GÊNERO, SEXUALIDADE E CURRÍCULO: POSSIBILIDADES PARA A EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA Kaciane Daniella de Almeida [email protected] Nanci Stanck da Luz [email protected] Eixo Temático: Cultura, Currículo e Saberes Agência financiadora: não contou com financiamento Resumo A problemática apresentada neste artigo se insere no campo de estudos de gênero e sexualidade na escola, uma vez que tais temas, embora sempre presentes na escola, ainda encontram grandes desafios para a sua discussão e inserção no currículo escolar. Nesta perspectiva, este trabalho traz resultados de uma pesquisa realizada, no ano de 2011, com docentes dos cursos técnicos profissionalizantes de Secretariado e Informática de uma escola pública da rede estadual de ensino de Curitiba, cujo objetivo geral foi investigar a percepção dos/as docentes a respeito da educação sexual na escola. Um dos assuntos que instigaram a investigação, refere-se à questão curricular que se mostra ampla e de difícil inserção de temas emergentes, como as relações de gênero e sexualidade. Portanto, discute-se, por meio de uma perspectiva pós-estruturalista, fatores que interferem sobre a inserção curricular desses temas, bem como os desafios para que reflexões sobre a temática estejam presentes na escola. A metodologia adotada para a pesquisa foi de cunho qualitativo, com coleta de dados feita por meio de entrevistas semi-estruturadas, assumindo gênero como categoria de analise. Dentre os resultados da pesquisa, destaca-se que todos/as os/as dezenove entrevistados/as consideram de grande relevância e necessária a inserção e discussão da educação sexual no ambiente escolar. Evidenciou-se ainda que a não inserção da temática está fortemente associada à falta de formação dos/as profissionais para trabalhar essas questões, além da falta de tempo para preparação materiais e aulas sobre o assunto. Outro aspecto ainda ressaltado nas entrevistadas é a rigidez do currículo, indicada principalmente pelos/as professores/as que trabalhavam no núcleo de disciplinas técnicas. Palavras-chave: Gênero. Educação sexual. Ensino médio técnico. Introdução A comunidade escolar cotidianamente enfrenta discussões sobre quais saberes devem ser trabalhados na escola. Apenas aqueles aceitos como científicos? Também aqueles tidos 4628 como tradicionais? E como se deve tratar de temas percebidos como “polêmicos”, muitos dos quais advindos de outras esferas da sociedade, como dos movimentos sociais (feminista, negro, LGBT, etc.) – aborto e relações homoafetivas, por exemplo? Para a nossa sociedade, a escola assume papel significativo no processo de socialização de crianças, jovens e adultos, sendo fundamental na formação e interação dos indivíduos, possibilitando espaços de convívio coletivo. Nesse sentido pensar a escola e a educação é pensar um universo de desafios e questionar o conhecimento presente nesse espaço. O conhecimento destinado à escola é, de maneira geral, o de bases científicas. Todavia, nem sempre os alunos se sentem contemplados em suas demandas de saberes, muitas vezes mostrando-se distantes e alheios às temáticas ensinadas em sala de aula. Outros temas, como a sexualidade, embora presente na escola, ainda enfrenta resistências para a sua inserção curricular. Este artigo discute como os professores e professoras do ensino médio e médio profissionalizante do curso de secretariado e de informática de uma escola pública da rede estadual de ensino de Curitiba percebem a inserção da educação sexual nas aulas e como esse tema é tratado e, se não trabalhado, porque não o fazem. A escolha dos cursos para a realização da investigação fez-se por se tratar de dois cursos profissionalizantes que se diferenciam em relação à composição de gênero no corpo discente, possibilitando visualizar uma divisão sexual nos processos de formação profissional e que poderá também ser percebida no mercado de trabalho: secretariado, predominantemente feminino e informática, predominantemente masculino. Busca-se, assim, verificar se a escola tem tratado a sexualidade de forma diferenciada para homens e mulheres. Adota-se gênero como categoria de analise, entendido, segundo Scott (1990), como uma maneira de se referir à organização social da relação entre os sexos e percebido, de acordo com Louro (1997) e Weeks (2001), não só como ferramenta analítica, mas sobretudo como ferramenta política. Quando adotamos essa perspectiva de gênero, o conceito de sexualidade se faz presente, pois segundo Heilborn e Brandão, (1999) o campo da sexualidade mantém uma relação íntima com o de gênero, cujo desenvolvimento está estritamente ligado aos movimentos sociais feministas e o da liberação homossexual. Nesta perspectiva, educação sexual é entendida como direito à vivência da sexualidade, percebida como “dimensão do ser humano, que envolve gênero, identidade 4629 sexual, orientação sexual, erotismo, envolvimento, pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, atividades, práticas, papéis e relacionamentos” (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004, p. 29). O Currículo A noção de currículo, muitas vezes é associada a uma série de disciplinas e conteúdos que devem ser trabalhados respeitando idade fases do desenvolvimento. Entretanto, Silva (2005) ao expor a teoria do currículo, acrescenta algo mais nessa concepção, pois coloca-o como critério de seleção que justifica certos posicionamentos teóricos. Adota-se aqui também essa percepção de currículo: resultado de uma seleção de um universo mais amplo de conhecimento e saberes. Em sua formulação o autor aponta que quando se discute o currículo, pensa-se apenas no conhecimento, esquecendo que este está envolvido com aquilo que somos e nos tornamos, “talvez possamos dizer que, além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade. E sobre essa questão, pois, se concentram também as teorias do currículo” (SILVA, 2005, p.15). Segundo Silva (2005) pensar o currículo a partir das teorias pós-estruturalistas é pensar nas relações de poder, sendo a seleção uma de suas operações, envolvendo a busca de consenso e de hegemonia, uma vez que as concepções tradicionais sobre o currículo, que se pretendem como neutras, cientificas, desinteressadas se diferencia da abordagem crítica e póscritica, pois essas salientam que nenhuma abordagem é neutra, cientifica ou desinteressada, mas está inevitavelmente implicada relações de poder. É nessa abordagem crítica e pós-critica que inserimos na discussão de gênero e sexualidade no currículo e no contexto escolar, embora reconhecido que mesmo não formalmente essas relações já se firmavam como parte do chamado currículo oculto1 que Numa perspectiva mais ampla, apreende-se, através do currículo oculto, atitudes e valores próprios de outras esferas sociais, como por exemplo, aqueles ligados à nacionalidade. Mais recentemente, nas analises que consideram também as dimensões do gênero, da sexualidade ou de raça, apreende-se, no currículo oculto, como ser homem ou ser mulher, como ser heterossexual ou homossexual, bem como a identificação com uma determinada raça ou etnia. (SILVA, 2005, p.79) 1 Tomas Tadeu da Silva (2005) define como currículo oculto aspectos no ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, contribuem, de forma, implícita, para a aprendizagens sociais relevantes. 4630 As relações entre escola e currículos (no plural) foram influenciadas pela teoria crítica o que deu força política a problematização da divisão de classes e seguindo esse movimento outros começaram a questionar o conteúdo presente nas escolas, e suas formas de abordagem. Louro (2003) aponta que, nos anos 60, há uma emergência dos movimentos sociais, principalmente feminista e negro que questionam a posição do homem branco, hetero e rico que eram o centro da ciência e da política, questionando com isso o caráter cultural, científico, artístico e estético. Isto traz o reconhecimento de novas identidades culturais, reconhecendo a cultura como algo complexo e múltiplo. Contudo a escola continua adotando modelos heteronormativo, o que faz com que o afastamento do padrão seja colocado como excêntrico, desviado e “o homem branco, heterossexual deve ser uma identidade sólida, permanente uma identidade confiável”. (LOURO, 2003, p.47). O Excêntrico por sua vez se refere aquele que está fora do centro, apresenta comportamentos e atitudes desviantes, esquisito, extravagante. Furlani (2008, p.55-56) expõe as contribuições que os movimentos sociais trazem para a escola, particularmente para a construção de um currículo que possibilitasse a inserção da educação sexual. destacando-se, neste contexto, o movimento de mulheres e movimentos feministas; movimentos LGBTTT; movimentos de negras, negros e populações quilombolas; movimentos de população indígenas; movimentos de trabalhadores/as rurais e sem-terra; movimentos ecológicos; movimentos pró-criança e adolescente; movimentos étnicos; movimentos pacifistas e antibelicistas. Esses movimentos sociais foram fundamentais não apenas para explicitaram as diferenças e as desigualdades, mas para marcarem a contestação e a resistência aos modelos excludentes, singulares e autoritários, possibilitando aos seus sujeitos demandas próprias da reivindicação e de construção de saberes, sobretudo a partir do ato de “falar de si” – a auto-representação. (FURLANI, 2008, p.56) Discutir esses temas transversalmente ajudaria a ter uma imagem não estereotipada e menos preconceituosa em relação à orientação sexual dos diversos sujeitos. Um caminho apontado é a utilização de um material didático pedagógico que evidenciasse as diferenças, que esteja de acordo com a realidade dos/as alunos/as, não reforce preconceitos e contribua para a inclusão escolar, passando pela discussão e busca de ações para a eliminação da exclusão da população LGBT e alteração da imagem feminina, ainda associada à esfera doméstica, por exemplo. 4631 Pocaby, Oliveira e Imperatori (2009) apontam que o silêncio sobre as diversidades nos matérias didáticos, considerada não acidental e ligada à concepções heteronormativa e heterossexistas, que invisibilizam e patologizam outras formas de perceber a sexualidade das pessoas. Trazem consigo o silêncio sobre a questão, o que é vista como negativo, pois mantêm e reforçam um discurso heteronormativo. Assumir posicionamentos em favor da diversidade vai além da discussão sobre a inserção ou não desses temas nos materiais didáticos, adentrando num universo que altera a própria estrutura da sociedade, pois propõe mudança nos valores tidos como certos, pois “a heteronormatividade atua como uma política do silêncio. Ainda quando não cala a diversidade sexual, produz um campo de significações heterossexistas, que deslegitima outros dizeres, outras vozes, outras possibilidades vivenciadas e discursivas sobre a sexualidade e o gênero”. (POCABY; OLIVEIRA; IMPERATORI, 2009, P117) Rios e Santos (2009) ao analisar o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) constatam que o tema da diversidade sexual é tratado nos marcos normativos que regulamentam o funcionamento do PNLD, sobretudo na interface entre o arcabouço legal da política e os princípios constitucionais e democráticos. Evidenciam o silêncio contido nos livros e argumentam que tal silêncio encontra-se em um primeiro momento na política pública que sustenta a produção do material. Britzman (idem) considera que a construção do currículo para a educação sexual é pensada de forma que não contempla a necessidade do outro, pois se desconhece qual é. Ao citar Robert Bastien, a autora faz alusão a uma pesquisa apresentada numa conferencia sobre HIV/Aids em Genebra, 1998, que sugere pensar a sexualidade de outra forma no currículo, afirmando que os estudantes se sentem pressionados a dar respostas certas, esperadas e não em suas reais dúvidas, pois estão permeados por uma cultura escolar em que há a vinculação com a avaliação. Quando não se consegue fugir desse modelo o uso da educação para a sexualidade não traz mudanças “além disso, nessa cultura, modos autoritários de interação social impedem a possibilidade de novas questões e não estimulam o desenvolvimento de uma curiosidade que possa levar professores e estudantes e direções que poderiam se mostrar surpreendentes”. (BRITZMAN, 2001, p. 85-86) Britzman (idem) coloca em discussão “as relações entre curiosidade, liberdade e sexualidade” e nos interroga sobre a forma de educar para a sexualidade que tem um discurso de não incentivar o conhecimentos de vivencias sexuais, a julgar pela própria ideia 4632 equivocada de algumas morais, de que o ato de falar, investigar, conhecer uma educação ligada à sexualidade estaria gerando o ato de incentivo a sexualidade desregrada, ensinado os alunos a ‘fazer sexo’. A autora coloca que quando se ensina e estimula o conhecimento por meio da liberdade à curiosidade, o conhecimento sobre a sexualidade e outras esferas da educação passa a ter um olhar diferente, situado na esfera da paixão pelo desconhecido, e a vontade de saber. Na literatura, no cinema, na arte, na música, a preocupação não está em como estabilizar o conhecimento, mas em como explorar suas fissuras, suas insuficiências, suas traições e mesmo suas necessárias ilusões. Nessas formas de arte, a incerteza pode causar ansiedade e medo, mas esses afetos podem ser explorados em todo o seu drama, sem sugerir a incompetência da leitora ou do leitor. Meu argumento é de que o currículo da sexualidade deve estar próximo à dinâmica da sexualidade e o cuidado de si. Uma conversa franca não pode ser planejada antecipadamente, pois se tentarmos predizer o que acontecerá estaremos nos movimentando no terreno da paixão pela ignorância (BRITZMAN, 2001, p.108 -109). Segundo Silva (2005, p.108) “o currículo tem sido tradicionalmente concebido como um espaço onde se ensina a pensar, onde se transmite o pensamento, onde se aprende o raciocino e a racionalidade” temas que estão presentes na escola como relações de gênero e sexualidade encontra dificuldade para entrar no currículo e quando entra assume um caráter informativo, como é o caso da sexualidade e a prevenção das DST’s, HIV/Aids, ligadas ao biológico ou/ou reprodutivo. É a partir da teoria queer que as autoras como Débora Britzman, por exemplo, propõe uma pedagogia queer. Tal como a teoria quer, a pedagogia quer não se limitaria a introduzir questões de sexualidade no currículo ou a reivindicar que o currículo inclui matérias que combatam as atitudes homofóbicas. É claro que uma pedagogia queer estimulará que a questão da sexualidade seja seriamente tratada no currículo como uma questão legítima de conhecimento e de identidade. (SILVA, 2005, p. 108) Britzman (2001) reconhece que ao propor esse modelo de educação sexual exige muito do professor e da professora, sendo um primeiro exercício interdisciplinar, a conversa entre os/as professores/as das diferentes disciplinas. Questionar até que ponto o conteúdo pedagógico aguça a curiosidade dos estudantes, e se docentes estão preparados para uma abordagem que demonstre clareza, mas não suponha certezas. A autora argumenta que é necessário uma dose de coragem política, pois a amplitude do tema da sexualidade exige. 4633 A pesquisa A pesquisa que resultou neste trabalho foi realizada no primeiro semestre do ano de 2011, em uma escola pública estadual da região de Curitiba, entrevistando-se 19 docentes, cujo perfil é apresentado na tabela 1. A investigação buscava analisar a percepção dos/as docentes sobre a educação sexual na escola, cujos resultados são apresentados parcialmente neste texto. Tabela 1. Perfil dos professores/as pesquisados/as Sexo Raça/etnia Orientação sexual Masculino 05 Brancos 18 Homossexuais 0 Estado civil Casados 14 Disciplina que Núcleo comum leciona 14 Fonte: pesquisa de campo Feminino 14 Negros 1 Heterossexuais 19 Total 19 19 Solteiros/divorciados 05 Técnico 05 19 19 19 Observamos que a maioria dos/as entrevistados era do sexo feminino. A predominância quanto à raça/etnia (auto declarada) foi branca, e todos se declararam heterossexuais, verificando-se ainda uma predominância de casados/as entre os/as entrevistados/as. No que se refere a religião, a maioria era católico 10 (dentre esses 1homem), 2 ateus (homem), 2 evangélicos (1 homem e 1 mulher), 2 espíritas (mulher), dois que declaram não seguir religião (1 mulher e 1 homem). Em relação à faixa etária houve uma distribuição “equilibrada”2 : a) 5 pessoas tinham de 21 à 30 anos ; b) 4 pessoas tinham de 31 à 40 anos; c) 5 pessoas tinham de 41 à 50 anos; d) 3 pessoas tinham mais de 50 anos; 2 Uma pessoa fez a opção de não revelar a idade. 4634 No perfil dos/as docentes, destacamos ainda que apenas um/a docente não tinha feito ou não havia começado alguma pós-graduação e 5 deles/as tinha mais de um curso superior. Quanto ao tempo de atuação no magistério 11 deles/as tinham de 10 a 30 anos de trabalho docente. Dos/as entrevistados/as 5 professores atuavam no ensino médio, sendo um homem e 4 mulheres. Uma professora que atuou por muitos anos em sala de aula e estava readaptada na equipe de apoio pedagógico, e os/as outros/as 13 professores/as trabalhavam no ensino médio técnico 4 homens e 9 mulheres. Foram entrevistados professores das seguintes disciplinas: • Ensino médio: matemática, física, química, biologia, português; • Ensino Médio Técnico (núcleo comum): Português, Geografia, História, Química, Inglês, Biologia, Sociologia, Matemática; • Ensino Médio Técnico (Informática): Lógica de programação, Linguagem de Programação, Internet, Programação Web, Programação de Dados, Analise Instrumental, Arquitetura, Suporte Técnico, Redes, Sistema de Programação; • Ensino Médio Técnico (Secretariado): Técnicas de Secretariado, Práticas de Secretariado, Cerimonial e Protocolo, Rotação Empresarial, Metodologia Científica, Marketing, Empreendimento e Marketing, Eventos, Administração, Planejamento, Sistemas e Métodos. Destaca-se que, no âmbito dos cursos técnicos conseguimos entrevistar todos/as os/as professores/a que lecionavam as disciplinas na escola, o que representa um total de 5 docentes sendo 3 da informática e 2 do secretariado, os quais lecionavam mais de uma disciplina no curso. O currículo e a educação sexual Ao analisar a questão da educação sexual na escola e as percepções dos professores a esse respeito, identifica-se que dentro do currículo formal das disciplinas não há nenhuma orientação sob formas agir ou inserir o tema em sala de aula. Percebemos, no entanto que, o 4635 trabalho em torno dessa temática se faz de forma particular e de acordo com a disposição e o interesse de cada professor/a. As diretrizes estaduais – documento oficial que serve de base para a orientação do trabalho pedagógico, criado para ser aplicado dentro de todas as escolas de rede pública estadual do Paraná – não faz referencia a particularidade de se trabalhar gênero, sexualidade e a educação sexual. Os parâmetros curriculares nacionais, por sua vez apresentam um documento exclusivo para o tratamento do tema, todavia não é consultado, pois segundo os/as entrevistados não é adotado no Estado do Paraná. Sobre esse assunto, quando perguntados se os professores tinham conhecimento sobre os PCN’s, Diretrizes, e leis que abordam a educação sexual, dezoito dos entrevistados responderam não ter conhecimento sobre o assunto e apenas uma professora (de Biologia) relatou ter conhecimento das diretrizes, frisando, no entanto, que não havia nenhum ponto especifico de orientação de como trabalhar a educação sexual. A discussão sobre a inserção da educação sexual no currículo mostrou-se um tanto quanto aberta por esses/as professores e professoras, pois dentre os entrevistados foi consenso a necessidade de abordar questões relativas à sexualidade dentro do ambiente escolar. Em seus relatos, percebe-se a preocupação com a necessidade de uma maior informação para os alunos sobre questões ligadas ao corpo, DST/ Aids, gravidez na adolescência. A falta de formação para que os/as professores/as tratem dessas questões também foi destacada, sugerindo-se a inserção de palestras e projetos para trabalhar com alunos/as, com a indicação de um profissional qualificado, assim como a implantação de uma disciplina específica sobre o tema. Quando questionados/as se eles/elas trabalhavam a temática sexualidade em suas aulas, as respostas foram similares, pois, dentre os dezenove entrevistados/as, dezesseis relataram que já tiveram que falar à respeito de educação sexual ou intervir em situações referentes a sexualidade dos alunos, como por exemplo caso de preconceitos para com homossexuais. Dentre aqueles/as que relataram nunca terem trabalhado com o tema, os motivos apresentados associam-se ao seu campo disciplinar, considerando que tais questões não fazem parte de sua disciplina: Não, nas minhas aulas não. Já trabalhei com um grupo nos grupos da igreja, falamos de gravidez na adolescência caso de homossexualidade, o afastamento de algumas pessoas pelo fato de ser homossexual. Já teve caso nos grupos que eu assessorei e de fazer um trabalho para ter respeito um pelo outro e aceitação pelas diferenças pra 4636 tentar quebrar isso, e surgiu efeito. Nas minhas aulas, as coisas são técnicas e não chega a abordar nada nesta parte. O que dou são ciências exatas e não tem muito a ver com ciências humanas ou trabalhar um texto, nas exatas eu acho difícil e muito técnico. (Daniel, professor, técnico informática) As respostas também indicavam que o professor de Biologia é considerado como profissional mais qualificado para trabalhar o tema: Não, é muito técnico. Já entro ali com minha disciplina, a não ser que eu veja uma pessoa, tendo uma conversa e a questão surja, daí eu intervenho se precisar. Aí eu chego e converso, mas não é questão de dar uma aula, o professor de Biologia tem algumas aulas só dedicada a essa questão. (Pedro, Técnico Informática) Nessa fala observamos que, o fato do curso ser técnico, constitui um agravante para o não trabalho da temática em sala. Todavia, sempre há o fato de que de repente essa questão pode surgir e pode ter a necessidade de se abordar o tema, mas mesmo assim, prevalece a ideia de que a discussão sobre sexualidade é disciplinar e que deve ser tratada por um profissional de forma mais sistemática e como conteúdo de uma disciplina específica. Em outro relato, verifica-se que o tema é trabalhado, mas não diretamente como aula de educação sexual, apontando inclusive inúmeros desafios para a inserção da temática na escola: Não diretamente. Porque, assim como existe muito preconceito, questão cultural de pais, sociedade, professores, regras, então eu abro porque eu tenho que estar falando de política de religião e aí, entra a questão da religião católica de não utilizar a camisinha, a questão de traição. A gente fala sobre todas essas situações, mas eu não trato com foco, abro para conversa e falo perfeitamente a eles. Eu vejo que eles tem essa necessidade (Ester, professora Geografia) Ainda há em outro depoimento, o apontamento de que o trabalho deveria se iniciado com alunos/as mais novos (idade): Sobre esse assunto não, normalmente dou aulas para os terceiros anos, esse tipo de assunto já não cabe mais [...] eles tem uma formação que não muda mais, não tem jeito. Se era para ter aprendido tinha que ter aprendido antes, no terceiro já sabem. Tem que começar na sétima. (João, professor Química) Considerações finais 4637 Ao relatar suas percepções em sala os/as professores/as falaram das suas dificuldades e desafios de trabalhar com a educação sexual na escola. As principais justificativas para não abordar essa temática, referem-se ao fato de não terem tempo hábil para isso e que tal ação demandaria preparação e formação, o que consideram não possuir. A formação docente nessa área foi colocada, em alguns casos, como inexistente e, em outros, como mínima, reduzindose ao conhecimento obtido em cursos e/ou ações (de pouca duração) da secretaria estadual de educação (SEED). Demonstrando, com isso que, a inserção da educação sexual encontra desafios, sendo necessário desconstruir a idéia de que cada área deve privilegiar conteúdos específicos de sua área de formação, os conteúdos próprios de cada disciplina e construir a ideia de que o sujeito e o conhecimento é único e, dessa unidade, faz parte a sexualidade humana, sendo, portanto necessário a inclusão dessa dimensão nos processos de socialização. Assuntos ligados à sexualidade, como homofobia, sexismo, gravidez na adolescência, demonstra que a construção curricular para uma educação inclusiva e que contemple os diversos aspectos da sexualidade está cada vez mais presente no universo escolar, embora em grande medida de forma oculta. O conhecimento de que tais questões manifestam-se cotidianamente em sala de aula, acaba ocasionando ações individuais, com soluções esporádicas e que dependem muito da disponibilidade do/a professor/a, da sua motivação e percepção de que seu conteúdo não tem barreiras edificadas, de que se pode sair do conteúdo específico, do seu campo curricular e se aventurar em outros campos que fazem parte do conhecimento na sua totalidade. REFERÊNCIAS BRITZMAN, Débora. Curiosidade, sexualidade e Currículo. In: LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade.2°ed. Belo Horizonte. Autêntica, 2001, p. 83 111. CASTRO, Maria Garcia. ABRAMOVAY, Miriam. SILVA, Lorena Bernadete. Emile. JUVENTUDES e sexualidades. Brasília UNESCO, 2004, 2° edição. FURLANI, Jimena. Abordagens contemporâneas para educação sexual. In: FURLANI, Jimena. (organizadora).Educação sexual na escola: equidade de gênero, livre orientação sexual e igualdade étnico-racial numa proposta de respeito as diferenças. 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