A PRIMAVERA ÁRABE “Para sermos moralmente corretos não devemos tratar o homem como meio e, sim, como um fim em si mesmo.” Immanuel Kant. “Na Primavera Árabe, os jovens de classe média e os jovens mais pobres querem viver os gostos da liberdade individual e do consumo do Ocidente. Querem se afirmar como indivíduos. E nisso, as redes sociais fazem o seu papel. O modo de vida ocidental os atrai como atraiu os dos países comunistas, gerando as revoluções de 1989 que fizeram, no final, desaparecer a URSS.” Paulo Ghiraldelli Jr. A Primavera Árabe se refere às ondas de protestos e rebeliões no Norte da África e no Oriente Médio que vêm acontecendo desde dezembro de 2010. A onda revolucionária começou no final de 2010 na Tunísia, com a Revolução de Jasmim (flor símbolo do país), quando Mohamed Bouazizi, um vendedor de rua, se auto imolou (ateou fogo a si mesmo) por ser vítima de cobranças indevidas por parte do governo para poder trabalhar com seu carrinho de frutas. Ele estava desempregado e seu carrinho era o seu modo de sobreviver. Mohamed morreu em janeiro de 2011 e então começaram os protestos na Tunísia. O presidente Zine El Abidine Ben Ali, foi deposto após 23 anos de ditadura. Com o sucesso dos protestos na Tunísia, uma onda de instabilidade atingiu a Argélia, Jordânia, Egito e o Iêmen. No Egito, a Revolução da Praça Tahrir (Liberdade) iniciou logo após a Tunísia. Em 11 de fevereiro o ditador Hosni Mubarak renunciou após 18 dias de protestos em massa e deu final a um mandato de 30 anos. A revolução do Egito teve um fator inédito no modo de chamar as pessoas para as ruas. Os jovens egípcios, muitos desempregados e com alto nível escolar, utilizaram a internet como meio de divulgação. O Facebook, o Twitter e os blogs foram primordiais para fazerem os jovens se mobilizarem e saírem às ruas gritando por liberdade, melhor modo de vida, emprego, fim de maus tratos pelos militares e fim da pobreza. O Egito é o maior país árabe com 80.000 habitantes, embora grande parte da população viva no limite da linha da pobreza ou logo abaixo dela. No Marrocos, a Primavera Árabe iniciou em fevereiro. Com o aumento dos protestos, o rei Mohammed reformou a constituição e reduziu seus poderes. O rompimento com o moderado Partido Islamita Justiça e Desenvolvimento (PJD), que possui a maioria das cadeiras parlamentares, enfraqueceu o movimento. Uma das ferramentas utilizadas pelos rebeldes no Marrocos foi a Internet. Redes sociais como Facebook foram veículo de denúncia e crítica social, bem como de organização de movimentos contra o autoritarismo. Esse fato mostra que a tecnologia não é só uma ferramenta para diversão, mas uma arma em favor do povo. Esses movimentos mostram que a população pode reverter a situação e deixar de ser alienada e manipulada, salientando o valor da participação política que em muitos países está presente como direto dos cidadãos, porém muitas vezes não é valorizada ou utilizada eficientemente pelo povo. Na Líbia, os protestos começaram em fevereiro de 2011. Após reações violentas do governo de Muamar Kadafi, eclodiu uma guerra civil. Os rebeldes, com a decisão do Conselho de Segurança da ONU, foram favorecidos pelos bombardeios das forças da OTAN as tropas e posições de Kadafi. Por fim, em 20 de outubro de 2011, o ditador foi capturado e morto. Assumiu o governo o Conselho Nacional de Transição. O caso líbio é diferente dos outros países que foram varridos pela Primavera Árabe. Além dos anseios legítimos do povo líbio, também concorreram para a queda de Kadafi os interesses dos Estados Unidos e da União Européia, especialmente aqueles ligados ao petróleo e a posição estratégica da Líbia. Após meses de impasses e conflitos, o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, no poder há 33 anos, assinou um acordo e passou o cargo a seu vice, que irá convocar eleições. O acordo só foi possível com a pressão, e intervenção, da Arábia Saudita, que fez uso da sua grande influência financeira e diplomática para tentar deter a Primavera Árabe e marcar posição em relação ao Irã. Em 21 de fevereiro de 2012, a população do Iêmen foi convocada às urnas e escolheu o sucessor de Saleh. Com o início dos protestos em janeiro de 2011, e seu recrudescimento a partir de março, o ditador sírio Bashar Assad colocou o exército para deter o avanço das manifestações, produzindo uma repressão brutal. Por outro lado, ele deu indicativos de aceitar algumas reivindicações da oposição, como libertar presos políticos e permitir a criação de novos partidos. Também derrubou a lei de emergência, que existia há 48 anos, e prometeu convocar eleições para 2012. A situação na Síria se apresenta extremamente complexa, não permitindo intervenções militares. O governo sírio tem na Rússia e no Irã aliados importantes, sendo que a China possui grandes interesses econômicos no país. Além do mais, o governo sírio deu acolhida as lideranças do Hamas e assume uma posição de defesa do nacionalismo árabe, colocando-se abertamente contra Israel. Os Estados Unidos da América possui enormes interesses no Norte da África e no Oriente Médio. Tendo Arábia Saudita e Israel como principais aliados, o governo americano necessita do petróleo e das posições estratégicas para manter seu poderio econômico e sua influência política. Vendo o avanço da China e a interferência da Rússia, os EUA, no governo Obama, assume compromissos que priorizam seus objetivos. Todas as revoluções que estão acontecendo na Primavera Árabe nada têm a ver com o islamismo. São revoluções puramente político-econômicas, onde o povo está pedindo passagem. Chega de desemprego, corrupção, fome, pobreza, jovens sem esperança no futuro! O Ocidente adora ligar o Islã aos fatos vistos como "revolucionários" ou "terroristas". A Irmandade Muçulmana não possui nenhum papel de liderança significativo na revolução egípcia. Na verdade, o medo de um regime islâmico fundamentalista justifica a manutenção no poder de um Mubarak, por exemplo. Todavia, o povo não quer um regime fundamentalista e as chances da Irmandade Muçulmana conquistar o poder são mínimas. O medo dos não-muçulmanos que um grupo islâmico fundamentalista ocupe um lugar de poder no Estado e que a Charia venha a ser o código de conduta do país é equivocado. Tal medo encontra eco na ignorância sobre o assunto e nos interesses ideológicos dos não-muçulmanos. A Charia são os principais mandamentos de Deus, o código de leis do islamismo, contidos no Corão, para vivermos em paz, com tolerância e harmonia. Mesmo com as revoluções pipocando em diversos países do mundo árabe e a crescente instabilidade política e econômica da região, o comércio com o Brasil, em linhas gerais, aumentou. A exceção foi a Líbia que apresentou uma queda brutal. Fonte: SECEX A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega. Trecho do poema Primavera, de Cecília Meireles. “Cada um pode ser alguém. Pode ser um mártir para começar a revolta, para que todos possam ser tão importantes quanto o mártir, após a revolta.” Paulo Ghiraldelli Jr.