UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA: NATUREZA JURÍDICA E CONSTITUCIONALIDADE Por: Patricia Trindade Barretto Orientador Prof. Anselmo Souza Rio de Janeiro 2012 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA: NATUREZA JURÍDICA E CONSTITUCIONALIDADE Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Público e Tributário Por: Patricia Trindade Barretto Rio de Janeiro 2012 3 AGRADECIMENTOS A todos que, de alguma forma, contribuíram para a conclusão do presente trabalho, em especial, aos colegas do curso, amigos e família. 4 DEDICATÓRIA Aos meus maiores incentivadores ao longo da vida: meus pais, meu filho João Pedro e meu marido Gustavo. Sem eles, sua compreensão e apoio incondicional, toda a caminhada até aqui não teria sido possível. 5 RESUMO A iluminação pública representa uma fonte essencial e incondicional para a qualidade de vida da comunidade. Além de iluminar ruas, avenidas, praças, monumentos históricos e demais logradouros públicos, favorece o lazer, o comércio e o turismo, constituindo um dos vetores para a segurança pública, tanto na questão do tráfego de pedestres e veículos, quanto na prevenção à criminalidade. A privatização do setor elétrico acirrou o debate sobre a difícil situação da iluminação pública no Brasil, por causa de controvérsias na definição da efetiva competência e responsabilidade pela prestação do serviço, bem como na busca do equacionamento da fonte de custeio e financiamento desse serviço público essencial. Nesse contexto, e após a declaração de inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 39/2002, positivando - no Sistema Constitucional Tributário Pátrio - a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública, adicionando-se ao texto constitucional o art. 149-A. Desde então, a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública é tema que causa grandes debates no meio acadêmico. Questiona-se sua constitucionalidade através dos mais diversos fundamentos. Entretanto, em termos concretos, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou pela constitucionalidade da exação e, ainda assim, a polêmica prosseguiu. O presente trabalho objetiva realizar a análise da referida contribuição, centrada não somente no aspecto jurídico-dogmático, mas também dentro do conceito de uma Justiça Tributária transformadora, observando-se a realidade social, para concluir-se, legitimidade da exação. afinal, pela constitucionalidade, legalidade e 6 METODOLOGIA O presente trabalho foi desenvolvido com base em pesquisa sistemática e criteriosa em artigos de publicações científicas, nos sítios jurídicos na internet, tendo como objetivo analisar detidamente a natureza jurídica e a constitucionalidade da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública, inserida no ordenamento jurídico pátrio através da Emenda Constitucional nº 39/2002. A Constituição Federal de 1988 foi utilizada praticamente em todos os momentos, como fonte elementar de consulta, assim como o Código Tributário Nacional. Foram utilizados, também, livros de Direito Constitucional Tributário e de Direito Tributário, bem como jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A pesquisa foi feita na tentativa de delimitar conceitualmente essa nova exação, correlacionando-a com as espécies tributárias existentes, bem como analisando as correntes doutrinárias que já se manifestaram sobre o tema e os aspectos de cada uma delas, para então se desenvolver uma tese sobre a constitucionalidade da CIP/COSIP. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 12 CAPÍTULO II AS TEORIAS CLASSIFICATÓRIAS DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS 19 CAPÍTULO III A NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 22 CAPÍTULO IV A CIP E AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EXISTENTES ATÉ O ADVENTO DA EC 39/02 24 CAPÍTULO V A INSTITUIÇÃO DA CIP ATRAVÉS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR 31 CAPÍTULO VI O STF E A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 36 CAPÍTULO VII A CRÍTICA DOUTRINÁRIA À CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 40 CAPÍTULO VIII O PRAGMATISMO DA ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA 43 8 CONCLUSÃO 45 BIBLIOGRAFIA 47 ÍNDICE 51 9 INTRODUÇÃO Através da Emenda Constitucional nº 39, promulgada em 19 de dezembro de 2002, pela Mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, foi inserido o artigo 149-A na Constituição da República Federativa do Brasil, instituindo, no ordenamento jurídico pátrio, a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública, conhecida como COSIP ou CIP. Até o advento da referida norma constitucional, vários Municípios haviam criado uma taxa de iluminação pública para custear as despesas com a disponibilização da iluminação pública aos munícipes. Tal taxa foi uma alternativa encontrada pelos Entes Municipais para aumentarem suas receitas, sob o argumento de que os munícipes estariam apenas restituindo aos cofres públicos os gastos decorrentes dos serviços de iluminação pública. Contudo, houve um grande descontentamento por parte dos contribuintes, pois tiveram que suportar um ônus financeiro de mais um tributo, adicionado a uma carga tributária já extremamente elevada. Diante desse quadro fático, foram interpostas diversas ações judiciais questionando a legalidade e a constitucionalidade do tributo, as quais acabaram por bater às portas do Supremo Tribunal Federal. O STF, por sua vez, se manifestou no sentido da inconstitucionalidade material da exação, sob o fundamento de que o tributo em referência não teria natureza jurídica de taxa, eis que não seria possível individualizar o contribuinte, faltando, assim, o requisito da divisibilidade do serviço público. Esse entendimento deu azo à edição da Súmula nº 670, a qual dispõe que: "o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa". 10 Em virtude de tal entendimento, os Municípios tiveram uma perda grande de arrecadação, o que resultou em um endividamento ainda maior diante das concessionárias de energia elétrica. Nesse contexto, os prefeitos passaram a pressionar o Congresso Nacional para a criação de uma exação que substituísse a taxa de iluminação pública, tendo em vista que somente o Poder Constituinte Derivado estava apto a ampliar a competência tributária. E, assim, surgiu a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública, através da promulgação da EC nº 39/2002. Para melhor visualização, transcreve-se o artigo constitucional acima citado: Art. 149-A. Os Municípios e Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. A partir da vigência da aludida norma, iniciou-se um intenso debate acerca da natureza jurídica da nova exação e sua compatibilidade com a CRFB/88. Renomados juristas se manifestaram veementemente contra a instituição do referido tributo, por o considerarem formal e materialmente inconstitucional. Não tardou para que os órgãos de defesa do consumidor e o Ministério Público questionassem em juízo tal cobrança, reputando-a ilegal e inconstitucional. Entretanto, o STF, em regime de repercussão geral, nos autos do RE 573675/SC, entendeu pela constitucionalidade da dita exação. 11 Dessa forma, torna-se fundamental uma análise pormenorizada de suas características, bem como de sua compatibilidade com a ordem constitucional brasileira. No presente estudo, buscar-se-á delimitar as características da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública, fazendo um comparativo entre a CIP e as diversas espécies tributárias existentes no ordenamento jurídico pátrio, bem como as limitações impostas ao Poder Derivado, no intuito de se aferir a constitucionalidade ou não da dita contribuição. Abordar-se-á, ainda, os aspectos ligados ao pragmatismo da arrecadação tributária nas faturas de consumo energético como forma de assegurar a sustentabilidade das receitas financeiras dos Entes Públicos Municipais e, com isso, fazer face aos serviços locais de iluminação pública. 12 CAPÍTULO I O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 1.1 – Breve Histórico Até o advento da Constituição de 1988, a iluminação pública, no Brasil, era custeada pelo Fundo Nacional de Energia, “controlado e administrado diretamente pela União por intermédio das concessionárias de energia, até então todas públicas” (WERLANG, 2004, p. 111), de forma que o pagamento das contas de energia elétrica destinada à iluminação pública não se constituía em um problema de gestão financeira aos municípios brasileiros. Contudo, com a extinção do referido fundo, a obrigação de custeio da iluminação pública foi repassada aos executivos municipais, sem a prévia e necessária definição das fontes de receita necessárias ao adimplemento de tal encargo, causando sérios problemas de ordem financeira aos entes envolvidos, sobretudo, às comunas de pequeno porte e de pouco recursos. Nesse aspecto, atestando as enormes dificuldades financeiras vivenciadas pela maioria das municipalidades de nosso país, vale colacionar síntese de estudo realizado por François E. J. de Bremaeker (BREMAEKER, 2001, p. 4-5), economista e geógrafo, Coordenador do Núcleo de Articulação Político-institucional do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), analisando dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no qual fica evidenciada: a condição de pobreza de grande parte dos municípios brasileiros que em 1999 somavam 5.507 comunas, das quais, 74,8% possuíam população inferior a 20 mil habitantes e apresentavam receita tributária média em torno de apenas 7% do volume de recursos de que dispunham (SILVA, 2005). 13 Tal constatação, cientificamente elaborada, permitiu concluir que na grande maioria das municipalidades brasileiras, a capacidade de arrecadação tributária apresenta níveis baixíssimos, a ponto de corresponder a apenas 7%, em média, dos já parcos recursos provenientes, em sua quase totalidade, das transferências constitucionais representadas principalmente pelas receitas oriundas do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) que, como se sabe, são insuficientes ao atendimento das necessidades locais. Portanto, diante desse quadro, pode-se, com extrema facilidade, depreender o significado desastroso, em termos de desequilíbrio das finanças públicas municipais, que o repasse da conta de iluminação pública representou à maioria dos municípios brasileiros, que frente a já escassa disponibilidade de caixa, tiveram de assumir mais este oneroso encargo. Disso resultou, como era presumível esperar, que muitos municípios, diante da necessidade de ter de decidir onde aplicar os parcos recursos disponíveis, optaram por empregá-los no atendimento das consabidas prementes políticas públicas, como saúde, saneamento e educação, por exemplo, em detrimento do adimplemento das contas de energia elétrica consumida para iluminação pública. Ocorre que o fenômeno das privatizações, como efetiva materialização da Reforma Administrativa proposta pela Emenda Constitucional nº 19/98, alterou o cenário do modelo energético nacional, através da concessão dos serviços de fornecimento de energia elétrica a empresas privadas. E a partir dessa significativa mudança, o inadimplemento da conta de iluminação pública ganhou nuance diferenciada, passando a implicar indevida lesão ao patrimônio das empresas privadas prestadoras do serviço de fornecimento de energia elétrica, as quais, em numerosos casos, têm entregue a energia contratada aos municípios, mas não têm recebido a devida contraprestação pecuniária pelos serviços prestados. 14 Esta peculiar situação fática permite concluir que a relação jurídica estabelecida entre os executivos municipais e as concessionárias de fornecimento de energia elétrica, a partir das privatizações ocorridas, transcendeu o regime de direito público, alcançando matiz, também, privatística, face aos inadimplementos verificados na órbita do direito privado, configuradores de inegáveis ilícitos civis. 1.2 – O Serviço de Iluminação Pública Passa-se ora a contextualizar a iluminação pública como um serviço público e compreender suas nuances e especificidades. Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade, fruível diretamente pelos administrados, prestada pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituídos pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios do sistema normativo. Por seu turno, os serviços públicos podem ser gerais ou específicos. Os serviços gerais, ditos também universais, são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável) de pessoas. É o caso dos serviços de iluminação pública, de segurança pública, de diplomacia, de defesa externa do País, etc. Já os serviços públicos específicos, também chamados singulares, são os prestados uti singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um numero determinado (ou, pelo menos, determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da 15 possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos serviços de telefone, de transporte coletivo. O serviço de Iluminação Pública, por sua vez, é de competência do Município, abrangida pelo art. 30, inciso V, da Constituição Federal. E encontra-se definido como sendo: o serviço que tem por objetivo prover de luz, ou claridade artificial, os logradouros públicos no período noturno ou nos escurecimentos diurnos ocasionais, inclusive aqueles que necessitam de iluminação permanente no período diurno (art. 2º, inciso XXIV, Resolução ANEEL nº 456, de 29 de novembro de 2000). E, assim como os serviços de pavimentação de ruas, de implantação de abastecimento de água, de prevenção de doenças, entre outros, é um serviço coletivo, ou seja, aquele prestado a grupamentos indeterminados de indivíduos, de acordo com as opções e prioridades da Administração, e em conformidade com os recursos de que disponha. Do exposto, parece não haver dúvida de que a iluminação pública é um serviço público de caráter geral. Todavia, quanto ao seu custeio, a matéria não é tão remansosa assim. Com efeito, antes do advento da Emenda Constitucional nº 39/2002, o custeio da iluminação pública se dava por intermédio da taxa de iluminação pública (“TIP”), como já dito na Introdução. Dentre as primeiras legislações sobre a instituição de cobrança de taxa para o custeio da iluminação pública destacam-se a do município de Carazinho, no Rio Grande do Sul, que instituiu a taxa de iluminação pública por meio da Lei Municipal nº 1.944/66. Há também os municípios de Lagoa Formosa, em Minas Gerais (Lei Municipal nº 338/89) e Vitória, no Espírito Santo (Lei nº 3.704/90), que se mostraram pioneiros na cobrança de taxa para 16 o custeio da iluminação pública, estando à frente de muitos outros municípios brasileiros. Em São Miguel do Oeste, Santa Catarina, a Lei Municipal nº 1.261/80 foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça daquele estado, declaração essa mantida pelo STF no RE 100.729/SC (Rel. Min. Francisco Rezek, DJ: 16/12/1983). A referida legislação instituiu as taxas da coleta de lixo, limpeza pública, conservação de calçamento e iluminação pública, cuja base de cálculo era a mesma definida para o IPTU. O mesmo ocorreu com a Lei Municipal nº 480/83, de Niterói, Rio de Janeiro, objeto do RE 233.332/RJ (Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ: 14/05/1999), no bojo do qual foi declarada inconstitucional a instituição de taxa para o custeio da iluminação pública, em razão de estar configurada espécie tributária não compatível com a natureza do serviço prestado pelo ente público. Assim também se deu com Lei Municipal nº 5.641/89, do município de Belo Horizonte, Minas Gerais, a qual foi objeto do AI 505.095/MG (Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ: 16/12/2008), que entendeu pela inconstitucionalidade das taxas de limpeza pública e de iluminação pública lá instituídas. Acompanhando o desenrolar do tema nos mais diversos tribunais, outras legislações municipais foram questionadas judicialmente, de modo que fosse apurado o caráter constitucional da cobrança de taxa para o custeio da iluminação pública nos municípios. Tratava-se, pois, de espécie tributária de competência comum, com nítido viés da matriz de contraprestação do serviço público. Como tal, a TIP deveria embutir o caráter vinculado a uma contraprestação a um serviço público específico e divisível. 17 Nada obstante, a iluminação pública é um serviço geral e, por isso mesmo, inespecíficos e insuscetíveis de individualização para efeito de contraprestação do serviço público efetivamente prestado. Logo, a ilação que irrompe imediatamente de tal premissa é que tal serviço não poderia ser remunerado por taxa, consoante sumulado pelo Pretório Excelso. Nesse sentido, ainda, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento quanto à inespecificidade e indivisibilidade de diversos serviços públicos: Informativo 259 do STF Com base na jurisprudência firmada pelo Plenário no julgamento do RE 121.617-SP (DJU de 6.10.2000) no sentido de que o serviço de "construção, conservação e melhoramento de estrada de rodagem" não pode ser remunerado mediante taxa uma vez que não configura serviço público específico e divisível posto à disposição do contribuinte (CF, art. 145, II), o Tribunal declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei Complementar 37/98, do Município de Aracaju-SE, e dos artigos 3º a 6º da Lei 3.133/89, do Município de Araçatuba-SP, que instituíam a cobrança de taxas sobre a conservação e manutenção das vias públicas, cujas bases de cálculo eram próprias de imposto. RE 293.536-SE, rel. Min. Néri da Silveira, e RE 259.889-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 7.3.2002. (RE293536) (RE-259889). Informativo 292 do STF É inviável a cobrança de taxa quando vinculada não somente a serviço público de natureza específica e divisível, como a coleta de lixo domiciliar, mas também a prestações de caráter universal e indivisível como a limpeza de logradouros públicos, varrição de vias públicas, limpeza de bueiros, de bocas-de-lobo e das galerias de águas pluviais, capina periódica e outros. Com base nesse entendimento, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que entendera que a Taxa de Limpeza Pública cobrada pelo Município de Belo Horizonte custeava serviço de caráter divisível e específico. Precedente citado: RE 245.539-RJ (DJU de 3.3.2000). RE 361.437-MG, rel. Ministra Ellen Gracie, 19.11.2002. (RE-361437). Informativo 301 do STF Concluindo o julgamento de embargos de divergência (v. Informativo 288), o Tribunal, por maioria, decidiu que os 18 serviços públicos custeados pela taxa de coleta de lixo domiciliar instituída pela Lei 691/84, do Município do Rio de Janeiro, não são específicos e divisíveis para efeito do art. 145, II, da CF ("Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: ... II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços público e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição"). Entendeu-se que o referido tributo vincula-se à prestação de serviços de caráter geral (varrição, lavagem e capinação de vias e logradouros públicos, limpeza de praias e outros), insusceptíveis de serem custeados senão por via do produto de impostos. Vencido o Min. Gilmar Mendes. RE (EDv-ED) 256.588-RJ, rel. Ministra Ellen Gracie, 19.3.2003. (RE-256588). Entretanto, com o intuito de dar aos Municípios (e ao Distrito Federal) uma fonte de receita almejada por esses diante de sua evidenciada situação de pobreza, que foi aprovada a Emenda Constitucional nº 39/2002, positivando no Sistema Constitucional Tributário a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública, adicionando-se ao texto constitucional o art. 149-A. Com isso, a CIP vem cumprindo, desde então, a sua função primordial: amealhar recursos para os cofres das municipalidades. Adiante, far-se-á breves considerações sobre algumas teorias classificatórias das espécies tributárias, antes de se adentrar na natureza jurídica da CIP. 19 CAPÍTULO II AS TEORIAS CLASSIFICATÓRIAS DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS Devido à evolução do Direito Tributário no Brasil, aliado com a imprecisa definição técnica adotada pelo legislador, muitas têm sido as classificações adotadas pela doutrina, sendo que várias delas se utilizam de critérios imprecisos para qualificar as espécies tributárias. Para cada espécie de tributo regulado pelo sistema tributário, diferente será o regime adotado pela Constituição para regulá-lo, sendo que existem diferentes princípios e regras para sistematizar cada uma delas. A partir deste dado surge a necessidade de o operador do direito não só identificar qual é o tributo especificado, e sim qual a espécie tributária este tributo pertence, pois como já dito, diferentes serão as regras constitucionais a ele aplicáveis. Atualmente, existem quatro classificações principais construídas pela doutrina nestes últimos 50 anos de crescimento do Direito Tributário no Brasil, tendo algumas delas sub-classificações que, de uma forma ou de outra, tem razoável fundamento técnico-jurídico, bem como, possuem respaldo de nomes consagrados por seus trabalhos científicos. A primeira delas é classificada como a teoria bipartida, defendida principalmente por Alfredo Augusto Becker (BECKER, 1972, p. 298, 340-345) e Pontes de Miranda (PONTES DE MIRANDA, 1987, p. 362 e 371), a qual considera os impostos e as taxas como os únicos tributos brasileiros, distinguindo-se pelas respectivas bases de cálculo, o único critério seguro para aferir objetivamente qual o tributo correto. A Teoria Tripartite ou Tricotômica, defendida por Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2007, p. 28) e Sacha Calmon Navarro Côelho 20 (CÔELHO, 2005, p.471), admite a existência de três espécies tributárias, a saber: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Isso porque entendem que o art. 145 da CF/88 traz uma enumeração numerus clausus. Segundo essa teoria, as contribuições sociais e empréstimos compulsórios não são modalidades tributárias autônomas, fazendo as vezes de taxa ou imposto, dependendo do exame específico do fato gerador da obrigação, conforme determina o art. 4º, do CTN. Ricardo Lobo Torres (TORRES, 2005, p.371-372) e Luciano Amaro (AMARO, 2006, p. 81) desenvolveram uma tese de lege ferenda, em razão do que dispõem os arts. 145 e 148, da CRFB, entendendo que haveria quatro espécies tributárias. São elas: impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios. Já a Teoria Quinquepartite ou pentapartite, mais aceita entre os doutrinadores, argumenta que teríamos cinco espécies tributárias, quais sejam: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais. Ao seu fundamento, o art. 145 da CRFB traz uma enumeração numerus apertus, devendo ser interpretado conjuntamente com o art. 148 e art. 149, ambos da CRFB/1988. É a teoria mais aceita atualmente por nomes como Hugo de Brito Machado (MACHADO, 1993, p. 46) e Ives Gandra Martins (MARTINS, 1998, p. 25), além de conter o respaldo do Supremo Tribunal Federal, conforme decisão abaixo: De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. No tocante às contribuições sociais - que dessas duas modalidades tributárias é a que interessa para este julgamento -, não só as referidas no artigo 149 - que se subordina ao capítulo concernente ao 21 sistema tributário nacional - têm natureza tributária, como resulta, igualmente, da observância que devem ao disposto nos artigos 146, III, e 153, I e III, mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao título 'Da Ordem Social'. Por terem esta natureza tributária é que o artigo 149, que determina que as contribuições sociais observem o inciso III do artigo 150 (cuja letra b consagra o princípio da anterioridade), exclui dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195, em conformidade com o disposto no par. 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu par. 4º, ao admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, determina se obedeça ao disposto no art.154, I, norma tributária, o que reforça o entendimento favorável à natureza tributária dessas contribuições sociais. (STF, Recurso Extraordinário nº 146733/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ: 06/11/92). Resumidamente, o art. 145, da CRFB/1988 e o art. 5º, do CNT relacionaram expressamente como tributos apenas os impostos, taxas e contribuições de melhoria. Dessa forma, surgiram debates na doutrina quanto à inclusão no rol das espécies tributários do empréstimo compulsório e das contribuições soiais. Para os fins específicos desse estudo, ante suas limitações, consideram-se todas as espécies acima descritas como tributo, adotando-se, assim, a Teoria Quinquepartite. Mais a mais, enquadrar determinada exação tributária em uma específica espécie tributária, o que se tenta fazer em relação à CIP, não tem importância meramente acadêmica, vez que à cada espécie tributária aplicamse regras e princípio específicos. Em vista das classificações aqui tratadas, buscar-se-á investigar a natureza jurídica da CIP confrontando-a com as espécies tributárias existentes. 22 CAPÍTULO III A NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA Como já visto, a partir da entrada em vigor da EC nº 39/2002, teve-se por constitucionalizada a fonte de custeio dos serviços de iluminação pública, contribuição de inquestionável caráter tributário, eis que, além de ter sido inserida no Título VI, Capítulo I, “Do Sistema Tributário Nacional”, o dispositivo determina que os Municípios e o Distrito Federal, ao criá-la, devem respeitar o disposto nos incisos I e III do art. 150, do mesmo diploma Constitucional. Ademais, verifica-se que a exação tributária contém todos os elementos do conceito de tributo estabelecido pelo art. 3º do Código Tributário Nacional: Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Infere-se do dispositivo transcrito que a CIP cumpre com os requisitos de tributo, haja vista: i) o caráter pecuniário da prestação tributária (como prestação em moeda); ii) a compulsoriedade dessa prestação, ideia com a qual o Código Tributário Nacional buscou evidenciar que o dever jurídico de prestar o tributo é imposto pela lei, abstraída a vontade das partes que vão ocupar os pólos ativo e passivo da obrigação tributária, opondo-se, dessa forma, a compulsoriedade do tributo à voluntariedade de outras prestações pecuniárias; iii) a natureza não sancionatória de ilicitude, o que afasta da noção de tributo certas prestações, também criadas por lei, como as multas por infração de disposições legais, que têm a natureza de sanção de ilícitos, e não de tributos; iv) a origem legal do tributo (como prestação “instituída em lei”), repetindo o Código a ideia de que o tributo é determinado pela lei e não pela vontade das partes que irão figurar como credor e devedor da obrigação tributária; v) a 23 natureza vinculada (ou não discricionária) da atividade administrativa mediante a qual se cobra o tributo. Volta-se, portanto, à questão primordialmente explorada, que diz respeito ao reforço das receitas tributárias dos municípios como fato político ensejador da CIP. A toda evidência, chega-se à conclusão de que, não fosse o comprometimento da fonte de custeio do serviço de iluminação pública, a capacidade de os municípios realizarem seus objetivos constitucionais restaria abalada. E, por via de consequência, acabaria por repercutir em certa medida sobre as tarifas de energia do consumidor final, em face do mecanismo de recomposição das perdas, quando da revisão tarifária das distribuidoras. Assim, a CIP cumpre uma função precipuamente fiscal, haja vista o contexto em que foi gestada, com a finalidade de garantir a arrecadação tributária do Ente Municipal, para que esse propicie aos munícipes condições mínimas de segurança nas via públicas. 24 CAPÍTULO IV A CIP E AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EXISTENTES ATÉ O ADVENTO DA EC 39/02 4.1 - A CIP e os Impostos Segundo o artigo 4° do Código Tributário Nacional, a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualifica-la a denominação e demais características formais adotadas pela lei e a destinação legal do produto de sua arrecadação. O mesmo CTN, em seu art. 16, dispõe que o imposto é um tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Assim, o CTN define no fato gerador o critério distintivo das espécies tributárias. Tanto isso é verdadeiro que o legislador constitucional, para identificá-los, limita-se à descrição genérica de seu fato gerador, ou seja, do fato de conteúdo econômico que será objeto da exação, como, por exemplo, importar produtos estrangeiros (CRFB/88, artigo 153, I); ser proprietário de veículos automotores (CRFB/88, artigo 155, III); ou ser proprietário de imóvel urbano (CRFB/88, artigo 156, I). A peculiaridade inerente ao imposto diz respeito à ausência de vinculação do fato à atividade estatal, pelo que se diz ser este um tributo não vinculado. A partir de sua análise, poder-se-á apurar se houve ou não invasão de competência tributária por um ente federado em relação a outro, verbi gratia, o Município não poderá criar tributo com base em fato gerador que constitua pressuposto fático de tributo federal ou estadual. 25 O caráter de tributo não vinculado implica em afirmar que sua hipótese de incidência não se encontra prevista numa atuação estatal, especialmente dirigida ao contribuinte (uti singuli), o que significa que não há contrapartida na relação deste com o Estado. Conclui-se que, por ser o imposto um tributo não vinculado, a CIP não poderia se enquadrar nessa espécie tributária, eis que depende da prestação do serviço de iluminação pública, não podendo ser contribuinte as pessoas que moram em localidades em que não haja iluminação pública. Ressalte-se, ainda, que, enquanto o produto arrecadado pela CIP tem destinação específica (o custeio do serviço de iluminação pública), o produto arrecadado por imposto não tem destinação específica. Sendo assim, chega-se à inexorável conclusão no sentido de que a CIP não tem natureza jurídica de imposto. 4.2 - A CIP e as Taxas Na legislação tributária brasileira, taxa é uma quantia obrigatória em dinheiro paga em troca de algum serviço público fundamental ou para o exercício do poder de polícia oferecido diretamente pelo Estado. É uma das formas de tributo vinculada a atuação estatal, do exercício do poder de polícia ou prestação de serviço público específico e divisível, sendo vinculada à manutenção e desenvolvimento do próprio serviço prestado, dependendo apenas deste. Taxas de polícia incidem sobre atos relativos à polícia de segurança, saúde, de costumes, de higiene, etc., fornecem a matéria sobre a qual incidirá a cobrança da taxa. 26 Já quanto às taxas de serviços, o que dá ensejo à cobrança é o serviço público essencial, de competência da Administração Direta, irredutível à obra pública, todavia, nada impede que seja tributada sobre serviços não essenciais. Como os demais tributos, a taxa possui base de cálculo a ser definida na lei instituidora e deve ser diversa daquela determinada aos impostos, bem como ter correlação ao custo da atividade prestada pelo Estado. Assim, facilmente se conclui não se tratar a CIP de taxa de polícia. No que concerne à taxa de serviço, forçoso reconhecer, em tese, a questão mereceria maiores delongas, ocorre que, como já dito na Introdução, a jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que o serviço de iluminação pública não se enquadra como um serviço público específico e divisível, vez que é destinado a toda coletividade. 4.3 – A CIP e as Contribuições de Melhoria A contribuição de melhoria descrita em nosso ordenamento jurídico Constituição Federal, art. 145, inciso III e Código Tributário Nacional, arts. 81 e 82 - é uma espécie tributária autônoma e compulsória, distinguindo-se das demais, porque advinda do poder impositivo do Estado de exigir o tributo dos proprietários de bens imóveis beneficiados com a realização da obra pública. Assim sendo, toda vez que o poder público realiza uma obra pública que traga benefícios para os proprietários de bens imóveis poderá ser instituída a contribuição de melhoria, desde que vinculada à exigência por lei. Dessa forma, a CIP não é de se enquadrar como contribuição de melhoria, vez que não há realização de obra pública, pressuposto da aludida exação tributária. 27 4.4 – A CIP e o Empréstimo Compulsório O Empréstimo Compulsório encontra-se disciplinado no art. 148 da CRFB/88 e no art. 15 do CTN. Primeiramente, é um tributo de competência exclusiva da União, não podendo Estados e Municípios instituí-lo, o que já afastaria a possibilidade de atribuir-se à CIP características dessa espécie tributária. Ademais, duas são as situações de sua implementação: para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa (ou sua iminência) e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (art. 148, incisos I e II da CRFB/88). E, finalmente, há a obrigatoriedade de se instituir o empréstimo compulsório com prazos determinados, para a devolução do valor “emprestado”, sob pena de ser declarado inconstitucional (art. 15, parágrafo único do CTN). Vale dizer, o Estado fica obrigado, por lei, a devolver os valores recebidos pelos particulares. Ante todas as peculiaridades dessa espécie tributária, resta patente que a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública não é de se identificar com o empréstimo compulsório. Por último, analisa-se a CIP sob a ótica das contribuições sociais, ensejando uma maior acuidade no confronto. 4.5 – A CIP e as Contribuições 28 A CRFB/88, em sua redação original, agrupou três figuras rotuladas como contribuições, a saber: contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais e econômicas, tendo outorgado à União a competência para instituí-las, no mesmo passo que erigiu às contribuições a condição de tributo vinculado à atuação do Estado, tendo como destinatários um grupo certo ou determinável de beneficiários. Portanto, hipoteticamente, a CIP não poderia ser enquadrada como uma contribuição, uma vez que o serviço de iluminação pública tem como destinatário toda a coletividade e a competência para instituí-la é dos Municípios e do Distrito Federal. Da mesma forma que observamos em outras espécies tributárias, a determinação do sujeito passivo das contribuições sociais dependerá do estudo da hipótese de incidência. No caso de contribuições de interesse de categorias profissionais e econômicas, contribuintes serão os integrantes deste grupo de profissionais, unidos ao interesse das mesmas. Na hipótese de contribuição de intervenção no domínio econômico, contribuinte será aquele que estiver submetido à essa intervenção. Assim, a contribuição é uma espécie tributária vinculada à atuação do Estado, cuja validação constitucional está diretamente atrelada aos objetivos buscados por uma atuação daquele no âmbito social. Outrossim, a identificação de quem seja sujeito passivo das contribuições sociais, como em princípio ocorre com qualquer tributo, depende do exame da hipótese de incidência de cada uma delas, vale dizer, são pessoas cuja situação jurídica tenha relação direta, ou indireta, com um 29 despesa especial, a elas respeitantes, ou alguém que receba da ação estatal um reflexo que possa ser qualificado especial. No tocante a base de cálculo de uma contribuição, essa deve estar mensurando a causa provocante da ação estatal por um grupo especial de sujeitos passivos. Mas, na CIP, a base de cálculo mede uma despesa geral, ou seja, provocada por toda a população que se beneficia da iluminação pública. Neste caso, os contribuintes da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública são todos os munícipes, pois tal serviço é destinado à coletividade em sua totalidade, servindo, entre outras coisas, também para coibir a criminalidade. Neste sentido é o entendimento do STF, conforme Acórdão transcrito abaixo: EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. MUNICÍPIO DE ANDRADAS, MG. I. Ilegitimidade da taxa, dado que o serviço de iluminação pública é um serviço destinado à coletividade toda, prestado uti universi e não uti singuli. II. - Precedentes do STF. III. - Agravo não provido. (STF - RE 385955 AgR/MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ: 26/09/2003). Assim, resta evidente que a CIP não possui todos os elementos necessários para a configuração de uma contribuição, pois o custeio de serviço de iluminação pública não é uma despesa especial provocada por um grupo específico de pessoas, e sim uma despesa provocada por toda a coletividade. Conclui-se que a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública é uma contribuição ímpar - posição defendida neste estudo - haja vista que não se enquadra em sua totalidade em nenhuma das espécies de tributo até aqui analisadas, configurando-se em mais uma espécie do gênero contribuição, integrativa, portanto, de nosso sistema tributário. Ademais, a CIP não tem apenas a finalidade de custear as despesas com o fornecimento de energia elétrica para a Iluminação Pública, sendo muito 30 mais abrangente, porquanto está instituída para arcar com a manutenção das redes já existentes e para possibilitar a ampliação destas e a instalação de novas, de forma a alcançar a população como um todo. Iluminação pública não é lazer, não é luxo, não é beleza e muito menos turismo. Iluminação Pública é segurança Pública, e por esta razão, além de necessária e em pleno funcionamento, torna-se indispensável que o seja em qualidade e quantidade, de forma a estar disponível em todos os bairros e regiões do Município, onde haja a circulação de pessoas ou a existência de patrimônio a ser protegido. Por tratar-se de serviços de segurança pública, é permanentemente atacada por ações de vandalismo, que impõem ao Ente Público uma despesa permanente com reposição de lâmpadas, luminárias, fios e até mesmo postes. Dela dependem o trânsito dos trabalhadores que prestam serviços à noite; dos estudantes que precisam complementar seus estudos e que somente poderão fazê-lo à noite, pois trabalham durante o dia; do comércio que precisa manter visíveis suas casas comerciais e vitrines e protegidos seus estoques; das casas noturnas que precisam ter facilitada a circulação de transeuntes e assim por diante. Feitas essas considerações, passar-se-á a examinar as características e limitações do Poder Derivado, no intuito de se aferir a constitucionalidade ou não da dita exação. 31 CAPÍTULO V A INSTITUIÇÃO DA CIP ATRAVÉS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR Por meio do instituto do Poder Constituinte Derivado são feitas alterações na Constituição em vigor, buscando adequar o ordenamento jurídico, sem rompê-lo, às necessidades sociais contemporâneas. A despeito do signo “poder”, em verdade, encontra-se aqui um verdadeiro ato de competência, uma vez que o procedimento acima descrito ocorre segundo parâmetros legais pré-existentes e determinados, sem, contudo, romper a barreira por esses imposta, portanto, não sendo um ato de competência ilimitada. O sistema legal que cuida de estabelecer os limites desta competência é justamente o Poder Constituinte Originário. A gênese ou a base que determina a natureza jurídica do Poder Constituinte Derivado é justamente a própria Carta Magna. O Poder Constituinte Derivado é gênero, constituído pelas espécies: ‘poder reformador’, ‘poder revisor’ e ‘poder decorrente’. O Poder Reformador (secundário) é aquele que interessa ao presente estudo, eis que é através dele que será estabelecida a capacidade para as alterações necessárias na Constituição, resguardadas as limitações préexistentes. Dispõe a disciplina do art. 60 da CRFB/88: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; 32 III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Por todo o exposto no texto constitucional acima colacionado, compreende-se que a alteração constitucional sempre será feita mediante emenda. O Poder constituinte derivado caracteriza-se pela limitação jurídica previamente definida constitucionalmente a qual conta com limites de ordem: a) (limite de ordem) material, isto é, há previsões constitucionais que denotam a impossibilidade de alterações de determinados institutos por meio de emenda, os quais somente poderão sofrer modificações, dada eventual exigência contida na realidade social, mediante reunião da Assembleia Constituinte, com o fim específico de elaborar novo texto constitucional. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: b) I - a forma federativa de Estado; c) II - o voto direto, secreto, universal e periódico; d) III - a separação dos Poderes; e) IV - os direitos e garantias individuais. 33 Enquanto ilustração quanto ao limite material, destacam-se as intituladas cláusulas pétreas, cuja previsão legal encontra-se amparada pelo texto constitucional do artigo 60, § 4º, acima colacionado. É de se observar que os incisos do artigo em tela definem a impossibilidade de serem abolidos elementos inerentes à própria existência do Estado Democrático de Direito, e, compreende-se que, em função disto, cuidou o legislador de salvaguardá-los, mediante a adoção prévia das chamadas cláusulas pétreas. A supressão destes elementos essenciais poderá, em tese, comprometer a democracia, daí porque a atenção especial à proteção constitucional dos mesmos. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. b) (limite de ordem) circunstancial, ou seja, vetadas alterações constitucionais, a teor do artigo 60, § 1º, em epígrafe, compreende-se também, analisando o contexto histórico de elaboração e promulgação da Carta Magna vigente, a preocupação do legislador em manter a soberania da nação, garantindo ao seu maior representante, o povo, a certeza de que não haverá estado de exceção sob a ocorrência de medidas extremas, adotadas em caráter excepcional, a destempo da rotina comum a um país democrático. Mais uma vez observar-se, a teor de todo o contexto, a preocupação do constituinte em manter, acima de tudo, o espírito pacífico do Estado Democrático de Direito. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; 34 III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. c) (limite de ordem) procedimental, definido no artigo 60, incisos I/III, estabelece a formação da casa que poderá propor alterações constitucionais mediante emenda, elemento segundo o qual, de forma diversa, não há que se falar em qualquer possibilidade de exercício daquela competência anteriormente referida. Sem olvidar que, emenda eventualmente rejeitada, não poderá ser novamente apresentada na mesma sessão legislativa. Caracteriza, ainda, o Poder Constituinte Derivado Reformador, o fato de ser condicionado. Tal característica denota a impossibilidade de atuação desta forma de poder constituinte sem que o processo ocorra segundo formalidade legais previamente definidas, são elas, a previsão de emenda constitucional, o “quorum” formador da casa legislativa e a impossibilidade de reapresentação de emenda rejeitada, na mesma sessão. Destarte ter a CIP características singulares, não se pode contestar que foi criada por uma emenda constitucional, ou seja, pelo Poder Derivado Reformador. Assim, só poderia ser considerada inconstitucional se a Emenda nº 39, que a instituiu, tivesse violado as limitações ao Poder Reformador. No entanto, a Emenda nº 39 não infringiu nenhuma das limitações expressas: materiais (cláusulas pétreas – CRFB/88, art. 60, §4°), circunstanciais (CRFB/88, art. 60, §1°) e formais (referentes ao processo legislativo – CRFB/88, art. 60, I, II e III, §§ 2°, 3° e 5°). Nem tampouco violou as 35 limitações implícitas (supressão das expressas e alteração do Poder Constituinte Derivado Reformador). Assim, ao criar a Contribuição de Iluminação Pública, o constituinte derivado ampliou um direito já assegurado aos Entes Públicos, através do artigo 149-A, possibilitando que as contribuições beneficiem, além dos sistemas de previdência e assistência social, os serviços de Iluminação Pública, considerando a sua imprescindibilidade e a impossibilidade de ser arcado pela Administração, sem a existência de uma fonte de custeio específica, pois não é um serviço abrigado por nenhum dos impostos que ao Município é possível instituir. Tanto isso é verdade, que a contrariedade dos nossos tribunais à instituição da “taxa de iluminação pública” fundamentou-se sempre na impossibilidade da divisibilidade do tributo e nunca na inocorrência da obrigação pelos serviços recebidos. Vale dizer, os tribunais contestaram a impossibilidade de estabelecer-se um valor exato a cada contribuinte pela extensão do serviço que lhe é oferecido, porém, em nenhum momento, contestaram a obrigação do beneficiário, de contribuir para o ressarcimento do custo do serviço. Inconstitucional era a cobrança do custeio através de taxa. Não obstante, constitucional através de contribuição. O art. 149-A veio exatamente sanar esta impossibilidade jurídica quanto à forma de efetivar-se a participação do beneficiado no ressarcimento do serviço que lhe é disponibilizado, possibilitando a instituição de uma contribuição que tem por base o consumo deste beneficiado, em sua residência ou empresa, de forma que cada um contribuirá de acordo com a sua capacidade de utilização do benefício. No azo, aplica-se o princípio da capacidade contributiva, corolário da isonomia. 36 CAPÍTULO VI O STF E A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA No leading case julgado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da CIP/COSIP (RE 573675/SC) restou pacificou o seguinte entendimento: EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. I - Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II - A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. III - Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV - Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. V - Recurso extraordinário conhecido e improvido. (RE 573675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 25/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-094 DIVULG 21-05-2009 PUBLIC 22-05-2009 EMENT VOL-02361-07 PP-01404 RTJ VOL-00211- PP-00536 RDDT n. 167, 2009, p. 144-157 RF v. 105, n. 401, 2009, p. 409-429) 37 O aludido Recurso Extraordinário foi interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra a Lei Complementar 07/02, do Município de São José, que instituiu a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública. O MP-SC contestava acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, julgou improcedente pedido que questionava a aludida lei complementar editada pelo município. Sustentava violação ao princípio da igualdade tributária e da isonomia, tendo em vista que os beneficiários dos serviços de iluminação pública não seriam apenas os contribuintes residenciais e não residenciais, além de não ser aceitável a diferenciação no pagamento da contribuição. De acordo com o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, a referida contribuição se assemelha aos impostos, no entanto não se identifica com essa espécie tributária, em razão do que dispõe o artigo 164, inciso IV, da Constituição Federal, que veda vinculação da receita, característica típica dos impostos. Ressaltou que, embora a CIP apresente afinidade com as taxas, não é de se confundir as duas exações, pois, conforme o artigo 145, inciso II, da CRFB/88, as taxas decorrem do exercício do poder de polícia ou da utilização efetiva ou potencial dos serviços públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, como aqui já estudado no Capítulo III. Destacou o Ministro: “A meu ver, a COSIP constitui um novo tipo de contribuição que refoge aos padrões estabelecidos na Constituição Federal”, e continua afirmando que a referida contribuição é uma exação subordinada à disciplina própria qual seja a do artigo 149-A, da Carta Magna, sujeita, contudo, aos princípios constitucionais tributários visto enquadrar-se, inequivocamente, no gênero tributo. Assim, Lewandowski afirmou acompanhar a corrente que diz tratar-se de um tributo novo, porque foi introduzida no texto da Constituição pelo constituinte derivado. 38 Segundo Ricardo Lewandowski, o legislador, ao instituir a contribuição – considerada a natureza tributária da exação –, baseou-se nos princípios da isonomia e da capacidade contributiva: Creio que uma vez admitida a constitucionalidade do artigo 149-A (que previu a possibilidade da cobrança da contribuição para o custeio de iluminação pública na própria fatura de energia elétrica), o princípio da isonomia, em razão das particularidades da exação em tela, há de ser aplicado com devido temperamento. O ministro consignou que o dispositivo jamais foi contestado no Supremo e, portanto, “milita a seu favor a presunção de constitucionalidade”. Lewandowski entendeu, ainda, que respeitados os demais princípios tributários e os critérios de razoabilidade e proporcionalidade “nada há de inconstitucional identificarem-se os sujeitos passivos da obrigação em função de seu consumo de energia elétrica”. Salientou que os principais beneficiários dos serviços serão sempre aqueles que residem ou exercem suas atividades no âmbito do município, isto é, pessoas físicas ou jurídicas públicas ou privadas identificáveis por meio das respectivas faturas de energia elétrica: O município de São José, ao empregar o consumo mensal de energia elétrica de cada imóvel como parâmetro para ratear entre os contribuintes o gasto com a prestação de serviço de iluminação pública, buscou realizar, na prática, a almejada justiça fiscal que consiste precisamente na materialização no plano da realidade fática dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, porque é lícito supor que quem tem o consumo maior tem condições de pagar mais. Assim, segundo o STF, os parâmetros empregados pela Lei Complementar 7/02 para o rateio dos gastos com o consumo de iluminação pública entre pessoas selecionadas adotou critérios objetivos e não excedeu os limites da razoabilidade e da proporcionalidade. Dessa forma, o ministro Ricardo Lewandowski negou provimento ao recurso, tendo sido seguido pela maioria dos Ministros. Votou, de forma contrária, o Ministro Marco Aurélio, que ficou vencido. 39 É de se destacar que o RE sob análise foi julgado sob o regime de Repercussão Geral, em 11/04/2008. Isso significa que os órgãos inferiores do Poder Judiciário deverão acompanhar a decisão da Suprema Corte. Assim, pode-se concluir que cada município tem o arbítrio para legislar acerca da Contribuição para Custeio da Iluminação Pública através de lei complementar municipal, visto que é de sua competência exclusiva. Entretanto, não são poucos os juristas que, ainda assim, questionam a inconstitucionalidade da exação, criticando a posição adotada pelo STF, entendimento que será explorado no Capítulo a seguir. 40 CAPÍTULO VII A CRÍTICA DOUTRINÁRIA À CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA Doutrinariamente, a Emenda Constitucional nº 39 sofre rigorosos ataques por vários estudiosos do Direito Constitucional e Tributário. Como exemplo, traz-se à colação o posicionamento de Kiyoshi Harada: Ora, chamar de contribuição, uma exação que não o é, nem pode ser, não faz desaparecer o vício que contaminava o projeto anterior, o qual previa a instituição de taxa de iluminação pública, sem que houvesse serviço público específico e divisível. Contribuição social é tributo de destinação intrínseca, ou seja, tributo vinculado à atuação do Estado. Caracteriza-se pelo fato de o Estado, no desenvolvimento de determinada atividade de interesse geral, acarretar maiores despesas em prol de certas pessoas (contribuinte), que passam a usufruir de benefícios diferenciados dos demais (não contribuintes). (HARADA, 2003). Somando-se aos argumentos expostos, outros tributaristas como Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado assim já se manifestaram: Não se pressupõem uma atuação estatal específica e divisível relativa ao contribuinte (taxas), mas também não incidem sobre um fato desvinculado de qualquer atuação estatal relativa ao contribuinte (impostos): há uma referibilidade indireta, de uma atuação estatal relacionada a um grupo determinado; o fato gerador pode até se assemelhar bastante ao dos impostos, mas só estará completo diante de uma atuação estatal relativa ao grupo no qual se situa o contribuinte, traço diferenciador das contribuições. (MACHADO SEGUNDO e MACHADO, 2003, p. 277-278). Ademais, defendem com fervor a tese de competência exclusiva e indelegável da União para instituir contribuições gerais, conforme transcrição abaixo: 41 Na verdade, impostos, taxas e contribuições de melhoria foram elencados no artigo 145 apenas porque são espécies cuja instituição compete a todos os entes federados. As demais contribuições, por sua vez, foram tratadas separadamente porque sua instituição compete exclusivamente à União Federal. A questão é de técnica legislativa, tendo a Carta de 1988 corrigido a imperfeição do texto pretérito (art. 18 da CF/69), o qual mereceu a crítica de Pontes de Miranda. (Ob. cit., p. 266-277) Há, ainda, várias críticas quanto à questão relativa ao campo residual para a criação de novas figuras voltadas ao custeio de outros fins sociais distintos dos inerentes à Seguridade Social, ante o entendimento de que somente seriam legítimas, nessa área social não compreendida na Seguridade Social, as contribuições expressamente previstas pelo constituinte originário. Entretanto, não obstante os abalizados ensinamentos dos juristas citados, conforme já consignado no presente estudo, a CIP deve ser entendida uma contribuição ímpar, por possuir características singulares, que não a identifica com qualquer espécie tributária até então existente. Nesse passo, ante sua incompatibilização com as espécies tributárias típicas e, especificamente, não se enquadrando em qualquer das subespécies de contribuições existentes à época da promulgação da Emenda Constitucional nº 39/2002, conclui-se que tal emenda trouxe inovação relevante ao Sistema Tributário Nacional, instituindo nova subespécie de contribuição, doravante, passando a espécie tributária contribuição a congregar quatro modalidades: 1) contribuições sociais; 2) contribuições de intervenção no domínio econômico; 3) contribuições de interesse de categorias profissionais e econômicas e 4) contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Ressalte-se, ainda, que a intervenção do Poder Constituinte Derivado, ao inovar a Constituição de 1988, através da Emenda Constitucional nº 39/2002, alterou o sistema de competências tributárias. Ao outorgar aos entes federativos - Município e Distrito Federal - a competência para a instituição de 42 contribuição, modificou, também, as características da espécie tributária contribuição, a qual deixou de ter como característica indissociável a destinação a um grupo certo ou determinável de beneficiários, vez que a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública tem como sujeito ativo os Municípios e o Distrito Federal, bem como por beneficiário toda a coletividade. 43 CAPÍTULO VIII O PRAGMATISMO DA ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA Indubitável que o permissivo constitucional estudado traz em si um pragmatismo que, do ponto de vista da arrecadação tributária municipal, revelase indispensável para a consecução do objetivo constitucional do Ente Federativo. Em função dele, e através dos competentes convênios com as concessionárias de distribuição de energia elétrica, os municípios viabilizaram a cobrança e a arrecadação da contribuição nas faturas de consumo energético dos munícipes, habilitando-os a fazer face ao compromisso constitucional de bem prestar os serviços de caráter local, dentre os quais, o de iluminação pública. Com efeito, a cobrança da CIP mostra-se legítima, encontrando-se juridicamente respalda nas normas constitucionais e legais citadas no presente estudo, bem como nas respectivas leis municipais, e, ainda, nos correspondentes contratos de prestação de serviços de arrecadação/convênios firmados entre as municipalidades e as concessionárias. Nesse viés, portanto, a concessionária de distribuição de energia elétrica, com base em referidos instrumentos contratuais, apenas arrecada a CIP para as municipalidades. Inquestionavelmente, a delegatária apenas age, nessa relação, como mero agente arrecadador do tributo. Busca-se, com esse mecanismo, resguardar o interesse público primário, e, nesse contexto, a arrecadação proveniente da CIP, como já se viu alhures, é bastante significativa para as receitas municipais, tendo sido o mote que impulsionou politicamente o nascimento da Emenda Constitucional nº 39/2002. A questão, reconhecida e enfrentada como tensão de direitos constitucionalmente albergados, há de também se solver necessariamente pela 44 conformação dos postulados erigidos no texto constitucional, sob a regência da interpretação que mais adequadamente promova a sua adaptação ou concordância prática e, nessa medida, concretize os valores que mais preponderantemente incidam no caso concreto. Inapelavelmente, após empreender-se uma análise mais acurada do tema, a par das balizas cuidadosamente fixadas ao longo desse trabalho, demonstra-se, a mais não poder, que a cobrança da CIP é não só legal, mas legitima, eis que também há de ser pensada dentro de um conceito de justiça tributária. Porém, uma teoria da justiça tributária centrada exclusivamente no aspecto jurídico-dogmático é insuficiente. Daí porque no contexto do póspositivismo, a ordem jurídico-tributária será tanto mais estável e eficiente do ponto de vista social, quanto mais for animada pelas qualidades humanas, afetivas, psicológicas e morais. Ademais, a justiça tributária não é um monopólio das leis escritas, nem da conformidade formal e material de uma Emenda Constitucional (EC nº 39/2002) para com o Texto Constitucional; a justiça tributária é um valor, um princípio jurídico - espraiado de diversas maneiras pela Carta Magna; ora ela se apresenta explícita em um enunciado constitucional (art. 3º, inciso I), ou noutro modo, implícita, e.g, art. 5º, parágrafo 2º (da CF) -, razão pela qual pode-se afirmar que a justiça tributária é uma dimensão humana de cada um dos operadores do direito, na construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária consoante quer o art. 3º, inciso I, da Constituição Federal. 45 CONCLUSÃO Do exposto, viu-se que a discussão em torno da cobrança da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública não é recente e advém da identificação e reconhecimento da escassez das fontes de custeio dos diversos municípios brasileiros. Nesse diapasão, buscou-se contextualizar o surgimento da cobrança pelos serviços de iluminação pública. De início, sob a forma de taxa, que não tardou por enfrentar questionamentos judiciais que procuravam lhe desconstituir a validade pelas flagrantes inconsistências que lhe acometiam. Declarada a inconstitucionalidade da TIP pelo Supremo Tribunal Federal, os municípios brasileiros amargaram enormes perdas de caixa. Esse, portanto, foi o mote que ensejou a reforma da Constituição nos idos de 2002, culminando com a edição da Emenda Constitucional nº 39, que adicionou ao texto originário o art. 149-A e seu parágrafo, prevendo expressamente a possibilidade de instituição, pelos municípios e DF, da CIP/COSIP. Ao ser analisada a natureza jurídica da CIP/COSIP, chegou-se à conclusão no sentido de que - por não se identificar com as espécies tributárias existentes à época da promulgação da Emenda Constitucional nº 39/2002 - se trata de mais uma espécie do gênero contribuição, de natureza ímpar, por possuir características singulares, integrativa, portanto, de nosso Sistema Tributário. Restou consignado que a intervenção do Constituinte Derivado, ao alterar o sistema de competências tributárias, não infringiu nenhuma das limitações expressas: materiais, circunstanciais e formais, nem tampouco as limitações implícitas inerentes ao Poder Reformador. 46 Como se viu, a questão foi judicializada, e, não obstante o entendimento exarado pelo STF, em regime de repercussão geral, nos autos do RE 573675/SC, vários estudiosos do Direito Constitucional e Tributário se manifestaram veementemente contra a instituição do referido tributo, por o considerarem formal e materialmente inconstitucional. Entretanto, firme nos fundamentos esposados no presente estudo, prevaleceu a tese de que a cobrança da CIP/COSIP - nas faturas de consumo energético dos munícipes - não é só legal, como também legítima, eis que concebida pelo Poder Constituinte Derivado e que encerra indiscutível pragmatismo para assegurar a eficácia da arrecadação tributária dos municípios, possibilitando a esses o cumprimento de seus deveres constitucionais, notadamente no que concerne à iluminação e segurança públicas. Ademais, a cobrança da CIP há de ser pensada dentro de um conceito de justiça tributária. A justiça tributária, por sua vez, centrada exclusivamente no aspecto jurídico-dogmático, é insuficiente no contexto do pós-positivismo, eis que não é monopólio das leis escritas; é um valor, um princípio jurídico, razão pela qual se afirma que é uma dimensão humana de cada um dos operadores do direito, na construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária, consoante quer o art. 3º, inciso I, da Constituição Federal. 47 BIBILIOGRAFIA ABRAHAM, Marcus. As Emendas Constitucionais Tributárias e os 20 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Quartier Latin, 2009. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1972. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de dezembro de 1988. 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Porto Alegre: Notadez, 2004. 51 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 12 1.1 – Breve Histórico 12 1.2 – O Serviço de Iluminação Pública 14 CAPÍTULO II AS TEORIAS CLASSIFICATÓRIAS DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS 19 CAPÍTULO III A NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 22 CAPÍTULO IV A CIP E AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EXISTENTES ATÉ O ADVENTO DA EC 39/02 24 4.1 – A CIP e os Impostos 24 4.2 – A CIP e as Taxas 25 4.3 – A CIP e as Contribuições de Melhoria 26 4.4 – A CIP e o Empréstimo Compulsório 27 4.5 – A CIP e as Contribuições 27 CAPÍTULO V 52 A INSTITUIÇÃO DA CIP ATRAVÉS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO REFORMADOR 31 CAPÍTULO VI O STF E A CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 36 CAPÍTULO VII A CRÍTICA DOUTRINÁRIA À CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 40 CAPÍTULO VIII O PRAGMATISMO DA ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA 43 CONCLUSÃO 45 BIBLIOGRAFIA 47 ÍNDICE 51