SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA - SESVALI Mantenedora da Faculdade do Vale do Ipojuca – FAVIP COORDENAÇÃO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS NATHÁLIA FERNANDA CORDEIRO LEITE ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: A EXPERIÊNCIA DE CAMPINA GRANDE – PB CARUARU/PE 2010 Diretor Superintendente Luiz de França Leite Diretor Superintendente Vicente Jorge Espíndola Rodrigues Diretora Executiva Mauricélia Bezerra Vidal Diretor Acadêmico Aline Brandão de Siqueira Coordenador(a) do Curso de Ciências Econômicas: Maria Vanessa de Sousa NATHÁLIA FERNANDA CORDEIRO LEITE ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: A EXPERIÊNCIA DE CAMPINA GRANDE – PB Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à coordenação do Curso de Ciências Econômicas da Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP, como requisito para obtenção do título de bacharel em Economia. Orientador: Prof. Ms. Augusto Santana Veras de Medeiros CARUARU/PE 2010 Catalogação na fonte Biblioteca da Faculdade do Vale do Ipojuca, Caruaru/PE L533 o Leite, Nathália Fernanda Cordeiro. Orçamento participativo: a experiencia de Campina GrandePB / Nathália Fernanda Cordeiro Leite. – Caruaru: FAVIP, 2010. 85 f.: il Orientador(a) : Augusto Santana Veras de Medeiros. . Trabalho de Conclusão de Curso (Ciências Econômicas) -Faculdade do Vale do Ipojuca. Inclui anexo e apêndice. 1. Orçamento participativo. 2. Democracia. 3. Gestão pública (Campina Grande). I. Título. CDU 330[11.1] Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367 NATHÁLIA FERNANDA CORDEIRO LEITE ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: A EXPERIÊNCIA DE CAMPINA GRANDE – PB Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à coordenação do Curso de Ciências Econômicas da Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP, como requisito para obtenção do título de bacharel em Economia. Orientador: Prof. Ms. Augusto Santana Veras de Medeiros Aprovada em ____/____/____ _______________________________________ Profº Ms. Augusto Santana de Veras Medeiros (Presidente/Orientador) _______________________________________ Profª Angélica da Trindade Henrique (Avaliador) _______________________________________ Profª Maria Eliane Alves (Avaliador) CARUARU/PE 2010 Dedico esta pesquisa a todas as pessoas que trabalham para aproximar a universidade à vida real. AGRADECIMENTOS Os trabalhos de produção intelectual, sejam eles acadêmicos ou simples romances, costumam ser apresentados sempre no seu formato final. Esconde-se assim, a síndrome da folha branca, a falta de inspiração, a preguiça da leitura, o desespero de não saber o que fazer, para onde ir e quando terminar e até mesmo os momentos de loucura na produção que se configura pelo êxtase de um parágrafo considerado surpreendente. Com esse trabalho não aconteceu de forma distinta, também não será diferente com outros que por ventura venham a ser elaborados. Chego até aqui, com o sentimento de dever cumprido, mas não satisfeito. Pois o desejo do conhecimento martela a minha mente. Sendo assim, reservo a mim o direito de vôos maiores. Agradeço primeiramente aos meus pais, pela batalha de uma vida toda dedicada à educação dos filhos. Este é o maior legado que vocês poderiam deixar para nós. Este trabalho é o fechamento de um ciclo concretizado com muito amor, carinho e suor, e é a vocês que eu mais tenho a agradecer, não só pelo apoio durante todo o curso, mas pela dedicação dada a todos os filhos. Agradeço também aos meus irmãos, pelo amor, carinho, paciência e pela alegria de saber poder sempre contar com vocês, não importando a distância entre nós. Agradeço especialmente ao Professor Augusto Santana, pelas longas orientações, pelas dicas, pelas conversas e principalmente pela paciência com os prazos não cumpridos. Não poderia deixar de agradecer também a todos os amigos que de uma forma ou de outra contribuíram para este trabalho e principalmente para meu crescimento pessoal. Obrigada por dividirem comigo minhas alegrias e pela ajuda nos momentos difíceis. Entre os amigos, um agradecimento especial a Virgínia Vasconcelos, foi com você que tive meu maior aprendizado do que é Economia, e a Gustavo Assis, o seu incentivo me deu forças nos momentos de maior debilidade. “As pessoas têm interesses distintos, talvez egoísticos, e de qualquer forma frequentemente conflitantes pela simples razão de que as demandas possíveis são sempre muito maiores do que os meios de satisfazêlas. A sociedade democrática dá aos seus membros o direito de expressarem as suas divergências. Não tenta obrigar ninguém a amar o seu próximo como a si mesmo.” Roberto Campos RESUMO Este trabalho discute a importância do Orçamento Participativo como mecanismo de aproximação democrática entre cidadãos e administração pública. Num quadro extremamente complexo, onde a representação política através do sistema democrático representativo é cada vez menor, o Orçamento Participativo surge como uma possível alternativa à crise de legitimação do Estado atual. A cooperação entre governantes e governados através das experiências de participação, em torno do Orçamento Participativo, é um fenômeno novo que precisa ser melhor compreendido. Através de sua análise possibilita-se um maior entendimento das consequências do Orçamento Participativo sobre as esferas políticas, sociais, econômicas e administrativas. Neste trabalho é estudado como se deu a implementação do Orçamento Participativo no município de Campina Grande/PB e como ele está sendo conduzido atualmente, bem como a percepção dos atores desse processo, comunidade e prefeitura. O município de Campina Grande, anteriormente a proposta, apresentava uma forte tradição associativa decorrente do processo de democratização no país. A metodologia desenvolvida consiste na revisão bibliográfica e na aplicação de entrevistas e questionários. Os principais resultados sugerem que a implementação do OP em Campina Grande se deu de forma centralizada, porém atualmente é visto como uma das experiências de democracia participativa mais bem sucedida da Região Nordeste, tendo passado por diversas alterações institucionais, conquistando a credibilidade dos atores envolvidos no processo, entretanto, conclui-se que para obtenção de resultados mais precisos se faz necessário um estudo de caso mais efetivo, que englobe uma maior observação do fato. Palavras chave: Orçamento Participativo, democracia, gestão pública, participação, Campina Grande. ABSTRACT This paper discusses the importance of Participatory Budgeting as a democratic alignment mechanism between the citizen and government. In an extremely complex situation, where the politic representation through the representative democratic system is shrinking, Participatory Budgeting emerges as a possible alternative against legitimation crisis of the State today. Cooperation between rulers and ruled through participatory experiences, around Participatory Budgeting, is a new phenomenon that needs to be better understood. Through its analysis, it is possible a greater understanding about the consequences of Participatory Budgeting on the political, social, economic and administrative spheres. Here it is studied how was the implementation of Participatory Budgeting in Campina Grande/PB and how it is currently being conducted, as well as the perception of actors in this process, community and city hall. The city of Campina Grande, before the proposition, had a strong association tradition due to the process of democratization in the country. The methodology consists of the review and implementation of interviews and questionnaires. The main results suggest that the implementation of PB in Campina Grande was made centrally, but it is now seen as one of the most successful experiences of participatory democracy in the Northeast, having gone through various institutional changes, gaining the credibility of the actors involved in the process, however, it is concluded that to obtain more accurate results it is necessary a more effective case study that encompasses a larger observation of the fact. Keywords: Participatory Budgeting, democracy, public management, participation, Campina Grande. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Fluxograma para implantação do Orçamento Participativo .................................... 38 Figura 2 - Mapa das regiões orçamentárias – gestão 1997/2000 .............................................. 49 Figura 3 - Fluxograma do OP Campina Grande (PB) .............................................................. 51 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Experiências de orçamento participativo nas regiões brasileiras ............................ 34 Tabela 2 - Divisão regional do OP 2010 .................................................................................. 50 Tabela 3 - Parcela das despesas para investimento definida pelo OP ...................................... 53 Tabela 4 - Levantamento da demandas concluídas do OP (2005/2007) .................................. 54 Tabela 5 - Número de participantes do OP............................................................................... 55 Tabela 6 - Na sua opinião os investimentos do OP são aplicados ............................................ 60 Tabela 7 - Prestação de informações sobre o funcionamento do OP ....................................... 61 LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A - Roteiro de entrevista semi-estruturado coordenadoria geral do orçamento participativo .............................................................................................................................. 71 APÊNDICE B - Questionário para entrevista dos delegados ................................................... 74 LISTA DE ANEXOS Anexo 1 - Execução Orçamentária 2005/2007 ......................................................................... 80 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento CENTRAC – Centro de Ação Cultural CF – Constituição Federal COMOP – Conselho Municipal do Orçamento Participativo COMU – Conferências Municipais COP – Conselho do Orçamento Participativo CORE’S – Conferências Orçamentárias Regionais Explicativas FBO – Fórum Brasil do Orçamento IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano LC – Lei Complementar LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA – Lei Orçamentária Anual LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal ONU – Organização das Nações Unidas OP – Orçamento Participativo OPCG – Orçamento Participativo Campina Grande PEA – População Economicamente Ativa PIB – Produto Interno Bruto PNUD – Atlas de Desenvolvimento Humano PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PPA – Plano Plurianual PT – Partido dos Trabalhadores RO’S – Regiões Orçamentárias SEPLAG – Secretaria de Planejamento e Gestão SUMÁRIO CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO .............................................................................................. 17 CAPÍTULO II - O ORÇAMENTO PÚBLICO E O SEU PAPEL COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO MUNICIPAL ..................................................................................... 21 2.1. Orçamento público: definição e origem ........................................................................ 21 2.1.1. Orçamento público no Brasil ..................................................................................... 23 2.1.2. Elaboração orçamentária ............................................................................................ 25 CAPÍTULO III - A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: ANÁLISE TEÓRICA DOS IMPACTOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ..................... 28 3.1. A contribuição da teoria democrática: dos clássicos aos contemporâneos ................... 28 3.2. O orçamento participativo ............................................................................................. 33 3.2.1. Como funciona o orçamento participativo ................................................................. 35 3.2.2. Os impactos do orçamento participativo na gestão pública ....................................... 39 3.2.3. Orçamento Participativo à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal ............................ 42 CAPÍTULO IV - A EXPERIÊNCIA DE ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE/PB............................................................................ 45 4.1. Procedimentos Metodológicos ...................................................................................... 45 4.2. Perfil do município de Campina Grande/PB ................................................................. 46 4.3. Uma análise da experiência do OP de Campina Grande ............................................... 47 4.3.1. Dimensão distributiva ................................................................................................ 53 4.3.2. Dinâmica da participação ........................................................................................... 54 4.4. O orçamento participativo como modificador da gestão pública .................................. 56 4.5. Representação dos delegados ........................................................................................ 58 4.5.1. Perfil dos delegados ................................................................................................... 58 4.5.2. Percepção dos conselheiros em relação ao OP .......................................................... 59 CAPÍTULO V - CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 66 APÊNDICES ............................................................................................................................ 70 ANEXOS .................................................................................................................................. 79 17 CAPÍTULO I INTRODUÇÃO A discussão acerca da democracia e do Estado democrático contemporâneo é tema recorrente nos debates atuais. A expansão do modelo ocidental de democracia - baseado no modelo americano – e os problemas encontrados nos sistemas democráticos dos países emergentes e subdesenvolvidos, bem como nas democracias clássicas, nos mostram a necessidade e a atualidade desta discussão. Crises de corrupção, falta de resposta aos crescentes problemas de desigualdade social e crise de representação, são alguns dos temas que colocam em cheque a efetividade do sistema democrático. Experiências que buscam aproximar o cidadão das questões públicas, através de maior participação política e social têm sido realizadas em todo o mundo, especialmente em países em desenvolvimento, onde a grande desigualdade social não é contemplada através do modelo democrático hegemônico, originado e teorizado a partir de países economicamente desenvolvidos. Uma das mais bem sucedidas e estudadas dessas experiências é o Orçamento Participativo (OP), originado no Brasil na cidade de Porto Alegre/RS. Experiência de participação democrática bem sucedida, o OP tomou dimensões internacionais, estando presente hoje em países da América Latina, África, Ásia e Europa, sendo objeto de diversos estudos acadêmicos. O orçamento participativo aqui analisado explora as condições e possibilidades de gestão pública inovadora, no nível do poder local, pela interveniência organizada do principal ator político das democracias modernas, o povo. Experimentos esses que desenham novas possibilidades de interação entre a participação organizada do povo, suas instâncias representativas (Câmaras), e o poder executivo municipal. Há tensões, interdições, manobras, disputas entre os agentes desse processo, mas há também cooperação, negociação, aprendizagem política e administrativa, reconhecimento de interlocutores, respeito por suas dignidades e demandas. Estas inovações político-administrativas vivenciadas no poder local logo despertaram o interesse acadêmico para o tema. Sendo motivado em especial pela reflexão sobre as experiências de participação popular no processo de decisão governamental, se estas estariam ou não democratizando as relações entre sociedade e Estado no Brasil. Neste nível de análise 18 sobressaíram-se temas como: O orçamento participativo e a teoria democrática – Avritzer (2002); Participação da sociedade nos processos orçamentários – Pires (2001); Os desafios do orçamento participativo enquanto esfera pública de negociação – Nascimento (2007); Orçamento participativo e planejamento municipal – Pires (2001); Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do orçamento participativo em Porto Alegr – Luchmann (2007); entre outros. Neste balanço da literatura pode-se perceber que, apesar da grande contribuição empírica que esses estudos trazem através da apresentação de farta documentação e da análise das várias experiências, a maioria deles carece de um sólido referencial analítico que busque explicar o sucesso ou fracasso de determinada política participativa. Através dos vários trabalhos existentes sobre o tema percebe-se que já vem sendo possível avaliar o quanto este experimento pode ser distributivo, democratizante ou transformador da cultura política. Entretanto, ainda é necessária uma explicação aceitável sobre quais os fatores que levam ao sucesso ou fracasso desta experiência, e porque a divergência quanto à eficácia do processo já que os municípios utilizam o mesmo modelo institucional. Tendo em vista essa presente evolução do OP, vários gestores municipais, com o objetivo de alcançar maior eficiência na tomada de decisões, têm conduzido importantes processos de participação popular, produzindo assim um maior comprometimento da sociedade com os processos de planejamento e gestão municipal. Este é o caso do município de Campina Grande/PB, situado na região oriental do Planalto da Borborema, distante 130 km da capital do Estado, João Pessoa, possuindo 376.122 mil habitantes, sendo que 94% desta população reside na área urbana do município. A cidade apresenta como principais atividades econômicas a extração mineral; culturas agrícolas; pecuária; indústrias de transformação, de beneficiamento e de software; comércio varejista, atacadista e serviços. O Orçamento Participativo em Campina Grande/PB constituiu-se inicialmente de uma proposta apresentada à Câmara Municipal pela oposição no ano de 1997, representada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a qual foi rejeitada contundentemente pela bancada governista do município. Mais tarde, porém, através do decreto nº 2.621/97, o Executivo Municipal instituiu de forma centralizada o orçamento participativo. Até o ano de 1997 a decisão do que deveria fazer parte da peça orçamentária era tomada exclusivamente pelos secretários e prefeitos. A população, alvo das ações da 19 Prefeitura, nunca havia decidido sobre a aplicação dos recursos públicos. O orçamento programa da prefeitura era tratado, em geral, como um simples instrumento para o cumprimento das exigências legais de contabilidade. O Orçamento Participativo é compreendido como uma experiência inovadora, que vem se expandindo ao longo dos últimos anos, e por isso faz-se atual o debate em torno deste tema. Procurar-se-á manter nesta pesquisa um olhar crítico, que avalie não só os pontos positivos do OP, mas observe também os limites e restrições deste mecanismo. Nesse contexto torna-se relevante estudar a eficácia do OP não só como um mecanismo de participação popular, mas também como um instrumento gerador de impacto na administração pública. O objetivo geral deste trabalho é o de avaliar o orçamento participativo no município de Campina Grande/PB com foco na sua fase de implementação e gestão atual. E como objetivos específicos: avaliar todo o processo de implantação e desenvolvimento do orçamento participativo em Campina Grande, ressaltando cada alteração processada sobre a sua metodologia; Compor um quadro estruturante das principais mudanças institucionais que ocorreram no processo; Verificar o alcance das demandas sociais do orçamento participativo nos investimentos do município de Campina Grande/PB, bem como identificar as demandas aprovadas pela comunidade e analisar comparativamente a percepção dos atores envolvidos no processo a respeito do mesmo. A maioria dos estudos relacionados ao OP refere-se estritamente ao caráter da participação política dentro do ciclo do OP, ou de seus impactos políticos onde é implementado. Observou-se, assim, espaço para a elaboração de um trabalho que verificasse o impacto do OP sobre a eficácia da gestão pública local. O presente trabalho encontra-se dividido em cinco capítulos, além dessa introdução, o segundo trata do instrumento fundamental para o planejamento público e para esta monografia, que é o orçamento público. Para melhor entendê-lo, será feita uma abordagem histórico-conceitual, de modo a possibilitar o embasamento para compreensão da “lei dos meios” (orçamento) em nível municipal. No Capítulo 3 procura-se estabelecer a evolução da importância da participação dentro da teoria política, bem como as consequências da não participação ao sistema democrático. 20 Percebe-se haver a necessidade de mecanismos de inter-relação entre a democracia representativa e práticas de democracia direta. O orçamento participativo é entendido como um dos meios de se alcançar este necessário diálogo, possibilitando maior controle popular sobre a administração pública e a reversão de prioridades no gasto público, dirigindo esforços estatais às populações mais necessitadas, além de tender à redução da corrupção e a promover uma melhora na qualidade da representação política. Objetiva-se explicar a criação do OP e sua expansão. Descreve-se ainda sua forma mais comum de funcionamento e analisa-se seu impacto sobre a construção e controle de políticas públicas, bem como a dificuldade para a análise desta recente experiência. Ao longo do Capítulo 4 analisa-se o ciclo do Orçamento Participativo de Campina Grande/PB, tomado como exemplo para favorecer a compreensão da dinâmica do OP, buscando apresentar uma retrospectiva histórica de todo o processo de implantação do Orçamento Participativo em Campina Grande/OP, ressaltando cada alteração processada em sua metodologia. Por fim, são apresentadas as conclusões finais a respeito do tema estudado. Durante o trabalho estuda-se, portanto, a eficácia do Orçamento Participativo não só como um mecanismo de participação popular, mas também como um instrumento que gere impacto na administração pública. A produção científica sobre o tema tende a incorporar o OP como um uma possibilidade de controle social do gasto público, e aumento da transparência administrativa. Através da experiência analisada procurou-se avaliar tal tendência. 21 CAPÍTULO II O orçamento público e o seu papel como instrumento de planejamento municipal O presente capítulo vem a apresentar os principais tópicos a respeito do orçamento público. As questões implicadas na elaboração e na execução do orçamento público transcendem à esfera da academia: dizem respeito às opções políticas declaradas e concretizadas ou não pelo Poder Público. Discutir o orçamento público é, fundamentalmente, discutir as tarefas públicas que cada nível de governo cumpre ou deve cumprir. Para discussão dessa peça fundamental da gestão pública, é realizada inicialmente uma reflexão acerca de um conjunto de questões relacionadas com a evolução histórica do orçamento de instituições governamentais, com o propósito de descrever a evolução histórica do orçamento público em vários países do mundo. Esses registros permitem visualizar os avanços do processo orçamentário para atender à demanda de bens e serviços de uma sociedade cada vez mais complexa. Logo em seguida, procura-se resgatar os principais dispositivos relacionados ao orçamento estabelecidos em todas as constituições brasileiras que vigoraram desde a proclamação da República até os dias atuais. Conclui-se apresentando vários aspectos de elaboração orçamentária admitidos no decorrer dessa trajetória histórica, desde o mais simples até a concepção hoje tida como a mais avançada em face das necessidades da sociedade. 2.1. Orçamento público: definição e origem Antes de falar de orçamento público, se faz necessária uma breve definição acerca do seu conceito, e de sua importância dentro da administração pública. Segundo o dicionário Aurélio (2000, p. 501), o orçamento é: “s.m. Ato ou efeito de orçar; cálculo. Estimativa da receita e da despesa do governo, Cálculo dos gastos para realização duma obra.” Pode-se notar que essa definição de orçamento está coligada com a idéia de planejamento, seja ele acerca da estimativa dos recursos ou fixação de despesas, podendo variar entre um simples 22 levantamento de preços, até o planejamento da arrecadação e dos gastos para um determinado fim. Por sua vez, Machado Jr. (1962, p.5) apud Giacomoni (2000, p. 67), define orçamento como “[...] um plano que expressa em termos de dinheiro, para um período de tempo definido, o programa de operações do governo e os meios de financiamento desse programa.” o que só vem a confirmar o caráter de planejamento do mesmo, assim como sua importância para a programação do governo. O orçamento público surgiu, na Inglaterra, em 1822, com a função principal de possibilitar ao órgão de representação, a assembléia parlamentar, o controle político sobre o Executivo. Ao final do Século XIX o orçamento público toma um caráter de instrumento de administração, necessário ao Estado que abandonava o laissez-faire e adquiria um caráter mais intervencionista. Tal instrumento passa, então a representar o programa de trabalho governamental. (BURKHEAD, 1971 p. 5 apud GIACOMONI, 2000 p. 64) Já a partir da Grande Depressão de 1929, há um ganho significativo na condição de instrumento de política e programação econômica, conforme observa-se na passagem abaixo: A partir de John Maynard Keynes (1883-1946) e do papel desempenhado por suas teorias no combate aos efeitos da Grande Depressão de 1929, observa-se uma generalizada aceitação da aplicabilidade, às finanças públicas, do moderno instrumental analítico utilizado na ciência econômica, atribuindo-se ao Governo funções de importância decisiva. (ENCICLOPÉDIA MIRADOR INTERNACIONAL, 1977, p. 8278) Percebe-se, por conseguinte, uma evolução da metodologia orçamentária em função da importante participação do Estado na economia: [...] Modernamente, o orçamento é considerado como uma técnica vinculada ao planejamento econômico e social e poderia ser assim definido: são as contas nacionais e o planejamento que oferecem os fins e os objetivos cuja realização se requerem os fundos públicos; os custos das atividades propostas para alcançar esses fins e os dados quantitativos que medem as realizações; e as tarefas executadas dentro de cada uma dessas atividades.[...] (SANDRONI, 2007. p. 607). 23 Pode-se dizer que o orçamento é a materialização da ação planejada do Estado para a execução de seus projetos, assim como para a manutenção de suas atividades. O estudo do mesmo pode ser explicado por dois pontos de vista: o objetivo, que considera a fase jurídica de todas as etapas do orçamento; e o subjetivo, que constitui a faculdade adquirida pelo povo de aprovar, por meio dos seus representantes, os gastos que serão realizados durante o exercício financeiro. (VASCONCELLOS, 2007, p. 14) 2.1.1. Orçamento público no Brasil A legislação orçamentária brasileira tem se caracterizado por “copiar” modelos de orçamentos públicos de outras nações. Ocorreu inicialmente no período imperial, quando foi copiado o modelo inglês; no início da república com a adoção do modelo norte-americano, onde a competência para elaboração do orçamento era do Poder Legislativo; e recentemente, na década de 1960, quando o Brasil passou a utilizar o modelo também norte-americano de orçamento-programa. Para melhor compreensão destacam-se dois momentos históricos distintos do orçamento público no Brasil: i) O orçamento no Império: Com a vinda do rei D. João VI para o Brasil, iniciou-se no país um processo de organização das finanças. No ano de 1808 foi criado o Erário Público (Tesouro) e o Regime de Contabilidade. Entretanto, é a partir de 1824, com a implementação da Constituição Imperial, que surgem as primeiras exigências para elaboração de orçamentos formais. A Lei Magna determinava em seu artigo 172, que: O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros Ministros os orçamentos relativos ás despesas das suas Repartições, apresentará na Câmara dos Deputados anualmente, logo que esta estiver reunida, um Balanço geral da receita e despesa do Tesouro Nacional do ano antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despesas públicas do ano futuro, e da importância de todas as contribuições, e rendas públicas. Apesar da dificuldade de implementação deste dispositivo, bastante avançado para a época, alguns autores consideram esta como a primeira Lei Orçamentária do Brasil. O 24 primeiro orçamento brasileiro teria sido aquele aprovado pelo Decreto Legislativo de 15-121830, que fixava a despesa e orçava a receita das antigas províncias para o exercício de 1º-71831 a 30-6-1832 (VEIGA FILHO, apud GIACOMINI, 2000, p. 52). A Constituição de 1824 apresentava as competências dos poderes imperiais distribuídas em matéria tributária e orçamentária. Já a Lei de 12 de agosto de 1834 regulava o funcionamento das assembléias, definindo entre suas competências a fixação das despesas municipais e provinciais. ii) O orçamento na República: A elaboração do orçamento só passou a ser função privativa do Congresso Nacional a partir da Constituição de 1891. A Câmara dos Deputados assumiu a iniciativa de elaboração do orçamento, mas como observa Viana apud Giacomini (2000. p. 53), “ela (a iniciativa) „sempre partiu do gabinete do ministro da Fazenda que, mediante entendimentos extraoficiais, orientava a comissão parlamentar de finanças na confecção da Lei Orçamentária‟.” Em 1926, após a reforma da Constituição, a elaboração da peça orçamentária foi transferida para o Poder Executivo, o que já acontecia na prática, como mencionado no parágrafo acima, essa transferência só foi normatizada pela Constituição de 1946. É com a Lei nº 4.320/64, que surge o modelo orçamentário padrão para as três esferas de governo. A referida Lei além de adotar os critérios tradicionais de classificação de despesas (Unidades Administrativas e Elementos) estabeleceu a classificação econômica e a funcional e é, ainda hoje, a principal diretriz para a elaboração do Orçamento Geral da União, apesar das várias alterações sofridas ao longo desses anos. A Lei nº 4.320/64 estabelece também pela primeira vez os princípios da transparência orçamentária, no seu art. 2º: “A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa, de forma a evidenciar a política econômico-financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípio da unidade, universalidade e anualidade”. Quando falamos de modernização orçamentária, a grande novidade é apresentada pelo Decreto Lei nº 2.829 de 20 de outubro de 1998 e a Portaria nº 42 de 14 de abril de 1999 do Ministério do Orçamento e Gestão, que substituiu a classificação funcional-programática pela classificação funcional e por programas. 25 2.1.2. Elaboração orçamentária No Brasil, atualmente, o orçamento público é norteado pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), encontrando fundamento constitucional na Seção II (artigos 165 a 169), do capítulo de finanças públicas; Lei nº 4320/64 e Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – LC nº 101, de 04 de maio de 2000. Dentre os instrumentos constitucionais criados em 1988, destacam-se: a) Plano Plurianual (PPA); b) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e c) Lei Orçamentária Anual (LOA). (SENADO FEDERAL, 2010) Cada um desses instrumentos legais possui objetivos específicos, ou seja, o PPA delineará um cenário macroeconômico nacional e estabelecerá os projetos e os programas de longa duração do governo, definindo objetivos e metas da ação pública para um período de quatro anos. Já a LDO define as metas e prioridades do governo para o exercício financeiro subsequente, orienta a elaboração da LOA, dispõe sobre alterações na legislação tributária e estabelece a política das agências de desenvolvimento (Banco do Nordeste, Banco do Brasil, BNDES, Banco da Amazônia, etc.). Também fixa limites para os orçamentos do Poder Legislativo e Judiciário e do Ministério Público e dispõe sobre os gastos com pessoal. A Lei de Responsabilidade Fiscal remeteu à LDO diversos outros temas, como política fiscal, contingenciamento dos gastos, transferências de recursos para entidades públicas e privadas e política monetária. A LOA é onde estão estimadas as receitas arrecadadas no exercício financeiro e definidas as despesas que o governo espera realizar com esses recursos, conforme aprovado pelo Legislativo. A LOA contém três orçamentos, previstos na Constituição Federal: o orçamento fiscal, o orçamento da seguridade social (previdência, assistência e saúde) e o orçamento de investimentos das empresas estatais. A proposta orçamentária é ainda norteada por princípios orçamentários, que são ações a serem observadas na concepção da mesma. Além dos princípios já citados: anualidade, unidade e universalidade (art. 2º da Lei nº 4.320/64), existem ainda os consagrados pela CF/88, sendo eles os seguintes: exclusividade, equilíbrio, especificação, publicidade, clareza, não-vinculação ou não-afetação da receita, legalidade de tributação, entre outros. 26 No Brasil, o poder executivo é o responsável pela peça orçamentária em todos os níveis de governo. Esta deve passar, obrigatoriamente, por aprovação das câmaras legislativas, para que seja feita sua apreciação e possíveis emendas. Os apreciadores devem levar consideração que esta peça não é apenas um documento estático de previsão de receitas e autorização de despesas, mas sim um documento dinâmico onde estão expressas as funções e os objetivos a serem atingidos pelos programas do governo. É neste documento que serão definidos e expressos os investimentos e políticas públicas, distribuídas por diversos setores. Portanto, além do aspecto do planejamento, o orçamento público assume o caráter de instrumento múltiplo, relacionado aos seguintes aspectos: político, econômico, programático, gerencial e financeiro. (SANCHES, 1997, p. 168 apud COSTA, 2010, p.3). Devido ao estrangulamento da capacidade de investimento estatal, em todos os níveis do governo brasileiro, o orçamento público acaba sendo utilizado como mecanismo político e eleitoral. Através das emendas os legisladores buscam verbas para obras e projetos que, muitas vezes, são utilizados em benefício próprio, ou de correligionários e aliados políticos. Nas palavras de Laisner (2005): No Brasil, o orçamento público constitui-se em peça formal, cujo acesso é restrito a pequenos grupos de técnicos que justificam o monopólio das decisões em nome da neutralidade tecnocrática. A ausência de transparência e de fiscalização favorece a manipulação de recursos em benefício de grupos, expressando as práticas patrimonialistas de gestão do Estado e o acesso clientelístico aos recursos públicos. Assim, o investimento estatal, não alcança as dimensões que deveria assumir, de condicionar o desenvolvimento social, econômico e político das populações mais necessitadas, ao mesmo. É notório que durante muito tempo o processo de planejamento governamental, pouco vem sofrendo a participação da sociedade, evidenciando, dessa maneira, um comportamento impositivo e autoritário do gestor e de seus assessores, descaracterizando a representatividade social, conforme afirma Oliveira apud Pires (2001, p.47): A história da administração municipal brasileira apresenta mais exemplos de planos de governos esporádicos, elaborados e seguidos conforme o estilo de cada governante, do que uma tradição de processo de planejamento sistemático, contínuo e com efetiva participação da população. [...] Até a década 27 de 70, muitos municípios – especialmente os considerados grande e médios – elaboraram planos diretores, com o auxílio de técnicos integrantes de seus quadros ou de consultores externos. Embora incluindo estudos de situação socioeconômica e administrativa local, esses planos eram voltados precipuamente para os problemas físicos da cidade, o controle de sua evolução e crescimento num prazo relativamente grande [...] não foram, de maneira geral, eficazes nas cidades brasileiras. [...] (grifos nossos). O orçamento é, antes de tudo, uma decisão de governo ou um exercício de poder e, nesse sentido, não só uma questão técnica, mas também política. Isto significa que todo orçamento público implica a determinação de prioridades, relacionadas, por sua vez, com a capacidade de intervenção e negociação de certos setores da sociedade ou com opções do próprio governo local. O orçamento permite a identificação dos recursos disponíveis, que serão aplicados segundo as prioridades estabelecidas e afinadas com a política adotada pelo gestor público. Pode-se dizer que o desenvolvimento do orçamento público implicou num grande avanço para a democracia e para as liberdades individuais, ao corroborar, na sua trajetória histórica, a separação dos poderes, condição para um regime político democrático. Ao longo do tempo transformou-se em um instrumento de bem-estar social, que deseja reduzir as despesas e diminuir a carga tributária. É sinônimo de esclarecimento das responsabilidades dos governantes perante a sociedade. Um bom orçamento pode prestar serviços e estimular o desenvolvimento. Se elaborado na direção certa, promove em muito o bem-estar social, mas se elaborado de forma errada, atrapalha e até inibe o desenvolvimento. 28 CAPÍTULO III A participação popular no orçamento participativo: análise teórica dos impactos na administração pública Neste capítulo será feito no primeiro momento uma breve revisão do debate em torno da democracia e do orçamento participativo (OP). Seu foco é a análise dos impactos da participação popular na administração pública. Em seguida, são expostas as definições, o funcionamento e os impactos do orçamento participativo, sendo importante destacar que o OP é um processo de democracia direta, voluntária e universal, no qual a população pode discutir e decidir sobre o orçamento e as políticas públicas. O cidadão não encerra sua participação no ato de votar, na escolha do executivo e do parlamento, mas também decide prioridades de gastos e controla a gestão do governo. Ele deixa de ser um coadjuvante da política tradicional para ser protagonista permanente da gestão pública. Por último o OP é visto pela ótica da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, que incentiva a participação popular na elaboração do orçamento, o que permite que o cidadão possa não só participar da gestão pública, mas também controlar o Estado. 3.1. A contribuição da teoria democrática: dos clássicos aos contemporâneos De acordo com o pensamento político grego, democracia significa “[...] governo dos muitos, dos mais, da maioria, dos pobres (mas onde os pobres tomam à dianteira é sinal de que o poder pertence ao plétos, à massa), em suma, segundo a própria composição da palavra, como governo do povo, em contraposição ao governo de uns poucos” (Bobbio, 1993, p. 31). Entretanto, a concepção moderna de democracia se contrapõe à democracia direta proposta pelos antigos, entendendo que num grande Estado apenas a democracia representativa seria possível, ou seja, aquela forma de governo onde o povo não toma ele mesmo as decisões que lhe dizem respeito, mas elege os representantes que devem decidir por ele (Bobbio, 1993). Esse entendimento só afirma a aversão tida há tempos pelas classes dominantes à participação popular nas decisões políticas. 29 Esta concepção clássica de democracia é criticada por muitos autores, liderados por Schumpeter, que acreditam não poder haver uma vontade geral, ou bem comum, em sociedades heterogêneas, onde a pluralidade de interesses, valores, necessidades e identidades sociais são enormes (LUCHMANN, 2005). Os defensores da democracia representativa transferem o processo decisório para representantes eleitos através do sufrágio eleitoral, restringindo a participação ao processo eleitoral. Defendem uma visão mercadológica da política, onde partidos e candidatos competem por votos e o eleitor, seguindo características consumistas, escolherá aquele que mais lhe convier. A preocupação maior para os defensores da representação é, portanto, a manutenção da estabilidade do sistema político, o que não acreditam os mesmos ser compatível com a participação popular. Em suma, pode-se resumir o papel do povo nesta concepção de democracia na máxima de Sartori: “O povo deve reagir, ele não age; isto é, deve reagir às iniciativas e políticas das elites rivais”. (SARTORI, 1978 apud PATEMAN, 1992, p. 21). As críticas a esta democracia representativa, baseada no modelo estadunidense, também chamada de democracia ortodoxa, ou democracia hegemônica, são várias, e vem ganhando espaço nos últimos anos. Critica-se seu caráter instrumental, individualista e competitivo, o equilíbrio supostamente alcançado pela comparação ao jogo de mercado. Ressalta-se o desprezo ao cidadão, relegado à apatia e à manipulação (Luchmann, 2002, p. 3). Nas palavras de Macpherson, neste sistema “o equilíbrio é o da desigualdade, e a soberania é uma ilusão”. (MACPHERSON,1978 apud LUCHMANN, loc. cit.). A democracia participativa ganha terreno com a expansão da democracia liberal, que se estende diante do fracasso dos regimes totalitários, surgindo como melhor opção ao autoritarismo. Em seu cerne, início do século XX a democracia toma forma procedimentalista, ou seja, passa a ser um instrumento para o bom funcionamento do estado, assumindo assim um caráter utilitarista. Por outro lado, sua vertente participativa era vista com estigma, alusão ao regime fascista. Schumpeter apud Santos (2003) afirma que a democracia não se vincula a qualquer ideal ou fim, e sim ao método. Esse método tem como única função o processo de escolha dos governantes. O que faz com que o processo seja visto como uma mera competição por eleitores, podendo ser comparado à competição de mercado das empresas por seus clientes. 30 Dessa forma, Schumpeter não considera o processo eleitoral como um meio para atingir a democracia, mas sim a própria democracia. A necessidade de fazer valer a vontade geral explica a recusa de Rousseau em defender a representação política. Segundo o autor, a vontade não pode ser representada. Qualquer forma de representação levaria a uma sobreposição de vontades, entre a do representante e a do representado, o que faria com que o povo perdesse sua soberania, e consequentemente sua liberdade. Da mesma forma que Rousseau, o filósofo inglês Jonh Stuart Mill defende a liberdade de pensamento e ação e ampla participação política como mecanismos para se evitar a formação de um Estado autoritário, que não atenda à maioria dos cidadãos. Seguindo sua formação utilitarista, Mill procura meios para que o maior número de indivíduos de um Estado alcance a felicidade, o que acontece entre outras formas, pelo aumento das capacidades humanas, desenvolvidas e incentivadas através da participação política. O Estado deve agir como promotor do desenvolvimento das capacidades individuais, e, portanto, promover o debate e a participação dos cidadãos nas decisões públicas, através da institucionalização de mecanismos que promovam tal participação. Entretanto, ao contrário de Rousseau, Mill defende a representação política, sendo considerado um de seus principais idealizadores. Defende a idéia de que pessoas qualificadas e aptas devem conduzir o processo democrático, em detrimento da idéia de soberania popular rousseniana. O que Mill propõe é uma articulação entre mecanismos de representação e participação pública dos cidadãos (LAISNER, 2005, p. 35). Só se pode esperar que haja participação política em uma sociedade, quando haja uma intercessão dos interesses públicos e particulares. É preciso que, por meio de uma prática social educadora, os homens percebam “o estreito laço que une a fortuna particular de cada um deles à prosperidade de todos” (TOCQUEVILLE, 1973, p. 412, apud FREY, 2000, p. 87). A discussão acerca de modelos alternativos de democracia surgiu em função da incompatibilidade causada pelo modelo liberal. Dentre os problemas de destaque pode-se observar a falta de soberania do cidadão, consequência do sistema atual de representação. Por volta dos anos 70, passou-se a discutir a qualidade da democracia, especialmente pela 31 limitação da democracia representativa. O modelo representativo tem se mostrado restrito ao tentar garantir os interesses políticos, presentes no cenário de pluralidade social brasileiro. A falta de participação política e do interesse da sociedade pela discussão acerca das questões públicas abala, assim, os três pilares básicos da democracia propostos por Noberto Bobbio: participação (mesmo que de forma indireta), controle a partir de baixo e liberdade de dissenso (Bobbio, 1987). Devido à falta de identificação com a atuação dos representantes, cria-se, na sociedade, uma apatia política, ou manipulação da participação. Concentra-se o poder nas mãos de empresários e políticos profissionais, minando-se as condições de fiscalização e representação social. A liberdade de livre opinião também é descaracterizada, já que não se aceitam idéias e propostas que rompam com o sistema econômico dominante, uma vez que são os representantes deste sistema que controlam as instâncias de representação. O sistema participativo é visto por Pateman (1992) como um mecanismo autosustentável, pois, devido ao caráter pedagógico, a participação será automaticamente incentivada. Melhora-se, assim, a qualidade das decisões, uma vez que o cidadão é levado a pensar o interesse coletivo, não seus desejos imediatos. Este sistema também possui a tendência de proteger o cidadão contra os interesses privados e assegurar um bom governo. Através dele estabelece-se um mecanismo de controle político, que os teóricos da democracia ortodoxa, acreditam existir de forma suficiente na realização de eleições periódicas. Tem, ainda, uma função de integração, aproximando a coletividade através da discussão de interesses comuns. Para uma mudança de organização política é necessário que a democracia reconheça a pluralidade humana e negue formas homogeneizadas de sociedade (Santos, 2003), além de não restringir a problemas burocrático-legais, mas sim promover a igualdade de direitos e condições. Deve-se buscar, portanto, que a democracia ultrapasse a esfera política e se estenda para o nível social, nas relações sociais, laborais, familiares, ocupando espaços antes dominados pela hierarquia e burocratização (Bobbio, 2003). Desenvolver-se-ia, assim, uma cultura democrática, que promoveria a combinação entre unidade e diversidade, liberdade e integração e, assim, uma associação entre regras constitucionais e diversidade de interesses e culturas (TOURAINE, 1996). O sistema participativo muda a relação das pessoas com a política, que passa a ser vista como uma forma de ação (Laisner, 2005), não apenas como um acontecimento dado e 32 imposto, onde o cidadão não encontra representada sua vontade. Cria ainda um consenso, de forma legítima, sobre as ações governamentais, onde todos os pontos de vista podem ser apresentados e discutidos, até chegar-se a um entendimento, que não significa a sobreposição de uma idéia às outras, mas o acordo e consentimento sobre o melhor para a coletividade. Há deste modo, um aumento da governabilidade e estabilidade, como apresentado anteriormente. Rompe-se, ainda, com o argumento da tutela política, na qual se insere a idéia de que pessoas comuns não têm competência para governar (DAHL, 1989). É defendida ainda, por muitos autores, a melhora na eficácia da gestão pública quando compartilhada com a participação popular. O orçamento participativo torna-se, neste contexto, um dos exemplos mais reproduzidos e estudados de participação popular na administração pública. Experiências neste sentido indicam uma tendência à reversão de prioridades no gasto público, de modo a atender mais efetivamente as regiões menos priorizadas, sócio e economicamente. A participação popular na gestão pública também tende a melhoras os mecanismos de accountability1, desenvolvendo mecanismos de transparência e controle social, tendendo a reduzir, consequentemente, a corrupção. A proposta participativa apresenta-se como o mais viável modelo de inclusão democrática. É preciso adaptar os instrumentos para a sua construção às realidades sóciopolíticas locais. A democracia participativa deve trabalhar no sentido de melhorar a qualidade da representação, não ser um sistema concorrente deste, tampouco serem ambos exclusivos. Há, ainda, que se revelar a dificuldade de implementação de um modelo contra hegemônico, que busca inserir propostas para o desenvolvimento social em um sistema dominado por agentes econômicos e oligarquias políticas, que vêem em uma mudança estrutural sua derrocada. 1 A noção de accountability política pressupõe a existência do poder e a necessidade de que este seja controlado. Para maiores informações consultar Carneiro, C. B. L. Governança e Accountability: algumas notas introdutórias, 2000. 33 3.2. O orçamento participativo O orçamento participativo é uma forma de promover a articulação entre o orçamento público e as demandas sociais, sendo, ainda, uma das experiências que, na perspectiva deste trabalho, fazem a necessária rearticulação entre democracia representativa e participativa. Segundo Genro (2001. p. 53), “Cabe ao orçamento participativo registrar a sua importância como uma experiência revolucionária de planejamento democrático, que contrapõe à visão tecnoburocrática de planejamento central”. Surgido no Brasil em 1989, na cidade de Porto Alegre/RS, a experiência é fortemente identificada com o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) na cidade (1989-2004). Entretanto, o OP ultrapassa essa dimensão, estando, em 2002, presente, em 104 cidades brasileiras, governadas por partidos de diferentes correntes ideológicas, além de municípios de outros países que basearam seus OP‟s na experiência gaúcha. Entre essas cidades são citadas Saint-Denis (França), Rosário (Argentina), Montevidéu (Uruguai), Barcelona (Espanha), Toronto (Canadá), Bruxelas (Bélgica), Cidade do México, entre inúmeras outras. (Avritzer, 2003). Segundo dados da Rede Brasileira de orçamento participativo (2010) estimase que atualmente existam cerca de duas mil experiências de orçamento participativo no mundo, muitas delas desenvolvidas e inspiradas nas iniciativas brasileiras. Com cerca de duas décadas de gradativa e crescente experiência com programas de orçamento participativo, o Brasil virou uma referência internacional quando se fala em democracia participativa. 34 Tabela 1 - Experiências de orçamento participativo nas regiões brasileiras Região/Estado Sudeste São Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro Espírito Santo Sul Rio Grande do Sul Paraná Santa Catarina Nordeste Pernambuco Ceará Piauí Alagoas Bahia Maranhão Paraíba Sergipe Norte Acre Pará Rondônia Centro-Oeste Mato Grosso do Sul Total Nº de Municípios 47 22 14 9 2 39 21 12 6 14 4 3 2 1 1 1 1 1 3 1 1 1 1 1 104 Fonte: Pesquisa Fórum Nacional de Participação Popular, 2002 Verificam-se três momentos distintos na história do orçamento participativo no Brasil: de 1978 a 1988 englobando experiências primárias, que ainda não recebiam tal denominação, mas que já continham elementos participativos; de 1989 a 1992 corresponde à fase petista do OP, onde este partido aplica o programa em algumas das 36 prefeituras conquistadas durante as eleições de 1988; a última fase tem início em 1993, onde o número de prefeituras que implantam o OP cresce e extrapola o universo petista, e onde também há participação de outras entidades e organizações não-governamentais no processo (PIRES, 2000 apud LAISNER, 2005). A história da avaliação das experiências com o OP, na perspectiva de Laisner (2005), apresenta duas fases. Segundo a referida autora, durante a primeira fase do OP surgiram estudos idealistas, otimistas e pouco críticos, fascinados com as promessas de mudanças que 35 surgiam juntamente com a criação do OP. Posteriormente, ressalta, quando a experiência é mais consolidada, proporcionando estudos mais aprofundados, surgem trabalhos mais críticos, que apontam não só as potencialidades do OP, mas também seus limites, especialmente no que tange à democratização do poder local e às alterações nos padrões de relacionamento políticos tradicionais. São analisadas de forma mais crítica, nesta segunda fase, a relação entre o poder legislativo e o orçamento participativo, seu real impacto sobre a comunidade onde é implementado, as variáveis não sempre claras que levam a um determinado governo optar por implementar o OP e a legitimidade das decisões tomadas. Através de uma análise mais profunda do funcionamento desta experiência, proporcionada pela sua existência contínua em algumas cidades do Brasil e do exterior, tornam-se possíveis avaliações mais críticas e desenvolvidas de tais elementos. 3.2.1. Como funciona o orçamento participativo O orçamento participativo proporciona a possibilidade de participação ativa e direta da comunidade na discussão da peça orçamentária, de forma que esta possa definir prioridades e direcionar o investimento público para onde há maior demanda social. Através das experiências de orçamento participativo abre-se espaço para que os cidadãos se envolvam diretamente nas questões públicas, reformando o processo de tomada de decisões políticas e possibilitando uma maior justiça redistributiva. Uma das inovações mais importantes do OP é a ênfase na deliberação e na elaboração das políticas públicas, em um Estado historicamente caracterizado como um Estado privado, onde as decisões são tomadas exclusivamente por tecnocratas ou pelo poder executivo, isolados do debate público e da participação popular, como é o Estado brasileiro (WAMPLER, 2003). A amplitude dos temas tratados no orçamento participativo e seu complexo funcionamento permitem que sejam tratadas, de forma conjunta, diversas dimensões de impacto coletivo. Dentre estas várias extensões, destacam-se, a física, legal, institucional, social, econômica e financeira, que, trabalhadas conjuntamente podem proporcionar mudanças mais profundas na relação da sociedade com a localidade em que esta vive. 36 Ao dividir a cidade em áreas territoriais, o OP proporciona a inversão de prioridades no investimento público. Áreas mais necessitadas de atendimento estatal são colocadas em maior visibilidade, recebendo prioridades nas atuações governamentais, possibilitando, assim, a atuação do Estado sobre os grupos sociais que habitam estes territórios e que não são, tradicionalmente, atendidos por políticas públicas. Promovendo a participação política, o OP atinge sua dimensão social, proporcionando voz a diferentes pontos de vista e a setores sociais normalmente afastados da discussão pública, como desempregados, população de baixa renda, grupos minoritários, entre outros. Ao inserir novos atores na discussão do orçamento público e promover uma nova relação na elaboração deste, o OP promove ainda, mudanças legais, institucionais e políticas. O formato do OP implica a necessidade de regulamentação legal, para que se estabeleça o modo no qual este vai ser realizado, sua institucionalização por meio de lei ou não. A inserção popular na discussão orçamentária provoca mudanças institucionais, tornando também os espaços de discussão do OP mecanismos de elaboração de políticas públicas, antes restritos ao Estado, além de alterar a relação entre Executivo e Legislativo. Ao dar poder de decisão à população, o OP implica mudanças na política local. Grupos que perdem visibilidade política, em especial devido à perda de autonomia das câmaras legislativas em relação à formulação da peça orçamentária, tendem a ser contra sua implementação e são ligados aos setores da sociedade contrários a esta prática. Assim, muitas vezes, o sucesso ou não do OP condiciona o rumo político de alguns grupos locais. Medir os impactos causados nestas esferas de relação torna-se difícil, devido às diversas formas de se fazer o OP, características de um mecanismo auto-regulado, onde a população, juntamente com os representantes eleitos e técnicos do governo, decide como será seu processo. Esta adaptabilidade que, para muitos autores, (Avritzer, 2002; Santos, 2002) consiste em um de seus principais pontos positivos, proporcionou que esta experiência se difundisse, tomando, inclusive, proporções internacionais. É possível estabelecer, entretanto, algumas etapas, que consistem em seu ciclo mais frequentemente implantado. Conforme Giacometti (2005), a primeira etapa do processo participativo tem início com o debate político interno com o objetivo de preparar a equipe de governo para a mudança. A etapa subsequente será a definição do grupo coordenador e da equipe de apoio. A tarefa de organizar o processo participativo de elaboração do orçamento 37 cabe ao grupo coordenador, assim como a articulação das partes e desenvolvimento das reuniões plenárias. Em processo simultâneo ao do governo, a comunidade desenvolverá nas plenárias a discussão e escolha das prioridades, votando em urnas distribuídas em diversos pontos da cidade. As reuniões plenárias são realizadas em três níveis: sub-regionais, regionais e, uma consolidação das plenárias regionais, cujo resultado será encaminhado à assembléia geral. As decisões finais serão formalizadas em um projeto de lei orçamentária que será enviado a câmara de vereadores. O ciclo é encerrado com a avaliação do processo participativo e o acompanhamento da execução orçamentária, como mostra a figura 1. 38 1. Debate político interno 2. Definição do grupo coordenador 3. Organização do processo 4. Projetos por órgão de governo 5. Proposição de programas 6. Escolhas dos programas prioritários 7. Articulação com o Legislativo 8. Preparação de lideranças 9. Divulgação 10. Urnas para escolha de prioridades 11. Plenárias temáticas 16. Assembléia geral 12. Distribuição de cartilhas 13. Plenárias sub-regionais 14. Plenárias regionais 15. Consolidação das plenárias 17. Confecção do projeto de lei 18. Tramitação legislativa 19. Aprovação legislativa 20. Avaliação do processo participativo 21. Acompanhamento da execução Fonte: PIRES (1999) Figura 1 - Fluxograma para implantação do Orçamento Participativo O ciclo do OP permite que seja articulada uma relação entre democracia representativa e participação, baseada na cessão da soberania pelos representantes locais eleitos oficialmente, à população, por meio das assembléias e conselhos, onde todo cidadão recebe igual poder de deliberação. As próprias assembléias re-introduzem a participação local e permitem o diálogo direto com as instâncias representativas tradicionais. 39 As consequências da implementação bem sucedida do OP são amplamente debatidas, e se concentram em três eixos básicos. O primeiro, em conformidade com a tradição rousseauniana2, diz respeito ao seu potencial para educar, transferir poder e socializar os participantes na política brasileira, a participação de cidadãos comuns nas decisões mais importantes dos governos locais é tida como “um momento ímpar, um divisor de águas” (WAMPLER, 2003. p. 57). O segundo eixo vem tratar da abertura das esferas de decisões governamentais, antes restritas, o que faz do OP uma experiência com potencial para transformar a vida política dos cidadãos. Por último o OP amplia os limites da democracia representativa, à medida que “faz com que diferentes atores políticos, com diversos interesses, sejam forçados a negociar no seu interior” (FARIA, 2002 apud WAMPLER, 2003. p. 57). 3.2.2. Os impactos do orçamento participativo na gestão pública Outra face importante do OP é sua constituição como um importante mecanismo de construção e controle de políticas públicas. O OP privilegia o tratamento dos gastos estatais num espaço público, no âmbito local, onde o cidadão pode controlá-lo. Reduzem-se os intermediários na gestão pública, tornado-a mais eficaz e dinâmica, permitindo que se ataque de forma mais efetiva as mazelas sociais (Silva, 2006. p. 429). A discussão pública levaria a diminuição da corrupção, através do aumento da transparência na administração local e ainda por ser capaz de elevar os níveis de consciência política dos indivíduos. A regularidade na existência do OP, bem como de seu formato adaptado às necessidades sócio políticas locais são de extrema importância para que se atinja esta melhora qualitativa na gestão pública. Para que ocorra melhora na alocação de recursos, o aproveitamento dos segmentos sociais mais necessitados deve ser maior, de modo que haja, por parte deste, um novo entendimento da própria cidade e de seu papel como cidadão. Segundo Sen (1999) apud Silva (2006) o aumento da capacidade leva os indivíduos a auferir renda também, de modo que o OP pode sustentar oportunidades econômicas ao promover melhoras sociais. 2 Essa tradição pregoa uma democracia direta, com soberania popular e participação da sociedade como um todo. Para maiores informações consultar ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo. Ed. Formar, 1980. 40 As inovações propostas e possivelmente proporcionadas pela instalação do orçamento participativo fizeram com que esta prática chamasse a atenção de vários organismos defensores da democracia, da gestão pública e da inserção social. As transformações alcançadas, ou prometidas, pelas localidades onde o OP fora implementado, logo tomaram proporções internacionais. Em 1996 a experiência de Porto Alegre/RS levou o orçamento participativo a ser escolhido pela ONU (Organização das Nações Unidas), como uma das 40 mais destacadas experiências, dentre 600 práticas de administração pública municipal de todo o mundo. Desde então a visibilidade do OP aumentou consideravelmente, sendo esta prática também reconhecida pelo Banco Mundial como mecanismo de gestão urbana, além de ser objeto de práticas de cooperação entre cidades. O principal enfoque dado ao OP por essas organizações ultrapassa as questões de democratização e participação política, e abarca o caráter financeiro e econômico deste. É observado pela agência da ONU para gestão urbana, HABITAT, uma tendência à diminuição da inadimplência dos governos locais, devido ao envolvimento da sociedade civil na execução e gerência de projetos públicos. A agência ainda percebe como consequências da instauração do OP uma tendência ao aumento de grupos de desenvolvimento econômico alternativos, como experiências de economia solidária. Salienta-se, entretanto, que o orçamento participativo não deve ser avaliado exclusivamente considerando-se os ganhos econômicos que possam surgir de sua implementação. É importante que ocorra sua consolidação e repetição como política pública municipal, que desenvolva o caráter educativo, social e a cidadania dos indivíduos do local, num processo de redução do déficit democrático existente em relação à administração pública e de aproveitamento, por parte da população, das oportunidades inseridas por este processo (SILVA, 2006). Definir qual o real impacto do OP na condução dos gastos públicos não é tarefa fácil. É difícil a obtenção de dados sobre a implantação das decisões tomadas em assembléia, bem como determinar se as decisões acordadas no OP fazem parte de seu processo decisório ou se representam simplesmente a vontade do Executivo, ou de grupos de interesse organizados dentro do Legislativo. É preciso ainda, saber qual a porcentagem do orçamento colocada para discussão pública, se apenas a parte determinada a investimentos, que no Brasil atinge porcentagens geralmente inferiores a 10%, ou se são debatidos gastos correntes, como folha de pagamentos, compras governamentais e contratos públicos. 41 É necessário ainda, examinar quais das mudanças atribuídas ao OP são realmente fruto deste, ou apenas consequência de uma tendência geral do país ou região e se as deliberações públicas não foram alteradas pela manipulação do processo, por parte de empreiteiras, imobiliárias e prestadores de serviços, que frequentemente disputam uma fatia do investimento público. Ao mesmo tempo deve-se compreender a relação entre as esferas públicas, ideológicas e econômicas no surgimento e continuidade das experiências de orçamento participativo. Torna-se difícil uma avaliação comum dessas experiências, o fato de cada localidade apresentar resultados singulares à sua realidade, o que, ao mesmo tempo, é visto como um dos pontos mais positivos do OP, que se adapta às condições locais de nível econômico, social e político, promovendo um aporte democrático mais próximo às necessidades locais, rompendo com o ciclo hegemônico onde a participação popular e sua influência na administração pública acontece em períodos determinados pelo processo eleitoral. O aumento do número de experiências com o orçamento participativo e sua expansão por outros países pode possibilitar novos enlaces para uma análise mais profunda e efetiva de seus impactos. A associação de municípios em torno deste tema pode mostrar o porquê do OP ser compreendido como uma experiência de sucesso na relação governo-sociedade, bem como diminuir a opacidade existente sobre os motivos que levam diversos governos a abrirem mão de parte de seu poder decisório em favor da população local, além de proporcionar novos mecanismos de análise de seus impactos sobre a sociedade, política, administração pública, entre outras esferas tocadas pelo orçamento participativo. Para que a abrangência das discussões acerca de orçamento e demandas públicas possa ser ampliada é necessário garantir a participação popular de maneira espontânea, bem como incentivada. Esses incentivos advêm do grau de retorno no atendimento das demandas populacionais e dos consequentes impactos positivos. Neste processo o governo municipal é visto como representante das diversas forças políticas locais. 42 3.2.3. Orçamento Participativo à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal A Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, incutida na obrigação do gestor de divulgar de todos os meios possíveis a Lei Orçamentária, é talvez uma das maiores conquistas para a sociedade, desde o advento da Carta Magna Inglesa de 1217, de autoria do Rei João Sem Terra, considerado o embrião das leis orçamentárias atuais (FBO, 2010). O Orçamento, por si só carrega em sua essência o bem social, logo, nada mais justo do que a participação da sociedade na elaboração e execução do mesmo. Daí advém à concepção do orçamento participativo, cuja característica preponderante é a participação direta e efetiva da sociedade na elaboração da proposta orçamentária do governo. Embora seja possível a utilização do orçamento participativo na esfera da União e dos Estados, além do Distrito Federal, esta se faz mais comum por parte dos municípios, sendo possível detectar cada vez mais experiências participativas na administração municipal, que possibilita, em tese, a participação da população em definir prioridades para a alocação de parte dos recursos orçamentários. Isso é assegurado pela própria Constituição Federal, onde determina que o planejamento municipal tenha a cooperação de associações representativas (CF, art. 29, inciso XII) e o Estatuto das Cidades também adota a gestão orçamentária participativa (Lei 10.257/2001, art. 4º, inciso III, alínea f). Em duas ocasiões a população, bem como os conselhos fiscalizadores do orçamento, podem atuar como fiscalizadores do Orçamento Público, uma delas, quando da elaboração do orçamento, tendo em vista que a própria LRF, incentiva em seu art. 48º que a elaboração do Orçamento Anual do município, do estado e da União seja feito através de audiências públicas, consultando a população sobre onde os recursos devem ser gastos e depois de aprovado o orçamento, no momento de sua execução, a participação popular também é possível, haja vista que a supracitada Lei determina que os governos prestem contas do que estão fazendo com o dinheiro público, na forma de publicação. É importante ressaltar que em meados de 2002 foi editada, por parte de conselhos e associações fiscalizadoras do Orçamento Público, uma carta de princípios do Fórum Brasil do 43 Orçamento - FBO, onde aponta condições e princípios embasadores de um orçamento participativo, senão vejamos: A primeira condição seria produzir e repassar à população as informações de governo necessárias para a tomada de decisão sobre o orçamento, produzindo e divulgando informações necessárias à viabilização da participação popular com uma definição de didática, com o fito de adequar a linguagem complicada e tecnicista dos balancetes orçamentários, para uma melhor compreensão por parte do povo, devendo, para tanto, capacitar pessoas envolvidas no orçamento participativo nas matérias orçamentárias de interesse popular. Outra condição seria criar dentro e fora do governo estruturas institucionais para facilitar e estimular a participação ativa e contínua da população no processo orçamentário, definindo uma regionalização do Município com o intuito de garantir uma participação ampla e diversificada, atingindo todos os setores da sociedade, além de criar no âmbito externo do governo, instâncias de representação popular (conselhos, comitês, fóruns, etc) que atuem na elaboração e execução do orçamento. No âmbito interno do governo, seriam criados, como condição, procedimentos e estruturas institucionais para divulgação da prestação de contas e promover a participação nas ações de governo, desde a idealização, definição e efetiva execução, tais como as comissões permanentes de prestação de contas, as coordenadorias, superintendências etc. Todavia, como toda norma e condição embasadora em nosso direito, essas idéias só são possíveis de se concretizarem com o respeito a alguns princípios, também prédeterminados no FBO, quais sejam: i) Princípio da Universalidade - a participação é um direito que deve ser assegurado a todo e qualquer cidadão; ii) Princípio da Diversidade - abertura à participação a quaisquer grupos ou indivíduos, a fim de possibilitar a presença da diversidade de interesses. Assim, a força e importância de um determinado pleito ou interesse serão definidas por sua relevância social e não pelo acesso privilegiado aos centros de decisão; iii) Princípio da Transparência não se limita a simples divulgação de dados. Significa que a pessoa que transmite uma informação, especialmente o representante do poder público, esteja empenhada em fazer com que a outra pessoa apreenda de fato a sua mensagem. 44 É evidente ao estudar o Orçamento Participativo (OP), que a maioria dos autores que o discutem entende o OP como uma articulação entre representação e participação. Sendo esse uma combinação entre democracia representativa e direta, podendo ser observado que a democracia para estes autores não pressupõe mais a idéia de modelos competitivos, e sim, a conjugação entre diversos sujeitos sociais. Logo, esse modelo ainda traz a esperança de uma melhor distribuição de recursos e consequentemente uma justiça social redistributiva, o que permite uma inclusão política e social a todos os setores da população, principalmente aqueles mais vulneráveis. Não devemos esquecer, no entanto, que a parcela do orçamento destinada à deliberação popular ainda é pequena, tendo em vista as vinculações constitucionais e os pesados encargos da dívida mobiliária dos entes federados. Somente com a participação popular no debate sobre as questões orçamentárias será possível quebrarmos as estruturas viciadas que favorecem o clientelismo e a corrupção, desviam recursos públicos para mãos privadas e perpetuam as injustiças. 45 CAPÍTULO IV A experiência de orçamento participativo no município de Campina Grande/PB 4.1. Procedimentos Metodológicos Quanto à forma de abordagem a presente pesquisa foi qualitativa, pois teve como meta o aprofundamento da compreensão de um fenômeno social por meio de análises qualitativas da consciência articulada dos atores envolvidos. No que diz respeito aos objetivos, utilizou-se para tal fim, a pesquisa exploratória, tendo em vista que esta proporciona uma maior familiaridade com o problema a ser discutido, a mesma assumiu a forma de estudo de caso, facilitando a compreensão do fenômeno estudado. A articulação entre instrumentos de pesquisa que apreendam os diferentes discursos sobre o processo em análise é indispensável para não se correr o risco de tomar o discurso pela realidade, como se esta se resumisse as representações que as pessoas envolvidas buscam ou não, transmitir. Neste sentido, procurou-se, neste trabalho, articular diferentes procedimentos de coleta e análise dados, de forma a construir uma base empírica sólida que fundamente o processo de análise. Em relação à coleta de dados, os procedimentos utilizados foram: i) fontes primárias, obtidas através de levantamento de dados na Coordenadoria Geral do Orçamento Participativo, como o Decreto Lei nº 2.621/97, que institui o orçamento participativo, e os Regimentos Geral e Interno, que dispõem sobre as diretrizes do mesmo; ii) fontes secundárias, obtidas por meio de pesquisa bibliográfica sobre participação política e orçamento participativo no Brasil; pesquisa documental através da coleta de dados socioeconômicos, políticos, culturais e institucionais do município estudado. Utilizou-se ainda como instrumento de coleta de dados a aplicação de entrevista semiestruturada, realizada com o Sr. João Batista Pereira da Silva Coordenador Geral do Orçamento Participativo em Campina Grande/PB, bem como a aplicação de questionários com 50 delegados deste mesmo conselho. 46 Esses dois tipos de dados serviram para analisar as variáveis compromisso governamental e tradição associativa. Enquanto a entrevista semi-estruturada, forneceu informações sobre a história do OP no município, o perfil , as dificuldades de implementação, características centrais, servindo também de embasamento para criação do subtópico que discute o perfil do município, entre outros; os questionários buscaram traçar um perfil dos delegados participantes do processo, bem como a avaliação que fazem do mesmo. 4.2. Perfil do município de Campina Grande/PB O município de Campina Grande está localizado na Microrregião Campina Grande e na Mesorregião Agreste Paraibano do Estado da Paraíba, possui uma área de 594,18 km2. A cidade situa-se a uma altitude de aproximadamente 550 metros acima do nível do mar, na região oriental do Planalto da Borborema, distante 130 km da capital do Estado, João Pessoa. Campina Grande é o segundo município em população e exerce grande influência política e econômica sobre outros 57 municípios (23.960 km2 e 1 milhão de habitantes) do Estado da Paraíba (42,5% do território estadual). Este conjunto é denominado de Compartimento da Borborema e é constituído de 5 microrregiões conhecidas como Agreste da Borborema, Brejo Paraibano, Cariris Velhos, Seridó Paraibano e Curimataú. Nos 75 km2 que compreendem a área urbanizada da sede do município, há cerca de 1460 ruas e 85 mil construções, distribuídas em 48 bairros. Segundo estimativa do IBGE (2007), 385.276 pessoas residem no município de Campina Grande. Deste total, 353.564 pessoas residem na sede do município (94%). Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0.721, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000). A População Economicamente Ativa – PEA, ainda de acordo com o censo 2000 do IBGE é de 149.714 pessoas, destas 87.128 são homens e 62.586 são mulheres, sendo considerada PEA Ocupada 121.130 indivíduos dos quais 73.139 são homens e 47.991 são mulheres. A PEA Ocupada encontra-se em maior número, no desempenho do trabalho informal, são 52.473 trabalhadores, enquanto que no setor formal temos 50.468 trabalhadores. 47 No que diz respeito ao Produto Interno Bruto – PIB, de acordo com estimativas do IBGE no ano de 2010 o PIB de Campina Grande foi de 3.457 bilhões de reais. De acordo com os dados da Prefeitura Municipal de Campina Grande, o município apresenta como principais atividades econômicas a extração mineral; culturas agrícolas; pecuária; indústrias de transformação, de beneficiamento e de software; comércio varejista, atacadista e serviços. A cidade possui três distritos industriais, ocupando uma área total de 235 hectares, todos aparelhados com a infraestrutura necessária à instalação de indústrias de médio e grande porte. As maiores indústrias são do ramo de calçados, têxtil, mineração, alimentação e metalurgia. No setor de tecnologia de ponta, a cidade conta com programas de incubação de empresas, através do Parque Tecnológico da Paraíba, que visa dar vazão ao potencial acumulado nas universidades e transformá-los em produtos e empresas. Também está instalado um dos 13 núcleos do programa nacional Softex2000. Campina Grande é um dos núcleos mais produtivos do programa e tem se destacado como um dos maiores exportadores de software do país. 4.3. Uma análise da experiência do OP de Campina Grande A administração pública da cidade de Campina Grande/PB desenvolveu algumas iniciativas de participação popular, não ficando indiferente ao novo contexto vivido pela sociedade brasileira. Segundo documento do Centro de Ação Cultural (CENTRAC), intitulado Participação Popular e Controle Cidadão do Orçamento Público (2000, p. 10), podem-se citar algumas iniciativas de participação popular no município de Campina Grande/PB nos anos de 1984 e 1985, no governo do então prefeito Cássio Cunha Lima, antes mesmo da implementação do OP. O documento acima mencionado apresenta como primeira iniciativa de participação popular a Comissão Tarifária Municipal, que tinha como objetivo a discussão/aprovação da tarifa de transporte coletivo. Dela participavam representantes de movimentos comunitários, 48 sindicatos, empresários do setor e de clubes de mães. A segunda iniciativa apresentada pelo documento foi mais significativa no contexto de participação das políticas públicas, tinha como objetivo discutir o orçamento público municipal com a população. O Prefeito do município convidava os representantes das entidades para reuniões onde era apresentada a proposta orçamentária. Entretanto, desde meados de 1997, o município de Campina Grande/PB vem realizando outro tipo de experiência de participação popular na gestão pública, o orçamento participativo. A época de sua implementação que se deu na gestão de 1997-2000, o partido no poder era o PSDB (Partido Socialista Democrático Brasileiro), que segundo pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Participação Popular (2002), no período era o quarto partido envolvido na utilização de práticas de participação social no orçamento municipal, com 9,0% das experiências estudadas. O OP foi instituído em Campina Grande/PB através do Decreto Lei nº 2.621 de 09 de junho de 1997, do Prefeito Municipal em exercício, e as regras para sua execução estão definidas no Regulamento do Processo do Orçamento Participativo e no Regimento Interno do Conselho Municipal do Orçamento Participativo. Esta experiência constitui-se como um processo de participação direta da comunidade na elaboração, acompanhamento e fiscalização do PPA, da LDO e da LOA, conforme estabelece o art. 1º do Decreto Lei que a instituiu. Inicialmente a coordenação desse processo foi realizada pela Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que tinha como responsabilidade a elaboração do calendário de reuniões regionais bem como pelas temáticas a serem discutidas durante o processo. Para realização do orçamento participativo o município foi inicialmente dividido em sete regiões orçamentárias (RO‟s) com base em critérios geopolíticos, englobando os 55 bairros da cidade. Para tanto utilizou-se uma divisão territorial anterior, realizada pela Secretaria de Saúde, sem levar em consideração o perfil associativo e socioeconômico dos munícipes.3 3 No primeiro ano do OP em Campina Grande, as discussões só ocorreram em seis regiões, já que os problemas da região VII, correspondente ao centro da cidade, foram debatidos no Fórum Verginaud Wanderley, em conjunto com a temática da revitalização urbana. 49 Fonte: Costa, 2005 Figura 2 - Mapa das regiões orçamentárias – gestão 1997/2000 A divisão do município em sete regiões foi alvo de críticas por parte da população, que reclamava do excessivo número de bairros em certas RO‟s, da distância e da falta de transporte para se chegar ao local das assembléias, o que posteriormente levou a Prefeitura a dividir a cidade em doze regiões orçamentárias com base em critérios de proximidade geográfica, equilíbrio de densidade populacional e identidade sociopolítica e cultural entre as regiões tornando o processo mais igualitário e participativo. Atualmente, segundo o Regulamento Geral do OP, seção II, artigo 7º, parágrafo único, o município se subdivide em 16 regionais com base de aproximação geográfica, equilíbrio de área e densidade populacional. Para as regionais com população superior a 30 mil habitantes é instituída uma sub-regional (Tabela 2). 50 Tabela 2 - divisão regional do OP 2010 Regional I Sub-Regional I-A: Monte Castelo, Nova Brasília, José Pinheiro Sub-Regional I-B: Marinho Regional II Nações, Alto Branco, Lauritzen, Santo Antonio, Castelo Branco e Jardim Tavares; Regional III Cuités, Araxá, Jeremias, Palmeira, Louzeiro, Conceição e Jardim Continental Regional IV Monte Santo, Bela Vista, B. Universitário, Pedregal Regional V Ramadinha, Serrotão, Bodocongó e Novo Bodocongó Regional VI Malvinas(referencia de divisão: Sub-Regional VI-A: Sub-Regional VI-B: Malvinas 2 Regional VII Sub-Regional VII-A: Liberdade, Quarenta, Jardim Quarenta, Santa Rosa Av. Floriano Malvinas Peixoto) 1 Sub-Regional VII-B: Centenário e Dinamérica Regional VIII Jardim Paulistano, Cruzeiro, Santa Cruz Regional IX Distrito Industrial, Velame (Jardim Borborema), Presidente Médici Regional X Acácio Figueiredo(Catingueira), Bairro das Cidades, Três Irmãs Regional XI Sub-Regional XI-A: Catolé, Sandra Sub-Regional XI-B: Estação Velha, Tambor Regional XII Centro, Prata, São José Regional XIII Santa Terezinha, Mirante e Vila Cabral Regional XIV Distrito de Galante Regional XV Distrito de São José da Mata Regional XVI Distrito de Catolé de Boa Vista Cavalcante, Itararé, Fonte: Regimento Geral do OP Campina Grande 2010 No município o processo de ciclo de participação tem início com as Conferências Orçamentárias Regionais - Explicativas (COREs), onde a prefeitura esclarece o que vem a ser orçamento municipal, apresenta a situação econômico-financeira da Prefeitura Municipal 51 através de informações sobre a receita e a projeção das despesas municipais para o exercício subsequente, tudo isso com o intuito de demonstrar os limites e possibilidades da administração, bem como, as realizações da mesma até aquele momento. Nestas Conferências é apresentada ainda uma explanação da execução do orçamento participativo, e são também eleitos os delegados que farão parte da Conferência Municipal (COMU), sendo eleitos na proporção de 01 (um) delegado para cada 05 (cinco) cidadãos credenciados. Posteriormente, na COMU, são sistematizadas as discussões iniciadas nas CORE‟s, sendo votadas as prioridades orçamentárias para o exercício seguinte e elegendo o Conselho do Orçamento Participativo (COP), conselho este que anteriormente era presidido pelo Coordenador do OP e que desde 2010, vem sendo dirigido por uma coordenação executiva, formada por 03 (três) representantes da sociedade civil e 01 (um) membro do governo. Por fim, o COP, tem como obrigações a realização do acompanhamento da execução orçamentária anual, assim como a fiscalização do cumprimento do plano de governo. Objetiva-se neste último momento a consolidação das propostas do PPA, da LDO e da LOA, elaboradas inicialmente pelo Poder Executivo. Fonte: Elaboração própria Figura 3 - Fluxograma do OP Campina Grande (PB) 52 Um aspecto comum à dinâmica do orçamento participativo em Campina Grande/PB é sua estruturação a partir de três grupos de atores que em conjunto promovem a ligação da comunidade ao Executivo, são eles: a administração pública, a comunidade de cada região e as instâncias de participação criadas especificamente para o processo. O primeiro grupo é formado por funcionários do governo, entre eles o coordenador do OP que se encontra subordinado ao gabinete do prefeito, o prefeito e os secretários municipais. É responsável pela organização, divulgação e realização das plenárias, elaboração do projeto de Lei Orçamentária, execução das demandas e prestação de contas. O segundo grupo de participantes é composto pelos residentes do município, que podem participar diretamente das decisões sobre investimentos nas regiões onde moram, ou sobre toda a cidade, conforme a ocasião. Incluem-se aqui tanto os moradores ligados a alguma associação, como os desvinculados de qualquer entidade. A idade mínima para participar coincide com a do sistema eleitoral, ou seja, a partir de 16 anos. Por fim, o terceiro grupo corresponde a uma formação intermediária, visando mediar as relações entre comunidade e governo nas etapas seguintes as primeiras plenárias. Trata-se de um grupo composto por dois níveis representativos, delegados e conselheiros, que atuam diretamente nas negociações com o governo em nome dos interesses da comunidade. De modo geral, suas atribuições estão previstas no Regimento Interno do Conselho do Orçamento Participativo. Funcionando na cidade desde 09 de junho de 1997, o Orçamento Participativo de Campina Grande se consolidou no instrumento mais importante da sociedade campinense para definição de prioridades em obras, serviços e programas para a cidade, além de ser responsável pela democratização das decisões sobre os recursos públicos do município, o que lhe coloca como uma das experiências mais bem sucedidas de Orçamento Participativo na Região Nordeste, apesar de apenas uma parcela dos investimentos se decidida pelo OP, como pode ser visto na Tabela 3. 53 Tabela 3 - Parcela das despesas para investimento definida pelo OP LOA 1998 25% LOA 1999 8% LOA 2000 - LOA 2001 44% Fonte: PMCG/CENTRAC Obs.: Não foi possível a exposição de dados recentes, devido a falta de publicação dos mesmos 4.3.1. Dimensão distributiva A democratização da peça orçamentária proporcionada pelo OP caracteriza-se pela tomada de decisões, que se funda pela distribuição dos recursos públicos, tendo em vista as carências em infra-estrutura e serviços das regiões do município. No município de Campina Grande/PB, os critérios para repartição dos recursos entre as regiões obedecem a seleção e hierarquização das prioridades realizadas pelos Fóruns de Delegados, seguindo os seguintes parâmetros: (i) compatibilidade com os eixos temáticos aprovados na Lei de Diretrizes Orçamentárias observando as prioridades e metas estabelecidas; (ii) critérios gerais de hierarquização das prioridades previstos neste regulamento; (iii) cumprimento dos pré-requisitos técnicos de viabilidade de execução, previstos neste regulamento para seleção de prioridades e (iv) compatibilidade com o montante de recursos de investimentos disponíveis do município. A adoção de critérios, contudo, não garante o efeito redistributivo das políticas públicas, que depende ainda da execução das demandas aprovadas, da capacidade de investimento de cada município e da parcela de investimentos destinada às deliberações populares. (WAMPLER, 2002) No município de Campina Grande pode-se observar (Tabela 4), que as regiões menos favorecidas são, de fato, as que recebem maior atenção, como é o caso das regiões III e VII. 54 Tabela 4 - Levantamento da demandas concluídas do OP (2005/2007) Região I II III IV V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV XV XVI TOTAL Frequência 8 0 17 3 5 0 17 2 3 7 11 2 0 3 1 2 81 % 9,90 0,00 21,00 3,70 6,20 0,00 21,00 2,40 3,70 8,70 13,60 2,40 0,00 3,70 1,30 2,40 100,00 Fonte: Prefeitura Municipal de Campina Grande 4.3.2. Dinâmica da participação Em relação a dinâmica participativa, detectou-se, ao longo desse estudo, a existência de assembléias diretas regionais, marcadas pelo caráter deliberativo, seja na definição de prioridades, seja na escolha dos representantes. Verifica-se em Campina Grande/PB que a participação direta da população nas plenárias do OP foi bastante variável ao longo dos anos. No primeiro ano da experiência no município, em 1997, as discussões acerca da LOA registraram 1.719 moradores. No ano seguinte, esse número caiu bruscamente para 172 e 675 presenças nas discussões da LDO e LOA, respectivamente. Em 1999, a participação voltou a crescer, envolvendo 1.070 moradores nos debates da LDO e 1.090 nos da LOA. Por fim, em 2000, 1.378 moradores 55 participaram das plenárias regionais para a definição da LDO de 2001. Devido à realização das eleições municipais não foi possível a realização de plenárias para o debate da LOA 2001. Tabela 5 - Número de participantes do OP Ano 1997 1998 1999 2000 LDO 172 1.070 1.378 LOA 1.719 675 1.090 - Total de participantes 1.719 847 2.160 1.378 Fonte: Dados da pesquisa A redução do número de participantes no segundo ano do OP poderia ser atribuída ao baixo índice de execução das demandas no exercício anterior. Além disso, a divulgação realizada em 1998 foi substancialmente menor, em relação a 1997. À medida que as primeiras obras foram sendo realizadas a comunidade voltou a confiar no processo e o número de participantes voltou a subir, exemplo disso é o ano de 1999. Não existem dados precisos sobre os números atuais de participação da população, porém, segundo dados de entrevista realizada, esse número vem crescendo ao longo dos anos, em especial após a implementação da nova metodologia, que se deu no ano de 2008. “[...] a metodologia utilizada pelo OP de Campina Grande favorece a participação da população e, prova disso, é a crescente presença da população durante todo o ciclo orçamentário nas diversas instâncias ao longo dos anos. Esta participação é favorecida por ser uma metodologia sistemática, iniciando-se com plenárias preparatórias onde a população é esclarecida sobre a importância do orçamento participativo e o envolvimento dos cidadãos nas discussões sobre o mesmo, além de explicações sobre a peça orçamentária. Outro motivo que favoreceu ainda mais a participação da população ocorreu por conta da nova metodologia utilizada a partir do ano de 2008, onde as urnas de votação de prioridades são levadas até os bairros e localidades, representando também uma inovação na forma de divulgação do relatório das obras executadas pelo município e daquelas solicitadas pela sociedade.” (João Batista, coordenador do OP na gestão atual e envolvido no processo desde 2002) A evolução positiva da participação parece estar relacionada a alguns fatores, como a organização, a divulgação, o grau de abertura permitido pela metodologia adotada, a resposta 56 do Executivo na execução das demandas, a transparência na prestação de contas, o grau de maturidade da experiência e a tradição associativa do município. 4.4. O orçamento participativo como modificador da gestão pública Em relação à eficácia do OP como modificador da gestão pública, o estudo confirma as proposições teóricas anteriormente apresentadas. A relação entre as obras e projetos deliberados durante a fase de discussão do OP e sua efetiva implementação por parte do município de Campina Grande/PB até o ano de 2002 é insatisfatório. A efetividade chega a 21%. Segundo dados da CENTRAC até outubro de 2002, de um total de 457 demandas aprovadas pelos participantes do OP de 1997 a 2000, 200 foram incluídas nas leis orçamentárias. No entanto, até outubro de 2002, apenas 42 demandas haviam sido executadas (21%), 26 estavam em execução (13%) e 132 demandas (66%) ainda não haviam sido iniciadas. Nos anos de 2005 a 2007, foram efetivadas 77 das demandas aprovadas pela sociedade, o que já representa um avanço em relação ao período anterior, 1997 a 2000, no entanto, não é possível informar qual a representatividade deste valor no total de obras demandadas, pois o mesmo não foi disponibilizado pela PMCG. O município possui mecanismos de controle por parte da população das obras e projetos deliberados. O acompanhamento da execução orçamentária pela comunidade ocorre com a fiscalização direta sobre o andamento das obras. Este controle apresenta-se como vital para que haja um real impacto do OP na gestão pública, permitindo o controle social do gasto público e concretizando as deliberações. Inicialmente esse controle era realizado pelo CENTRAC, que divulga boletins periódicos com balancetes informando o grau de execução da obra4. Atualmente, esse 4 Em abril de 2000, realizou-se a Primeira Conferência Municipal de Prestação de Contas, na qual foi esclarecida a situação econômico-financeira do município. Com o intuito de possibilitar aos moradores uma visão conjunta da execução dos investimentos demandados pelo OP. 57 controle é executado pela comissão de fiscalização das obras, subordinada ao conselho do orçamento participativo. Observa-se ainda que o OP promove a integração entre a burocracia pública e a comunidade. O que não é diferente no município de Campina Grande/PB, existindo mecanismos, como o COMOP, para que o corpo técnico e especializado das prefeituras trabalhe em conjunto com a população durante as fases de discussão dos projetos a serem definidos como prioritários, onde os técnicos auxiliam verificando sua viabilidade e possibilidade de realização. Ao contrário do defendido por alguns autores entusiastas do Orçamento Participativo, de acordo com a análise da evolução da receita, não foi verificado aumento significativo na arrecadação de impostos e tributos no município, após a implementação do OP. Quando questionado sobre a quem cabe a liderança e condução do processo de Orçamento Participativo, o coordenador do OP indicou a equipe de governo ligada ao executivo, ou mesmo o próprio prefeito. Verifica-se que a participação popular por si só não é capaz de exigir e implementar o OP em determinada localidade, o que não ocorrerá se não houver vontade política para tal. Confirma-se, assim, a visão do OP como um mecanismo de diálogo entre a democracia representativa e a democracia direta, e não como um mecanismo onde a participação por si só decide e implementa sua vontade. No que tange aos benefícios verificados com a implementação desta prática, destacamse o maior controle social sobre a gestão, a maior transparência do gasto, maior proximidade entre demandas e investimento públicos, maior justiça social causada pela inversão de prioridades na administração local, maior capacidade de planificação dos gastos e obras a serem realizados. O Sr. João Batista destaca ainda o fortalecimento da relação do indivíduo com o coletivo e a coisa pública, além do fortalecimento do tecido associativo. Tal destaque é importante para que se perceba a ineficiência da administração pública de forma geral, e sua falta de compromisso com as demandas sociais, só implementadas quando a participação política é incentivada, como acontece através do OP. Confirma-se assim a idéia da ineficiência da democracia representativa para a atenção às reais demandas populares, e sua tendência ao clientelismo e ao desvio do verdadeiro sentido da democracia como governo do povo. 58 Sobre as prioridades dos cidadãos na distribuição de propostas ao orçamento, há um claro destaque à intervenções físicas, como obras de infra-estrutura e urbanização, além das áreas de saúde, educação e cultura. O município verifica uma melhora da qualidade dos serviços públicos de responsabilidade do governo local oferecidos aos cidadãos. A Coordenadoria do OP afirma não possuir dados para responder à questão, mas afirma que, apesar da falta de dados, percebe uma melhora na qualidade de vida das áreas impactadas pelo Orçamento Participativo. Comprova-se, a partir destes dados, que a partir do aumento da participação política promovido pelas experiências do Orçamento Participativo, alcança-se uma maior qualidade do gasto público, aproximando-o das áreas mais carentes e com maior déficit de investimento estatal, além de promover maior transparência e a modernização da administração pública, de modo que se atendam as demandas populares com maior rapidez e eficácia. 4.5. Representação dos delegados Este tópico tem por objetivo descrever os dados coletados junto aos delegados do orçamento participativo. A pesquisa traz informações sobre o perfil dos delegados e suas representações quanto ao sentido do OP. Os questionários foram aplicados durante o mês de outubro de 2010. Foram coletadas 50 entrevistas com delegados titulares, estes representando um percentual de 35,7% dos delegados. Cabe ressaltar que o município possui 140 delegados. 4.5.1. Perfil dos delegados Pelos dados levantados, o perfil dos delegados de Campina Grande/PB apresenta uma predominância masculina de 56, 25%, contra 43,75% feminina. Embora isso necessariamente não corresponda de fato, a atuação dos delegados nas reuniões do OP. A idade desses conselheiros varia entre 40 e 49 anos (53,1%), o que demonstra uma certa maturidade dos envolvidos no processo. No que se refere ao grau de escolaridade, 31,2% dos delegados possuem ensino médio completo e 25% o curso superior completo, o que resulta numa renda mensal compatível com 59 sua escolaridade, já que 62,5% deles possuem um rendimento mensal acima de 4 salários mínimos ( > R$ 2.040,00). É importante salientar que quando questionados sobre a profissão que exerciam, 28,1% dos entrevistados revelaram ser funcionários públicos, sendo este o maior percentual, seguido de 25% de profissionais liberais. 4.5.2. Percepção dos conselheiros em relação ao OP Embora exista um grupo de pessoas ligadas às funções administrativas na gestão pública municipal, o processo de escolha dos delegados é respeitado, já que ocorrem eleições, conforme afirma o Coordenador do OP. “Os Delegados (as) das Regionais e Setoriais são eleitos nos seus respectivos Fóruns, coordenadas por um representante da Coordenadoria do Orçamento Participativo, em conjunto com a Coordenação dos Fóruns. [...] O mandato de Conselheiro (a) titular ou suplente é de 1(um) ano de duração, e no exercício da titularidade, poderão ser exercidos mais que dois mandatos consecutivos. [...]” É importante compreender as motivações dos cidadãos não ligados ao governo em participar das instâncias do OP. Na entrevista realizada com os delegados verificou-se que 40,6% dos entrevistados apontaram que o motivo que os levou a participar foi “para resolver algum problema da comunidade/bairro/rua”. Isso demonstra o grau de comprometimento com a comunidade que o elegeu. Observa-se que, quando perguntados sobre o que é mais positivo no OP, 86% dos mesmos entrevistados referem-se a discussão, mobilização, participação e reuniões com as comunidades. Isto indica a importância dada pelos delegados à participação popular. Esta questão de participação, no entanto, não é algo tão simples como fazer uma lista de demandas e atendê-las. Há diferentes demandas, necessidades ou interesses. No questionário aplicado, uma bateria de questões foi destinada a verificar suas avaliações quanto a variável do compromisso governamental. Quando questionados se confiavam no OP, dos 50 conselheiros entrevistados, 64% disseram confiar “quase sempre” e 60 32% “sempre”. Esse indicador demonstra que o processo possui legitimidade perante os delegados, o qual, porém, não é isento de desconfiança. No mesmo questionário foi perguntado se o OP deveria ser mantido. Quanto a essa questão, 96% dos conselheiros responderam que sim. Isso indica que, mesmo havendo uma parcela de desconfiança com o processo, as pessoas acreditam na “instituição” orçamento participativo. Outra questão que serve para analisar o compromisso da administração com o OP diz respeito à avaliação sobre a aplicação dos investimentos. Nesse caso, como pode ser visualizado na Tabela 6, 52% dos respondentes acreditam que os recursos são aplicados com critérios claros, justos e transparentes. Apesar desse indicador positivo, não se pode desprezar que 24% acreditam que os investimentos são aplicados segundo interesses pessoais/particulares e 12% por interesses políticos. Tabela 6 - Na sua opinião os investimentos do OP são aplicados Investimentos do OP Sem critérios claros e definidos De acordo com interesses políticos De acordo com interesses pessoais/particulares De acordo com critérios válidos, justos e transparentes De acordo com grupos seletos, forças políticas Total Frequência 4 6 12 26 2 50 % 8,0 12,0 24,0 52,0 4,0 100,0 Fonte: Elaboração própria Ainda quanto ao compromisso, foi perguntado aos delegados sobre a realização das obras e serviços priorizados no OP. Verifica-se aí uma avaliação positiva, que pode significar o comprometimento da gestão atual para com o processo. Neste caso, 92% dos delegados responderam que a Prefeitura estava cumprindo de maneira adequada as prioridades que haviam sido estabelecidas pelo OP, contra 8 % que disseram não. Em relação ao conhecimento sobre o valor disponibilizado pela administração pública de Campina Grande ao OP, chama a atenção o percentual de delegados entrevistados (70%) que desconhecia esta informação. 61 Também foi perguntado sobre a prestação de contas e esclarecimentos sobre a execução de demandas prestadas nas gestões anteriores (1997/2004). Em relação a esse aspecto, 44% dos respondentes avaliaram como ruim, 40% como péssimo, 12% como regular e 4% como bom. Tal avaliação se constitui em mais um indicador da evolução do comprometimento governamental com a consolidação do OP. Ainda a respeito da estrutura do OP foi perguntado o que os delegados acham das mudanças introduzidas no processo desde 1997, constatou-se que 54% acreditam que estas melhoraram o processo, contra 42% que dizem ainda não ser possível fazer tal avaliação. O aumento do grau de confiança apresentada consolida a proposta do orçamento participativo e permite seu amplo desenvolvimento, colaborando, dessa maneira para a melhora da participação comunitária e permitindo o controle do gasto público por meio da sociedade civil. Um outro aspecto importante no desenho institucional do OP é a divulgação das regras e dos procedimentos, e pode ser visto na Tabela 7 que 96% dos entrevistados apontam os esclarecimentos prestados pela prefeitura sobre o processo do orçamento participativo como satisfatórias. Conforme Bobbio (1986), para a construção da democracia é necessário que todos tenham acesso e conhecimento a respeito das “regras do jogo”. Neste sentido, a capacitação e a distribuição de informativos por parte do poder público, são fundamentais para o sucesso da proposta. Tabela 7 - Prestação de informações sobre o funcionamento do OP O Sr. considera as informações e esclarecimentos prestados pela Prefeitura sobre o OP satisfatórias? Frequência % Sempre 11 22,0 Na maioria das vezes 37 74,0 Poucas vezes 2 4,0 Nenhuma vez 0 0,0 Não sabe 0 0,0 Total 50 100,0 Fonte: Elaboração própria 62 No orçamento participativo de Campina Grande/PB as regras, conforme visto, estão regulamentadas no regimento interno, documento apresentado e aprovado no COP, onde está disposta a estrutura, o funcionamento, a competência e as instâncias participativas do OP. No início da implementação foram amplamente distribuídos, entre os participantes, o regimento e informativos auto-explicativos sobre o funcionamento do OP. Por isso os delegados, quando questionados às respeito das informações sobre o funcionamento do OP, apresentam um alto grau de satisfação. Para finalizar, vale inserir dados a respeito da nota atribuída ao programa. Neste sentido, uma ampla maioria dos entrevistados (94%) atribuiu nota de 8 a 10, o que indica uma avaliação positiva da experiência. Verifica-se uma avaliação bastante positiva da experiência por parte dos delegados, com uma grande maioria dizendo-se satisfeita e confiante no processo. 63 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve por objetivo principal analisar a evolução do OP na cidade de Campina Grande/PB. Para tal avaliou-se o processo de institucionalização do orçamento participativo e seus resultados na vida pública e social do município, através do levantamento das principais mudanças ocorridas durante as gestões do processo, bem como da verificação do alcance das demandas sociais. Foi visto que o OP implementado no município de Campina Grande/PB foi resultante de um projeto de governo proposto pela oposição em 1997. Foram notáveis as mudanças sobre os rumos da experiência na cidade, porém não foi possível a quantificação nem qualificação dessas, por não serem obtidos dados recentes a respeito, a não ser as respostas obtidas na entrevista realizada. Na expansão da experiência no município, algumas características foram mantidas, outras adaptadas ou abandonadas. De modo geral, o que se apresenta como constante são as plenárias deliberativas diretas, sobretudo as regionais e as instâncias de representação. A dinâmica do OP no município é marcada, em especial nas duas últimas gestões, por critérios objetivos de distribuição de recursos entre as regiões. Esses critérios combinam dados universais, como população ou densidade populacional e outros específicos de cada região. O grau de execução das demandas regionais relaciona-se com o compromisso da Administração Municipal em cumprir as deliberações do OP, priorizando-as em relação às outras obras. O caso de Campina Grande deixa claro que nas primeiras gestões, 1997 a 2004, as sucessivas suplementações orçamentárias ocorridas no período acabaram por reorientar as prioridades, contribuindo para o baixo índice de cumprimento das demandas definidas pela população. Nas gestões subsequentes houve um aumento expressivo das obras executadas, estimasse que mais de 70% das demandas oriundas do orçamento participativo foram atendidas. De um modo geral, as mudanças ocorridas no desenho institucional contribuíram para a verticalização do processo, tendo o OP ficado mais dependente das decisões do secretariado. Ao mesmo tempo, tornou-se mais eficiente, no sentido de que aumentou o número de 64 demandas atendidas e a quantidade de investimentos destinados às deliberações do programa. Têm-se dessa forma, duas orientações distintas a respeito dos rumos da experiência. A primeira caracterizada por uma concepção de ampliação de canais institucionais entre a prefeitura e comunidades (posição defendida pelo coordenador geral do OP) e a segunda preocupada com a eficácia administrativa do OP. Ressalta-se que todas as tentativas de implementação do OP costumam apresentar uma série de dificuldades nos primeiros anos. Dificuldades estas, que vão desde a organização de uma nova cultura de gestão até o envolvimento da comunidade na dinâmica. No município de Campina Grande não foi diferente, porém pôde-se notar que após algum tempo de implementação, obtiveram-se resultados mais consistentes, tanto na democratização dos procedimentos como na dos recursos. Seu aprimoramento, ao longo do tempo, evidencia que o OP é um processo aberto, em permanente construção. Merece destaque, ainda, um último fator relevante a análise da experiência de OP, a tradição associativa do município. Embora não tenha sido um dos critérios de análise para essa pesquisa, os estudos realizados chamam atenção para a importância do associativismo presente no município. Como qualquer outra análise, o Orçamento Participativo não pode ser visto como uma experiência totalmente positiva. Várias são as contradições existentes dentro do seu processo. Os interesses que levam cada localidade a promover o OP, sua tensa relação com o legislativo, a possibilidade de manipulação da participação, bem como seu alcance junto à população precisam ser analisados criticamente. A característica de cada região onde o OP é implementado também precisa ser levada em consideração. Regiões onde a participação política da população é historicamente maior tendem a ter mais sucesso com experiências participativas. De maneira geral, entretanto, percebe-se que a instauração do OP possui, sim, uma tendência à melhoria da administração pública. Esta melhoria é condicionada à qualidade e alcance do OP, e é, neste trabalho, confirmada no município de Campina Grande. Apesar dos conflitos e problemas surgidos ao longo do processo, o OP trouxe mudanças na cultura e nas práticas políticas da cidade, incorporando formas de relação entre poder público e sociedade civil até então inexistentes. A importância do OP na vida pública 65 do município parece pouco questionável atualmente, sendo que alguns comentários bastante otimistas (e exagerados) afirmam que o OPCG está definitivamente consolidado. Tendo em vista a multiplicidade de fatores que concorrem com a implementação bem-sucedida de experiências participativas, qualquer aposta torna-se arriscada. Diante de tudo que foi apresentado, pode-se chegar a conclusão que o OPCG está caminhando para um futuro promissor de compromisso com a sociedade civil, como processo deliberativo de demandas/carências solicitadas pela população e como instrumento de democratização da gestão urbana, contribuindo com dados relevantes para políticas públicas. Mas não pode deixar de lado as dificuldades apresentadas, principalmente a que corresponde ao percentual do orçamento municipal destinada ao orçamento participativo. É pertinente citar, como uma considerável limitação deste trabalho, o difícil acesso aos dados do orçamento participativo do município estudado, em especial dados referentes a atual gestão. O município informa não ter estudos precisos, tanto no aspecto quantitativo como qualitativo do orçamento participativo. A obtenção destes poderia ter gerado resultados mais consistentes a respeito do tema. Que este trabalho sirva de incentivo a novas pesquisas, com modelos melhor elaborados, variáveis com maior relevância ao problema ou com melhorias e correções das possíveis imperfeições que este trabalho venha conter. Um estudo mais aprofundado do impacto socioeconômicos do OP sobre os mecanismos de gestão pública se faz necessário, para que se estudem as consequências do aumento da participação popular sobre a administração, uma vez que esta última muitas vezes não acompanha o ritmo das demandas participativas. 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, M. do C. et al. 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Dispõe sobre Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 67 BRASIL. Lei Complementar nº 101/2010, 04 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. BRASIL. Estatuto das Cidades (2001). Lei nº 10.257/2001, 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. CABANNES, Y. A lesson on Participatory Budgeting from Latin América. Habitat Debate, Nairobi, v. 09, nº 1, p. 6-18, abr. de 2003 – Acesso em: 01.mar. 2010. CARTA AO FÓRUM BRASIL DE ORÇAMENTO. Disponível em: <http://www.ibase.br>– Acesso em: 13.out.2010. CENTRO de AÇÃO CULTURAL. Boletim de orçamento público e cidadania, n° 1, janabril 1998. CENTRO de AÇÃO CULTURAL. Boletim de orçamento público e cidadania, outubro 1999, n° 3. 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Rio de Janeiro, Cortez, 2003, p. 61-89. 70 APÊNDICES 71 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADO COORDENADORIA GERAL DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO Dados Pessoais do entrevistado Nome Completo: Profissão ou ocupação atual: 1. Perguntas iniciais 1.1. Há quanto tempo participa do OP? 1.2. Como ocorreu essa inserção? 1.3. O que o motivou a participar? 1.4. Como você avalia a experiência do OP em Campina Grande? 2. Processo Histórico 2.1. Como foi a implementação do Orçamento Participativo em Campina Grande? 2.2. Quais os pontos positivos e negativos dessa implementação? 2.3. Como era a organização do Orçamento Participativo no início da experiência? E atualmente como se organiza? 2.4. Houve mudanças no perfil dos atores envolvidos e na forma de participação da população? Quais? 2.5. Quais eram os critérios de escolha das decisões a serem implementadas no OP? E atualmente como se dá o cumprimento dessas ações? 3. A estrutura 3.1. Existem instâncias não governamentais de participação popular para o controle orçamentário e acompanhamento/monitoramento das obras aprovadas durante o OP? 3.2. Qual a instância de decisão final para definir o Orçamento? 3.3. Como é composto o Conselho de Orçamento Participativo? 3.4. Qual é o sistema de eleição dos delegados(as) no Conselho de Orçamento Participativo? Quem é elegível? 72 3.5. Qual a proporção de delegados por habitantes? 3.6. Existem sub-prefeituras, distritos, regiões, zonas, e/ou outras formas de descentralização municipal? Desde quando? Quantas existem? 3.7. Em sua opinião, a atual metodologia do OP de Campina Grande favorece ou não a participação popular? Por quê? 3.8. Quantas regiões ou distritos existem para o Orçamento Participativo? 3.9. Quais são os critérios, caso existam, para a distribuição dos recursos do Orçamento Participativo entre as prefeituras, sub- prefeituras, distritos, regiões, zonas, etc? 4. Interação Prefeitura X População 4.1. Como é a relação da população com o governo municipal nas reuniões do OP? Houve mudanças nessa relação ao longo da experiência? Quais? 4.2. Quais representantes da prefeitura participavam do OP? E atualmente? 4.3. O que podia ser discutido no OP? E hoje? 4.4. Quais eram as prioridades da prefeitura? Houve mudanças nestas prioridades? 4.5. Quais eram as estratégias de comunicação e mobilização usadas pela prefeitura para a participação da população no OP? E atualmente? 4.6. Quais os obstáculos para representar os interesses da comunidade nesses espaços? 4.7. Como a prefeitura respondia/responde a estas demandas? 4.8. Quais as estratégias para envolver a população na tomada de decisões? 4.9. Qual a porcentagem das demandas da população apresentadas durante o OP foi concretizada (em obras e/ou serviços)? 4.10. Existem critérios previamente definidos para a distribuição dos recursos para o OP (por distritos/ regiões, por temas, por atores e/ou outros)? 4.11. Qual é o impacto do OP sobre arrecadação fiscal? 4.12. Como são divulgados os resultados do OP ao final do processo (ao final de cada ciclo)? 4.13. Os números de execução do orçamento são apresentados aos participantes populares? Como? 4.14. Como eram articuladas as demandas da base para serem levadas ao OP? Havia dificuldades nessa articulação? E atualmente? 4.15. De que maneira a prefeitura comunicava à população a impossibilidade de realização de uma obra? E atualmente, como faz? 4.16. Até que ponto os objetivos pretendidos com a realização do OP foram alcançados? 73 4.17. O que acha importante dizer sobre a experiência do OP em Campina Grande que não foi perguntado anteriormente? 74 APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA DOS DELEGADOS SOCIEDADE DO VALE DO IPOJUCA MANTENEDORA DA FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA COORDENAÇÃO DO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS BACHARELADO EM ECONOMIA Orçamento participativo: a experiência de Campina Grande PB Data de aplicação: _____/_______/______ PERFIL DO DELEGADO (A): 1. Sexo 1 ( ) feminino 2 ( ) masculino 2. Idade ( ) de 20 a 29 ( ) de 30 a 39 ( ) de 50 a 59 ( ) mais de 60 ( ) de 40 a 49 ( ) viúvo(a) 3. Estado Civil ( ) solteiro(a) ( ( ) separado(a) ou divorciado(a) ) casado(a) 4. Qual a renda mensal (soma da renda total das pessoas que moram na sua casa)? ( ) até 1 salário mínimo ( ) de 1 a 3 salários ( ) de 7 a 10 salários ) mais que 10 salários ( ( ) de 4 a 6 salários 5. Escolaridade ( ) não alfabetizado (a) – não sabe ler e escrever ( ) alfabetizado(a) – sabe ler e escrever pelo menos um bilhete simples ( ) ensino fundamental (primeiro grau) incompleto 75 ( ) ensino fundamental (primeiro grau) completo ( ) ensino médio (segundo grau) incompleto ( ) ensino médio (segundo grau) completo ( ) ensino superior (terceiro grau) incompleto ( ) ensino superior (terceiro grau) completo 6. Qual a sua profissão? ( ) do lar ( ) desempregado ( ) aposentado ( ) empresário ( ) profissional liberal ( ) funcionário público ( ) outro ATUAÇÃO DO DELEGADO(A) 7. O que o Sr(a) considera mais importante na atuação de um Delegado(a)? (numerar de 01 a 07 de acordo com o grau de importância) ( ) negociação e articulação ( ) conhecimento e informação ( ) liderança e iniciativa ( ) diálogo e respeito ( ) comprometimento e responsabilidade ( ) transparência e honestidade ( ) outro. Qual?_______________________________________ 8. Na sua opinião, qual a principal dificuldade em exercer o papel de Delegado(a)? (numerar de 01 a 07 de acordo com o grau de importância) ( ) falta de tempo e/ou dinheiro ( ) dificuldade de acesso à informação ( ) complexidade do processo ( ) muitas reuniões ( ) pouco tempo de discussão para as decisões ( ) falta de apoio das comunidades ( ) desorganização das reuniões ( ) preconceitos e atitudes 9. O que o levou a participar como conselheiro? ( ) resolver algum problema da comunidade/bairro/rua 76 ( ) por acreditar que tem o dever de participar da vida pública ( ) por acreditar na proposta do OP ( ) vontade de participar ( ) outros 10. Como é na maioria das vezes a sua relação com a comunidade? (marque apenas uma alternativa) ( ) ótima ( ) boa ( ) regular ( ) péssima 11. Como é na maioria das vezes a sua relação com os representantes da administração? (marque apenas uma alternativa) ( ) ótima ( ) boa ( ) regular ( ) péssima PERCEPÇÃO DO PROCESSO DO OP 12. O Sr. Confia no OP? ( ) sempre ( ) quase sempre ( ) nunca 13. Na sua opinião, as pessoas que participam do OP realmente decidem sobre políticas públicas, obras e serviços? (marque apenas uma alternativa) ( ) sempre ( ) na maioria das vezes ( ) poucas vezes ( ) nenhuma vez ( ) não sabe 14. Na sua opinião, os delegados(as) e conselheiros(as) do OP respeitam e encaminham as reivindicações definidas pela comunidade? (marque apenas uma alternativa) ( ) sempre ( ) na maioria das vezes 77 ( ) poucas vezes ( ) nenhuma vez ( ) não sabe 15. Na sua opinião, as informações e esclarecimentos prestados no COP pelos representantes da Prefeitura sobre o OP são satisfatórias? (marque apenas uma alternativa) ( ) sempre ( ) na maioria das vezes ( ) poucas vezes ( ) nenhuma vez ( ) não sabe 16. Na sua opinião, as mudanças introduzidas pelo OP (ciclo) desde 1997 ( ) melhoraram o processo ( ) pouco alteraram o processo ( ) pioraram o processo ( ) ainda não foi possível avaliar 17. O Sr.(a) é favorável a criação de novas temáticas? 1 ( ) sim. Qual?__________________________________ 2 ( ) não 18. Na sua opinião, a forma como o processo do OP está estruturado atende às expectativas do público participante? ( ) totalmente ( ) parcialmente ( ) raramente ( ) não atende ( ) não sabe 19. Na sua opinião, a contratação de ex-delegado para cargos de confiança na Prefeitura é: ( ) positiva ( ) negativa ( ) não faz diferença 20. Na sua opinião, o processo do OP pode ter continuidade independente do partido que está no governo? 1 ( ) sim 2 ( ) não 78 21. Qual a nota que o Sr.(a) dá ao Orçamento Participativo de Campina Grande? (de zero a 10): ___________________________ 79 ANEXOS 80 Anexo 1 - Execução Orçamentária 2005/2007 81 82 83 84 85