CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. INTEGRALISMO E IMPRENSA: O CASO DA REVISTA VIDA CAPICHABA Diego Stanger Resumo O Integralismo conquistou adeptos em diversos setores sociais brasileiros. No Espírito Santo a AIB teve importante atuação política no decorrer da década de 1930, elegendo diversos representantes em cargos dos poderes legislativo e executivo municipais de nosso estado. A imprensa foi importante instrumento de veiculação dos ideais integralistas. A Revista Vida Capichaba foi uma aliada dos Integralistas em nosso estado, mas que no final da década de 1930 sofre abrupta mudança do seu discurso em relação à AIB. O objetivo deste trabalho é analisar o discurso apresentado na Revista Vida Capichaba acerca do Integralismo, nos anos de 1932 a 1945, visto que a mesma foi uma importante publicação regional, que colaborou para a tentativa da construção de uma opinião pública positiva sobre o Integralismo. Pretende-se mostrar como a revista passa por uma mudança de discurso no decorrer do período escolhido como objeto de análise. Palavras-chave: Imprensa; Integralismo; Espírito Santo. Abstract The Integralism won fans in various social sectors in Brazil. In Espírito Santo AIB had important political activity during the 1930s, electing several representatives in positions of legislative and executive branches of our local state. The press was an important instrument for spreading of fundamentalist ideals. The Magazine Vida Capichaba was an ally of Integralists in our state, but at the end of the 1930s suffers abrupt change in his speech in relation to AIB. The objective of this work is to analyze the discourse presented in Life Magazine about Capichaba Integralism in the years 1932 to 1945, since the latter was an important regional publication, which contributed to the effort of building a positive public opinion about Integralism. It is intended to show how the magazine undergoes a change of address during the period chosen as the object of analysis. Keywords: Press; Integralism; Espírito Santo. Os integralistas se estruturam como grupo coeso com o lançamento de Manifesto de Outubro em 1932 no Teatro municipal em São Paulo. O grande expoente político da Ação Integralista Brasileira foi Plínio Salgado, um intelectual brasileiro simpatizante Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo, Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES). 1 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. dos movimentos fascistas europeus, essa empatia é percebida na organização estrutural da AIB, cuja hierarquia e símbolos, por exemplo, recordam muito os agrupamentos fascistas da Europa, mas, porém, que adicionava a esses aspectos similares elementos da cultura brasileira. Salgado foi ligado à elite da República Velha, e, seu pai, o coronel Francisco das Chagas Esteves Salgado, era chefe político local no estado de São Paulo, sendo a família ligada ao Partido Republicano Paulista, do qual Plínio se afasta somente em 1930 (TRINDADE, 1979, p. 35). Hélgio Trindade (1979) relata que Plínio Salgado, primeiramente, foi simpatizante do movimento iniciado por Vargas com a Revolução de 1930, mas, após alguns meses se desencantou com o governo revolucionário, daí, reuniu um grupo de intelectuais de direita, e organizou a AIB, que primeiramente nasceu como organização de estudos culturais, e, depois do retorno à normalidade democrática, e, em 1933, foi transformada em partido político. A AIB é fruto do amálgama de movimentos de extrema direita surgidos no Brasil no início da década de 1930. “A fundação da AIB, em 1932, não é um fato isolado, mas resulta da cristalização das ideias de direita no Brasil dos anos 30 e dos movimentos precursores que Salgado buscará integrar” (TRINDADE, 1979, p. 98). Como exemplo, temos a Ação Social Brasileira, Ação Social Patrianovista, Legião Cearence do Trabalho, Partido Nacional Sindicalista2, caracterizados como movimentos restritos a pequenos grupos, cuja relevância é ter precedido e reforçado a convergência ideológica de direita, hostis a Revolução de 1930 (TRINDADE, 1979, p. 103). A Ação Social Brasileira foi um movimento sem êxito, cujo programa se baseava na proteção da agricultura, indústria, moral e nacionalização, fortalecimento da raça, centralização política e prezava por uma forte disciplina, seus membros seriam caracterizados pela utilização de um uniforme azul celeste com um cruzeiro do sul. A Legião Cearense do Trabalho fundada em 31 de agosto de 1931 teve como maior expoente a figura de Severino Sombra, e também teve a filiação do Padre Helder Câmara, o movimento nasceu devido a indefinição ideológica da Revolução de 1930, se julgavam defensores dos trabalhadores, defendiam que a representação política devia ser profissional e não por partidos, e, socialmente tinham por finalidade a defesa da ordem social, moral e o regime corporativo, desprezavam o individualismo, congregavam a doutrina social católica tradicional com elementos fascistas. O Partido 2 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Nacional Sindicalista, cujo maior expoente foi Olbiano de Mello, nunca chegou a ser organizado de fato, mas, era o maior dentre os outros grupos, seu fundador via a Revolução de 1930 como movimento indefinido ideologicamente e simpático ao fascismo, defendia a fundação de uma república sindicalista com voto profissional. A Ação Imperial Patrianovista foi um movimento monarquista, católico e corporativista, rejeitava o império brasileiro devido seu caráter liberal (TRINDADE, 1979, p. 104114). Os Integralistas conseguiram ampla penetração política no país, graças aos grupos conhecidos como bandeiras integralistas, cujo objetivo era percorrer as vastas regiões do território brasileiro, agregando grande massa de seguidores em toda a nação. Hélgio Trindade tem como eixo principal de sua tese, a ideia de que o integralismo não se constitui como mero mimetismo do fascismo europeu, mas, seus idealizadores souberam lhe acrescentar uma série de elementos característicos da cultura brasileira, transformando-o em um movimento de cunho nacionalista brasileiro de inspiração fascista, mas, antes de tudo eclético, incorporando aspectos dos movimentos do velho continente e do pensamento autoritário brasileiro, convivendo dentro de si doutrinas contraditórias, que convergiam com o espiritualismo e nacionalismo, unidos à luta contra o liberalismo e o socialismo. No livro ‘Ideologia Curupira’ de Gilberto Vasconcellos nos é apresentada uma reflexão acerca das considerações de Hélgio Trindade sobre o caráter original do movimento integralista brasileiro. O autor vai de encontro ao que é defendido no livro ‘Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30’, no qual o movimento é apresentado da seguinte maneira. [...] como uma ‘ideologia eclética’ para designar o fato de ter se abeberado das mais diversas fontes, nacionais e estrangeiras, como o fez Trindade, acaba por deixar no ar a questão de sua especificidade, posto que todo discurso fascista ostenta ineludivelmente – quer floresça num país hegemônico ou periférico – uma salada ‘teórica’, isto é, uma ideologia heteróclita em virtude de seu extremado irracionalismo (VASCONCELLOS, 1979, p. 50). Vasconcellos afirma que os camisas-verdes pretendiam fugir de qualquer ligação com movimentos estrangeiros, buscando afirmar-se como representantes de um conjunto de ideais e aspirações nacionais, fruto do ambiente intelectual brasileiro do período, cujo 3 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. maior expoente é o modernismo, movimento que buscava uma total independência de influência estrangeiras, na construção e afirmação de uma cultura nacional. “Os integralistas, afinal, não queriam ser tomados por mais uns ‘miseráveis da cultura europeia’, conforme tipificava Plínio Salgado” (VASCONCELLOS, 1979, p. 50). Na Ideologia Curupira, o autor elucida que no Brasil da década de 1930 sempre se buscava mostrar as ideologias de esquerda como ‘plantas exóticas’, ideologias alienígenas que ameaçavam o nosso povo, enquanto o integralismo seria mais bem aceito devido aos seus elementos nacionalistas, mesmo que reconhecido por alguns de seus teóricos (Barroso e Reale) como de caráter fascista, mas nunca se reconhece seu caráter mimético (VASCONCELLOS, 1979, p. 195-6). Adianta pouco mostrar sua ausência total de originalidade em relação ao fascismo europeu; o importante é mostrar a que ponto essa importação ideológica (independente de consciência dos camisasverdes) combinou-se com a particular realidade social do país ou em que medida se deixou contaminar pelo contexto da dependência (VASCONCELLOS, 1979, p. 197). Em outro texto, Hélgio Trindade tece uma série de considerações acerca das críticas apresentadas por Gilberto Vasconcellos na ‘Ideologia Curupira’. O primeiro apontamento de Trindade se refere aos textos estudados por Vasconcellos para construir sua análise do discurso integralista, escolha que deixaria a desejar devido ao fato desses textos serem, em sua maioria, anteriores a 1932, ou seja, pré-integralistas, logo não podem representar completamente os ideais do movimento em questão. Entre 1932 e 1937, período de vigência da AIB, os escritos de Plínio Salgado utilizados tratavam somente de aspectos relativos ao modernismo, enquanto faltariam na bibliografia a análise dos textos de Miguel Reale (Secretário Nacional da Doutrina) e Gustavo Barroso com seus escritos antissemitas (TRINDADE, 2007, p. 369). Todavia, Hélgio completa que o escrito de Vasconcellos não perde seu mérito indiscutível, ao trazer uma interpretação sociológica original do integralismo (TRINDADE, 2007, p. 366). Trindade continua seu texto destrinchando o estudo de Vasconcellos e ressalta que o segundo traz como hipótese central do seu estudo a ideia de que a especificidade do movimento integralista residia na elaboração da chamada “utopia autonomística”, ou seja, na qual o Brasil seria convertido em um país isolado das nações capitalistas ocidentais (TRINDADE, 2007, p. 367). 4 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Outro aspecto questionado pelo autor é a falta de uma perspectiva evolutiva da ideologia integralista, que passou por uma série de transformações ao longo do seu período de vigência (TRINDADE, 2007, p. 369). Trindade completa sua crítica ao trabalho de Vasconcellos, argumentando que sua hipótese sobre o fascismo caboclo é pautado “[...] mais à fase pré-integralista centrada na experiência modernista e jornalística de Plínio Salgado [...]” (TRINDADE, 2007, p. 371), além do mais, “[...] ausência de uma análise histórica do período não permite distinguir as mudanças sensíveis no posicionamento ideológico do Chefe integralista” (TRINDADE, 2007, p. 371). AIB e governo Vargas Segundo Giselda Brito Silva, o governo Vargas observava com desconfiança a ampliação do integralismo no Brasil, permanecendo com atento olhar sobre o mesmo: O que agora queremos mostrar é que toda essa atuação integralista, todo esse cenário “verde” avançando pelo território nacional, não ficaria sem as observações e controle do governo, que a tudo acompanhava através de sua polícia política e de vigilância. Assim como os comunistas, os integralistas também ganharam pastas nos arquivos das DOPS‟s (Delegacias de Ordem Política e Social) dos estados. Cada um do seu lado, obviamente, mas, Getúlio estava no meio de olho nos dois, diremos até que estava muito mais preocupado com o ritmo de crescimento do integralismo que contava com certo apoio social, do que com os comunistas, principalmente depois de 1936, como indicam os documentos (SILVA, 2012, p. 119). A suspeição de Vargas quanto aos Integralistas se confirmou em 1938, ano em que ocorreu o chamado Putsch Integralista, ou, Intentona Integralista, episódio no qual um grupo de camisas verdes invadiu o palácio do governo e fez o presidente de refém, mas, no final, o golpe foi um total fracasso, esse acontecimento é fruto do descontentamento do grupo com Vargas, logo após ele negar a Plínio Salgado o Ministério da Educação, única oportunidade que eles possuíam de ter algum tipo de representação no Estado Novo. O saldo da tentativa de golpe dos integralistas foi entre 7 e 9 mortos, relata Hélio Silva (SILVA, 1971, p. 235). Depois da tentativa de golpe, a AIB foi posta na completa ilegalidade e seus antigos membros passaram a ser alvo de uma ampla perseguição 5 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. pelos agentes do governo. O líder máximo da AIB, Plínio Salgado, foi enviado para o exílio. A AIB no Espírito Santo: organização e atuação do movimento Segundo Lazzaro (1992), estávamos entres os estados brasileiros, no qual o Integralismo foi mais vigoroso, prova disso são os nomes de Archilau Vivacqua e José Cola, integrantes da Câmara dos Quatrocentos, um dos órgãos superiores da administração da AIB. Foi no dia 17 de maio de 1933 na cidade de Cachoeiro de Itapemirim que ocorreu a primeira reunião integralista do estado do Espírito Santo, desse momento em diante, os camisas verdes iriam conquistar um grande número de adeptos, o relatório integralista de 1936 estabelece em 23.518 os adeptos do movimento em todo o estado, no qual os municípios de Santa Tereza , Castelo e Colatina os municípios com maior número de adeptos, com 5480, 3.449 e 3.150 integrantes respectivamente. Itapemirim possuía o menor número de filiados, com apenas 30, e, junto com João Pessôa, Rio Pardo e Calçado constituíam o grupo de cidades com menos de 100 inscritos em cada uma. Nas eleições de 1935 no Espírito Santo a AIB elegeu dois prefeitos, um na cidade de Domingos Martins e outro na cidade de Santa Tereza, os candidatos eleitos eram, respectivamente, Octaviano Santos e Enrico Ildebrando Aurélio Ruschi. Para os cargos de vereadores nas câmaras municipais o resultado também se mostrou satisfatório, foram 26 vereadores eleitos em treze municípios diferentes. Santa Tereza e Castelo foram os locais com maior número de nomeados, o primeiro com cinco e o segundo com quatro, inclusive, na capital Vitória apareceram os nomes de Jair Etienne Dessaune e Padre Ponciano Stenzel como escolhidos para o cargo na câmara municipal. Imprensa integralista no Espírito Santo Os periódicos compunham parte preponderante dentro do integralismo que, de acordo com Rosa Maria Feiteiro Cavalari (1999), podemos classificá-los em dois tipos, jornais maiores com circulação diária que se traziam desde a doutrinação até notícias diversas com charges e fotos, os jornais menores tinham o objetivo específico de “[...] transmitir 6 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. a doutrina e notícias sobre o Movimento” (CAVALARI, 1999, p. 90). Ainda de acordo com a autora, raramente apareciam fotos ou charges nesses jornais menores, e, quando acontecia, as imagens reportavam-se exclusivamente ao integralismo. Tatiana da Silva Bulhões (2012) esclarece que a atenção dos integralistas se voltou para a imprensa a partir de 1934, e, aos poucos a estrutura para administrar e controlar a imprensa foi se constituindo. Através de diversas secretarias e departamentos se buscava coordenar a imprensa integralista e monitorar a imprensa de fora. Percebe-se que no que se refere à imprensa, o controle era muito difuso, o que criava problemas para o movimento, para saná-lo em junho de 1936 é criada a Secretaria Nacional de Imprensa que: [...] seria órgão coordenador, orientador e organizador da imprensa integralista em todo o país e centralizaria um conjunto de funções: orientar e cooperar com os jornais integralistas, fornecendo matérias e, possivelmente fotografias, e direcionar ofícios do Chefe Nacional e artigos dos colaboradores integralistas de todo o país aos jornais; organizar empresas (sociedades anônimas de preferência) e obras que dessem auxílio financeiro à imprensa; auxiliar e estimular jornais integralistas e ‘favoráveis’ ao integralismo e enviar a estes artigos e notícias cuja publicação fosse considerada ‘de interesse para a AIB’; fazer publicidade pela imprensa de tudo o que precisar o Integralismo, fazer intercambio entre ‘homens de imprensa’ filiados ou simpáticos à AIB; organizar reuniões e congressos para sistematização de trabalhos; avaliar os pedidos de matrícula e inscrever os jornais ligados ao movimento no consórcio Sigma-Jornais Reunidos e exercer a censura de todas as informações ligadas ao Integralismo em sua imprensa (BULHÕES, 2012, p. 61-62). No Espírito Santo também circulou um periódico integralista, que teria iniciado sua publicação em junho de 1936 e seria quinzenário, definido pelas camisas verdes como uma publicação nacionalista “[...] para defesa dos altos e superiores problemas da nossa pátria e que desenvolvesse as faculdades jornalísticas da nossa mocidade” (APEES Fundo DOPS). Itagildo Ferreira foi o responsável pela escolha do nome do jornal, batizando-o de Idade Nova, ao primeira edição foi lançada no dia 10 de junho de 1936 com uma tiragem de 1.000 exemplares. Infelizmente ainda não foi encontrado nenhum exemplar dessa publicação. Mesmo que ainda não tenha ocorrido a oportunidade de análise deste periódico integralista capixaba, através do livro de Rosa Maria Feitosa Cavalari, podemos inferir sobre a organização e conteúdo do “Idade Nova”, a autora elucida que a imprensa 7 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. integralista possui duas características marcantes: “[...] a obediência do mesmo padrão gráfico e o constante recurso de estratégias de persuasão” (CAVALARI, 1999, p. 92). A autora esclarece que os diferentes jornais possuíam as mesmas colunas, e todos possuíam colunas cujo objetivo era noticiar sobre acontecimentos referentes ao movimento. A Idade Nova serviu como periódico oficial do Integralismo, mas antes disso, a Revista Vida Capixaba foi muito bem usada como meio de comunicação para a AIB. Revista Vida Capichaba e Integralismo Este texto pretende lança algumas observações acerca de um importante veículo de comunicação da sociedade capixaba entre as décadas de 1920 e 1940, a Revista Vida Capichaba. Não é meu interesse esclarecer sobre a influência da revista sobre a opinião pública no Espírito Santo, mas, apenas apresentar informações interessantes obtidas através de levantamento documental ocorrido na Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo. Visto que para alcançar o objeto citado anteriormente, seria necessário o levantamento de todos os periódicos que tratassem do mesmo assunto, em determinado período histórico. Podemos ressaltar que: A imprensa não é um produto natural de uma sociedade, mas é o resultado da necessidade do homem em expressar seus sentimentos, suas opiniões, suas atitudes, sua postura diante da vida e da realidade social. Qualquer meio de comunicação sempre está impregnado pela posição social dos seus interlocutores, pois o autor nunca esta ausente da obra que produz (ROSTOLDO, 2007). O conceito de opinião pública, como salienta Jean-Jacques Becker (BECKER, 1996, p.187), ainda não é bem definido, ele cita outro historiador francês, Jean-Nöel Jeanneney, que afirmou que “a opinião pública... Por entre os dedos do historiador, a noção escapa como areia” (JEANNENEY, 1981, p. 77). Assim não será de minha presunção estabelecer essa conceituação. Mas podemos citar que esta “é diversa e não uniforme” que “procede das estruturas mentais”, “seu estudo permite perceber, de forma mais precisa, o comportamento dos homens confrontados com seus acontecimentos, ou seja, temos uma abordagem global da história” (BECKER, 1996, p. 187). 8 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Feitos os devido apontamentos conceituais, passemos ao reconhecimento de nossa fonte documental, ou seja, a Revista Vida Capichaba. Jadir Peçanha Rostoldo nos informa que: A Revista “Vida Capichaba” surgiu, no Espírito Santo, no rastro deste movimento. Circulou inicialmente em abril de 1923, sob a direção de Garcia Rezende, e se tornou a mais expressiva publicação do período. Foi o órgão mais atuante no espaço literário das décadas de 1920 a 1940, representando o veículo de comunicação de maior circulação no Estado (ROSTOLDO, 2007). A Biblioteca Pública Estadual possui o acervo completo da revista, além de uma boa parte do material já se encontrar em microfilmes, também podemos encontrar a publicação no Arquivo Público Estadual do Espírito Santo. Como já demonstrado anteriormente, a presença Integralista no Espírito Santo foi marcante, assim como a veiculação da Revista Vida Capichaba, que trazia em seu interior, contos, propagandas, dicas de moda, dicas de filmes, poesias, e até mesmo discussões políticas. Um de seus editores foi Jair Dessaune, importante membro da Ação Integralista Brasileira no estado, chegando ao cargo de vereador de Vitória nas eleições de 1935. Sua influência na revista explica a inclinação da mesma pelo integralismo e outras vertentes do fascismo (FAGUNDES, 2009). Nas páginas da Vida Capichaba, encontramos um artigo, publicado em um exemplar de agosto de 1938, intitulado “Allemanha” escrito por Joaquim Bento Alves de Lima, o mesmo tece uma série de elogios ao governo de Hitler na Alemanha, chegando afirmar que o ódio entre as classes, algo tão presente no país em épocas anteriores, não mais existia. Em outro artigo, também do mês de agosto, cujo título é “O russo vive, apenas, de hoje para o amanhã”, são apresentadas uma série de críticas ao comunismo, e para alertar o povo brasileiro sobre o perigo dessa ideologia, o artigo cita as penúrias pelas quais passa a população russa após a Revolução de Outubro, uma especificidade deste texto, se deve ao fato de ter sido enviado pelo Serviço de Divulgação do Districto Federal. Devemos recordar que em 10 de novembro de 1937 Getúlio Vargas deu um golpe de estado e implantou o Estado Novo, e uma de suas principais características era centralização política, intervencionismo estatal, Vargas procurou forjar uma identidade e cultura nacional, assim, investiu maçiçamente na educação e na cultura. 9 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que, além de exercer a censura sobre todos os meios de comunicação, investia maciçamente na propaganda do regime, Getúlio Vargas conseguia reforçar sua imagem de protetor da classe trabalhadora (PANDOLFI, 1999, p. 11). O Departamento de Imprensa e Propaganda tinha papel central na veiculação da ideologia do Estado Novo e no controle dos meios de comunicação, estava submetido diretamente ao presidente. O DIP foi fruto da ampliação da capacidade de intervenção do Estado no âmbito dos meios de comunicação e da cultura. Tinha como função elucidar a opinião pública sobre as diretrizes doutrinárias do regime, atuando em defesa da cultura, da unidade espiritual e da civilização brasileira (CAPELATO, 1999, p. 172). Maria Helena Capelato ainda nos informa que pelos menos 60% das informações trazidas pelos periódicos eram fabricadas pelo governo, além e ser obrigatório enfatizar a inauguração de obras, os discursos de Vargas e também publicar suas fotos. Havia íntima relação entre censura e propaganda. “As atividades de controle, ao mesmo tempo que impediam a divulgação de determinados assuntos, impunham a difusão de outros na forma adequada aos interesses do Estado” (CAPELATO, 1999, p. 175). Ou seja, a publicação da notícia sobre o comunismo soviética foi obra da ditadura varguista que possuía pleno controle dos meios de comunicação, pois, estava ciente de sua força sobre a opinião pública, ao observar os resultados satisfatórios alcançados pelos governos nazista e fascista, que foram os primeiros grandes utilizadores dos meios de comunicação a favor de suas ideologias. Fato que me intrigou foi a mudança de postura da Revista Vida Capichaba ao entrar na década de 1940, o fascismo que antes era exaltado em suas páginas, passou a ser atacado em suas reportagens, no volume de 15 de janeiro de 1943, Hilton D’Almeida escreve um artigo intitulado “Assassinos da Liberdade e Imprensa” e acusa os governo nazista alemão e fascista italiano de terem levado o mundo a uma situação de caos e trevas. A partir de 1942, ano em que o Brasil declara guerra ao Eixo Roma-Berlim, a revista traz uma avalanche de informações da guerra, descrevendo batalhas, ilustrando seu 10 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. interior com uma série de máquinas de guerra, e a todo o momento ressaltando a que os Aliados representam a liberdade. A própria União Soviética deixará de ser atacada pela revista, para ser exaltada com um das grandes potências que luta para restabelecer a paz mundial. Devemos perceber que a mudança de postura da Revista Vida Capichaba, de uma posição de simpatia e exaltação dos regimes de extrema direita, cujos representantes eram a Alemanha Nazista de Hitler e a Itália Fascista de Mussolini, se deve principalmente a conjuntura política brasileira e internacional. O Estado Novo passou a controlar o que era veiculado nos meios de comunicação, inclusiva mandava as matérias que deviam ser publicadas. A análise da utilização dos meios de comunicação como propaganda política permite constatar que, apesar da enorme importância desses veículos para divulgação das mensagens políticas, não se pode exagerar sua importância no que se refere ao controle das consciências. As teses que insistem na onipotência da propaganda política não levam em conta o fato de que ela só reforça tendências já existentes na sociedade e que a eficácia de sua atuação depende da capacidade de captar e explorar os anseios e interesses predominantes num dado momento. Cabe lembrar que mesmo os regimes que levaram esse controle ao extremo não conseguiram atingir o objetivo de formar a “opinião única”. Tal constatação não implica menosprezo da importância da propaganda política: mesmo sem obter adesão unânime, ela foi um dos pilares de sustentação do poder (CAPELATO, 1999, p. 178). A Revista Vida Capichaba foi de grande influência na sociedade do Espírito Santo durante os anos de sua existência, através de seus editores e posteriormente como imposição do Estado varguista, é perceptível a tentativa de influência ou mesmo de formação de uma “opinião pública”. Nos idos da década de 1930, temos um posicionamento favorável às manifestações fascistas, ou seja, o nazismo alemão, o fascismo italiano e o integralismo brasileiro. Após o golpe que impôs o Estado Novo, é desenvolvido todo um aparato visando o controle dos meios de comunicação, assim, a Vida Capichaba foi alvo dessa política, e com as transformações do jogo político, percebe-se que a mesma deixa sua posição favorável aos fascismos apresentado principalmente após 1942, ano que o Brasil declara guerra às forças do Eixo, um posicionamento contrário e difamatório dos movimentos de extrema direita. 11 CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R. D. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. Vitória: LHPL/UFES, 2013, p. 1-13. Assim como esclareceu Maria Helena Capelato no trecho citado acima, não podemos afirmar que a propaganda política tenha plenos poderes para “formar uma opinião pública”, mas apenas consegue uma evidente, se ao evidenciar pensamento presentes entre a população. Para os integralistas a imprensa recebeu grande atenção, visto o grande número de jornais que os mesmos fundaram, cujo principal objetivo era a propaganda das ideias do movimento. Além de suas publicações oficiais, a AIB contou com impressos simpatizantes, ou seja, jornais e revistas que apesar de não estarem diretamente ligados ao integralismo estamparam em suas páginas notícias referentes aos camisas verdes. Percebemos que a Revista Vida Capichaba funcionou como simpatizante da AIB dentro do Espírito Santo, atuando como instrumento de propaganda dentro do nosso estado. Referências FONTES PRIMÁRIAS Revista Vida Capichaba (1932-1945) OBRAS DE APOIO BECKER, Jean-Jacques. A opinião pública. p. 184-211. In: REMOND, Rene (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ: FGV, 1996. BULHÕES, Tatiana da Silva. Integralismo em foco: imagens e propaganda política. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2012. CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. 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