LIVRO DIDÁTICO DE FÍSICA: O PONTO DE VISTA DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO GARCIA, Tânia Maria F. Braga – UFPRa [email protected] SILVA, Éder Francisco da – UFPRb [email protected] Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: CNPq Resumo Investiga o que pensam alunos do Ensino Médio sobre o livro didático de Física. Embora haja um número significativo de pesquisas sobre os livros didáticos, poucas estudam as relações que professores e alunos estabelecem com esse recurso de ensino, entendido como artefato da cultura escolar, fato que justifica investigações que tomam os alunos como sujeitos. No Brasil, o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), desenvolvido a partir de 2004 e de forma gradual, apenas em 2009 colocou nas mãos dos alunos o livro de Física. Antes disso, alunos das escolas públicas, em sua maioria, estudavam com apoio em anotações no quadro de giz e materiais preparados pelos professores. Como esses alunos receberam os livros? O que pensam dele? O que chama a atenção dos jovens? Que Física encontram nos livros recebidos? O livro está modificando sua relação com os conteúdos? Essas perguntas orientaram a investigação desenvolvida na Região Metropolitana de Curitiba, Paraná, cujos resultados são apresentados neste texto com base em questionários aplicados em duas turmas do Ensino Médio, em escolas estaduais. As análises apontam, entre outros, os seguintes resultados: apesar de estar disponibilizado nas escolas, o livro didático de Física é pouco utilizado em sala e em casa, predominantemente para atividades como trabalhos, exercícios e questionários; a maior parte dos alunos afirmou não ter interesse pelo livro, mas um terço dos jovens reconhece vantagens em suas utilização para aprofundar os assuntos e estudar depois das aulas. De forma geral, os alunos acreditam que o livro contribui para melhorar o trabalho do professor e que, com esse recurso, esperam aprender Física de forma diferente; entretanto, um sexto dos alunos afirmou que nada mudará com o uso do livro de Física justificando que, se o professor explicar bem, não há necessidade do livro. Palavras-chave: Didática. Didática da Física. Manuais escolares. Livros Didáticos de Física. a Professora do Setor de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, Linha de Pesquisa Cultura, Escola e Ensino. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Publicações Didáticas (NPPD). Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). b Professor de Física da Rede Estadual de Ensino Médio. Bolsista voluntário de Iniciação Científica junto ao NPPD/UFPR. 8596 Introdução A presença dos livros didáticos nas escolas brasileiras, diferentemente do que acontece em outros países, deve ser examinada como resultado de uma política pública cujo objetivo é a universalização da distribuição de livros escolares para os alunos de escolas públicas do ensino de 1ª. a 8ª. série, por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) – que teve início na década de 1980 e se mantém até hoje com essa denominação. Na década de 1990, especialmente a partir da divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os livros passaram a ser avaliados dentro de um programa - sem equivalente em outros países - que define critérios aos quais as Editoras devem atender para incluir seus títulos nos Guias de orientação de escolha pelos professores. Nos primeiros anos do século XXI, o Governo Federal instituiu o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), realizando um projeto piloto que adquiriu 1,3 milhão de livros de Matemática e Língua Portuguesa. Esse programa foi estendido gradualmente a todos os Estados e a todas as disciplinas que compõem tradicionalmente os currículos escolares - a Física foi incluída na última etapa - e seguiu o mesmo modelo de avaliação, aquisição e distribuição já existente no PNLD.1 Dessa forma, as escolas públicas brasileiras de Ensino Médio passaram a utilizar os manuais escolares para o desenvolvimento nas aulas e para o ensino dos conteúdos disciplinares. Como conseqüência, a cópia de pontos, esquemas, definições e exercícios, bastante freqüente nas aulas de Física – uma prática escolar fortemente questionada nos documentos curriculares oficiais e nos manuais de orientação aos professores, bem como pelos pesquisadores do Ensino de Física - poderá ser transformada pela presença dos livros nas aulas. Considerando-se que os livros foram submetidos à avaliação feita por equipes de especialistas indicadas pelo Governo Federal, pode-se supor que seus conteúdos e métodos foram produzidos de acordo com as exigências, que dizem respeito a inúmeros quesitos como a ausência de erros conceituais, a coerência metodológica, a incorporação dos avanços teóricos no campo do ensino de Física; assim, pode-se afirmar que, em princípio, tais manuais 1 O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), implantado em 2004, pela Resolução nº 38 do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), visou a universalização de livros didáticos para alunos do Ensino Médio das escolas públicas. Em 2008, foram investidos cerca de R$ 417 milhões na aquisição de títulos de biologia, português, matemática, geografia, física e na reposição de livros de química e história, adquiridos em anos anteriores. (BRASIL/MEC, 2008). 8597 são recursos didáticos de boa qualidade. Pode-se supor, ainda, que com a disponibilização de textos explicativos, de listas de exercícios e problemas estruturados a partir dos temas e assuntos, professores e alunos encontrem alternativas para produzir aulas com outros elementos além daqueles que constituem, hoje, o espaço da docência e do aprendizado de Física, em turmas de Ensino Médio. Portanto, do ponto de vista do ensino e da aprendizagem, a presença dos livros deve corresponder a algumas transformações, que só poderão ser avaliadas ao longo do tempo. Por outro lado, do ponto vista da pesquisa educacional, pode-se afirmar que pouco ainda se conhece sobre o uso de livros didáticos nas salas de aula, não apenas no Brasil. Como afirmam os trabalhos avaliativos feitos por pesquisadores e grupos internacionais que investigam o tema (VALLS MONTÉS, 2001; REIRIS, 2005; GARCIA, 2007), ainda se estuda mais o livro didático do que o uso que professores e alunos fazem dele. A partir desses elementos, justifica-se a necessidade de ampliar as investigações no sentido de ouvir os alunos em relação ao uso que fazem do livro didático, em particular o Livro de Física – este é o objetivo da investigação que será aqui relatada. Inicialmente serão apresentados elementos teóricos sobre o tema e, em seguida, serão descritos os caminhos da pesquisa empírica, identificando os sujeitos e os instrumentos aplicados. Finalizando, serão apresentados e analisados resultados do estudo. O uso dos livros didáticos: um tema ainda incipiente na pesquisa educacional Trabalhos avaliativos sobre o livro didático de Ciências apontam temáticas e tendências nas pesquisas realizadas por diferentes autores. Em artigo sobre o tema, Ferreira e Selles (2004) identificaram a predominância de pesquisas que examinam o conteúdo dos livros didáticos, sob diferentes perspectivas. Com relação especificamente ao livro didático de Física, as autoras concluem sobre a existência de várias formas de abordagem do objeto, mas apontam a concentração absoluta dos estudos em torno de questões relativas ao conteúdo, entre as quais os erros conceituais, a estruturação na forma de apresentação, os assuntos ou temas tratados, e outros estudos que estabelecem comparação com idéias alternativas espontâneas ou de senso comum dos alunos, a presença de analogias, uso de elementos do cotidiano, entre outras. Analisando-se trabalhos apresentados em dois eventos recentes no campo do ensino de Física, no Brasil, pode-se constar que essa tendência permanece. No Encontro de 8598 Pesquisadores em Ensino de Física (EPEF) de 2008, estão registrados dez trabalhos sobre os livros didáticos de Física e apenas um deles estuda as relações entre professores e os livros. Os demais tomam o livro como objeto para examinar conteúdos e formas de abordagem dos temas2. No Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF) de 2009, foram apresentados nove trabalhos sobre livros didáticos e apenas um deles busca conhecer elementos relacionados ao uso desse recurso no cotidiano escolar.3 Com tais argumentos, justifica-se a pertinência de um projeto de pesquisa denominado “O uso do livro didático no cotidiano escolar”4, em torno do qual se articulam investigações já concluídas e em andamento - sobre os manuais escolares de Didática, os livros didáticos de História, de Ciências e de Física, nos diferentes níveis de ensino, entre as quais se situa a pesquisa relatada neste texto. Dentre os estudos referidos, tem sido privilegiada a perspectiva que focaliza as relações que professores e alunos estabelecem com esse artefato da cultura escolar, o uso que fazem dele nas atividades cotidianas, seja para o planejamento, seja para o desenvolvimento das aulas, seja ainda para a realização de atividades pelos alunos. Estudos empíricos com essa abordagem, nos quais se procura compreender elementos das relações entre professores de Ensino Médio e de alunos da Licenciatura com os livros didáticos de Física, podem ser localizados no âmbito da Didática Geral e da Didática Específica e, por isso, implicam a atenção do pesquisador em duas dimensões principais: quanto às dificuldades teórico-metodológicas para captar as relações, que demandam investigações qualitativas, com uso de outros instrumentos além de questionários e de entrevistas; e quanto às dificuldades derivadas da necessidade de aproximação com os conteúdos e métodos das ciências de referência, exigindo do pesquisador conhecimentos da Didática Específica ou parcerias na investigação. Para o desenvolvimento desses estudos, seguindo a argumentação de Garcia (2009), optou-se pela abordagem qualitativa, “sustentada no pressuposto da existência de uma estrutura objetiva que organiza o mundo social, que pode ser conhecida e explicada de maneira científica, em processos de produção e sistematização do conhecimento.” (p. 5). A 2 Textos completos estão disponíveis em http://www.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/epef/xi/programa.asp (acesso em maio de 2009) 3 Essa situação é semelhante na pesquisa relativa aos livros em outras disciplinas escolares. Ainda é quantitativamente incipiente a pesquisa sobre o uso dos livros didáticos, no Brasil e em outros países. Reiris(2005) fez um levantamento nos países iberoamericanos e constata a predominância das pesquisas que tomam o livro como objeto, em várias abordagens. 4 Projeto financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), 2007-2010, desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisas em Publicações Didáticas da Universidade Federal do Paraná (BR). 8599 essa concepção, se associa a idéia de que “os sujeitos – agentes sociais – cumprem um papel relevante na apreensão e na produção do mundo social e, que, portanto, podem ser tomados como sujeitos que, por suas ações, transformam esse mundo.” (p. 5). Essa perspectiva é relevante no sentido de que permite ao pesquisador aproximar-se dos sujeitos que constróem cotidianamente a escola, para conhecer as formas pelas quais atuam nesse espaço social, sem deixar de analisar tais ações do ponto de vista das determinações estruturais que a marcam, enquanto uma instituição cujo objetivo é a transmissão de determinados conteúdos culturais. O uso dos livros didáticos, portanto, pode ser examinado na interseção das determinações com as ações dos sujeitos. Uma das pesquisas realizadas pelo grupo do NPPD/UFPR objetivou compreender o significado atribuído pelos docentes ao seu trabalho com o livro didático (GARCIA, GARCIA e PIVOVAR, 2007). Foram realizadas entrevistas e questionários com um grupo de professores de Física que atuam no Ensino Médio, selecionados aleatoriamente dentro de um grupo que mantém alguma relação com a Universidade. No estudo realizado “apenas dois professores referiram-se à presença do livro didático em sua formação no ensino médio, em algumas disciplinas e em alguma série do curso” (p. 8). Para eles, os estudos foram feitos com apoio em algum texto ou apostila, e referem-se às práticas de estudar com os cadernos de anotações, copiadas de registros feitos pelos professores no quadro de giz. Estas práticas têm sido utilizadas dentro do repertório de estratégias para ensinar Física no Ensino Médio, conforme relatam pesquisadores, alunos em formação e professores ao descreverem suas rotinas de trabalho. Segundo os autores: Esta questão é relevante diante da idéia de que a experiência social dos sujeitos nos processos de formação afeta a forma como compreendem sua ação profissional e influencia a construção de determinados modelos de trabalho na sala de aula. A ausência de livros didáticos para uso dos alunos na maior parte das escolas públicas e a conseqüente construção de um modo de dar aulas de Física anotando conceitos e exercícios no quadro de giz - experiência vivida pelos professores em sua própria formação – são elementos que se incorporam ao repertório de estratégias para “dar aulas” no Ensino Médio. (GARCIA,GARCIA e PIVOVAR, 2007, p. 8) Quanto às formas de uso, a maioria dos sujeitos participantes referiu-se ao planejamento de aulas como atividade em que os livros didáticos estão presentes. Neles, os professores afirmam buscar referências, exercícios e experimentos para o trabalho com os 8600 alunos e alguns usam os livros também para estudar, definindo um outro tipo de relação com esse recurso - tem funções no seu ensino, mas também na sua aprendizagem. Com objetivos semelhantes, em outro estudo realizado com alunos de Licenciatura em Física – que se preparam para ser professores no Ensino Médio - aplicou-se um instrumento na forma de questionário, composto de uma primeira parte para verificar a presença do livro didático no processo de escolarização dos alunos, bem como seu grau de conhecimento sobre os programas de avaliação e distribuição de livros pelo Governo Federal; e uma segunda parte com questões fechadas, para levantar sua opinião em relação a afirmações sobre o papel do livro para alunos e professores. Como relatado por Garcia (2009): Em um grupo de vinte e seis alunos, embora dezoito informassem ter usado livros didáticos no Ensino Médio, treze não tiveram contato com livros de Física nessa etapa da sua escolarização. Apostilas foram materiais bastante citados pelos alunos, mas um número significativo de alunos (sete) indicou que as práticas de ensino eram caracterizadas pela exposição oral, apoiada no quadro de giz, com anotações para copiar no caderno. Também houve referências à prática do ditado do conteúdo pelo professor (GARCIA, 2009, p. 7). De forma geral, esses futuros professores têm opiniões positivas com relação à presença de livros didáticos nas salas de aula de Física: são necessários, importantes para apoiar professores com maiores dificuldades, úteis no planejamento de aulas. Apesar disso, a maior parte deles atribui a função de ensino muito mais ao professor do que aos livros, embora estes sejam fonte de estudo para o aluno. Ainda segundo a autora, Para sete alunos, o livro tem a função de ensinar Física, mas a maior parte dos sujeitos entende que o ensino é função do professor, e o livro exerce um papel secundário, de apoio ou direcionamento, de “estudo”. Nesse sentido, os alunos diferenciam estudo de ensino – revelando indícios de uma determinada compreensão sobre o papel mediador que o professor desempenha em relação ao conhecimento. (GARCIA, 2009, p. 7) Chama a atenção o fato de que dezenove alunos não tinham informações sobre os programas de distribuição de livros às escolas públicas e, quando tinham, as informações eram inadequadas. Apenas um deles fez referências mais precisas, demonstrando conhecimento parcial, porém adequado. Considerando-se que esses alunos já haviam cursado ou estavam cursando alguma das “disciplinas pedagógicas” no momento da aplicação do 8601 questionário, é relevante identificar esse desconhecimento em relação ao tema pelo fato de que se trata de uma ação já consolidada no país, decorrente de uma política pública, na qual um grande volume de recursos públicos é aplicado, e que garante a presença universalizada desse artefato da cultura escolar nas aulas de todas as escolas públicas brasileiras. Esses elementos apresentados, além de apontar a potencialidade de desenvolvimento de pesquisas que procurem se aproximar do que alunos e professores pensam e fazem com os livros didáticos de Física que estão sendo disponibilizados pelo Governo Federal, mostram também que há lacunas a serem preenchidas com novas investigações sobre a utilização dos livros didáticos, como a que se relata a seguir. O livro didático de Física: expectativas dos alunos em relação ao uso nas aulas Os livros de Física para uso dos alunos de Ensino Médio chegaram às escolas pela primeira vez, dentro do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), no ano de 20095. Considerando-se a importância que os sujeitos escolares têm na produção das aulas e, conseqüentemente, na produção do conhecimento que está em pauta na escola, propôs-se uma pesquisa com os objetivos de investigar: a) como os alunos receberam os livros de Física; b) o que os alunos pensam a respeito do livro didático que estão utilizando; c) elementos que os jovens destacam nos livros de Física; d) se e como este artefato da cultura escolar está modificando a relação dos jovens com os conteúdos de Física. Neste texto, serão privilegiados os resultados relativos a um recorte temático da pesquisa mais ampla, que dizem respeito às expectativas apresentadas pelos alunos em relação à presença dos livros nas aulas de Física, logo ao início do ano letivo. Os instrumentos foram aplicados aos alunos de duas turmas de terceira série do Ensino Médio, em duas escolas públicas de um município da Região Metropolitana de Curitiba, Paraná. O primeiro instrumento, um questionário aplicado no primeiro bimestre de 2009, está composto por duas partes: na primeira, as questões privilegiam informações sobre os alunos, para conhecer alguns elementos da cultura do grupo familiar; na segunda buscam-se informações sobre a escolarização anterior dos alunos, sua relação com os livros didáticos de modo geral e especificamente com o livro de Física, incluindo duas questões abertas, para 5 Ainda que algumas escolas solicitassem a compra de livros pelos próprios alunos, a maior parte delas desenvolvia as aulas, até este ano, contando apenas com o apoio em livros para o professor, ou eventualmente para os alunos. A partir de 2009, pode-se considerar que o acesso dos alunos aos livros de Física também foi universalizado. 8602 registro de suas primeiras impressões quanto ao livro e suas perspectivas de mudança em seu aprendizado.6 Dos 60 alunos que responderam ao questionário, 56 sempre estudaram em escolas públicas desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, 36 estudaram sempre na mesma escola e 14 em duas escolas. Os demais indicaram ter freqüentado três ou mais escolas, observando-se que esse grupo não corresponde à noção estereotipada de que os alunos das regiões periféricas e da área metropolitana mudam de escola com muita freqüência. Com relação à experiência anterior com os livros didáticos, a universalização do PNLD e, mais recentemente, do PNLEM justifica a resposta predominante da presença de livros na escolarização da maior parte dos alunos. Um ponto que chama a atenção e merece ser aprofundado é o fato de que muitos alunos informaram não ter usado livros em Matemática (30) e em Português (27), disciplinas atendidas já no início do PNLEM. No grupo específico em estudo, 42 alunos afirmaram ter estudado em livros de Física nos anos anteriores, mas 49 disseram estar usando um livro específico de Física pela primeira vez – diferença que poderia ser explicada pela presença de conteúdos de Física – na forma de introdução – nos livros de Ciências do Ensino Fundamental. Quando perguntados sobre o uso do livro em sala de aula, apenas 15 informaram usar sempre e 32 disseram usar pouco, raramente ou nunca, mostrando que apesar de estar na escola, o livro muitas vezes não é incorporado às atividades de ensino nas aulas, perspectiva que contraria a afirmação muitas vezes encontrada na literatura educacional de que os professores seguem os livros. Com relação ao tipo de uso que se faz em sala de aula, pode-se afirmar que está concentrado nas atividades como trabalhos, exercícios e questionários, segundo 34 alunos, enquanto que apenas 4 afirmaram que a atividade mais frequente é a cópia. Em casa, a maioria dos alunos (45) afirmou usar pouco ou raramente; e a atividade predominante com os livros, nesse caso, são também os trabalhos, lições e exercícios – com 22 respostas. Portanto, do ponto de vista de sua utilização, pode-se afirmar que os livros não se constituem em recurso privilegiado para esses alunos – nem nas aulas, nem em casa. Além disso, é para a realização de exercícios, atividades e trabalhos que eles são empregados. No conjunto, destaca-se a presença de 4 repostas que indicam o seu uso para avaliação, em casa, com consulta, aspecto que também poderia ser objeto de uma pesquisa específica. 6 Como este é o primeiro ano de uso do livro didático de Física nas escolas públicas, dentro do PNLEM, apenas ao final do ano letivo será aplicado o segundo instrumento, que avaliará resultados do trabalho ao longo do ano. 8603 À pergunta “os livros didáticos interessam a você?” 41 alunos disseram que pouco ou naõ; mas apenas 3 jovens assinalaram que, tratando-se de livros didáticos, nada os agrada. Para 24 alunos, o que mais agrada são os conteúdos, e para 11 são as figuras, os desenhos e esquemas. As curiosidades e textos extras foram destacadas por 4 alunos e apenas um dos jovens participantes colocou em destaque as pesquisas e descobertas. Por outro lado, quase a totalidade dos alunos concordou com uma afirmação que lhes foi apresentada de que “o livro didático pode ser interessante”. Também disseram que há vantagens em seu uso, e entre elas foram destacadas respostas aproximadas a estas idéias: “Posso ter mais conhecimento além do assunto da aula”; “Pode-se fazer leitura aprofundando os conteúdos”; “É mais fácil encontrar respostas para os problemas”; “Possui problemas de vestibulares”; “Quando eu falto à aula, posso estudar e não perco o conteúdo”; “Quando termina a aula, posso rever o assunto e completar o estudo”. Mais de 40 alunos concordaram com a afirmação apresentada a eles no instrumento de que “Com livros, estudo mais e os resultados são melhores”. Na relação com o trabalho docente, 57 alunos concordaram com a idéia de que “Para os professores, fica mais fácil trabalhar com o livro”. E a presença do livro como um aspecto que modifica o trabalho do aluno positivamente foi aceita por 40 alunos. A última parte da pesquisa buscou informações sobre as expectativas dos alunos com relação ao uso do livro durante o ano letivo. Perguntados sobre o que mais chamou a atenção quando começaram a usar o livro, figuras e esquemas foram elementos de destaque: “A primeira impressão é que toda a matéria está bem explicada, por desenhos e esquemas”; “Ele tem uma ótima interface, os assuntos são detalhados e possuem desenhos auto-explicativos. Resumindo, seria uma pena se não fosse usado”; “Achei o livro de Física muito interessante, pois traz experimentos que podemos fazer e isso esclaresse a matéria. Os desenhos também são esquemáticos e bem explicados e isso ajuda”; “Eu achei muito interessante o livro é mais fácil aprender porque se no caso o professor não conseguir explicar a matéria de forma mais simples a entender é só rever a matéria no livro. O que me chamou a atenção é que nas perguntas quando o professor mandar fazer em casa, nas páginas das perguntas tem os desenhos para melhor interpretá-las”. Os conteúdos chamaram a atenção de alguns alunos inicialmente, como se pode observar nas seguintes justificativas: “O que chamou minha atenção são os conteúdos específicos que tem no livro. Com os conteúdos meu aprendizado fica muito melhor (...), 8604 além disso com o livro eu posso resolver exercícios em casa melhorando mais o meu aprendizado para eu fazer a minha prova e tirar uma boa nota, além de eu estar aprendendo mais o conteúdo aplicado, e ter uma boa colocação no vestibular”. A idéia de que o livro tem todo o conteúdo, de que é completo, que tem muito conteúdo é freqüente e muitas vezes vem acompanhada de comentários a respeito do peso e do tamanho: “A minha primeira impressão, foi meio ‘desanimada’ porque o livro é meio pesado, mais o seu conteudo é bastante diversificado e ajudará na minha aprendizagem”. Finalmente, pode-se dizer que há uma expectativa, por parte de 40 alunos, de que aprenderão Física de forma diferente, especialmente por que ele permitirá compreender e aprofundar melhor os conteúdos. O papel do livro como auxílio, apoio, ajuda foi freqüente entre esses alunos, como também ficou enfatizado que, com o livro, podem complementar, estudar, ler mais e, em casa, acrescentar conhecimentos ao que foi visto em aula. Destaca-se a justificativa dada por um dos jovens: (...) na minha opinião, se tem os livros é para serem usados, para nós é assim: entregaram um monte de livro e alguns dos professores não fazem nenhuma questão de usar, outros professores é diferente, usam, e com o livro não precisa o professor só ficar passando no quadro. Eu acho o melhor, não só o de física, mas sim os outros. E mudaria muito. E com a ajuda do livro as aulas se tornam mais fáceis e melhores”. (Aluno, 2009). Por outro lado, 10 alunos afirmaram que nada mudará com o uso do livro de Física. Esses jovens concentraram-se na idéia de que, se o professor explicar bem, não há necessidade do livro. Para cinco alunos, a função de mediação do professor é que justifica se o uso do livro resultará ou não em mudanças no seu aprendizado de Física, ou, em outras palavras, não é a presença do livro que define mudanças no ensino, mas o uso que dele faz o professor – o que pode significar, inclusive, a opção de não utilizá-lo nas aulas. Em síntese, a expectativa da maioria dos alunos é de que a presença desse artefato da cultura escolar nas aulas de Física seja positiva em relação às suas possibilidades de aprender. A pesquisa, em sua etapa final, buscará apreender elementos da experiência de uso do livro que esses alunos tiveram, ao longo do ano letivo, para identificar e analisar os significados que construíram nessa relação. 8605 Para concluir É interessante destacar que, assim como os professores em formação que participaram da pesquisa relatada por Garcia (2009), a maior parte dos alunos não havia usado livros de Física nas séries anteriores. Esse é um fator que deve ser levado em conta ao se organizar o trabalho de ensino com o apoio do livro: a linguagem utilizada tem características específicas para cada uma das disciplinas escolares – há um vocabulário específico – que pode apresentar dificuldades de compreensão para muitos alunos. O fato de não haver uma experiência anterior com o livro de Física exigiria dos professores cuidados e orientações especiais na estruituração do trabalho didático com esse recurso. Um elemento que pode estar relacionado a essa falta de experiência anterior é a afirmação feita pela maioria dos alunos de que não têm interesse pelos livros didáticos. Considerando-se que as atividades predominantes, segundo eles, são os exercícios e atividades, pode-se supor que os textos, imagens, resumos e esquemas disponíveis, que chamaram a atenção de muitos jovens, não estão sendo objeto de trabalho nas aulas, que, segundo os alunos participantes da pesquisa, efetivamente não era, até aquele momento, espaço de uso do livro de Física. Associando-se às dificuldades de leitura reconhecidamente existentes entre alunos do Ensino Médio no país, pode-se supor que os textos estejam sendo pouco lidos e, portanto, o livro esteja sendo reduzido a um suporte para exercícios e problemas que, sem esse recurso, estariam sendo copiados do quadro de giz. As dificuldades se associam ao fato de que segundo a pesquisa, a maioria não inclui a leitura de livros, revistas e jornais como atividades de lazer familiar. Tem-se, então, uma situação que predispõe os alunos a um baixo aproveitamento dos livros, enquanto fonte de informação e de estudo, por meio da leitura. E, neste caso, para aproximar os alunos dos livros, torna-se imprescindível o papel mediador do professor. Nessa perspectiva, os cursos de formação de professores - que atualmente pouco espaço dão ao estudo dos livros didáticos – teriam um papel relevante no sentido de discutir os conteúdos, mas também os usos dos livros de Física, preparando melhor os futuros professores para compreender como são constituídas as relações com este artefato da cultura escolar. 8606 REFERÊNCIAS APPLE, Michael. Cultura e comércio do livro didático. In APPLE, M. Trabalho docente e textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, p. 81-105. BRASIL. Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. 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