BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA NO ÂMBITO DA LEI 11.900/2009 Caroline Gilmara Bordin1 Débora Cristina Freytag Scheinkmann2 SUMÁRIO Introdução. 1 O interrogatório como direito do acusado. 1.1 Natureza jurídica do interrogatório. 2 A videoconferência no âmbito da Lei 11.900 de 08 de janeiro de 2009. 3 Entendimento jurisprudencial acerca da videoconferência. 4 Da constitucionalidade do interrogatório por videoconferência 4.1 Do princípio da celeridade. 4.2 Das vantagens tecnológicas. 4.3 Da economia de recursos públicos. 5 Da inconstitucionalidade do interrogatório por videoconferência. 5.1 Dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 5.2 Do princípio da publicidade. 5.3 Do direito à presença física do juiz. Considerações finais. Referência das fontes citadas. RESUMO O presente trabalho, utilizando-se do método indutivo de pesquisa, tem como objetivo a abordagem da (in) constitucionalidade do interrogatório por meio de videoconferência, originado pela Lei 11.900 de 8 de janeiro de 2009. O interrogatório é o ato judicial pelo qual o juiz ouve o réu sobre a imputação que lhe é dirigida. A videoconferência se trata de um recurso tecnológico que, por meio de transmissão simultânea de áudio e imagem, possibilita a comunicação, em tempo real, entre pessoas que se encontrem em diferentes locais. Assim, pretende-se demonstrar as hipóteses de emprego da videoconferência, elencadas no art. 185, §1º do Código de Processo Penal. A seguir, a presente pesquisa demonstrará se a videoconferência afronta ou não os princípios constitucionais, no âmbito do processo criminal. Abordar-se-á a possível constitucionalidade da videoconferência, com amparo no princípio da celeridade, nas vantagens tecnológicas e na economia de recursos públicos. Em contrapartida, será analisada a possível inconstitucionalidade da videoconferência, por afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, do princípio da publicidade e do direito à presença física do juiz. Palavras-chave: Videoconferência. Lei 11.900/2009. Interrogatório online. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, é manifesto que o processo penal caminha rumo à modernização de sua legislação. Na ânsia em se dar efetividade e rapidez aos 1 Acadêmica de Graduação do 9º período do Curso de Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. E-mail: [email protected]. 2 Professora Especialista em Direito Penal e Processual Penal do Curso de Direito, do Campus de Itajaí, da Universidade do Vale do Itajaí, e advogada. E-mail: [email protected]. 394 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 julgamentos criminais, veio à tona a utilização de tecnologias que visem à concretização da agilidade na prestação jurisdicional, tais como o processo eletrônico e o sistema de videoconferência. Ante a demora dos julgamentos pelo Poder Judiciário, o sistema de videoconferência, consolidado na legislação brasileira através da Lei n. 11.900, de 8 de janeiro de 2009, constitui medida que propicia maior celeridade e economia dos atos processuais. Porém, ainda preponderam divergências doutrinárias a respeito, causando insegurança na aplicação desse instituto em face dos princípios constitucionais. Ocorre que, enquanto alguns aguardavam pela edição de uma lei federal que pudesse tutelar o determinado instituto, outros, em contrapartida, rejeitaram as inovações trazidas pela Lei 11.900/09, com o argumento da possível do seguinte inconstitucionalidade da lei. Assim, o interesse pela pesquisa se deu a partir questionamento: no caso de réu preso, o interrogatório por sistema de videoconferência, nas hipóteses dispostas no §2º do art. 185 do Código de Processo Penal, trata-se ou não de instituto contrário aos princípios constitucionais? Assim, a partir deste questionamento tem o presente trabalho como objetivo a abordagem da (in) constitucionalidade da videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009 e sua aplicação na fase de interrogatório, utilizando-se o método indutivo de pesquisa. Para tanto, abordar-se-á acerca do interrogatório, caracterizando-o como um direito intrínseco ao acusado no procedimento penal e posições doutrinárias acerca de sua natureza jurídica. Será estudado também o instituto da videoconferência e suas hipóteses de utilização, abrangidas no Código de Processo Penal. Ainda, será analisada a evolução jurisprudencial acerca do tema. Finalmente, será dado enfoque ao aspecto central da pesquisa: a constitucionalidade ou não da utilização do interrogatório por sistema de videoconferência, abrangendo argumentos favoráveis e contrários à aplicação deste instituto, todos com amparo na Constituição Federal de 1988. 395 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 1 O INTERROGATÓRIO COMO DIREITO DO ACUSADO A palavra interrogatório significa, no conceito de Plácido e Silva3, “a soma de perguntas ou indagações feitas pelo juiz no curso de um processo” O interrogatório é o ato judicial pelo qual o juiz ouve o réu sobre a imputação que lhe é dirigida. Trata-se de ato privativo de juiz e personalíssimo do réu, possibilitando a este o exercício de sua defesa.4 No mesmo entendimento, Avena5 o conceitua como “o ato por meio do qual procede o magistrado à oitiva do réu. Corolário da ampla defesa e do contraditório, sua oportunidade está prevista em todos os procedimentos criminais”. Urge salientar que o interrogatório traduz momento essencial para a busca da verdade dos fatos pelo magistrado, tanto é que, estando o réu presente, a inexistência do interrogatório caracteriza nulidade absoluta do processo (art. 564, III, “e”6, Código de Processo Penal7). Com o advento da Lei 11.719, de 20 de junho de 20088, importantes modificações ocorreram em relação aos procedimentos do processo penal, sobretudo ao interrogatório, que se tornou o último ato da audiência de instrução, e não mais o primeiro, conforme outrora. Assim, tal mudança trouxe benefícios ao interrogado, que poderá optar pela melhor defesa que lhe convenha. 1.1 Natureza jurídica do interrogatório 3 PLACIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário jurídico. 28.ed. de acordo com a nova reforma ortográfica da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 767. 4 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18 ed. São Paulo, Saraiva, 2011, p. 397. 5 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 554. 6 Art. 564, III, “e”, in verbis: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa”. 7 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. 8 BRASIL. Lei 11.719, de 20 de junho de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos. 396 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Quanto à natureza jurídica do interrogatório, Tourinho Filho9 afirma que o interrogatório deve ser considerado meio de defesa, podendo “constituir fonte de prova, mas não meio de prova”. Nucci10 defende que se trata de meio de defesa, sendo que poderia ser considerado como meio de prova se não tivesse a previsão constitucional que permite ao acusado o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF11). Se, porventura, o réu não silenciar, então, nesse caso, o interrogatório terá caráter misto (meio de prova e meio de defesa), mas sempre predominando como meio de defesa. Importa mencionar o Pacto de São José da Costa Rica, em vigor com o Decreto n. 678, de 06.11.1992, que dispõe em seu art. 8º, n. 2, que durante o processo toda pessoa acusada terá direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo (g).12 Pacelli13 reforça que o direito ao silêncio não se trata de um suposto direito à mentira, e sim a proteção contra intimidações já historicamente relatadas. Primeiramente, nas jurisdições eclesiásticas; após, nos Estados absolutistas e, até mesmo na modernidade, pelas autoridades responsáveis pelas investigações criminais. O Superior Tribunal de Justiça14 manifestou, igualmente, sua posição sobre o assunto, sendo aceito o interrogatório como meio de prova e de defesa (RESp 60.067-7/SP). Por fim, Lopes Jr.15 alega que “é estéril aprofundar a discussão sobre a ‘natureza jurídica’ do interrogatório, pois as alternativas ‘meio de prova’ e ‘meio de defesa’ não são excludentes, senão que coexistem de forma inevitável”. 9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 13 ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 589. 10 NUCCI, Guilherme. Reformas do Processo Penal. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2009, p. 126. 11 Art. 5º, LXIII, CF, in verbis: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. 12 Art. 8º, n. 2, in verbis: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. 13 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 341. 14 BRASÍLIA. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial – RESp 60.067/SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 05/02/2996. 15 LOPES JR., AURY. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2011, p. 616. 397 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Assim, pode-se dizer que não existe uma unanimidade de posições doutrinárias e jurisprudenciais em relação à natureza jurídica do interrogatório, sendo que este poderá ser caracterizado como meio de prova ou meio de defesa. 2 A VIDEOCONFERÊNCIA NO ÂMBITO DA LEI 11.900, DE 8 DE JANEIRO DE 2009 Fiorenze16 define a videoconferência nos seguintes dizeres: Foi criada para facilitar a comunicação entre as pessoas, viabilizando uma interação rápida, fácil e dinâmica, pois tem por objetivo colocar em contato, através de um sistema de vídeo e áudio, duas ou mais pessoas separadas geograficamente. A videoconferência, portanto, trata-se de um recurso tecnológico que, por meio de transmissão simultânea de áudio e imagem, possibilita a comunicação, em tempo real, entre pessoas que se encontrem em diferentes locais. Inclusive, cita-se que o Estado de São Paulo foi o pioneiro na utilização da videoconferência nos processos criminais. No dia 27 de agosto de 1996, na cidade de Campinas, o Juiz Dr. Edison Aparecido Brandão realizou o primeiro interrogatório online do País. No mesmo ano, o então juiz de direito da capital paulista, Dr. Luiz Flávio Gomes, realizou seis interrogatórios pelo mesmo método. 17 Em consonância, nota-se que a videoconferência não é mais novidade no âmbito mundial. Alguns países como Estados Unidos, Itália, dentre outros, já utilizam a videoconferência desde a década de 90.18 Nesse esteio, Bezerra19 salienta que “no Direito de nações estrangeiras, a utilização da videoconferência é aplaudida, vez que facilita a repressão aos crimes transnacionais”. A Lei n. 11.900, de 8 de janeiro de 200920, trouxe grandes inovações em sede de processo criminal no Brasil, ao prever a possibilidade da realização do 16 FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2008, p. 52. 17 FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro. p. 116. 18 GOMES, Luiz Flávio. A videoconferência e a Lei nº 11.900, de 8 de janeiro de 2009. In: Revista Jurídica Consulex. [s.l.]: Consulex, ano XIII, n. 292, mar. 2009, p. 30. 19 BEZERRA, Bruno Gurgel. A aceitação do interrogatório por videoconferência no Brasil. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080909173614380>. Acesso em 21 de setembro de 2012. 398 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 interrogatório do réu que se encontrar preso bem como o acompanhamento pelo acusado de todos os atos processuais por meio do sistema de videoconferência. Dispõe o parágrafo primeiro do art. 185, caput, do Código de Processo Penal, com as modificações trazidas pela Lei 11.900/09, que “o interrogatório do réu preso será realizado em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido”. Como alternativa, valendo-se o juiz da regra do §7º do art. 185, do CPP21, o interrogatório pode acontecer no edifício no Fórum, na Sala de Audiências, mesmo nos casos em que o réu se encontra preso. Por outro lado, sempre como exceção, o magistrado poderá determinar a realização do interrogatório por meio da videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, de acordo com as hipóteses do parágrafo segundo do CPP. A primeira hipótese do emprego do método da videoconferência no interrogatório do preso (art. 185, §2º, inciso I) objetiva prevenir riscos à segurança pública quando existir fundada suspeita de que o preso faça parte de organização criminosa ou, ainda, houver risco de fuga durante o deslocamento. Fatos recentes comprovam o poder de organização de grupos conhecidos em penitenciárias (ataques sistemáticos e coordenados a delegacias etc.), sendo que “ignorar isso é acreditar na absoluta desconexão entre o mundo normativo (das garantias) e o mundo real”.22 O inciso segundo, por sua vez, visa assegurar a participação do réu aos atos do processo, sem prejuízo da sua defesa, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por circunstâncias de cunho pessoal e, sobretudo, em caso de enfermidades. Quanto ao inciso terceiro, em consonância com o art. 217 do CPP23, visa impedir a influência e, até mesmo, a possível ameaça à testemunha ou vítima, 20 BRASIL. Lei 11.900 de 8 de janeiro de 2009. Altera dispositivos do Decreto-Lei 3.689/1941 – Código de Processo Penal, para prever a possibilidade de interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência, e dá outras providências. 21 Art. 185, §7º, CPP, in verbis: “Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1º e 2º deste artigo”. 22 FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal – 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 357. 23 Art. 217, CPP, in verbis: “Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temos ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência [...]”. 399 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 sendo aplicado apenas no caso de impossibilidade do depoimento destas por videoconferência. Por fim, o inciso quarto trata da hipótese de “gravíssima questão de ordem pública”. Pacelli24 critica este inciso, por ser um conceito genérico, sendo que traduz uma abertura da expressão “ordem pública” para fins de aferição da situação de cautela. Para Feitosa25, ordem pública “é o estado de paz e de ausência de crimes na sociedade”. Conceito esse que abriria um leque de situações as quais poderiam ser enquadradas no referido inciso. Acerca do procedimento geral da videoconferência, convém tecer breves considerações a seu respeito. Primeiramente, o parágrafo terceiro do art. 185 dispõe que, decidindo o juiz pela adoção da videoconferência, as partes serão intimadas com 10 dias de antecedência. Ademais, antes do interrogatório, o preso poderá acompanhar todos os demais atos processuais pelo mesmo sistema online, conforme parágrafo quarto. Em relação ao parágrafo quinto, a legislação garante ao réu, a saber: a) garantia de dois defensores para acompanhar o ato, um que se encontra no presídio e outro que estará presente na sala de audiência do Fórum; b) entrevista com seu defensor, prévia e reservada; c) e o acesso a canais telefônicos reservados para a comunicação entre os dois defensores que irão acompanhar o ato. No que tange ao parágrafo sexto, determina que a sala reservada no estabelecimento prisional para a realização dos atos pelo sistema online seja fiscalizada por corregedores, pelo juiz de cada causa, pelo Ministério Público e, ainda, pela Ordem dos Advogados do Brasil. O legislador previu, no parágrafo sétimo, como exceção, a requisição de apresentação do réu preso ao juízo, porém tal modalidade é, atualmente, a mais utilizada nos procedimentos criminais. Por fim, o parágrafo oitavo previu a possibilidade da videoconferência no âmbito extrajudicial, como a inquirição de testemunhas, o interrogatório policial, entre outros. 24 FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal. p. 353. 25 FEITOSA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis – 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 852. 400 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 3 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA VIDEOCONFERÊNCIA A videoconferência, no seu aspecto geral, antes mesmo de ser inserida na legislação brasileira, já era considerada alvo de polêmicas e discussões. Em meados dos anos 90, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus – RHC n. 4.788/SP, já havia definido que “a telepresença é equiparada à presença física”.26 Outrossim, o Supremo Tribunal Federal27 já havia se manifestado sobre o tema, antes da vigência da Lei 11.900/09, arguindo que “enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência”. No mesmo esteio, o mesmo tribunal, através do Habeas Corpus n. 90.90028, reconheceu a inconstitucionalidade de leis estaduais que previam o interrogatório online nos processos criminais, tais como as Leis 7.177/2002, do Estado da Paraíba; 11.819/2005, de São Paulo; e 4.554/2005, do Rio de Janeiro, de forma que se trata de competência privativa da União legislar sobre direito processual (art. 22, I, CF)29. Após a publicação da Lei 11.900/2009, os tribunais têm se manifestado favoravelmente à aplicação da videoconferência. Em consonância, dispõe o Tribunal de Justiça de São Paulo30: A preliminar suscitada, em que pese o entendimento esposado pela combativa Defesa, não merece ser acolhida, porquanto a Lei nº 11.900/2009 alterou a redação dos artigos 185 e 220 do CPP, dispondo expressamente acerca da possibilidade da realização de interrogatório e outros atos processuais por meio do sistema de videoconferência. Portanto, apesar de ainda escassas as decisões posteriores ao advento da Lei 11.900/2009, é tendência dos tribunais mostrar-se adeptos ao uso de tal tecnologia, como cumprimento à referida lei. 26 FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro, p. 257. 27 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 88914, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j. 14.08.07, publicado no DJ de 05.10.07. 28 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 90.900, Brasília/DF. j. 19 de dezembro de 2008. 29 Art. 22, I, CF, in verbis: “Compete privativamente à União legislar sobre: I – [...] direito processual”. 30 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal 0063040-25.2010. Rel. Des. Borges Pereira. 16ª Câmara Criminal. j. 14.08.12. 401 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 4 DA CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA Os benefícios advindos do uso do sistema de videoconferência nos processos judiciais são diversos, desde a agilidade e praticidade do meio, bem como a inovação tecnológica e conformação à realidade da sociedade atual, que se utiliza dos meios tecnológicos para os mais variados fins. Acerca da constitucionalidade do uso da videoconferência no seu aspecto geral, Pacelli e Fischer31 alegam que “no plano abstrato, não vemos qualquer inconstitucionalidade na medida, sobretudo e porque assentada na excepcionalidade”. Assim, pretende demonstrar o presente título os proveitos advindos pelo uso do sistema de videoconferência, em conformidade com princípios e garantias fundamentais contempladas na Constituição Federal. 4.1 Do princípio da celeridade Uma das diversas vantagens do interrogatório por meio da videoconferência é a prerrogativa da razoável duração do processo, de acordo a garantia da celeridade, consolidando-se esta como princípio constitucional (inciso LXXVIII, art. 5º)32, por meio da Emenda n. 45/2004. Acerca do princípio da celeridade, Rangel33 afirma que “é a garantia do exercício da cidadania na medida em que se permite que todos possam ter acesso à justiça, sem que isso signifique demora na prestação jurisdicional. Prestação jurisdicional tardia, não é justiça”. Pinto34 defende a ideia de obter maior rapidez nos processos mediante o uso da videoconferência, dispondo que propicia celeridade tanto em favor da sociedade como em prol do próprio réu. 31 FISCHER, Douglas; OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal, p. 351. 32 Art. 5º, LXXVIII, CF, in verbis: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 33 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 45. 34 PINTO, Ronaldo Batista. Interrogatório on-line ou virtual: constitucionalidade do ato e vantagens em sua aplicação. Leituras complementares de processo penal, Salvador, p. 213-224, 2008, p. 216. 402 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Assim, nota-se que a celeridade vem ao encontro do sistema de videoconferência, para tornar o andamento da instrução criminal efetivamente mais breve e eficaz. 4.2 Das vantagens tecnológicas Barros35 discorre sobre a importância de a Justiça integrar-se no contexto de cada período em que a sociedade vive, sobretudo na hodierna sociedade da informação, assim dispondo: Houve tempo, não muito distante, em que a caligrafia dos servidores da justiça e a sentença manuscrita pelo juiz foram substituídas pela introdução da máquina de escrever. Temia-se a adulteração do texto original, ante a possibilidade de inserir, modificar ou excluir palavras. [...] Mas todas as rejeições sucumbiram, e cada uma dessas medidas progressistas firmou-se no tempo. Repete-se, então, algo que já conhecemos, pois, hoje, estamos diante de uma nova celeuma, justamente porque a Justiça procura ganhar terreno e integrar-se no mundo informatizado. Em consonância, Damásio36 sustenta que “num sistema judiciário moroso e excessivamente coarctado por usos e costumes imprescindíveis em outros tempos, mas perfeitamente supérfluos nas condições de vida atuais, há que modernizar”. Fiorenze37 reforça que “o Direito não pode permanecer estático frente ao desenvolvimento tecnológico, e sua modernização é imprescindível para que se alcance segurança jurídica nas relações mantidas na sociedade informatizada”. Assim, constitui importante episódio a inserção da videoconferência nos procedimentos judiciários, ainda que seja exceção à regra, como meio de adequação à realidade da sociedade atual e integração ao desenvolvimento da tecnologia. 4.3 Da economia de recursos públicos O uso do sistema de videoconferência nos processos criminais tende a gerar uma redução de dispêndios para o Poder Judiciário, visto que, nos procedimentos 35 BARROS, Marco Antônio de. Teleaudiência, interrogatório on-line, videoconferência e o princípio da liberdade da prova. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92, v. 818, p. 425-434, dez. 2003, p. 425-426. 36 JESUS, Damásio Evangelista de. Videoconferência no judiciário criminal. In: Revista Jurídica Consulex. Ano XIII, n. 292, março de 2009, p. 29. 37 FIORENZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro, p. 71. 403 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 comuns, usualmente é necessária a mobilização de todo o aparato administrativo para a escolta de presos, com a manutenção e utilização de veículos, pessoas e equipamentos, demandando tempo e implicando em maiores gastos. De fato, o jornal O Estado de São Paulo38 publicou, no dia 8 de janeiro de 2009, notícia intitulada “Lula sanciona lei de interrogatórios por videoconferência”, que assim transmitia: A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo estima que, com a realização de videoconferência, mais 700 policiais poderão ser liberados do trabalho de segurança e escolta de presos durante o transporte para interrogatórios, e passarão a atuar nas ruas da cidade. Além disso, o governo do Estado acredita que com este novo instrumento economizará cerca de R$ 6 milhões por ano. [...] Quando o projeto foi aprovado, os parlamentares comemoraram justificando que ele permitirá uma enorme economia de recursos. Lembravam, por exemplo, a mirabolante e onerosa mobilização que foi necessária para o deslocamento do traficante Fernandinho BeiraMar do Presídio de Catanduvas (PR) e de Campo Grande (MS) para o Rio, para prestar um simples depoimento. Damásio39 encontra-se dentre os defensores do interrogatório por videoconferência, afirmando ser “o único meio de termos aquela justiça ágil, vigilante, eficaz e confiável com a qual todos sonhamos, bem diferente de uma velha deusa cega e inoperante”. Dessa forma, a videoconferência representa notável avanço no que tange à modernização e agilidade da prática na Justiça Criminal, evitando-se gastos e riscos desnecessários. 5 DA INCONSTITUCIONALIDADE VIDEOCONFERÊNCIA DO INTERROGATÓRIO POR A aplicação da videoconferência no processo penal brasileiro, por outro enfoque, poderia ensejar a violação de princípios constitucionais, tais como o contraditório e a ampla defesa, a publicidade, além do direito de estar na presença do juiz. 38 MONTEIRO, Tânia. Lula sanciona lei de interrogatórios por videoconferência. Disponível em:<http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,lula-sanciona-lei-de-interrogatorios-orvideoconferencia, 304545,0.htm>. Acessado em 21 de setembro de 2012. 39 JESUS, Damásio Evangelista de. Videoconferência no judiciário criminal, p. 29. 404 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Urge mencionar que os princípios constitucionais são aqueles eleitos para figurar na Lei Fundamental de um povo, de modo que servem de norte para toda a legislação infraconstitucional.40 E o Estado, no exercício de suas competências, deve operar no sentido de promover e respeitar esses princípios, como meio de concretização dos direitos fundamentais. O ministro Cezar Peluso41 relatou, em julgado do Supremo Tribunal Federal, que “a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal” e torna a atividade judiciária “mecânica e insensível”. Lopes Jr.42, em consonância, afirma que “o interrogatório online, além de matar o mínimo de humanidade que o processo deve guardar, também viola direitos e garantias fundamentais”. Apesar dos benefícios no uso do sistema de videoconferência, convém citar que o Estado não pode limitar os direitos fundamentais de quaisquer pessoas em virtude de sua ineficiência no que tange à segurança pública. Assim, Nucci afirma que o interrogatório é de tal importância que não deve ser banalizado e relegado, sempre, ao “singelo contato dos maquinários da tecnologia”.43 Portanto, interessa ao presente título a demonstração da videoconferência como um procedimento que afronta diretamente a Constituição Federal e os princípios basilares de processo penal. 5.1 Dos princípios do contraditório e da ampla defesa A Constituição de 1988, em seu art. 5º, inciso LV44, assegura aos litigantes e aos acusados em geral “o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 40 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal - 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 64. 41 Supremo Tribunal Federal, HC n. 88.914/SP, Segunda Turma, julgamento em 14/08/2007 42 LOPES JR. AURY. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, p. 629. 43 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, p. 422. 44 Art. 5º, LV, CF, in verbis: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 405 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Moraes45 esclarece que, por ampla defesa “entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se”. Mirabete46 define esse princípio como “um dos mais importantes no processo acusatório, onde o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes”. A ampla defesa se divide em duas espécies, sendo estas: a) a defesa técnica, desenvolvido por profissional devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e, b) a autodefesa, que consiste na defesa desenvolvida pelo próprio réu, por ocasião do interrogatório. D’Urso e Costa47 alegam que a Lei n. 11.900/2009 “representa uma séria ameaça ao princípio constitucional da ampla defesa no País”. Outrossim, André Marques de Oliveira Costa48 se posiciona contrário à adoção desse método, sustentando que “o sistema de videoconferência viola princípios constitucionais como o devido processo legal e o contraditório e a ampla defesa, por impedir o acesso físico do investigado, réu ou condenado ao seu advogado e ao juiz”. Assim, é cediço o amparo nos princípios do contraditório e da ampla defesa para que a verdade real, nos procedimentos criminais, seja encontrada, através de uma defesa resguardada de qualquer desvio de realidade. 5.2 Do princípio da publicidade O art. 5º, LX49, da Constituição Federal prevê o princípio da publicidade dos atos processuais, limitando sua incidência apenas “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Da mesma forma, o inciso IX do art. 9350 da Constituição dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão 45 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 124. 46 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, 18 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 24. 47 D’URSO, Luiz Flávio Borges; COSTA, Marcos da. Videoconferência limites ao direito de defesa. Revista Jurídica Consulex. [s.l.]: Consulex, ano XIII, n. 292, mar. 2009, p. 33. 48 COSTA, André Marques de Oliveira. Controvérsias jurídicas sobre o uso da videoconferência. Revista Jurídica Consulex. [s.l.]: Consulex, ano XIII, n. 292, mar. 2009, p. 35. 49 Art. 5º, LX, CF, in verbis: “LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. 50 Art. 93, IX, CF, in verbis: “IX – todos os julgamentos do Poder Público serão públicos, e fundamentadas todas as decisões [...]”. 406 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 públicos. O Código de Processo Penal, igualmente, assegura a publicidade dos atos processuais, em seu art. 792, caput51. Nucci52 defende que não há como aceitar o “chamado interrogatório on line”, visto que uma tela de televisão ou computador jamais irá suprir o contato do magistrado com o réu, até mesmo para constatar sua integridade física e mental. Tourinho Filho53 defende que o interrogatório por videoconferência vem de encontro ao princípio da publicidade, conforme explana: O interrogatório on line (por videoconferência), a nosso juízo, viola o princípio da publicidade, princípio básico do processo e, além disso, estando o Juiz à distância, não pode perceber se o interrogando está ou não sofrendo qualquer tipo de pressão. Dessa maneira, denota-se que constitui afronta ao princípio da publicidade a utilização do sistema de videoconferência nos processos criminais. 5.3 Do direito à presença física do juiz Com efeito, o interrogatório é oportunidade única concedida ao réu de estar na presença do juiz, para que este possa conhecer mais de sua personalidade, pela percepção de seu comportamento e estado de ânimo. Tal situação tem amparo no Código de Processo Penal, em seu art. 185, caput, em cujos termos “o acusado que comparecer perante à autoridade judiciária, no curso de processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”. O Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, ratificado no Brasil pelo Decreto nº 592, em 06 de julho de 1992, prevê no art. 9º, número 3, que qualquer pessoa presa deve ser conduzida imediatamente à presença do juiz. Tornaghi54 defende esse direito, assim dispondo: O interrogatório é a grande oportunidade que tem o juiz para, num contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão, do estado d’alma em que se encontra, da malícia ou da 51 Art. 792, CPP, in verbis: “As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos [...]”. 52 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 406. 53 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, p. 595. 54 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de processo penal. Tomo III. Rio de Janeiro: José Konfino, 1967, p. 359. 407 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 negligência com que agiu, da sua frieza e perversidade ou de sua elevação e nobreza. Pletsch55 assevera que no interrogatório por videoconferência, a tecnologia acaba sendo utilizada para enfraquecer as garantias fundamentais. Assim, não basta ao réu ser julgado por juiz natural, é preciso que ele conheça seu julgador e tenha o direito de se expressar pessoalmente. Por fim, Lopes Jr.56 dispõe no sentido de que “a distância da virtualidade contribui para uma absurda desumanização do processo penal”. Dessa forma, nota-se que não é pacífico na doutrina a adoção do instituto da videoconferência em âmbito de interrogatório judicial, mesmo após a publicação da Lei 11.900/2009, que regula o referido instituto, sendo que ainda existem posições divergentes acerca do tema, com fundamento na sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, conforme demonstrado no decorrer do presente trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve por objetivo a demonstração das diferentes posições acerca da constitucionalidade ou não do interrogatório por videoconferência. Considera-se que as inovações, lentamente, já estão presentes no contexto do Poder Judiciário, seja por meio da consulta via online dos precedentes judiciais, além do protocolo eletrônico de petições, seja por meio do desenvolvimento da videoconferência. Porém, é preciso ter cautela na adoção de novos procedimentos que visem ao desenvolvimento tecnológico, sobretudo nos processos penais, para que não ocorram ilícitos que atinjam o cerne do processo. Mais que isso, o processo penal deve ser construído sob os rigores da Lei e do Direito, de maneira que a certeza judicial seja o resultado de uma atividade 55 PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da prova no jogo Processual Penal: o atuar dos sujeitos e a construção da sentença. São Paulo: IBCCRIM, 2007, 151p. ISBN 978-85-99216-10-1 (Monografias ; 41), p. 64. 56 LOPES JR. AURY. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, p. 628. 408 BORDIN, Caroline Gilmara; SCHEINKMANN, Débora Cristina Freytag. (In) constitucionalidade do interrogatório por videoconferência no âmbito da Lei 11.900/2009. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.1, p. 394-410, 1º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 probatória licitamente desenvolvida, com a adequada proteção aos direitos individuais. 57 Diante do tema estudado, opina-se que o interrogatório realizado por meio da videoconferência não afronta os princípios constitucionais assegurados ao preso, se utilizado em situações peculiares, devidamente fundamentadas. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. 2.ed. rev., atual. e ampl. Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. BARROS, Marco Antônio de. Teleaudiência, interrogatório on-line, videoconferência e o princípio da liberdade da prova. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92, v. 818, p. 425-434, dez. 2003. BEZERRA, Bruno Gurgel. A aceitação do interrogatório por videoconferência no Brasil. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story= 20080909173614380 >. Acesso em 21 de setembro de 2012. 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