Faculdade Boa Viagem
Mestrado em Administração
Uma estética para um ritmo:
construção da identidade de moda em movimentos culturais
Eduardo Maciel
RECIFE/PE
15 de junho de 2010
Faculdade Boa Viagem
Mestrado em Administração
Uma estética para um ritmo:
construção da identidade de moda em movimentos culturais
Eduardo Maciel
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
Administração do Centro de Pesquisa e PósGraduação em Administração – CPPA da
Faculdade Boa Viagem
Orientadora: Prof. Dra. Ana Paula de Miranda
Recife, 2010
DEDICATÓRIA
À cidade mais encantadora do mundo,
onde não me canso de cantar:
Sou do Recife
Com orgulho e com saudade
Sou do Recife
Com vontade de chorar
O rio passa
Levando barcaça
Pro alto do mar
E em mim não passa
Essa vontade de voltar...
Que sorte ter nascido aqui!
GRADECIMENTOS
Sou muito grato a:
Mau e Vivi, Tati e Águeda, Janete e Luísa, Catarina e Sérgio, minha mãe e Breno, Gabi e
Aninha, Dal, Adriana, Marquinhos, Chico e Marcinha, Larissa, Giovana e Pablo, Iranize e, ao
Sebrae, na pessoa de Gilson Monteiro, pelo grande apoio e incentivo que me fizeram chegar
até aqui.
Aos amigos, aqui não citados, que esperaram pacientemente a minha hibernação intelectual.
Caros, já estou de volta!
Não posso deixar de agradecer à minha orientadora AP Miranda que, mais uma vez, me
mostrou que é possível. Basta querer!
Em especial, agradeço à prima Fabíola, que me fez perceber o quanto bater o tambor pode vir
a mudar o rumo das nossas vidas.
A todos, o meu muito obrigado.
Eu vim com a Nação Zumbi
Ao seu ouvido falar
Quero ver a poeira subir
E muita fumaça no ar
Cheguei com meu universo
e aterriso no seu pensamento
Trago a luzes dos postes nos olhos
Rios e pontes no coração
Pernambuco embaixo dos pés
E minha mente na imensidão.
Mateus Enter do álbum Afrociberdélia - 1996
Nação Zumbi
Resumo
Focados no consumo e no porquê de suas preferências, nosso trabalho buscou no
aprofundamento do estudo de um subgrupo cultural, encontrar possibilidades de resposta a
esta pergunta. Tendo como universo de pesquisa a cultura pernambucana, focamos no
subgrupo cultural dos tocadores de maracatu, sejam integrantes de escolas de percussão ou
membros dessas agremiações. Um mergulho em seu tempo e espaço na busca de revelar como
se constroi a sua identidade de consumo de moda e, como essa é elemento-chave de sua
distinção, perante os demais grupos. Fundamentados no paradigma interpretativista,
acreditamos que uma análise qualitativa foi o melhor caminho para compreender esses
desejos e como estes são reflexo de suas crenças e valores compartilhados. Decerto, que
vários autores já se debruçaram sobre este tema, mas o que aqui propomos é perceber como
um microcosmo de um sub-grupo classificado como alternativo, pode ser norteador de
tendências de consumo, e como estas podem ser inseridas em uma análise macro, buscando
colaborar tanto academicamente quanto no mundo dos negócios, para empresas ou
empreendedores da área. Trabalhando a cultura como pano de fundo, encontramos
peculiaridades neste grupo, tais como integração, liberdade, referência cultural e beleza,
associadas a um consumo que em muitos momentos se mostrou hedônico. Partindo de
categorias analíticas construídas da análise das narrativas de os entrevistados, descobrimos
que estas estão interligadas e são alicerce de si mesmas, numa dinâmica viva e em constante
retroalimentação. Diante desta análise, abrimos espaço para novas pesquisas, nas quais
possamos validar se, em outros grupos ditos alternativos, essas categorias se mantêm ou quais
seriam estes novos desejos e suas relações com o nosso trabalho.
Palavras-chave: consumo, moda, cultura e maracatu.
Abstract
Focused on consumption and because of their preferences, this study sought to deepen the
study of a cultural subgroup find possible answers to this question. Having to search the
universe of Pernambuco culture, focus on the cultural, subgroup of the Maracatu players,
wether members of schools of percussion or members of these associations, a dip in their own
time and space in search of revealing as it builds its identity consumer fashion and as such is a
key element of its distinction in relation to other groups. Based on the interpretive paradigm,
we believe that a qualitative analysis was the best way to understand these needs and how
these
are
a
reflection
of
their
beliefs
and
shared
values.
In a number of authors who have already studied this subject, but what I suggest here is to see
how a micro-cosmos of a subgroup classified as alternative, can be a guide to consumer
trends, and how these can be inserted into a macro analysis seeking to collaborate both
academically
and
in
business
enterprises
or
entrepreneurs
to
the
area.
Working culture as a backdrop, we find peculiarities in this group such as integration,
freedom, cultural reference and beauty associated with a consumer who have often proved
hedonic and in search of personal pleasure only. Starting from analytical categories
constructed from the narratives of our respondents, we found that these categories are
interlinked and foundation of them live in a dynamic and constant feedback.
Given this analysis, we make room for new research projects where we can validate it in other
groups said alternative, these categories remain or what are these new needs and their
relationship to our work.
Keywords: consumption, fashion, culture and maracatu.
LISTA DE FIGURAS E ÍCONES
Figura 01 – Movimento do Significado
22
Figura 02 - Modelo do efeito da comparação social e
a construção e desenvolvimento da aparência
33
Figura 03 - Fusão dos horizontes
38
Figura 04 – Movimento do significado – Cultura Pop
43
Figura 05 – Estilo estético mangueboy e manguegirl
45
Ícone 1 – Nobreza - A Rainha do Maracatu
85
Ícone 2 – Pertencimento – Umbrela
86
Ícone 3 – Liberdade – Batuqueiro
88
Ícone 4 – O Novo - Mangue boy
90
Ícone 5 – Hedonismo – Baiana
91
Ícone 6 – Referência Cultural - Caboclo de lança
93
Ícone 7 – Beleza - Mangue Girl
94
Ícone 8 – Raridade - O Rei
96
LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS
Quadro 01 - Síntese de comparação de perspectivas
25
Quadro 02 - Estrutura geral das teorias da moda
29
Quadro 03 – Resumo de características de subgrupos
39
Quadro 04 – Protocolo de análise
49
Quadro 05 - Decupagem e identificação
de categorias conceituais
55
Gráfico 1: categorias analíticas e suas relações
97
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO
12
2.PROBLEMA DE PESQUISA
14
2.1
Justificativa
15
2.1.1 Justificativa Teórica
15
2.1.2 Justificativa Prática
16
3. REVISÃO LITERÁRIA
17
3.1
Cultura de Consumo
17
3.2
Consumo de Moda
26
3.3
Consumo e Identidade de Grupo
33
3.4
Subgrupo de Consumo
38
3.5
Consumo e mídia pop
41
3.6
Consumo e os movimentos culturais pernambucanos
44
4. MÉTODO DE PESQUISA
47
4.1
Orientação paradigmática
47
4.2
Método de análise
47
4.3
Coleta de dados
51
5.CONSTRUÇÃO DO CORPUS DE PESQUISA
53
6. ANÁLISE E CONCLUSÃO DOS DADOS
55
6.1
Categoria analítica 01
56
6.2
Categoria analítica 02
59
6.3
Categoria analítica 03
65
6.4
Categoria analítica 04
68
6..5
Categoria analítica 05
72
6.6
Categoria analítica 06
74
6.7
Categoria analítica 07
76
6.8
Categoria analítica 08
80
6.10
Iconografia do personagem do
maracatu x iconografia de moda
83
6.10.1 Nobreza – A Rainha do Maracatu
85
6.10.2 Pertencimento – Umbrela
86
6.10.3 Liberdade – Batuqueiro
88
6.10.4 O Novo – Mangue Boy
90
6.10.5 Hedonismo – Baiana
91
6.10.6 Referência Cultural – Caboclo de Lança
93
6.10.7 Beleza – Mangue Gilr
94
6.10.8 Raridade – O Rei
96
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
99
REFERÊNCIAS
105
12
1. Introdução
“Um curupira já tem o seu tênis importado”
Enquanto o Mundo Explode - Chico Science
Com a chegada da idade moderna, período de grande transformação vivido pela
sociedade ocidental entre o séc. XVI e XVII toda a história social sofreu uma grande
mudança. Essa mudança terá como mola propulsora a nova forma de ver e viver o consumo.
McCracken (2003) conclui que, com a revolução industrial, as sociedades ocidentais orientam
mais que a possibilidade do acesso a produtos dantes destinados a poucos, mas uma nova
forma de ser a partir do que possuem. Essa alteração de valores e significados do consumo
será construída pelos grupos ou culturas que os validam e os mantêm presentes e vivos em seu
tempo e espaço.
Várias são as disciplinas que estudam o consumo, mas todas sempre buscaram, dentro
das suas especificidades, compreender e justificar o porquê deste hábito. Sob a ótica da
economia neoclássica, variamos entre custo e utilidade; já com olhares da sociologia, teremos
relações de distinção social até a visão antropológica da formação de padrões culturais
(Barbosa, 2006). Se o desejo de consumir é retroalimentado de desejos culturalmente
construídos, teremos no consumo de moda uma das mais fortes representações culturais, visto
sua dinâmica, acesso e massificação de valores e significados (McCRACKEN, 2003). Essa
integração serviu a princípio para a identificação de classes e castas. Posteriormente, fizeram
uso dos seus códigos de status outros grupos e subgrupos sociais e culturais construindo suas
mensagens por meio das cores, texturas e modelagem visualizadas nos seus trajes (BLUMER,
1969).
Para perceber essas mensagens, faz-se necessário um mergulho nas culturas que as
construíram; compreender seus valores, e só assim ter uma decodificação real de suas linhas e
entrelinhas (LURIE, 1997). Essa compreensão fica mais complexa se aprofundamos nosso
olhar nas questões dos grupos, nos quais novos valores e significados de uma cultura são
modelados aos desejos, construindo assim subgrupos culturais (SOLOMON & RABOLT,
2004). Este trabalho busca analisar como são construídos os processos simbólicos de
13
consumo na perspectiva cultural, e quais os elementos que podem explicar a formação da
identidade de moda em subculturas1.
Nosso estudo se deteve ao subgrupo dos participantes de escolas de percussão ou
maracatus da cidade de Recife e Olinda onde valores construídos e perpetuados pelos que
fazem parte deste subgrupo, apresentaram uma dinâmica própria de construção desta
identidade com a moda como principal ferramenta.
1
Entendemos subcultura como elemento que constrói uma cultura macro. As quais são responsáveis pela
construção da socialização dos que nela vivem. Estas incluem: religiões, grupos raciais, regiões geográficas,
associações etc. (KOTLER, 1998)
14
2 Problema de Pesquisa
“Uma cerveja antes do almoço,
é muito bom pra ficar pensando melhor”
A Praieira – Chico Science
Decerto que a era moderna2 foi um marco divisor do comportamento das civilizações.
Mudanças na forma de pensar, que virão a refletir nos mais diversos mecanismos de interação
social, chegaram a fazer com que a identidade destes grupos sociais venha a perder sua
estabilidade e se reconstrua mediante desejos que essa sociedade lhe impôs (HALL, 2006).
Para Salter (2002), esta nova sociedade trouxe em seu bojo uma nova noção de cultura para o
mundo moderno, diretamente ligado ao consumo. Esta noção desprezou valores e dimensões
sociais até então validados, tais como: trabalho, cidadania, religião e desempenho militar; para
dar lugar ao que determinado indivíduo venha a possuir. Para o autor, “a cultura de consumo
não é a única maneira de reproduzir a vida cotidiana; mas é, com certeza, o modo dominante,
e tem um alcance prático e uma profundidade ideológica que lhe permite estruturar e
subordinar amplamente todas as outras.” (SALTER. p. 17).
Neste sentido, o consumo já não está associado ao funcional, e o simbólico agregará o
desejo de ter. Inserido neste universo, o homem socialmente constituído foi motivado pelo
meio a consumir, e este consumo associado ao simbolismo deu aos objetos de desejo valores e
significados reconhecidos (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2006). Focando do macro para o
micro, temos nos subgrupos ou subculturas, valores compartilhados transformados em um
consumo simbólico construidor da identidade dos seus membros (BAUDRILLARD, 2000).
Se consumir nos faz pertencer, o consumo e essa construção de identidade cultural
encontrarão na moda um dos seus mais fortes elementos de composição. Como afirma Davis
(1992), o significado da moda está nas suas imagens, pensamentos e sentimentos
comunicados. O que foi usado ano passado em nossos dias já não tem o mesmo significado,
mas não deixará de valer como instrumento de comunicação. Assim, grupos e subgrupos
culturais construirão verdadeiros códigos de pertencimento nos seus trajes ou bens de
consumo. Em muitos casos, estes bens e seus simbolismos ultrapassarão suas fronteiras,
criando novos consumidores de outros subgrupos e ou níveis sociais distintos, construindo o
que chamou McCracken (2003) de “movimento do significado”, que reconstruirá desejos e
2
Era moderna ou modernidade – período vivido a partir do séc. XVII, associada à revolução industrial, é
entendida como uma visão de mundo, uma postura calcada na idéia do consumo (SILVA, 2003)
15
novos elementos para novas e velhas identidades de grupo. Sendo a moda comunicação
(GARCIA e MIRANDA, 2007), esta não está restrita ao traje; migrando para objetos, serviços
e até para nossa maneira de falar, reforçando nossa identidade em produtos e serviços
consumidos.
Quando essa relação consumo + moda + identidade + cultura se integram, questões
particulares vêm à tona, tornando essa análise ainda mais rica e prazerosa, no que diz respeito
à construção da identidade de subgrupos culturais. Pensando assim, propusemos aqui através
deste estudo a seguinte questão:
Como se constroi a identidade de moda em membros de um movimento cultural?
2.1 Justificativa
“Expressão exata pra confessar, o que nunca disse a ninguém”
A Expressão Exata – Fred Zero Quatro e Mundo Livre S/A
2.1.1 Teórica
Estudar o consumo com um tema de interesse acadêmico já é lugar comum entre
pensadores renomados como Baudrillard (2000), Solomon (2002) e McCraken (2003). Estes
como tantos outros, buscam elaborar teorias sobre como sociedades e indivíduos constroem
seus hábitos de consumo. No Brasil, autores como Barbosa e Campbell (2006), Brandini
(2007), Pereira e Ayrosa (2005) e Rocha (1995), também focam seus estudos no mesmo
interesse de encontrar justificativas do porquê escolhemos A e não B, mas com um foco onde
a cultura passa a ser elemento chave dessa análise.
Para Douglas e Isherwood (2006), a sociedade ou grupo é capaz de gerar desejos de
consumo no indivíduo. Este desejo é executado enquanto existir interesse desse indivíduo em
participar desse grupo. Pensando assim, focamos nosso trabalho nos ditos grupos alternativos
e suas relações de consumo, construção de identidade e interação social. Compreendemos
alternativos por subgrupos culturais que buscam uma identidade própria e exclusiva por meio
de suas preferências e crenças, traduzidas, neste estudo, em uma forma própria de vestir
16
(MIRANDA e UCHOA, 2008). Para que essas evidências culturais fiquem ainda mais claras,
nosso objeto de estudo será a chamada estética bumba3, devido ao seu alto grau de
envolvimento histórico e cultural e à valorização da cultura.
2.1.2 Prática
Levando nosso olhar para o mercado de moda, temos um dos maiores setores
industriais do mundo. Isso sem falar na empregabilidade que este seguimento tem, e o
impacto econômico nos seus pólos de produção. Em Pernambuco, ambiente de nosso estudo,
existe uma das maiores produções nacionais na área, chegando a ocupar o 3º lugar no país
(BEZERRA, 2004). Diante deste cenário, percebemos que este estudo pode colaborar para a
construção de estratégias para empreendedores e empresários do setor, focados no
desenvolvimento de marcas de moda que atendam a este ou outros públicos-alvo. É preciso
que fique claro que neste estudo compreenderemos marca em seu contexto na era pósmoderna, na qual promessas da marca substituirão o discurso dos bens de consumo,
colocando seu consumidor no estado de sujeito desejante (SEPRINI, 2006). Em outras
palavras, a marca carregará consigo vários significados na construção da identidade de quem
a consome.
3
Gíria urbana na cidade do Recife e Olinda, dada a participantes ou simpatizantes de grupos de
percussão ou de maracatus.
17
3 Revisão Literária
“É só uma cabeça pendurada em cima do corpo
Procurando antenar boas vibrações”
Antene-se – Chico Science
3.1 Cultura de Consumo
Com a grande transformação do ocidente, em meados do séc. XVIII, que não está
fundada apenas na revolução industrial, como destaca McCracken (2003), uma nova forma de
perceber valores e, consequentemente, de consumir, será praticada. Este fato em muito trará
transformações que serão fonte de análise de vários pensadores, mas todos com a mesma
conclusão: “[...] tal revolução do consumo representa não somente uma mudança nos gostos,
preferências e hábitos de compra, como uma alteração fundamental da cultura no mundo da
primeira modernidade e da modernidade” (MCCRACKEN, 2003, p. 21).
Toda essa
transformação do consumo terá início no séc. XVII, quando novas oportunidades de compra
passam a fazer parte da vida das pessoas comuns. Sob a ótica de Rocha:
o consumo [...] é um dos grandes inventores da ordem da cultura em nosso
tempo, expressando princípios, categorias, ideais, estilos de vida, identidades
sociais e processos coletivos. Talvez, nenhum outro fenômeno espelhe com
tamanha adequação, o espírito do tempo (ROCHA, 1995, p. 226).
Em outras palavras, Baudrillard (1973) dirá o mesmo julgando que consumir é um
modo ativo de relação, ele também proporá que esse consumo se dá de forma coletiva num
modo de atividade sistemática e de resposta global, no qual se funda todo o sistema cultural.
Pensando assim, possuir nos faz pertencer. Para entender melhor essa posse, temos em Miller
(2002) alguns fundamentos dessa integração social a partir do consumo. Ele afirma que o ato
de comprar é visto como um meio de descobrir, mediante a observação minuciosa das práticas
de comprar dos indivíduos associada aos seus relacionamentos e papeis sociais.
Segundo o pensamento de Barbosa (2006), é impossível não consumirmos
simbolicamente. Seja nas mais simples ações do dia–a-dia, como comer ou escolher um meio
de transporte; até ações mais complexas como vestir. Vistos como representações práticas do
significado, os produtos construirão significados dentro de um determinado grupo. Estes,
dependendo o poder que esta cultura terá, poderão se expandir além de suas fronteiras,
18
podendo ser compreendidos de uma forma mais plena ou sofrer alterações e modulações do
seu novo espaço e tempo.
Mas, nem sempre comprar foi fator determinante para pertencer ou ser aceito em um
grupo, antes do que chamamos de modernidade, outra forma de se relacionar com os objetos e
com a sua posse estava associada ao tempo que esses objetos faziam parte da história dos que
o possuíam. Essa forma de consumo, com uma velocidade que tinha por obrigação ser lenta
para validar sua posse, foi chamada de consumo de pátina (McCRACKEN, 2003). O seu uso
consiste em elementos da idade que se acumulavam na superfície dos objetos; sua função não
é de reivindicar status, mas de autenticá-lo. A pátina nada mais é que uma prova visual de
pertencimento, uma forma de demonstrar a longevidade e a duração da família que os possui,
pois quanto mais longa a posse do objeto, maior foi o tempo que seus proprietários gozaram
de status; sua função maior estava em “...policiar e conformar a mobilidade social.”
(McCRACEN. 2003, p. 53).
Só com a chegada do séc. XVII e mais fortemente no séc. XVIII veremos o claro
declínio da pátina. Ainda hoje, segundo McCracken (2003), encontraremos consumidores que
fazem uso da pátina, mas seus objetivos já não serão os mesmos. Mas, a função de divisão de
classes com base nas posses e no consumo continuará fortemente na era moderna, como
afirma Solomon (2004) em seu pensamento da estratificação social. Nele, a criação de
divisões artificiais numa sociedade é fruto de processos do sistema social, que pelo qual os
recursos são distribuídos desigualmente de forma escassa e valiosa, gerando status de posses
aos seus detentores.
Toda essa euforia do consumo vivida com a era pós-moderna, que aparentemente pode
ser percebida como algo negativo, tem no pensamento de Belk (1982) alguns pontos que
justificam o porquê desta forma de consumir. Para o autor, o consumo é algo inerente ao
processo de socialização. Este não tem sua origem na era moderna, mas sua construção se dá
ainda nos primórdios da nossa história. O autor lembra o conceito maior sobre materialismo
que é a capacidade de sentir prazer em possuir, a capacidade de invejar e negar o desejo do
próximo. Para Arnould e Thompson (2005), o termo cultura de consumo contextualiza um
sistema integrado produzido comercialmente de imagens, textos, e objetos que utilizam
grupos - por meio da construção de práticas, identidades e significados –, criando um sentido
coletivo nos seus ambientes orientando os seus membros em experiências de vida. Esses
19
significados são incorporados e negociados pelos consumidores, em situações particulares de
relacionamento em papéis sociais.
Slater (2002) diz que todos nós temos nossos objetos de desejo. Existirá sempre algo
que podemos viver o resto de nossas vidas sem eles, mas, contrario a esta verdade, os
desejamos como se sem eles nossas vidas não tivessem sentido. Esse desejo passa neste
momento a ter uma associação direta com o pertencer. Ou seja: consumimos tal objeto e faço
parte desse grupo. Quando esse desejo toma formas incontroláveis, viveremos um grande
problema; pois o ter passa a fazer às vezes de felicidade, associando poder a valores de
estima, atenção e até amor (SLATER, 2002). Isso faz com que o consumo passe a ter um
caráter fundamentalmente simbólico e menos funcional.
Símbolos e seus significados, na cultura de consumo, serão percebidos nos objetos e
no ato de consumi-los de forma mais intensa com a chegada da era moderna. Neste contexto,
o símbolo conhecido a princípio como marca ou sinal que evoca outro elemento/objeto,
material ou conceitual, que se encontra em algum lugar (DONDIS, 1997); e passa a ter no
consumo, como descrevem Baudrillard (1968) e Belk (1982), questões diretamente ligadas a
valores do objeto que vão além do seu caráter utilitário e de seu valor comercial. Essa relação
está diretamente associada à sua capacidade de comunicar-se com a cultura em que está
inserido, construindo assim significados próprios. Bourdieu (2008) e Rocha (1995) descrevem
que as pessoas existem em ambientes simbólicos, onde a necessidade de consumo imposta
pela sociedade é tão forte que influencia o comportamento do indivíduo no desejo de ter ou
não ter. O que pode ser traduzido em pertencer ou não pertencer. percebemos que consumir
em nossos dias está associado a satisfazer desejos, temos em produtos e serviços valores que
vão além do funcional. Essa relação construirá o que Davis (1992) chama de identidade
social. Ou seja, uma grande teia de símbolos e significados compartilhados e valorizados por
seus membros.
Fournier
(1991)
lembra
que
os
objetos
são
habitualmente
associados
a
comportamentos pessoais, e seus significados serão potencializados a partir de um contexto
social. Além disso, o significado também é altamente subjetivo e derivado da totalidade de
adereços presentes na situação e no seu ritual de usabilidade. Como exemplo, trazem a xícara
de café associada à leitura do jornal na primeira refeição do dia. Em separado, esses objetos
podem ter pouco significado; mas para seu usuário, o ritual do café da manhã e os objetos
20
xícara + jornal são altamente simbólicos e cheios de significados. Se levarmos para o universo
do consumo de moda e construção da identidade, que é o objetivo deste trabalho, podemos ter
como exemplo no terno negro do executivo que circula num ambiente de negócios de um
grande centro, e este mesmo traje sendo utilizado por um noivo à espera de sua futura esposa
no altar. Valores distintos onde o ambiente e seus elementos são construtores destes
significados.
Fazendo uso do exemplo acima, para Baudrillard (2000) é importante ressaltar que o
simbólico estará presente no consumo e na construção de papéis sociais. O autor afirma que o
simbólico será agregador de valor ao objeto. Construído do material e do imaterial, o objeto
transformado em um símbolo trará consigo uma representação tão complexa que dependendo
da forma como esse é apresentado, sua função/mensagem comunicacional será alterada.
Seguindo a regra básica de comunicação – emissor/código/receptor – analisar simbolicamente
um
objeto
e
sua
mensagem
requer
de
seu
analista
um
reconhecimento
da
cultura/tempo/ambiente em que essa mensagem está inserida (BAUDRILLARD, 1973).
Ainda sob a ótica de Baudrillard (1973), identificamos alguns níveis dos símbolos.
Dentre eles, destacamos os “símbolos objetivos”, que têm na sua identificação uma
associação imediata tais como as letras de um alfabeto; ou os “símbolos educativos”, em que
a sua interpretação faz o seu receptor buscar na memória afetiva, a construção do seu
significado.
Palavras, números, sons, objetos, podem ser mais do que palavras, números,
sons, e objetos dependendo da forma como um indivíduo decodifica os
sinais por ele emitido. Um conjunto de notas musicais, por exemplo, pode
representar num país (Hino Nacional) ou mesmo um uniforme representar
mais do que uma peça de roupa. (MELLO; MIRANDA; PEPECE, 2001, p.
3).
Outra característica importante do consumo simbólico foi trabalhada por Thompson,
Pollio e Locander (1994). Esta característica diz respeito a questões afetivas transferidas
simbolicamente para os objetos. Em seus estudos, a capacidade de representar o passado que
o objeto pode vir a ter lhe dará um lugar simbolicamente mítico. Isso não significa dizer que o
transformamos em objetos clássicos com religiosa significância; estes servem de guia ou
ícones da nossa construção cultural.
21
Se consumir passa a ser uma forma de integração, temos na teoria do bem-estar de
Baudrillard (1973) uma apresentação de como esse processo se dá. Para o autor, a felicidade
está associada ao consumo e ao desejo de conforto, o que podemos entender também por
segurança social. Essa teoria do bem-estar, tendo o desejo como justificativa, propõe que
todos os homens são iguais perante suas necessidades básicas. Ou seja: eu necessito da
mesma forma que o outro, mas nossos valores de troca podem ser diferentes.
Perante as necessidades e o princípio da satisfação, todos os homens são
iguais, porque todos eles são iguais diante do valor de uso dos objetos e dos
bens. [...] Porque a necessidade se cataloga pelo valor de uso, obtém-se uma
relação de utilidade objetiva ou de finalidade natural, em cuja presença deixa
de haver desigualdade social ou história. (BAUDRILLARD, 1973, p. 48).
Mas, esse símbolo do consumo não se resumirá à posse do objeto. Segundo Miller
(2002), o ato de comprar também exerce forte simbolismo compartilhado pelo indivíduo e
pelo seu grupo. Para o autor, o ato de comprar é como um rito sacrifical dividido, no qual
num primeiro estágio temos a visão do excesso. Nesse momento o consumo é compreendido
como o ato de gastar/pagar tudo que foi poupado para aquela compra. Mesmo sendo
necessária ou desejada, surge a sensação de perda do tempo e valor construído. Ou seja, todo
o investimento para a construção de determinado valor financeiro, além da decisão da troca
pela mercadoria, ficará a sensação de perda do tempo de ocupação utilizado para construção
deste mesmo valor financeiro. Quando essa compra/consumo está diretamente ligada à
obrigação, a sensação de perda ainda será maior. Surge aqui a questão que esse valor poderia
ser gasto em um ato pessoal, independente do seu propósito. “(...) um arroubo absoluto de
estimulante liberdade transgressora” (MILLER, 2001, p. 109). Em seguida, temos o momento
de mitificar este ato. Ou seja, por meio do consumo conseguimos tocar o divino.
O crucial para sua definição é notar que esses atos adquirem sua lógica
prática apenas ao passar por ritos sagrados que asseguram que, antes de
atingir as metas práticas, eles são utilizados primeiramente para santificar e
sustentar os objetos de devoção (MILLER, 2001, p. 112).
A própria sociedade será mantenedora e motivadora desta forma simbólica de
consumir. Espaços do mercado (feiras, lojas diversas e ambientes de serviços) são construídos
para proporcionar a sensação e o desejo de consumo. Estes, carregado de memória afetiva,
valores morais ou status, motivam o consumo simbólico. Esta forma de construção e
estratégia motivadora será mais percebida nos grandes centros urbanos, mas o consumo
22
simbólico existirá também em regiões menores ou até primitivas. Para nossa maior
compreensão de como se dá esse processo, podemos ver no esquema construído por
McCracken (2003) como a cultura será o principal ambiente de construção de valores dos
objetos. Neste espaço de localização do significado, valores serão dados e compartilhados
entre membros do grupo e subgrupos.
Figura 01 – Movimento do Significado
Fonte: McCracken Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das
atividades de consumo, 2003, p. 100.
Sendo validado no ambiente culturalmente construído, McCracken (2003) mostra
como a publicidade e o sistema da moda darão significado aos bens de consumo. Neste
contexto, rituais que vão do desejo de posse ao despojamento levarão os objetos de desejo e
valor construídos no primeiro nível às mãos do consumidor final. A compreensão desta
construção do significado será de grande valia para nosso estudo, visto possibilitar identificar
como são transformados esses valores em bens, e como estes bens chegam ao consumidor
individual. Será interessante também perceber como e quais serão estes instrumentos de
transferência nesse processo de posse.
O consumo surge como sistema que assegura a ordenação dos signos e a
integração do grupo; constitui simultaneamente uma moral (sistema de
valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta
(BAUDRILLARD, 2000, p. 78).
23
McAlexader e Schouten (1995) comprovam esta verdade em seu estudo sobre usuários
de motocicleta Harley Davidson e a construção de valores compartilhados pelo grupo. Além
da própria motocicleta, outros objetos são constituídos como símbolos de integração. Entre
eles, destacam-se roupas de couro, botas e bonés. Tatuagens também farão parte da
construção da imagem dos seus membros. Como elemento intangível, teremos na ‘liberdade’
o desejo maior compartilhado por todos. Isto fica claro no depoimento que se segue.
Não sei se acredito em reencarnação, mas se for verdade, eu gostaria de
voltar como uma águia. Quando lhe pergunto por que, ele responde: Para ter
liberdade. Seria ótimo para ser capaz de decolar em qualquer tempo e lugar
sobre a terra (MCALEXADER e SCHOUTEN, 1995, p. 51).
Esses grupos são regidos, segundo os autores, por ideologias de consumo, pelas quais
os rituais/eventos (encontros, viagens em grupo, festivais de música etc.) servem para
fortalecer o consumo destes objetos e reforçar seus significados no grupo.
No universo brasileiro teremos no trabalho de Mizrahi (2007). Um bom exemplo de
integração do grupo a partir do consumo Em seu estudo, a autora buscou, no universo do
funkeiros cariocas, justificativa para o consumo simbólico e integração social. “...o gosto funk
é apreendido no trânsito entre as esferas da festa e cotidiana, que envolve o ir e vir entre a
favela e outras áreas da cidade, como o próprio baile, a escola e o trabalho (MIZRAHI, 2007,
p 01). Neste contexto, o consumo de elementos do vestuário será a grande materialização de
símbolos de aceitação e reconhecimento.
Tanto o cabelo crespo dos meninos “funkeiros” como a malha de moletom
stretch são tingidos e descoloridos de modo a formar uma base sobre a qual
serão posteriormente feitos os desenhos e assim produzir a marca da
localidade que resultará do encontro entre o local e o global: o “cabelo” –
descolorido e posteriormente adornado com motivos que remetem tanto ao
cotidiano violento quanto às cosmopolitas marcas esportivas e tatuagens
tribais – e a “calça” – confeccionada em um tecido cuja materialidade atende
às exigências da corporalidade feminina brasileira e atinge o elemento de
moda global através da simulação do jeans (MIZRAHI, 2007, p. 255).
Diante da análise do estudo de Kaiser (1996), associado às nossas necessidades neste
estudo, temos na perspectiva cultural apresentada pela autora uma linha de condução que
fundamentará nossa análise. A cultura e suas relações sociais, sua construção e adaptações
naturais, seus novos códigos e novos significados, norteiam e materializam novos valores
transformados em objeto consumidos por seus membros.
24
Para a autora, existem três perspectivas de análise; são elas: interacionismo simbólico,
cognitiva e cultural. É importante estar atento ao conceito comum que cada objeto, aqui
compreendido como peça do vestuário, tem em seu espaço. Muitas vezes, este não tem uma
relação funcional (uso literal para a função que foi projetado. Como exemplo a garrafa que
serve para acondicionar o vinho), mas é de grande valia simbólica, e que por sua vez estará
associado às relações sociais, passando a fundir sua função simbólica á uma funcional dentro
da sociedade em que está inserido. O estudo dessas relações deve ser trabalhado em diversos
níveis sociais e seus contextos com o consumo, seja em nível macro (coletivo) ou micro
(individual).
Detalhamos agora cada uma dessas perspectivas:
Interacionismo simbólico - trabalhada na perspectiva do relacionamento social e estudando
os papéis e suas interações. Sua crença está na aparência única e real, fazendo uma ligação da
imagem com uma função social, papel e profissão. Como trabalha a integração ou exclusão
social, os símbolos são elementos construtores de mensagens da nossa análise. Esta análise
precisa levar em conta a forma como estes símbolos podem ser mutantes – tempo e espaço.
Sua função não é material, assim, o imaterial simbólico será seu maior valor. Significados
atribuídos ao vestuário e à aparência são manipulados e modificados por meio de processos de
interpretação, já que apesar de uma percepção e análise imediata, temos várias possibilidades
de uso de vários símbolos associados a contextos múltiplos.
Perspectiva cognitiva – tendo como regra a atenção ao nosso objeto de análise, esta
perspectiva prega que informações e valores são utilizados e apreendidos por grupos e
subgrupos nas suas qualidades e características. Assim, roupas são usadas simbolicamente
para causar interação social, e um esforço de “se parecer com” estará presente. Este desejo de
pertencimento estará associado a uma questão de tempo e espaço. É o que chamamos de vestir
a roupa certa, no local certo. Para uma análise nesta perspectiva, a autora recomenda o
cuidado com valores pessoais do analista, já que consiste no uso de métodos qualitativos e na
análise de códigos. Como exemplo, lembramos dos óculos associados ao saber.
Perspectiva Cultural - incluindo área como a antropologia, história, cultura, consumo,
semiótica e sociologia, esta perspectiva analisa os códigos simbólicos de cada sociedade, e
suas alterações quando valores são construídos, materializados em símbolos e transformados
25
em roupas. Seus pressupostos estão fundamentados em valores coletivos, na produção e
reprodução por meio de formas culturais – aspectos intangíveis da cultura. Assim,
representam as idéias abstratas, ingredientes da formação cultural. E essas se manifestam nas
formas de relacionamento desta sociedade. Seu povo revelará valores como gênero, classe
social, idade etc. Seus objetos do cotidiano refletem esses valores. Para Kaiser (1998), essa
perspectiva trata do quanto é forte a capacidade de dar valor aos objetos e, consequentemente,
às roupas que os membros de um grupo usam. Esse é extremamente mutante, diante das
reconstruções sociais. Seu estudo não se baseia unicamente no fenômeno, mas como por meio
do fenômeno devemos inserir nossa análise.
Interacionismo
Cognitiva
Cultural
Indivíduos
Pessoas que
Indivíduos
interagindo.
percebem.
compartilhando uma
Simbólico
Significado
Para quem?
cultura comum.
Como a
Construída
As pessoas que
Representação cultural
perspectiva é
socialmente por
percebem usam suas
das relações sociais e
produzida?
meio de ações
estruturas cognitivas
da ideologia.
conjuntas dos
para interpretar.
indivíduos.
Como a
Por meio dos
Quando as estruturas
A Cultura e a moda
perspectiva
processos de
cognitivas das
mudam, influenciadas
muda?
interpretação e
pessoas que
em parte por
reinterpretação
percebem não
ambivalência não
por diferentes
explicam
resolvida sobre a ordem
indivíduos
adequadamente as
social (por exemplo:
realidades sociais
jovem/velho;
masculino/feminino)
Metodologias
Qualitativa,
Quantitativa;
Etnográfica; crítica a
foco na vida
experimental
formas culturais
cotidiana
Quadro 01 – Síntese de comparação de perspectivas
Fonte: traduzido e adaptado de Kaiser (1998, p. 56)
Tomando a linha da perspectiva cultural como a mais adequada ao nosso estudo, como
já dito anteriormente, partimos do micro para o macro em nossa análise. Buscaremos em um
26
grupo alternativo específico – integrantes de escolas de percussão ou maracatu das cidades de
Recife e Olinda, compreender como a dinâmica da construção da sua identidade estará
associada ao seu consumo e em especial a consumo de moda.
Se o consumo é intrínseco ao homem, como visto anteriormente, numa forma de
integração social, veremos no tópico a seguir como a moda será a grande ferramenta para
construir e distinguir o indivíduo nas suas relações de grupo e sociedade.
3.2 Consumo de Moda
“ Essa moda é nova que vem de Sergipe,
Sapato americano e cabelo à pirulito”.
Dança da Moda – DJ Dolores e Comadre Fulôzinha
Servindo em princípio para identificar castas e classes, a moda emprestará signos e
símbolos para construir suas mensagens de status (SIMMEL, 1957). Cores, formas e texturas
são a grafia dessa comunicação tão complexa e ao mesmo tempo de fácil decodificação para
os que fazem parte do seu contexto de construção (DONDIS, 1997). Na análise de Fluguel
(1966) a roupa nada mais é que um código de socialização, no qual suas funções básicas de
enfeite - função de destacar partes do corpo ou sua silhueta; pudor - ocultando ou disfarçando
partes ou o todo do corpo, tem a função inversa do enfeite; e proteção - numa linguagem mais
imediata abrigar o corpo quanto ao frio e elementos da natureza em geral; farão do nosso
corpo mera mídia das mensagens a serem transmitidas. Essa forma de ver a roupa faz com que
ela seja parte do nosso gestual. Quando unirmos o pensamento de Fluguel (1966) - que
descreve a roupa como uma linguagem social - ao de Tompakow e Weil (1986), com a moda
percebida como construção da interação social; teremos diálogos completos sem a emissão de
uma só palavra. O vestir, segundo Fluguel (1966), não se restringe unicamente ao uso das
roupas, principalmente se nosso foco de análise é a interação de subgrupos e subculturas,
como exemplo temos as tatuagens comuns no grupo dos motociclistas da Harley Davidson
visto anteriormente. Neste universo, outros sinais do vestir, carregados pelo corpo, serão
fortes elementos de integração e distinção.
É importante compreender como a moda será responsável pela integração do indivíduo
ou sua segregação social ou cultural. Como vimos na construção da sociedade de consumo, o
27
ato de consumir e da posse do objeto (MILLER, 2002) dará ao seu proprietário poderes de
pertencimento. Estes, transformados em códigos sociais, lhe darão a possibilidade de
integração e pertencimento. Já na moda, essa percepção sobre integração social tem a sua
origem com os estudos de Simmel (1957). Fundamentando sua teoria na dualidade entre o
individualismo e o social, o homem encontra na possibilidade de conviver com a
receptividade ou reciprocidade, com repouso ou movimento, de ser masculino ou do
feminino, etc. numa busca por equilíbrio que o levará a um incessante desejo de integração
social. Diante desta busca, teremos, na moda, uma ferramenta fundamental para esse
equilíbrio. Mesmo que venha a ser, paradoxalmente, mais uma das dualidades vividas por
esse homem: inclusão ou segregação social. Para Simmel (1957), a individualidade, tratada
em seu estudo como “alma”, vê na moda uma forma de segurança; pois quando compartilho
de códigos reconhecidos pelo meu grupo tenho a certeza de pertencer.
Mas, essa flexibilidade de pertencer ou não só será vivida na era moderna. A moda, no
caso, o traje, terá um papel tão forte na indicação de classes antes desse período, que teremos
nas leis suntuárias um exemplo extremo dessa segregação.
os romanos criaram as leis suntuárias para regulação da posse e utilização de
determinados objetos como roupas e jóias. Essas leis ditavam quem e que
classe social podia fazer uso de elementos suntuosos, perdurando até mesmo
após a queda do Império Romano (BORN, 2007, p 06).
Pouco a pouco estes padrões rígidos do vestir foram alterados, onde antes para uma
casta inferior não era permitido fazer uso de trajes de castas superiores. Para Fluguel (1966) e
também para Blumer (1969), essa necessidade de ser diferente fará com que o novo venha a
ser perseguido constantemente. O desejo de pertencimento gerará a imitação, que em
princípio se movimentará dentro do seu grupo de origem e, com a era moderna, chegará às
escalas mais baixas da sociedade da época. Esse copiar fará com que a alta casta se veja na
constante vigília por novos códigos de diferenciação, pois não será interessante ter a falsa
idéia de pertencimento vivida pelas classes baixas. Blumer (1969) descreve que este desejo
de copiar a aristocracia vai se transformando pela busca do novo. Essa conclusão é
identificada em sua análise dos ateliês parisienses, quando um pequeno grupo detém a
capacidade de ditar a moda todo o resto do mundo os seguirá. Estes farão uso de referências à
interpretação de trajes antigos, à construção de novos códigos ou à interpretação do que o
mercado deseja.
28
A seleção social, que não mais se baseará na cor ou classe social, passa a ser
trabalhada pela roupa e, consequentemente, pela forma de consumir esse produto. Para
Solomon e Rabolt (2004), códigos serão construídos e disseminados pelo grupo de elite, que
os transformará em peças do vestuário. Esses, assim que percebidos e copiados por grupos
inferiores aos seus, serão descartados e a construção de novos símbolos se fará. Neste
contexto, Simmel (1957) será o primeiro estudioso a tratar deste fenômeno na sua teoria
Trickle-Down. Posteriormente, estudiosos como Garcia e Miranda (2007) fundamentaram
seus pensamentos neste fenômeno e como este pode ter movimento inversos ou paralelos ao
estudado por Simmel (1957). Apresentamos abaixo estes três fenômenos e sua forma de
atuação.
Trickle-Down – fenômeno da moda em que códigos construídos, disseminados e utilizados
pelas classes dominantes (seja essa a nobreza, intelectuais, celebridades ou artistas), servem
como modelo a ser seguido por classes inferiores;
Trickle-Across – fenômeno da moda que se baseia em códigos construídos na mesma classe
social, são copiados por membros desta classe num movimento horizontal de imitação;
Trickle-up – fenômeno da moda no qual códigos construídos e utilizados pelas classes
inferiores são apropriados pela classe dominante, validados em seu grupo e copiados pelas
classes que os criaram. Decerto que esse código apreendido e trabalhado pela classe
dominante ainda não tinha uma disseminação geral na classe inferior. O impacto dessa
validação trará um número muito superior de consumidores do produto/conceito/serviço antes
da sua movimentação.
Assim, a adoção de moda será um movimento contínuo, onde desejos de
pertencimento e da construção de uma identidade de grupo, serão a força motriz desse
movimento constate. Uma moda massificada vista por Simmel (1957) chega ao ponto de sua
saturação. Ai surgirá a constante necessidade de renovação, seja por seus ditadores
-
indivíduo, preferencialmente jovem com a capacidade de criação de novos códigos - seja por
seus seguidores. Toda essa velocidade, já percebida e analisada por Simmel em não fará a
moda perder valor. Muito pelo contrário, sua renovação constate será compreendida como
referencial de status e de novos adotadores.
29
Por conta da sua complexidade, não podemos explicar a adoção de moda apenas com
um modelo. Garcia e Miranda (2007), com base no trabalho de Sproles, trazem também nos
seus estudos uma síntese de aproximações teóricas distintas, lembrando os vários modelos
existentes.
Estágios de adoção e do consumo de moda
Invenção e introdução
Modelos explicativos
Business – infraestrutura de comunicação;
Cultural – liderança sub-cultural;
Estético – movimentos de artes, idéias de
beleza; e
Histórico – ressurreição histórica,
continuidade histórica.
Liderança de moda
Psicológico – individualidade;
Sociológico – difusão imperativa;
Comunicação – comunicação simbólica,
adoção e difusão;
Estético – movimentos de arte, ideais de
beleza, percepção estética;
Econômico – escassez, consumo conspícuo;
e
Cultural – conflito social.
Incremento da visibilidade social
Comunicação – adoção e difusão;
Psicologia – motivação única;
Sociológico – comportamento coletivo;
Econômico – demanda; e
Geográfico – difusão espacial.
Saturação social
Sociológico – comportamento coletivo;
Psicológico – individualidade;
Business – marketing de massa,
infraestrutura de marketing; e
Econômico – demanda.
Declínio e obsolescência
Business – marketing de massa, infraestrutura de marketing;
Psicológico – individualidade;
Histórico – continuidade histórica;
Econômico – demanda; e
Comunicação – adoção e difusão,
30
comunicação simbólica.
Quadro 02 - Estrutura geral das teorias da moda
Fonte: Garcia e Miranda (2007, p. 111)
Diante das estruturas apresentadas sobre adoção de moda, e focando no nosso objeto
de estudo que é a construção da identidade de moda de subgrupos culturais – participantes de
grupos de percussão ou maracatus na cidade de Recife e Olinda, percebemos no estágio de
inversão e introdução de moda e no modelo explicativo cultural de liderança sub-cultural,
uma diretriz a ser seguida. Neste estágio, o movimento de utilização de moda é uma
conseqüência da construção da cultura em que está inserido; onde o novo e a individualidade
humana serão percebidos nesta forma de consumo de moda. Por outro lado, a distinção social
não será percebida como uma regra fundamental neste consumo. Já para o modelo explicativo
de cultura e liderança cultural, modelos e códigos próprios serão utilizados na construção da
identidade deste grupo. Estes terão seu fundamento em valores de suas lideranças, onde a
mídia ou outros fatores externos não virá a alterar essa forma de adoção (GARCIA e
MIRANDA, 2007).
Na construção dessa identidade, compreendendo como traços que se repete sem nunca
serem iguais (GARCIA e MIRANDA, 2007), vimos anteriormente como a moda é a mídia
das mensagens construídas com o uso de roupas e acessórios. Mesmo quando estamos sem
roupa, como visto em Davis (1992), o ato de estar nu já carrega em si um simbólico da
ausência destas. Construir uma mensagem fazendo uso das roupas, mesmo que inconsciente,
pode ser comparado a um ato político, visto que assumimos uma postura perante nosso grupo.
Essa mensagem falará sobre nosso gênero, idade, preferências e outras questões que serão
decodificadas graças à capacidade do nosso receptor (LURIE, 1997). Afinal, estamos falando
de um ’idioma’ e ‘gramática’ de significados compartilhados. Fundamentado no pensamento
de Lurie (1997), certas construções ou até mesmo certas roupas carregam consigo um
significado tão forte para determinado grupo, que podem ser consideradas como um clichê,
com o qual seu receptor fará uma relação imediata, seja esta positiva ou negativa. Outro autor
que compartilha esse pensamento é Barnard (2003). Para ele, a roupa é fruto de uma
“gramática” própria. A forma como construímos nossas mensagens e como somos
interpretados estará sempre associada a uma regra e reconhecimento de uma determinada
cultura, dentro da qual viveremos uma busca incessante entre integração e individualismo. O
homem, por natureza, busca fazer parte; mas ao pertencer ao grupo de interesse, buscará,
31
dentro de sua construção de signos, elementos que o tornem distinto.
Alguns pensadores, como Solomon e Rabolt (2004), percebem a moda como um
reflexo da sua cultura e, consequentemente, do seu povo. Diante dessa afirmação, a moda
servirá como termômetro de percepção de uma cultura de grupo; não de forma precisa, mas de
forma interpretativa. Já para Barnard (2003), moda e indumentária são “(...) as formas mais
significativas pelas quais são construídas, experimentadas e compreendidas as relações sociais
entre as pessoas” (BARNARD, 2003, p. 24). Ele também afirma que as roupas e acessórios
que usamos nos dão distinção por meio de cores, formas, texturas e volume nos nossos grupos
sociais. Ainda no texto de Barnard vemos uma definição sobre moda, extraída do dicionário
da Oxford, que a define como: “ação ou processo de fazer; uma forma de corte específico;
maneira de conduta; ou até, uso convencional de vestimentas”. Se buscarmos em Freyre
(2002) uma relação com as definições de moda do dicionário da Oxford, essa verdade será
percebida ainda nos séculos XVI e XVII, na sociedade recifense, no estado de Pernambuco.
Nesta sociedade, modos masculinos e femininos são ditados por padrões sociais, nesse caso,
importados e aculturados da Europa, construindo assim regras de conduta à moda elegante
daquela época.
Temos na análise de Garcia e Miranda (2007) que “Como mídia secundária, a moda é um
instrumento poderoso de inserção humana no contexto cultural. Tornando-se também ela um
sujeito ativo, que detém o poder para agir de diferentes formas e processos comunicacionais”
(Garcia e Miranda, 2007 p. 103). Assim, as autoras propõem um modelo de consumo que vem
a justificar o pensamento acima. Vejamos a seguir.
• Moda como instrumento de comunicação – ser percebido por um grupo, positiva ou
negativamente, é o seu objetivo;
• Moda como instrumento de integração – além de percebido, o indivíduo precisa ser
aceito, vestindo-se para o outro, iniciando o processo de imitação;
• Moda como instrumento de individualidade – o fazer parte por meio de símbolos
comuns já não interessa, a aceitação existe, mas o indivíduo é visto como um inovador
no seu grupo;
• Moda como instrumento de autoestima – neste caso, o indivíduo verá na moda
ferramentas para satisfação de sua autoestima; e
32
• Moda como instrumento de transformação – suprindo vazios pessoais ou de grupos,
a moda passa a ter um caráter social, saciando desejos e transferindo para seus
usuários valores ‘mágicos’ compartilhados.
Como nos grupos amantes da Harley Davidson e Funkeiros cariocas, observaremos
que o consumo de símbolos compartilhados constroem a identidade do seu grupo. Seja por
meio da posse de objetos de valor e significado compartilhado, seja pelo uso de roupas que
constroem mensagens decodificadas dentro e fora do seu grupo, a identidade será construída
baseada na posse (BAUDRILLARD, 2000). No próximo tópico, teremos uma melhor
compreensão de como essa construção se dá.
33
3.3 Consumo e Identidade de Grupo
Se compararmos nossas preferências e gostos aos dos nossos avós, o que não nos dá
uma distância de tempo histórico tão relevante, veremos que a profissão, parentesco, grau de
instrução, já não são importantes na construção e percepção sobre outra pessoa. Essa relação
fica extremamente clara quando nos deparamos com classificados pessoais em redes de
relacionamento4. Em quase sua totalidade, não teremos mais informações sobre cor da pele,
sexo, ou aparência física. O que veremos constantemente são gostos e elementos do seu
consumo descrevendo seus participantes. Ou o que é ainda mais interessante: construindo uma
imagem de interesse fazendo uso do que o outro consome para os seus futuros
relacionamentos (BARBOSA e CAMPBELL, 2006). Na sociedade moderna, consumir faz
parte da construção da nossa identidade, e o que possuímos nos identificará no nosso
ambiente; o consumo terá a função de integração e/ou segregação social. Para melhor
compreender esse fenômeno, apresentamos o quadro a seguir. Nele, fica claro como a relação
sociedade x indivíduo é estruturante na formação da imagem e da identidade.
Figura 02 - Modelo do efeito da comparação social e a construção e
desenvolvimento da aparência
Fonte: Solomon e Rabolt (2004, p.145)
4
Anúncios veiculados em classificados de relacionamento, seja através de meios impressos ou
virtualmente em redes de relacionamento.
34
Hogg e Michell (1996) associam a identidade diretamente ao meio social e como o
indivíduo se vê e é visto pelo meio social. Para Barbosa e Campbell (2006) a construção da
identidade não está mais associada a clã ou paternidade, o indivíduo moderno vive a
possibilidade de ser quem é a partir do consumo. Ou seja, minha identidade está contida no
meu armário. Assim, a cultura do consumo é um meio privilegiado para negociar a identidade
e o status numa sociedade pós-industrial. Visto que a identidade social não é mais dada ou
atribuída, ela tem que ser construída pelos indivíduos (SLATER, 2002).
Se pararmos para analisar as preferências de consumo que constroem essas
identidades, certamente será intrigante perceber o porquê de suas razões. Como já visto por
Maciel e Miranda (2008), em seus estudos sobre cultura de consumo, muito desses desejos
tem sua construção na formação social dos grupos analisados. Aprofundando essa avaliação
sobre o pensamento de Bourdieu (2008), veremos que outras questões estarão intrinsecamente
associadas à construção e manutenção dos gostos e preferências. Principalmente, se essas
preferências e gostos, estiverem associadas a papeis e posições que o individuo ocupa em sua
sociedade e/ou grupo social.
Segundo análise de Bourdieu (2008), a construção dos gostos individuais tem sua
formação no que ele denomina de capital familiar e capital escolar. Essa junção de
conhecimento e de formação será capaz de construir o capital cultural, e este, por sua vez,
capacita o seu detentor com informações que o destacam, dentro de análises específicas e de
reconhecimento de significado num determinado grupo. Quando falamos em tempo e espaço,
nos detemos às questões de classes sociais; pois ainda sobre sua análise, a forma de consumir,
suas preferências, e seus significados nada mais são que distintivos sociais reconhecidos e
validados pelo grupo.
Das diferentes condições de existência, os grupos sociais produziram o que o autor
chamará de habitus; que nada mais são que transferências das práticas e propriedades
definindo as diferenças dos estilos de vida. Ou seja, o dia-a-dia, será um eterno construtor dos
modos e gostos, em sua grande parte diretamente associado ao capital cultural e econômico. É
importante destacar que, ainda sobre a análise do autor, nem sempre o capital econômico será
responsável por um gosto de qualidade. Essa afirmação se justifica, usando como exemplo a
burguesia, na tentativa dos que detêm o poder financeiro em comprar o conhecimento, seja
capital escolar ou cultural, sem a vivencia evolutiva necessária para esse domínio. Esse poder
35
econômico, diante do não reconhecimento do seu valor construirá uma estética paralela onde
um novo gosto será divulgado e validado por esse grupo. Já os detentores do capital cultural,
terão como valor a redescoberta históricas de bens e serviços. Esse reconhecimento do capital
cultural estará presente na forma que esse individuo se relaciona com o meio, nos seus
trejeitos, na sua forma de vestir, na sua forma de comer. Enfim, nas suas escolhas cotidianas.
Assim, chegamos à conclusão, sob a ótica de Bourdieu (2008), que a distinção será uma
equação de capitais – familiares, sociais, econômicos, escolares, etc. – em um determinado
tempo e espaço. Este tempo e espaços, validaram seus significados e valores, construído
assim uma hierarquia clara e construtora da identidade destes grupos.
Várias são as possibilidades de existências de grupos, segundo Solomon e Rabolt
(2004); mas todas terão ao menos duas possibilidades de serem formais ou informais. Nos
formais, teremos os clubes, associações, partidos etc. Estes possuem regras claras, tais como
horários e dias de encontro e são na maioria das vezes, físicos. Já os informais não possuem
regras claras, mas isso não faz com que elas não existam e sejam reconhecidas quando
acionadas. Podem ser informais como: amigos, grupo de pelada do final de semana, torcidas
momentâneas, etc. Ao pertencermos a estes grupos, podemos estar em dois lados. O primeiro,
como membro no qual nossa participação é passiva de adoração/imitação. No segundo,
desejamos ser o alvo dessa admiração. Este desejo pode não ser materializada em uma pessoa,
mas no reconhecimento de maior proximidade com o espírito do grupo. As influências do
grupo tanto podem ser positivas quanto negativas para o consumo, influenciando tanto o seu
excesso quanto a sua escassez. Quando estamos do lado ativo de participação de um grupo,
Solomon e Rabolt (2004) descrevem uma escala de referência que pode ser construída neste
espaço. Ela diz respeito à participação de membros e como esses ditam e são influenciados
pelas respostas que este grupo lhe dá. Descrevemos abaixo, como os autores percebem estas
referências e a sua escala (SOLOMON e RABOLT, 2004, p. 393).
• Poder social – capacidade de influenciar ou alterar ações do grupo, capacidade
também de conquistar novos componentes para estes;
• Poder da referência – capacidade que determinadas pessoas têm em influenciar
outras. Ou seja, capacidade de ser admirada e, consequentemente, copiada. Essa
estratégia é uma forte ferramenta do marketing, pois a associação de determinada
36
pessoa a determinado produto transfere para o produto o mesmo sentimento de
admiração e o desejo do seu consumo;
• Poder da informação – capacidade de ser reconhecido como fonte de informação. É
como se outras pessoas, saciando a necessidade de informação sobre determinado
tema, visem a esse formador de opinião como uma fonte para sanar sua necessidade;
• Poder
da
legitimação
–
capacidade,
ou
melhor,
desejo
de
comunicar
poder/autoridade/pertencimento de valor, por meio das suas posses;
• Poder da expertise – esse se dá aos especialistas. Seja qual for sua profissão ou
assunto de domínio;
• Poder da recompensa – refere-se à necessidade de aceitação no grupo que, quando é
reconhecido como, sente-se recompensado. Ou, deseja ser recompensado por esse
reconhecimento; e
• Poder da repressão – capacidade de interferir nas decisões do grupo pela força ou
pressão psicológica.
Diante destas classificações, chegamos à conclusão que comunicar pertencimento será
um dos fatores mais importantes para os que fazem parte desses grupos. O valor de integração
pode ser de formação social, cultural, político, religioso ou, simplesmente, o de fã em
especial, no caso de cantores e atores famosos. No nosso subgrupo de estudo, fica claro como
a forma de vestir será uma digital dos seus participantes.
Compreendendo o homem como um ser social, este tanto produz a sociedade em que
habita quanto é por ela produzido (EMBACHER, 1999); esta o fará sempre estar sujeito aos
inúmeros papeis sociais exigidos por essa sociedade. Assim, concluímos nos textos de
Embacher (1999) que a identidade de grupo será constituída dos valores e crenças construída
por seus membros. Se, com a idade moderna, consumimos para construir o nosso ser social, a
identidade de grupo será construída por objetos com significado de integração por esse grupo
chancelado. Assim, os nossos bens são vistos como informadores de papeis e guias para uma
identidade social (McCRACKEN, 2003).
37
No padrão convencional da sociedade contemporânea, cada família escolhe seus bens
de consumo e isto é analisado como um ato de construção de identidade da família; os
subgrupos assim também o farão. Como exemplo, temos os grupos radicais, que quando usam
os bens para expressar sua insatisfação e sua identidade, convidando o código-objeto a criar
uma versão expandida de si mesmo. Quando assim o faz, estes grupos radicais são
assimilados no sistema. Ou seja, o valor simbólico dado por esse uso/consumo passa a ser
compartilhado além do seu grupo (BARBOSA e CAMPBELL, 2006) seja de forma negativa
ou positiva. No passado, punks e hippies possuíam distintivos marcadores sociais. No entanto,
nas últimas décadas, estilos como estes foram popularizados pelo sistema da moda com
sucesso e passaram a integrar outros grupos. Para que esse consumo possa vir a existir, faz-se
necessário uma abertura e adaptabilidade dos novos consumidores propostos (KATES, 2002).
Se nacionalizarmos esta transformação de subgrupos em bens de consumo, temos no funk
carioca um claro exemplo, como mostra a lógica apresentada por Mirzarahi. Onde “o gosto
funk é apreendido no trânsito entre as esferas da festa e cotidiana, que envolve o ir e vir entre
a favela e outras áreas da cidade, como o próprio baile, a escola e o trabalho” (MIRZARAHI,
2007, p.01):“.
Mello, Miranda e Pepece (2001) destacam que não existirá uma uniformidade de
compreensão/interpretação única de um estímulo/código por todas as pessoas. Sempre
teremos interpretações que irão buscar, na sua construção histórica, peculiaridades para sua
decodificação. Quando os autores referem-se a grupos sociais, chegam à análise de que haverá
uma maior compreensão de produtos/símbolos quando suas culturas são compartilhadas, seja
na exportação de significados e valores para outras culturas ou por serem subculturas desta.
Assim, para cada grupo, valores são atribuídos; mesmo que o objeto seja reconhecido,
teremos sempre outros significados. Para compreensão de como se processa essa
percepção/decodificação, apresentamos, na figura abaixo, um esquema dessa fusão de
interpretações cultuais.
38
Figura 03 – Fusão dos horizontes
Fonte: Thompson; Pollio; Locander (1994, p. 434)
Os autores concluem (MELLO, MIRANDA e PEPECE, 2001) que o consumo
simbólico tem a função maior de interagir com seu meio, fazendo com que seus usuários
sintam-se integrados no grupo de desejo. Este sentimento será construído a partir da
percepção da sua socialização junto ao seu grupo. Dentre esses grupos de influência, temos:
família, organizações religiosas, locais de trabalho, grupos de convivência (clubes) e até mídia
de massa.
3.4 Subgrupos de consumo
“E dessa insustentável leveza de ser
Eu gosto mesmo é de vida real”
Bossa Nostra – Jorge Du Peixe
Toda essa relação de consumo, seja coletivo, familiar ou hedônico, passará por uma
questão que vale ser destacada. Trata-se da relação dos subgrupos de uma cultura e sua
construção de significados e valores. Como concluímos que consumir é uma forma simbólica
de mostrarmos quem somos por meio do que possuímos, e como o que possuímos é percebido
por nosso grupo de convívio. Buscar a compreensão desses significados e valores em
subculturas servirá para perceber o objetivo maior deste estudo.
Vendo a cultura como a ambiente do conhecimento compartilhado e a reprodução de
hábitos vividos nas sociedades divididas em classe (DEBORD, 1997), compreender grupos e
suas formas de conviver/interagir na construção de subculturas perpassa por questões que vão
da faixa etária a etnias. Para facilitar nossa compreensão, construímos, com base no texto de
39
vários autores, um quadro-resumo que nos permite identificar características entre alguns
subgrupos. Decerto que alguns destes não fazem parte do contexto brasileiro, mas são
importantes para termos uma ideia de como valores são trabalhados.
Subgrupo
Características
Pensador
Minha geração
Grupo constituído por membros de uma mesma
Solomon e Rabolt
faixa etária. Seus gostos, valores e preferências
são compartilhados no consumo de seus bens.
Nostalgia e
Diferente do subgrupo acima, esta mostra
mercado
preferências por significados que não estão
necessariamente ligados à sua faixa etária.
Buscam em elementos do passado, a construção
de sua identidade.
Adolescentes
Para estes subgrupos, a decisão de consumo
estará ligada às ditaduras do pertencimento na
integração e aceitação. Como característica de
formação de valores deste grupo, temos os
seguintes pontos:
Liberdade x pertencimento familiar
Rebeldia x conformismo
Idealismo x pragmatísmo
Narcisismo x intimidade
Mercado
universitário
Bem distante de uma realidade brasileira, mas
5
com grande força em culturas como a norteamericana; identificamos este grupo como um
rito de passagem à entrada na universidade,
associada a uma séria de valores e significados.
Muito próximo dos adolescentes, este subgrupo
buscará valores de integração e de distinção na
escala mais elevada de significados.
A força jovem
Construído no período de grande impacto na
mudança da cultura mundial, este grupo traz em
sua
forma
de
consumir,
informações
importantes no seu processo de decisão. Isso se
dará por conta da sua construção cultural e uma
5
Este subgrupo possui uma identificação maior com a cultura norte americana, que, no caso, foi foco de
trabalho do autor. Trazemos sua análise para este estudo, por julgar interessante uma relação com outros grupos
similares existentes em outras culturas.
40
visão holística do seu subgrupo e de sua
cultura.
Boa idade
A cada dia, este subgrupo se torna mais
numeroso em todo o mundo. Isso se dá por
conta da longa expectativa de vida. Com filhos
criados e vida estabilizada, esse grupo costuma
gastar em um ritmo maior que outros grupos
etários. Seu interesse não se finda a integração,
busca no consumo resgatar o tempo perdido e
aproveitar o que ainda lhe resta.
Raças e etnias
Subgrupo formado por imigrantes ou pela
aculturação em membros de outras origens, este
apresenta-se
de
forma
bastante
peculiar
principalmente nas grande metrópoles. Com
características
próprias,
valores
sua
de
carregará
origem
sempre
diretamente
representados na sua forma de consumir. Na
análise
dos
autores,
são
destacados
os
subgrupos étnicos dos africanos, espanhóis e
asiáticos.
Os novos
A denominação gênero, diretamente associada a
gêneros
masculino ou feminino, tem suas regras
construídas
em
padrões
sociais
Kacen (2000)
de
comportamento e símbolos onde este indivíduo
vive. Não devemos fazer uma associação ligada
diretamente à genitália (menino ou menina),
esta análise deve partir de onde este menino e
menina está e não de onde nós estamos.
Estes subgrupo, traz formas revolucionárias
para padrões de consumo já existentes, para
homens
e
mulheres,
em
seu
grupo
social/cultura.
Consumo gay
Fazendo uso de produtos e marcas na
Ayrosa
construção de sua identidade homossexual, esse
(2005)
grupo utiliza-se de estratégias de negação,
camuflagem ou de reforço de sua identidade na
hora de consumir.
e
Ojima
41
Cyber Grupos
Sendo um dos mais novos subgrupos de
Primo (1997)
consumidores, os cyber grupos têm como elo os
ambientes virtuais. Nestes espaços, da cyber
comunidade, teremos a reunião virtual de
pessoas numa conferência eletrônica onde
experiências
são
compartilhadas
criando
valores de pertencimento. Assim, blogs, jogos
virtuais e chats, serão responsáveis pela
constituição deste e de novos subgrupos e dos
bens por este grupo desejados.
Quadro 03 – Resumo de características de subgrupos
Fontes: Solomon e Rabolt (2004); Kacen (2000);
Pereira; Nunes; Ayrosa; Ojima (2005); Primo (1997).
Diante desse cenário, podemos observar o quanto o macro transformou as relações dos
grupos e subgrupos sociais. A geografia já não delimita ou nos induz a uma ideia de
preferências e valores, mas a compreensão de sua identidade será um norteador dos seus
atuais e futuros hábitos de consumo. Dentre estes hábitos e necessidades, teremos como forte
influência a mídia e as celebridades do universo pop. Seja pelo poder da mídia ou pela força
que as artes, em especial a música, exercem nos indivíduos, é incontestável a capacidade de
aglutinação de grupos que o poder do pop star possui. No nosso estudo, veremos que essa
imitação se dará com elementos de destaque do próprio grupo, ressaltando o quanto essa
dinâmica e particular.
Diante dessa constatação, teremos a seguir como essa análise será importante para
nosso estudo.
3.5 Consumo e mídia pop
“A nave quando desceu, desceu no morro
Ficou da meia-noite ao meio-dia
Saiu, deixou uma gente
Tão igual e diferente
Falava e todo mundo entendia”
O Dia Em Que Faremos Contato - Lenine / Bráulio Tavares
Complexos sistemas de significados culturais serão utilizados e decodificados por
consumidores e suas culturas, refletindo um legado histórico de valores compartilhados pelos
42
seus membros. Segundo Thompson e Haytko (1997), para a moda acontecer não basta apenas
o desejo do mercado, mas um ciclo onde valores temporais são propostos, aprovados,
validados, e consumidos; construindo espaços territoriais de sua expressão. Decerto que esses
territórios, vividos na contemporaneidade, são muito mais abrangentes, mas seus limites serão
sempre percebidos e reconhecidos, talvez de forma até inconsciente, como uma referência de
tempo e espaço. Nesta construção teremos uma ferramenta de estratégias do marketing que
influenciará, no mínimo, a forma como percebemos nossas referências de valor: a mídia. Seja
para a materialização do funk carioca ou dos hippies norte-americanos, símbolos e
significados serão compartilhados e consumidos por outros grupos. Certamente que não
carregaram mais a mesma força revolucionária ou valores de rebeldia, mas, sim, lembranças
comerciais das suas referências. Como pensa Baudrilard (2002), a comunicação de massa
constroi mecanismos de negação e manipulação da informação; esta se dá para atender
desejos constituídos pela sociedade de consumo.
No trabalho de Banister e Hogg (2000), temos uma análise comparativa do movimento
do significado construído por McCracken (2003), já visto anteriormente, e uma relação com
o universo do show business. Lembrando, para McCracken (2003) o movimento do
significado será percebido no mundo culturalmente construído. Por meio do sistema de moda
e da publicidade, passará para os bens de consumo, nos
quais rituais de posse, troca,
arrumação e despojamento farão com que estes cheguem ao consumidor comum, saciando
seus desejos. No proposto por Banister e Hogg K (2000), além dos instrumentos de
transferência de significado apresentados por McCracken (2003), teremos catalisadores
específicos para este produto. Mas, o mais importante destes motivadores de consumo serão
os valores percebidos na construção da imagem do pop star que o representa.
Em seu estudo, Banister e Hogg (2000), construído com foco em adolescentes de 11 a
15 anos, os autores apresentam na sua construção analítica uma metodologia que pode ser
aplicada em outras faixas etárias; aplicável também a vários níveis de celebridades. Ou seja,
em subgrupos culturais podemos fazer uso deste modelo, para compreender como suas
celebridades influenciam gostos e o consumo dos seus integrantes. Em sua análise, Banister e
Hogg (2000) percebem que a música pop, em especial para os adolescentes que estão em fase
de construção de sua personalidade, será um referencial de valores reconhecidos e
compartilhados por um grupo. É como se a música fosse um tradutor de desejos e ansiedades,
ao mesmo tempo que um aglutinador de indivíduos com os mesmos objetivos. Neste
43
universo, o protagonista deste produto de consumo passa a ser uma referência de valor para
seus seguidores. A indústria fonográfica não se resume a venda de discos, pois uma gama de
outros produtos serão consumidos na intenção de pertencimento e posse do significado
transferido para estes. Dentre eles, a forma de vestir, penteados e uso de acessórios serão os
grandes referenciais de pertencimento. Na figura a seguir, apresentamos a adaptação dos
autores ao quadro de McCracken sobre o movimento do significado.
Figura 04 – Movimento do significado – Cultura Pop
Fonte: BANISTER; HOGG (2000).
Temos neste modelo um referencial a ser seguido, já que nosso lócus de análise são
maracatus e escolas de percussão das cidades do Recife e Olinda, em Pernambuco, que
também vem a sofre grande influência do Mangue Beat, movimento musical que fez despertar
um novo olhar sobre a cultura deste Estado. Cabe aqui traçar um pouco da história desse
movimento, e de como o estado de Pernambuco passou a fazer uso, em meados dos anos 80,
de novos símbolos de integração social, seja em nível macro, ou em nível de subgrupos
culturais, como é o nosso caso em análise.
44
3.6 Consumo e os movimentos culturais pernambucanos
Em meados de 1986, surge na cidade de Olinda uma banda de maracatu chamada
Nação Pernambuco6. Fundada por universitários de diversas áreas, profissionais liberais e
produtores musicais, o Maracatu Nação Pernambuco rapidamente torna-se popular nas esferas
dos ‘jovens intelectuais’. Vivendo o efeito trickle-up e trickle-down (GARCIA e MIRANDA,
2007) cultural, em pouco tempo outros grupos que tocam e cantam maracatu surgiram e, com
eles, todo um modismo de virar batuqueiro nos jovens das cidades do Recife e Olinda.
Coincidentemente, neste mesmo período, outro movimento cultural dá seus primeiros passos:
o Manguebeat. Este, tendo como seu porta-voz Chico Science, tem, antagonicamente, suas
inspirações musicais nos ritmos populares pernambucanos e no que há de mais
contemporâneo na música internacional. Buscando nesta mistura, formas de utilizar a alfaia7 e
outros instrumentos dos folguedos populares em sua banda chamada Nação Zumbi (TELES,
2000). Com um sucesso que se origina em primeiro lugar na periferia recifense, local de sua
construção e inspiração; o movimento Mangue, assim por diante denominado, inicia um
processo de identificação estética dos integrantes do seu grupo.
Para termos uma ideia de como é forte a estética trabalhada pelo maracatu
pernambucano, já que esse será o ponto primordial de partida para o movimento e da estética
bumba aqui estudada, trazemos um depoimento de Suassuna (apud RIBERIO e MONTES,
1999) em uma de suas experiências com o esse folguedo.
Apesar da pobreza em que há tanto tempo abate o Nordeste, do ponto de
vista da Cultura o nosso Povo tem uma força que me comove e alenta. Uma
vez, em Tracunhaém, um dos municípios mais pobres da Zona da Mata
pernambucana, eu estava numa praça, quando de repente saiu de um beco
um grupo de Maracatu-Rural, o Leão de Ouro, que, tanto como na música
quanto como na dança, era um esplendor e um exemplo para todos nós.
Integrado em sua maioria por cortadores-de-cana, e por suas mulheres e
filhos, estavam todos os dançarinos cobertos de golas e mantos decorados
com lantejoulas, espelhos e pedraria. E eu fiquei ali, deslumbrado diante do
milagre, sem saber nem poder explicar como é que esse Povo brasileiro cria
tanta beleza no meio de tantas dificuldades (SUASSUNA, apud, RIBEIRO e
MONTES, 1999, p. 5).
6
O Nação Pernambuco não tem sua formação como Nação de Maracatu. Ou seja, não estará ligado
diretamente às questões religiosas. Sua preocupação será manter vivo este ritmo.
7
Instrumento de percussão, base da batida do maracatu de baque solto ou virado.
45
Mesmo com toda essa riqueza, não podemos deixar de lembrar que este folguedo vem
das classes mais populares e, com isso, toda uma marginalização estará associada. Além
disso, por ter sua fundamentação no sincretismo das religiões africana e católica, o estigma
negativo do candomblé também fará parte dessa marginalização. Assim, esse folguedo ficará
guardado em seus nichos, sendo apreciado apenas nos festejos de Momo.
Figura 05 – estilo estético mangueboy e manguegirl
Logo um estilo de vestir nascido da batida do mangue será traduzido em uma
produção de moda também nascida de estilistas, todos frutos do próprio movimento. Será o
caso de Eduardo Ferreira, que, em 1992, faz seu primeiro desfile solo, para o Salão da Moda
de Pernambuco, projetando seu nome e essa estética para todo o Brasil.
Hoje, a estética mangue sofreu uma evolução e renovação, que a colocam como uma
referência de comportamento e de valores na cidade de origem. Saindo das ruas, passa por
lojas alternativas, chegando até passarelas de eventos nacionais e internacionais. A estética
mangue instala-se no shopping Paço Alfândega (OVERMUNDO, 2010), local de referência
de estilo e sofisticação, numa loja que trabalha com prioridade a venda e promoção de
criadores locais. Essa evolução e integração, principalmente com o público jovem, criarão o
termo ‘estética bumba’ para os usuários deste padrão de vestir e se comportar. A construção
dessas novas estéticas propostas partirá do que os autores como Craig e Haytko (1997)
chamam de consumidores interpretativos. Estes constroem discursos e significados que
refletem seus diálogos recheados de personalidade, história de vida e interesses específicos
para cada contexto. Estas novas propostas serão pouco a pouco reconhecidas, interpretadas,
aprovadas e consumidas pelos grandes grupos.
46
É bem verdade que a moda estará mais associada ao universo feminino, que por
questões históricas e sociais terá uma mobilidade e alteração superior aos trajes masculinos;
mas não podemos negar o quanto os homens carregaram consigo uma série de significados
tão fortes que irão além do gênero; o que será especialmente percebido no universo Mangue.
A atmosfera da moda, construída pelas grifes, será responsável pela sua valorização e
‘glamourização’, que, em grande parte, não será percebida por classes mais baixas. Caberá ao
sistema de moda a construção de uma leitura adequada e adaptada de produtos traduzidos e
com o sotaque ideal para cada público-alvo.
Roupas e aparência podem ser exploradas diariamente. Assim, papeis são construídos
por padrões sociais da roupa. Em alguns casos, esses padrões são reconstruídos, criando
novos estilos, como é o caso do estilo Mangue e da estética bumba aqui percebido. Quando
construímos nossa forma de vestir do nosso dia-a-dia, estamos sempre sujeitos à análise do
outro. Essa análise, para ser composta, fará uso de significados e valores sociais para julgar e
decodificar o objeto analisado. Aparentemente simples essa análise tem variantes diversas que
agrupadas de uma determinada forma, lhe dará leituras distintas. Mas, basta um breve reajuste
nesta linha de composição, para termos outras mensagens construídas (KAISER, 1998). O
nosso decodificador também merece toda a atenção, pois a sua percepção do seu objeto de
análise pode, em avaliações leigas ou sem cunho acadêmico, criar falsas interpretações dos
signos e valores apreciados. Segundo Kaiser (1998), é no nosso everyday life onde se constroi
a relação roupa e grupo.
Mergulhado neste universo mangue, que serve de esteio para nosso objeto de estudo,
focamos na perspectiva de consumo trabalhada por Kaiser (1998), a linha do consumo
simbólico e sua perspectiva cultural. Resgatando o que foi analisado anteriormente, seus
pressupostos estão fundamentados em valores coletivos, na produção e reprodução por meio
de formas culturais – aspectos intangíveis da cultura. Tratando do quanto é forte a capacidade
de dar valor aos objetos e, consequentemente, às roupas que os membros de um grupo usam.
Moda foi nosso objeto de estudo para entender a forma como este grupo constroi sua
identidade. A partir dessa construção, buscamos identificar elementos contidos nesse
consumo, que nos mostrem caminhos de reconstrução de produtos focados neste público-alvo.
47
4. Método de pesquisa
“Antes dos mouros o som
O som de tudo que passou por lá
O som de tudo que passou aqui
O som que vem quem viver verá”
Antes Dos Mouros - Lirinha / Clayton Barros
Neste capítulo trataremos dos procedimentos escolhidos e sua justificativa para o
objeto de estudo deste trabalho. Nele, descrevemos a orientação paradigmática, tipo de
pesquisa, método de coleta de dados e construção do corpus trabalhado. O objetivo desta
pontuação de processos é deixar claro para o leitor que as escolhas aqui apresentadas buscou
ao máximo trilhar caminhos que nos conduzam o mais próximo possível da nossa pergunta de
pesquisa.
4.1 Orientação paradigmática
Com a definição de Grof (apud GODOI, 1978) de que paradigma é uma constelação
de crenças, valores e técnicas compartilhadas pelos membros de uma determinada
comunidade científica, e lembrando do nosso problema de pesquisa - em que temos como
análise o fenômeno ‘Como se constroi a identidade de moda em grupo alternativo?’ –,
buscamos nos texto de Richardson (1999) uma justificativa clara para a escolha do paradigma
interpretativista. Para o autor, a abordagem qualitativa de um problema é a mais indicada para
o estudo de um fenômeno social. Esta linha de paradigma possibilita a compreensão e
investigação que se volte para uma análise de objetos complexos ou estritamente particulares.
“Estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de
determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos vividos por um grupo social” (RICHARDSON, 1999, p. 80).
Fundamentado nestes pensadores, acreditamos que o paradigma não-positivista ou
interpretativista foi o mais adequado para alcançar o resultado propostos pelo problema de
pesquisa.
4.2 Método de análise
Entendendo a sociedade do ponto de vista do participante em ação, em vez de
observador, para Silva e Neto (apud GODOY; BANDEIRA DE MELO; SILVA, 2007), o
interpretativismo tem como unidade básica de análise, neste campo de estudo, o encontro
entre os sujeitos, não percebendo as organizações como uma unidade concreta. Ou seja, o
meio será fruto das ações e interações dos indivíduos que o constrem. Diante desta máxima e
sob o paradigma trabalhado, escolhemos o estudo de caso como o mais adequado para
analisarmos o corpus e consequentemente o nosso problema de pesquisa.
Stake (1995) defende que o estudo de caso, tendo em sua natureza de envolvimento e
dos resultados encontrados a partir de uma análise do todo - indivíduo, ambiente e sociedade;
é a melhor forma de compreender um fenômeno culturalmente construído. Fenômeno no qual
disciplina, organização conceitual e uma estrutura cognitiva devem ser a base da análise dos
dados colhidos. O campo será um norteador dos caminhos e oportunidades do estudo, fazendo
com que seu pesquisador aprofunde-se; mas sempre atendo aos limites do bom-senso.
Seguindo a regra proposta por Stake (1995) sobre disciplina necessária neste método,
sentimos a necessidade do uso de um protocolo de análise. O autor afirma que o campo
apresentará categorias de baixa, média ou alta relevância no estudo, e o uso de um protocolo
agrupara e seleciona estas, de forma a facilitar o trabalho do pesquisador. Assim, buscamos no
protocolo trabalhado por Leão (2007) nortear nossos dados, principalmente pela ampla e
complexa possibilidade de análise destes. Encontramos aqui a segurança proposta por Stake
(1995), cuja classificação de aspectos não verbais e interacionais contribuíram para a
construção de uma complexa rede que nos levou às análises aqui apresentadas. Sua lógica de
construção consiste na possibilidade de ter uma variedade de perspectivas sobre a variação do
corpus (LEÃO, 2007); o que possibilita uma visão holística de significação, mediante os
diferentes níveis de análise apresentados. Estes níveis têm elementos como o tom de voz,
gestos ou expressões faciais; a possibilidade de o autor se debruçar sobre aspectos
paralinguísticos, julgados fundamentais para compreensão do objetivo final.
Apresento, abaixo, uma tabela resumo do protocolo de análise e o descritivo das suas
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funções associado e os níveis trabalhados por Leão (2007).
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48
Aspectos Extralingüísticos
49
Acentuação
Trata-se da intensidade dada a certos trechos silábicos
e não necessariamente às sílabas tônicas próprias de
cada palavra. Isto quer dizer que não nos atemos se a
acentuação está correta ou não, do ponto de vista da
norma culta.
Tom
Tom é uma inflexão da voz que se refere à maneira de
se expressar. Toda elocução é acompanha de tons de
voz, evidentemente. Mais uma vez em nossas
investigações consideramos apenas os que contribuem
na significação.
Variações
ortoépicas
As variações ortoépicas se referem àquelas dialetais e
fonéticas. O primeiro tipo refere-se ao impacto que
diferentes sotaques têm sobre a pronúncia. A variação
fonética, por sua vez, trata-se dos chamados
“barbarismos fonéticos”, ou seja, palavras soletradas
erradamente. Em ambos os casos, não nos atemos a um
sotaque padrão nem à forma correta, do ponto de vista
da norma culta, de se soletrar as palavras.
Contato visual
O contato visual a que nos referimos se trata da
comunicação que as pessoas estabelecem entre si por
meio do olhar, com o intuito de expressar alguma coisa
ao outro.
Expressão facial
A noção de expressões faciais que assumimos se refere
a variações no movimento muscular da face que,
voluntariamente ou não, expressem um sentimento,
comumente emotivo. Podem ser sorrisos – em suas
diversas variedades (desde um “ar de riso” até uma
“gargalhada”) – ou expressões com o rosto (tais como
caretas, rubor da face etc.).
Gestos
O que chamamos de gestos aqui se refere àqueles cujo
uso já é consagrado numa dada cultura, como, por
exemplo, o polegar erguido com os demais dedos
fechados para indicar um sinal positivo.
Movimento da
cabeça
Os movimentos da cabeça a que nos referimos aqui são
posições ou movimentos horizontais ou verticais que
as pessoas fazem com a cabeça e que assuma um
significado para seu interagente.
Movimento
dêitico
Os movimentos dêiticos são tipos de gestos
específicos. Diferentemente do que chamamos de
gestos, estes são demonstrativos de algo, como, por
exemplo, apontar para algo com o dedo ou inclinar a
cabeça em direção de alguma coisa para evidenciá-la.
Postura
A postura corporal se refere à forma de se movimentar
ou manter o corpo numa dada posição, como forma de
criar mais ou menos interesse ou intimidade, dentre
outros, em relação ao interagente.
Movimentos
corporais
Movimentos corporais são contatos físicos intrusivos –
como empurrar, agarrar, segurar etc. – como forma de
impedir ou incentivar uma ação do interagente.
Interações
As interações corporais se referem ao contato pessoal
Aspectos de visão êmica
Aspectos de definição do
“eu”
Aspectos Interacionais
50
corporais
afetuoso – por exemplo, um aperto de mão, um toque,
um abraço, dentre outros – que indica a proximidade
afetiva entre os interagentes.
Distância
corporal
A distância corporal se refere ao espaço em que duas
ou mais pessoas estabelecem entre si, indicando o grau
de intimidade/formalidade entre os interagentes.
Alternância de
Código
São passagens do uso de uma variedade lingüística
para outra, em que os participantes de uma interação,
de alguma forma, percebam como distintas. Nisto
podemos incluir mudanças de sotaque, de escolhas
lexicais, de postura etc. Apesar de tais aspectos já
terem sido considerados em outras oportunidades, aqui
aparecem como pontos de articulação êmica, em que a
alternância de um código para outro deve ser entendido
como uma demarcação de grupo cultural.
Cenário
Por cenário temos o espaço delimitado do ambiente
físico definido pelos participantes como socialmente
distintos de outros aspectos, no qual se desenrolam os
eventos e as atividades de fala, bem como o
equipamento fixo de sinais ali presentes.
Conhecimento
de mundo
Conhecimento de mundo se refere a um conhecimento
tácito, baseado em crenças, hábitos e costumes
compartilhados, teorias do senso comum, experiências
vividas, fatos e dados sociais, econômicos, políticos e
de outras naturezas, que os interagentes têm acerca dos
mais variados aspectos e, por esperarem,
conscientemente ou não, que os seus interlocutores
também tenham, o dão por certo.
Contexto
Por contexto aqui assumimos qualquer conhecimento –
de um fato ou situação, uma informação, experiência
etc. – alçado, direta ou indiretamente, voluntariamente
ou não, ao ambiente interacional.
Face
Por face devemos entender o valor social positivo que
um interagente almeja ter reconhecido pelo outro por
meio do que este presuma ser sua linha (conduta)
durante uma interação. Pode se mostrar como ameaça
ou, por outro lado, salvação da face do interagente ou
de si próprio numa interação.
Footing
Se refere a uma mudança no alinhamento que alguém
assume para si e para os outros. Em outras palavras,
como, durante uma interação, as pessoas mudam sua
conduta de acordo com o desenrolar da mesma.
Quadro 04 – Protocolo de análise
Fonte: Leão, 2007.
Com a constante preocupação com a disciplina durante a toda a execução deste
trabalho, buscamos em Stake (1995) uma classificação do pesquisador quanto aos papéis
adotados no campus de pesquisa, relacionada ao objeto do nosso estudo. Sua classificação
51
está dividida em pesquisador como professor, pesquisador como advogado, pesquisador como
avaliador, pesquisador como biógrafo, e pesquisador como intérprete. Nesta classificação, que
vai da função de levantar dados ao trabalho entre as relações históricas, percebemos que o que
buscamos está diretamente classificado em nível do pesquisador interprete. Esta classificação
entende que o pesquisador tendo o domínio vai além do científico e apresenta uma
interpretação associada a resultados e relações dos dados analisados. Sua função é
literalmente de intérprete, de forma a facilitar a compreensão holística do caso (tempo, espaço
e inter-relações), apresentado a complexidade do estudo e o cenário rico de detalhes antes não
percebido pelo leitor.
Ainda sob a teoria de Stake (1995), buscamos a triangulação - verbal, não verbal e
interacional, dos dados trabalhada no protocolo de Leão (2007), num esforço para checar se o
que foi observado e relatado como um intérprete desse nosso corpus carrega o mesmo
significado quando encontrados em circunstâncias de análise diferentes. Descrevemos, a
seguir, a forma como trabalhamos a busca dos dados e a construção do corpus
4.3 Coleta de dados
Seguindo o pensamento de Godoy (in GODOY; BANDEIRA-DE-MELO; SILVA,
2007), a pesquisa qualitativa possibilita a escolha variada de fontes de informação. Focando
no nosso método que é o estudo de caso, esta pode ser feita principalmente por fontes de
evidências, tais como: documentos, registros em arquivos, entrevistas, observação direta,
observação participantes e artefatos físicos. No nosso estudo, diante do problema de pesquisa
e do corpus que descrevemos a seguir, optamos pela entrevista semi-estruturada, por
compreendê-la como a mais completa para alcance dos nossos resultados.
Neste tipo de coleta, “(...) a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na
linguagem do próprio sujeito, possibilitando ao investigador desenvolver uma ideia sobre a
maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (GODOY; BANDEIRA-DEMELO; SILVA, 2007, p. 134). Acreditando, como já dito, que o meio será sempre um
condutor de caminhos a pesquisar, não utilizemos um roteiro fechado de entrevista como
propõem Godoy (GODOY; BANDEIRA-DE-MELO; SILVA, 2007), e sim tópicos que
serviam de base das informações necessárias. Em alguns casos, o discurso dos nossos
entrevistados reconstruiu estes tópicos, de forma a nos revelar novas informações que vieram
52
a ser de grande valia neste estudo. Como guia , fizemos uso de tópicos seguidos nos encontros
que apresentamos abaixo.
•
Identificação – nome, idade, profissão, constituição familiar e contato (e-mail e
telefone);
•
Motivação para fazer parte das escolas de percussão/maracatus;
•
Grau de envolvimento neste universo;
•
Relação com o grupo;
•
Importância de fazer parte desta escola/maracatu; e
•
Qual a grande diferença entre o universo da escola de percussão/maracatu e seu
ambiente social (trabalho, escolha e família).
É importante informar que nessa relação entrevistador e entrevistados, fatores
levantados por Sierra e Valles (in GODOY, BANDEIRA-DE-MELHO e SILVA, 2007) tais
como: falta de interesse em participar voluntariamente da entrevistas ou questões
comportamentais e emocionais de narrar tais fatos, foram uma preocupação constante de
nossa parte. Buscamos nestes encontros sempre a melhor opção para o entrevistado, seja
quanto ao local ou horário; ou até na nossa postura amigável em permitir que a informação
fluísse de forma agradável. Por se tratar de um tema próximo a todos que entrevistamos,
notamos que os discursos transcorreram de forma prazerosa, sem causar incômodo. Muito
pelo contrário, ao final das conversas foi sempre relatada pelos entrevistados a satisfação em
colaborar com o trabalho. Para nossa surpresa e confirmação do que foi descrito por Godoy
(in GODOY; BANDEIRA-DE-MELO; SILVA, 2007), houve um desdobramento e
aprofundamento a partir dos tópicos descritos, nos levando a buscar dados além dos pensados.
53
5. Construção do corpus de pesquisa
Somos todos juntos uma miscigenação
E não podemos fugir da nossa etnia
Índios, brancos, negros e mestiços
Nada de errado em seus princípios
O seu e o meu são iguais
Corre nas veias sem parar
Costumes, é folclore é tradição
Etnia – Nação Zumbi
Do latim, como descrevem Bauer e Gaskell (2007), corpus significa a escolha
sistemática de algum racional alternativo que será explicado. Pensando assim na construção
do nosso corpus, delineamos nossos entrevistados dentro do universo das escolas de
percussão e maracatus nas cidades do Recife e Olinda. Com a grande questão - Como se
constrói a identidade de moda em membros de um movimento cultural? - encontramos neste
grupo uma representação do que podemos chamar de integrantes ativos de um movimento
cultural. Esta delimitação atende ao conceito dos pensadores acima, segundo o qual a
relevância, homogeneidade e sincronicidade são fundamentais para a construção deste corpus.
Traçando um paralelo, já que os autores se referem em seu texto a dados documentais,
buscamos nestes três aspectos focar no objeto do nosso estudo, cuja relevância deste grupo
delineado fosse justificada por serem elementos atuantes no universo a ser estudado. Da
mesma forma a homogeneidade, apesar de trabalharmos escolas e maracatus distintos e em
distintas cidades, se manteve visto os objetivos comuns destes grupos. Quanto à
sincronicidade, realizamos nossas entrevistas em um período muito próximo, e estivemos
atentos a questões externas, tais como movimentos sociais ou datas comemorativas, para que
estas não viessem a influir nos dados.
Assim, nosso corpus de pesquisa foi composto por:
• Homens e mulheres;
• Residentes nas cidades do Recife e Olinda;
• Praticantes de escolas de percussão e/ou maracatus de baque solto;
• Com entrevistas realizadas no período de março a abril de 2010;
Sendo Pernambuco um estado onde a musicalidade é um dos elementos mais fortes da
cultura, encontramos nas cidades de Olinda e Recife espaços que aglutinavam elementos que
vieram a compor o corpus de nossa pesquisa com certa facilidade. Decerto que este público
54
também pode ser encontrado em ambientes sociais destas duas cidades, mas o espaço de
vivência destes, no caso as escolas de percussão e/ou sedes de maracatus, nos deram a
segurança de uma escolha mais verdadeira, visto a vivência e histórico destes narrada por seus
pares.
Para garantir uma maior verdade dessa participação ativa, realizamos um corte mínimo
de três anos de permanência dos entrevistados; evitando assim entrevistados movidos pela
curiosidade ou modismos. Buscamos também, a partir de relato de professores de percussão,
mestres dos maracatus e alunos, identificar futuros entrevistados que demonstravam uma
maior vivência no ambiente. Destes, outros nomes foram indicados, construindo assim uma
rede de relevância para o nosso corpus.
Com a preocupação de não enveredarmos no ambiente do modismo, buscamos nas
diversas escolhas existentes na cidade8 trabalhar com as mais antigas e conceituadas, de certa
forma até referências neste universo. Da mesma forma que escolas de percussão e sedes de
maracatu são, em sua maioria, ambientes de muito fluxo e de barulho intenso. Temendo
interferências do meio, usamos estes espaços apenas para identificar nossos entrevistados,
realizando nossas entrevistas em locais mais tranqüilos, como restaurantes e cafés das mesmas
cidades.
Diante do exposto, deste corpus extraímos 16 entrevistas, com um ponto de saturação
apresentado a partir de 10. É curioso destacar que o ponto de saturação se deu quando durante
a narrativa percebemos uma repetição de informação; tais como: o que os motivou a fazer
parte deste grupo ou o quê mais lhes encantava em fazer parte deste universo. Vejamos a
seguir, como estes dados nos revelaram as conclusões que chegamos ao final deste estudo.
8
Por se tratar de um seguimento extremamente informal, estimamos com base nos dados fornecidos por nossos
entrevistados, cerca de 30 a 40 escolas de percussão espalhadas nos mais diversos bairros destas cidades. Por sua
caracteriza informal, o número de participantes flutua entre 30 a 60 alunos por turma, com uma média de 02
turmas por escolha (iniciantes e avançados).
55
6. Análise e conclusões dos dados
Daruê Malungo, Nação Zumbi
É o zum, zum, zum da capital
Só tem carangueijo esperto
Saindo deste manguezal
O cidadão do Mundo – Nação Zumbi
Fazendo uso dos conceitos, observações e precauções citadas pelos pensadores até
aqui trabalhados, a análise dos resultados propostas seguiu uma lógica fundamentada, como já
dito anteriormente, no protocolo de Leão (2007) como um meio para chegar ao nosso
objetivo. Assim, compartilhando a crença de que o significado do que é dito não está apenas
na decodificação gramatical do que foi narrado, mas sim no que foi expresso em gestos,
movimento e tom; propomos a construção de categorias analíticas criadas a partir da
importância percebida pela inferência durante nossa análise, e que passou a classificar e
fundamentar os resultados apresentados a seguir.
Tendo assumido o papel do pesquisador intérprete proposto por Stake (1995),
fundamentamos nossas escolhas de significado da categoria aqui proposta no sentimento e
análise do que nos foi dito e percebido, chegando a critérios de escolha fundamentados em
evidências da narrativa. Da mesma forma que, como prevê o paradigma escolhido, tivemos a
inclusão de uma nova bibliografia. Esta veio a dar suporte e fundamentar descobertas que o
campo nos apresentou. Veremos logo a seguir, um resumo dos aspectos trabalhados nesta
análise e a inserção da categoria analítica justificando sua função.
Aspectos
verbais
Transcrição
das
entrevistas
em texto
corrido com
perguntas e
respostas.
Aspectos não
verbais
Identificação de
nuances que
viessem a
identificar
significados no
discurso.
Aspectos
interacionais
Identificação de
referências vividas
pelo entrevistado,
não narradas nos
aspectos verbais
mais de relevância
para a identificação
de significados do
discurso
Categorias analíticas
Tradução das
informações apresentadas
no discurso, seja no
aspecto verbal, não
verbal, e interacionais;
tratadas da em adjetivos
classificatórios.
Quadro 05: Decupagem e identificação de categorias conceituais. Construído com base no protocolo
de Leão (2007).
De posse deste cenário rico de informações e traduções que aqui apresentamos, a
construção de uma triangulação foi o caminho por nós trilhado na garantia, como já dito
56
acima, de uma maior veracidade dos resultados. O resultado desta triangulação, associado às
categorias analíticas apresentadas, serão detalhados a seguir em cada um dos seus níveis. A
intenção deste detalhamento é apresentar a integração entre os níveis verbal, não verbal,
interacional e os níveis da categoria propostas. Para que essa interação ficasse ainda mais
clara para nossos leitores, buscamos adjetivos que associado ao descritivo da análise,
pudessem sintetizar todo o seu conceito.
É importante ressaltar que as conclusões e classificações aqui propostas, não se findam
nos trechos abaixo trabalhados. Estes são unicamente exemplos do que foi visto e vivido
durante o campo.
6.1 Categoria Analítica – 01
Em momentos específicos desta análise, ficou claro para nós o quanto ser reconhecido,
não só como membro, mas como um personagem de destaque neste universo esteve presente.
Em alguns casos, as várias formas de discursos aqui analisados explicitaram que esta verdade
não se limitava ao universo das escolas de percussão ou grupos de maracatu. Ela transbordava
para meios como o ambiente de trabalho, escolas e/ou universidades, e até junto à família.
Como exemplos desta afirmação, destaco:
Entrevista 06 – linhas 26 a 27
Não Verbal – tom explicativo na
“Já gostava de música popular
tentativa de convencer o
brasileira e tudo mais, então, foi
entrevistador sobre o domínio do
unir o útil ao agradável. Coisa de
tema, além da postura do corpo
família, né?!”
relaxada sobre a cadeira e mesa.
Neste exemplo, ao explicar seu conhecimento o entrevistado apresenta no seu tom de
voz a intenção de passar domínio sobre o assunto, mostrando que sua integração com a
música é anterior a sua atuação nas escolas de percussão ou maracatu, o que lhe coloca num
nível, segundo sua percepção, superior aos demais. É como se este, por ter uma formação e
conhecimento musical requintado, descrita ao afirmar em seu discurso como um estudioso
amador da música popular brasileira, onde o jargão ‘música popular brasileira’ está associado
à qualidade desta produção e seu consumo por uma elite intelectual onde ele teve sua origem.
Temos aqui, uma visão clara o pensamento de Bourdieu (2008) e sua teoria de distinção
57
fundamentada no capital familiar e escolar. Para o autor, os gostos e preferências do indivíduo
estão fundamentados na sua formação familiar ou no que este venha a apreender no ambiente
acadêmico. Neste exemplo, a formação do entrevistado e a vivência que o ambiente familiar
lhe proporcionou junto a MPB, lhe conferem o sentimento de distinção perante o grupo.
Essa mensagem fica ainda mais clara quando sua postura apresenta um relaxamento
sobre o corpo com um ar de descaso e superioridade sobre o assunto discutido, o que vem a
significar, segundo Tompakow e Weil, (1986), uma postura de intimidade com um tema que
lhe leva a descontrair o corpo seguro do que está falando.
Já na entrevista 04 temos o verbal e o não verbal, unidos para enfatizar o quanto o
entrevistado é especial na sua avaliação, junto aos demais membros do grupo. No contexto, o
entrevistado descreve o desejo de que seu marido tem em sempre trabalhar para o crescimento
no que faz. Destaco a seguinte passagem:
Entrevista 04 – linhas 50 a 25
Verbal – a narrativa afirma uma
Chico, assim, a necessidade de, de
qualidade positiva do seu marido.
ser bom, de, de levar aquilo ali
O empenho e a preocupação em
não só como uma coisa pra
levar a sua participação no grupo
desopilar, mas de levar uma coisa
como algo sério e que venha a lhe
a sério mesmo.
dar qualidade perante os outros
integrantes.
Não Verbal – ênfase em falar o
texto tem uma conotação de
positivo.
Para o entrevistado 04 o “ser bom” dito para o seu marido mostra claramente seu
desejo de distinção. Esta distinção, como classifica Bourdieu (2008), tem aqui uma
construção do conhecimento a partir da formação escolar, neste caso não teremos uma
formação acadêmica tradicional, mas sim uma construção musical das escolas de percussão e
maracatus de onde já fez parte e construiu sua habilidade como músico. É interessante
perceber neste exemplo o que o difere do entrevistado anterior. O capital escolar, mesmo não
convencional, lhe dá uma distinção no grupo. Torna-lhe nobre perante os seus.
58
Assim como o entrevistado 04, entrevistado de número 08 que veremos a seguir, a
característica aqui analisada é percebida diante da sua atuação no seu trabalho que é levada
para o ambiente. Ele narra que trabalhar com produção cultural e educação, é o que o difere
dos demais.
Entrevista 08 – linhas 24 a 28
Verbal – a narrativa leva a crer
Hoje eu trabalho com educação.
que sua atuação levada ao
Trabalho na Fundação Roberto
ambiente do maracatu, é uma
Marinho. Fundação Roberto
forma de reconhecimento. Sua
Marinho, trabalho com com
formação e área de atuação, lhe
(corrige-se) é, educação e cultura.
colocam numa função de
É, eu sou jornalista de formação,
colaborador.
mas aí ..., é... Trabalho numa,
Não Verbal –tom de superioridade
num, num, num, num, numa área
ao relatar local de trabalho, dando
da Fundação Roberto Marinho
ênfase na sua formação acadêmica.
No trecho da entrevista 07, o reconhecimento narrado e ressaltado num aspecto não
verbal. A fala do entrevistado descreve sua distinção no grupo, reconhecido em especial pelo
mestre do maracatu9. Contextualizando a passagem, o entrevistado narra o depoimento do
mestre sobre seu desempenho e o apresenta como um exemplo a ser seguindo.
9
Entrevista 07 – linhas54 a 55
Verbal – a narrativa ressalta
E a minha relação com ele sempre
qualidades e reconhecimento pelo
é muito boa. E ele sempre, ele já
membro superior do grupo, lhe
comentou, me disseram uma vez
transformando em uma referência
que eu não fui no ensaio, eu não
de qualidade.
fui, eu não tava, e alguém... tava
Não Verbal – sorriso nos lábios de
lá fazendo alguma coisa muito
reconhecimento do que foi dito,
errada assim, ele fez assim “Pô,
transmite a alegria pelo
porque não faz feito Pablo?”
reconhecimento.
Personagem de maior valor junto a batucada do maracatu ou escola de percussão. Este funciona como
um maestro deste grupo, repassando ensinamentos e mantém a identidade do grupo a que pertence.
59
Papéis sociais serão um forte indicador de distinção e diferenciação (BOURDIEU,
2008) e neste exemplo temos mais que um papel ou função no grupo, mas sim uma validação
hierárquica sobre sua qualidade. É importante ressaltar o quanto o Mestre do maracatu é
respeitado e o que ele fala é reconhecido pelos membros do seu grupo como lei. Diante disso,
ser lembrado e destacado como exemplo a ser seguido é uma forma de destinação no grupo.
Concluímos com a análise do material desta categoria que o adjetivo que a sintetizaria
seria NOBREZA. Esta não traz na sua tradução uma um sentido de distinção ou diferenciação
econômica ou social, justificamos esta nomenclatura na percepção que tivemos nos
depoimentos dos entrevistados em ser e pertencer a uma elite cultural que não lhe dá esta
distinção a partir da educação literária, mas sim, e também, do seu engajamento e participação
num movimento cultural e folclórico do seu Estado. É como se para fazer parte desta elite
cultural não bastasse apenas ter o conhecimento teórico sobre o assunto, mas sim uma atuação
perene que lhe faz um guardião e um elemento a ser preservado da sua cultura. Possivelmente,
este sentimento expressado e percebido durante o campus tenha seu fundamento também no
que descreve Maciel e Miranda (2008) em sua análise sobre a formação da cultura
pernambucana, na qual um histórico de riqueza e uma nobreza que faz parte do alicerce desta
cultura é introjetado num comportamento de consumo característico dos seus nativos. O mais
interessante de ser percebido é que essa preservação e nobreza aparecem também no nível da
cultura popular, e transforma o que em outros tempos era marginal em algo raro e de valor.
Esse valor percebido passa a ser copiado e adotado por seus pares, não só nesta
categoria mas e todas que veremos a seguir. Isso reconstrói um padrão a ser seguido, seja na
forma de se comportar e consumir. Quanto nosso foco é a moda, veremos claramente
elementos dos seus espelhos10 replicados de forma sutil em peças ou formas do vestir.
6.2 Categoria Analítica – 02
Sendo um homem um ser social por excelência, como podemos concluir no
pensamento de Baudrillard (1973), sua integração está associada ao consumo, e este consumo
por sua vez será mídia da felicidade e da certeza de pertencer ao grupo de desejo. Crendo
assim, ficou fácil perceber por que este desejo esteve presente em todas as entrevistas
10
Entendemos espelho aqui tratado como um exemplo a ser seguindo. Elemento do grupo que é percebido como
uma referência.
60
trabalhadas. O desejo de fazer parte, de estar integrado, e de ser percebido como membros das
escolas de percussão, reforça o pensamento acima.
No depoimento do entrevistado número 06, apesar de se tratar de ser natural da cidade
de São Paulo, fica claro a sua escolha por Recife como sua nova cidade natal. Veremos nos
níveis verbal e não verbal o quanto esse desejo de integração com este novo ambiente será
fundamental para ele.
Entrevista 06 – linhas 17 a 18
Verbal – a narrativa afirma que o
Conhecia menos ainda a cultura
entrevistado tinha o interesse
pernambucana e fui morar em
explícito de fazer parte, de se sentir
Boa Viagem. Não conhecia a
integrado socialmente.
cidade, mas queria me inteirar...”
Não Verbal – ênfase na citação
valoriza o desejo percebido. Sua
entonação é positiva e funciona
como uma resposta afirmativa ao
seu esforço.
Seguindo o pensamento de Baudrillard (1973), hoje, consumir é um desejo social. A
oferta não está mais só no valor e sim na experiência e no prazer de consumir, na forma como
o meio e os objetos se comunicam e como nos relacionamos com eles. Conhecer a cultura
pernambucana é a forma que o nosso entrevistado propõe para pertencer a este novo universo.
Na narrativa da entrevista número 01, vemos o quanto o a vivência em um novo grupo
veio a alterar gostos de consumo deste entrevistado. A partir de sua entrada na Universidade o
acesso a uma nova forma de consumir passa a fazer parte do seu dia-a-dia. Neste acesso e
consumo, o maracatu aparecerá como uma chancela de pertencimento.
Entrevista 01 – linhas 16 a 19
Verbal – a narrativa já traz uma
Sério agora. Acho que meu
afirmação da sua descoberta em
universo era outro. Eu não tinha
fazer parte destes novos grupos
acesso a uma vida, vivência, mais
como algo positivo.
apurada. Eu era apenas um
espectador, que tava lá vendo.
61
Com os novos amigos,
possibilidade de chegar perto. Um
conhece o outro, que é amigo do
outro, e por aí se vai.
Nestes dois exemplos, o “fazer parte de algo”, mesmo que ainda não seja reconhecido
pelos entrevistados de forma explícita, demonstra o quanto essa integração é importante. A
chegada a uma nova cidade, ou a chegada a um novo grupo de amigos que lhes abre a
possibilidade de integração em novos grupos ou subgrupos sociais a partir do consumo de
produtos reconhecidos e validados por este grupo (BAUDRILLARD, 1973). Estas
possibilidades também não têm uma postura passiva, pois ambos irão à procura de caminhos e
contatos que trabalhem essa integração no decorrer das entrevistas.
Ao perceber nesta análise a narrativa “já faço parte” e “reforço minha identidade
pertencendo”, relembramos o pensamento de Mizrahi (2007) e os funkeiros cariocas. Para
esta autora, o consumo simbólico de objetos ou do ambiente onde o grupo de desejo se
encontra nada mais é que uma forma de também pertencer. Transferindo seu objeto de
pesquisa do funk para o maracatu, a apreensão do gosto de consumir este ritmo se dará no
trânsito entre a vida cotidiana a as aulas de percussão, ou o próprio desfile do cortejo durante
o carnaval. Neste contexto a roupa será o grande elemento de conexão, identificação e
pertencimento no grupo. Esse vestir não se resume ao carnaval. Veremos nas análises
seguintes como a adoção de moda será elemento fundamental da formação da identidade deste
grupo em espaços diversos.
O “ter” esteve sempre associado ao “pertencer”, como visto na perspectiva cultural
trabalhada por Kaiser (1998), onde valores coletivos construídos na cultura em análise
representam as ideias abstratas e ingredientes da formação desta cultura, manifestando-se na
forma como seus integrantes se relacionam socialmente ou com esses valores. Na entrevista
03, fica claro que “ter”, ou melhor, “vestir-se como os demais”, traz a sensação de fazer parte
do grupo.
No contexto de onde foi retirado e exemplo a seguir, o entrevistado descreve dois
momentos do vestir onde a roupa está sendo usada individualmente e em grupo.
62
Entrevista 03 – linhas 85 a 87
Verbal – a narrativa afirma o
Perde até um pouco da questão do
sentido de grupo a partir da posse
espetáculo, ás vezes até quando a
de elementos em comum.
gente vê uma roupa
Não verbal – a ênfase com euforia
individualmente falando, a roupa
denota um tom positivo no que é
do maracatu não é tão bonita, mas
dito.
quando junta o grupo, todos
usando a mesma roupa, fica,
visualmente falando, bastante
atraente, e vem a calhar.
Neste exemplo percebemos que a posse da roupa, assim como os cabelos dos
funkeiros ou as jaquetas de couro dos motoqueiros Harley Davidson, nada mais são que uma
forma simbólica de consumir elementos de integração. Garcia e Miranda (2007) defendem
que as pessoas compram produtos para ver refletidas neles a si mesmas, seus valores e seus
gostos pessoais. Valores representam as crenças dos consumidores sobre a vida e o que
julgam como um comportamento aceitável. Se crenças, ainda sob a ótica das autoras, nada
mais são que um pensamento descritivo que uma pessoa tem de algo. Partilhando a máxima
que moda é comunicação, peças do vestuário comunicarão sempre o que sou e no que
acredito. Desta forma o consumo será sempre simbólico, e quando temos a roupa como nosso
objeto de análise, teremos este simbolismo presente e em movimento no seu usuários. Isso lhe
dará a sensação de conforto e de carregar sua mensagem de identidade permanentemente nos
seus trajes.
Não tendo a roupa como exemplo, mas tão rico quanto, destaco mais uma passagem da
entrevista 06, na qual a integração é a grande tônica. Neste exemplo, a escolha de um novo
automóvel para o entrevistado passa por todo um processo de análise, diante da grande
preocupação de não vir a ferir a relação já construída com seu grupo.
Entrevista 06 – linhas 196 a 222
Verbal – o texto descreve a
Eu comprei o meu carro pensando
preocupação do entrevistado em
em poder entrar na favela e não
não agredir seu grupo com um
agredi-los. E não chamar a
objeto que ostentasse status
63
atenção, e não, e não... E não ser
financeiro superior. Por outro lado,
um... Um elemento de
descreve também o seu grande
estranhamento e ao mesmo tempo
conflito por ter que fazer esta
de que tu pudesse, quer dizer, eles
escolha.
iam aceitar, evidente, mas é... Pra
não chamar atenção, eu me, me
Não verbal – o tom durante a
mimetizar melhor.
narrativa deste texto variará entre o
Quer dizer eu comprei um bom
espanto e de ironia em ter que
carro, gastei 43 mil naquela
viver a situação narrada. Mas, em
época, só que era um carro
momento algum, o tom passou a
absolutamente comum, não
ser de desaprovação pelo que foi
chamativo, nem... Entendeu?
escolhido.
Porque eu tinha medo de entrar
na comunidade e chamar a
Interacionais – apesar de não
atenção e ser agressivo e não ser
estarmos no tempo e espaço onde a
bem, assim, e o pouco que eu
narrativa ocorreu, o entrevistado
tinha conquistado lá dentro, de
deixa claro o seu reconhecimentos
repente ser...
do meio e as consequências de uma
Ser perdido. Não ser perdido, mas
ação bem planejada possa vir a
assim, o pessoal começar a me
causar.
olhar como... O, o, o cara de fora,
que além de tudo tem dinheiro, e
com isso de repente despertar...
Intenções não, não só ligadas ao
movimento cultural propriamente
dito, é... Era essa a minha... Então
esse é um exemplo. E foi uma
besteira que eu fiz na minha vida,
porque pensando no ponto de
vista, é... Econômico. Porque dois
anos depois o meu, o meu carro
tava valendo menos do que 50, é,
praticamente menos que 50% do,
64
do preço que eu tinha, é...
investido nele. Então... É... Isso
pesou. Pesou fortemente. Escolher
um carro que fosse mais discreto,
embora ele seja um bom carro, e
tenha todos os, as condições
legais, mas eu não queria
finalizar... Olha só, isso é ao
contrário né, quer dizer,
normalmente você compraria um
carro, e, e, um, e aqui, tem muito
isso também, que você, com o
carro finalizar um, um
progresso... (palavra inaudível)
um status... Uma coisa do tipo, e
eu... Eu fiz o oposto, eu comprei
um carro que... Finalizou o
oposto. Né, então acho que isso foi
uma... Uma, Uma... Um exemplo
forte de como esse, esse meu
envolvimento com esse movimento
cultural influenciou a minha vida.
É interessante perceber como um bem que tem um reconhecimento positivo de status,
como é o automóvel para o meio em análise, leva o entrevistado a questionar e decidir sua
compra por algo que lhe traz desvantagem, mas não vem a desconstruir sua imagem de
integração com o grupo. Ter um veículo percebido como luxuoso para o meio, causaria uma
distância ou até uma imagem de arrogância ou de prepotência, onde sua identidade não
dialogaria no mesmo nível do grupo.
Assim, para esta categoria analítica passaremos a chamá-la de PERTENCIMENTO.
Lembrando que pertencer, como já visto acima, é inerente ao homem. Nesta categoria, o
universo alternativo das escolas de percussão e maracatus, deixa claro que esse desejo faz
parte de uma construção da sua identidade alternativa. Lembrando o pensamento de Solomon
65
e Rabout (2004), veremos que não importa se o grupo ou subgrupo de desejo é formal ou
informal, teremos sempre a possibilidade de uma participação passiva ou ativa neste espaço.
Os grupos alternativos das escolas de percussão e maracatus caracterizam-se por um desejo de
participação ativa. Mesmo quando sou apenas um membro da batucada (papel massificado
sem um destaque hierárquico na escola ou folguedo), estou colaborando ativamente. Não
existe admiração ou cópia isolada de participação.
Ainda sob a lógica dos pensadores acima, temos, na sua escala de referência de
participação em grupos formais, ou não, características distintas neste corpus. No nível
intragrupo existe a predominância na escala ‘recompensa’, na qual a integração é prazerosa
pelo reconhecimento do grupo de sua participação. Já no nível extragrupo, teremos três
escalas presentes: ‘Poder de Referência’, onde a relação com outros grupos está associada a
ser admirado e copiado; ‘Informação’, onde o membro é percebido como uma fonte positiva
de consulta sobre este universo; e, por fim, ‘Expertise’, onde a vivência lhe dá a chancela de
participante.
Neste sentido, assim como na categoria NOBREZA, o participante deste universo terá
a capacidade de influenciar o consumo dentro e fora do seu grupo. Essa forma de consumir
servirá como retroalimentação deste universo, já que viveremos aqui uma relação de produção
e consumo associados. A produção partirá dos nativos que reproduziram intuitivamente
hábitos e uma estética comum a eles. Consequentemente estes mesmos produtores serão
consumidores, assim como os não nativos que pelos motivos aqui apresentados em nossa
análise estão inseridos neste consumo. Fazendo uso da máxima Moda é comunicação (Garcia
e Miranda, 2007), vestir-se será uma das formas de reforçar este pertencimento, através da
adoção de uma nova estética na sua forma de vestir.
6.3 Categoria Analítica – 03
Na categoria 03 fica claro que o espaço alternativo das escolas de percussão e
maracatus é prazeroso e vem a servir como uma válvula de escape para padrões formais desta
sociedade. Outro ponto de destaque é a relação narrada pelos entrevistados com relação à
hierarquia e comando. Nestes grupos a voz de comando será seguida não por um papel social
ou por uma escala hierárquica de uma organização. Existirá sempre um reconhecimento de
66
valor associado à vivência e experiência no grupo. Um mestre de maracatu é mestre por fazer
parte deste universo e carregar com ele a história do maracatu em sua vida.
No ambiente onde aconteceu o encontro com o entrevistado 07, havia alguns objetos e
instrumentos do maracatu presentes. Quando indagado sobre o que representavam aquelas
alfaias11 em canto de destaque na decoração do ambiente de sua sala de estar, este respondeu
que:
Entrevista 07 – linhas 35 a 40
Verbal – a narrativa descreve o quanto
É... Sempre está a, uma, uma tá
é prazeroso para o entrevistado tocar.
furada que é a do Porto Rico que é
Da mesma forma que a possibilidade
vermelha e verde, e a outra tá no
de fugir para o ambiente do maracatu é
pono. Assim, qualquer hora que eu
um fato de liberdade acessível.
quiser, que bate uma saudade eu pego
ela, boto no carro, e vou me embora
Não verbal – tom explicativo tenta
tocar. Eu gosto muito assim, tanto do,
passar a alegria vivida em tocar e
da questão somente musical, como eu
participar deste universo.
acho muito bonita a questão da
religiosidade, né, das, das coisas que
envolvem o maracatu de nação.
A liberdade acessível é o grande mote neste exemplo. Para o entrevistado as alfaias
sempre à vista lhe dão a sensação de pertencimento. Estes objetos carregados de simbolismo
do universo do maracatu e escolas e percussão, como visto no pensamento de Baudrillard
(2000), nada mais são que representações simbólicas e que lhe dão a constante sensação da
possibilidade de transitar entre estes universos. O consumo tem no pensamento de Debord
(2006) um caráter negativo, onde a massificação faz do consumidor um alienado que busca
uma realidade construída e imposta pela mídia; mas na relação vivida neste grupo vemos
justamente o oposto. Existe uma constância com o reconhecimento do consumo relacionado a
este universo. Faz-se necessário a este consumidor uma compreensão e fundamentação no que
é proposto e consumido.
11
Tambor de fabricação artesanal, geralmente produzido nas comunidades onde os maracatus estão
instalados, e que servem como base da marcação da batucada.
67
A mesma relação pode ser vista na entrevista de número 02. A entrevistada tem a
formação em advocacia e trabalha em um emprego federal em um fórum da cidade do Recife.
Descrevemos aqui um breve comentário sobre a formação e ocupação da entrevistada, para
ambientar e ressaltar as características percebidas nesta categoria. Durante a entrevista, este
trecho deixa claro como o “bater o tambor” é um momento de liberdade. Realmente uma fuga
dos problemas do cotidiano.
Entrevista 02 – linhas 18 a 22
Verbal – o texto descreve claramente
E por fuga do estresse de trabalho, de
o desejo de fuga e a liberdade e
ter um momento de... Descanso de me
descontração do ambiente das escolas
concentrar na música, de não pensar
de percussão e maracatus transmite
em problemas, de aprender uma coisa
para o entrevistado.
nova, de conhecer pessoas diferentes,
Não verbal – ênfase no tom de voz
e que não tivesse nada a ver com meu
enfatizando o quanto é prazeroso este
dia-a-dia.
ambiente.
Sobre o aspecto da hierarquia que citamos no início da análise desta categoria,
veremos no trecho a seguir como nosso entrevistado encara a liberdade e a obrigação
existentes neste universo. Contextualizando, nosso entrevistado é questionado sobre a
preparação para sair no carnaval.
Entrevista 08 – linha 112 a 120
Verbal – fica claro na narrativa um
É uma obrigação. Né, você tem essa
contraponto entre compromisso e
obrigação de sair dois dias no
liberdade vivido pelo entrevistado em
carnaval com o grupo.
sua participação no grupo.
Mas... É prazeroso também.
Não verbal – o tom enfático ao falar
Quando você tá lá com o pessoal,
“É uma obrigação” e “É prazeroso
tocando... E desfilando no meio da
também.”, mostrando a
rua, você vê o povo acompanhando
responsabilidade e o compromisso
você... E... É um prazer.
assumido com o grupo.
Mas, tem uma obrigação. Você tem
que ensaiar.
Você não pode faltar os ensaios, você
68
tem que se preparar pra isso, não
podia beber no dia da apresentação...
É... Normal em carnaval, né?
Diante desta indicação de liberdade e obrigação apresentada pelo corpus, sentimos a
necessidade de uma nova literatura de apoio e buscamos em Miller (2002) compreender
melhor como essa relação de consumo procede. Para este pensador, a compra, no nosso caso
pagar para fazer parte destes grupos de percussão ou maracatu, faz parte da construção da
interpretação de como desejo que o outro me perceba. Compramos para manter essa relação
viva e assim nos percebermos como parte. Mas, a grande diferença de pensadores até aqui
trabalhados e Miller (2002) está na relação que este trata entre o sacro e o profano, onde
comprar estará sempre associado ao divino e este as relações e papeis sociais. No ato da
compra, existe a sensação de sacrifício em trocar suas economias pela mercadoria desejada.
Este sacrifício será sentido ainda mais se esta despesa for voltada para necessidades básicas, e
atenuada se esta compra tiver uma relação com o consumo hedônico.
Assim, a dicotomia nesta categoria apresentada entre a liberdade e a obrigação em
fazer parte descrita na narrativa tem na relação com o sacro o reconhecimento de valor e
verdade vividos neste consumo. Ou seja: fazer parte de uma escola de percussão ou de um
maracatu me dará a liberdade de transitar entre o meu meio social e o mundo alternativo, onde
serei eu mesmo livre de obrigações convencionais. Mas, por outro lado, este mundo
alternativo também e possuidor de regras e condutas rígidas, mas existirá uma verdade sacra
neste consumo que, apesar das obrigações, será prazeroso fazer parte.
Não existe outro adjetivo para nossa associação nesta categoria que não seja
LIBERDADE. Esta liberdade de ir e vir, focando na construção da identidade de moda deste
integrante, fará com que elementos dos mundos vividos (intra e extra grupo) se misturem e
reconstruam sua forma de consumir moda, reforçados pela crença compartilhada pelo grupo e
integrada na sua nova forma de relação social.
6.4 Categoria Analítica - 04
Extraindo um breve momento da narrativa do último exemplo, onde a entrevistada 02
descreve: “Descanso de me concentrar na música, de não pensar em problemas, de aprender
69
uma coisa nova, de conhecer pessoas diferentes, e que não tivesse nada a ver com meu dia-adia.”; teremos um indício de quanto a busca pelo novo também foi uma constante neste
corpus. Este “NOVO”, já o definindo como o nosso adjetivo para esta categoria, não terá a
mesma função descrita por McCracken (2003) ou Lipovetsky (2005), vivida com a idade
moderna e a revolução industrial apresentando o consumo de novos produtos como um ideal
de conduta social. Este “novo” a que nos referimos, que encantará os novos batuqueiros e
baianas dos maracatus pernambucanos, tem antagonicamente sua referência no passado. O
“novo” desejado tem suas origens na tradição e história desse folguedo. Ao mesmo tempo em
que bebe na contemporaneidade da produção alternativa da música, cinema e literatura
nacional e internacional. Outra característica deste “novo” consumido para nosso corpus é a
sua não massificação. Esse “novo” será construído por referências do passado e o que há de
mais novo no futuro.
Entrevista 04 – linhas 129 a 131
Verbal – a narrativa associa o novo ao
Quando a gente chegou lá no Porto
diferente, como se o entrevistado
Rico, aí tem a grande diferença:
tivesse esse contato pela primeira vez.
social e cultural.
Não verbal – tom de valorização ao
falar sobre a diferença encontrada.
De certo que o entrevistado já tenha vivido situações e relações com o meio social e
cultural a que se refere. Mas, vistos pelos olhos do praticante das escolas de percussão e
maracatu, o social e cultural aqui salientados agora fazem parte da minha história. Kaiser
(1996) descreve que as relações sociais com esse novo construirão ajustes e modelagens
necessárias para que este “novo” venha a si tornar um novo código e significado comuns ao
seu subgrupo.
Esta relação de tradição e consumo também foi trabalhada por Maciel e Miranda
(2007) no estado de Pernambuco. Para os autores, a formação cultural deste Estado tem raízes
tão bem fincadas, que até elementos que outrora foram símbolos negativos, como o
imperialismo dos senhores de engenho, passam a ser consumidos por meio de sua
materialização em roupas para ocasiões socioteatrais. O mesmo nos leva a crer acontece neste
estudo. Elementos da cultura do maracatu, até então visto como popularesco, pejorativo e
70
marginal, passam por uma nova construção de seus significados e consequentemente nossos
códigos compartilhadas por esse grupo.
Vejamos, no exemplo a seguir, como a nosso entrevistado descreve sua chegada ao
maracatu e todo o encantamento vivido em trabalhar este ritmo. Contextualizando esta
passagem, o nosso entrevistado narrava seu histórico na música como sambista, e sua
participação em uma escola de percussão por insistência de sua esposa.
Entrevista 08 – linhas 79 a 116
Verbal – a narrativa mostra o
Lá no bairro do Recife. E ela que me
encantamento do entrevistado na nova
convenceu, eu –resmungo- no início
experiência vivida. Sua empolgação é
eu meio até que relutei “ah to com
tanta, que narra os sons do batuque na
preguiça, num sei que lá, não vale a
tentativa de se fazer compreender
pena” não conhecia o ritmo... muito
diante do seu entusiasmo.
bem, né, ? daria também outros
Não verbal – na primeira fase da
ritmos, ai eu fiquei... né? Lá...
narrativa o tom trabalhado tem a
Tipo, se propõe a, a, a ensinar outros
função de explicar e afirmar o processo
instrumentos, como pandeiro, que eu
vivido. Quando este se refere ao
tinha mais ou menos uma noção,
maracatu, temos um tom de
porque meu irmão também tocava
entusiasmo e euforia na narrativa.
pandeiro
Outro aspecto não verbal percebido
Mas eu não tinha... Molejo etc. Aí eu
são os movimentos com mãos e braços
fui. E quando eu cheguei lá, eu tive
simulando o tocar no maracatu. O
muita sorte porque, era uma oficina...
entrevistado fica tão entusiasmado com
Uma oficina fantástica porque... Ele
a narração, que levanta e dança
trabalhava, ele ia além dos
batendo com os pés, enquanto que seu
instrumentos, ele ia, o, o mestre, o
tom de voz volta a ser explicativo
professor, ele trabalhava toda
enquanto fala sobre os contratempos
musicalidade corporal então... A
musicais do ritmo.
gente fez durante um ano de oficina,
não sei mais ou menos, não sei quanto
tempo, um ano de, de, de, de trabalho,
ai aquilo, né, aí o maracatu entrou aí.
71
Foi entrando devagar, entrando
devagar... E aí eu fui descobrindo o,
o, o ritmo. E foi uma coisa...
fantástica, quer dizer, a partir do
momento que eu tive contato com
maracatu, e que eu pude compará-lo
com, com, com o resto, eu via que eu
não sabia nada, quer dizer, que eu
não, o que eu sabia de samba, o que
eu conhecia, o que eu gostava de
samba era muita, muito pouco do que,
daquilo que eu tava descobrindo ali.
Né, porque... Tecnicamente samba e
maracatu são completamente
diferentes, né, são... São ritmos de
origens, é, da mesma origem africana,
mas de idéias, você assim, de
concepções técnicas diferentes, né,
assim, o... Enquanto que o samba é, é
um ritmo binário.
É , não querendo entrar na técnica
Do, da, da musicalidade, mas, falando
só pra sintetizar assim, enquanto que
o samba é um ritmo binário, que é
uma batida simples né, pá pá pá pá,o,
o, o, o...
O maracatu, é... Ele trabalha o tempo
quartenário, então pra você fechar o,
o, o, o ritmo do maracatu você tem
que fazer quatro tempos, pá, pá pá,pá
pá, pá pá pá pá pá, e isso é muito
complicado, isso é difícil, porque ele
trabalha no contratempo.
72
Este novo não carregará consigo o estigma ou fascínio do exótico. Os integrantes das
escolas de percussão não se sentiram como exploradores de novas culturas, nem tão pouco
arqueólogos em busca de costumes distantes. Sua vivência e participação na construção dessa
cultura lhe dão a chancela do que denominaremos de um consumidor do erudito cultural. Sua
tradução em consumo de moda estará atenta a tradições renovadas. Seus trajes serão
construídos de referências das suas novas experiências.
6.5 Categoria Analítica – 05
A princípio e durante a análise do nosso corpus, viemos a associar esta categoria ao
prazer. Com o aprofundamento e as descobertas feitas, ficou claro que esse prazer tinha uma
relação direta com o Eu, e o consumo aqui descoberto está diretamente ligado à satisfação
pessoal. O fazer aula de percussão ou participar de um maracatu não será dividido com mais
ninguém.
Diante da descoberta do um consumo pessoal que o corpus nos apresentou, buscamos
mais uma fundamentação teórica que viesse a nos apoiar nesta análise. No pensamento dos
pioneiros da área, temos em Hirschman e Holbrook (1982) as primeiras ideias de como e por
que se processa essa forma de consumo. Para os autores, o consumo não pode ser analisado
apenas por questões econômicas ou ligadas diretamente às necessidades básicas. Assim,
propõem uma análise com base na perspectiva que estes denominam de experiencial. Esta
nova perspectiva passa a explorar os significados simbólicos deste consumo em formas
subjetivas tais como: alegria, sociabilidade e elegância. Os autores buscam traçar uma relação
entre as respostas cognitivas e a reação de envolvimento na orientação de consumo. A
atenção, interesse e entusiasmos assumem diretamente uma ação sobre a experiência de
compra. Segundo Hirschman e Holbrook (1982), o consumo para si pode ser definido como as
facetas do comportamento do consumidor relativas aos aspectos multisensoriais, fantasiosos e
emotivos da experiência de alguém com produtos. A capacidade de despertar a emoção não
deve ser tratada simplesmente como uma variável de forma ou preferência, e sim como uma
característica funcional deste consumo.
Para o entrevistado número 06, ao responder sobre o que mais o fascina no maracatu,
sua narrativa apresenta uma relação direta com um prazer pessoal. Vejamos:
73
Entrevista 06 – linhas 84 a 99
Verbal – a narrativa tenta explicar a
Rapaz, essa é uma pergunta... Bem
alegria e o prazer de fazer parte do
colocada. Porque... A expressão da
maracatu.
alegria, não sei se é a alegria, se é a
Não verbal – tom de voz embargado
musicalidade, se é um, se é só a
de emoção em narrar o texto.
música, se é só a dança... Mas é uma,
uma... Uma síntese de coisas,
entendeu, que não dá muito pra você
parar. É ... A cultura dos caras, né. E
isso, é... É único. É uma coisa que não
tem, eu não conheço em nenhum lugar
do mundo, nunca tinha visto uma
coisa daquelas, entendeu?
A experiência vivida e narrada por nosso entrevistado 06 é muito pessoal. O não saber
explicar o que ele sente no momento de fazer parte deste universo traduz algo que está
intrínseco a sua vivência. Consumir a vivência aqui apresentada por nosso entrevistado mostra
claramente o pensamento de Hirschman e Holbrook (1982) com relação as diferenças
individuais, já que experiência hedônica surge de produtos que tendem fortemente a evocar níveis
acrescidos de fantasias, sentimentos e diversão. Relacionado com as artes, cinema ou música;
este consumo tem uma conexão direta com as escolas de percussão e os grupos de maracatu.
A emoção e o prazer de fazer parte, são as grandes forças motivadoras. Neste contexto, o
individual será um novo indicador de desejos, onde para o nosso corpus, percebemos que a
diferença será um fator de integração.
Sou diferente dos outros grupos, e dentro do meu próprio grupo a minha
individualidade será destacada como original. Diante desta conclusão, não teremos nesta
categoria um adjetivo, mas sim todo o significado que o HEDONISMO pode representar. O
consumo de moda aqui apresentado buscará a exclusividade, o único; mas que não o segrega e
sim o aglutina.
74
6.6 Categoria Analítica - 06
Nesta categoria, o desejo apresentado nas narrativas traduz valores culturais
compartilhados neste grupo transformados em consumo simbólico construtor de uma
identidade de seus membros, como já vimos no pensamento de Baudrillard (2000). Estas
referências, associadas ao real ou ao imaginário do maracatu, carregam em seu bojo muito da
tradição cultural de Pernambuco onde símbolos educativos, farão uso da memória afetiva na
construção do seu significado (BAUDRILLARD, 1973). Nos exemplos que a traduzem,
veremos o quanto o orgulho em fazer parte esteve presente.
Durante a fala do nosso entrevistado 07 foi perguntado sobre como ele havia
ingressado neste universo. Sua resposta foi imediatamente associada a esta categoria.
Vejamos:
Entrevista 07 – linhas 18 a 22
Verbal – a narrativa deixa claro sua
E aí quando... Eu sempre gostei
atração pela cultura popular, e que esta
muito, muito da, da... Sou
atração é anterior a sua participação
pernambucano, sempre gostei muito
nas escolas de percussão e maracatus.
da nossa cultura, da dança popular,
comecei minha carreira fazendo
Não verbal – tom de voz
teatro... Eu sempre tive muito
simbolizando prazer em revelar sua
envolvimento com as pessoas que
história. Além disso, temos no
fazem... É... A, a cultura aqui no
movimento de mãos e braços, em
estado. E assim, a música popular que movimentos ascendentes, a tentativa
eu tive muito próximo, sempre gostei
de enfatizar o quanto o que foi narrado
muito, quando ia, de, de maracatu, de
é valorizado.
caboclinho, de maracatu rural, de
maracatu de baque-virado.
O ser pernambucano, dentro da classificação de categoria analítica 02, é reforçado
com seu histórico, o tornando uma fonte de informação sobre a cultura local para o seu grupo.
Da mesma forma quando afirma: “a música popular que eu tive muito próximo, sempre gostei
muito, quando ia, de, de maracatu, de caboclinho, de maracatu rural, de maracatu de baquevirado”, revela sua paixão e admiração pelo grupo que agora é integrante. Sua admiração e
75
valorização deixam de ser contemplativas e passam a ser participativas. Ele agora é parte da
cultura.
Nesta participação ativa da cultura, é interessante lembrar o pensamento de Maciel e
Miranda (2008) sobre a transição do simbólico no tempo e espaço da cultura pernambucana.
Para os autores, personagens que no passado carregaram um estigma negativo, como é o caso
dos Senhores de Engenho, vêm a ter seus modos de vestir replicados em nossos dias. No
universo dos maracatus, questões de religiosidades africanas como o candomblé, que ainda
em dias atuais são vistas como marginais à sociedade, vem a ser valorizadas por seus novos
integrantes, como é o caso do nosso corpus de pesquisa. Cremos que esta alteração de valor se
dá por dois motivos. O primeiro por conta da vivência, desmistificação e reconhecimento da
estrutura e funcionamento desta religião. A segunda possibilidade seria por esta religião ser a
base do maracatu. Todo maracatu de raiz tem sua origem na formação das cortes africanas
diretamente ligadas ao candomblé. Assim, justificado na categoria analítica em questão, o que
antes poderia tem um caráter negativo, passa a ser valorizado como referência cultural
também.
Focando no consumo de moda, temos na entrevista 04 uma relação de alguns
elementos do vestuário ou de suas matérias-primas, reconhecidos pela sua referência cultural,
vindo a ser consumidos por conta da vivência no maracatu ou escolas de percussão. Quando
indagada sobre como é esse momento do desfile carnavalesco, a entrevistada descreve o seu
figurino, e como este está carregado de referências que para ela são culturais.
Entrevista 04 – linhas 183 a 187
Verbal – a narrativa descreve um novo
E como, e como, e como, assim, dono,
produto que até então era visto como
vamo supor, da Cabra Alada. Que ele
algo negativo ou de baixa qualidade.
utiliza muitos, é... É... Recursos,
muitas informações regionais na
Não verbal – tom de voz expressa,
confecção do figurino.
num sorriso meio sem graça e um
Então assim, presilhas... É... A chita
volume mais baixo ao falar, a
mesmo, a chita entrou na minha vida,
vergonha em não ter reconhecido antes
até a chita que sempre foi um tecido
o valor destas referências culturais.
pouco valorizado entrou na minha
76
vida, hoje eu uso faixa de cabelo de
chita, uso uma, uma, um... Sei lá, um
broxe de chita, uma fivela...
Assim como no exemplo anterior, vemos a migração de valores. Desta vez a chita,
matéria-prima acima citada, passa a ter um simbolismo cultural por conta do seu uso histórico
no universo popular e em especial do maracatu. Nos maracatus de tradição, também
chamados de Nações, a chita aparecerá no dia-a-dia dos seus membros. Nos desfiles, tecidos
nobres com referência à corte (cetins, brocados e lamês) serão os mais utilizados (MONTES e
RIBEIRO, 1998).
Como vivido na categoria 05 onde a sintetização não foi feita com a associação a um
adjetivo, se repetirá na categoria 06 a mesma lógica. Aqui, encontramos na frase
REFERÊNCIA CULTURAL, o uma síntese do que essa categoria representa. A construção
da identidade de moda estará carregada de materialidade regional. Seja na matéria-prima seja
nas formas. O vestir a minha identidade transporta, seja em referência simbólica ou na matéria
prima, a minha história
6.7 Categoria Analítica – 07
Muito próximo da categoria NOBREZA (aqui você já pode dizer qual), esta
classificação nos mostra um dos desejos do ser humano que é a busca pela beleza. Este desejo
está fundamentado na cresça de que este belo lhe servirá de ferramenta para sua aceitação e
pertencimento. Para dialogarmos entre a categoria analítica aqui trabalhada e o corpus do
nosso trabalho, uma nova bibliografia fez-se necessária. Indo bem distante na formação de um
conceito de beleza, veremos em Platão (SUASSUNA, 1996) uma associação direta do belo ao
bem, onde na verdade nossa atração ao belo nada mais será que a saudade que temos da nossa
passagem pelo mundo dos arquétipos, onde a perfeição estava ali representada como a pureza
verdadeira das formas. No pensamento de Eco (2004), o belo ainda carrega consigo essa
associação ao bom; e esse bom não é somente algo que me agrada, e sim algo que queremos
ter. Pensando assim, veremos como a beleza ou o se sentir belo, esteve presente como mais
um dos elementos da construção da identidade deste grupo.
77
Quando indagado sobre como era a sua participação no maracatu que fazia parte, o
entrevistado 01 descreve o quanto estar bem apresentado é importante. Vejamos:
Entrevista 01 – linhas 34 a 37
Verbal – a narrativa mostra o quanto
Num sou da batucada, como todo
ser percebido como belo ultrapassa
mundo pensa que um cabra que faz
padrões de comportamento do seu
veterinária tem que ser super macho.
meio além do maracatu.
Gosto de tá no desfile. Ser vassalo ou
caboclo-de-lança. Gosto mesmo é de
Não verbal – tom de euforia em narrar
me amostrar.
o texto. Além disso, mãos e braços
descrevem gestos da dança e dos
movimentos durante o desfile.
Para o entrevistado a beleza tem uma associação muito grande com sensualidade. Na
euforia do tom da narrativa, ficou claro uma valorização pessoal quanto a ser um homem
atraente e belo, e o quanto este fato é algo que lhe faz bem.
Essa associação com a sensualidade também é vista na narrativa da entrevista 04. A
entrevistada se refere a um dos componentes do grupo e ao seu marido. No seu depoimento
tratou de uma beleza associada à masculinidade e virilidade masculina.
Entrevista 04 – linhas 252 a 276
Verbal – a narrativa apresenta uma
Assim, a forma de Jorge, por
sensualidade natural percebida nos
exemplo, tocar, eu... É uma forma
seus integrantes, através de alguns
assim... Encantadora. Eu digo olhe,
gestos do maracatu durante o desfile.
Chico, assim... Até hoje eu digo, Jorge Esta sensualidade está associada a uma
tocando é impressionante! Como ele
masculinidade e virilidade.
toca bem. Assim, eu digo, tem duas
pessoas que eu acho que tocam muito
Não verbal – tom de empolgação em
bem, além de Chico né, claro.! Eu
relatar a sensualidade dos envolvidos
digo é Jorge, e um menino lá da
na narrativa. Mãos gesticulam tentando
Nação Porto Rico. Que eles, eles se
demonstrar o volume dos ombros e
destacam assim, pelo charme, pela,
braços dos envolvidos nos movimentos
78
acho que assim até a virilidade.
do maracatu.
A força... É realmente são, são
destacados, assim. Outras pessoas
tocam muito bonito, tocam, tem gente
que toca até se amostrando demais,
que eu acho que fica feio...
De certa forma. Mas eles tocam muito
bonito. Aí assim, isso, isso chamava a
atenção. No vestuário não muito,
porque... Era normal, pessoal normal.
Onde você encontra pessoas muito,
como a gente encontrava,
normalmente que vai pra grupo você
vê pessoas mais... é mais ligadas às
artes de uma forma geral. E todo
mundo que é ligado às artes
independente de ser música, mas a
cinema, a dança, às... artes plásticas,
teatro, artes plásticas mesmo, já tem
um diferencial de comportamento e de
vestimenta.
No exemplo a seguir, veremos o belo ligado ao vestir e ao tocar no maracatu. A
entrevistada explica como nos instrumentos que já tocou, a roupa tem uma funcionalidade que
vai além da liberdade dos movimentos para essa função. Da mesma forma que descreve sua
finidade com o Abê12 e a sensualidade necessária no figurino para esse instrumento.
Entrevista 02 – linhas 87 a 21
Verbal – a narrativa mostra a
Eu acho que as, as poucas vezes que
sensualidade da execução de um dos
eu toquei alfaia, tem que ser uma
instrumentos do maracatu e a
roupa confortável que não atrapalhe.
preferência da entrevistada por esse
12
Espécie de chocalho feito com uma cabaça e uma trama de linha e contas amarradas em seu corpo
79
Pra... Por causa do tambor, do
instrumento.
instrumento. Mas Abê é divertido que
seja uma saia ... Porque Abê é um
Não verbal – mãos e braços
instrumento mais feminino. Então que
movimentam-se descrevendo no ar o
seja uma saia, que você, que a pessoa
movimento das saias no uso do abê.
quando tenha que dançar, faça todo
Tom de voz remetendo a sensualidade
aquele movimento de rodar, fica mais
dos movimentos, dando graça e
bonito. Do quê... Normal... Você pode, feminilidade a narrativa.
você pode tocar Abê com uma calça,
com um shortinho, alguma coisa
assim, só que mesmo assim, mas não é
tão bonito, e nem é tão divertido
quando você tá com um saião,
rodando...
O Abê é... Normalmente são as
meninas que tocam Abê, são poucos
os homens que tocam. Então fica
aquela ala mais feminina, fica mais
bonito visualmente a dança, (palavra
inaudível), a cor, sendo que a roupa
da gente normalmente é diferenciada
do pessoal da... Da, do, das alfaias na
hora do desfile ou coisa assim.
A década de 90 na cidade do Recife foi um ambiente propício para despertar na
estética do maracatu uma beleza reconhecida por grupos que foram além de suas fronteiras
(VICENTE, 2005). A que valorização dessa estética surge com o Movimento Mangue Beat, e
esse fará uso de símbolos do universo do maracatu como elementos de referência. Assim, o
belo descrito por nossos entrevistados não tem o mesmo padrão reconhecido pela grande
massa. Numa ação trickle-up (SIMMEL, 1957), essa nova estética ganhará as ruas desta
cidade, mas não foi massificada, continuando a ser consumida por um grupo restrito, vivendo
o que o Simmel chamará de trickle-across. Essa não massificação da nova estética, fará com
que essa mesma forma de vestir e reconhecer o belo esteja restrita ao grupo construindo uma
digital na forma de vestir.
80
Assim, o nosso adjetivo de associação com a categoria passa a ser BELEZA. Mas esta
beleza aqui traduzida e sintetizadora da nossa análise, se dá ao fato de que o belo aqui
apresentado, apesar da associação a “sensualidade” e ao “ser atraente”, carrega consigo
também muito da referência e do saber cultural.
6.8 Categoria Analítica - 08
Nesta categoria, traço um paralelo com o consumo de pátina que apresentamos no
pensamento de McCracken (2003). Para o autor a pátina está diretamente ligada ao tempo. Só
existe um e ter esse raro me faz pertencer. Esta categoria que aqui nos referimos, bebe um
pouco nesta fonte da exclusividade, do único e do incomum; mas essa posse,
antagonicamente, é compartilhada. Participar de escolas de percussão ou fazer parte de um
maracatu trabalha um consumo compartilhado do raro.
Vejamos o quanto o exclusivo estará presente no consumo para os nossos
entrevistados. Quando questionado sobre qual a grande diferença dos outros grupos e o grupo
do maracatu, o nosso entrevistado 01 revela:
Entrevista 01 – linhas 48 a 52
Verbal – o discurso descreve um
Cara, é um outro mundo. Apesar de
paralelo entre dois universos do
trabalhar com animal, que é muito
entrevistado. O nascimento de um
bom. Arretado mermo! Não tem a
animal o emociona, mas não tem a
mesma energia. E olha meu veio, ver
raridade do desfile do maracatu.
bicho nascer é emocionante. Mas o
carnaval, as ladeiras o povo e o
Não verbal – tom de empolgação
batuque do maracatu é outra história.
positiva e única do que está narrando.
Vemos neste exemplo uma grande associação com a categoria 03. O entrevistado tem
dois espaços de convivência que o encanta, mas o maracatu lhe traz a sensação de consumir o
incomum. Nossa entrevistada de número 03 traz na fala - “É legitimamente brasileiro!” - o
quanto para ela essa exclusividade é importante. Já a entrevistada número 04, no decorrer de
sua narrativa, descreve a raridade existente no maracatu em que faz parte. Vejamos a seguir:
81
Entrevista 04 – linhas 380 a 385
Verbal – a narrativa traz uma
Ela é a última rainha negra,
informação que transforma o seu
consagrada, pela Igreja Católica, na
maracatu exclusivo e único.
época, no ano que se permitia ainda
a...O, o sincretismo. Entre o
Não verbal – tom explicativo ao
candomblé, e a religião Católica, ela
descrever o texto. Dedo indicador
foi a última rainha batizada na Igreja
erguido reforçando o quanto esta
do Rosário dos Pretos, dali do Pátio
informação é importante.
do Terço
Ela foi a última, depois dela nenhuma
mais, nenhuma mais foi né. Que já
tem várias né, Dona Santa. E outras
tantas, mas ela foi a última, tá sendo.
É uma lenda viva!
A chancela de ter a última Rainha de Maracatu viva no Estado dá à nossa entrevistada
a posse do raro. Em outro exemplo de sua fala, veremos como esse raro e exclusivo migra
para a moda. No exemplo a seguir, ela fala sobre de detalhes do traje das mulheres que fazem
parte do grupo.
Entrevista 04 – linhas 289 a 293
Verbal – a raridade aqui narrada está
Por exemplo, uma vez que eu vi uma
na exclusividade da peça usada por um
menina que ela fez um bordado num
membro do grupo.
vestido todo de botão. Que eu nunca
tinha visto. Mas era todo colorido,
Não verbal – tom de admiração pelo
quando cheguei perto, poxa, botão!
resultado e criatividade com o uso do
Que interessante né’ você via de longe inusitado.
assim, uma coisa que sabia que tinha,
e era bom coisa de formas, cores,
jeitos diferentes. Quando eu, ai eu
‘poxa que legal’ ai ela ‘ah, fui eu
quem fiz, eu gosto de mexer com
moda’, num sei o quê.
82
A entrevistada número 04 também descreve que: “Assim, é engraçado. Porque no
trabalho eu vou mais formal, sempre igual. Vou... Quando eu vou tocar maracatu, eu vou
meio que vestida, tem aquela, aquele, ah ‘Vou me vestir pra ir pro maracatu’ diferente de
como eu me visto pra ir pra uma festa.”. Existe neste depoimento algo que reforça o exemplo
acima: o exclusivo no espaço raro. No seu ambiente de trabalho ela vem a usar o que todos
usam, decerto que comunicando e se integrando com o grupo, mas não existe a intenção de
possuir o exclusivo no seu ambiente de trabalho, mas sim no maracatu onde toca.
Como já visto por Craig e Haytko (1997), temos neste corpus analisado claramente a
presença de um consumidor interpretativo. O seu consumo está atrelado ao simbólico e uma
interpretação deste simbólico nas suas crenças e valores pessoais. Consumir passará
obrigatoriamente pelas histórias e referências da cultura que valorizo, traduzidas em objetos
ou serviços, o que chamaremos de RARIDADE. Essa raridade tem a função de integração,
onde elementos do vestuário são distitintivos de pertencimento. Seja na cor, ou em símbolos
exclusivos de cada Nação ou escola de percussão, o raro me faz parte e é compartilhado pelos
meus pares.
Diante desta análise, percebemos o quanto a adoção de moda está presente neste
subgrupo. No transcorrer das categorias analisadas, que vivemos uma dinâmica de produção e
consumo, que se retroalimenta mantendo um movimento Trickle-Across perpetuando sua
unidade hermética.
83
6.10 – Iconografia do personagem do maracatu x iconografia de moda.
Neste mergulho na cultura do maracatu e suas escolas de percussão, percebemos uma
relação entre personagens desse folguedo e características das categorias analíticas aqui
trabalhadas. Estas semelhanças estão fundamentadas em papéis desempenhados por estes
personagens e como, através dos tempos, estes papéis foram se fortalecendo ou criando outros
significados para a cultura em que estão inseridos. Focados em identificar o processo de
construção da identidade de moda de grupos alternativos, e fazendo uso da relação categorias
analíticas + personagens de maracatu, traçamos uma relação indicativa de elementos
norteadores de características que um produto de moda destinado a esse público deve ter na
formação da identidade deste grupo. Assim, o que deste ponto em diante chamaremos de
características de consumo do corpus analisado nada mais será que a integração da
informação construída neste trabalho e características folclóricas e históricas do universo
alternativo dos tocadores de tambor da cidade do Recife e Olinda. O objetivo desta integração
categoria analítica + personagens do maracatu + características do produto, é ressaltar o
quanto este universo tem uma relação integrada e como esta integração pode ser trabalhada
em produtos de moda.
Por outro lado, se buscarmos no pensamento de Barthes (2003) a mitificação que estes
personagens ganharam com o tempo, veremos que essa relação ficar ainda mais consistente.
Para o autor, o mito nada mais é que uma fala. Ou seja, um conceito construído por uma
sociedade dentro de um tempo e espaço, com funções reinventadas por essa mesma sociedade.
Da mesma forma que um mito não se define pelo objeto de sua mensagem, mas sim como
este é anunciado. O mito é uma fala escolhida pela história, uma mensagem que não pode ser
um objeto, conceito ou idéia, mais sim uma forma, um modo de significação.
Assim, se analisarmos os ícones aqui apresentados em nível de mito, veremos que sua
representação nada mais é que uma significação da fala reconhecida e valorizada pelos
integrantes do nosso corpus. Mais interessante se torna nossa análise, se observarmos também
as relações religiosas contidas neste ambiente. O sincretismo religioso e seus disfarces para
manter viva uma subcultura em períodos de repressão as manifestações africanas e nossas
terras, tem na mitologia de sua religião elementos que são transportados e comunicados nestas
falas de forma mítica. Como exemplo temos a percepção da rainha do maracatu ou do caboclo
84
de lança dentro e fora deste universo, onde existe todo um respeito e admiração pela carga
histórica que estes personagens carregam além do período carnavalesco.
O que buscamos com esse novo foco é apresentar como marcas também podem ser
mitificadas por estes grupos alternativos. Um caso bastante conhecido desta possibilidade são
as motocicletas Harley Davidson (McALEXADER e SCHOUTEN, 1995) e toda a fala de
liberdade e rebeldia que vai além do objeto motocicleta, migrando para tatuagens, roupas e
um comportamento que constroem uma identidade própria para seus componentes.
Para facilitar nossa análise fizemos uso, quando necessário, do modelo trabalhado por
Maciel e Miranda (2008) sobre identidade cultural e consumo de moda focado no estado de
Pernambuco. Neste, 05 critérios foram apresentados a partir de características percebidas nas
referências iconográficas do período que os autores classificam de tempo áureo da cana-deaçúcar (período compreendido entre o séc. XVI e XVII) e seus reflexos na também
denominada pelos autores de Civilização do Açúcar, sociedade contemporânea constituída por
pernambucanos formados na cultura do seu Estado. São trabalhados nestes critérios aspectos
relativos a modelagem – comprimento e volume das peças; cor – pontos em comum das cores
e suas composições nos trajes; materiais – matérias utilizadas na construção das peças;
composição – forma como as peças do traje e pontos em comum no uso de acessórios; e
gestual – postura e comportamento durante o uso do traje.
85
6.10.1 Nobreza – A Rainha do Maracatu
Ícone 01 - Rainha do Maracatu
Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010
Descritivo do ícone - Personagem central do maracatu tem uma representação direta com as
mães de santo dos terreiros de onde fazem parte. Sempre vestida com luxo, ostenta a nobreza
da sua corte, sendo soberana e protetora dos seus súditos. No maracatu, apesar da presença do
rei, a rainha tem uma relação de conhecimento e domínio de sua côrte. Talvez por sua atuação
social na comunidade de origem, esse domínio da sua “côrte” tenha pouco a pouco migrado
para o personagem que representa. Tradicionalmente é o personagem de maior respeito e
admiração entre os seus seguidores.
Similaridades com categoria analítica – soberania e sabedoria reconhecida pelo grupo vem
a ser o elo deste personagem. Mesmo fazendo parte de um universo machista, a matriarca do
maracatu é sempre consultada para os mais diversos assuntos, sendo percebida como uma
referência cultural. Este reconhecimento e valor esteve presente como um desejo dos nossos
entrevistados.
Característica do produto de moda – nesta categoria a distinção será o elemento- chave,
trazendo ao grupo o reconhecimento de nobreza. Outra característica presente também será a
da referência extragrupo; os nossos entrevistados declaram de forma positiva o fato de serem
86
reconhecidos como uma referência de consumo de moda. Essa moda não é algo comum ou
massificado, mas sim carregado de referências culturais.
Materiais – teremos aqui uma releitura de materiais considerados populares, como o
algodão. Para esse consumidor, a nobreza está na sua história, pois o algodão, a palha,
e a até a própria chita serão interpretados em peças com o valor da tradição e
referência. Essa transformação da matéria-prima simples em algo nobre fica clara na
narrativa da entrevista 04:
“A chita mesmo, a chita entrou na minha vida, até a chita que sempre foi um tecido
pouco valorizado entrou na minha vida, hoje eu uso faixa de cabelo de chita, uso uma,
uma, um... Sei lá, um broxe de chita, uma fivela.” (Entrevista 04, linhas 190 a 193)
6.10.2 Pertencimento - Umbrela
Ícone 02 - Umbrela
Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010
Descritivo do ícone – grande guarda-sol ou sombrinha, confeccionado em tecido
preferencialmente nobre, é ricamente adornado com plumas e pedrarias. Sua função é
proteger a corte, Rei e Rainha, durante o desfile do folguedo.
Similaridades com categoria analítica – como elemento de proteção, vemos na umbrela um
integrador dos que fazem parte do maracatu. Visto de qualquer parte durante o desfile, por ser
depois do estandarte o adereço mais alto do cortejo, transmite a sensação de núcleo ou
87
coração do folguedo. Da mesma forma que fora deste universo, a umbrela, guarda-sol ou
sobrinha, são percebidos na linguagem corporativa como algo que engloba elementos afins,
com o objetivo de integração.
Característica do produto de moda – diante da conclusão que tivemos durante a análise do
nosso corpus, na qual a diferença será um dos fatores de integração para este grupo na relação
dentro e fora do grupo, esse pertencimento não estará associado a uma padronização rígida tal
como uma farda militar ou um uniforme escolar. Semelhanças na modelagem, na matériaprima e na cor serão os grandes elos de conexão. Assim, apresentamos abaixo, dentro dos
critérios de análise de Maciel e Miranda (2008), como estes elementos se apresentam.
Modelagem – veremos uma preferência por uma modelagem ampla nas saias. Esta
modelagem virá do movimento vivido durante os ensaios e apresentações do maracatu,
com a saia sendo uma extensão do corpo, dando maior movimento a evolução da
dança. Quando trazida para o seu dia-a-dia, esta peça sofrerá uma redução do seu
volume, chegamos ao que conhecemos como saia A13. Vejamos na narrativa da
entrevista 02 como essa preferência é citada.
“Mas Abê é divertido que seja uma saia ... Porque Abê é um instrumento mais
feminino.” (Entrevista 02, linhas 72 a 74).
Cor – a cartela de cores irá de tons mais terrosos, tais como o bege, ocre e marrom
associadas às questões étnicas da cor da pele dos negros. Da mesma forma que o
colorido do carnaval e a relação do sincretismo apresentará uma cartela de cores
primárias e secundárias vibrantes. Abaixo temos um exemplo de como a cor será um
fator positivo.
“Por exemplo, uma vez que eu vi uma menina que ela fez um bordado num
vestido todo de botão. Que eu nunca tinha visto. Mas era todo colorido,
quando cheguei perto, poxa, botão!”(Entrevista 04, linhas 289 a 292).
Matéria-prima – apesar de não haver citação sobre a materialidade das roupas, fica
claro no discurso dos entrevistados a busca pelo natural no vestir. A chita, por
13
Modelagem onde da cintura até a barra da saia teremos a forma de um trapézio.
88
exemplo, citada em exemplos anteriores é 100% algodão. Para o nosso entrevistado
08, a busca por elementos naturais fica evidente quando este diz:
“Acho que tudo que vem da natureza. O som do tambor como diz Naná
Vasconcelos é o som da terra. Se, se num é natural, não tem essa
ligação.” (Entrevista 08, linhas 123 a 125).
6.10.3 Liberdade – Batuqueiro
Ícone 03 - Batuqueiro
Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010
Descritivo do ícone – Os batuqueiros do maracatu são responsáveis pela musicalidade do
folguedo. Sua percussão marcada carrega em sua batida a liberdade de expressão negra
reprimida e a liberdade festejada durante o carnaval em seus desfiles.
Em sua maioria formada por homens, os batuqueiros, comumente, têm seu figurino resumido
à parte inferior, deixando seu tronco e braços livres para os gestos necessários na execução do
batuque. Isso vem a ressaltar mais ainda a liberdade vivida e pregada por esse personagem.
Similaridades com categoria analítica – além da liberdade de expressão que este grupo tem
durante a sua exibição, os batuqueiros também buscam no comando respeitado a partir de uma
liderança reconhecida; neste caso o mestre do maracatu. Nossos entrevistados também
escolhem o seu líder, podendo migrar de grupo sempre que lhe convier. Mesmo quando existe
89
a migração e o reconhecimento com os mestres e professores já vividos será mantido e
referenciado.
Característica do produto de moda – veremos aqui que a liberdade e o conforto serão
elementos primordiais. A liberdade aqui apresentada refere-se a uma fuga do cotidiano e a
percepção do “mundo alternativo” como um local despojamento de padrões sociais. O
conforto também terá essa relação com a liberdade dos movimentos e expressão. Dentro dos
critérios que estamos trabalhando temos:
Modelagem – a preferência por uma modelagem ampla tanto no masculino como no
feminino serão frequentes. Na entrevista 04, a entrevistada refere-se às roupas usadas
no desfiles e as dificuldades vividas.
“Porque a roupa nem sempre é confortável, pra quem toca o instrumento que
eu toco. Pra quem toca alfaia, as roupas da gente são terríveis. Desse ano, elas
são muito... Cheias de coisa, cheias de acessórios, roupa pesada.” (Entrevista
03, linhas 88 a 91)
Materiais – mais uma vez veremos a presença do algodão, mas neste caso focado no
conforto que esta matéria-prima proporciona em contato com a pele e a facilidade que
este material tem em ser refrescante no clima tropical. A entrevistada 02 narra sua
preferência ao vestir quando indagada sobre o que veste além do ambiente do
maracatu. Nas peças citadas, a presença do algodão é a base dessa produção.
“Sinceramente, é muito roupinha de domingo de tarde. Bermuda, camiseta.
Bermuda, camiseta. É... sandália também.”(entrevista 02, linhas 178 a 180).
Composição – não veremos superposição de peças presentes neste grupo. A
simplicidade em peças únicas como saia e blusa para o feminino, ou calças e camisas
para os meninos, será uma constante. Vejamos na fala do entrevistado 04:
“Às vezes eu ia sempre com a mesma bermuda, de chinela havaiana, e só
mudava a blusa.” (Entrevista 08, linhas 152 a 154)
90
6.10.4 O Novo – Mangue Boy
Ícone 04 - Mangue Boy. Fonte Mangue Bats – Tipos do Acaso – Sebrae/PE - 2003
Descritivo do ícone – nome dado aos integrantes masculinos do movimento Mangue Beat, é
o grande consumidor dos frutos deste movimento. Criador e mídia de uma nova estética, tem
seu pensamento voltado para o futuro, mas com conceitos e referências históricas e culturais.
Antenado assim como as parabólicas14, busca sempre a inovação, seja musical ou tecnológica.
Nega o sexo virtual e revira constantemente o seu baú de memórias refazendo a cena cultural
ao seu redor.
Similaridades com categoria analítica – o desejo de experimentação é o grande elo entre
este ícone e a categoria proposta. A busca pelo novo seja em qual for o seguimento lhe dá um
caráter cosmopolita, que lhe faz reconhecer o novo e o traduzi-lo para seu tempo, espaço e
cultura. Essa é uma das características dos nossos entrevistados. Em muitos casos, a
curiosidade e a busca por este novo foram responsáveis pela chegada a te as escolas de
percussão e maracatus.
Como já vimos acima, este “novo” não tem a mesma lógica construída por McCraken
(2003) em uma nova forma de perceber valores e, consequentemente, de consumir que era
14
A antena parabólica é um dos símbolos do movimento Mangue Beat. Seu fundamento está na citação de
Chico Science sobre uma antena parabólica fincada na lama.
91
efetivamente novo. Mas sim, uma busca por algo que ainda não é comum, mesmo que este já
tenha um longo tempo de vida, como é o caso do maracatu.
Característica do produto de moda – como descrito também, o novo aqui materializado no
mangue boy terá uma referência do passado; onde novas tecnologias são mídias dessa relação.
Assim, referências vintage15 serão frequentes. Este grupo se alimentará de uma memória
afetiva.
6.10.5 Hedonismo – Baiana
Ícone 05 - Baiana
Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010
Descritivo do ícone – personagem de celebração da alegria no cortejo, está sempre adornada
com brilhos e balangandãs. Com uma postura altiva, tem o prazer de dançar em nome do rei e
rainha coroados do seu maracatu.
Similaridades com categoria analítica – buscando o prazer pessoal em fazer parte, seus
desejos de consumo são hedônicos, pois a vivência no grupo e a construção de sua história
não podem ser transferidas para um terceiro. Não existe sentimento de culpa ou de egoísmo
presente, apenas a certeza de um consumo por prazer.
15
Forma de consumo onde peças de roupa do passado, ou referências destas peças são utilizadas no
presente ou servem de base para criadores.
92
Característica do produto de moda – mais uma vez focados na diferença que integra, este
categoria carregará consigo a originalidade e customização no consumo de moda. O nosso
entrevistado tem a percepção que ele consome de forma diferenciada dos outros elementos do
seu grupo. Falando especificamente sobre as baianas, temos na entrevista 03 uma referência
que sintetiza essa forma de consumo. Na narrativa quanto perguntada sobre o figurino dos
batuqueiros no maracatu, temos a seguinte resposta:
“E usa umas roupas mais sisudas, as baianas que só fazem a parte que é uma
coisa muito bonita, visualmente falando são muito melhores.” (Entrevista 03,
linhas 78 a 80)
Quanto aos critérios de Maciel e Miranda (2008) aqui trabalhados, podemos
relacionar:
Composição – fica claro na narrativa da entrevista 02 o desejo de um consumo único e
exclusivo. Pois fará uso da customização para que sua camiseta lhe integre ao grupo e
ao mesmo tempo não seja massificada. Contextualizando o trecho, a entrevistada é
perguntada sobre como é o figurino das apresentações de sua escola de percussão.
“Então acho que de uns dois anos pra cá foi só camiseta. Que no caso eu, eu
customizei, mandei de uma camiseta grande, ampla, uma T-shirt, eu fiz uma
regatinha, até pra ficar mais bonitinha, com uma saia lisa, mas aí o adereço
principal que fez, foi pra cabeça.” (Entrevista 02, linhas 212 a 216)
93
6.10,6 Referência Cultural – Caboclo de Lança
Ícone 06 – Caboclo de Lança - Fonte Mangue Bats – Tipos do Acaso – Sebrae/PE - 2003
Descritivo do ícone – assim como um soldado, este personagem tem a função de abrir os
caminhos para o cortejo e guardar a sua corte. Característico do maracatu rural, não tão
comum na região metropolitana das cidades do Recife e Olinda, o caboclo de lança se tornou
nos últimos 10 anos uma referência da cultura pernambucana. Uma espécie de guardião desta
cultura.
Similaridades com categoria analítica – como o descritivo ícone apresenta, por ser
percebido como um guardião da cultura, sua similaridade será imediata. Mesmo este não
fazendo parte do maracatu de baque solto, espaço onde não realizamos nossa pesquisa de
campo, seu reconhecimento como guardião e percebido nos que compuseram o nosso corpus
de pesquisa.
Característica do produto de moda – elementos da cultura pernambucana estarão presentes
em estampas ou em acessórios para este grupo, em ambientes além do maracatu ou das
escolas de percussão. Com relação a materiais, vimos em categorias anteriores como a chita,
matéria-prima tão associada ao universo folclórico, passou a fazer parte da matéria prima
destas roupas. Da mesma forma que nomes de estilistas pernambucanos e grifes
especializadas em trabalhar a referência cultural foram citadas. Vejamos o que falou a
entrevistada 04:
94
“Eu fiquei mais aberta às influências, a Cabra Alada que tem João Neto como
estilista.”(Entrevista 04, linha 183)
Ou ainda na narrativa da entrevistada 02, quando perguntada sobre onde comprava
suas roupas. Esta se referiu em especial a suas saias e a relação que estas têm com os
movimentos para tocar abê.
“Mas lá mesmo tem umas diferentes, tem umas bonitas. Outras que eu vi, eu
não comprei, mas eu vi que tinha uma, uma, uma padronagem interessante,
que era bem grande, eu vi umas da... Madame Surtô.”(Entrevista 02, linhas
107 a 109)
6.10.7 Beleza – Mangue Girl
Ícone 07 – Mangue Girl - Fonte Mangue Bats – Tipos do Acaso – Sebrae/PE - 2003
Descritivo do ícone – assim como o Mangue Boy, este personagem também é fruto do
universo mangue. Antenado às questões culturais, faz uso desses elementos simples no seu
vestir, construindo uma sensualidade brejeira admirada e desejada que migrará para além
deste movimento.
Similaridades com categoria analítica – a busca pelo belo é a tônica desta similaridade.
Além disso, este belo não segue padrões impostos pela mídia, e busca na cultura valores que
possam ser expressados no seu vestir e na construção desse belo.
95
Característica do produto de moda – o produto de moda com base nesta característica deve
prezar pela simplicidade. Isso não significara dizer o mesmo que uniformidade ou
pasteurização. Este simples, refletido em linhas e na ausência do exagero, será revelador de
uma sensualidade e de um desejo de ser percebido como atraente. Nunca a vulgaridade de
peças ajustadas ao corpo ou de comprimentos micro serão percebidas como algo positivo.
Modelagem – apesar de amplas, como já visto na nossa análise sobre liberdade, a
sensualidade estará presente em ombros a mostra das mulheres, com o constante uso
da saia reforçando a questão do gênero. Mesmo se referindo às aulas de percussão, a
entrevistada 02 nos dá um exemplo que ilustra esta análise.
Eu acho que as, as poucas vezes que eu toquei alfaia, tem que ser uma roupa
confortável que não atrapalhe. Pra... Por causa do tambor, do instrumento.
Mas Abê é divertido que seja uma saia ... Porque Abê é um instrumento mais
feminino. Então que seja uma saia, que você, que a pessoa quando tenha que
dançar, faça todo aquele movimento de rodar, fica mais bonito. (Entrevista 02,
linhas 87 a 91)
Gestual – a expressão de prazer e alegria constante no subgrupo estudado, será um elo
com a beleza desejada nesta categoria. Como o corpo não será uma mídia direta desta
sensualidade, o conhecimento e história construídos no maracatu farão esse papel de
sedução. Outra característica estará presente na associação da virilidade masculina dos
batuqueiros, na qual a força será um elemento na construção desse belo. Vale lembrar
a narrativa da nossa entrevistada 04, quando se refere ao seu professor de percussão e
ao seu marido.
“Assim, a forma de Jorge, por exemplo, tocar, eu... É uma forma assim...
Encantadora. Eu digo olhe, Chico, assim... Até hoje eu digo Jorge tocando, é
impressionante! Como ele toca bem. Assim, eu digo, tem duas pessoas que eu
acho que tocam muito bem, além de Chico né, claro.! Eu digo é Jorge, e um
menino lá da Nação Porto Rico. Que eles, eles se destacam assim, pelo
charme, pela, acho que assim até a virilidade.” (Entrevista 04, linhas 252 a
257)
96
6.10.8 Raridade – O Rei
Ícone 08 – O Rei
Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010
Descritivo do ícone – representante da nobreza exilado em terras brasileiras, estes
personagem representa os reis trazidos durante o período da escravidão. Sua masculinidade e
força são vistos como um exemplo de perseverança e valentia.
Similaridades com categoria analítica – por ser um membro da nobreza, este ícone já é por
si só um elemento raro. Vem de uma linhagem nobre, e mesmo distante da sua corte, carrega
consigo esta realeza em lugares muito distantes de sua terra natal. Em nossa categoria
analítica essa relação se dará na não massificação deste consumo e em características de único
que estes ambientes venham a transmitir.
Característica do produto de moda – a raridade aqui tratada tem características que vão
além do exclusivo, pois esse raro é compartilhado com o grupo. Pensando assim, não
encontramos nos critérios criados por Maciel e Miranda (2008) uma relação com os itens
criados. Esta característica de consumo de moda estará presente no ambiente raro e inovador
da apresentação deste produto, na relação direta com a referência compartilhada pelos
membros deste grupo, na memória afetiva que este produto possa transportar.
Concluindo nossa análise, buscamos na construção de um gráfico sintetizarmos as
características aqui encontradas. Esta síntese tem a função de nos dar uma visão holística
97
deste universo e de como as categorias de nobreza, pertencimento, liberdade, o novo,
hedonismo, referência cultural, beleza e raridade estão interligadas e servem de suporte e
apoio entre si.
Gráfico 01 – Gráfico de inter-relação das categorias analíticas
Eduardo Maciel tendo como base a fonte Mangue Bats, 2010
Cada categoria aqui apresentada nada mais é que uma faceta da construção da
identidade do subrgrupo estudado. Cada uma delas nos revela nortes a seguir na construção de
produtos de moda focados para o nosso corpus. Estas expressam crenças vividas no espaço
das escolas de percussão e maracatus, transformadas em uma forma de consumir e
consequentemente de construção de identidade deste grupo.
Quando focamos no consumo de moda, percebemos que o espaço do “alternativo” é
um ambiente de liberdade. Um ambiente onde a fuga dos padrões formais da sociedade será a
base para este subgrupo; estar inserido neste trará a sensação de pleno de prazer de pertencer.
Afinal, sua permanência neste espaço é extremamente voluntária; num local onde regras não
98
serão vistas como imposições e sim como necessárias para a manutenção deste universo. Uma
relação entre o sacro e o profano, numa construção onde o consumo + comportamento de
consumo + movimento cultural será a fórmula dessa moda alternativa.
A forma de vestir, nada mais será que um linguagem complexa para informar quem
somos ou acreditamos ser. Essa complexidade se tornará simples, se no memento em que
construímos cuidadosamente nossas mensagens tivermos o domínio dos códigos que
desejamos comunicar. Assim, a moda como instrumento de integração nos grupos alternativos
será mais que um cartão de visitas, mas sim uma mídia das verdades compartilhadas por este
grupo.
Nesta constante relação de integração entre as categorias analíticas aqui apresentadas,
relembramos o pensamento de Embacher (1999) e McCracken (2003), segundo o qual a
construção da identidade de moda de subgrupos não terá uma formação isolada. Sua realidade
estará fundamentada nas relações dos membros deste grupo com suas crenças e valores
construídos e compartilhados, codificados em objetos carregados de significados e chancelado
por esse grupo.
99
7. Considerações Finais
Viajei, me liguei
fui ali e voltei sob o signo do som
invocando os deuses ancestrais
dos pensamentos espirais, maiorais
das almas analógicas
às auras digitais
Voyager - O ouvido em outra dimensão
Nação Zumbi
Mergulhando neste subgrupo cultural descobrimos que bater tambor pode ser mais do
que uma forma de expressão, e sim uma forma de reconstrução cultural. Para os seus
integrantes, fazer parte do maracatu ou de uma escola de percussão implica em uma troca, não
consciente a princípio, entre o lazer descompromissado e o prazer de uma disciplina rígida.
Dias, horários, prazos, sem falar no esforço físico de tocas alguns destes instrumentos, que
literalmente farão a mão de seus batuqueiros sangrar. Como em uma das nossas conversas
com membros do grupo, espantou-nos o depoimento sobre os calos frutos do treino e da
dificuldade que este membro tinha após as aulas em usar o computador em seu ambiente de
trabalho por conta destes ferimentos. Mesmo assim, exibia suas cicatrizes como um troféu por
um trabalho bem feito e por se sentir parte dele.
Mas... que fascínio é esse? Que lazer é esse que vira uma obrigação? E como todo esse
universo responderá a nossa pergunta de pesquisa?
A resposta base dessa questão foi a nosso ver é a busca por uma verdade. Uma
verdade de crença e legitimidade mesmo dos que não são “filhos do Pernambuco”, como
assim falava o paulistano com seu sotaque de megalópole. Dessa verdade brotaram peças da
construção de valores e signos de uma identidade com um sotaque e ritmo próprios. Muito
mais sotaque do que ritmo, afinal com o que mais nos deparamos neste mergulho foram
diferentes sotaques. Cariocas, paulistas, alemães, cearenses, mineiros, entre outros cantos
deste mundo globalizado, foram fisgados pelo som de abês, chequerês, alfaias, caixas e
agogôs; que nos finais de semana povoam as tardes do bairro histórico do Recife e da cidade
alta de Olinda. Muitos são guiados por histórias bem contadas por amigos e conhecidos que já
fazem parte deste universo, ou simplesmente se encantaram pela plástica e sonoridade da
batucada.
100
Diferentes também foram as formações, profissões e desejos dos que fazem o som do
tambor. Nestas diferenças dois extremos estiveram presentes com uma certa constância: os
que trabalham com a arte e a diversão (atores, cantores, produtores culturais, arte educadores,
publicitários e designers); e num outro extremo os que trabalham com burocracia e números
(advogados, engenheiros, matemáticos, médicos e pesquisadores). Estes extremos, na hora de
bater tambor, não só falavam, como também tocavam a mesma língua. Uma língua que até
então para nossos ouvidos não treinados batia numa só pulsação. Depois de conviver e viver
momentos com estes batedores de tambor ficou claro como cada tambor tem a sua voz e o seu
texto. Numa batucada, seja num ensaio ou na rua, um verdadeiro diálogo é realizado entres
vozes saídas da força e graça desses músicos. Mas este diálogo tem uma voz própria quando
nos referimos às Nações de maracatu. Ouvidos apurado são capazes de identificar apenas pela
apresentação de um batuqueiro qual sua Nação de origem e/ou formação.
Tantas diferenças e tantas similaridades. Uma destas diferenças estava presente na
formação social destes grupos e da influência exercida nas comunidades simples onde os
maracatus de raiz estão. Nos relatos trabalhados, a preocupação em não agredir o espaço
sempre foi uma constante por conta dos nossos entrevistados que não são integrantes destas
comunidades; seja na compra de um automóvel ou na mesma bermuda surrada que se repetia
nos ensaios para não chamar a atenção. Na verdade, o que víamos era muito mais um respeito
e cuidado em não macular uma cultura rara, bela, nobre, de onde estes estrangeiros gostariam
de se tornar de alguma forma nativos.
Outro ponto curioso neste trabalho foi a disponibilidade que sempre tivemos na
construção do nosso corpus. Falar sobre o maracatu foi, em todos os casos, um prazer para
nossos entrevistados. Apesar das agendas apertadas, domingos à tarde foram trocados por
nossos encontros; intervalos entre o horário do almoço e o retorno para o trabalho estiveram
sempre possíveis, sem falar nas paradas no final do expediente ou até mesmo após as compras
de supermercado. Sempre houve um interesse e uma vontade de expressar sua história e o seu
pertencimento no batuque.
Expressar-se para este grupo não se resumia a oralidade e gestos simples de expressão.
Braços e mãos se moveram desinibidamente no espaço replicando movimentos da dança,
volumes de figurino e silhueta de corpos. Em uma das nossas entrevistas, após um dia de
trabalho, um dos nossos entrevistados, durante sua explicação sobre os tempos melódicos
101
deste ritmo, levantou-se em seu escritório e começou a dançar numa coreografia que imitava a
dança das mulheres africanas, com seus filhos atados em suas costas. Toda essa encenação
tinha apenas um propósito: se fazer compreender em sua plenitude.
Mais uma vez focando em nosso problema de pesquisa, observamos que as diferenças
seriam o grande elo e conexão destes grupos. A integração e formada pelas diferenças
existentes. Diante desta possibilidade, como seria capaz identificar a construção de suas
identidades?
Num universo pasteurizado da pós-globalização, encontrar algo raro nos transporta
para uma outra dimensão. Nesta dimensão distinta e exclusiva, somos diferentes da grande
massa e buscamos pares que compartilhem as mensagens que esse raro me transmite e
encanta. Este raro, por ser raro, já será possuidor de uma beleza única. Estar em contato com
esta beleza me transforma em belo, e todo belo sempre será desejado, afinal a saudade dos
arquétipos ainda está presente em nossos dias. Mas se sou um admirador do raro, esta minha
beleza não será massificada como uma flor de estufa presente nas grandes e pequenas
floriculturas. A beleza desta flor carece de um gosto apurado, de um conhecimento de origem,
de uma referência cultural para ser apreciada.
Se não faço parte deste universo, para compreender essa referência cultural preciso de
um mergulho profundo em buscar na origem de suas histórias e costumes para que estes nos
construam como novos nativos. Este conhecimento e experiência vivida pertencerão a mim
não de uma forma egoísta, mas sim como um prazer hedônico que não pode ser comprado
para alguém. Faz-se necessário um desejo deste conhecimento, um encantamento por este
novo que se apresenta. Só assim sua compreensão será plena e sua beleza reconhecida.
O novo traz com a sua chegada o desafio de enfrentá-lo. O desafio de não
compreendê-lo e por ele ser engolido. Mas, por outro lado, vivê-lo e experimentá-lo será
fascinante pelos mesmos desafios e medos descritos aqui. Seremos livres para aceitá-lo ou
não, buscar compreendê-lo ou fechar nossos ouvidos e olhos esperando que ele se vá e todo
volte a ser como antes. Mas essa liberdade de escolha pode ser um portal para outros
universos bem mais prazerosos dos que habitamos hoje. Simplesmente fugir do lugar comum.
102
Se tenho esta liberdade de escolhas e caminhos diferentes para seguir, o novo será
sempre algo que nos atrai e completa nossa identidade, nos integrando aos que pensam e
procuram por este novo. Nos fazendo pertencer a um novo grupo mesmo sendo diferente.
Pertencemos por compartilhar gostos e crenças comuns. Sermos membro de uma mesma subcultura, e mais uma vez nossas diferenças nos integram.
Para o resto do mundo, reconheceremos nossa nobreza perante estes que não têm uma
integração consciente, que são consumidores sem conteúdo, que não sabem ao certo o porquê
de ser ou estar. A nobreza que nos referimos nada mais será do que nossa vivência cultural
nos tornando um erudito popular, onde o conhecimento não se resume a academia, mas sim a
vivência no ambiente onde essa cultura foi construída e é permanentemente recriada.
Diante da possibilidade poética aqui apresentada, percebemos que nosso corpus
descreve em toda a sua trajetória uma cadeia dinâmica e em constate movimento.
Características de consumo aqui apresentadas, estão interligadas e funcionam como um moto
contínuo onde cada uma se apóia e ao mesmo tempo será alicerce de uma outra. Assim como
no desfile do maracatu cada categoria analítica vista por nós, está em sintonia e em
justificativa de uma próxima e assim por diante. Esta dinâmica anuncia que a construção da
identidade deste grupo está repleta de vida.
A construção da identidade de membros do movimento cultural, no nosso caso
integrantes de escolas de percussão ou maracatus da cidade de Recife e Olinda, pode nos
apontar que o consumo será sempre voltado para uma crença no universo construído e vivido
por seus integrantes. Cores, formas e texturas da sua moda estarão repletas de verdades deste
grupo. Seu consumo será fundamentado na consciência. As escolhas de produtos de moda não
buscará o novo pelo novo, mas o novo com carga e emoção, numa história compartilhada e
admirada pelos seus pares.
Esta identidade tem na posse de produtos de moda frases de suas mensagens de
pertencimento e integração. Estas serão terão o grande desafio de serem diversas e únicas. É o
que aqui chamamos de unidade na diversidade. O meu será diferente do seu, mas o nosso será
próximo e bastante distante dos outros grupos. Distinguirei-me na minha unidade associada à
diversidade do meu grupo. Enquanto para muitos vestir será apenas copiar padrões
103
massificados do mercado. Para o nosso corpus será contar uma história de passado em
constante construção, de onde seus integrantes também fazem parte.
Materializando o que encontramos, podemos traduzir esta construção da identidade do
batedores de tambor, será composta por matéria-prima que preze pelo natural. As fibras
naturais como o algodão e a seda serão a materialidade preferida por esse grupo. Isso se dá
pelo desejo de ter uma peça confortável e ao mesmo tempo carregada de informações
culturais vividas na sua trajetória. Os volumes são fartos e cheios de sensualidade. Saias
rodadas e ombros a mostra, despertaram uma sensualidade que fugirá do vulgar em busca de
uma beleza que não é massificada, mas sim com uma experiência do ambiente transportada
para o belo que é a verdade.
Esta materialização caminhará ainda pelas cores que são em alguns momentos terrosas
como os terreiros desse maracatu, ou coloridas como os estandartes e as toalhas e cortinas de
chitas de mesmo ambiente. Nesta busca pela referência cultural, veremos a valorização de
matérias simples transformados em artigo de luxo, como é o caso da chita que migrará das
toalhas de mesa e cortinas, para peças do vestuário ou detalhes de acessórios.
Este “raro” fruto da vivência em uma corte cultural compartilhado entre seus súditos
buscará na exclusividade de peças uma distinção. A customização e forte interpretação da
personalidade de quem é mídia desses trajes fará com que a unidade seja percebida nas
diferenças. Assim como as Antenas parabólicas símbolo do movimento Mangue Beat e a sua
conexão com o mundo, nosso consumidor buscará, antagonicamente, uma convivência entre a
tecnologia em acabamentos e modelagens convivendo com natural preservado.
Trabalhando a dinâmica presente no paradigma escolhido para este trabalho, pelo qual
não são os fatores mas sim como estes interagem; trazemos para apreciação a possibilidade de
que futuras pesquisas venham a buscar, em outros grupo culturais alternativas, como se
constroem suas categorias analíticas e se estas apresentam similaridades com as aqui
trabalhadas.
Na cultura pernambucana ao nos depararmos com algo que não entendemos
costumamos perguntar em tom de estranhamento: Mas... Que danado é isso?! E a resposta
104
para nossa curiosidade cientifica que foi: entender esse universo do consumo de identidade de
moda que comunica pertencimento a um grupo alternativo baseado em movimento cultural.
Sabemos que tempos e espaços são fatores de condução de comportamento de
consumo, e por essa certeza acreditamos que essas novas possibilidade de análise aqui
propostas venham a contribuir para compreendermos a construção da identidade de outros
grupos culturais construídas por meio do consumo.
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Faculdade Boa Viagem Mestrado em Administração Eduardo Maciel