁTICA CENTRAL
O tema do romance é o adultério.
Margarida casa-se com major Quimquim sem muitos amores e logo o domina,
dominando a sua mortalidade energética e resoluta.
LINGUAGEM
A linguagem existente na obra é mista, pois temos o registro de uma linguagem :
* Objetiva e sertaneja
“De primeiro na ribeira de Curimataú (...)” (pág.9,cap. I,cap. I, ABC)
* Cartorial
“Cobre”
“Tacho,oito libras.
Bacias de cozer doces, de sangria ,de dar água as mãos (latão). [...]” (pág.12,cap. I,
livro I,ABC)
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Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
* Transcritiva poética de versos sertanejos.
“todo branco que ser rico
todo mulato é pimpão;
todo cabra é feiticeiro,
todo caboclo é ladrão;(...)” (pág., 73, cap. III, livro II, ABC)
PERSONAGENS
Margarida Reginaldo de Oliveira Barros (Guidinha) – Era uma mulher generosa
e voluntariosa. Casada com o major Joaquim Damião de Barros. Havia recebido uma
herança de seu avô, a fazenda Poço da Moita e outras terras. Apaixona-se por
Secundino, sobrinho de seu marido e com quem, supostamente, teve um caso amoroso.
Ela manda matar o marido. O crime é descoberto, e ela é presa.
Major Joaquim Damião (major Quinquim) – Major secretário da Guarda
Nacional, Joaquim Damião, o Quinquim, era uma boa alma. Havia casado com Guidinha
e com ela dividia a administração das posses. Acolhe na fazenda Poço da Moita o Silveira,
um velho conhecido, e um sobrinho. Foi morto covardemente por Naiú, um empregado
da fazenda a mando de Guidinha.
Secundino – Luís Secundino, um jovem mancebo, fugido de Goianinha, em
Pernambuco, acusado como cúmplice no assassinato do padrasto refugia-se na fazenda
de Guidinha. Enamora-se de Lalinha, a filha de um Juiz de Direito. O seu romance com
Lalinha não vinga. Envolve-se com Guidinha e ajuda-a no plano de matar o tio.
Silveira – Retirante acolhido pelo Major na fazenda Poço da Moita. Trabalha nos
serviços da fazenda, é muito irresponsável, mas tem a proteção de Guidinha, já que é
amigo de muito tempo de seu marido e Secundino. Ajuda a tramar a morte de
Quinquim. Quando Naiú estava sendo preso, Silveira foge mata adentro. Antes havia
tentado matar Quinquim com uma faca em virtude de uma discussão.
Carolina – Esposa de Silveira acolhia Secundino em sua casa para que Guidinha
fosse vê-lo.
Lalinha – Filha do Juiz de Direito, enamorou-se de Secundino. Depois de muito
sofrimento casou com o filho do líder do Partido Liberal.
Antônio – Vaqueiro da fazenda Poço da Moita, impediu que Silveira atacasse o
major com uma faca. Perdeu espaço na fazenda para o Silveira. Era um bom homem.
Abandonou a fazenda depois do episódio envolvendo o Major e o Silveira.
Naiú – Empregado da fazenda. Foi ele que, a mando de Guidinha, matou o Major
Quinquim.
Outros personagens: Venâncio, Ana Balaio, Anselmo, Dona Anginha, Pe. João,
Franco, Sampaio, Pe. Brasil, Néu.
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
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CARACTERÍSTICAS GERAIS DA OBRA
* Profundidade psicológica e sociológica dos persona-gens
“(...) a avó, mulher do primeiro Reginaldo,tão ríspida na educação dos filhos, foi de
uma notável frouxidão pra com a neta Guida (...) aos catorze anos (...) Guidinha
atravessou o impetuoso Curimataú de margem à margem(...)”
(pág. 13/14,cap. I, livro I,ABC)
* Falar regional nordestino (tradições orais/ narrativas dos contadores de
história)
“(...) Ora, o pobre coitado foi. A igreja estava no escuro, e ele trancou-se por
dentro,(...) ele ficou arrepiado com as badaladas do relógio. Antes do relógio acabar de
batê, abriu-se um relâmpo, debaixo dói chão, cum trovão terrível.(...)”
(pág. 57,cap.XII,livro I,ABC)
* Paisagem nordestina
* Pormenores do cotidiano no sertão
* Descritivismo, observação da paisagem
* Narrativa linear
* Discurso direto e indireto
“Não parecia contar já com seus trinta e cinco anos de idade os cabelos, tinha-os de
um castanho encrespado (...)”
(pág.23, cap. I, livro, I,ABC)
“(...) Onde está o novilho rajado, o Muniz ?A vaca peito duro não veio ao curral?
_Inhora, não (...)”
(pág.;23,cap.I, livro I, ABC)
* Ocorrências de sinestesias ao longo da narrativa
“a voz do vaqueiro serpeava como o rio, e tinha como este marulho e frescura
.Sussurrava como as árvores e lembrava o cheiro acre e salutar a monotonia do verde(...)”
(pág. 68, cap.VIII, do livro I, DR)
* Caráter impressionista dentro do romance
“lá estava a cara gorda e lisa de Quim, melhor para abade , a caraça queimada e
barbuda do Miguelzinho do mazapão, o rosto pálido macambúzio Tómas(...)”
(pág. cap. III, livro II, ABC)
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Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
* Presença de onomatopéias no texto
“De manhazinha, lá se foi Naiú, balaço,balaço, montando seu cavalo (....)”.
(pág. 93 cap. I,livro II, DR)
* Ambiente rural x Urbano
* Traços arcaicos do mundo interiorano
“(...) _ olhe! Não se esqueça de fazer o Pelo Sinal... antes de se meter na água
!Vosmicês quando ficam homens não se importam mais com reza (...)”
(Pág. 35 cap. I livro I, ABC)
* Homem com perfil moral e telúrico de terminado pela região
“(...) _ eu não mulher, não vou me apresentá assim aos homens nessa miséria
desgraçada(...)”
(pág. 20, cap.III, livro I, ABC)
* Presença de um caráter lírico
(referências ao período trovadoresco)
“(...) chegou a ter novelas e como as mocinhas de quinze anos, na caixinha de
adereços, ABC dos namorados (...), glosas toda uma coleção de lirismo do anônimo
gosto indígena.(...)
Mote
Estes meus cinco sentidos
Eu em ti tenho empregado
Porque não penses, benzinho,
Que eu te trago enganado (...)”
(pág.107, cap. V, livro III, VM)
* Aspecto da mulher realista que difere do perfil da mulher romântica
“(...) casara-se Margarida aos 22 anos (...)
(pág14, cap.I livro I,ABC)
ANÁLISE DA OBRA
Descrição da elite sertaneja
Para construir o perfil social da personagem Margarida, Manuel de Oliveira Paiva,
traz a linhagem familiar da fazendeira.
“De primeiro havia na ribeira do Curimataú, afluente do Jaguaribe, uma fazenda
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
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chamada Poço da Moita. Situada no século passado pelo português Reginaldo
Venceslau de Oliveira, passou a filhos e netos.”
(Pág.29, cap.I, livro I,DR)
“[...] Seu pai, o segundo Venceslau, capitão-mor da vila, possuía larga fortuna em
gados, terras, ouro, escravos...Fora um rico e mandão [...]”
(pág. 30, cap. I, livro I, DR)
No romance D. Guidinha do Poço, Manuel de Oliveira Paiva descreve a casa da
fazenda, especificamente, a sala da casa:
[...] A sala visitas era mobiliada com rigor. Canapé, cadeiras, mesa com pés de talha.
Nas paredes, caiadas, nenhum retrato. Um registro de Santo Antônio e outro de Santa
Margarida de Cartona [...]
(pág.65, cap.VII, livro I, DR)
Para descrever a sobriedade da casa, mostra o bom gosto de classe. Ao descrever,
por sua vez, a composição da bandeja na qual é servido o lanche por ocasião da chegada
de Secundino, como hábito e costume de vida cotidiana no sertão:
“ Pegava na xícara de porcelana e no bule de prata. Vinha leite fervido em um boião.
Não eram peças de um aparelho, e sim desencontradas, cada qual mais valiosa e rara,
desses objetos que são como quadras de pé de viola, pequeninas preciosidades, que no
sertão passam de avós a netos, ficando fora do uso mundano[...]”
Apesar de, logo no primeiro capítulo, Oliveira Paiva apresentar quase três páginas de
um relatório ou um inventário, os bens herdados por D. Guidinha, em ouro (moedas,
fivelas, brincos etc); em prata (jarros, bacias, leiteiras, tigelas etc); e em tachos, bacias,
sinos); em ferro e em bens móveis (gados e escravos) e imóveis (fazendas e casas etc.),
são nessas passagens que o autor reforça a idéia do luxo em que viviam as classes
abastadas do sertão.
* Princípios cristãos e a religiosidade sertaneja
Podemos, também, observar que a religiosidade é uma das principais caracteríscas
na vida não só da elite sertaneja, mas de todo sertanejo. Faz-se presente a devoção, a
submissão e a generosidade como princípios cristãos, descritos nas seguintes passagens:
“O que ela sentia era vontade de ajudá-los, como cristão ajuda a cristão...”
“Se recebendo o nome do marido, ela fez tudo o mais que ordena a Santa Madre
Igreja, a Deus pertence.”
“Guida assistiu à reza [...].”
“O terço foi oferecido a Nossa Senhora, em honra ao santo mês de Maria[...]”
(Pág.105, cap. III, livro II,DR)
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Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
Guidinha x a Sociedade do século XIX.
* Matrimônio
O casamento durante muito tempo ocorreu por conveniência, por interesse, um
objeto possível de ser atingido por meio de manipulações estratégicas.
Já em Guidinha do Poço, Margarida casa-se por vontade própria, sem nenhuma
pressão familiar ou social:
“Casou-se Margarida, finalmente, aos 22 anos, já morto o velho Vencesleu.”
(Pág.35, cap.I, livro I,DR)
* Relação de poder dentro da Instituição familiar
De acordo com os princípios patriarcais da época, século XIX, o chefe da casa é quem
determina todas as coisas que devem acontecer na casa, ou seja, fica a cargo do homem
mandar. A mulher é tida como ser inferior, tendo que obedecer todas as determinações
do ser superior, o homem.
Na Obra de Oliveira Paiva, Guidinha é a matriarca, ela toma as decisões. Quebrando
assim os dogmas e tradições da época. É “dona do próprio nariz”, uma figura forte e
imperiosa, temida até pelo marido, Major Quinquim.
[...] o marido levava a mal aquela prodigalidade caritativa [...] Então ela volto-se
friamente: - Eu dou do que é meu.
(Pág. 39, cap. II, livro I,DR)
* Educação
As mocinhas do sertão de famílias abastadas, com alto poder aquisitivo,
geralmente, eram mandadas pelos pais para a capital a fim de estudar.
“Lalinha [...] filha do Juiz de Direito, educada na capital.”
Em oposição a esse aspecto, Margarida estudava na vila, próximo a fazenda de seu
pai. Por ser filha única, eram-lhe feitas as suas vontades.
“Aí, na vila, passou Guidinha em companhia da avó, os quatro anos que gastou na
escola régia onde aprendeu a ler por cima: o catecismo, as quatro espécies de conta, e a
escrever sem apuros”.
(Pág.34, cap.I, livro I,DR)
O aspecto paradoxal de Guidinha do Poço
A mulher inserida na sociedade sempre foi vista, apresentando uma dualidade
comportamental, ora é vista como um ser bom, supremo e generoso, ora como um ser
demoníaco, isto é, podendo levar o homem à “queda”, ou até mesmo, à morte.
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
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No livro D. Guidinha do Poço, a personagem Margarida é retratada como uma figura
generosa, bondosa, com sentimentos nobres e, até mesmo, com sentimentos
românticos encontrados no Romantismo.
“Margarida era extremamente generosa para os retirantes que passam pela sua
fazenda ... Tinha duas escravas incumbidas unicamente de servi-los.”
(Pág. 39, cap.I, Livro I,DR)
“Margarida às vezes sentia não poder casar bem, frisar bem, dar certo com o esposo
que recebeu ao pé do altar”.
(Pág.189, cap.V, livro IV, DR)
No trecho a seguir, podemos observar o sentimentalismo de Guidinha ao escrever
versos de amor para o sobrinho de seu marido, Secundino:
“[...] Vivia por aquele a longos traços, na superexcitação poética do desejo e da
saudade, quando por cá a gente gosta de brisas, de luares, de estrelas, de auroras, de
nuvens que passam. Chegou a ter novelas e a possuir, como as raparigas de quinze anos,
na caixinha dos adereços o ABC dos namorados, décimas, corações com versos e pingos
de tinta roxa, glosas, toda uma coleção de lirismo do anônimo gosto indígena.
(pág.147, cap. V, livro III,DR)
E em determinadas passagens é tida como uma figura do mal, capaz de coisas
maquiavélicas e imagináveis, contrastando com sua face generosa e romântica descrita
em passagens da narrativa. Vejamos a seguir trechos que demonstram o caráter sombrio
na visão do narrador e do próprio marido:
“A matrona foi logo dizendo: _ Lulu, mandei-o chamar para um serviço importante
[...] Dê cabo de mim ou dele: um de nós deve desaparecer.”
(pág. 224, cap.VI,livro V,DR)
“... Margarida era como um palácio cuja fachada principal desse para um abismo.”
(pág. 40,cap.I, livro I,DR)
A mulher para os clérigos era considerada um ser muito próximo da carne e dos
sentidos e, por isso, uma pecadora em potencial. Afinal, todas elas descendiam de Eva, a
culpada pela queda do gênero humano. No início da Idade Média, a maior parte das
autoridades eclesiásticas desse período, via a mulher como portadora e disseminadora
do mal. A próxima passagem indica exatamente a fala de uma figura eclesiástica:
“Vão ver que ela usou de feitiçaria [...] Ora se não é isso! Vão ver [...] Se creio! O
inimigo de gênero humano não dorme. E mulheres? Mulheres, mulheres! A nossa mãe
Eva que não me deixa mentir.”
(Pág. 36, cap.I, livro I, DR)
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Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
RESUMO
I
Dona Guidinha do Poço, ou melhor Margarida, possui uma larga riqueza onde logo
no começo o narrador nos dá uma relação de toda a fortuna e bens que possuía seu pai.
Margarida era herdeira das terras e casa somente aos 22 anos, e claro, já era
comentário na cidade inteira.
Em todo caso, razão tivesse ou não o sacerdote, é certo que o começo do
tirano amor é sempre de umas exterioridadezinhas, pontinhas de dotes
profundos, que, em faltando, a mulher parece antes um homem, ou antes um
animal sem sexo. Margarida era muitíssimo do seu sexo, mas das que são pouco
femininas, pouco mulheres, pouco damas, e muito fêmeas. Mas aquilo tinha
artes do Capiroto.
Transfigurava-se ao vibrar de não sei que diacho de molas.
Até que ela casa:
Esposando ao Major Joaquim Damião de Barros, uns dezesseis anos mais
avançado que ela na idade, passou a chamar-se Margarida Reginaldo de Oliveira
Barros. Se, recebendo o nome do marido, ela fez tudo o mais que ordena a Santa
Madre Igreja, a Deus pertence.
II
Ao chegar feveiro, data provável de chuva, nada vem, a seca se alastra pelo sertão
em mais de cinco fazendas, de Quixadá a Quixeramobim, chega março, o desespero
começa:
O calor subira despropositadamente. A roupa vinha da lavadeira grudada
do sabão. A gente bebia água de todas as cores; era antes uma mistura de não
sei que sais ou não sei de quê. O vento era quente como a rocha nua dos
serrotes. A paisagem tinha um aspecto de pêlo de leão, no confuso da galharia
despida e empoeirada, a perder de vista sobre as ondulações ásperas de um
chão negro de detritos vegetais tostados pela morte e pelo ardor da atmosfera.
As serras levantavam-se abruptamente, sem as doces transições dos
contrafortes afofados de verdura.
Guidinha sempre tratava bem os retirantes e dava-lhe o que fosse necessário para a
caminhada, desde de que não ficasse, o marido não gostava, quando reclamou pela
terceira vez, ela disse: “Dou o que é meu.” O marido era pobre e se sente humilhado por
tal ofensa, não devia provocado.
III
Nisso vem um casal de retirantes, era Carolina com Antônio Silveira, vem com toda a
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
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família de retirantes, a mulher reconhece Quiquim e vai até lá pedir ajuda, o marido de
Margarida vai até eles e pede que os fique, interessante é como Guidinha os trata, com
indiferença, e ainda ironizando o marido.
No entanto, com o tempo, ele acaba gostando da família do Silveira e passa a os
proteger.
Passasse-se um ano.
Luísa uma das empregadas da casa vislumbra um cavaleiro, antes que Guida se
manifestasse , o homem já está perto dela, Quinquim não estava, fora à missa, o homem
se dirige a Margarida e ela percebe não ser um qualquer. Manda Luísa acompanhá-lo e
servi-lo de mantimentos.
IV
O vaqueiro desconhecido é arranchado pelo empregado da casa e uma prosa
começa até que:
- Que mal prigunto, mó de que Vosmicê é negociante vendedor de fazenda e
miudeza?
- Pergunta bem, ando mascateando por estes mundos. Desembarquei no
Aracati...
Depois de uma pausa, pasmando, continuou o campônio:
- Corage munta! É corage, meu sinhozinho!
- Como assim?
- E apois? S'interrá por estes mundo de seca com cargas de negoço, não era
eu, não... Como é a
graça de Vossa Mercê?...
- Luís Secundino de Sousa Barros, um seu criado.
- Criado seja de Deus. Mas... como é o derradeiro nome?
- Barros, um seu criado.
- De Pernambuco?
- Da Mata.
- Gentes! Será parente de Seu Major? A mó de que inté nas feição dá uns
ares! Quem sabe se não
será?
- Como se chama ele?
- Joaquim Damião de Barros.
- Bateu! É meu tio. Pode pedir alvíssaras que atrás dele é que eu andava.
O empregado se exalta, manda voltar as bagagens, diz que era providência divina, o
rapaz pergunta que era a mulher com quem ele havia falado, o empregado diz ser sua tia
Dona Guida, o logo ele diz:
- Pois tenho uma tia de se lhe tirar o chapéu, meu amigo. Olha que o velho
18
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
teve bom gosto!
O empregado não liga para o galanteio e continua na sua exaltação, e o hospeda em
um belo quarto.
V
Logo o narrador nos conta a que estava Secundino:
Mas não havia jeito senão ter partido de Goianinha. Vira-se forçado.
Apontado como cúmplice no assassinato do padrasto, os tios, irmão deste,
estavam vendo a hora em que o levavam pelo cós, visto no processo a coisa ir-se
complicando. E o Silveira? O Silveira é que sabia bem que ele não fora mandante
do assassinato. Verdade seja que se achava bastante intrigado com o padrasto e
tio por causa de Martinha, e que não entristeceria com a morte deste, de que
resultaria até uma boa herança para sua mãe; levar, porém, isso até o desejo do
homicídio, não, não era para ele, Secundino.
Viajara com o Silveira do Recife para Goianinha no dia em que foi cometido
o crime no Mossoró. O Silveira seria uma testemunha excelente a seu favor.
Sabia perfeitamente de todas as suas passadas, naquele tempo.
Nisso Secundino tem vontade de ir tomar banho no rio e se depara com Silveira e
com Carolina, vão para debaixo de uma árvore e Silveira narra todas as dificuldades que
passou, o quanto sofreu, o quanto os senhores de terras e fazendeiros matavam
retirantes que furtavam de sua terra como quem derruba uma planta ou mata uma
raposa ladra.
Nisso Secundino pede a ajuda a Silveira no que diz respeito ao processo e tudo fica
arranjado para ele depor.
VI
Nisso Secundino conhece Anselmo, moleque mandado por Guidinha para servi-lo,
Silveira é convidado ao banho, mas não vai, pois precisa ajudar no parto de uma jumenta,
no trajeto para o banho ele se dirigi com o menino e começa a sondar Guidinha e toda a
família:
- Que idade tens? perguntou ao moleque, para desopilar.
A Senhora dizia que nove anos. Nascera pela missão de Frei Serafim.
Aqui, o moço foi puxando um diálogo, falante que era o cabrinha.
A Dona Guidinha tinha filhos?
Que não, que a Senhora não tinha fio ninhum; o Sinhô é que tinha dois fio
apanhado, que moravam na Goiabera e eram já home.
...
A Senhora era boa para os escravos?
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
19
Inhor, sim, mas às vez usava de barbaridade, às vez era muito rispe. Gostava
munto de guardá rixa. Quando tinha raiva era capais de matá... Ele havia levado
üa vez üa surra qui ela deu qui ficou cãs costa ferida. Mas tirante disso, era boa
dimais.
E para o Senhor?
Pra o Sinhô? Achava que sim. Mais as nega às vea dizium qui eles tavam
mau. Ti Jaquim rifiria qui a Senhora era cuma cavalo cacete, qui tem sinau
incoberto.
Era muito rica?
Diz qui munto.
Possuía muito ouro?
Diz qui munto.
Muita prata?
Inhor, sim. Cuieres, copo, bacia, jarro... Mais tava tudo cage sempre
trancado, só butava pra fora dia de festa...
Chega ao local do banho se despede do moleque que vai pescar piaba.
VII
Nisso ia dona Guidinha deduzindo o porquê daquele rapaz ali, lembra que o marido
já havia lhe falado que ele estava envolvido em cúmplice de assassinato, mas não dissera
o porquê, nisso a mulher ia ficando na curiosidade.
VIII
Esse capítulo narra a chegada de Joaquim em sua casa e se depara com o sobrinho,
ambos se abraçam e se emocionam, nisso fica Margarida a espreitá-los.
IX
Nesse capítulo narra de forma breve a tentativa de Dona Anginha, tia-avó de
Margarida em contestar o rapaz dos reais motivos que o levavam a procurar pelo tio.
X
Secundino já estava ficando a vontade e já se sentia parte da casa, Guida passa a
gostar mais do mancebo, ocorre um jogo de baralho na qual Margarida participa e o par
dele é ela, trocam olhares, depois de muita conversa, o narrador nos fala de Silveira, que
andava com certas irresponsabilidades na fazenda, mas já custeava da proteção de
Margarida, então ela interroga se Silveira não iria para Goianinha, ele fica bastante
envergonhado, pois achava que pintava de bom moço, mas agora ele estava ainda mais
a vontade e uma espécie de sentimento brota de seu peito:
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Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
Secundino fazia silêncio, meio confuso. Então ela queria que o homem
fosse, isto é, que o Silveira se largasse para Goianinha a fim de jurar no seu
processo, aliviando-o de semelhante pesadelo?
Queria, estava dizendo de sua boca. Era pois certo o que se espalhava a
respeito dessa mulher generosa e valente. Feliz quem lhe caísse nas graças. E
notava agora na parceira uma harmonia de traços, que não lhe tinha visto ainda,
que venciam a rudeza dos modos da matuta, espalhando, como a frutificação do
croatá, dentre os espinhos, um aroma denunciador.
Começou o rapaz a sentir-se muito grato àquela senhora.
XI
Ocasiona-se uma janta na casa de dona Guidinha e todos já consideram Secundino
como membro da família,
Ao enredo
A paixão entre ele e Guidinha fica, porém, subentendida. O major Quinquim, como
era popularmente chamado o seu marido, começa a desconfiar do envolvimento dos
dois. Acometido de uma doença ele, então, resolve viajar, mas antes de ir bota o
Secundino para fora da fazenda. Guidinha resolve vingar-se do marido e, mancomunada
com o amante e Silveira, manda Lulu Venâncio, um assassino da região, matá-lo. Porém,
este desiste na hora. Ao saber que o assassino não tinha matado seu marido, Guidinha,
então, manda Naiú, o filho de um empregado, concluir “o serviço”. Dias depois, o major
é assassinado. A população revolta-se querendo “linchar” Naiú. Guidinha é tida como a
mandante do homicídio. O juiz manda prendê-la. Quando está sendo levada para a
prisão, atravessa a cidade com arrogância e coragem. Na prisão, ela não para de pensar
no que pode acontecer a Secundino. Ao final, o crime não é totalmente esclarecido, mas
Guidinha ficou sendo a única responsável pelo assassinato do marido.
Dona Guidinha do Poço |Manoel de Oliveira Paiva
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Análise da Obra
Escrava Isausa
Bernardo Guimarães
UVA 2016.1
RÁPIDAS ANÁLISES
Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as desventuras de
Isaura, escrava branca e educada, de caráter nobre, vítima de um senhor devasso e cruel.
O romance A Escrava Isaura foi um grande sucesso editorial e permitiu que Bernardo
Guimarães se tornasse um dos mais populares romancistas de sua época no Brasil. O
autor pretende, nesta obra, fazer um libelo anti-escravagista e libertário e, talvez, por
isso, o romance exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a imaginação
popular perante as situações intoleráveis do cativeiro.
O estudioso Manuel Cavalcanti Proença observa que: "Numa literatura não muito
abundante em manifestação abolicionistas, é obra de muita importância, pelo modo
sentimental como focalizou o problema, atingindo principalmente o público feminino,
que encontrava na literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa sociedade em
que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-estabelecidos; o mais do tempo
ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório, bordando, cosendo e ouvindo e falando
mexericos, isto é, enredos e intrigas, como se dizia no tempo e ainda se diz neste
romance."
O NASCIMENTO DO ROMANCE
A publicação de romances em folhetins - os capítulos aparecendo a cada dia nos
jornais - já era comum no Brasil desde a década de 1830. A maior parte destes folhetins
era composta por traduções de romances de origem inglesa, como as histórias medievais
de Walter Scott, ou francesa, como as aventuras dos Três Mosqueteiros, de Alexandre
Dumas.
Emocionados, os brasileiros acompanhavam as distantes aventuras de um Ivanhoé
ou de um D'Artagnan, transportando-se, em espírito, para os campos e reinos da
22
Análise das Obras | UVA 2016.1
Europa.
Embora fizessem sucesso junto ao público, os primeiros romances brasileiros,
publicados em folhetim, não deixavam de ser considerados, pelos literatos "sérios",
como "uma leitura agradável, diríamos quase um alimento de fácil digestão,
proporcionado a estômagos fracos."
O romance, esse gênero literário novo e "fácil", que foi introduzido na literatura
brasileira por autores como Joaquim Manuel de Macedo e Teixeira e Sousa, ganharia
status de literatura "séria" com a obra de José de Alencar.
Os Romances Brasileiros
Na década de 1840 começam a aparecer alguns folhetins de autores nacionais,
ambientados no Brasil. Teixeira e Sousa (1812-1861), considerado por muitos o nosso
primeiro romancista, estréia em 1843 com O Filho do Pescador.
No ano seguinte, o jovem estudante de medicina, Joaquim Manuel de Macedo
(1820-1882), surge com A Moreninha, o primeiro romance nacional "apreciável pela
coerência e pela execução". Em meio à corrente açucarada dos nossos primeiros
folhetinistas surge, já em 1852/53, a obra excêntrica de um jornalista carioca de vinte e
um anos chamado Manuel Antônio de Almeida (1831-1861).
As suas Memórias de um Sargento de Milícias retratam de forma irônica a vida do Rio
de Janeiro "no tempo do rei" Dom João VI e apresentam um contraponto cômico à
seriedade por vezes excessiva e à inverossimilhança dos romances do Dr. Macedinho.
A descrição do cenário nacional
O público interessava-se, portanto, cada vez mais por um romance de aventuras
românticas que apresentasse o cenário brasileiro. O grande sucesso de público de O
Guarani (1857), de José de Alencar, em que as aventuras de Peri e sua amada Cecília se
desenrolam em meio à exuberante natureza fluminense, estimula os escritores a se
voltarem para a apresentação da ambientação tipicamente nacional em suas obras.
Na década de 70 essa tendência nacionalista haveria de se consolidar, com o
surgimento das obras de Franklin Távora (1842-1888), autor de O Cabeleira (1876) e o
Visconde de Taunay (1843-1899), autor de Inocência (1872). É nesse cenário literário que
aparece, em 1875, um dos maiores sucessos de público do período: A Escrava Isaura, que
explora uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira da época, a
escravidão..
Foco Narrativo
O foco narrativo do livro Escrava Isaura é na terceira pessoa.
Tempo e Espaço
O autor localiza a narrativa em uma temporalidade histórica: "Era nos primeiros
anos do reinado do Sr. D. Pedro II". Este parágrafo lança o leitor em uma temporalidade
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
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apenas familiar para os leitores da época da publicação do romance. Ele foi publicado na
década de setenta do século XIX, durante o império do Sr. D. Pedro II.
No parágrafo seguinte, o leitor é enviado para um espaço banal, o espaço do
município de Campos de Goitacazes. Este município foi um dos centros da economia
escravagista do sudeste.
Conduzindo o leitor pelo olhar, o narrador descreve a fazenda situada à margem do
rio Paraíba, a pouca distância da vila de campos. O olhar do narrador põe a arquitetura da
fazenda, tendo como centro do palco a casa-grande e as senzalas, em uma paisagem
brasileira que lembra, de uma outra maneira, a descrição maravilhosa da descoberta do
Brasil na Carta de Pedro Vaz de Caminha. Neste Jardim das delícias senhorial, o leitor
descobrirá, se tiver vontade de ver, uma versão ficcional do regime oligárquico de poder
do Brasil-Nação funcionado ao lado da poética da natureza de Bernardo de Guimarães.
O poder oligárquico e a poética da natureza brasileira são os dois objetos que remetem o
leitor para a temporalidade histórica do romance. Escrito na campanha abolicionista
(1875). O autor pretende, nesta obra, fazer uma acusação documentada anti - escravo e
da liberdade. O autor explorou uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira
da época: a escravidão.
Linguagem
O tratamento exageradamente romântico que o autor aplica neste livro faz com que
tenha um caráter mais de lenda do que de realidade, ao contrário de seus outros
romances, como O Ermitão de Muquém (1864), O Seminarista (1872) e O
Garimpeiro(1872). Nessas obras, a descrição regionalista do ambiente físico e social
proporciona mais verossimilhança à trama.
Em A Escrava Isaura, o excesso de imaginação traduz-se em "idealização
descabida", como afirma Antonio Candido, que se concretiza no plano da linguagem
em descrições repetitivas e mecânicas das personagens, com abuso de adjetivos
redundantes. Observe-se a descrição de Isaura quando se senta ao piano no salão de
baile, em Recife:
"A fisionomia, cuja expressão habitual era toda modéstia, ingenuidade e
candura, animou-se de luz insólita; o busto admiravelmente cinzelado ergueu-se
altaneiro e majestoso; os olhos extáticos alçavam-se cheios de esplendor e serenidade; os
seios, que até ali apenas arfavam como as ondas de um lago em tranqüila noite de luar,
começaram de ofegar, túrgidos e agitados, como oceano encapelado; seu colo
distendeu-se alvo e esbelto como o do cisne, que se apresta a desprender os divinais
gorgeios. Era o sopro da inspiração artística, que, roçando-lhe pela fronte, a
transformava em sacerdotisa do belo, em intérprete inspirada das harmonias do céu."
Temática Central
A temática está ligada a essa passagem: “Demais não tive preocupação literária ao
compor essas páginas. Procurei contar a vida dos trabalhadores das fazendas de cacau.
24
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
Não sei se desvirtuei esse trabalho contando meu caso com a filha do patrão. Mas isso
entrou no livro naturalmente, apesar de não ter sido convidado. Um dia talvez eu volte às
fazendas de cacau. Hoje tenho alguma coisa a ensinar. Se eu não voltar, Colodino
voltará.”
Essa vai ser a grande diferença que o leitor vai notar nas obras regionalistas, as obras
naturalistas destacavam problemas mais gerais: o preconceito, a homossexualidade, já
os regionalistas, além da fuga do urbano para o rural, aplicavam seu foco literário sobre a
região destacando problemas que só ali haviam para que a sociedade visse o que se
passava ali.
Personagens
A construção dos personagens é simples. Eles são facilmente indentificáveis e não
mudam seu comportamento nem suas características. Maniqueístas, os envolvidos na
trama são bons ou maus e permanecem nessa condição no transcorrer da história.
Isaura: É a personagem central do romance. Filha da escrava Juliana e do bom feitor
Miguel, Isaura é dócil, formosa, educada, letrada e repleta de dons artísticos. Escrava
submissa, ela suporta o assédio de Leôncio, filho do comendador Almeida, porque
acredita que só deve se entregar a um homem por amor. Veja a descrição de Isaura:
“Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça (...) A tez é
como marfim do teclado (...) O colo donoso e do mais puro lavro sustenta com graça
inefável o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e fortemente ondulados se despenham
caracolando pelos ombros em espessos e luzidios rolos.”
Leôncio: O vilão da trama. Filho único do comendador Almeida, o dono da fazenda
situada em Campos dos Goitacases (RJ), é uma criança difícil, que cresce e se torna um
homem inescrupuloso. Casa-se com a rica Malvina, mais é incansável na perseguição a
Isaura. Veja a descrição de Leôncio:
“Mau aluno e criança incorrigível, turbulento e insubordinado, andou de colégio em
colégio (...) Matriculado na escola de medicina, logo no primeiro ano enjoou-se daquela
disciplina, e como seus pais não sabiam contrariá-lo, foi-se para Olinda a fim de
frequentar o curso jurídico. Ali, depois de ter dissipado não pequena porção da fortuna
paterna na satisfação de todos os seus vícios e loucas fantasias, tomou tédio também aos
estudos jurídicos.”
Álvaro: É i bom moço da história. Conhece Isaura quando esta foge com o pai para
Recife. Tornam-se amigos e em pouco tempo a amizade dá lugar a um profundo amor.
Por princípio, Álvaro é abolicionista e, como prova, emancipa todos os escravos que eram
herança da fazenda de seus pais. Leia algumas características enumerdas pelo escritor
sobre Álvaro:
“Era um desses entes privilegiados, sobre quem a natureza e a fortuna parece terem
querido despejar á porfia todo o cofre de seus favores. Filho único de uma distinta e
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
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opulenta família (...) Era de estatura regular, esbelto, bem-feito e belo (...) Tinha ódio a
todos os privilégios e distinções sociais, e é escusado dizer que era liberal, republicano e
quase socialista.”
Miguel: Pai de Isaura. Feitor da fazenda do comendador Almeirda, coloca-se ao
lado da filha e a protege da perseguição de Leôncio.
Juliana: Mãe de Isaura. Linda mulata, é a criada predileta da esposa do comendador
Almeida. Morre jovem em razão dos castigos praticados pelo comendador.
Malvina: A esposa de Leôncio. Filha de um rico negociante da corte, é um formosa e
elegante dama da sociedade.
Henrique: O irmão de Malvina. Estudante de medicina, tem dignidade e bom
coração, mas também tenta seduzir Isaura.
Belchior: É o jardineiro da fazenda. Torto, de cabeça grande, tronco raquítico e
pernas arqueadas, Belchior é apaixonado por Isaura. Tem o costume de dar flores á
mulher cujo amor não é correspondido.
Comendador Almeida: Pai de Leôncio e dono da majestosa fazenda. Com idade
avançada e cheio de enfermidades, ele delega a administração da fazenda ao filho.
Rosa: É uma amante de Leôncio. Linda e esbelta, passa a nutrir ódio por Isaura
depois que esta vira a menina dos olhos de Leôncio.
André: É o pajem de Miguel. Atraído pela beleza de Isaura, também tece galanteios
á filha do feitor, que o afasta de imediato.
Dr. Geraldo: Amigo de Álvaro. Advogado conceituoso, é o ponto de equilíbrio para
Álvaro ponderar suas atitudes em relação á condição de Isaura como escrava.
Martinho: É um espião que presta serviço a Leôncio. Ganancioso, ele descobre
Isaura no baile e conta a seu senhor com o objetivo de ganhar muito dinheiro.
Vejamos como Guimarães descreve sua heroína:
“A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma
nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. (.) Na
fronte calma e lisa como o mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave
reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo
celeste da inspiração.”
Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de "criança incorrigível e
insubordinada" e adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba
por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso, casando-se com Malvina, linda, ingênua
e rica, por ser "um meio mais suave e natural de adquirir fortuna". Persegue Isaura e se
recusa a cumprir a vontade de sua mãe, já falecida, que queria dar a ela a liberdade e
alguma renda para viver com dignidade.
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Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
Álvaro é um rico herdeiro, cavalheiro nobre e de caráter impecável, que "tinha ódio a
todos os privilégios e distinções sociais, e é escusado dizer que era liberal, republicano e
quase socialista"; um jovem de idéias igualitárias, idealista e corajoso para lutar contra os
valores da sociedade a que pertence. Sua conduta moral é assim descrita pelo autor:
“Original e excêntrico como um rico lorde inglês, professava em seus costumes a
pureza e severidade de um quacker. Todavia, como homem de imaginação viva e coração
impressionável, não deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegância, e sobretudo as
mulheres, mas com certo platonismo delicado, certa pureza ideal, próprios das almas
elevadas e dos corações bem formados.”
Apaixonado por Isaura, o grande obstáculo que Álvaro precisa vencer é o fato de ser
Isaura propriedade legítima de Leôncio. Para isso, vai à corte, descobre a falência de
Leôncio, adquire seus bens e desmascara o vilão. Liberta Isaura e casa-se com ela,
desafiando, assim, os preconceitos da sociedade escravocrata.
Nos demais personagens o processo de construção é o mesmo. Miguel, pai de
Isaura, foge do conceito tradicional do mau feitor. Quando feitor da fazenda de Leôncio,
tratara bem aos escravos e amparara Juliana, mãe de Isaura, nas suas desditas com o pai
de Leôncio. Pai extremoso, deseja libertar a filha do jugo da escravidão e não mede
esforços para isso.
Martinho é o protótipo do ganancioso: cabeça grande, cara larga, feições grosseiras
e "no fundo de seus olhos pardos e pequeninos,. reluz constantemente um raio de
velhacaria". Por querer ganhar muito dinheiro entregando Isaura ao seu senhor, acaba
por não ganhar nada.
Já Belchior é o símbolo da estupidez submissa e também sua descrição física se
presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda. O crítico
Manuel Cavalcanti Proença aponta "o parentesco entre o disforme e grotesco (de gruta)
Belchior, e o Quasímodo de O Corcunda de Notre Dame, de Víctor Hugo, romance de
extraordinária voga, ainda não de todo perdida, no Brasil."
O Dr. Geraldo é um advogado conceituado, que serve como fiel da balança para
Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo, mostrando-lhe a realidade dos
fatos.
Quando Álvaro, revoltado com a condição de Isaura e indignado com os horrores da
escravidão, dispõe-se a unir-se a ela, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade,
Geraldo retruca lucidamente que a fortuna de Álvaro lhe dá independência para
"satisfazer os teus sonhos filantrópicos e os caprichos de tua imaginação romanesca". O
que não é, na verdade, característica restrita apenas à sociedade escravocrata do século
XIX.
RESUMO
Em uma bela fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ), morava Isaura,
uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de uma bonita escrava que por não se
sujeitar aos sórdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as
mais terríveis privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um bom
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
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homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse
relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do comendador, e era dotada de natural
bondade e candura do coração além de saber ler, escrever, italiano, francês e piano. A
mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não fazia para conservá-la
perto e assim ter companhia.
O Sr. Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a fazenda a seu filho
Leôncio. Este era digno herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do
comendador.
Casou-se por especulação. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor. Ele chega à
fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado - Henrique. Malvina era mulher dócil e
tratava Isaura muito bem. Henrique era um filho rico, estudante de medicina, e também
ficou tocado pela beleza de Isaura. Morre a mãe de Leôncio sem deixar testamento que
libertasse Isaura.
Henrique rapidamente percebe as intenções de Leôncio para com Isaura. Temendo
que ele traia sua irmã, adverte que não vai tolerar tal ato. Henrique se oferece como
amante para Isaura e daria em troca sua liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser
disforme e desprezível, também se oferece como amante. Isaura não dá atenção a essas
propostas, e diz nunca casar sem amor. Leôncio é avistado por Henrique e Malvina
quando fazia semelhante proposta à Isaura. Malvina sentencia: ou ela (Isaura) ou eu.
No mesmo momento da calorosa discussão, aparece o pai de Isaura com o dinheiro
suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de réis, para comprar a liberdade dela
conforme havia prometido o comendador Almeida. Leôncio não aceita o dinheiro e dá
desculpas.
Morre o pai de Leôncio e ele finge imensa tristeza por dias, e fica temporariamente
sem brigar com a mulher. Passado certo tempo, Malvina continua a pressão para libertar
Isaura. Com as desculpas e adiamentos de Leôncio, ela decide voltar para casa do seu pai.
A sua saída era caminho livre para os intentos indecentes de Leôncio. Como Isaura
continuava a resistir, Leôncio ameaça com torturas. Miguel, sabendo do acontecido,
decide fugir com Isaura para o Norte.
Chegando a Recife, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para Anselmo (para
ninguém os descobrirem) passando a morarem numa chácara no bairro de Santo
Antônio. Álvaro era um moço rico, filho de uma distinta e opulente família, liberal,
republicano e abolicionista ao extremo.
Ele avista Isaura ao passear perto da sua chácara e a conhece, passando a visitá-la
constantemente. Álvaro se utiliza de todos os meios para convencer Isaura a ir a um baile
com ele. Isaura não queria ir para não enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por
diversas vezes tentou contar a Álvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas não
tinha coragem.
No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua beleza e por
tocar muito bem piano. Contudo, é reconhecida por Martinho - um estudante de sórdida
ganância e espírito de cobiça - que havia guardado um anúncio de escravo fugido. Ele
provoca um escândalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade se
tratar de uma escrava. Álvaro, não obstante, defende Isaura das mãos imundas de
28
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
Martinho. Martinho, sem conseguir levá-la, escreve para Leôncio informando que havia
achado sua escrava.
Graças à valiosa intervenção de Álvaro, Miguel e Isaura continuam na sua chácara
em Santo Antônio na espera das ações que ele havia prometido tomar. Isaura conta que
fugiu para escapar do amor de um senhor cruel. Enquanto Álvaro se encontrava na
chácara, Leôncio aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Leôncio encontrava-se
munido de um mandado de prisão contra Miguel e guardas para levar sua escrava.
A aparição é seguida de forte discussão e Álvaro avança contra Leôncio. A briga é
cessada com a aparição de Isaura que se entrega ao seu senhor.
Isaura volta à fazenda onde fica na mais completa reclusão. Leôncio volta para
Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel é ludibriado na cadeia e convencido
a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da fazenda, em troca da
liberdade sua e da filha.
Isaura aceita o sacrifício, pois estava sem forças e sem esperança. Leôncio já havia
tomado todas as providências para o casamento, quando é informado que alguns
cavalheiros chegaram. Pensando se tratar do vigário e do tabelião, manda eles entrarem.
Fica surpreso ao ver Álvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns
comerciantes que Leôncio estava falido. Compra os seus créditos e fica dono de toda a
dívida de Leôncio.
Álvaro fala para Leôncio que nada mais o pertence, que toda a sua fazenda incluindo
os escravos passava a ser dele com a execução dos débitos. Isaura abraça Álvaro. Leôncio
jura que nunca irá implorar a sua generosidade para abrandar a dívida. Ele se ausenta da
sala e se mata.
Exercícios sobre o romance
01. Em poucas palavras o livro se resume em:
a. Estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma.
b. No livro são contadas as aventuras e desventuras de uma bela escrava mestiça em
busca de sua liberdade.
c. Reporta-se um episódio da História do Brasil: a luta travada entre as cidades de
Olinda e Recife, nos anos de 1710 e 1711.
d. Conta a história de Macabéa, personagem protagonista, vinda de Alagoas para o
Rio de Janeiro, onde vivia com mais quatro colegas de quarto, além de trabalhar
como datilógrafa.
02. O vilão leviano, devasso e insensível que, de "criança incorrigível e insubordinada" a
adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se
um homem cruel e inescrupuloso era:
a. Álvaro
b. Belchior
c. Dr. Geraldo
d. Leôncio
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
29
03. A protagonista e antagonista são, respectivamente:
a. Isaura e Belchior
b. Rosa e Álvaro
c. Isaura e Miguel
d. Isaura e Leôncio
04. Uma linda escrava de cor de marfim, Isaura, morava em uma magnífica fazenda, no
município de Campos de Goytacazes, no estado de:
a. São Paulo
b. Bahia
c. Rio de Janeiro
d. Pará
05. Qual era o nome que Isaura atendia em seu disfarce, quando estava em Recife?
a. Elvira
b. Tomásia
c. Rosa
d. Josefa
06. Apaixonado por Isaura, o grande obstáculo que Álvaro precisa vencer é o fato de ser
Isaura propriedade legítima de Leôncio. Como ele resolve isso?
a. Tratara bem aos escravos e amparara Juliana, mãe de Isaura, nas suas desditas
com o pai de Leôncio.
b. Não deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegância, e, sobretudo as mulheres.
c. Dispõe-se a unir-se com Isaura, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade.
d. Vai à corte, descobre a falência de Leôncio, adquire seus bens e desmascara o
vilão. Liberta Isaura e casa-se com ela, desafiando, assim, os preconceitos da
sociedade escravocrata.
07. A Escrava Isaura é um romance de:
a. Carlos Drummond
b. Machado de Assis
c. Bernardo Guimarães
d. Clarisse Lispector
08. O autor pretende, nesta obra, fazer uma acusação documentada:
a. Discriminação social
b. anti-escravo e da liberdade
c. Desvio de verbas
d. Problemas sociais
09. O autor explorou uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira da época
relativas a:
30
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
a.
b.
c.
d.
Drogas
Ética e ciência
A escravidão.
Religião.
10 . Quem sofre um amor impossível por Isaura?
a. Belchior
b. Álvaro
c. Leôncio
d. Comendador Almeida
11. Com quem Isaura era comparada?
a. Deusa Vênus
b. Iracema
c. Atenas
d. Hera
12. Leia com atenção o trecho extraído de A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães.
Assinale a alternativa INCORRETA a respeito da obra.
Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça. As linhas
do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do piano e as bastas
madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas, que fascinam
os olhos, enlevam a mente e paralisam toda análise. A tez é como o marfim do teclado,
alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é
leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. (...) Os encantos da gentil cantora eram ainda
realçados pela singeleza, e diremos quase pobreza, do modesto trajar. (GUIMARÃES,
2002, p. 19.)
a. O trecho ilustra a característica romântica de exaltação da mulher, por meio de
descrições minuciosas que destacam a beleza física.
b. O retrato de mulher apresentado no início do livro corresponde ao projeto
ideológico manifestado pelo autor de valorização da beleza e da cultura negras.
c. O trecho evidencia o caráter subjetivo do romance romântico, em que se
destacam as impressões pessoais do narrador e o excesso de adjetivos.
d. O retrato de mulher apresentado no trecho representa os ideais românticos de
beleza feminina, que dá ênfase à beleza frágil e contemplativa
Da questão 13 a 17, você vai usar o texto abaixo.
Texto crítico
"Embora seja importante indagar das razões por que público brasileiro dos anos de
1870 avidamente leu e com entusiasmo aplaudiu "A Escrava Isaura", razões que
encontram o principal motivo em onda então crescente de sentimento abolicionista –
convenhamos em que muito mais importante o comportamento desse público é, para a
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
31
crítica, a natureza desse romance.
Mesmo lido com simpatia, "A Escrava Isaura" não resiste à crítica. Seu enredo
resulta em ser inverossímel, tais e tantos são os expedientes primários do Autor, usados
para conduzir por determinados caminhos e para desenlace preestabelecido: em
freqüentes ex-abruptos, mudam os sentimentos dos protagonistas com relação à bela e
desditosa Isaura, e assim de protetores se transformam de pronto em pérfidos algozes,
servindo à linha dramática premeditada pelo ficcionistas; não menos precipitada e
artificialmente se engendram e desenrolam as situações ou episódios concebidos sempre
com a intenção de marcar "passus" da vida "crucis" da desgraçada heroína, que, por
fim, mais arrastada pelo autor que pelas forças do drama que vive, encontra no alto do
seu calvário, ao invés do sacrifício final (o que teria dado ao romance verossimilhança e
força), a salvação e a felicidade de extrema.
Tão primário e artificial quanto enredo que domina a obra, dando-lhe típica
estrutura novelesca ou romanesca, é, não digo a concepção, mas o modo de conduzir
personagens: Isaura, Malvina, Rosa, Leôncio, Álvaro, Belchior, André, o Dr. Geraldo,
Martim e Miguel, se têm peculiaridades físicas e morais que os caracterizam
suficientemente e os individualizam na galeria das personagens da ficção romântica, se
ocupam posições bem "marcadas" no palco dos acontecimentos, decomposto em dois
cenários (uma fazenda de café da Baixada Fluminense e o Recife), não chegam contudo,
a receber suficiente estofo psicológico: daí a impressão que deixam, não apenas de
símbolos dramáticos quase vazios, senão que também títeres (vá lá a cansada imagem)
conduzidos pelo autor, para esta ou aquela ação indispensável, a seu ver, às suas
principais intenções".
(Antônio Soares Amora, "O Romantismo", vol. II da A Literatura Brasileira).
13. Segundo o texto:
a. "A Escrava Isaura" consagrou-se como um bom romance por causa da aceitação
que teve entre o público leitor de 1870.
b. "A Escrava Isaura" não é um bom romance porque o público leitor de 1870 o leu
avidamente e o aplaudiu com entusiasmo.
c. O leitor deve ter muito cuidado ao ler ou aplaudir um romance, pois poderá
consagrar uma obra medíocre.
d. "A Escrava Isaura" não é um bom romance para a crítica, embora o público o haja
lido com entusiasmo, movido pelo sentimento abolicionista.
14. Antônio Soares Amora diz-nos, no texto, que:
a. a crítica, ao avaliar um romance, baseia-se na natureza da obra e não
simplesmente nas reações do público leitor;
b. a crítica ataca os romances que cativam a simpatia e o entusiasmo dos leitores;
c. Bernardo Guimarães, ao escrever seu romance "A Escrava Isaura", não se
preocupou com a crítica e, sim, com a Abolição;
d. é muito difícil a crítica avaliar romances de grande popularidade e aceitação;
e. romance da natureza é para a crítica muito mais importante do que o
comportamento do público leitor.
32
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
15. Ainda, de acordo com o texto:
a. enredo inverossímel de "A Escrava Isaura" resulta de um autor primário que se
perde nos caminhos escolhidos para um fim determinado;
b. os protetores de Isaura transformam-se em seus algozes, crucificando-a no final
do romance;
c. os recursos empregados pelo Autor forçam um defeso preestabelecido;
d. a parte mais inverossímel do romance é a que assinala os "passus" da "via crucis"
de Isaura;
e. embora reconhecesse a inverossimilhança do drama, o autor via nela a salvação e
felicidade extrema da heroína.
16. De texto concluímos que:
a. de tal modo os episódios de "A Escrava Isaura" são dominados pela precipitação
e artificialidade, que a ação resulta muito mais da inserção do Autor do que das
forças do conflito;
b. a típica estrutura novelesca de "A Escrava Isaura" caracteriza-se pelo
desenvolvimento do enredo, pela concepção das personagens e pelo desfecho;
c. em "A Escrava Isaura" o Autor vive um drama cujas forças o arrastam a um
calvário onde encontra, em vez do sacrifício final, a sua felicidade;
d. a bela e desditosa Isaura muda os sentimentos dos protagonistas, levando-os ao
sacrifício final, no alto do calvário;
e. para a heroína é muito mais importante encontrar a salvação e a felicidade
extrema do que o sacrifício final, no alto do Calvário.
17. O texto afirma que:
a. as personagens Isaura, Malvina, Rosa, Leôncio, Álvaro, Belchior, Dr. Geraldo,
Martim e Miguel são suficientemente caracterizados física, moral e
psicologicamente;
b. uma falha comparável no primarismo e artificialidade do enredo é a concepção
das personagens de "A Escrava Isaura';
c. as personagens títeres cansam o leitor, à medida que o Autor as conduz a esta ou
àquela ação indispensável ao enredo;
d. as personagens, conduzidas de modo primário e artificial, sem profundidade
psicológica, são como fantoches nas mãos do Autor;
e. sem o artificialismo das personagens, "A Escrava Isaura" teria resistido à crítica.
Escrava Isaura |Bernardo Guimarães
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Análise da Obra
Olhai os Lírios do Campo
Érico Veríssimo
UVA 2016.1
VIDA E OBRA DE ÉRICO VERÍSSIMO
Erico Verissimo nasceu em Cruz Alta (RS), em 17 de dezembro de 1905, e faleceu em
Porto Alegre, em 28 de novembro de 1975. Na juventude, foi bancário e sócio de uma
farmácia. Em 1931, casou-se com Mafalda Halfen Von Volpe, com quem teve os filhos
Clarissa e Luis Fernando. Sua estreia literária foi na Revista do Globo, com o conto
‘’Ladrões de gado’’. A partir de 1930, já radicado em Porto Alegre, tornou-se redator da
revista. Depois, foi secretário do Departamento Editorial da Livraria do Globo e também
conselheiro editorial, até o fim da vida.
A década de 30 marca a ascensão literária do escritor. Em 1932, publica seu primeiro
livro de contos, ‘’Fantoches’’, e em 1931 o primeiro romance, ‘’Clarissa’’, inaugurando o
grupo de personagens que acompanharia boa parte de sua obra. Em 1938, tem seu
primeiro grande sucesso: ‘’Olhai os lírios do campo’’. O livro marca o reconhecimento de
Erico no país inteiro e, em seguida, internacionalmente, com a edição de seus romances
em vários países. Escreve também livros infantis, como ‘’Os três porquinhos pobres’’, O
urso com música na barriga, ‘’As aventuras do avião vermelho’’ e ‘’A vida do elefante
Basílio’’.
Em 1941 faz uma viagem de três meses aos Estados Unidos a convite do
Departamento de Estado norte-americano. A estada resulta na obra ‘’Gato preto em
campo de neve’’, primeira de uma série de livros de viagens. Em 1943, dá aulas na
Universidade de Berkeley. Volta ao Brasil em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial e
do Estado Novo. Em 1953 vai mais uma vez aos Estados Unidos, como diretor do
Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, secretaria da
Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em 1947, Erico Verissimo começa a escrever a trilogia ‘’O tempo e o vento’’, cuja
publicação só termina em 1962. Recebe vários prêmios, como o Jabuti e o Pen Club. Em
1965 publica ‘’O senhor embaixador’’, ambientado num hipotético país do Caribe que
34
Análise das Obras | UVA 2016.1
lembra Cuba. Em 1967 é a vez de ‘’O prisioneiro’’, parábola sobre a intervenção dos
Estados Unidos no Vietnã. Em plena ditadura, lança ‘’Incidente em Antares’’ (1971),
crítica ao regime militar. Em 1973 sai o primeiro volume de ‘’Solo de clarineta’’, seu livro
de memórias. Morre em 1975, quando terminava o segundo volume, publicado
postumamente.
OBRAS
Fantoches (1932)
Clarissa (1933)
Música ao Longe (1935)
Caminhos Cruzados (1935)
Um Lugar ao Sol (1936)
Olhai os Lírios do Campo (1938)
Saga (1940)
Gato Preto em Campo de Neve (narrativa de viagem, 1941)
O Resto é Silêncio (1943)
Breve História da Literatura Brasileira (ensaio, 1944)
A Volta do Gato Preto (narrativa de viagem, 1946)
As Mãos de meu Filho (1948)
Noite (1954)
México (narrativa de viagem, 1957)
O Senhor Embaixador (1965)
O Prisioneiro (1967)
Israel em Abril (narrativa de viagem, 1969)
Um Certo Capitão Rodrigo (1970)
Incidente em Antares (1971)
Ana Terra (1971)
Um Certo Henrique Bertaso (biografia, 1972)
Solo de Clarineta (memórias, 2 volumes, 1973, 1976)
O Tempo e o Vento
Parte I: O Continente (2 volumes, 1949)
Parte II: O Retrato (2 volumes, 1951)
Parte III: O Arquipélago (3 volumes, 1961-1962)
Infanto-juvenis
A vida de Joana D'Arc (1935)
Meu ABC (1936)
Rosa Maria no Castelo Encantado (1936)
Os Três Porquinhos Pobres (1936)
As Aventuras do Avião Vermelho (1936)
As Aventuras de Tibicuera (1937)
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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O Urso com Música na Barriga (1938)
Outra Vez os Três Porquinhos (1939)
Aventuras no Mundo da Higiene (1939)
A Vida do Elefante Basílio (1939)
Viagem à Aurora do Mundo (1939)
Gente e Bichos (1956)
Frases de Efeito
"– Então é porque tenho vivido e aprendi a ver.
– Tens apenas vinte e cinco anos...
– Conheci um homem que tinha sessenta e ainda não tinha aprendido a conhecer-se
a si mesmo."
"O vulto da igreja antiga: sempre uma sugestão de Deus, dentro e fora de nossos
pensamentos... Por que não se revela Ele dum modo mais definido? Na forma dum
milagre, por exemplo..."
"Ele sentia vontade de beijá-la. E por que não a beijava? Olívia podia repeli-lo, ficar
magoada... Mas que importava. O mundo ia acabar, os homens se matavam, a vida era
cruel. Um dia ambos estariam apodrecendo debaixo da terra."
"– Se Deus existe, então por que não se revelou?
– Porque até Deus precisa de oportunidades."
"– Só foge da solidão quem tem medo dos próprios pensamentos, das próprias
lembranças.
– Talvez...
– Mas se tu soubesses como a solidão pode nos enriquecer..."
"O crânio do operário estava todo esfacelado, seu rosto absolutamente
irreconhecível. (...)
– Mandem tocar de novo as máquinas – disse o gerente. – Não podemos ficar
parados. Tempo é ouro.
Ouro... Por que era que os homens não se esqueciam nunca do ouro? Ouro lhe
lembrava outra palavra: sangue. Tempo também era sangue. Ouro se fazia com sangue."
"– E agora?
Ele encolheu os ombros.
– É a pergunta que faço todos os dias a mim mesmo."
"Enfim ali estava uma criatura que se interessava por ele, que o amava de maneira
profunda. Que tudo dava e nada pedia..."
36
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
"Estive pensando na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. É
essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles
esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as
relações de criatura para criatura. De que serve construir arranha-céus se não há mais
almas humanas para morar neles. (...) É indispensável trabalhar, pois um mundo de
criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um
sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos
estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do
céu’’.
“Nós somos homens, Filipe, e vivemos quase como máquinas. Essa ânsia de
progredir, de acumular dinheiro, de construir, faz a gente esquecer o que tem de
humano.”
“As perguntas das crianças em geral são as que nos deixam mais atrapalhados.”
“Eugênio ouviu os mexericos sem se perturbar. Limitou-se a sorrir e depois que ficou
a sós não pôde deixar de se perguntar a si mesmo como lhe fora possível encarar os fatos
duma maneira tão desligada, tão superior e serena? Se lhe tivessem contado aquelas
infâmias em outro tempo, ele teria sentido dor física, teria ficado num estado de absoluta
prostração, numa angústia que se prolongaria durante dias e dias. Os homens eram
perversos – concluiu ele. Mas depois se corrigiu: – Havia homens muito perversos. Não
bastariam as misérias reais da vida, aquelas de que ele tinha todos os dias dolorosas
amostras na sua clínica? Algumas pessoas acham um prazer depravado em inventar
misérias. Como podia uma criatura de alma limpa andar pelos caminhos da vida?
Lembrou-se das palavras de Olívia numa de suas cartas. Tu uma vez comparaste a vida a
um transatlântico, e te perguntaste a ti mesmo: 'Estarei fazendo uma viagem
agradável?'. Mas eu te asseguro que o mais decente seria perguntar: 'Estarei sendo um
bom companheiro de viagem?' Realmente, os homens em geral eram maus
companheiro de viagem. Apesar da imensidão e das incertezas do mar, apesar do perigo
das tempestades, do raio e da fragilidade do navio, eles ainda se obstinavam em serem
inimigos uns dos outros. O sensato seria que se unissem em uma atitude de defesa e que
se trocassem gentilezas a fim de que a viagem fosse mais agradável para todos.”
“Pensemos apenas nisto: não fomos consultados para vir para este mundo e não
seremos consultados quando tivermos de partir. Isso dá bem a medida da nossa
importância material na terra, mas deve ser um elemento de consolo e não de
desespero.”
“Mas atentando mais nas pessoas e nos fatos ele chegava à conclusão de que o que
via, o que podia apalpar, cheirar e ouvir não era tudo. Havia algo de indefinível para além
da matéria.”
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
37
“Ele sabia que nunca havia de chegar à Verdade. Quando muito conseguiria
vislumbrar pequenas verdades.”
“Os homens viviam demasiadamente preocupados com palavras, pulavam ao redor
delas e se esqueciam dos fatos. E os fatos continuavam a bater-lhes na cara.”
“O espírito de gentileza podia salvar o mundo. O que nos falta é isso: espírito de
gentileza. Boas maneiras de homem para homem, de povo para povo.”
“Se naquele instante – refletiu Eugênio – caísse na Terra um habitante de Marte,
havia de ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio,
de sol tão dourado, os homens em sua maioria estavam metidos em escritórios, oficinas,
fábricas... e se perguntasse a qualquer um deles: 'Homem, porque trabalhas com tanta
fúria durante todas as horas de sol?' – ouviria esta resposta singular: 'Para ganhar a vida.'
E no entanto a vida ali estava a se oferecer toda, numa gratuidade milagrosa. Os homens
viviam tão ofuscados por desejos ambiciosos que nem sequer davam por ela. Nem com
todas as conquistas da inteligência tinham descoberto um meio de trabalhar menos e
viver mais. Agitavam-se na terra e não se conheciam uns aos outros, não se amavam
como deviam. A competição os transformava em inimigos.”
ANÁLISE DA OBRA
‘’Olhai os lírios do campo’’ é um dos mais famosos de Érico Veríssimo e foi publicado
em 1938 - Modernismo de Segunda Fase.
A ambientação urbana da história dá margem à abordagem dos efeitos de um
capitalismo devastador sobre a vida dos personagens. O romance narra a trajetória
existencial do personagem principal, Eugênio, seus contatos sociais e seus dilemas
interiores. Portanto, a narrativa centra-se em seus conflitos e vicissitudes.
Nesta obra deve-se destacar o lirismo romântico da história de Eugênio, descobrindo
que o dinheiro não traz felicidade, exatamente nos moldes do romance urbano de 30, de
caráter socialista. Destaca-se também sua ambição traçada a partir de uma vida difícil,
que alimenta-o de amargor e determinação na busca de sua afirmação material. E ainda,
o grande sucesso dessa dramática história de amor, pode ser creditado à habilidade do
autor de construir personalidades psicológicas complexas: ninguém é só bom nem só
ruim na obra.
Para retratar essa relação problemática do homem com a sociedade, Érico Veríssimo
construiu o romance ‘’Olhai os lírios do campo’’ de maneira que o personagem principal
fosse mostrado em dois momentos. No primeiro momento, ele é conduzido, em seus
comportamentos, pelas expectativas sociais; obedece aos valores de sua classe, é incapaz
de perceber-se enquanto ser. Ele faz de tudo para ter sucesso e ser aceito: trabalha em
função de uma máscara e não do próprio rosto. No segundo momento, o romancista
mostra os processos de transformação de Eugênio: da condição de indivíduo coisificado,
38
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
guiado mais pela expectativa dos outros do que por si mesmo, para a condição de
indivíduo autônomo e consciente de si, sujeito de suas próprias decisões.
A narrativa, portanto, se divide em duas partes com 12 capítulos cada uma, sendo a
primeira o cruzamento de dois níveis temporais: o presente e o passado. Assim, nesta
narrativa de vários planos temporais, entrelaça-se uma crítica à sociedade fútil e vazia, ao
acúmulo de riquezas e à consequente hipocrisia das relações sociais. A primeira parte é
intensa e cheia de um interesse que jamais enfraquece. Na segunda parte, porém, esse
interesse declina, e a história se dilui numa série de episódios anedóticos sem unidade
emocional.
Ambiente
O ambiente do romance é a cidade de Porto Alegre. As personagens vivem na
metrópole de ruas movimentadas, tráfego intenso, automóveis, telefones, cinemas e
teatros; edifícios altos, gente rica, monopólios; gente pobre, sindicatos, miséria e
doença. Vivem os movimentos da contradição e da crise.
Foco narrativo
Toda a narrativa é formalmente estruturada na terceira pessoa a partir de um ponto
de vista externo do narrador.
Personagens
Eugênio Fontes: homem profundamente pessimista, infeliz e complexado.
Profissão: médico. Filho de um alfaiate pobre, Eugênio teve uma infância e adolescência
cheias de dificuldades. À medida que ia crescendo, nutria um misto de vergonha e
repúdio a si mesmo em decorrência da pobreza de sua família. Sua motivação era "ser
alguém", adquirir posição social e não ter que passar pelas humilhações que julgava ter
passado na infância. Na faculdade, conhece uma jovem, Olívia, pela qual se apaixona e
nutre um relacionamento de amizade, cumplicidade e amor. Porém, devido a sua
ambição, Eugenio deixa Olívia para casar-se com uma jovem rica. Passa a viver uma vida
de aparências, adultérios e eternas contradições, deixando para trás seu verdadeiro amor
e a filha que teve ela, Anamaria.
Olívia: grande amor de Eugênio e colega de trabalho. Olívia é mais uma das clássicas
figuras femininas de Érico, que transparece doçura e compreensão frente às inquietudes
dos personagens masculinos, mas que não esconde uma grande força e determinação.
Assim como Eugenio, Olívia cursa a faculdade de medicina em Porto Alegre com
dificuldades. A sua visão realista e compreensão do comportamento humano fazem com
que ela encare seu relacionamento com Eugenio de forma honesta, entendendo as
limitações que este poderia ter em virtude da ambição e das eternas contradições
emocionais do médico. Olívia também pode ser encarada, de certa forma, como uma
representante feminista de Erico, pois apesar de aceitar as limitações de Eugenio, ela luta
em manter a carreira de médica e cria a filha Anamaria sozinha.
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
39
Eunice: esposa de Eugênio. Rica, fútil e vazia. Filha do empresário Vicente Cintra,
conquista Eugênio com sua fortuna, casando-se com ele e se tornando a oportunidade
de que o médico necessitava para se destacar na sociedade.
Angelo: pai de Eugênio. O próprio Eugênio nos revela pormenores sobre seu pai e
seus sentimentos para com ele:
Eugênio viu um vulto familiar surgir a uma esquina e sentiu um desfalecimento.
Reconheceria aquela figura de longe, no meio de mil... Um homem magro e encurvado,
mal vestido, com um pacote no braço, o pai, o pobre Ângelo. Lá vinha ele subindo a rua.
Eugênio sentiu no corpo um formigamento quente de mal-estar. Desejou - com que
ardor, com que desespero! - que o velho atravessasse a rua, mudasse de rumo. Seria
embaraçoso, constrangedor se Ângelo o visse, parasse e lhe dirigisse a palavra.
Alcibíades e Castanho ficariam sabendo que ele era filho dum pobre alfaiate que saía pela
rua a entregar pessoalmente as roupas dos fregueses... Haviam de desprezá-lo mais por
isso. Eugênio já antecipava o amargor da nova humilhação. Olhou para os lados,
pensando numa fuga.
Inventaria um pretexto, pediria desculpas, embarafustaria pela primeira porta de loja
que encontrasse. Ouvia a voz baixa e calma de Castanho... o "conceito hegeliano..."
Podia entrar naquela casa de brinquedos e ficar ali escondido, esperando que Ângelo
passasse... Hesitou ainda um instante e quando quis tomar uma resolução, era tarde
demais. Ângelo já os defrontava. Viu o filho, olhou dele para os outros e o seu rosto se
abriu num sorriso largo de surpreendida felicidade. Afastou-se servil para a beira da
calçada, tirou o chapéu.
- Boa tarde, Genoca! - exclamou.
O orgulho iluminava-lhe o rosto.
Muito vermelho e perturbado Eugênio olhava para a frente em silêncio, como se não
o tivesse visto nem ouvido. Os outros também continuavam a caminhar, sem terem dado
pelo gesto do homem.
A sensação de felicidade, entretanto, desaparecera de Eugênio. Sentia-se culpado.
O que acabara de fazer era desumano, ignóbil, chegava a ser criminoso. Por que se
envergonhava do pai? Não era um homem decente? Não era um homem bom? Não era,
em última análise, seu pai?
Ainda havia tempo de reparar o mal que fizera. Podia voltar, tomar Ângelo pelo
braço, carinhosamente, subir a rua com ele... Por que não fazia isso? "... aquele trecho do
Banquete..." - dizia Castanho. Sim, beijar a mão do pai, confessar-lhe a culpa, dizer do
seu remorso, pedir-lhe perdão, humilhar-se. Mas lá se ia acompanhando os outros como
um autômato. Voltou a cabeça, procurando. Ângelo tinha desaparecido.
Dr. Seixas: amigo de Eugênio e médico de pobres. Único personagem que tem
características humanas. Veríssimo pôs neste homem verdade: animou-o por dentro,
deu-lhe reflexos, deu-lhe instintos, deu-lhe uma maneira de ser de pessoa viva.
Personagem surgido “acidentalmente”, segundo o autor do romance, Dr. Seixas é um
40
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
exemplo de personagem autônomo. É um médico pobre, grande, barbudo e de ar
agressivo. Sua voz era igualmente áspera e peluda, sua fala desbocada, mas seus olhos
refletiam bondade. Idealista, ele critica tanto a exploração capitalista do médico e o
desprezo do sistema econômico pelo ser humano como o valor conferido ao dinheiro:
Seu Eugênio, ouça o que lhe digo. O dinheiro é uma coisa nojenta. Um sujeito decente
não se escraviza a ele.(p.183). Ele lutava contra essa escravidão e pela igualdade de
direitos entre as pessoas, contagiando Eugênio e levando-o a uma nova concepção da
profissão. O Dr. Seixas encarna duas concepções de vida que mantêm entre si relações
opostas: uma utópica, confiante, e outra, pessimista. Para Dr. Seixas, sucesso era
conseguir salvar a vida de alguém e aliviar a dor dos outros. Ele reconduz Eugênio, como
médico, ao mundo da desigualdade e da pobreza, universo do qual ele, como
profissional, sempre tentara fugir.
Anamaria: filha de Eugênio e Olívia. Ela ajuda a manter viva na lembrança de
Eugênio a presença de Olívia e, ao mesmo tempo, como criança que é, sinaliza para a
esperança e a confiança de que o futuro pode ser diferente. Anamaria simboliza a
insistente afirmativa de Olívia de que a vida é feita de recomeços. A menina tem os olhos
sérios e profundos de Olívia e, ao mesmo tempo, desconfortáveis como os do pobre
Ângelo, pai de Eugênio. Sua presença retoma duas figuras diante das quais Eugênio
precisa se redimir: seu pai, que foi por ele desprezado, e a própria Olívia, que ele
abandonou por um casamento de conveniência. A presença da filha suscita-lhe
interrogações e o obriga a tomar decisões sensatas e responsáveis para com os outros.
Anamaria lhe permite uma compreensão da miséria humana e da necessidade de que o
conjunto das ações dos homens seja orientado para minimizá-la.
Observação: Devemos destacar que a dedicação, o altruísmo e a nobreza de Olívia
parecem inumanos. Não convencem. Pouco convincente também é a covardia de
Eugênio. A cena em que o vemos a fazer a sua primeira operação, do ponto de vista da
mera redação, está razoavelmente bem feita; do ponto de vista da verdade psicológica,
porém, é um absurdo. Um homem de estômago fraco e que tem horror ao sangue jamais
se dedicaria à cirurgia e, se se dedicasse, com o tempo acabaria por habituar-se a cortar a
carne dos pacientes sem que isso lhe provocasse arrepios, náusea ou medo. Acaso não
teria ele, como estudante, frequentado o necrotério e os ambulatórios da Santa Casa?
RESUMO DE ENREDO
Na primeira parte, merecem destaque a imagem inicial que o personagem faz de si
mesmo e os valores que a engendram.
Em flashback, temos o tempo presente: Eugênio dentro do carro em direção ao
hospital para reencontrar sua amada Eugênia, rememorando os fatos que fazem parte
do seu passado, onde, junto a ele, relembramos sua infância, seus traumas, seus
aprendizados com Olívia, o casamento com Eunice, a frustração, o sentimento de se ter
vendido para vencer.
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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Eugênio era um menino tímido e medroso. Teve uma infância pobre, era
ridicularizado na escola e tinha como objetivo máximo a ascensão social, faria de tudo
para um dia vencer na vida. Achava que o que tinha era feio e sem graça, das roupas até o
seu próprio corpo. Não se entrosava com os demais colegas de classe e por isso devotava
todo o seu tempo aos estudos. Sonhava em deixar de ser simplesmente o Genoca para
ser o Dr. Eugênio Fontes.
Tinha pena do pai, o alfaiate Ângelo, com quem não conseguia se comunicar
facilmente. O seu irmão, Ernesto, não esmerava-se na educação e acabou perdido na
vida. Com muito esforço, Eugênio consegue cursar Medicina. Na Faculdade conhece
Olívia - única mulher da turma. Na festa de formatura os dois se aproximam e fazem
sonhos e confissões juntos, sobre o futuro. Tornam-se grandes amigos.
Durante a revolução de 30, após uma operação mal sucedida no hospital militar,
Olívia convida Eugênio a sua casa e passam uma noite de amor. Dias depois, Olívia recebe
uma proposta para trabalhar em Nova Itália, e novamente se entrega aos braços de
Eugênio.
Durante um atendimento médico, Eugênio conhece Eunice Cintra - filha de um
riquíssimo proprietário. Eugênio casa-se com Eunice com objetivo único de ascender
socialmente. O sogro trata de arranjar um emprego de fachada ("assinar documentos")
numa de suas fábricas. Eugênio começa a freqüentar a alta sociedade, mas não se sente
parte dela. O seu complexo de inferioridade aumenta ao ver os contrastes desse outro
mundo, de emoções contidas, de meias-palavras. Conhece pessoas como Filipe Lobo,
construtor obstinado a construir o "Megatério", um arranha-céu, mas não se importava
com a família. Infeliz e perturbado, Eugênio reencontra Olívia que lhe apresenta a sua
filha, fruto do último encontro dos dois, Anamaria. Ao chegar no Hospital onde estava
Olívia, recebe a notícias de sua morte.
Na segunda parte, destaca-se o papel desempenhado pelo entrecruzamento de
vozes que afetam a imagem inicial do protagonista, conduzindo-o a uma progressiva
mudança de posição perante a existência.
Aqui temos o passado. Esta segunda parte desenvolve-se de maneira mais linear,
embora o passado se misture ao presente da filha. Passa-se após a morte de Olívia e é
intercalada com a leitura das cartas que ela escreveu para Eugênio sem nunca ter
enviado. Eugênio toma coragem e separa-se de Eunice - apesar de todos os
inconvenientes sociais. Vai além, passa a ser um médico popular, com ideias de socializar
a medicina. Trabalha com o Dr. Seixas, um velho médico que sempre atendeu aos pobres.
A memória de Olívia, nas cartas, nas fotos ou no olhar de Anamaria, o fortalece quando
pensa nas dificuldades.
O médico tornou-se na sociedade atual, aquele mediador entre a ciência, a técnica e
o sentimento humanitário. Pensando primeiro em si mesmo, egoisticamente, Eugênio
evolui para a solidariedade, através das colocações de Olívia, que embora morta, é um
personagem presente no romance, fazendo contraponto com Eugênio.
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PARTE I
I
Um médico sai do quarto de número 122, pede para Irmã Isolda, telefonar para o Dr.
Eugênio e avisá-lo que se trata de um caso perdido: ”ela sabe que vai morrer e quer vêlo”. Eugênio recebe o recado como um golpe, uma sensação de remorso e a certeza que
agora iria começar a pagar os seus pecados.
Mente para a sua esposa, Eunice, e pede para o motorista, Sr. Honório correr, pois se
tratava de um caso urgente.
II
Durante a viagem, recorda de um episódio de sua infância. No recreio, abaixando-se
para pegar uma bola, um aluno percebeu que suas calças estavam furadas. Gritou aos
outros meninos e meninas que em um coro estridente, zombavam de Eugênio, enquanto
que as lágrimas desciam pelo seu rosto.
O sentimento de humilhação de ser de família pobre; a professora cobrando a
mensalidade atrasada; o irmão fazendo parte do coro da zombaria; seus pés gelados pelo
frio que entrava da sola do sapato causavam-lhe revolta e vergonha. Em casa, observa o
pai, Sr. Ângelo, homem calado e murcho, envelhecido antes dos quarenta, cara
inexpressiva, olhos apagados, ar de resignação quase bovino, mais tossia que falava e
quando falava, era para queixar-se da vida; porém, sem amarguras, sem raiva. Eugênio
não conseguia amá-lo, afinal, ele tinha falhado na vida. Viviam fugindo de credores. Em
seguida, reparava em sua mãe. Ela era bonita, sim, mais bonita que muitas mulheres ricas
que ele conhecia. Dizia sempre que eles ainda haviam de ser felizes, e de viver com todo o
conforto. “Ninguém foge do destino - eram as palavras de D.Alzira - eu acho que, se ele
nos tem trazido tanta coisa ruim, um dia pode nos trazer coisas boas.”
Chega Florismal, amigo da família, tinha uma certa dignidade de estadista e
lamenta-se de não ser advogado. Sempre perguntava a Eugênio que fora Florismal e ele
respondia:
“ - Foi um dos doze pares da França.”
Falam sobre a guerra e naquela noite, Eugênio imagina que Deus, o Kaiser e o
Destino eram uma e a mesma pessoa.
“Deus o dono do mundo. O Kaiser queria vencer a Europa e o Destino era o
culpado de todas as coisas ruins que aconteciam no mundo.”
O automóvel corre e Eugênio revive imagens do seu passado. O pai humilhado, a
mãe se sacrificando por ele. Agora, ambos mortos, e o pior, se fosse lhe dado uma
oportunidade para recomeçar sua infância e adolescência, seria igual - não lograria amar
os pais como eles mereciam. Pensa em Olívia. Ela o amara e ele estava cego pelo sucesso.
Fez um casamento rico e hoje ele era simplesmente o marido de Eunice Cintra.
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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III
Eugênio aos quinze anos achava-se feito. Deus realmente era ingrato, não lhe deu
riqueza, nem beleza. Lembra-se de seu primeiro amor, Margaret, a filha do diretor do
colégio e os primeiros desejos que seu corpo emanava. A mãe lavava toda a roupa branca
que se usava no colégio, dessa maneira ele podia lá estudar. Pensa em ser igual ao Dr.
Seixas e cuidar dos pobres futuramente.
A imagem de Mr. Tearle insiste em não sair de sua mente. Era o mais novo professor
do colégio, viera dos Estados Unidos e tinha lutado na guerra. Acabou se suicidando com
um tiro no peito em uma noite de tempestade.
A viagem continua. Pensa em seus três anos de casamento com Eunice e o erro que
tinha cometido. Ela era atraente, mas, o que mais o atraíra foi o seu dinheiro, a maneira
mais fácil de alcançar a fama. Em seguida, Olívia e Anamaria aparecem em seus
pensamentos.
“Que seria da menina, caso Olívia morresse?”
IV
Eugênio volta ao seu tempo de adolescência, sua amizade com Alcebíades, um dos
alunos mais ricos da escola e quando foi apresentado a Acélio Castanho, o ex-aluno, mais
notável que a escola teve. Um dia quando caminhavam juntos, viu o seu pai. Tentou
disfarçar, mas não havia mais tempo. Sr. Ângelo veio em sua direção, cumprimentou-o e
Eugênio o ignorou, como se não o conhecesse. Naquela mesma noite, na hora do jantar
não tinha coragem para encará-lo. De repente os olhos do pai buscam os de Genoca
(Eugênio) como se lhe pedissem desculpas.
“Honório corre. Anamaria cresceria sem pai, sem mãe..."
V
No dia da formatura, depois do discurso do Sr. Diretor, Eugênio sai, segurando o
diploma na mão, agora era ele se transformara no Dr. Eugênio Fontes. Fazia um ano que
ajudava o Dr. Teixeira Torres no hospital Sagrado Coração, o pai tinha falecido um ano
antes e seu irmão Ernesto, continuava a beber... Repara em Olívia, a única mulher da
turma. Ela estava encostada em uma das colunas, segurando um ramalhete de rosas
vermelhas. Olívia formara-se com sacrifícios; morava com um casal alemão, os Falk;
trabalhava em um Laboratório de Análises Clínicas e Eugênio nunca a tinha visto vestida
daquela maneira, radiante, feminina. Ele sempre a viu como um colega da turma. Olívia
diz que está esperando que um cavalheiro a convide para entrar em seu automóvel.
Eugênio não tem carro, mas oferece o seu braço e juntos decidem prestar uma
homenagem a um monumento ali perto, o do Patriarca. Falam sobre o futuro e Eugênio
mostra-se inseguro com o amanhã. Ele acreditava que o diploma faria desaparecer a sua
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Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
sensação de inferioridade, no entanto, não tinha confiança em si e preocupava-se com a
impressão dos outros.
A viagem continua. Olívia disse-lhe uma vez:
“O que tu precisas é aceitar as criaturas. A humanidade não tem culpa da
maldade daqueles homens que te humilharam.”
VII
Eugênio sai do quarto da amiga, totalmente confuso.
A mãe o esperava, estava aflita e queria notícias sobre a operação.
”Não há de ser nada, ninguém pode com o destino.”
Eugênio questiona-se como será sua amizade com Olívia agora.
Tudo fora um momento de tontura...
Pergunta à mãe se tivera notícias de Ernesto e lembra-se daquela noite, em que ele
apareceu novamente no jornal como desordeiro. Eugênio foi firme: “um de nós é
demais nesta casa”.
Ernesto foi-se e não tiveram mais notícias dele.
“No carro, Eugênio, vê sua mãe morrendo e pedindo para ele procurar o
Nestinho, que o Nestinho era bom...Agora Olívia é que morria...”
VIII
Eugênio é chamado para socorrer uma criança, a mãe estava desesperada e depois,
o choro de Eugênio. Naquela noite, Olívia e Eugênio, jantaram no Edelweis, beberam,
dançaram e ele, sentiu vontade de beijá-la; porém, sem malícia ou sensualidade.
Olívia diz-lhe para que nunca se esqueça de olhar para as estrelas e conta que aceitou
a proposta do Dr. Bellini para organizar a maternidade do hospital, em Nova Itália.
Nesta noite, com as luzes apagadas, Eugênio se entregou a Olívia, como quem quer
aliviar o sofrimento dum doente com uma injeção sedativa.
O carro deslizava pela estrada. Eugênio repara que são vinte para as oito e
novamente se lembra do Mr. Tearle, que dizia que, quando alguma coisa acontece,
sempre passam vinte minutos ou faltam vinte minutos. Será que Olívia morreu?
Olha para as estrelas...
”Enquanto elas brilharem haverá esperança na vida.”
IX
Eugênio é chamado para atender a uma mulher que havia cortado o pulso,
acidentalmente, na casa dos Cintra.
Fazia um mês que Olívia havia partido e somente uma carta viera.
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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Dizia: “O Dr. Bellini é o homenzinho mais engraçado do mundo.”
Após o socorro, Eugênio ao virar-se, depara-se com uma mulher muito loura, vestida
de um roupão escarlate, que manda queimar o lençol sujo de sangue e em seguida,
ordena que o médico a acompanhe, oferece cigarros e trata-o como fosse um criado.
Observa Eugênio e pergunta-lhe a sua opinião sobre Freud. Acrescenta que ele era
uma espécie rara de homem, pois ainda ficava atrapalhado sozinho na presença de uma
mulher. Eugênio conclui que ela não passa de uma mulher rica e mimada, querendo
aparentar-se moderna.
Eunice continua dizendo que é o tipo de mulher que adora provocar reações.
Eugênio reage com palavras e na hora de sair, ela entrega-lhe uma nota de cinquenta
mil-réis.
Faltam quarenta minutos de viagem. Pensa em Anamaria, ela herdara de Olívia uma
expressão de suave seriedade. Lembra-se das palavras frias de Eunice dizendo que não
queria filhos, que eram mamíferos esfaimados que deformam o corpo.
Acélio Castanho falava em Platão; Cintra e Filipe em negócios; e Izabel, a esposa de
Filipe, procurava com olhares, Eugênio.
Pensa nos telefonemas de Eunice, os seus convites, os passeios de carro, até que em
uma noite, surpreendeu-se de mãos dadas com ela.
“Estaria apaixonado naquela época? Não podia negar que, ela era uma
mulher atraente.”
Olívia escrevia raramente e as cartas pareciam de homem para homem, enquanto
isso imaginava como seria ser genro de Vicente Cintra.
X
Olívia retorna de Nova Itália e Eugênio lhe pergunta se tinha recebido a carta. Afirma
que não gostava dela, que era em sua carreira que pensava...
Olívia diz-lhe que acredita que ele há de se lembrar desta noite, daqui a muitos anos.
Ele puxa-a contra o seu corpo e se entregam ao amor. No dia seguinte, Olívia parte
novamente para Nova Itália.
Pede para Honório correr mais e conscientiza-se de que não se preocupava mais com
Eunice e nem com as convenções sociais. Mas, que a vida deixaria de ter sentido se Olívia
morresse.
XI
Era aniversário de Eugênio, 31 anos. Os amigos presentes conversando sobre o
“Megatério” que Filipe estava construindo e Dora, sua filha comenta que ele, gosta mais
do “Megatério” que dele. Ela amava um estudante judeu, Simão. Os pais se opunham ao
namoro e os namorados sofriam. Enquanto isso, os pensamentos de Eugênio estavam
fixos num anúncio de jornal: o endereço novo do consultório da Dra. Olívia.
Dez minutos para chegarem.
“Olívia está fora de perigo, Deus existe?!...”
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XII
Eugênio revê o seu relacionamento com Izabel. Não tinha coragem de dizer-lhe que
não a amava. Na verdade, precisava sacrificar vítimas para conter o seu sentimento de
inferioridade.
Em seu emprego na fábrica do sogro, vive conflitos existenciais, mostra-se fraternal
para com a secretária e para com os outros empregados na intenção de comprar-lhes a
cumplicidade.
Um dia, um acidente mata um operário: Toríbio Nogueira, 37 anos, casado, cinco
filhos. O Sr. Cintra incumbe Eugênio para providenciar os encaminhamentos dentro das
leis trabalhistas e ironiza afirmando que ele tem jeito para essas coisas.
À noite quando todos saíram, Eugênio apanha seu chapéu e vai á procura de Olívia.
Confessa-lhe que sentiu sua falta e pergunta-lhe se um dia ela o amou.
Eugênio, em seguida, comenta que ela deve ter sofrido todo esse tempo, sem um
amigo, sozinha. Ela responde que ele deixou a melhor das recordações naquela última
noite. Leva-o para o seu quarto e Eugênio pode ver uma criança dormindo no berço.
Comovido, ele se reconheceu no bebê adormecido.
Passam pelo parque. Lembra-se que passeou com Olívia e Anamaria há poucos dias
por entre aquelas árvores. Depois daquela verdade, sua vida tinha mudado: visitava a
filha todos os dias e durante quinze dias, o seu convívio com Olívia foi intenso.
O carro estacionou a porta do hospital, Irmã Isolda vem recebê-lo e murmura que,
Olívia morreu ao anoitecer, na santa paz do Senhor. O seu corpo estava sendo velado na
capela.
PARTE II
XIII
Eugênio relê a carta que Olívia lhe escreveu, poucas horas antes de morrer. Era uma
carta de despedida, deixando Anamaria aos seus cuidados e avisando que na gaveta da
cômoda havia um maço de cartas que ela havia escrito de Nova Itália expressamente
“para não te mandar”.
Passou pelo “Megatério”, pensou em Filipe e em sua ambição.
XIV
Eunice ofereceu um jantar a Túlio Altamira, pintor paulista e ocorre uma discussão
entre Túlio e Acélio Castanho que defende que, só a castidade pode elevar o homem dos
animais irracionais.
XV
Eugênio sonha que está parado em uma calçada, observando as meninas de um
orfanato. Acorda desesperado, pensa em Anamaria. Agora passa a maior parte de seu
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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tempo na casa dos Falk, relendo as cartas de Olívia. Fica a refletir o que estava fazendo
naquele momento em que Olívia pensava nele e lhe escrevia. Talvez resfolgasse como um
animal nos braços de Izabel...
“Tinha tido apenas a ilusão de viver, mas na verdade andara morto entre os
homens.”
XVI
Eugênio, sempre que deixava a casa dos Falk, Anamaria perguntava por que ele não
dormia ali.
Essa situação estava sufocando-o, até que não aguentando mais, resolve contar
tudo a Eunice.
Eugênio chegou afirmar que foi patife em casar-se com ela, pelo dinheiro. Ela
responde que aquilo não era nenhuma novidade, que, por sua vez, havia casado com ele
por extravagância e pura piedade.
Eugênio deixou a casa de Eunice naquela mesma noite.
XVII
Eugênio montou seu consultório em duas salas de aluguel barato, num edifício
modesto e tinha como amigo e confidente, o Dr. Seixas. Seus pacientes eram em sua
maioria empregados do comércio, funcionários públicos, estudantes pobres e
prostitutas.
Sr. Cintra tentou fazer-lhe um acordo, uma viagem, mas, Eugênio estava decidido.
Eugênio passou a fazer as suas refeições com os Falk e fazia Anamaria dormir.
Uma noite quando relia as cartas de Olívia, o telefone tocou. Chamado urgente.
XVIII
Era Izabel. Queria saber se existia outra mulher na vida dele.
Eugênio compra o jornal para procurar o anúncio que havia colocado pedindo
informações sobre o paradeiro de Ernesto. Naquele dia no consultório, atendeu três
homens e duas mulheres com doenças venéreas. O sexto cliente era uma menina. O pai
queria saber se a filha ainda era virgem.
À noite, voltando de um chamado urgente encontrou Dora e Simão, sentados num
dos bancos da praça, bem na frente do “Megatério”. Dora conta que um professor falou
contra os judeus e que Simão tinha se retirado da sala de aula. Simão não vê esperanças
para o namoro entre eles. Seus filhos seriam desprezados pelos judeus e pelos cristãos.
Eugênio promete interceder, mas Simão diz que:
“O Eng. Filipe Lobo só compreende as criaturas de cimento armado e aço.”
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Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
XIX
Havia dias escuros na nova vida de Eugênio. Os jornais daquele dia anunciaram a
viagem de Eunice e do pai à Europa. Chegavam versões diversas sobre o seu rompimento
com Eunice: dizia-se que ele havia apanhado a mulher nos braços de Filipe, ou nos braços
de Acélio Castanho, que Eugênio era impotente sexual...
XX
Uma manhã Simão foi buscar Eugênio para ir socorrer-lhe o pai, Sr. Mendel
Kantermann. Depois de tirá-lo do perigo, Simão quis que ele conhecesse sua casa, sua
miséria, falava que a mãe só tinha um seio em virtude da crueldade dos homens. Quis
pagar-lhe a consulta e contou que mostrou toda a sua vida à Dora, para o prazer doentio
de torturá-la.
Em casa o Dr. Seixas o esperava para uma intervenção cirúrgica e em seguida, diz que
tinha uma supressa para ele. Era Florismal que estava internado. Conversaram sobre o
passado. Florismal morre depois de uma semana.
Aquela noite, Eugênio folheou o álbum de fotografias de Olívia. Nada sabia sobre o
seu passado. Havia uma foto ao lado de um rapaz e por baixo do retrato, havia um nome
e duas datas: Carlos - 1921-1923. Talvez fosse o homem que primeiro a tivera nos braços.
XXI
A clientela de Eugênio aumentava cada vez mais. Uns comentavam que ele queria a
medicina socializada porque tinha mentalidade de funcionário público, outros diziam
que ele era comunista...Teve em suas mãos um caso impressionante. Um antigo
funcionário público, trabalhador, honesto, resolve se internar num hospício, pois conclui
que está louco, justamente por portar essas qualidades.
Outros casos são: um casal, onde a mulher estava quase cega de ambos os olhos.
Não tinha caso de cegueira na família e começou a perder a visão aos poucos. Quando
Eugênio fica a sós com a mulher pergunta-lhe quantos abortos, ela praticara: Dez, e,
outro, um homem fino, da alta-sociedade, preocupado por estar fracassando na cama
com suas amantes.
Numa manhã de domingo, Eugênio, foi à casa de Seixas e indaga o motivo das flores
em cima da mesa da sala. Ele responde que vinham da parte do Dr. Ilya Dubov. Ele era um
homem solitário, não tinha parentes, nem amigos e não queria ficar esquecido depois de
morrer. Dizia à D. Quinota que estava lhe emprestando as flores, que quando morresse,
ela tinha que levar todos os sábados um buquê bem bonito à sua sepultura.
XXII
Dora e Simão aparecem no consultório de Eugênio. Ela estava grávida de três meses
e queriam que ele fizesse um aborto. Ele se nega a fazê-lo e diz que o melhor remédio é
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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contar tudo a Filipe. Ao ligar para Filipe, a secretária diz que ele não podia atender
naquele momento. Simão desafia Eugênio afirmando que tinham procurado um amigo,
mas que procuraria então qualquer desconhecido, uma parteira ou um médico que faria
o que ele negou-se a fazer.
Eugênio tenta impedir a saída deles, mas não quis usar de violência, acreditando que
tinha tempo de avisar Filipe, para que ele interviesse. Já no escritório de Filipe, Eugênio é
acusado como médico e responsável por não ter impedido à saída de Dora.
Passaram o resto da tarde à procura do casal. À noite, Seixas traz-lhe a notícia:
“A Anunciata, aquela cachorra, fez o aborto...veio uma
hemorragia...quando viu a coisa preta pediu socorro pro Rezende...O Rezende
não quis ficar com a responsabilidade...Chamou o pai de Dora...Não foi possível
fazer mais nada. A menina morreu ao escurecer. Simão ainda estava
desaparecido.”
XXVIII
Aquele final de inverno foi escuro e triste para Eugênio. A morte de Dora, a morte de
um velho cliente, Seixas vivendo atormentado pelos credores e pela bronquite crônica...
Uma noite, resolve ir ao teatro e vê Eunice, Sr. Cintra e Acélio Castanho. Ao passar
pelo “Megatério” pensa em Dora e em Olívia.
Em setembro acordou com os gritos da filha, mostrando-lhe o sol. À noite
conversando com Seixas diz que cada dia que passa era uma revelação para ele, que
estava encontrando na vida, em carne e osso, velhos conhecidos dos livros: Fausto,
Hamlet, Pigmalião.
Fausto entrou-lhe no consultório na pessoa de um homem de 68 anos, viúvo que ia
se casar com uma mocinha de 18 anos e queria algo que o fizesse rejuvenescer.
Hamlet, era uma guarda-livros, comia pouco, dormia mal, não acreditava em
ninguém e tinha uma ideia fixa de suicídio.
Pigmalião chamava Ramão Rosa, 50 anos, agiota, sua esposa fugira com um
sargento da Brigada Militar...
Pensa nas palavras de Olívia:
“Felicidade é a certeza de que nossa vida não está se passando inutilmente.
O erro é pensar que o conforto permanente, o bem-estar que nunca acaba e o
gozo de todas as horas são a verdadeira felicidade.”
Eugênio pergunta se Seixas tinha notícias de Simão.
“Não faria nenhuma loucura, pois o tempo cicatriza todas as feridas. Em
breve Dora desapareceria da vida de Filipe, de Isabel e de Simão, assim como a
própria Olívia havia de desaparecer da sua.”
XXIV
31 de dezembro. Faltavam dez minutos para a meia-noite. Eugênio parado na janela
observa o “Megatério” que seria inaugurado naquele dia. Ele só queria saber em que
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Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
estaria Filipe pensando no momento em que o governador declarasse inaugurado o
edifício.
A meia-noite, durante os cumprimentos, D. Frida deseja que Deus dê felicidades a
todos e saúde a Anamaria.
Seixas apareceu à meia-noite e vinte minutos, brindaram e saíram. Seixas estava
pessimista. Eugênio comenta que excelentes homens de governo dariam os médicos.
Seixas retruca, dizendo que na maioria dos casos, quando os médicos sobem aos postos
do governo, se esquecem de que são médicos e passam a ser apenas políticos.
Seixas olha para Eugênio e pergunta se ele vai mesmo salvar a humanidade. Eugênio
responde que:
“Antigamente só pensava em mim mesmo. Vivia como cego. Foi Olívia quem
me fez enxergar claro. Ela me fez ver que a felicidade não é o sucesso, o conforto.
Uma simples frase me deixou pensando: Considerai os lírios do campo. Eles não
fiam nem tecem e, no entanto nem Salomão em toda a sua glória se cobriu como
um deles.”
Eugênio continuava a falar que existiam duas espécies de crueldade: a crueldade que
se comete por cegueira, por incompreensão, e a crueldade que se comete por prazer. Por
isso que ele acreditava que havia um grande trabalho para médicos e professores. È uma
questão de reeducação.
“Uma revolução pode mudar um sistema de governo, mas não conseguirá melhorar
a natureza do homem, dizia Seixas. O ódio é masculino, o amor é feminino, completava.
Hoje quando a Quinota me abraçou à meia-noite chorou, a coitada. Tem sido
companheira de primeira. Há trinta anos numa noite como esta fiz lá promessas ...Mudar
de vida, ganhar dinheiro, comprar uma casa, um carro. Tudo continuou como antes.”
No fim do verão, Eugênio recebeu a notícia que, Eunice e Acélio iam embarcar para o
Uruguai, onde se casariam sob contrato. Abriu o jornal na coluna de pequenos anúncios,
onde pedira notícias de Ernesto. Havia de encontrá-lo, custasse o que custasse.
Continuou a folhear o jornal e lê que Dr. Filipe estava empenhado em nova realização.
Dobrou o jornal, pensando em Dora.
Naquele momento refletiu como pode um dia tão maravilhoso como aquele, os
homens estarem a trabalhar. Com certeza esses homens lhe responderiam que, era para
ganhar a vida. E, no entanto, a vida estava ali a se oferecer toda, numa gratuidade
milagrosa. Pediu para D. Frida arrumar Anamaria; pois, iriam dar um passeio. Quando a
filha se apresentou pronta, Eugênio reviu nela, a Olívia da noite da formatura.
Eugênio sentia-se em paz e feliz. De repente fica sério. Estava pensando na menina
que atendera a noite passada. Era magra, suja, triste, mal vestida e mal alimentada.
Existiam na cidade, no Estado e no país milhares de crianças nas mesmas condições. Não
bastava que ele se sentisse feliz, que tivesse Anamaria ao seu lado, alegre, bem vestida...
“Era preciso pensar nos outros e fazer alguma coisa em favor deles. Por que
não começar algum trabalho em benefício das crianças abandonadas? Seixas
com certeza o ajudaria.”
Amava as crianças e os moços. Achava que os adultos e os velhos estavam perdidos.
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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“- Mas ninguém está perdido“ - falou Olívia em seu espírito. Ele havia
esquecido o som da voz dela. No entanto sabia que Olívia estava viva e que ela
marcara uma entrevista à sombra das árvores do parque, enquanto Anamaria
atirasse migalhas para os marrecos.
E de mãos dadas, pai e filha saíram para o sol.”
Exercícios para sala
01. Podemos dizer que a obra de Veríssimo Olhai os lírios do campo classifica-se como:
a. Regionalista romântica;
b. Regionalista de 30;
c. Crítico social
d. De tese
02. O dueto central que alimenta a trama circunda em:
a. Eugênio e Olívia
b. Eugênio e Eunice
c. Angelo e Eunice
d. Olívia e Felipe
03. Amor de Eugênio e colega de trabalho. ... é mais uma das clássicas figuras femininas
de Érico, que transparece doçura e compreensão frente às inquietudes dos
personagens masculinos, mas que não esconde uma grande força e determinação.
A passagem se refere a:
a. Eunice;
b. Olívia
c. Anamaria
d. Amélia
04. Em relação a Eugênio e incorreto afirmar:
a. profundamente pessimista, infeliz e complexado.
b. filho de um alfaiate pobre
c. dua motivação era "ser alguém", adquirir posição social e não ter que passar
pelas humilhações que julgava ter passado na infância.
d. profissão: enfermeiro
05. Olívia na obra:
a. Assim como Eugenio, Olívia cursa a faculdade de medicina em Porto Alegre com
facilidades.
b. Olívia é mais uma das clássicas figuras femininas de Érico, que transparece doçura
e compreensão frente às inquietudes dos personagens masculinos, mas que
52
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
esconde uma grande força e determinação.
c. Grande amor de Eugênio e colega de trabalho.
d. luta em manter a carreira de médica e cria a filha Anamaria com a ajuda de
Eugênio
Exercícios para Casa
LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA BRASILEIRA
TEXTO I
EVOLUÇÃO
Apertaram-se as mãos. A última vez que Eugênio vira Filipe fora poucos dias após o
seu rompimento com Eunice. Filipe o procurara para tentar uma reconciliação.
- Aonde vais?
- Ia indo para o consultório.
- Os doentes que esperem. Se fosse em Esparta eles seriam jogados desfiladeiro
abaixo. Vem comigo, vamos subir ao último andar do “Megatério”. Já estiveste lá? Não?
Pois vais ver um espetáculo formidável.
.............................................................................................................................
- Não é um colosso? – perguntou Filipe.
Operários passavam com carrinhos de mão cheios de argamassa, despejavam-nos
sobre uma rede de finas vigas de ferro, que pareciam os nervos simétricos daquele
monstro.
.............................................................................................................................
Um avião decolava do rio, alçava-se na direção das montanhas.
- Olha aquele avião, pensa neste arranha-céu, naqueles outros grandes edifícios e
em tudo mais que o homem construiu aqui e em outras partes do mundo. – Apertou com
mais força o braço do amigo.
– Se todos pensassem como tu, a terra seria ainda nua e desolada.
- Mas é preciso um pouco de tudo para fazer um mundo... – retrucou Eugênio,
lembrando-se duma sentença muito do gosto do velho professor do “Columbia
College”.
- Sim. Queres dizer que é preciso haver médicos e construtores, advogados e
sapateiros, alfaiates e poetas. Concordo. Mas eu falo é na maneira de sentir a vi da. Tu te
lembras daquele dia em que te procurei para te fazer ver a loucura que tinhas cometido?
– Eugênio sacudiu a cabeça afirmativamente. – Quis abrir-te os olhos. És moço, tens vida
como o diabo pela frente, podias fazer coisas formidáveis com o dinheiro de Cintra. Só
um fraco é que se importa com o que o povo pode dizer. Que é o povo? O povo é aquilo.
Mostrou lá embaixo vultos miúdos e escuros que se agitavam nas ruas e calçadas.
.............................................................................................................................
- Olha, menino – prosseguiu Filipe. – Não há nada mais humano do que querer gozar
a vida. O mundo é dos ativos, dos que acordam cedo e dos que têm audácia de dar os
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
53
grandes golpes. Vocês sentimentais vivem falando em humanidade e no entanto não são
humanos. (...).
- Só há uma verdade – continuou Filipe. – O forte engole o fraco e para o fraco só há
uma esperança: a de fazer-se forte e entrar na competição.
Texto adaptado de VERÍSSIMO, Érico, Olhai os lírios do campo. 53ª ed., Porto Alegre
– Rio de Janeiro, Editora Globo, 1984, pp. 205-9
Glossário:
Colosso – objeto de enormes dimensões.
Megatério – (no texto) arranha-céu, enorme edifício de cimento armado
01. Verifica-se que Filipe se empenha em convencer Eugênio, personagem principal de
Olhai os lírios do campo, a tirar proveito da riqueza de Cintra. A cena em questão e o
título do romance enviam-nos a um texto universalmente famoso, o texto bíblico. A
esse diálogo entre textos dá-se o nome de:
a. coerência textual
b. contexto
c. tipologia textual
d. intertextualidade
02. Com base nas categorias intertextuais da citação (forma explícita e literal de
sobreposição entre textos, na qual o texto citado geralmente se apresenta entre
aspas); do plágio (empréstimo não declarado, porém literal, de um texto de outro
autor) e da alusão (reenvio de um enunciado, de forma menos explícita e menos
literal do que nos procedimentos anteriores a outro texto) pode-se afirmar que na
passagem “Se fosse em Esparta, eles seriam jogados desfiladeiro abaixo”, ocorre:
a. uma citação histórica
b. uma alusão histórica
c. plágio de um texto histórico
d. as letras a e b estão corretas
03. De acordo com o contexto situacional da cena em análise, na resposta à pergunta
“Que é o povo?” feita a Eugênio por Filipe, inscreve-se que este (Filipe):
a. exprime a admiração pelos trabalhadores da construção civil.
b. usa certa entonação de voz, indicativa de seu apreço pelos trabalhadores em
atividade.
c. revela o preconceito em relação às pessoas humildes, pertencentes a classes
sociais desprestigiadas.
d. exprime a preocupação com os menos favorecidos.
04. Para a caracterização de Eugênio, protagonista do romance em estudo, está correta a
seguinte proposição:
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Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
a.
b.
c.
d.
jovem intelectual pequeno-burguês alienado.
imigrante português rebelde e rejeitado pela família.
jovem médico bem sucedido, porém infeliz.
jovem médico de origem humilde e grande ambição.
05. Da análise do excerto de Olhai os lírios do campo aqui reproduzido, pode-se afirmar:
a. a narração dos fatos é feita em 3ª pessoa; o narrador é onisciente por possuir uma
visão privilegiada dos personagens e acontecimentos .
b. a narração dos fatos é feita em 3ª pessoa; o narrador não é onisciente, pois sua
visão dos personagens e acontecimentos é limitada.
c. a narração dos fatos é feita por Eugênio, personagem do romance.
d. a narração dos fatos é feita em 1ª pessoa; o narrador é personagem secundário
no romance
06. Com base na leitura integral do romance, é correto afirmar que a personagem
Eunice, referida no 1º parágrafo do texto, corresponde à:
a. mãe de Eugênio
b. amante de Eugênio
c. esposa de Filipe
d. irmã de Eugênio
e. esposa de Eugênio
07. "Tu te lembras daquele dia em que te procurei para te fazer ver a loucura que tinhas
cometido?"
No período acima reproduzido, a utilização da 2ª pessoa do singular é marca de
linguagem típica do gaúcho, cuja fala sofreu a influência do português lusitano dos
imigrantes açorianos. Transpondo o período em análise para uma variedade de fala
urbana, em nível coloquial, da maioria das regiões brasileiras, tem-se:
a. Você se lembra daquele dia em que o procurei para fazê-lo ver a loucura que tinha
cometido?
b. Tu lembra daquele dia em que te procurei para fazer-te ver a loucura que tinha
cometido?
c. Você se lembra daquele dia em que o procurei para fazer-lhe ver a loucura que
tinha cometido?
d. Tu te lembras daquele dia em que lhe procurei para lhe fazer ver a loucura que
tinhas cometido?
e. Você lembra daquele dia em que lhe procurei para lhe fazer ver a loucura que
tinha cometido?
08. Verifica-se o emprego da partícula “se” com indicação de reciprocidade na
passagem:
a. “Um avião decolava do rio, alçava-se na direção das montanhas.”
Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
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b. “Mostrou lá embaixo vultos miúdos e escuros que se agitavam nas ruas e
calçadas.”
c. “Apertaram-se as mãos.”
d. “Só um fraco é que se importa com o que o povo pode dizer.”
e. “...para o fraco só há uma esperança: a de fazer-se forte...”
09. De acordo com a norma culta, substituindo-se o verbo haver em “...é preciso haver
médicos e construtores,...” pelas estruturas:
I. É preciso existirem médicos e construtores.
II. É preciso existir médicos e construtores.
III. É preciso ter médicos e construtores.
Está(ao) correta(s) apenas:
a. I
b. II
c. III
d. I
e. II e III
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Olhai os Lírios do Campo |Érico Veríssimo
Análise da Obra
Menino de Engenho
José Lins do Rego
UVA 2016.1
ELEMENTOS DA NARRATIVA
Foco narrativo
Narrado em 1ª pessoa por Carlos Melo (personagem), que aponta suas tensões
sociais envolvidas em um ambiente de tristeza e decadência, é o primeiro livro do ciclo da
cana-de-açúcar. Publicado em 1932, Menino do Engenho é a estréia em romance de José
Lins do Rego e já traz os valores que o consagraram na Literatura Brasileira.
Análise da obra
Durante a década de 30 do século XX, virou moda uma produção que se preocupava
em apresentar a realidade nordestina e os seus problemas, numa linguagem nova,
introduzida pelos participantes da Semana de Arte Moderna de 22. José Lins do Rego
seria o melhor representante dessa vertente, se certas qualidades suas não atenuassem
fortemente o tom crítico esperado na época.
A intenção do autor ao elaborar a obra Menino de Engenho, era escrever a biografia
de seu avô, o coronel José Paulino, que considerava uma figura das mais representativas
da realidade patriarcal nordestina. Seria também a autobiografia das cenas de sua
infância, que ainda estavam marcadas em sua mente. Mas o que se constata é que o
biógrafo foi superado pela imaginação criadora do romancista: a realidade bruta é
recriada através da criatividade do gênero nordestino.
É a história típica, natural e sem retoques de uma criança, Carlos, órfão de pai e mãe,
que, aos oito anos de idade, vem viver com o avô, o maior proprietário de terras da região
- coronel José Paulino.
Carlos é criado sem a repressão familiar e mesmo sem os cuidados e atenções que
lhe seriam necessários diante das experiências da vida. Vê o mundo, aprende o bem e o
Análise das Obras | UVA 2016.1
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mal e chega a uma provável precocidade acerca dos hábitos que lhe eram "proibidos",
mas inevitáveis de serem adquiridos.
Pela ausência de orientação, toma-se viciado, corrompido, aos 12 anos de idade.
Além dos problemas íntimos do menino, desorientado para a vida e para o sexo, temos a
análise do mundo em que vivia, visto por Carlos, que é o narrador-personagem.
Carlos vê o avô como um verdadeiro Deus, uma figura de grandiosidade inatingível.
O engenho é o mundo, um império, de onde o coronel José Paulino dirige e guia os
destinos de todos. E, em conseqüência, Carlos considera-se, e é considerado pelos
servos, escravos e agregados, o “coronelzinho” cujas vontades têm que ser
rigorosamente realizadas.
Descreve com emoção a vida dos escravos, a senzala, o sofrimento e os castigos do
“tronco”. Uma cena a ser destacada é a “enchente” do rio, vista com admiração e susto
por Carlos, constituindo uma descrição de grandiosidade bíblica.
Também vêm à tona as superstições e crendices comuns entre as camadas
populares, como a do “lobisomem”.
O romance tem como cenário a região limítrofe entre Pernambuco e Paraíba, o que
pode ser deduzido pelas descrições da paisagem e da vida dos engenhos de açúcar.
Os bandidos e cangaceiros, comuns na região, são mostrados como única forma de
reação social de um povo oprimido.
Espaço
O romance tem como cenário a região limítrofe entre Pernambuco e Paraíba, o que
pode ser deduzido pelas descrições da paisagem e da vida dos engenhos de açúcar.
Os bandidos e cangaceiros, comuns na região, são mostrados como única forma de
reação social de um povo oprimido.
O nome da fazenda de engenho chama-se Santa Rosa.
Contextualização
O contexto histórico deste livro é o Brasil colônia e seu regime escravocrata. A
localização geográfica se dá no nordeste brasileiro, nos solos de massapê (argiloso) da
zona da mata no Estado da Paraíba. As relações sociais vividas na época são o ponto alto
do livro, onde a figura quase heróica do coronel mistura o poder econômico da fazenda
de engenho, com o poder político de prefeito da cidade, concentrada na mesma pessoa:
Coronel José Paulino. Estes fatores e muitas das características citadas no romance estão
presentes na história da sociedade brasileira da época da escravidão, principalmente da
região nordestina.
Personagens
Martinho Carlinhos - É o narrador do romance. Órfão aos quatro anos, tornou-se
um menino melancólico, solitário e bastante introspectivo. De sexualidade exacerbada,
mantém, aos doze anos, a sua primeira relação sexual, contraindo “doença-do-
58
Menino de Engenho |José Lins do Rego
mundo” - a popular gonorréia.
Coronel Zé Paulino - É o todo-poderoso senhor de engenho - o patriarca absoluto
da região. Era uma espécie de prefeito - administrava pessoalmente, dando ordens e
fazendo a justiça que ditava a sua consciência de homem bom e generoso.
Tia Maria - Irmã da mãe de Carlinhos (Clarisse), torna-se para este a sua segunda
mãe. Querida e estimada por todos pela sua bondade e simpatia, era chamada
carinhosamente de Maria Menina.
Velha Totonha - É uma figura admirável e fabulosa. Representa bem o folclore
ambulante dos contadores de histórias.
Antônio Silvino - Representa bem o cangaceiro sempre temido e respeitado pelo
povo, em virtude de seu senso de justiça, tirando dos ricos e protegendo os fracos.
Compõe bem a paisagem nordestina.
Tio Juca - Não chega a representar um papel de destaque no romance. Por ser filho
do senhor de engenho, fazia e desfazia (sobretudo sexo com as mulatas), mas não era
punido. De certa forma, representa o papel de pai de Carlinhos.
Lula de Holanda - Embora ocupe pouco espaço, o Coronel Lula é uma personagem
relevante, pois representa o senhor de engenho decadente que teima em manter a
fachada aristocrática.
Prima Lili – Uma das primas de Carlos, já vem muito doente, ele morre, o que lhe
causa muita dor.
Clarisse – Mãe de Carlos, assassinada logo no começo da obra.
Sinhazinha - Embora não fosse a dona da casa (era cunhada do Coronel), mandava
e desmandava no governo da casa-grande. Era odiada por todos por seu rigor e
carranquice, e pode ser identificada com as madrastas ruins dos contos populares.
Negras - Restos do tempo de escravidão, destacam-se a negra Generosa, dona da
cozinha, a vovó Galdina, que vivia entrevada numa cama.
Zefa Cajá – Negra com quem Carlos terá sua primeira relação sexual.
Enredo
O romance, narrado em primeira pessoa, apresenta uma estrutura memorialista, em
quarenta capítulos. O tempo flui cronologicamente: o narrador (Carlinhos) tem quatro
anos quando a narrativa começa e doze, quando termina o livro.
A mãe do narrador (Clarisse) está morta, assassinada pelo pai no quarto de dormir.
“Por quê?” Ninguém sabia compreender”. O menino, apesar de pequeno, sente o
impacto da morte da mãe e a solidão que esta lhe deixa. “Então comecei a chorar
baixinho para os travesseiros, um choro abafado de quem tivesse medo de chorar”.
Menino de Engenho |José Lins do Rego
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O pai então é levado para o presídio. Era uma pessoa nervosa, um temperamento
excitado, “para quem a vida só tivera o seu lado amargo”. Num momento de
desequilíbrio, matara a esposa com quem sempre discutia. O narrador o recorda com
saudade e ternura. O narrador lembra também, com ternura e carinho, a mãe tão
precocemente ceifada pelo destino. Recorda as suas carícias, a sua bondade, a sua
brandura. “Os criados amavam-na”. Era filha de senhor de engenho, mas “falava para
todos com um tom de voz de quem pedisse um favor”.
Um mundo novo espera o narrador. “Três dias depois da tragédia, levaram-me para
o engenho do meu avô materno. Eu ia ficar ali morando com ele”. Conduzido pelo tio
Juca, que viera buscá-lo, encanta-se com tudo que vê: tudo é novidade naquele mundo
novo. A imagem que sempre fizera do engenho era a “de um conto de fadas, de um
reino fabuloso”. À primeira vista, a realidade ia comprovando fantasia.
No engenho, é levado para receber a bênção do avô e da preta velha Tia Galdina e
ganha uma nova mãe – a tia Maria. No dia seguinte, com o mergulho nas águas frias do
poço, o narrador está batizado para a nova vida que vai começar. Aos poucos, o narrador
vai penetrando no mundo novo do engenho. Levam-no para ver o engenho e ele fica
deslumbrado com o seu mecanismo. Tio Juca vai-lhe explicando todos os detalhes.
Os primos chegam para passar as férias na fazenda e o narrador se solta de vez “já
estava senhor de minha vida nova”; passeios, banhos proibidos, brincadeiras, sol o dia
todo e as recomendações de Tia Maria. Ao lado da fada boa e terna que era tia Maria,
vivia no engenho uma velha de nome Sinhazinha que “tomava conta da casa do meu avô
com um despotismo sem entranhas”. “Esta velha seria o tormento da minha meninice”.
Todos a temiam e fugiam dela. “As negras odiavam-na. Os meus primos corriam dela
como de um castigo”.
A prima Lili – A“magrinha e branca”; “parecia mais de cera, de tão pálida. Tinha a
minha idade e uns olhos azuis e uns cabelos louros até o pescoço”. “Na verdade a prima
Lili parecia mais um anjo do que gente”. E tal sucedeu com a pobrezinha: um dia,
amanheceu vomitando preto e morreu, para desconsolo do narrador, que se afeiçoara
muito a ela. Com a morte de Lili, o desvelo e os cuidados de tia Maria com o narrador se
acentuam. Era tempo das primeiras letras, mas nada entra na sua cabeça, pois só pensava
na liberdade nas patuscadas no mundo lá fora. Ainda recorda do flagelo das secas: as
aves de arribação.
O cangaceiro Antônio Silvino faz uma visita de cortesia ao engenho Santa Rosa. Há
uma grande expectativa sobretudo por parte dos meninos. O famoso cangaceiro chega e
é recebido pelo senhor de engenho. A partir, entretanto, o narrador demonstra o seu
desencanto: “Para mim tinha perdido um bocado de prestígio. Eu fazia outro, arrogante
e impetuoso, e aquela fala bamba viera desmanchar em mim a figura de herói”. É que o
mito se tornou real, descendo do seu pedestal. Organiza-se um passeio ao sítio do Seu
Lucino, nas proximidades do engenho. No caminho, gente que voltava da feira com seus
quilos de carne. A caravana chega ao sítio e são recebidos com a boa hospitalidade
sertaneja. À tardinha, voltam todos para casa, quando os moleques começam a falar de
mal-assombrados.
60
Menino de Engenho |José Lins do Rego
O narrador leva a sua primeira surra pelas mãos da velha Sinhazinha. Ficou desolado
o dia todo, e à noite, foi dormir pensando na vingança: “Queria vê-la despedaçada entre
dois cavalos como a madrasta da História de Trancoso.”
A cheia do Paraíba chegou devastadora, matando gente e animais, destruindo
plantações e casas. A gente do engenho refugia-se na casa do velho Amâncio, fugido da
fúria das águas. A enchente tinha sido arrasadora e as águas chegaram a penetrar na
casa grande. Os prejuízos eram enormes .
As primeiras letras, enfim, vieram com a bela Judite, mulher do Dr. Figueiredo. Com
ela, começam a surgir os primeiros lampejos do amor. “Sonhava com ela de noite, e não
gostava dos domingos porque ia ficar longe de seus beijos e abraços”.
Depois mandaram-no para uma escola onde tinha todas as regalias, em meio da
miséria geral, por ser o “neto do Coronel Zé Paulino”. Paralelamente às letras, começa a
iniciação sexual, apesar da pouca idade. Com Zé Guedes, moleque que o levava e
buscava na escola, aprendeu “muita coisa ruim”. Com o primo Silvino e outros andou
fazendo muita “porcaria” com as cabras e vacas da fazenda.
Nas visitas e incertas do Coronel José Paulino à sua propriedade, está patente todo o
seu poder de senhor de engenho, de patriarca absoluto daquelas terras.
A religião no engenho se restringia aos limites do quarto de santos com suas
estampas e imagens. O Coronel Zé Paulino não era um devoto, e mesmo a tia Maria,
sempre preocupada com rezas e orações, não era de freqüentar igreja e comungar. Na
semana santa, especialmente na Sexta-Feira da Paixão, havia um recolhimento natural
em obediência à tradição.
O cabra Chico Pereira está amarrado ao tronco para receber a punição pelo malfeito:
A vítima, a mulata Maria Pia, jogara-lhe a culpa, e o senhor patriarcal, inflexível, ordenara
que o moleque assumisse. Convidada a jurar sobre o livro sagrado, a mulata confessa.
Uma traquinagem de criança e um ato de heroísmo – eis a síntese deste capítulo. O
primo Silvino, querendo provocar um desastre, coloca uma pedra enorme na linha de
trem para vê-lo tombar. O narrador imagina a cena terrível com gente morta e ferida e,
num gesto heróico, atira-se diante do trem e rola a pedra dos trilhos.
Pelo engenho, corria o boato de que um lobisomem estava aparecendo na Mata do
Rolo. “Diziam que ele comia fígado de menino e que tomava banho com sangue de
criança de peito”. Seria José Cutia? Além do lobisomem, outros duendes da superstição
popular povoaram a infância do narrador: o zumbi, as caiporas, as burras-de-padre etc.
A velha Totonha com suas histórias fabulosas encantam o narrador. Quando passava
pelo engenho era uma festa. Suas histórias, sempre de reis e rainhas comoviam. Ela sabia
como ninguém contar uma história. Mas “o que fazia a velha Totonha mais curiosa era a
cor local que ela punha nos seus descritivos (...) Os rios e as florestas por onde andavam
os seus personagens se pareciam muito com o Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba
Azul era um senhor de engenho de Pernambuco.
“A senzala do Santa Rosa não desaparecera com a abolição. Ela continuava pregada
à casa-grande, com suas negras parindo, as boas amas-de-leite e os bons cabra do eito e
as boas cabras do cifo”. Apesar de terem sido aforriados, muitos ficaram no engenho. Aí
Menino de Engenho |José Lins do Rego
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estava a velha Galdina, doente e alquebrada, Generosa, que mandava na cozinha da
casa-grande e a demoníaca Maria Gorda.
Tal como um monarca, o senhor de engenho, sentado no seu trono, ia ouvindo as
queixas e pedidos dos seus súditos.
Mais um passeio. Agora é ao engenho do Oiteiro. Saem cedo e vão de carro-de-boi.
Destaca-se aqui a habilidade do carreiro Miguel Targino na condução dos bois. Por onde
passa a comitiva é recebida com festejos e cortesia. Destaca-se em cada lugar a
hospitalidade e gentileza do povo simples e humilde. Tia Maria, a senhora do Santa Rosa,
retribui a tudo com simpatia.
A morte trágica da mãe o marcou profundamente e, apesar das brincadeiras e
traquinagens com os moleques, era um menino melancólico que buscava sempre a
solidão.
Contadores de histórias— os mestres de ofício dos quais o narrador se tornou
amigo. É através deles que ele fica conhecendo o Capitão Quincas Vieira, irmão mais
novo do Coronel Zé Paulino, que morreu brigando.
Um antigo sonho do narrador se realiza: ganhou um lindo Carneiro para montaria.
Chamava-se Jasmim. Entretinha-se com ele boa parte do tempo e, com isso, os canários
ganharam a liberdade. Nos seus passeios com Jasmim, na solidão do entardecer, a
melancolia de sempre, “arrastava-me aos pensamentos de melancólico”.
Da história triste do Santa Fé e seu senhor decadente - O Coronel Lula de Holanda,
surgiu um dos grandes romances de José Lins: Fogo Morto. O Santa Fé é um engenho em
decadência, símbolo de um mundo que está prestes a ruir. Em vão, o Coronel tenta
manter a fachada com seu cabriolé. Um pouco mais e o Santa Fé estará de fogo morto.
A doença tira a liberdade do narrador por um bom espaço de tempo. Era o puxado,
“uma moléstia horrível que me deixava sem fôlego, com o peito chiando, como se
houvesse pintos sofrendo dentro de mim”. Amargou, por causa do puxado, muitos dias
de solidão e de cama.
O narrador penetra no quarto do tio Juca e na sua intimidade: “uma coleção de
mulheres fluas, de postais em todas as posições da obscenidade”.
A descrição de um incêndio de largas proporções faz brotar de todos os cantos a
solidariedade do sertanejo. Mais uma vez sobressai aqui a figura do avô, com sua
autoridade e com seus gritos de ordem para conter o fogo que ia devastando o canavial.
Um exército de homens miseráveis e esfarrapados trabalham no eito: “estavam na
limpa do partido da várzea”. “Às vezes eu ficava por lá, entretido com o bate-boca dos
cabras”. Muitos desfilam pelo capítulo — uns com suas virtudes, outros com seus
defeitos. Em todos, um ponto comum: a vida de servidão, a miséria, a degradação.
Após a ceia, o Coronel Zé Paulino gostava de contar seus casos de escravos a
senhores de engenho, antes e depois da abolição. As ruindades do Major Ursulino com
os negros sempre se destacam nas suas histórias. Gostava também de relembrar a visita
de Dom Pedro ao Pilar e tinha grande orgulho de sua casta branca e nobre.
O amor desperta forte no coração do narrador que possuía então oito anos. Era
Maria Clara, uma prima civilizada do Recife, que estava ali com a família para passar
62
Menino de Engenho |José Lins do Rego
férias. A paixão é violenta: os passeios, o beijo, as lágrimas da partida.
A loucura solitária e miserável do pai remete o narrador a doentes (como o Cabeção
e o doido) e a maus presságios que o deprimem. O seu puxado atormenta-o e os
cuidados o aprisionam: “a minha vida ia ficando como a dos meus canários prisioneiros”.
Por outro lado, a sexualidade precoce encontra na negra Luísa uma comparsa das
“minhas depravações antecipadas”; “só pensava nos meus retiros lúbricos com o meu
anjo mau, nas masturbações gostosas com a negra Luísa.”
O casamento da tia Maria foi digno da opulência e grandeza do senhor de Engenho
do Santa Rosa. Atraiu gente de toda a redondeza e do Recife. É com tristeza que tudo é
descrito pelo narrador que perde a sua segunda mãe: “E pela estrada molhada das
chuvas de fim de junho, lá se fora a segunda mãe que eu perdia”. Até mesmo o Jasmim, o
carneiro montaria, fora-se nessa, servindo de almoço e jantar, juntamente com outros,
aos inúmeros convidados.
Você, no mês que entra, vai para o colégio”. Arranjavam-se os preparativos, e, com o
casamento de tia Maria, “vivia a desejar o dia da minha partida”. Já estava grandinho
(cerca de doze anos) e não sabia quase nada. Sabia ruindades, puxava demais pelo meu
sexo, era um menino prodígio da porcaria.
Lá fora, a chuva caía fazendo crescer as plantações: “os pés de milho crescendo, a
cana acamando na várzea, o gado gordo e as vacas parindo”.
Uma briga entre dois negros se encerra com a morte de um deles que deixou mulher
e cinco filhos órfãos. Levam preso o assassino, mas a alma do morto continuou pairando
pelo engenho sob a forma de assombração.
Tinha uns doze anos quando conheci uma mulher, como homem”. E, com ela,
apanhou doença-do-mundo a qual ia operando nele uma transformação: o menino de
calça curta ia ficando na curva do tempo e dali, precocemente, ia brotando um rapazinho
de sexualidade exacerbada. “Recorriam ao colégio como a uma casa de correção”.
Enfim chega a época de o depravado menino ir para o colégio. “Uma outra vida ia
começar para mim ". Tudo ia ficando para trás com o trem em movimento.
Carlinhos “levava para o colégio um corpo sacudido pelas paixões de homem feito e
uma alma mais velha do que o corpo”. Era o oposto de Sérgio, em O Ateneu, que
“entrava no internato de cabelos grandes e com uma alma de anjo cheirando a
virgindade.”
Exercício para Sala
(FAENQUIL / VUNESP) Leia o fragmento do romance Menino de Engenho, de José Lins do
Rego, e responda as questões de 01 a 03.
Meu avô me levava sempre em suas visitas de corregedor às terras de seu engenho.
Ia ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho
José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto,
entrar pelas suas matas, olhar as suas nascentes, saber das precisões de seu povo,
Menino de Engenho |José Lins do Rego
63
dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito
nessas suas visitas de patriarca.
01. Sobre Menino de Engenho, é correto afirmar que:
a. integra o conjunto de romances regionalistas brasileiros da primeira metade do
século XX.
b. se destaca pela narrativa maravilhosa, voltada pata a investigação psicológica das
personagens.
c. foi a primeira obra em prosa a se voltar para os problemas sociais do Nordeste
brasileiro.
d. inicia, ao lado de Os Sertões, de Euclides da Cunha, o modernismo na prosa
brasileira.
02. A repetição do pronome possessivo - seu(s), sua(s) - ao longo do texto serve ao intuito
de:
a. chamar atenção para o tamanho do engenho.
b. aproximar José Paulino dos habitantes do engenho.
c. revelar o amor de José Paulino por sua terra.
d. ressaltar a soberania do senhor de Engenho.
03. O paralelismo estabelecido entre as estruturas visitas de corregedor e visitas de
patriarca chama a atenção para:
a. a dupla função das visitas, que buscavam ajudar o povo e conquistar sua
admiração.
b. o afeto e a bondade com que o senhor de engenho trata seu povo.
c. a necessidade da presença do senhor de engenho para o estabelecimento da
ordem.
d. a mistura entre as esferas pública e privada na figura do senhor de engenho.
04. (UFAM) Reproduzem-se abaixo alguns trechos do romance Menino de Engenho, de
José Lins do Rego, os quais são relacionados, em seguida, a personagens da obra a
que correspondem. Assinale a opção em que a correspondência NÃO está correta.
a. Ninguém lhe tocava num capão de mato, que era mesmo que arrancar um
pedaço de seu corpo. Podiam roubam as mandiocas que plantava pelas chãs, mas
não lhe bulissem nas matas. Ele mesmo, quando queria fazer qualquer obra,
mandava comprar madeira nos outros engenhos – José Paulino.
b. Mas ele pouco se importava comigo. Eu mesmo gostava de ouvir o bate-boca
imundo. Pelo caminho, o moleque continuava nas suas lições, falando de
mulheres e de doenças-do-mundo – Zé Guedes.
c. Pequenina e toda engelhada, tão leve que uma ventania poderia carregá-la,
andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das
Mil e Uma Noites – Tia Maria.
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Menino de Engenho |José Lins do Rego
d. Mas nós, quando o víamos passar com as suas cestas de ovos, fugíamos da
estrada com medo. Diziam também que ele comia fígado de menino e que
tomava banho com sangue de criança de peito – José Cutia.
Exercícios para Casa
01. Assinale a alternativa incorreta sobre o livro “Menino de Engenho”.
a. Foi elaborado em 40 (quarenta) capítulos.
b. Embora apresente o escravismo, retrata uma época após a Abolição da
Escravatura de 1.888.
c. Foi escrito na época da escravidão.
d. Apresenta grande número de regionalismo nordestino (palavras usadas no
nordeste do Brasil).
02. Pode-se afirmar que o narrador do texto Menino de Engenho é:
a. Narrador- personagem, de 1ª pessoa. ( nem sempre presente)
b. Narrador- personagem, ( 3ª pessoa).
c. Narrador- observador ( 3ª pessoa) .
d. Narrador- personagem, de 1ª pessoa. (onipresente)
03. A história do Menino de Engenho inicia-se com:
a. a morte de seu pai
b. a morte de sua mãe
c. a ida do menino para ao engenho
d. a ida do menino para o colégio.
04. Tanto a viagem da cidade para o engenho como a viagem do engenho para o colégio
foi feita de:
a. avião
b. ônibus
c. carro-de-boi
d. trem
05. O engenho Santa Rosa do senhor José Paulino era na realidade:
a. uma máquina de moer cana
b. uma pequena fazenda
c. um grande latifúndio
d. um sítio
06. Na frase: “Vamos, não chore. Seja homem.” Há uma nítida demonstração de
preconceito:
Menino de Engenho |José Lins do Rego
65
a.
b.
c.
d.
racial
religioso
contra o homossexual
contra a mulher
07. A principal produção do engenho Santa Rosa era:
a. café
b. açúcar
c. leite
d. soja
08. “Você está um negro. Chegou tão alvo, e nem parece gente branca. Isto faz mal.”
Esta fala da tia Maria pode ser considerada nos dias de hoje:
a. interessante
b. correta pela preocupação
c. normal
d. preconceituosa e antiquada
09. Para os meninos e para os negros e negras da fazenda, Tia Sinhazinha era
considerada:
a. Fada
b. Bruxa
c. Mãe
d. Madrinha
10. Com a morte da mãe, Carlinhos foi levado para:
a. O engenho do avô, em Minas Gerais.
b. O engenho do avô, no nordeste do Brasil.
c. O colégio em Recife
d. O engenho do avô, em São Paulo.
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Menino de Engenho |José Lins do Rego
Análise da Obra
O grande Mentecapto
Fernando Sabino
UVA 2016.1
O AUTOR
Fernando Sabino (1923-2004) foi um escritor, jornalista e editor brasileiro. Recebeu
diversos prêmios, entre eles, o Prêmio Jabuti pelo livro "O Grande Mentecapto" e o
Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Foi condecorado com a
Ordem do Rio Branco, no grau de Grã-Cruz, pelo governo brasileiro.
Fernando Sabino (1923-2004) nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 12
de outubro de 1923. Em 1930, após aprender a ler com a mãe, ingressa no Grupo Escolar
Afonso Pena. Faz o curso secundário no Ginásio Mineiro. Em 1936, tem seu primeiro
conto policial estampado na revista "Argus", da Secretaria de Segurança de Minas
Gerais. Em 1938, ajuda a fundar um jornal "A Inúbia", no Ginásio Mineiro. Ao final do
curso conquista a medalha de ouro como o primeiro aluno da turma.
Começa a colaborar regularmente com artigos, crônicas e contos nas revistas
"Alterosas" e "Belo Horizonte". Em 1941, Fernando Sabino inicia o curso superior na
Faculdade de Direito de Minas Gerais. Nesse mesmo ano reúne seus primeiros contos no
livro "Os Grilos não Cantam Mais". Colabora com o jornal literário do Rio, "Dom
Casmurro", com a revista "Vamos Ler" e com o "Anuário Brasileiro de Literatura".
Em 1942, é admitido como funcionário da Secretaria de Finanças de Minas Gerais e
dá aulas, de Português no Instituto Padre Machado. É nomeado oficial de gabinete do
secretário de agricultura. Faz estágio de três meses como aspirante no Quartel de
Cavalaria de Juiz de Fora, período que serviria de inspiração para hilariantes episódios no
livro "O Grande Mentecapto".
Em 1944, Fernando Sabino muda-se para o Rio de Janeiro e integra a equipe mineira
na Olimpíada Universitária de São Paulo. Em 1946 forma-se em Direito e embarca com
Vinícius de Moraes para os Estados Unidos. Passa a residir em Nova York, trabalhando no
Escritório Comercial do Brasil e depois no Consulado Brasileiro. Em 1947, envia crônicas
Análise das Obras | UVA 2016.1
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de Nova York para os jornais "Diário Carioca" e "O Jornal", do Rio, que são transcritas
por diversos jornais do resto do país. Realiza uma série de entrevistas com Salvador Dali e
faz reportagem sobre Lasar Segall.
Volta ao Brasil em 1948 e assume o cargo de escrivão da Vara de Órfãos e Sucessões.
Em 1949, colabora com diversos jornais e com a revista "Manchete". Em 1956, publica o
romance "O Encontro Marcado", um grande sucesso de crítica e de público, com uma
média de duas edições anuais no Brasil e várias no exterior, além de adaptações teatrais
no Rio e em São Paulo.
Em 1959 comparece ao lançamento de "O Encontro Marcado" em Lisboa, Portugal.
Em 1960 faz viagem a Cuba, como correspondente do Jornal do Brasil. Faz reportagem
sobre a revolução cubana, "A Revolução dos Jovens Iluminados", livro que inaugura a
Editora do Autor, fundada em sociedade com Rubem Braga e Walter Acosta. Nesse
mesmo ano publica "O Homem Nu". Em 1962 publica "A Mulher do Vizinho", que
recebe o Prêmio Chinaglia do Pen Club do Brasil. Seu livro "O Encontro Marcado" é
publicado na Alemanha. Escreve o argumento, roteiro e diálogos do filme dirigido por
Roberto Santos, de sua obra, "O Homem Nu".
Fernando Sabino é efetivado no cargo de redator do Serviço Público, da Biblioteca
Nacional e mais tarde da Agência Nacional, cabendo-lhe a elaboração de textos para
filmes de curta metragem.Em 1964, durante o governo João Goulart, é contratado para
exercer as funções de Adido Cultural junto à Embaixada do Brasil em Londres. Em 1965
se desfaz da sociedade com Rubem Braga e funda a Editora Sabiá. Em 1972 funda a BemTe-Vi Filmes.
Em 1975, após 16 anos de colaboração, deixa o Jornal do Brasil, onde permaneceu
por 15 anos. Inicia, em 1977, a publicação de crônica semanal sob o título de "Dito e
Feito" no jornal "O Globo". Sua colaboração se prolongará por 12 anos, sendo
reproduzida no "Diário de Lisboa" e em oitenta jornais no Brasil.
Em 1979, conclui o romance "O Grande Mentecapto", que havia iniciado há 33
anos. Recebe o Prêmio Jabuti pela obra. Filma a participação do Brasil na Feira
Internacional de Indústria e Comércio em Hannover, em 1980. Recebe o Prêmio Golfinho
de Ouro na categoria de Literatura, concedido pelos Conselhos Estaduais de Educação e
Cultura do Rio de Janeiro.
Em 1982, lança o romance "O Menino no Espelho", ilustrado por Carlos Scliar, que
passa a ser adotado em inúmeros colégios do país. Em 1985 publica “A Faca de Dois
Gumes". Em 1985 é condecorado com a Ordem do Rio Branco no grau de Grã-Cruz pelo
governo brasileiro. Escreve suas últimas crônicas para "O Globo", do qual se despede no
final do ano. Em 1989 o filme "O Grande Mentecapto" é premiado no Festival
Internacional de Gramado.
Em 1991, Fernando Sabino lança o livro "Zélia, Uma Paixão", biografia autorizada
de Zélia Cardoso de Mello. Em 1993, publica "Aqui Estamos Todos Nus" e em 1994
"Com a Graça de Deus".
Fernando Sabino faleceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 11 de outubro de 2004.
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O grande Mentecapto |Fernando Sabino
FOCO NARRATIVO
A narrativa se dá de fato que o autor nos narra a história como se a mesma fosse
baseada em fatos reais, chegando até mesmo a se mostrar não conhecedor de todos os
fatos da trama, por várias vezes intervém a narrativa e fala bastante com o leitor por meio
de notas de rodapé e observações com o uso exagerado de parênteses.
Desse forma podemos concluir que a narrativa é heterodiegética, com narradorobservador.
Espaço:
Podemos dizer que se torna toda Minas Gerais, há alguns locais específicos, mas no
capítulo VII toda a Minhas Gerais é percorrida.
Veja as principais:
Cap. I:
Cap. II:
Cap. III:
Cap. IV:
Cap. V:
Cap. VI:
Rio Acima – local onde nasce e passa parte da sua infância.
Mariana – Onde vai para o seminário.
Ouro Preto – Onde conhece Marília e Dionísio.
Barbacena – Conhece o velho Barbeca e quase se torna prefeito da cidade.
Juiz de Fora – Serve ao exército na cavalaria até ser detido.
São José Del Rei – É vigia dos instrumentos da Filarmônica.
Tiradentes – Conhece João Cotó.
Congonhas – Revê o velho Elias que morre assassinado.
Cap. VII: Uberaba – Onde detém um touro e revê Marília.
Cataguazes
Cap. VIII: Belo Hozironte e Rio AcimAcima
TEMÁTICA CENTRAL
A temática central consiste na aventura épica de Geraldo Viramundo, e na sua
aventura por toda a Minas Gerais e em todo lugar que vai espalha sua fama.
Personagens:
Nina: Mãe de Geraldo
Breno: o irmão mais velho
Liméria: padre de Rio Acima
Tibério: Padre de Mariana
Dona Correia Lopes: Peidolina – mulher que ficava com vários homens na cidade
de Mariana.
Vidal: Engraxate de Ouro preto
Dionísio: Estudante que leva Geraldo para a república dos estudantes de Ouro
Preto.
O grande Mentecapto |Fernando Sabino
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Clarismundo Ladisbão: Governador de Minas Gerais.
Marília: filha do governador, Viramundo se apaixona por ela.
Elias: Velho cego, amigo de Viramundo.
Matias: filho de Elias.
Leandro: estudante que escreve a carta e se faz passar por Marília.
Barbeca: Velho negro vendedor de estrume e se torna amigo de Viramundo ao
furtar rosas do alemão.
Herr Bosmann: Vendedor de rosas de Barbeca e acaba sendo internado a mando de
Viramundo.
Praxedes Borba Gato: Adversário político de Geraldo.
Dr. Panteão: diretor do hospício onde Geraldo é internado.
Bunda Mole: cavalo predileto de Viramundo durante a estadia como militar
Batatinhas: Capitão do regimento da cavalaria.
Fritas: Tenente da cavalaria.
Policarpo: Mestre da filarmônica de São João Del Rei
João Tocó: Prisioneiro da cidade de Tirandentes.
Erich Raspe: Pintor alemão que atira no chifre de uma vaca.
Barão: Dona de terra que possui uma contenda com Erich, dona da vaca de raça que
tivera seus cornos arrancados.
Maria Eudóxia: Vendedora de doces.
Marialva: Moça que ele conhece em Santana Rio Verde.
Brigite: prostituta
Montalvão: homem forte que luta contra ele.
Dr. Legrine: Chefe do hospício em Belo Horizonte.
RESUMO:
Antes de você aluno ler este resumo por capítulo, lembre-se que a parte em Itálico
abaixo do capítulo é tirada do início de cada capítulo do livro, portanto, o próprio autor
nos explica o que ocorrerá em cada capítulo.
Capítulo I
De como Geraldo Viramundo, tendo nascido em Rio Acima, foi parar no seminário
de Mariana, depois de virar homem, levado por um padre que um dia passou por lá.
Geraldo Boaventura, eis o nome de nosso personagem, o nome todo para você não
esquecer é José Geraldo Peres da Nóbrega e Silva, era um caçula de 13 irmãos, o pai era
português, casou com uma italiana quando percebeu que precisava parar de fornicar
com a esposa, pois ele temia a crise proveniente da Guerra Mundial.
No interior de Belo Horizonte, o Sr. Boaventura mantinha a família com o armazém
Boaventura – Secos e molhados, a estrada do interior da cidade de Rio Acima passava
pelo ponto de venda da família, os irmãos haviam se criado praticamente na pista, dona
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O grande Mentecapto |Fernando Sabino
Nina, a esposa, pariu um La, e fez outros também nas curvas sinuosas.
Logo desde de criança já inicia suas peraltices:
Apesar da estrada, que ele já apanhou bastante mais movimentada e
atraente, a infância de Geraldo Viramundo transcorreu como a de seus irmãos.
Como seus irmãos ele comeu terra, botou lombrigas, arrebentou cupim para ver
como era dentro, seguiu as formigas para ver aonde iam, misturou açúcar com
sal no armazém, furtou garrafa de guaraná e depois mijou dentro botando no
lugar para o pai não descobrir, brincou com fogo e mijou na cama, brincou de
pegador, tic-tac carambola, este dentro e este fora, matou passarinho com
bodoque, enterrou ovo choco e fez fogo em cima para ver se nascia pinto, foi
mordido de marimbondo e ficou de cara inchada, amarrou lata vazia em rabo de
gato, fez galinha dançar em cima de lata quente, contou com o ovo no rabo da
galinha, enfiou o dedo no rabo dela, teve sarampo, catapora, caxumba e
coqueluche, pegou sarna para se coçar, correu de boi bravo, botou cigarro na
boca de sapo para ele fumar até rebentar, se escondeu na cesta de roupa suja
para ver a irmã mais velha tomar banho, quis pegar a irmã mais nova e depois
teve remorso, perdeu a virgindade numa cabrita, fugiu de casa e apanhou e por
isso tornou a fugir e por isso tornou a apanhar, construiu casinhas de barro, caiu
da árvore e se machucou, comeu manga com leite e adoeceu, contou as estrelas
do céu e ficou com berrugas, pegou carona em caminhão, aprendeu a ler na
escola, fez do travesseiro o corpo da professora, teve medo do João Carangola
que fugiu da prisão e gostava de menino, assobiou e chupou cana ao mesmo
tempo, fumou cigarro de chuchu, fez coleção de favas, foi à missa aos domingos,
assistiu fita de Tom Mix, Buck Jones e Carlito no cineminha da cidade, apanhou
bicho-de-pé, pisou em urina de cavalo e ficou com mijação, armou arapuca no
mato, jogou futebol com bola de meia, teve dor de dente de noite, foi coroinha
na igreja, contou quantas vezes fazia coisa feia para se lembrar na confissão,
procurou não mastigar a hóstia para que não saísse sangue, fez flautinha de
bambu, ficou preso pela piroca num gargalo de garrafa, molhou o pijama de
noite e teve medo de estar doente, ficou com pedra na maminha e perguntou à
mãe o que era, se apaixonou pela filha mais velha dos italianos do empório, tirou
o cavalinho da chuva, pensou na morte da bezerra, chorou escondido, teve
medo, descobriu que o céu era imenso, teve vontade de morrer, ficou acordado
de madrugada ouvindo o galo cantar sem saber onde, sentiu dores nos culhões,
comeu a negra Adelaide e virou homem.
E assim o autor resume e história de nosso anti-herói.
Entretanto, antes de contar sobre a vida adulta de Geraldo, o autor nos fala da
importância que o rio tem na vida do personagem, fala dos banhos no ribeirão, logo após
o término da aula.
Depois era o trem, o trem tinha a função de entretenimento para todos, os meninos
ficavam por horas a espera da passagem do trem, e quando vinha os meninos gritavam, o
O grande Mentecapto |Fernando Sabino
71
trem passavam e todos se recolhiam, o trem não nunca parava em Rio Acima.
Geraldo perguntou para os irmãos que ficavam a se contradizer, um dizia que é
porque não tinha gente, outro dizia que porque o trem não parava mesmo. Daí nasceu
uma aposta, ele se propôs a parar o trem, logo em seguida, todas as crianças estavam
sabendo da aposta, e no tal dia, as crianças levavam suas oferendas em troca das bolas de
gude de Geraldo, exceto Cremilda que havia apostado um beijo.
O menino traquino se meteu na linha do trem, o trem assim parou há dez metros, foi
uma efervescência de excitação, todas as crianças comemoravam o acontecido, e por um
tempo o menino ficara conhecido, até o pai quando passava pelos amigos eles diziam:
“Esse seu filho em Boaventura, é de parar o trem.”
Essa fama durou pouco, um menino chamado Pingolinha morreu tentando parar o
trem, todo mundo começou a culpá-lo pela tragédia e no dia seguinte no dia do enterro o
pai fora com todos os filhos, e foi o primeiro enterro que presenciara.
Depois se passou tempos e as pessoas esqueceram o acontecido, o menino crescera
e se torna um homem, é olhando a buzina de um carro, o mugir de uma vaca e uma
garota correndo de vermelho que ele passa a ter uma visão de homem perante as coisas e
sobre tudo.
Nisso Geraldo procura o padre Limeira, faz-lhe perguntas a respeito da diferença
entre ser padre ou não e nisso revelou esse desejo, o menino ficava tentando ser santo se
comportar, mas não dava, às vezes sedia ao “pecado”, quando um dia falou para todos
na mesa de janta tendo o padre como convidado, e assim partiu a personagem em
direção ao seminário de Mariana.
Capítulo II
Onde não se conta nada do que se passou com Geraldo no seminário de Mariana,
mas se explica como ele saiu de lá e se tornou Viramundo.
O nosso narrador nos diz ter raros relatos a respeito da vida de Viramundo no
seminário, apesar do mesmo admitir ser de extrema importância para entendermos a
personalidade de Geraldo, o narrador entretanto nos fala de uma mulher Pietrolina
Correia Lopes, que popularmente era conhecida como Peidolina, segundo boatos
matara o marido durante um ato sexual.
O fato que logo o narrador nos direciona para Viramundo que nesse dia, aos dezoito
anos, muito diferente do que era quando criança, ficou a meditar em coisas que o fez
chorar, o padre Tibério entrou e ele fugiu se escondendo dentro do confessionário, e lá
dormiu, acordou com a voz da “Peidolina” falando de seus pecados a qual o narrador se
nega a falar, nisso, dona Correia Lopes, confessou e o jovem seminarista disfarçou a voz,
a mulher confessara que o marido aparecia em forma de espírito para querê-la e logo o
seminarista não se contém, começa a lhe dar sermões, a mulher estranha, e nisso
pergunta se era mesmo o padre Tibério. Não era. Era Geraldo, a mulher sai aos berros e
ele acaba fugindo do seminário, a história do fantasma do marido de Peidolina correu a
cidade e todos foram ao cemitério fazer vigília.
72
O grande Mentecapto |Fernando Sabino
Coincidentemente, era onde Geraldo havia escolhido passar as noites, nisso estava o
seminarista no túmulo deitado quando vislumbrou aquele povo inteiro indo para o
cemitério, ele se levantou do túmulo fazendo ser o espírito do morto, foi um pânico geral,
as pessoas se reuniam com tocos de madeira e tochas em direção a casa da mulher que se
havia boatos de que já dormira com muita gente e por isso desonrava a memória do
morto.
Ao chegarem se deparam com o delegado na janela da mulher e após tentar acalmar
a turba de gente, acaba por inflamar, pois as pessoas se indagavam o que estava o
delegado a fazer ali, quando ela aparece na janela da porta e começa:
Sua aparição foi tão surpreendente que de repente ninguém sabia o que
falar. Mas um dos homens, chamado seu Genésio, dos Correios e Telégrafos, e
que parecia ser quem comandava a turba, gritou para ela:
- Se você quer dormir com seu marido, ele está lá no cemitério esperando!
Tanto bastou para recomeçar a assuada. Mais a viúva ergueu o braço,
expondo-se ainda mais na janela e arriscando-se a levar uma pedrada de uma
hora para outra. Todos agora pediam silêncio para ouvir o que ela tinha a dizer.
- Quero sim, Genésio - Falou ela, com voz pausada. - Prefiro dormir com um
defunto a dormir de novo com você.
A mulher de seu Genésio, que era uma das mais exaltadas, e que ao lado dele
ameaçava a viúva com os punhos serrados, voltou-se para o marido aos
pescoções, para tirar aquilo a limpo imediatamente.
...
- E você também, Serafim! Continuava a viúva lá da janela, como se nada
daquilo fosse com ela. - Quem é que falava que eu tinha um peitinho atrevido,
quem? Fale agora, se você é homem! E o senhor também, seu Campelo! Não
precisa fazer essa cara feia não, que eu sei bem o que o senhor quer! Se sua
mulher não deixa, eu é que vou deixar? e você aí, Nonô, que tem uma coisinha de
nada, uma coisinha desse tamanho! E você, Petronilho? E o Dr. Carlinhos?
(Carlinhos era, na intimidade, o próprio prefeito). E você, Simão? Seu Jorge?
Marcelino? Vidigal?
A viúva Correa Lopes havia dormido com a cidade inteira.
Um dos ferozes manifestantes arranca-a da janela e antes que a fizesse mal Geraldo
Viramundo aparece defendendo-a, e leva uma pedrada, quase morre se a polícia não
interviesse, após ser resgatado pela polícia é jogado no meio da rua, sem nada, e assim
nasce o Viramundo.
Capítulo III
Da controvérsia existente em torno do nome de Geraldo Viramundo, e de sua longa
viagem de Mariana a Ouro Preto, onde conheceu aquela que viria a ser a sua amada a
vida inteira.
O grande Mentecapto |Fernando Sabino
73
Nesse capítulo inicia o narrador os vários nomes que poderiam existir para Geraldo e
nos convence de que o melhor era Viramundo.
Nisso passam-se 10 anos, o Geraldo agora está com 28, foi para Ouro Preto, o
narrador acha ser Viramundo um companheiro de poeta, mas logo desfaz a informação,
antes de nos contar como conhecera o amor de sua vida, narra-nos um evento com o
engraxate Vidal.
O engraxate, negro e forte, engraxava o pé do estudante Dionísio, quando o Geraldo
deu um cuspe e acerto no sapato do estudante, Viramundo não percebeu o que fez,
Vidal foi lá e chutou as nádegas do seminarista, ao voltar e passar um pano no cuspe,
percebeu que o sapato ficara mais lustrado que sua graxa, cuspiu tentando reproduzir tal
efeito, mas só o cuspe daquele homem fazia efeito, foi lá, pegou o Geraldo e pediu para
ele cuspir no outro sapato, ele, com medo de levar outro chute ficou brincando com a
cara do Vidal, Dionísio então pediu que cuspisse no outro sapato, mas ele errou o cálculo
do cuspe e cuspiu na cara do Vidal.
O engraxate sentou-lhe a pisa e enfiou uma laranja podre com formigas na sua boca,
o estudante Dionísio o socorreu, levou-o à farmácia e ofereceu abrigo e roupas, negou,
no entanto, assim o narrador nos justifica como nasceu a amizade dele com os
seminaristas.
Assim nascerá o grande amor de Viramundo, um belo dia ele quase fora atropela do
pela comitiva do governador e filha dissera: - Não mete este vagabundo, ele, no entanto,
entendera: - Não mate o Viramundo.
E nisso nasceu a paixão, pois a própria filha do governador o conhecia, confessa ao
cego Elias e seu grande, motivos de risadas.
Ele então vai falar com o Estudante Dionísio, que por sua vez o convida para uma
peça de teatro só gritando “Infâmia, traição.” No momento em que Tiradentes era preso.
Viramundo ao descobrir que Marília vai se oferece e aceita o papel, no dia da peça ele
entra na hora errada e gera gargalhadas, na hora certa, ele entra diz novamente as
palavras, intervém na peça, rouba Tiradentes e o salva-o do enforcamento, todos riem.
Os estudantes partem para cima dele com muitos pontapés e ele é surrado no palco
na frente de todos.
Hospitalizado, Dionísio se sentindo culpado escreve uma carta com o nome de
Marília elogiando sua atuação, o pobre mostra a carta ao estudante que finge
admiração, ele passa a escrever freneticamente para quase 67 páginas de cartas e
poesias, Dionísio se encarrega de levá-la, mas caindo na besteira de mostrar aos colegas,
Leandro decide responder a carta e alimentar tal pseudo-paixão.
Eis que ocorrerá um baile, e Marília estará lá, na intenção de fazer o mal os
estudantes fazem vesti-lo de garçom para entrar na festa, Dionísio, arrependido do que
fizera conta toda a verdade a Viramundo que por sua vez não acredita e vai à festa.
Ao chegar, a moça lhe pede um ponche e quando ele volta com a bebida sua
pretendente não se encontra mais, ele sai arrasado e come desesperadamente até passar
mal, vai ao banheiro, ocupado, e vai a outra parte do evento e defeca em um imenso
cano que julgava ser de esgoto, mas era de ventilação do setor central da festa, todos
74
O grande Mentecapto |Fernando Sabino
saem correndo de lá, pois chovia bosta para todo canto, por sorte ele não é descoberto,
Marília parte e ele se despede de Ouro Preto em busca dessa desenfreada paixão.
Capítulo IV
De como Viramundo colheu rosas e espinhos em Barbacena indo parar num hospício
de onde logrou fugir, graças a uma treta bem-sucedida, e acabou candidato a prefeito da
cidade.
Aqui já se encontra Geraldo em Barbacena, logo de cara arrumou confusão com um
alemão muito severo e áspero que vendia rosas e tratava mau os escravos, nisso
Viramundo chega querendo comprar todas as rosas, logo é enxotado pelo alemão que o
considera louco. Conhece um vizinho, Barbeca, que era vendedor de estrume e tinha
ódio de Herr e planejam entrar de noite e roubar as todas as pétalas de rosas do local,
havia cachorros, mas eram amigo do velho, no dia seguinte o velho é preso e Viramundo
vai para o hospício. Lá, Dr. Panteão pergunta qual sua encarnação, e ele fica sendo
Maikavoski, ou Merdacovski, nisso passa um tempo a ver os loucos e gosta daquele
ambiente, veja como era:
- Você o que é, meu filho? - perguntou o Dr. Pantaleão.
- Sou cristão pela graça de Deus - respondeu Viramundo.
- Isso! Assim é que serve. Esse pelo menos fala. Cada doido com sua mania.
De médico e louco todos temos um pouco. Eu estou perguntando qual é a sua
encarnação.
Antes que Viramundo pensasse em responder, Dr. Pantaleão disparava a
falar, muito depressinha:
- Napoleão ainda temos uns três ou quatro. Já tivemos uma porção. Nunca
tivemos é um papa, mas santos temos vários. Temos também um que é grão de
milho, não pode ver uma galinha, foge correndo. E tem outro que é justamente
galinha, vive a perseguir o pobre do grão de milho, cacarejando. Tem um que é
cafeteira: passa o dia inteiro com um braço na cintura e outro para cima, mas não
serve café a ninguém, acho que está vazia. Tem de tudo. Dom Pedro temos dois.
Pedro Segundo, digo. Não sei por que, mas Pedro Primeiro nunca mais apareceu.
O último que tivemos, já faz tempo, morreu de tanto grito do Ipiranga que ele
dava, proclamando a independência. Independência ou morte! Independência
ou morte! Independência ou morte! Ficava assim o tempo todo, montado numa
vassoura. Você o que é?
- Eu sou mais eu - respondeu Viramundo prontamente.
- Não pode. Se você fosse mais você, não estaria aqui. Você é menos você,
isso sim. E noves fora, zero. Se eu fosse você, seria alguém mais, não seria eu.
Portanto, você tem de ser alguém. Basta escolher. Só não escolha Tiradentes,
que você pode se dar mal. Já tivemos um, e acabaram enforcando o coitado.
Nisso Geraldo passou um bom tempo, o velho Barbeca é solto e tenta visitá-lo, mas
O grande Mentecapto |Fernando Sabino
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não consegue, após isso o alemão vai vê-lo no hospício com a garantia que ninguém o
visse, ele tenta se esconder e vê um jaleco de médico, veste, os enfermeiros e vê e pensam
ser o novo médico que viria de fora e se prestam seus serviços, Geraldo trama sua
vingança, diz ele ter trazido uma alemão louco que se diz vendedor de rosas da cidade e
que o próprio Dr. Geraldo fora vítima do mesmo dizendo o alemão que ele era uma
maltrapilho da cidade e que tentara invadir seu terreiro de rosas e roubá-las, o alemão é
preso e lá dizem que ficou até o fim da vida.
Estando solto volta a sua amizade com Barbeca, onde fica sabendo de uma divisão
política, os Bias e os Bonifácios, até que um belo dia o governador resolveu indicar um
candidato que não pertencia a nenhuma dessas famílias, gera-se uma intriga na cidade e
como birra com o governador resolvem indicar o pior de todos os seres, um idiota para
elegerem para provar ao governo que quem mandava eram os cidadãos, e Geraldo
Viramundo, símbolo da esperteza e safadeza é escolhido.
Eram feitas passeatas e comícios e ele gostou da idéia, fazia apelos sociais, prometia
o fim dos impostos e dizia que Barbeca seria o secretário de Agricultura, o então
candidato Praxedes Borba marca um debate em praça público sobre conhecimentos
gerais, nisso começa uma disputa entre o que é o que é:
Então o professor, limpando a garganta e alçando a voz num tremelique de
belo efeito oratório, deu início à contenda:
- O que é que quanto mais se tira, maior fica?
- Buraco - respondeu Viramundo prontamente.
A assistência aplaudiu, entusiasmada. Ponto para Viramundo. Este
perguntou, por sua vez:
- O que é que, quanto maior, menos se vê?
- Eu diria que é a ignorância de certas pessoas... - Praxedes Borba Gato sorriu,
fazendo uma pausa para aumentar a expectativa e desfechou, triunfante:
- Mas digo que é a escuridão!
Ponto para o professor, que voltou à carga:
- O que é que vai daqui a Belo Horizonte sem sair do lugar?
- A estrada - respondeu Viramundo, ganhando mais um ponto. E foi logo
perguntando: - Qual o animal que come com o rabo?
O professor vacilou pela primeira vez, passando a mão no rosto, pensativo:
- Elefante?
Seu adversário contestou:
- Todos. Nenhum tira o rabo para comer.
O candidato oficial sentiu que tinha diante de si um adversário respeitável.
- Por que cachorro entra na igreja? - perguntou, alto e bom som.
- Porque encontra a porta aberta - respondeu Viramundo sem pestanejar. E
contra-atacou: - Por que sai?
- Porque encontra a porta aberta - tornou o professor, com ar desdenhoso
diante do óbvio.
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O grande Mentecapto |Fernando Sabino
- Não senhor - fulminou Viramundo. - Sai, porque entrou.
Geraldo ganha o debate, até o coronel que escoltava o outro candidato o prendo por
nunca ter servido às forças armadas e o leva para Juiz de Fora.
Capítulo V
Das mirabolantes aventuras de Viramundo no esquadrão de Cavalaria em Juiz de
Fora e das suas façanhas durante as manobras militares, que acabaram por devolvê-lo à
vida civil.
Geraldo está em Juiz de Fora e faz parte de um regimento da cavalaria, como não
porte atlético ou militar, tentaram de tudo com ele, mas ele era impossível, fazia tudo
errado, então resolveram colocá-lo no serviço de limpeza dos animais, o capitão da
cavalaria era Batatinhas, porque tinha sardas na pele parecidas com Batatas e tinha o
Tenente Fritas, que na verdade era Freitas.
O fato é que um belo dia Viramundo chega com uma história estranha dizendo que
o cavalo Bunda-mole sabia falar, que ele podia entender cada palavra do dito animal, o
capitão não acredita e leva ele e o tenente para confirmar a tal fato, o tenente diz ouvir
também o cavalo, e nisso Viramundo traduz para o coronel que o cavalo não queria ser
chamada de Bunda Mole.
O capitão põe tal fato em descrédito, mas depois manda chamar Viramundo para
uma missão especial, designou a ele a missão de descobrir com quem o Tenente andava
nos fins de semana, nisso Viramundo faz vigília e confirma, se tratava de uma moça bela,
de longas tranças e cabelos azuis, o capitão confirma seus temores e dá ordem de
ninguém mais chamar o cavalo de Bunda-Mole.
Depois a missão de pedir ao cavalo para onde ele a levara, mas como ele fica a saber
que o cavalo não fora usado, ele também repassa essa informação.
As informações não eram mais úteis ao capitão, e o proibi de conversar com o cavalo,
porém de noite, Viramundo, com saudades de seu amigo quadrúpede, sai de madrugada
e passa a prosear com o animal, ao amanhecer se recolhe e nisso com o soar do trompete
que despertava todos começam a surgir várias ligações de vários locais, até de cidades de
fora que haviam animais no fórum, na praça e até dentro de igrejas, ao todo 100 cavalos
escapara porque alguém esquecera a porteira aberta, o capitão recorre a Viramundo na
intenção que ele descobrisse, ou seja, nunca souberam.
Ocorre uma guerra civil dentro de Minas Gerais, exército vermelho com o azul, ele
era azul e faz várias presepadas que quase leva a destruição massiva da tropa, quando por
exemplo ataca um bando de carneiros como se fossem inimigos.
Um belo dia fora preso pelo exército vermelho, mas conseguira escapar, nesse
mesmo trajeto é atropelado por um general e um comandante que andava com a carta
de rendição do exército vermelho, nisso o narrador nos explica que pela lei marcial,
quando uma guerra era travada, os dois exércitos já faziam tal carta para em caso de
derrota entregá-la.
O comandante esquece a pasta no leito do rio enquanto bebia água e Viramundo
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acha a pasta, e acha que a guerra acabou.
Sai gritando pela cidade e reencontra Dionísio que ao ver a carta leva ao quartel do
exército azul, e a guerra acaba com a rendição dos vermelhos que nunca de fato se
rendeu.
Uma festa na cavalaria é dada e Viramundo é um convidado de honra, na ocasião em
que o General do exército estava na festa o capitão chama Viramundo e o cavalo falante
para apresentar a todos, Geraldo convoca e invoca o cavalo a falar, mas ele nada
responde, quando se pergunta qual o nome do General da Brigada, o cavalo se peida e
solta uma chuva de bosta, ele e o Capitão são presos porque no momento que o General
apreende os dois chama o cavalo de Bunda Mole e Viramundo ataca o General
provocando sua prisão.
Nisso, ele vai para São João Del Rei.
Capítulo VI
Da passagem musical de Viramundo por São João Del Rei, sua estada na prisão de
Tiradentes e o crime de João Toco, até a crise espiritual que o levou à desesperança em
Congonhas do Campo.
Nessa nova cidade ele revê Dionísio e novamente fala da paixão por Marília, Dionísio
o adverte novamente que aquelas cartas eram invenções de Lenadro, e nisso Viramundo
cai em si em depressão, Viramundo vai à farmácia e encontra Policarpo que era música e
maestro da filamôrmica da cidade local, usavam um antigo asilo de órfãos para
apresentações e Policarpo vendo-o assim todo maltrapilho, com dores fortes de dente
convida-o para ser vigia do local.
Ele não aceita pagamento, apenas comida e vestes adequadas, o local agora estava
sobre sua vigilância para que os músicos não tivessem mais que sair de casa com os
instrumentos.
Geraldo passa a ficar amigos dos gambás que por lá habitavam. Houve um grande
concerto que deveria ocorrer na igreja e grandes autoridades estavam presentes, nisso
um gambá estava guardado dentro de um trombone e ao tocá-la o músico projetou o
animal no colo da primeira-dama da cidade.
O que se seguiu, como tantos outros episódios que ocorrem neste
tumultuoso relato, foi inenarrável. Projetado lá embaixo, em meio aos
espectadores, o animal caiu no colo de um deles, que vinha a ser o de dona
Edvirges Gambará, primeira dama da cidade, pois era a digníssima e gordalhufa
consorte do Excelentíssimo Sr. Dr. Epaminondas Gambará, Prefeito local,
sentados ambos em lugar de honra, em frente ao altar-mor. O Prefeito, sem
perda de tempo, agarrou pelo rabo o gambá que já se aninhava nos peitos de
sua esposa e o atirou para cima. Horripiladas, as demais figuras presentes ao
grandioso espetáculo sacromusical protegiam o rosto com os braços ou tapavam
os narizes com o lenço, enquanto o bicho descrevia uma parábola no ar, indo cair
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diante do altar, justamente na cabeça do celebrante, frei Helano (também
conhecido por Pito Aceso). Num extraordinário reflexo trazido ainda dos tempos
de futebol no seminário, o sacerdote controlou o gambá com uma cabeçada,
matou no peito e desfechou-lhe violento chute de efeito, com tamanho senso de
pontaria que ele por pouco não foi parar no coro, devolvido à orquestra regida
pelo maestro Policarpo.
O mentecapto tudo abandona e vai para na cidade de Tiradentes, lá conhece um
prisioneiro chamado João Tocó pedindo-lhe um cigarro, ele acaba fazendo amigo com o
preso que já estava lá há 6 anos cumprindo uma pena de 15, então nos é contado sua
história.
O preso em questão era de Diamantina e sonhou com um imenso diamante, nesse
sonho ele contava o segredo do Diamante a um negro, quando acordou foi ver o local e
nada havia, ao passar pelo centro da cidade viu um grande tumulto e logo reconheceu o
homem, ele estava vendendo o diamante que ele havia sonhado, ao dizer que esse
diamante era seu o negro o empurra dizendo que ele não devia ter dito o segredo, claro,
João reage e mata o negro sendo então condenado, para a prisão na cidade de
Tiradentes funcionar transferem um preso de Diamantina na qual já havia muitos presos,
e lá estava ele, há seis anos sem ver a família.
Viramundo fica com pena e logo decidi trocar de lugar com o preso desde de que ele
voltasse, e assim trocam, para o carcerário o importante era ter um preso para que a
prisão não fechasse, mas ele não voltou, Viramundo fica então preso por quase um ano e
meio, e só é solto graças a um bêbado que fica preso e o soltam desde então.
Nisso Viramundo vai a Congonhas e lá reencontra o velho Elias, ele estava lá para
ganhar novas vistas, e se reaproximam.
Um belo dia estava o ele curtindo a calma da cidade quando chegou Matias
desesperado dizendo que estavam matando o seu pai, ele enlouquece e vai atrás a
socorrê-lo, o velho é morto por cacetete por policiais que passavam pelo local.
Ele passa a ter devaneios com santos, acontecimentos bíblicos e adormece.
Capítulo VII
Onde Viramundo, depois de pegar touro à unha em Uberaba, vai de Ceca em Meca
para cumprir o seu destino, reverenciando a literatura mineira, passando a noite com um
fantasma e quase morrendo por uma mulher.
Agora está em Uberaba, um touro enlouquecido está aterrorizando a cidade, na
verdade é uma vaca louca, todos ficavam aterrorizados com tal acontecido, por extrema
coincidência Viramundo por lá passava e tentou deter o touro quando a animal feroz
ficou a três metros de distância de sua amada, mas algo inesperado ocorre, ele, ao ficar
de frente com o animal, consegue dobrar seus cornos.
O narrador intervém para que o leitor não se irrite e nos conta como isso foi
acontecer.
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Passou-se um tempo e Viramundo peregrinou bastante por aquela região até
encontrar um pintor alemão Erich Raspe, que era tão viramundo que ele e lá consegue
hospedagem, o fato é que tal pintor alemão que havia escolhido o triângulo mineiro para
ter sossego conseguiu uma contenda com um tal de Barão, homem rico que estava a
querer se apossar de suas terras por causa de um córrego de água que passava por ali.
O fato foi que um belo dia o alemão viu um boi comendo seus repolhos e pegou uma
espingarda para espantar o animal, nisso a bala passou pela fazenda e acertou um animal
de raça e bastante cara do tal proprietário, o pintor havia com um tiro arrancado os
cornos do animal bem na base, ele fica desesperado, pois sabia que daria o que falar, pois
a posse da terra andava em questão de justiça e ele não teria dinheiro para indenizar o
Barão por tal feito.
Então Viramundo teve uma idéia, colaria o chifre dela, o pintor fizera uma cola
fortíssima e de madrugada ele entrou escondido e com a ajuda de um veterinário
sedaram a vaca e colaram seus chifres perfeitamente, essa era a vaca a qual tempos
depois ele viria a quebrar os chifres.
Marília assistiu ao evento e aplaudiu, apenar cumprimentando-a fugiu na multidão e
não fora mais visto.
Viramundo continua sua peregrinação e conhece Maria Eudóxia, senhora de quase
meia idade que vendia doces e convida ele para que more ali e conte suas desventuras,
Eudóxia é tia do autor, nisso nasce a justificativa de como ele tem tantos fatos da vida de
Viramundo. Eudóxia vendia doces e Viramundo ficou trabalhando com ela colhendo as
frutas para ela, depois resolveu ir embora.
Posteriormente vai a casa do Curvelo, uma casa mal assombrada, o mentecapto
entra na casa e descobre que lá morava uma velha que de nada tinha de assombrada.
Mas em Santana do Rio Verde conhece Marialva que o convida a comer no Taco de
Ouro, até a chegada de Montalvão que pega a moça a força, Geraldo briga com o
homem e leve peã até chegar a polícia, Marialva é quem cuida de seus ferimentos.
Capítulo VIII
Viramundo, em Belo Horizonte, entre retirantes, mulheres, doidos e mendigos,
cumpre o seu destino.
Viramundo sai do distrito e vai para em Belo Horizonte, lá vai ser faxineiro em um
cabaré cuja cafetina é nada mais nada menos que Peidolina, agora com o nome de Lina,
ele conhece Brigite, sua puta predileta, fica morando lá um tempo, mas por causa de
mudança de zona feita pelo governador Viramundo deve sair, antes ela pergunta se ele
era o seminarista em Mariana que a salvou das pedradas, ele diz que sim e ela o abraça
com emoção.
Passa a morar num via duto que posteriormente será levado para fora da cidade num
destacamento policial.
Ao contrário da maioria, o grande mentecapto se deixou levar sem
resistência, como se tal procedimento fosse perfeitamente natural. Onde estava
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O grande Mentecapto |Fernando Sabino
a chama que ardia em seu peito, de destemido amor à liberdade, que
antigamente o levaria a morrer por ela? Eram cinzas - mas cinzas das quais em
breve renasceria o Fênix da sua indomável rebeldia. Quando chegasse a sua
hora.
Nessa cidade dos mendigos revê Barbeca, sem barba coitado, e abraça o amigo, logo
um soldado o interpela e ele agride um soldado, é posto numa camisa de força e pela
segunda vez é internado, lá conhece o Dr. Legrino que cedo fica amigo dele:
- Como tem passado? Eu já ouvi falar muito em você, Viramundo. Pode contar-me
entre os seus mais fiéis admiradores.
- Obrigado, doutor - respondeu ele, satisfeito, tomado de fulminante simpatia por
aquele homem. - E mais não digo, pois quem de si faz alarde, o cu sem tardança lhe arde.
- Mas quem manqueja de sua influência, cedo tardará! - tornou o Dr. P. Legrino,
rindo.
- Isto! Gostei, doutor! Se meu galo canta, o teu repinica!
- Só conta o que n'alma fica, que todo o resto é titica!
Entusiasmados com este primeiro embate, ali mesmo os dois se confraternizaram,
tornando-se imediatamente amigos de infância. De vez em quando o Dr. Legrino
mandava buscar o Viramundo lá no seu pavilhão e ficavam os dois horas sem fim
conversando sobre a poesia de Murilo Mendes.
Nisso vê um doido que ordenava a todos para entrar em fileiras, era o Batatinhas que
após revê-lo lhe passa o comando das tropas, o doutor é demitido e toda a junta
também, isso porque o barbeiro do governador embriagado foi confundido com um
louco e internado, o governador o procurou por toda parte e quando recuperou o único
que lhe fazia a barba o pobre homem estava sem condições de nada, nisso o governador
demitiu todos.
Geraldo lidera agora uma revolução, Batinhas, Barbeca e Brigite são seus generais, o
governador manda chamá-lo e enquanto está com ele a multidão vai sendo dispersada a
base do cacete e gás.
Brigite vai embora e os três, Geraldo, Barbeca e Batatinhas, decidem ir ter com o
presidente da República, no trajeto param num local e Geraldo furta um armazém,
pouco depois e pego e surrado até a morte pelo irmão mais velho Breno.
Então ouviu confusamente o companheiro dizer que ia buscar água,
enquanto o outro se dispunha a acompanhá-lo para molhar os pés. Não ficou
muito tempo sozinho. De súbito ouviu vozes e se viu rodeado de vários homens
irados, alguns armados de pedaços de pau, que se abateram sobre ele:
- Foi este mesmo!
- Olha o saco ali no chão.
Atordoado com as pancadas que recebia de todo lado, pensou apenas que
esta era a emboscada temida - como pudera ser tão inexperiente de não fazer
antes um reconhecimento nas redondezas! Agora era ficar bem quieto para não
denunciar ao inimigo a presença dos companheiros, talvez eles escapassem.
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Nem percebeu quando alguém apareceu com uma corda e o amarraram na
árvore, continuando a castigá-lo aos socos, pontapés e pauladas:
- Para você aprender a roubar a sua mãe, seu canalha.
Se Viramundo pudesse abrir os olhos já cegos pelo sangue que escorria,
talvez reconhecesse o que falara, de nome Breno, e que era dono do armazém.
Quando seu corpo já pendia sobre as cordas que o amarravam, aparentemente
sem vida, aquele que se chamava Breno convocou os companheiros:
- Vamos embora, pessoal, que ele já recebeu sua lição.
Um jovem, fazendo trejeitos, ainda espetou com uma vara o corpo inerte, à
altura do tórax, cantando “Judas já morreu! Quem manda aqui sou eu!”, e se
afastou rindo, em meio aos demais.
Ao voltar, Barbeca, estarrecido, deixou cair a cuia do queijo, na qual trazia
água para Viramundo, fez meia-volta e disparou como um alucinado colina
abaixo até o riacho:
- Capitão! Capitão!
Voltaram os dois, aflitos, caminhando rápido, o capitão ignorando o pé
dolorido. Desamarraram o companheiro, estenderam-no com cuidado no chão.
Barbeca balbuciava, chorando:
- Mataram o meu amigo... Mataram o meu amigo..
- Vá buscar água de novo - ordenou o capitão. - Ele ainda está respirando.
Lavaram-lhe o rosto ensangüentado, limparam-lhe as feridas, mas a mais
grave era a do lado: a vara penetrara no torso como uma lança e o sangue
jorrava sem parar. Em vão o capitão procurava estancá-lo com pedaços da camisa
de Viramundo. Barbeca, chorando, amparava-lhe a cabeça, tentando reanimálo, depois de oferecer-lhe água, que ele não chegou a beber. Ambos,
desesperados, não sabiam mais o que fazer.
Nem havia nada a fazer: naquele instante Viramundo entreabria com
dificuldade as pálpebras intumescidas pelas pancadas, olhava seus dois amigos
e tornava a fechá-las, depois de tentar falar qualquer coisa e não conseguir.
Então, sem uma palavra, entregou o espírito. Mas seus lábios pareciam
entreabertos num sorriso.
DEO GRATIAS
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