Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
O PRAZO PRESCRICIONAL NOS TRIBUTOS SUJEITOS A
LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO: A MANUTENÇÃO DA
SEGURANÇA JURÍDICA EM FACE DO ADVENTO DA LEI
COMPLEMENTAR N. 118/2005.
Autora: Carla Caroline Ferreira Lima
Orientador: Doutor Antônio de Moura Borges
Brasília - DF
2010
CARLA CAROLINE FERREIRA LIMA
O PRAZO PRESCRICIONAL NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR
HOMOLOGAÇÃO: A MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA EM FACE DO
ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005.
Monografia apresentada no curso de graduação
em Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Doutor Antônio de Moura Borges.
Brasília
2010
FOLHA DE APROVAÇÃO
À Deus, que me deste o dom da vida.
À memória de Meyre Ferreira Lima, que viveu
intensamente, plantou alegrias, colheu amor,
passou pela vida e hoje está ao lado de Deus.
Aos meus avós, que com a sabedoria que não
se adquire na escola, me ensinaram a trilhar os
melhores caminhos da vida.
AGRADECIMENTO
A produção de um trabalho de conclusão de curso é sempre uma etapa de intensa
motivação para o qual colaboram, consciente ou inconscientemente, inúmeras pessoas. Por
essa razão, ao chegar ao final desta jornada, devo prestar meus sinceros agradecimentos
àqueles que me apoiaram e, mediante gestos, atitudes ou palavras, me banalizaram e
motivaram minhas atuações ao longo dessa empreitada e de toda a graduação.
Quero começar agradecendo à Deus por ter me dado, a cada dia, força para superar as
minhas fraquezas, minhas angústias e tristezas, conseguindo ultrapassar mais uma fase nesta
longa jornada.
Agradeço, também, à minha família pela paciência, amor, críticas e pelo simples
prazer eterno de tê-la como meu porto-seguro.
Muitíssimo obrigada aos professores e funcionários da Universidade Católica de
Brasília, que enaltecem os talentos de seus alunos e pregam a ética, os valores, a educação e a
humilde para com o próximo e a nós mesmos.
Dentre os profissionais que para sempre serão minhas referências, quero expressar um
agradecimento muito especial ao saudoso Maurício Muriack, que com sua vasta sabedoria e
inteligência me incentivou nos estudos, a seguir a carreira tributária e, principalmente, me
agraciou com suas palavras de conforto e superação, sempre me valorizando.
Gratidão àquele que escolhi para ser meu orientador: Antônio de Moura Borges, cujo
apoio, paciência, humildade e dedicação fizeram-se sempre presentes e essenciais para a
finalização deste trabalho.
Ainda, quero agradecer aos ensinamentos imensuráveis dos meus queridos chefes
Gleice, por sua doçura e simpatia que tanto me espelham, Tiago, por sua perseverança
incessante, mesmo diante dos obstáculos e Rubens, pelas palavras, gestos, abraços, alegria
incessante e bom-humor esplendido. Eternamente serei fiel aos seus exemplos de
profissionalismo e relacionamento interpessoal.
Um muito obrigada, de coração, às pessoas que tanto me viram chorar, que não se
cansaram de me dizer para nunca desistir, que simplesmente me escutaram, que me
suportaram, mesmo diante das minhas objeções, que estão ao meu lado, para o que for
necessário. Ludi, Gi, Felipe, Ny, Edson, Carol, Sielto, Paulo, José, Débora, Elisa, Robson,
Nat, carinho eterno à todos vocês.
Devo agradecer, ao mesmo tempo, à minha amiga inseparável Keici, pela sua presença
atuante no meu dia-a-dia, pelas ―revisões monográficas‖, pelo exemplo de vida. Amo-te!
Aos colegas que nunca se esquecem de mim, Lu, Mel, Stefano e Alexandre. Saudades.
Quero deixar aqui, também, um agradecimento especial ao meu amor eterno, que
muito me fez sofrer, mas ainda mais me fez amadurecer. Mostrou-me que há coisas que
somente o amor constrói; para estas, não há nada que possa destruí-las.
RESUMO
LIMA, Carla Caroline Ferreira. O prazo prescricional nos tributos sujeitos a lançamento por
homologação: a manutenção da segurança jurídica em face do advento da Lei Complementar
n. 118/2005. 2010. 103f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação). Faculdade de Direito –
Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.
A presente pesquisa versa sobre a contagem do prazo prescricional nos tributos sujeitos a
lançamento por homologação e a manutenção da segurança jurídica diante do advento da LC
118 de 2005, que alterou consolidado posicionamento jurisprudencial. Partindo-se da
percepção de que as reiteradas decisões dos tribunais são provenientes do poder interpretativo
conferido ao Poder Judiciário para melhor aplicar a lei ao caso em concreto, a exigência de
retroação de lei divergente à jurisprudência dominante afigura-se totalmente contraditória à
própria essência do princípio constitucional, qual seja: a preservação da segurança jurídica em
face da coisa julgada e do direito adquirido. Já em relação aos objetivos específicos, o
trabalho traz em perspectiva a dimensão da contagem da prescrição diante dos tributos
lançados por homologação e o contrapõe ao que propõe a novel lei complementar 118 de
2005 relacionando com o que já dispunha a legislação tributária. E isso porque, se por um
lado, o aparato legal configura a metodologia prescricional a partir de tal fato, constituindo-se
determinado prazo, por outro, a inovação jurisprudencial pode gerar novas consequências, até
mesmo em benefício aos contribuintes. Ao lado disso, também são abordados variados
aspectos atinentes ao tema, tais como o interesse da Fazenda Pública na declaração da
constitucionalidade do art. 4º da LC 118/2005, a sistemática das leis interpretativas no
ordenamento jurídico e algumas decisões judiciais de caráter relevante.
Palavras-chave: Tributo. Lançamento. Homologação. Prescrição. Pagamento indevido. LC
118/2005. Retroatividade. ―Cinco mais cinco‖. Segurança jurídica.
ABSTRACT
LIMA, Carla Caroline Ferreira. ―The statute of limitations on taxes subject to approval for
release: the maintenance of legal certainty in the face of the advent of the Complementary
Law 118/2005‖. 2010. 103f. Completion of course work (undergraduate). Faculty of Law Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2010.
This research is in the running of statute of limitations on taxes subject to approval by
launching and maintenance of legal certainty before the advent of LC 118, 2005, which
amended consolidated jurisprudential position. Based on the perception that the repeated
decisions of the courts are from the interpretative power conferred upon the Judiciary to better
apply the law to the particular case, the requirement for recall of the divergent case law ruling
seems totally contradictory to the very essence of constitutional principle, namely, the
preservation of legal certainty in the face of res judicata and granted. In relation to specific
objectives, the work brings into perspective the size of the count before the prescription
approval and tributes posted by contrasts to what the novel proposes a supplementary law 118
of 2005 related to what already had the tax laws. This is because, on one hand, the legal
apparatus set up the methodology for the prescription from this fact, being given period, on
the other, innovation can create new jurisprudential consequences, even for the benefit to
taxpayers. Besides, are also addressed various aspects pertaining to the subject, such as the
interest of the Treasury in the declaration of the constitutionality of art. 4º of LC 118/2005,
the systematic interpretation of the laws on legal and judicial decisions of some relevant
character.
Keywords: Tribute. Release. Approval. Prescription. Overpayment. LC 118/2005.
Retroactivity. "Five plus Five". Legal certainty.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 10
2
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA .................................................................................... 15
2.1 NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ................................................................ 16
2.2 FATO GERADOR .................................................................................................................... 19
2.3 SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO. ............................................................................... 22
2.4 CRÉDITO TRIBUTÁRIO E SUA CONSTITUIÇÃO PELO LANÇAMENTO. ...................... 26
2.4.1
Conceito de crédito tributário ...................................................................................... 27
2.4.2
A natureza do crédito tributário no CTN ................................................................... 28
2.4.2.1
2.4.3
O Lançamento Tributário ............................................................................................ 34
2.4.3.1
Atributos do lançamento tributário ............................................................................................40
2.4.3.2
Modalidades de lançamento .......................................................................................................43
2.4.3.3
Lançamento por homologação e legalidade do ato.....................................................................45
2.4.4
3
Exigibilidade do crédito tributário .............................................................................................33
Extinção do Crédito Tributário ................................................................................... 47
2.4.4.1
Decadência .................................................................................................................................49
2.4.4.2
Prescrição ...................................................................................................................................54
O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR N. 118 DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005......... 58
3.1 FINALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005....................................................... 58
3.2 LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. ............................................................................................... 59
3.2.1
Direito Tributário e Constituição Federal. .................................................................. 59
3.2.2
A lei complementar no Sistema Tributário Nacional. ................................................ 60
3.3 AS LEIS INTERPRETATIVAS E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL .......................... 61
3.3.1
Retroatividade das chamadas leis interpretativas. ..................................................... 62
3.4 A LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005 E A DENOMINAÇÃO COMO LEI
INTERPRETATIVA..................................................................................................................................... 64
3.5 O ALCANCE DA LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005. ....................................................... 67
4
A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL NOS TRIBUTOS LANÇADOS POR
HOMOLOGAÇÃO E A LC N. 118/2005 .................................................................................................. 70
4.1 PAGAMENTO ANTECIPADO E LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO....................... 71
4.2 A DECADÊNCIA NOS TRIBUTOS LANÇADOS POR HOMOLOGAÇÃO ......................... 73
4.3 A PRESCRIÇÃO E OS TRIBUTOS LANÇADOS POR HOMOLOGAÇÃO.......................... 76
4.4 A TESE JURISPRUDENCIAL DOS ―CINCO MAIS CINCO‖ ................................................................. 79
4.4.1
Fundamentos da interpretação jurisprudencial. ........................................................ 81
4.4.2
A inovação no ordenamento jurídico pelo Superior Tribunal de Justiça ................. 83
4.5 OS ARTS. 3º E 4º DA LC N. 118/2005...................................................................................... 85
4.6 A MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA PERANTE O ADVENTO DA LC N. 118/2005 .............. 89
4.6.1
A segurança jurídica no texto da Constituição Federal de 1988 ............................... 90
4.6.2
Noções gerais sobre o princípio da segurança jurídica .............................................. 91
4.6.3
A segurança jurídica na tributação ............................................................................. 92
4.6.4
A repercussão da retroatividade do art. 3º da LC 118/2005 no princípio da
segurança jurídica ...................................................................................................................................... 93
4.6.5
5
A manutenção da segurança jurídica nos julgados atuais ......................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 99
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 101
10
1
INTRODUÇÃO
A Lei Complementar n. 118 de 09 de fevereiro de 2005 foi inserida no sistema jurídico
brasileiro com a finalidade de proporcionar melhor interpretatividade aos dispositivos
vigentes, com o escopo principal de adequar o Código Tributário Nacional (CTN) aos novos
rumos da legislação falimentar. Por isso se dizer que constitui um importante instrumento
legal posto à disposição da sociedade, vez que seu objetivo fundamental, além de ser a
adequação da conjuntura legalista relevante ao interesse jurídico-social, é também o de
constituir maior coerência entre os diplomas legais existentes.
Destarte, com a inserção do referido instrumento normativo no sistema jurídico pátrio,
restou alterada não somente a estrutura empresarial, mas seus reflexos se tornaram visíveis
quando da tentativa de interpretação do art. 168, I do Código Tributário Nacional, por meio
do art. 3º da referida lei complementar. Ora, a interpretação sugerida pela novel medida
judicial
tornou-se
amplamente
mais
atuante,
tornando
frágeis
os
entendimentos
jurisprudenciais até então aplicados em relação à cognominada tese sedimentada pelo
Superior Tribunal de Justiça, que buscou padronizar a contagem do prazo prescricional nos
tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Dentre as alterações promovidas com a
implantação da Lei Complementar 118/2005, merece destaque a sua natureza autointerpretativa, que planejou afastar qualquer mecanismo que lhe considerasse inválida, pondo,
consequentemente, termo à denominada tese dos ―cinco mais cinco‖, a qual vincula todas as
ações propostas no seio do debate da prescrição das ações de repetição de indébito tributário
nos lançamentos por homologação que percorrem a esfera judicial do país.
Neste sentido, é de se ver que o advento da Lei Complementar 118/2005 implicou na
supressão de reiteradas decisões, prevendo, inclusive, a possibilidade de retroação de sua nova
imposição aos fatos ocorridos anteriormente à sua edição, bem como rejeição total dos
precedentes implantados pelos tribunais nacionais.
No que diz respeito à possibilidade de aplicação retroativa de sua disposição, que se
tornou concreta por meio da combinação do art. 3º com o art. 4º da mesma norma
complementar, há de considerar que o princípio da irretroatividade tornou-se questionável,
assim como o procedimento de solução das lides em comento restou fragilizado diante do
enfraquecimento da proteção e segurança jurídicas às situações que já se encontram em curso,
11
podendo sofrer prejuízos em face da aplicação de novas medidas judiciais impostas pela lei
complementar.
A questão suscitada pelo presente trabalho diz respeito à aplicabilidade do art. 4º da
Lei Complementar 118/2005, que editada com o fito de lei meramente interpretativa, veio a
disciplinar acerca do disposto no art. 168 do Código Tributário Nacional. Ressalta-se que o
presente objeto possui uma repercussão jurídica, social e econômica extremamente elevada,
no entanto, há de convir que o debate não é extremamente complexo, mas a ausência de
complexidade não retira a relevância da questão.
Discute-se se o art. 3º da LC 118/2005 teria inovado no ordenamento jurídico.
Contudo, é importante levar em consideração seu cunho interpretativo, já que se encontra
respaldo no próprio diploma tributário, diga-se, no art. 106, viabilizando a retroatividade
permitida por esse dispositivo e contestada por muitos especialistas. Cumpre a esta pesquisa,
então, a investigação quanto à natureza interpretativa adotada por essa lei complementar ou se
realmente ela tendeu a inovar no sistema da contagem do prazo prescricional nos tributos
sujeitos ao lançamento por homologação.
Diferente do que propõe a novel norma complementar, há muito já estava se
assentando nas sessões de julgamento dos tribunais pátrios a cognominada tese
jurisprudencial dos ―cinco mais cinco‖. De fato, como será bem demonstrada, a precedente
tese se revelou um tanto quanto inovadora, mas há de convir que a mudança interpretativa do
código tributário ensejou inúmeros benefícios aos contribuintes. É neste paradigma que
surgirá o embate quanto à violação da segurança jurídica, que melhor será refletida em
capítulo específico.
O objetivo fundamental da nova lei que entrou em vigor no ano de 2005 é o de
propiciar a melhor adequação dos enunciados tributaristas à realidade jurídica decorrente da
contagem do prazo prescricional nas ações de repetição. Sendo assim, denota-se que a
expectativa é no sentido de que realmente a lei complementar venha a interpretar dispositivo
controverso, ensejando a permanência de soluções justas e benéficas para ambos os sujeitos
da relação jurídica tributária, núcleo essencial da ocorrência do prazo prescricional.
No que diz respeito especificamente à retroatividade da lei interpretativa, cumpre
ressaltar que a esta não lhe foi vedada a retroatividade total ou absoluta, mas sim, impede que
haja a retroação em afronta direta ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito
adquirido. Será observado que não se trata de ato jurídico perfeito, uma vez que estão em
discussão atos negociais; coisa julgada também não se caracteriza, já que não é este o alvo da
respectiva lei; resta apenas uma possível incidência de direito adquirido. Questiona-se,
12
portanto, se existe direito adquirido para prazo prescricional em curso, ou se é esta a
caracterização que se cogita à norma.
Em primeiro lugar, a jurisprudência do excelso Superior Tribunal de Justiça já se
encontrava consolidada quando o advento da LC 118/2005 tornou-se concreta, trazendo em
seu bojo entendimento diverso do aplicado naquela corte. Secundariamente, indaga-se se as
mudanças infiltradas no ordenamento jurídico poderiam atingir atos, ações e direitos
anteriores à vigência da nova lei, transparecendo uma espécie de iniquidade do Poder
Legislativo quanto à competência do Poder Judiciário, que lhe é garantido à interpretação das
normas editadas. Isto é, de acordo com o novo diploma complementar, as ações em curso
seriam compelidas a se obrigarem aos ditames da LC 118/2005, mesmo se promovidas antes
desta data.
Em assim sendo, o objeto de averiguação ora proposto adveio do contra-senso
existente entre a retroatividade da lei interpretativa, especialmente quanto ao art. 3º da LC
118/2005, que apenas confirmou o que já discorria o Código Tributário Nacional e a
segurança jurídica implementada pela consolidada tese do Superior Tribunal de Justiça (tese
dos ―cinco mais cinco‖) que atendeu aos pedidos dos contribuintes.
Tal percepção, por sua vez, consubstancia-se, principalmente, na contrariedade do
objeto da LC 118/2005, qual seja: a possibilidade de reversão de benefícios ao Poder Público,
caracterizado pela atuação do Fisco. De fato, a melhor justiça é aquela que tende à
imparcialidade, merecendo, pois, gratificações a ambas as partes, no entanto, em se tratando
de âmbito tributário e fiscal, não há o que se considerar como menos justo aos contribuintes,
que protagonizam o núcleo da vulnerabilidade, diante do poder da máquina arrecadatória
fiscal.
Outro aspecto que detém demasiada significância e, ao mesmo tempo, corresponde a
um dos fios condutores da presente pesquisa, se refere à consolidação da conhecida tese
prescricional dos tributos lançados por homologação, tese dos dez anos. Isso porque, uma vez
que o Superior Tribunal de Justiça acolheu este precedente, diversas controvérsias foram
geradas, questionando a validade das decisões amparadas pela tese, bem como se a
jurisprudência afastou amplamente os evidentes equívocos da norma. É relevante considerar o
fato de que o contribuinte cumpridor das obrigações tributárias que pleiteia tributo recolhido
pelo Fisco indevidamente foi satisfatoriamente protegido pela cognominada tese, devendo-se,
por isso, se ter cuidado com a possível alteração que há por vir.
Eis, então, que o objetivo central da pesquisa se concentra em evidenciar o contrasenso existente entre a possível retroatividade de tal inovação normativa em detrimento à
13
segurança jurídica implantada pelos julgadores. Já os objetivos específicos, por sua vez,
consistem em apontar as possíveis contraposições existentes entre os mecanismos de
interpretação da lei preexistente (CTN) em confronto com jurisprudência consolidada (tese
dos dez anos); a inovação jurídica da tese dos ―cinco mais cinco‖, que, por sua vez, auxiliou
os direitos fiscais dos contribuintes; os equívocos básicos cometidos pelo pretório tribunal;
analisar as peculiaridades dos prazos prescricionais relativos aos tributos lançados por
homologação e expor os mais atuais paradigmas implementados na corte nacional, inclusive a
citação do Recurso Extraordinário nº. 566621/DF que se encontra em curso na Suprema
Corte, por meio do qual será concretizada a solução jurídica à situação em tela.
No que diz respeito à organização didática do capítulo inicial, ele está dividido em
duas seções, cujas divisões internas se dão sob a forma de tópicos devidamente estruturados.
Na primeira seção desse capítulo são abordados os aspectos atinentes à prospecção da relação
jurídica tributária, bem como suas noções de ordem social e jurídica relacionadas à ocorrência
do fato gerador e seus elementos. Já a segunda seção, por sua vez, trata da constituição do
crédito tributário e sua concatenação com o lançamento tributário e suas diversas nuances,
desde a consolidação deste crédito, até sua extinção, passando pelos vários atributos que
interferem na concretização, principalmente por força do lançamento tributário.
O capítulo II, por sua vez, gira em torno do advento da Lei Complementar n. 118 de
fevereiro de 2005. De início, é feita uma consolidação geral acerca da legislação tributária e a
interferência das leis interpretativas em seu bojo. Em um segundo momento, é apresentada
uma análise mais técnica sobre os mecanismos da retroatividade em que se embasou a LC
118/2005 e como se manifestou sua repercussão jurídica, assim como o alcance em que
chegou.
Finalmente, o capítulo III consiste na reunião dos aspectos apresentados
anteriormente, incluindo-se aí tópicos relacionados à contagem do prazo prescricional diante
da peculiaridade dos tributos lançados por homologação e seu pagamento antecipado. No
momento seguinte são apresentados, respectivamente, o impasse jurídico posto na balança
entre a jurisprudência representada pela tese do STJ e a edição da lei complementar em
comento, que até o momento não foi declarada qualquer inconstitucionalidade quanto ao art.
3º, permanecendo, por isso, vigente, e a manutenção da segurança jurídica em face dos
embates ressaltados.
Já no que diz respeito aos métodos do trabalho monográfico, há de considerá-los, em
sua maioria, como resultantes de pesquisas do tipo bibliográfica, cuja apreciação adveio de
obras dos mais renomados doutrinadores, tanto da seara tributária, quanto das esferas
14
constitucional e civil. Ao lado disso, também se fizeram presentes artigos, dissertações, textos
referentes ao assunto e jurisprudências relacionadas, cujos respectivos acessos deram-se tanto
por meio de revistas jurídicas, a exemplo da Revista Dialética de Direito Tributário, como por
intermédio de estudos consolidados em sites eletrônicos.
Quanto à relevância da pesquisa, saliente-se que uma vez desenvolvida, a tenderá a
propiciar maiores esclarecimentos acerca do tema, bem como poderá levantar maiores
questionamentos. E isso advém do fato de que a pesquisa procura dar um viés amplo ao que
ainda está em debate, procurando respaldar-se na melhor solução, que ainda é pendente no
mundo jurídico.
Neste sentido, insta salientar a imprescindível utilização dos dispositivos legais à
consecução da pesquisa, vez que é a partir do sistema normativo que advêm à dissonância de
entendimentos, interpretações e considerações acerca da presente temática. Com efeito, a
metodologia aplicada à pesquisa será pautada no positivismo. Finalmente, há de considerar
que o método aplicado ao estudo corresponde ao método dedutivo. Razão pela qual os
capítulos iniciais reúnem o arcabouço teórico essencial às hipóteses, de maneira que suas
respectivas confirmações são conjuntamente enunciadas no capítulo final.
15
2
RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA
O ideal entendimento acerca da instrumentalidade e eficácia do lançamento tributário
prescinde do entendimento sobre a origem da execução do ato e acerca das decorrências
jurídicas que este instituto gera nas relações entre o contribuinte e o Estado, caracterizado
pelos órgãos fracionários da Receita Federal e Estadual, comumente denominados Fisco. Para
este processo introdutório tem-se a vinculação do advento da obrigação tributária, que
materializa as relações tributaristas entre os sujeitos ativo e passivo, ultrapassando os ditames
comuns que porventura revestem a palavra obrigação.
A relação obrigacional esteve, por muito tempo, profundamente interligada à noção de
força ou poder, que demonstrava sinônimo de justiça e direito perante a sociedade antiga. Os
indivíduos que se destacavam em suas comunidades ou clãs, principalmente pelo cunho
patrimonial que lhes eram atribuídos, demonstravam capacidade ímpar de impor suas
necessidades e desejos perante os menos favorecidos, mesmo que estes possuíssem a razão de
seu lado. Por isso, a relação obrigacional jamais respeitava a balança da justiça, tendendo a
satisfazer o direito àquele que mais demonstrava poder.
Considerando esta premissa é que Dória1 entende que nem sempre uma relação
obrigacional é necessariamente uma relação de direito, reportando ao fato da relação tributária
lembrar em muito esta interação de poder e força, que de um lado tem o Estado, ente
constitucionalmente soberano, e do outro o contribuinte, indivíduo sujeito às imposições
estatais.
No complexo de atos e fatos jurídicos, a existência de uma relação jurídica,
representada por um vínculo imaterial entre dois indivíduos - um caracterizado como o sujeito
ativo, outro como sujeito passivo - pela qual se consubstancia a satisfação de um dever ou
uma prestação exigível, racionaliza o conceito de obrigação, em sentido lato sensu e
amplamente civilista. Neste sentido, colaciona-se memorável lição de Francesco Carnelutti ao
atribuir ao instituto da obrigação conceito indiscutível pelo qual diz que ―a noção mais ampla
e singela de relação jurídica é a de uma relação constituída pelo direito, entre dois sujeitos,
com referência a um objeto‖ 2.
1
DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito constitucional tributário e “due processo of law”. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1986. p. 2.
2
CARNELUTTI, 1955 apud JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 7.
ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 251.
16
Eduardo Marcial Jardim, no segmento deste raciocínio, diz ainda que ―o dever é parte
que se insere no todo denominado obrigação, ou relação jurídica, que, diga-se de passo, traduz
uma das noções fundamentais do direito‖ 3. Percebe-se que a conceituação do termo
―obrigação‖ infere-se (e interfere) da interação social e jamais se escusa de adentrar na lógica
da relação jurídica, pois a obrigação com efeitos legais será tratada como um integrante na
―comunicação‖ entre as pessoas, que são capazes de materializar seus direitos subjetivos, na
finalidade precípua de cumprirem com uma prestação alheia.
Desse modo, também defende Luiz Rosa Junior ao considerar que a natureza
obrigacional não se limita a uma conjugação bilateral de interesses, mas transcende os
reflexos
jurídicos
capazes
de
interferir
nas
atividades
sociais,
caracterizando
indiscutivelmente uma relação de direito4.
Portanto, haverão de conter a mesma estrutura basilar as obrigações de natureza civil,
penal, comercial e/ou tributária, resplandecendo todas em um caráter genérico, frutos da
integração dos indivíduos5.
2.1
NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
A sistemática da relação jurídica, pela qual se origina a obrigação, tem supedâneos nos
mais remotos estudos jurídicos romanos que, por séculos e séculos, transcenderam os
conceitos vinculados à obrigação tributária. Ademais, remetia-nos o código de Justiniano6 à
caracterização generalizada do tema, uma vez que o instituto da obrigação é um dos mais
sedimentados na dogmática do direito.
No mesmo patamar de raciocínio, nasce posicionamento defendido por Roque
Carrazza, Patrícia Postigo, Paulo de Barros Carvalho, Eduardo Marcial Jardim e Luciano
Amaro que enfatizam a unicidade do contexto legal de obrigação atentando-se ao fato de,
independente do plano jurídico a que se refere, seja civil, penal, comercial ou tributário, a
obrigação será contemplada de maneira única e igual para todos. Surge até mesmo a tese da
3
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 251.
4
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de direito financeiro e direito tributário. 18. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 486.
5
JARDIM, op.cit., p. 251.
6
CABANELLAS, 1955 apud JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário.
7. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 250.
17
univocidade7. No entanto, há postura diversa desta entre outros doutrinadores, como Luiz
Rosa Junior, Hugo de Brito Machado e Ricardo Lobo Torres, que preconizam que a obrigação
tributária possui natureza singular, diferindo da obrigação civil, principalmente no que
concerne à presença do Estado como sujeito da relação jurídica e pelo caráter público
vinculado à situação.
Pois bem, livrando do paradigma da dúvida intercorrente que surge ao questionar se
existe uma ―obrigação tributária‖, tal fundamento tem-se por encerrado, uma vez que, ao estar
inserida no campo do Direito Tributário, ramo de direito público, a relação jurídica entre
contribuinte e Estado esbarra em uma prestação, imposta por lei e materializada por meio dos
tributos, que porventura também constituirá o objeto da referida relação, configurando
claramente uma interação com repercussões jurídicas. Neste sentido, veja-se ensinamento
valioso difundido por Luiz Rosa Junior8:
A relação jurídica entre o Estado e o contribuinte, no que se refere à imposição,
cobrança, fiscalização e arrecadação dos tributos, enquadra-se no ramo do direito
público. Tomando-se como base a classificação antes citada, devemos concluir que
a relação jurídico-tributária que se instaura entre o Estado e o contribuinte é, sem
sombra de dúvida, obrigacional pelas razões a serem enunciadas.
No mesmo patamar de explicação, entende Harada9:
A obrigação tributária é espécie do gênero obrigação jurídica. Entretanto, a
obrigação tributária tem suas peculiaridades que lhe asseguram autonomia, tendo
como causa, a lei e não a convergência de vontades, essencial na obrigação de
natureza civil. A obrigação tributária é sempre ex lege.
Hugo de Brito Machado, na discussão sobre o nascimento da obrigação tributária
reflete que esta decorre da relação entre o Estado e os indivíduos10, que pela lei, estão sujeitos
a uma tributação, vinculada para a manutenção do Poder Público e da sociedade. Ou seja,
transparece a leitura anteriormente preconizada por Harada, ao associar a obrigação tributária
a um fator puramente legal.
No mesmo raciocínio, converge a professora e advogada Patrícia Postigo Varela ao
afirmar que a obrigação tributária nasce da vontade da lei, mediante a ocorrência de um fato
nela descrito11, remetendo ao enunciado do princípio da legalidade, exigido pela carta magna.
O termo obrigação, que para Paulo de Barros Carvalho costuma ser utilizado com
diversas denominações, representando o dever jurídico cometido ao sujeito passivo, no seio
das relações de cunho econômico e até o próprio dever jurídico, nos ditames não7
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 250.
8
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de direito financeiro e direito tributário. 18. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 487.
9
HARADA, kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 479.
10
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 128.
11
CANHADAS, Patrícia Postigo Varela. Saber direito: curso de espécies tributárias. [S. d.].
18
obrigacionais12, versifica diferentes posicionamentos que, no entanto, nunca distanciam de um
conceito comum: do vínculo jurídico pelo qual uma pessoa (sujeito ativo), com base na lei ou
em contrato, pode exigir de outra ou de outros (sujeito passivo), o cumprimento de uma
prestação possível, determinável e possuindo expressão econômica13. Mais além, completa
Luiz Rosa Junior, em seu manual de direito tributário, que a obrigação poderá ser positiva ou
negativa, dependendo da prestação a ser satisfeita, se pela prática ou omissão de um ato14.
Ao finalizar exposições dos aspectos introdutórios da questão, veja-se que o
nascimento da obrigação tributária respeita uma dinâmica jurídica que é contemplada pela
instituição de cinco fases circunstanciais capazes de concretizar a procedimentalidade judicial
e administrativa fiscal. Tais fases são embasadas na leitura pragmática da Constituição da
República de 1988, pela qual instituiu o sistema tributário nacional vigente. Estas etapas se
refletem na seguinte estrutura: surgimento da hipótese de incidência (H.I), que antecede a um
fato gerador (F.G) capaz, posteriormente, de originar uma obrigação tributária (O.T). Desta
obrigação provém a possibilidade de um lançamento (LANÇ.), que constituirá um crédito
tributário (C.T), capaz de ser exigido e, se não restituído aos cofres públicos, será lançado na
dívida ativa (D.A) para eventual execução fiscal (EXEC. F), a fim de se ver garantido o
direito originado com a incidência da norma, registrada na primeira etapa.
Tal ―esquematização‖ intensifica a conceituação da obrigação tributária, que pode ser
entendida brilhantemente pelos dizeres de Harada15, quando em discussão da matéria:
Pode-se definir a obrigação tributária como uma relação jurídica que decorre da lei
descritiva do fato pelo qual o sujeito ativo (União, Estados, DF ou Municípios)
impõe ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário) uma prestação
consistente em pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, §1º, do
CTN), ou prática ou abstenção de ato no interesse da arrecadação ou da fiscalização
tributária (art. 113, §2º, do CTN).
O Código Tributário Nacional se limitou apenas a classificar a obrigação tributária em
principal e acessória e determinar sua origem, sem, contudo, dar-lhe conceituação prática,
restando à doutrina interpretar e analisar sua repercussão, assim como exposto até o momento.
Conclui o art. 113:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o
pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente.
12
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 193.
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de direito financeiro e direito tributário. 18. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 488.
14
ROSA JUNIOR, op.cit.
15
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 479.
13
19
§2º. A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as
prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da
fiscalização dos tributos.
§3º. A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em
obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.
Portanto, é pacífico o entendimento de que a obrigação tributária decorre de um dever
do contribuinte de pagar o tributo, uma vez que ela é o perfeito acoplamento do fato real à
hipótese tributária prevista na lei16.
2.2
FATO GERADOR
Ao discorrer sobre a natureza jurídica da obrigação é permitido desvendar, por
consequência, o cerne da origem do vínculo obrigacional tributário, que para tanto será a
partir da ocorrência do fato, que especificamente no Direito Tributário denomina-se fato
gerador. Este ―marco‖ remete a outrem um dever e um direito, o que caracteriza perfeitamente
a relação jurídica capaz de constituir a obrigação tributária.17 De maneira mais
consubstanciada, Ricardo Lobo Torres explica que o fato gerador é a ―circunstância da vida‖
18
que porventura dará nascimento à obrigação tributária. Nas palavras de Hugo de Brito
Machado Segundo, toda obrigação decorre de um fato gerador, que simplesmente é a
incidência de uma norma sobre um fato19. Neste sentido é a análise do art. 113, § 1º, do
Código Tributário Nacional, já transcrito em momento oportuno.
É de se considerar que a legislação tributária brasileira adotou a nomenclatura ―fato
gerador‖ para caracterizar a situação de fato ou situação jurídica que, acontecendo, determina
a incidência do tributo. Luiz Rosa Junior adota esta mesma tese do CTN, uma vez que
confirma que o momento em que ocorre o fato gerador é aquele mesmo em que se concretiza
a obrigação tributária.20 O ―fato jurídico‖ poderá ser proveniente de qualquer aspecto,
inclusive da ocorrência de morte, uma vez que repercutirá significamente nas relações
tributárias, a partir da cobrança do imposto causa mortis, de ato jurídico strictu sensu, no
16
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 128.
18
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 241.
19
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.(
Série Leituras Jurídicas. Vol. 24). p. 71.
20
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18. ed. Rio de
Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2005. p. 498.
17
20
tocante às transformações dos interesses de vontades e a partir de uma situação jurídica que
decorra de um complexo de direitos e deveres.21
Para outros estudiosos, o termo ―fato gerador‖ ora aparece como hipótese de
incidência, ora como suporte fático, fato tributável, situação de fato, fato imponível, ou fato
jurígeno22. A doutrina, como de Hugo de Brito Machado, abarca diversas colocações para o
termo, sem contanto, retirar desta, o conceito representativo fornecido pelo CTN.
A definição relacionada ao fato gerador se perfaz na situação abstrata, descrita na lei, a
qual, uma vez ocorrida concretamente, incorre no surgimento da obrigação tributária. Harada
intensifica o estudo, ao dizer que o fato gerador se consubstancia em dois planos, o abstrato e
o da concretização, vez que aquele se refere à norma descritiva do ato ou fato, e este à
exteriorização do ato.23
A lição de Celso Ribeiro Bastos24 nos leva a assimilar que a obrigação tributária e seus
efeitos não surgirão somente com a descrição livre da lei. É imprescindível que ocorra
materialmente o ato ou o fato descrito, assim como a atuação de qualquer indivíduo. Esta
ocorrência caracteriza o núcleo do fato gerador e compreensão de seus diversos aspectos
(subjetivo, espacial, temporal, quantitativo).
O art. 114 do Código Tributário Nacional fornece a caracterização do fato gerador a
partir de um elemento objetivo, visto que expõe a situação detalhada em lei como necessária e
suficiente para a ocorrência da obrigação tributária principal.25
Contudo, em decorrência das diversas lacunas presentes na legislação brasileira, fruto
de um processo legislativo deficitário, o CTN se tornou alvo de discussões doutrinárias
quando o assunto é a ocorrência do fato gerador, especialmente após a análise do art. 116. Diz
o referido dispositivo26:
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador
e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as
circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe
são próprios;
II – tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente
constituída, nos termos de direito aplicável.
21
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 241.
22
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 18. ed. Rio de
Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2005. p. 498.
23
HARADA, kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 480.
24
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2001. p.194.
25
BASTOS, op.cit.,. p.194/195.
26
BASTOS, op.cit.,. p.195.
21
Didaticamente, a doutrina divide os fatos geradores em instantâneos e complexivos, se
enquadrando na primeira classificação os elementos componentes do fato gerador que se
extinguem no instante de sua ocorrência e, na segunda hipótese, o fato gerador que estiver
relacionado a um aspecto duradouro e periódico.27 Percebe-se que o código tributarista se
refere ao fato gerador apenas no sentido de ser uma situação de fato ou jurídica. Neste
sentido, o especialista28 intervém explanação apropriada ao referido artigo:
Quanto ao art. 116, tanto a situação de fato como a situação jurídica, na verdade,
representam a necessidade de ocorrência do fato gerador. O art. 114 é que equaciona
a polêmica provocada pelo art. 116. Este está vinculado ao disposto no art. 105 o
CTN, que faz menção a um fato gerador pendente. Mas, embora a legislação que lhe
seja própria é aquela do momento da sua ocorrência, a obrigação tributária desse
fato só acontecerá nos termos em que a lei determinar. Esta é a razão pela qual a
situação de fato é aquela sobre a qual incidirá necessariamente uma situação
jurídica, a lei aplicável. Não há fato ao qual o Direito não seja aplicável. O art. 116 é
uma reprodução sofisticada do art. 114, que em última análise poderia ser assim
resumido: o que a lei ordinária definir em conformidade com a lei complementar
sem violar a Constituição é a imposição tributária.
Ainda, sob o mesmo olhar crítico do dispositivo supracitado, dispõe Paulo de Barros
Carvalho29:
Da forma como prescreveu (o art. 116), parece até admitir que existam conjunturas
de fato, disciplinadas pelo direito, mas que, mesmo assim, não podem ser
consideradas situações jurídicas.
É de ciência certa a afirmação de que uma circunstância de fato, prevista em norma
do direito positivo, será sempre um fato jurídico, quer em sentido lasso, quer em
acepção estrita, pois consiste num acontecimento, em virtude do qual as relações de
direito nascem e se extinguem, no conceito de Clóvis Beviláquia. E não nos
deparamos, ainda, com a discordância de qualquer autor, no que respeita a esse
ensinamento. Sobre ele há absoluta unanimidade.
(...) Nem por isso, contudo, é de ser desprezado o conteúdo do dispositivo que
criticamos. Aquilo que se depreende das palavras da lei é que ficou estabelecida a
diferença entre duas situações jurídicas: a) uma não categorizada como instituto
jurídico; b) outra, representada por entidade que o direito já houvera definido e
prestigiado, sendo possível atribuir-lhe regime jurídico específico. Os primeiros,
meros fatos jurídicos; os demais, atos ou negócios jurídicos.
Para Celso Bastos, o legislador deixou de rever a redação do artigo em questão a partir
do momento que foi editada a Lei Complementar n. 104/01, que acrescentou ao art. 116 do
Código Tributário o parágrafo único, estabelecendo que ―a autoridade administrativa poderá
desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a
ocorrência tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária‖. 30
Portanto, o fato gerador, devidamente previsto em lei, caracterizado juridicamente e
com efeitos contínuos no espaço de direitos e deveres, é condição sine a quo non para a
27
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2001. p.195.
28
BASTOS, op.cit.,. p.195.
29
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 158.
30
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. art. 116.
22
existência da obrigação tributária, que deve respeitar os princípios da legalidade, da
capacidade contributiva e dos direitos fundamentais.31
2.3
SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO.
Nesta relação obrigacional do Direito Tributário surge para tanto as figuras dos
sujeitos ativo e passivo. São eles elementos subjetivos do fato gerador, de caráter pessoal e
constitutivo do negócio jurídico realizado.
Considera-se sujeito ativo da obrigação tributária a pessoa jurídica de direito público
dotada de competência para exigir seu cumprimento (CTN, art. 119). Machado Segundo32
explica que as pessoas jurídicas de direito público são consideradas polo ativo da obrigação
em virtude da competência legislativa proporcionada pela Carta Magna de 88, pela qual estes
entes podem criar e editar a lei tributária e os tributos. Contudo, o legislador não se limitou a
especificar quais pessoas de direito público poderiam ser sujeitos ativos da relação
obrigacional. Por isso, o sujeito ativo pode vir a ser uma autarquia ou qualquer outra pessoa
de direito público, uma vez que a competência tributária pode ser delegada, tornando tais
pessoas capazes de se enquadrarem como elementos da obrigação tributária no polo ativo. Já
para as pessoas de direito privado, não há o que se falar de titularidade para a cobrança dos
tributos, uma vez que para estas foi somente garantida a transferência governamental de
recursos públicos a fim de beneficiá-las. Desta feita, sindicatos, confederações de empresários
e demais entidades caracterizam sujeitos beneficiários do sistema tributário e meramente
intervenientes financeiros.
O art. 120 do Código Tributário Nacional expande a capacidade tributária ativa para a
aquela pessoa jurídica de direito público oriunda de desmembramento ou integração com
outra. Ocorrendo este fato, os direitos e deveres da relação obrigacional tributária serão subrogados ao ―novo‖ ente público, até que legislação tributária própria seja promulgada.
Para toda relação jurídica regular, tem-se a figura do sujeito passivo. Na relação
tributária, o sujeito passivo é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária. Neste sentido, se atentar para o que dispõe o art. 121 do CTN.
31
32
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 242.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
(Série Leituras Jurídicas. Vol. 24). p. 77.
23
Veja-se que em nenhum momento foi caracterizada a personalidade ideal pela qual
deve haver a obrigação ao pagamento de um tributo. O Código Tributário não se ateve a
formar um grupo específico ou a limitar quem integraria o polo passivo da obrigação. Para
tanto, anota-se comentário de Machado Segundo33:
Considerando que a obrigação tributária é compulsória, ou seja, seu surgimento
independe da vontade das partes, a capacidade tributária passiva independe da
capacidade civil das pessoas naturais. Independe, também, de achar-se a pessoa
natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de
atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens
ou negócios. Afinal, como a vontade é irrelevante para o surgimento da obrigação, a
eventual impossibilidade de o sujeito passivo exprimir validamente sua vontade não
terá reflexos na questão de saber se o tributo é devido, ou não.
(E ainda, quanto à irregularidade e possível sujeição ao tributo) Pela mesma razão,
quando o sujeito passivo é uma pessoa jurídica, sua capacidade tributária independe
de estar ela regularmente constituída, nos termos do Direito Privado, bastando que
configure uma unidade econômica ou profissional.
A configuração do sujeito passivo pode se desenvolver por meio de três figuras
obrigacionais: contribuinte, responsável tributário e substituto tributário.
Aquele que, em regra, realiza o fato gerador da obrigação tributária principal
enquadra-se na situação de ―contribuinte‖. O ―contribuinte‖ possui uma relação pessoal e
direta com a hipótese de incidência do tributo34. Hugo de Brito35 exemplifica brilhantemente
tal situação quando menciona o caso do ICMS ao dizer que é contribuinte ―quem promove a
circulação de mercadorias‖, ou ainda, usando o imposto de renda (IR), ao caracterizar como
contribuinte aquele que ―adquire a disponibilidade jurídica ou econômica sobre rendimentos‖.
Ainda que presentes outros sujeitos da obrigação tributária, cumpre destacar que o
contribuinte pode ser de fato ou contribuinte de direito, a depender da maneira como este
participa da relação jurídica obrigacional.
Contribuinte de direito é aquele que realiza e simultaneamente executa o fato gerador
do tributo e, por consequência, fica vinculado ao pagamento deste. O débito e a
responsabilidade são inerentes do contribuinte de direito.
De outro modo, o contribuinte de fato é a pessoa que recebe a carga tributária
passivamente, mas não participa de modo efetivo da relação tributária, nem atua no fato
gerador. Este tipo de sujeito passivo é muito comum nos chamados impostos indiretos
(ICMS).
Quando o assunto é responsabilidade tributária, surge para tanto a figura do
responsável tributário. Responsabilidade, para fins tributários, é a ―submissão de determinada
33
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
(Série Leituras Jurídicas. Vol. 24). p. 78.
34
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Art. 121, parágrafo único.
35
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 138.
24
pessoa, em virtude de disposição legal expressa, contribuinte ou não, vinculada ao fato
gerador, ao direito do fisco de exigir a prestação da obrigação tributária‖.
36
Portanto,
distinguindo do contribuinte, o responsável tributário é aquele que, embora realize o fato
gerador, não participa diretamente da relação jurídica oriunda da hipótese de incidência do
tributo, mas a ela se interliga37 tornando-se, por isso, parte do polo passivo da obrigação
tributária.
A autorização legislativa para a existência do responsável tributário encontra respaldo
na norma jurídica, uma vez que é possibilitada através do enunciado que regula que a lei pode
atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa,
vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do
contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da
referida obrigação.38
Hugo de Brito Machado Segundo adverte que um terceiro, não-contribuinte, somente
pode ser legalmente definido como sujeito passivo, na condição de responsável tributário
quando vinculado ao fator gerador da respectiva obrigação. Isto em razão do princípio da
capacidade contributiva e da regulamentação expressa do Código Tributário.39
A responsabilidade tributária, por sua amplitude e espécies de incidência, foi tratada
pelo CTN de forma subdivida, para que se tornasse mais facilitada os indícios de
irregularidades e melhor fiscalização por parte da Receita Federal. Ademais, encontra-se
adequadamente dividida a responsabilidade tributária, a fim de satisfazer as hipóteses fiscais,
bem como as que porventura vierem a interferir no ramo falimentar.
Ricardo Lobo Torres sustenta que a classificação dos responsáveis tributários está
amplamente relacionada no art. 128 do CTN, mas assevera que tal relação ainda encontra
algumas incoerências.40 De antemão, os responsáveis tributários podem ser subsidiários ou
solidários (sucessores e terceiros) ou substitutos, como tratado em tópico específico.
O Código Tributário, em seu art. 134, disciplina a razões de se ter um responsável
subsidiário. Surge tal expectativa quando a exigência do cumprimento da obrigação principal
pelo contribuinte não é satisfeita, devendo, portanto, um terceiro assumir a responsabilidade,
36
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 159.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 261.
38
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.Art. 128.
39
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
(Série Leituras Jurídicas. Vol. 24) p. 82.
40
TORRES, op.cit.,. p. 261.
37
25
se colocando no mesmo patamar do contribuinte – não no seu lugar – divergindo neste ponto
da substituição.
Na solidariedade, a responsabilidade tributária é atestada juntamente com a do
contribuinte, desde a ocorrência do fato gerador. Assim, o responsável ocupa exatamente a
mesma posição que o contribuinte na relação obrigacional, seja no que tange ao caráter de
direito ou processual. Esta responsabilidade desenvolvida pelo art. 135 do CTN se refere à
solidariedade ab initio.41
Cabe ressaltar que as hipóteses elencadas nos artigos citados do CTN, quanto aos
responsáveis tributários, tratam de transferência de responsabilidade apenas no que tange ao
pagamento do tributo e das multas de mora. Os terceiros não podem responder pelas multas
decorrentes do descumprimento de obrigações acessórias ou pela prática de outros tipos de
infração, em respeito ao princípio da pessoalidade das punições e sanções administrativas
prevista na Constituição de 88, especificamente no art. 5º, XLV. 42
O CTN, em seu art. 128, aborda figura do substituo tributário quando diz que a ―lei
pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa,
vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do
contribuinte‖.
Ricardo Lobo Torres,43 remete o substituto tributário a uma disposição de lei, que lhe
assegura o lugar antes ocupado pelo contribuinte. Argumenta ainda que a distinção precípua
entre os dois sujeitos passivos é que o ―contribuinte realiza o fato gerador da obrigação
tributária, enquanto o substituto realiza o fato gerador da substituição prevista em lei‖.
Anteriormente, mencionaram-se outros sujeitos passivos, com características similares, mas,
ao mesmo, com aspectos únicos de cada um. Não podia ser diferente com o substituto
tributário: é sujeito passivo tributário, autônomo, mas componente da relação obrigacional.
Não é alheio aos processos econômicos e financeiros, possuindo, desde então, nexo entre as
atividades deste e as do contribuinte. Não se enquadram a sua responsabilidade apenas as
obrigações principais, mas, também, as acessórias.
O vínculo existente entre o substituto e o substituído não tem caráter tributário, ou
seja, é plenamente possível a propositura de uma ação regressiva contra o substituído para
reaver a importância dos tributos devidos. A lógica para toda esta sistemática encontra
41
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 268.
42
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
(Série Leituras Jurídicas. Vol. 24) p. 88.
43
TORRES, op.cit.,. p. 262.
26
respaldo na busca pelo equilíbrio financeiro da substituição, não se limitando somente à
natureza tributária do fato.
A substituição é adaptável a qualquer imposto44. Geralmente, suas maiores incidências
estão no imposto de renda (IR), quando presente a retenção na fonte do tributo, no imposto
sobre serviços de qualquer natureza (ISS) e no imposto sobre circulação de mercadorias e
serviços (ICMS) (Lei Complementar nº. 87, de 13.9.96), que merece em trabalho futuro maior
detalhamento, em virtude de sua riqueza doutrinária e divergências jurisprudenciais no que se
refere aos contribuintes de fato e de direito, bem como na substituição ―para trás‖ e ―para
frente‖.
Paulo de Barros Carvalho explica que mesmo sendo a obrigação tributária uma
―relação jurídica de conteúdo patrimonial‖ instaurada a partir da concretização do fato de
incidência, onde se tem um sujeito ativo com direito subjetivo de exigir uma prestação
pecuniária e um sujeito passivo capaz de cumpri-la,45 em diversas situações, porém, embora
ocorrido o fato gerador, a lei tributária não requer do sujeito passivo nenhuma atuação
(pagamento) se e enquanto não houver, por parte do sujeito ativo, a prática de outro específico
ato jurídico. Esta é também a visão de Luciano Amaro ao se deleitar no assunto46.
No raciocínio de Becker, nesses casos, não obstante se tenha o nascimento da
obrigação tributária, com a realização do fato gerador, o indivíduo só será compelível ao
pagamento do tributo pertinente se (e partir de quando) o sujeito ativo efetivar o ato formal
previsto em lei, para a determinação do valor do tributo, dele notificando o sujeito passivo.
Tal assertiva é primordial pelo fato de, antes da consecução desta atividade, embora nascida a
obrigação tributária, a exigibilidade não estar consubstanciada nela.47
2.4
CRÉDITO TRIBUTÁRIO E SUA CONSTITUIÇÃO PELO LANÇAMENTO.
Ao dinamizar a relação obrigacional tributária, pela qual o sujeito ativo detém um
direito subjetivo, invoca-se a necessidade da instrumentalização de um objeto a ser cobrado
ou ser passível de cumprimento. Para esta instrumentalização dá-se o nome de crédito. Na
lógica da relação tributária, que é o atual objeto de estudo, o crédito é caracterizado como o
44
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 263.
45
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 429/430.
46
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 359.
47
BECKER, 1972 apud AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.
359-360.
27
pedido, certo, determinado e lícito, pelo qual os sujeitos envolvidos na relação tributária
estarão vinculados. Concretizados a descrição da hipótese de incidência, a ocorrência do fato
gerador e nascida a obrigação tributária, a relação obrigacional é completada pela atividade do
lançamento, capaz de originar uma prestação líquida e passível de cobrança. Nesta prestação
configura-se o chamado crédito tributário.
2.4.1 Conceito de crédito tributário
Paulo de Barros Carvalho expõe que o crédito tributário não passa de um objeto capaz
de ser exigido pelo credor.48 Neste mesmo raciocínio, critica a conceituação do Código
Tributário Nacional no que tange a dissociação de obrigação e crédito tributários em razão da
mesma concepção de vínculo, nexo e sujeitos.49
No mesmo posicionamento está Hugo de Brito Machado Segundo quando discorre que
o CTN não abordou com exatidão a divisão entre obrigação e crédito tributários, visto que um
este ocorre em proveniência daquele, mas não necessariamente de forma contínua, uma vez
que nem sempre na presença de uma obrigação o crédito será constituído.50
Para tanto, o conceito difundido por Paulo de Barros Carvalho define que o crédito
tributário ―é o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e
que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em
dinheiro‖51.
Hugo de Brito Machado, por sua vez, entende que crédito tributário ―é o vínculo
jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado pode exigir do particular, o
contribuinte ou responsável, o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto)‖ 52.
Na mesma perspectiva, dispõe Sacha Calmon Navarro sobre a constituição do crédito
tributário como objeto da obrigação principal. Assevera que o crédito tributário é proveniente
da interpretação do Cód. Tributário Nacional, quando dispõe da necessidade da prestação
pecuniária em uma relação obrigacional e, por isso, a esta prestação, para fins fiscais,
denomina-se crédito tributário.53
48
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.430.
CARVALHO, op.cit.,. p.430.
50
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito tributário e financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009. (Série
Leituras Jurídicas. v. 24). p. 72.
51
CARVALHO, op.cit.,. p. 430.
52
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 181.
53
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.749.
49
28
Celso Ribeiro Bastos54 intensifica que o crédito tributário é ―o direito subjetivo de que
é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir do sujeito
passivo o seu objeto‖.
De antemão, Ricardo Lobo Torres tem como pensamento que a razão para a existência
do crédito tributário é proveniente do nascimento da obrigação tributária, confundindo, a
partir de então, seus conceitos. Veja-se que, para o autor, ambos estão situados no mesmo
aspecto jurídico – o vínculo obrigacional – fazendo, portanto, que crédito e obrigação
tributária tenham a mesma essência denominativa. 55
Em congruência com o estudo de Lobo, Eduardo Jardim também assimila que o
crédito tributário é a ―prestação pecuniária de índole tributária‖ 56 que ―exsurge no exato lapso
temporal em que nasce a obrigação tributária‖, não podendo ser de outra maneira, em vista da
investidura do sujeito ativo para a exigência do crédito.
Em conclusão terminológica ideal para o perfeito entendimento acerca da matéria
debatida, Harada apregoa que o crédito tributário é a conversão da obrigação tributária, que se
apresenta de forma ilíquida e incerta, em exigível no prazo estatuído na legislação tributária,
ou seja, é a confirmação da obrigação tributária principal pelo lançamento.57
Transpassadas estas questões de natureza semântica e conceitual, o que se verifica é
que muito há para se discutir a cerca da propriedade da natureza do crédito tributário. Haja
vista o CTN discorrer sobre o assunto, doutrinariamente a exata acepção da natureza aqui
colocada ainda não gerou pacificação, merecendo, portanto, melhor esclarecimento quanto ao
tema, a partir da leitura sistemática da legislação tributária.
2.4.2 A natureza do crédito tributário no CTN
À vista da extrema utilidade acadêmica e utilitária da análise e compreensão do
paradigma originado com a edição do art. 139 da Lei n. 5.172/66, Código Tributário Nacional,
revelou-se imprescindível o aprimoramento dos artifícios interpretativos para o alcance da
superação a cerca da natureza do crédito tributário. Para tanto, não obstante as diversas
54
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2001. p.206.
55
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 237.
56
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 296.
57
HARADA, kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 495.
29
tentativas de pesquisa e discussões na seara tributária, tal objetivo ainda não foi realizado.
Contudo, a incessante busca e o aperfeiçoamento da questão somente ganham argumentações,
cada vez mais volutas e consistentes pelos seus propulsores.
Adiante, o art. 139 dispõe que a existência do crédito tributário decorre de determinada
obrigação principal e tem a mesma natureza desta.58
Em seguida, surge com o art. 142 do CTN59, o núcleo da problemática do lapso
temporal inicial para a constituição do crédito. Colaciona-se:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito
tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente
a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a
matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito
passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória,
sob pena de responsabilidade funcional.
A perfeita compreensão destes dispositivos não é medida atingida, pois se percebe
quão dogmático foi o legislador ao sustentá-los. Esta definição é de clara incoerência em face
das mais variadas argumentações já disseminadas pelos mais brilhantes tributaristas. A
demonstração lógica e fática do nascedouro do crédito tributário precisa ter como alicerce um
fundamento consistente e menos paradigmático, capaz de dar sustentabilidade jurídica às
diversas controvérsias geradas pelos diálogos entre advogados, juízes, promotores, analistas e
acadêmicos.
Inicialmente, incumbe destacar a existência de duas teses fundamentadas a partir do
diploma legislativo, especificamente no Título III, arts. 139 a 193. Estas teses estão bem
demonstradas na obra de Ricardo Lobo60, que dispõe de um raciocínio amplo e diversificado
quanto ao tema.
Uma tese define que o crédito tributário se origina no momento em que dissemina o
vínculo obrigacional, não podendo, desde então, ser postulado por estar ausente sua
característica de liquidez. Em contrapartida, uma tese diversa apresenta que o crédito
tributário é separado da obrigação tributária em função do fator temporal, uma vez que esta é
fruto da capacidade legislativa do Estado e aquele é gerado em decorrência desta,
posteriormente, mas relacionado com o procedimento administrativo de praticar certos atos.
58
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Art. 139.
BRASIL. op.cit.,. Art. 142.
60
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 206.
59
30
Pois bem, de fato, ambas as teses possuem sistemática convencionada em parâmetros
razoáveis, tornando os argumentos louváveis de discussão. Lobo61 já remetia tais
convergências. Senão, veja o que expõe:
a)
O crédito tributário nasce juntamente com a obrigação tributária, sendo de
diminuta importância o fato de vir ele indeterminado ou ilíquido. Decorre citada
coincidência da própria natureza do vínculo obrigacional.
b)
O crédito tributário nasce com o lançamento - ou com a notificação deste ao
contribuinte -, sendo indispensável a declaração de sua existência, de seu
montante e da identificação do obrigado pelo prazo legal. [grifo nosso].
Pois bem, o que Lobo pretende explicitar é que determinada corrente prevê o
nascimento do crédito tributário simultaneamente com a obrigação tributária, visto que sua
consolidação imediata é irrelevante, não deixando de considerar sua visibilidade; outra
corrente destoa deste vislumbramento pelo fato de caracterizar o crédito como proveniência
do ato administrativo de lançamento, que a partir desta, realmente proporcionará os efeitos
jurídicos relevantes.
Em consonância com tal paradoxo, Eduardo Jardim enfatiza que não poderia ser de
outra forma a insurgência do lapso temporal coincidente entre o crédito tributário e a
obrigação, ―porquanto é por meio da obrigação que a Fazenda Pública, ou quem lhe fizer às
vezes, fica investida do direito subjetivo de exigir do sujeito passivo uma prestação,
representada pelo crédito tributário‖. E conclui: ―por conseguinte, ao contrário do quanto
apregoa o Código, o crédito tributário é imanente à obrigação e, por isso, com ela nasce,
subsiste e se extingue. Simultaneamente, é lógico; nem antes nem depois.‖ 62
Paulo de Barros Carvalho, ao se pronunciar sobre os problemas semânticos do art. 142
do CTN, adiciona que a circunstância controversa do dispositivo - crédito e obrigação
recebendo tratamentos diversificados – reflete irretratável insensatez jurídica, uma vez que
não é possível separar o nascimento da obrigação – fato gerador – da constituição do crédito
tributário, pois acarreta ―afronta à integridade lógica da relação jurídica‖ aqui discutida.63
Luciano Amaro64, em incontestável sintonia de argumentos, explica como o CTN
incorreu no mar de contradições ao tratar do crédito tributário. Para isto, analise sua didática:
O Código Tributário Nacional reconheceu que a obrigação tributária nasce com a
ocorrência do fato gerador, afirmando o art. 114 que o fato gerador é a condição não
apenas necessária, mas também suficiente para o nascimento da obrigação tributária,
consoante o ar. 113, §1º, onde se proclama que a obrigação tributária surge com a
ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo, vale dizer, a
61
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 207.
62
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 296.
63
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 440.
64
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 364.
31
satisfação do crédito atribuído ao pólo ativo dessa mesma obrigação.
Coerentemente, o art. 144 estatui que o lançamento se reporta à data do fato gerador
e se rege pela lei então vigente.
Porém, é o mesmo Código que confere ao lançamento a virtude de dar nascimento
ao crédito tributário (art. 142). É óbvio que isso não pode permitir a afirmação de
que, na ―mera‖ obrigação tributária (nascida com a ocorrência do fato gerador), não
haja crédito e correspondente débito, sem o que de obrigação não haveria sequer a
silhueta.
(...)
Por outro lado, se o Código pretende que o crédito tributário só se constitua com o
lançamento (art. 142), por que teria afirmado que esse crédito tributário é uma
decorrência da obrigação tributária (art. 139), que dá origem ao crédito (art. 140),
em vez de atestar que ele é uma decorrência do lançamento, e que este é que lhe
daria origem?
Amaro não é o único tributarista a interrogar a situação dogmática estabelecida pelo
Código Tributário. Sacha Calmon65 reflete além, mas não se distancia do posicionamento
exposto anteriormente. Para o advogado, não há procedência no tratamento conferido pelo
CTN sobre o assunto, uma vez que a obrigação é instituto viabilizador do objeto pecuniário,
que é denominado crédito. Enfatiza que a obrigação tributária é mero fator instrumentalista.
Desta feita, entende que o crédito tributário é inerente da relação obrigacional, caracterizado
especificamente como algo mensurável e necessário para o efetivo vinculum juris. Segue,
também, esta linha de raciocínio o professor Hugo de Brito Segundo.
O que se visualiza claramente na redação do referido diploma, sem qualquer margem
de contestação ou divergência doutrinária, é a autonomia concedida para os institutos da
relação tributária, já que a própria Lei n. 5.172/66, art. 140, confere ao crédito tributário
tratamento independente dos efeitos da obrigação tributária. Concluindo este levantamento a
partir da análise do artigo, Roberval Rocha e João Gomes asseveram que ―o crédito tributário
passa a ter vida própria, distinta da obrigação tributária, não confundindo seus conceitos, mas
lhes dando mesma natureza.66
Esta problemática quanto à similaridade conceitual do crédito tributário com a
denominação de obrigação tributária avança para outro patamar ainda mais tormentoso na
seara acadêmica e doutrinária: o momento ideal da constituição do crédito tributário. Assim
como as teorias obrigacionais, são defendidas pela doutrina atual duas vertentes relacionadas
à questão: a que argumenta que ―a constituição definitiva se perfaz na data da notificação
regular do sujeito passivo do lançamento efetuado‖, outra sustentando que o ato se aperfeiçoa
65
66
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.749
FERREIRA FILHO, Roberval Rocha; SILVA JÚNIOR, João Gomes da. Direito Tributário: Teoria,
jurisprudência e questões. Edições Podivm, 2007. p. 266.
32
―ao final do prazo de notificação ou, ainda, caso o contribuinte impugne o lançamento, ao
final do contencioso administrativo.‖ 67
Luciano Amaro, Paulo de Barros Carvalho, Ruy Barbosa Nogueira apoiam a vertente
da constituição do crédito tributário a partir do lançamento regulamente notificado e afastam,
por consequência, a existência de um ―lançamento provisório‖ antecedente do lançamento
definitivo, uma vez que o crédito tributário decorre de um ato administrativo formal e
definitivo.
Os tribunais não se dirimiam de tomar o mesmo caminho dos tributaristas
supracitados, já que as decisões reiteradas dos colegiados se baseavam nesta corrente. Neste
sentido, observa-se orientação do antigo TFR:
Súmula 153: Constituído no quinquênio através de auto de infração ou notificação
de lançamento, o crédito tributário, não há falar em decadência, fluindo, a partir
daí, em princípio, o prazo prescricional, que, todavia, fica suspenso, até que sejam
decididos os recursos administrativos [grifo nosso].
Em sentido contrário, há o posicionamento de Sacha Calmon Navarro, Hugo de Brito
Machado, José Eduardo Soares e Leandro Paulsen que se prendem à ideia que traduz que o
crédito tributário é constituído a partir da data do fim do julgamento definitivo das
impugnações impeditivas de exigibilidade perante os órgãos fiscais administrativos. Para esta
vertente, a jurisprudência68 também já se manifestou em diversas sessões, mas ainda mais
pragmática, revelando inferências diretas e indiretas. Senão, colaciona-se:
[...] 2. À luz do art. 174, caput, do CTN, firmou-se o entendimento de que a
constituição definitiva do crédito tributário, quando impugnado via administrativa,
ocorre com a notificação do contribuinte do resultado final do recurso, e somente a
partir daí começa a fluir o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança o
referido crédito [...].
Em seguida, julgamento remetido de forma indireta69:
Antes da constituição definitiva do crédito tributário, não há justa causa para início d
ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária (art. 1º da lei 8.137/1990).
Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (HC 81.611. Rel. Min.
Sepúlveda Pertence. DJ 13. 05.2005). A substituição, por novos lançamentos dos
autos de infração anulados por vício formal não convalida a ação penal ajuizada
antes do lançamento definitivo, porquanto a constituição do crédito tributário projeta
um novo quadro fático e jurídico para o oferecimento da denúncia. Durante a
pendência do curso do prazo prescricional (art. 111, I, Cód. Penal). Ordem de
habeas-corpus concedida, para trancamento da ação penal, sem prejuízo do
oferecimento de nova denúncia, com base em crédito tributário definitivamente
constituído.
67
FERREIRA FILHO, Roberval Rocha; SILVA JÚNIOR, João Gomes da. Direito Tributário – Teoria,
jurisprudência e questões. Edições Podivm, 2007. p. 266.
68
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 468139/RS. 2ª Turma. Relator Min. João Octávio de Noronha.
Julgamento 27.06.2006. DJ 03.08.2006.
69
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 84345/PR. 2ª Turma. Relator Min. Joaquim Barbosa. Julgamento
20.03.2006. DJ 24.03.06.
33
Essas consolidações, ainda sim causam divergências no âmbito dos tribunais,
principalmente os de cunho superior, o que não comporta aprofundamento nesta presente
pesquisa diante do objeto de estudo visado, merecendo, pois, análise consubstanciada em
momento oportuno. No mais, se atentar ao seguinte precedente: STJ. REsp 435.896/SP. Rel.
Min. Eliana Calmon. Julgamento em 05.06.03. 2ª T; Informativo STJ nº. 175.
2.4.2.1 Exigibilidade do crédito tributário
Ainda tomando como base os ensinamentos de Roberval Rocha e João Gomes70, a
nascitura da obrigação tributária e o vínculo jurídico que relaciona o fisco com o contribuinte
não são, por si só, garantias de exigibilidade. Este fator é decorrente da viabilidade de
efetivação do lançamento tributário, que, nos conformes da análise do CTN, é ato que
constitui o crédito tributário. O crédito aqui citado que sugere a exigibilidade, podendo
transpor, portanto, a concretização da relação tributária.
Nesta matéria, depreende estudos da doutrina71 dominante:
São pré-requisitos para a existência do crédito tributário sua previsão em lei, a
ocorrência do fato gerador e, posteriormente, o lançamento tributário. O crédito se
torna exigível após o decurso do prazo para pagamento do tributo lançado. E só se
torna exequível se, não tendo sido adimplido, ocorrer a sua inscrição na dívida ativa.
Desta feita, na natureza da constituição do crédito tributário são encontrados três
aspectos essenciais para sua eficácia jurídica:72 existência, submetendo à lei combinada ao
fato gerador e atividade de lançamento; exigibilidade, que remete à existência, decurso in
albis do prazo de pagamento; e exequibilidade, decorrência da exigibilidade e consequência
da inscrição em dívida ativa.
Há, entretanto, exceção a esta ordem didática quando se tratar, por exemplo, de
―tributo não lançado‖, a despeito do disposto no art. 151 do CTN. A própria jurisprudência se
consolidou neste posicionamento73. Atente-se:
Lançamento. Homologação. Decadência. [...] A suspensão da exigibilidade do
crédito tributário na via judicial impede o fisco de praticar qualquer ato contra o
contribuinte visando a cobrança de seu crédito, tais como inscrição em dívida,
execução e penhora, mas não impossibilita a Fazenda de proceder à regular
70
FERREIRA FILHO, Roberval Rocha; SILVA JÚNIOR, João Gomes da. Direito Tributário: Teoria,
jurisprudência e questões. Edições Podivm, 2007. p. 269.
71
FERREIRA FILHO, op.cit.,. p. 269.
72
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 141.
73
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp. 572.603/PR. 1ª Seção. Relator Min. Castro Meira. Julgamento
em 08.06.05. Informativo STJ nº. 250.
34
constituição do crédito tributário para prevenir decadência do direito de lançar. A
seção, ao prosseguir o julgamento, conheceu dos embargos e deu-lhes provimento.
Na sequência do raciocínio, Cassone confirma que a constituição do crédito tributário
se perfaz com o lançamento, que acarretará no pressuposto de exigibilidade necessário para
eventual ação executiva fiscal. Para tanto, assevera que a exigibilidade está convencionada ao
procedimento administrativo que converte a obrigação tributária em crédito, capaz de gerar
um objeto líquido ou ilíquido e, que, porventura, se efetuado o pagamento, extinguirá a
obrigação.74
O tratamento oferecido pelo CTN ao crédito tributário causa inquietações perante a
maior parte dos estudiosos em virtude de sua incoerência semântica, ora distinguindo
obrigação de crédito tributário, ora distanciando a sua constituição da exigibilidade. A
tentativa de a legislação infraconstitucional suportar as lacunas originadas restou frustrada,
principalmente no que tange ao princípio da indisponibilidade do interesse público, que rege
as noções gerais de tributo. Não é propriamente o ato administrativo de lançar que confere à
obrigação tributária a exigibilidade de seu objeto (crédito tributário), pois este já possui os
atributos inerentes da obrigação jurídica no instante da formação da relação.75
Diante de tais considerações controversas e de unânime crítica doutrinária, percebe-se
que o crédito tributário é somente um objeto viabilizador do ato administrativo de
lançamento, instituto essencial para efetivação da relação jurídica tributária, que desde já é
núcleo de discussão do tema central deste trabalho.
2.4.3 O Lançamento Tributário
Após as considerações expostas anteriormente, restou consolidado que a legislação
tributária divide sua relação jurídica entre principal e acessória e já colaciona a eventual
extinção do crédito que dela decorre. Meso diante de inconsistências legislativa, não há o que
se falar em distinção entre uma e outra, muito menos entre o crédito que futuramente poderá
se consubstanciar. Há a delimitação necessária para o melhor aperfeiçoamento da completa
situação jurídica aqui discutida.
Como medida inicialmente necessária para o entendimento do instituto do lançamento
é viável a explanação sobre a caracterização do ato administrativo, já que o CTN confere ao
74
CASSONE, Vittorio. Direito Tributário: Fundamentos constitucionais da tributação, definição de tributos e
suas espécies, conceito e classificação dos impostos, doutrina, prática e jurisprudência. 21. ed. São Paulo:
Atlas, 2010. p. 180.
75
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 368.
35
lançamento tributário natureza administrativa. Muitos são os conceitos estabelecidos pela
doutrina, tendo como algumas referências Maria Sylvia Zanella, Celso Antônio Bandeira de
Mello, Diógenes Gasparini e Hely Lopes Meirelles. Para a autora Daiane Maria Oliveira
Viana, o ato administrativo não passa de uma manifestação do Estado, ou daquele (s) que faz
(em) às vezes deste, e aqui se pode incluir o particular, no exercício de suas atribuições e
competências estabelecidas em lei. A configuração do ato administrativo é proveniente da
criação, modificação ou extinção de direitos, podendo se manifestar de maneira tácita ou
expressa, sendo passível de controle pelo Poder Judiciário.76
Em sua essência, o ato administrativo lato sensu obedece a determinados critérios
estruturais, que se divergem na doutrina, mas que muitas vezes não são ousados a confrontálos, caracterizados como sujeito, que é aquele que compete exercer a função ou atividade
atribuída pela lei; forma, sendo a manifestação externa do ato; objeto, que constitui o
elemento e conteúdo inserido no ato administrativo; motivo, sendo a causalidade da prática do
ato e, por fim, finalidade, que é a circunstância que justifica aquele ato administrativo. Daiane
Viana enfatiza, para este último critério, que a finalidade precípua de qualquer ato da
Administração Pública ou de quem lhe faça às vezes é a satisfação do bem comum e do
interesse coletivo.77
Partindo para a análise especificamente do lançamento tributário, observa-se que
muitos são os conceitos originados, criando discussões acadêmicas a cerca do que realmente o
lançamento busca atingir, assim como a visível dicotomia da natureza jurídica deste instituto:
ora o lançamento tributário é tratado como um ato administrativo, como defendido por Paulo
de Barros Carvalho, ora como um procedimento administrativo, considerado por Ruy Barbosa
Nogueira.78 Para sanar esta questão é necessária que seja levada em consideração a existência
das modalidades do plano fático e do ato-norma, muito bem delimitadas pelo doutrinador
Eurico de Santi, que defende que o lançamento pode ser considerado em suas duas facetas,
dependendo do que se pretende discutir, se é o fato e a constituição do crédito ou sua
aplicação normativa e as penalidades cabíveis. Neste sentido, há de contraponto o
posicionamento de Jozélia Nogueira Broliani, que afirma que o lançamento repercutirá
76
VIANA, Daiane Maria Oliveira. Lançamento por homologação e extinção do crédito tributário. Revista dos
Tribunais, São Paulo, ano 96, v. 860, jun. 2007. p. 19-20.
77
Ibid., p. 21-22.
78
Ibid., p. 22-23.
36
simultaneamente como ato-norma e no plano fático, sendo o primeiro, meio para a
configuração do segundo.79
O que se aproveita conclusivamente é que o lançamento pode configurar-se tanto
como ato, quanto como procedimento administrativo, pois o lançamento tributário é composto
de ações preparatórias a fim de atingir a mensuração do quantum e a existência da obrigação
tributária, bem como de normas orientadoras e interpretativas dos ditames legais necessários
para a determinação do devido sujeito ativo e passivo do tributo, assim como da correta
aplicação das penalidades, caso haja. O mais viável, no entanto, para a explanação do assunto,
é a caracterização do lançamento tributário como um ato administrativo, assim defendido por
Viana.80
Partindo do pressuposto de que lançamento tributário é ato administrativo, conforme
ensinamento de Paulo de Barros Carvalho81, este é assim caracterizado por possuir os
elementos principais de estruturação do ato administrativo. É considerado ato simples, por ser
emitido por um único órgão, sem a dependência de qualquer outro ente público; é
constitutivo, por constituir situações jurídicas a partir da modificação, criação ou extinção de
situações pretéritas; e por fim, é ato vinculado, pois deve respeitar orientações legais
preestabelecidas pela normatização federal, estadual ou municipal, sem qualquer possibilidade
de discricionariedade para sua execução.82
A delimitação do lançamento como figura administrativa é corroborada pela distinção
de seu objeto, do fato jurídico, da forma e competência. Como objeto, tem-se que este é a
inserção no ordenamento jurídico da incidência da regra matriz; como fato jurídico observa-se
a motivação pelo qual o lançamento está sendo realizado e a causa de sua designação; em
relação à forma, o lançamento tributário obedece a diretrizes próprias, sendo imprescindível a
delimitação do sujeito ativo e passivo, se houver, da base de cálculo e as alíquotas devidas;
por fim, quanto à competência, respeita-se o princípio da legalidade, devendo, portanto, ser o
ente ou sujeito competente aquele designado pela lei.83
A partir desta constatação, à atuação do sujeito ativo (credor) dá-se o nome de
lançamento. Luciano Amaro nos permite verificar que uma dissociação temporal entre o
momento do nascimento do direito do sujeito ativo da obrigação tributária (com a ocorrência
79
VIANA, Daiane Maria Oliveira. Lançamento por homologação e extinção do crédito tributário. Revista dos
Tribunais, São Paulo, ano 96, v. 860, jun. 2007. p. 23-24.
80
Ibid., p. 24.
81
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 440.
82
VIANA, op.cit., p. 24.
83
Ibid., p. 25.
37
do fato gerador) e o momento em que a obrigação se torna exigível (com a prática do ato de
lançamento, e sua comunicação formal ao devedor) decorre do preceito legal que, em
determinadas situações, prevê o lançamento como ato a ser necessariamente praticado, após a
realização do fato gerador, para que se tenha a exigibilidade da obrigação tributária. Esta
explanação confirma tese difundida por maior parte da doutrina no que se refere à base
principal do ato de lançamento.84
No entanto, ressalvando sua própria colocação, Luciano Amaro remete ao fato desta
dissociação não estar contida em todas as relações obrigacionais aqui discutidas. Sabe-se que
existem tributos cuja legislação lhe confere um pagamento ao sujeito passivo
independentemente da atividade de lançamento pela Administração Tributária. Veja-se que,
presente o fato gerador, a apuração do valor (montante) e seu devido recolhimento se
concretizam sem a prática de qualquer atuação do sujeito ativo, ficando tal montante
condicionado à verificação posterior.85
O lançamento não se reduz ao simples cálculo do tributo. Mesmo que diversos níveis
de complexidade se formem no que respeita às operações necessárias à determinação do valor
da obrigação tributária, Amaro dispõe que o lançamento ultrapassa as atividades contábeis e
de auditoria exercidas reiteradamente.86
Ademais, entre as fundamentações acerca da natureza jurídica do ato administrativo,
em precioso detalhamento, Hugo de Brito Machado Segundo retoma a mensagem do art. 113,
do CTN para explicar as facetas da obrigação tributária: a principal é proveniente do
pagamento pecuniário, da entrega por meio de dinheiro; já a obrigação acessória é a obrigação
de fazer, não - fazer, tolerar ou aceitar ato capaz de satisfazer o objeto do fato gerador.87
Logo, o caráter definidor de ambos é o patrimonial: a obrigação principal envolve patrimônio
e a acessória, não.
Quanto à natureza jurídica do lançamento tributário é importante salientar que a
doutrina não é unânime. Muitos especialistas divergem se a natureza é declaratória ou
constitutiva. Mas como posicionamento dominante, o lançamento se vincula ao estado de
declaratória, pois não cabe a este instituto a constituição de direitos de forma originária, mas
apenas como um instrumento de aplicação dos preceitos gerais de tributação. A conclusão
84
BECKER, 1972 apud. AMARO, Luciano Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.
360.
85
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 360.
86
Ibid., p. 361.
87
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito tributário e financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009. (Série
Leituras Jurídicas, v. 24). p. 71.
38
desta natureza se perfaz no que tange à finalidade do lançamento tributário, que permite a
certificação de uma obrigação legal e a autorização de atuação administrativa.
O Código Tributário Nacional, a este respeito, adota essencialmente a natureza
declaratória do lançamento, principalmente no que tange à obrigação, já que analisando as
atribuições do crédito tributário, a este é conferido o aspecto constitutivo. Neste sentido,
expõe o CTN, em seu art. 142:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito
tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente
a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a
matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito
passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. (grifo nosso)
Não obstante a característica predominantemente declaratória do lançamento verificase para tanto a necessidade de conferir destaque para a terminativa legal, já que para o CTN
não existe crédito sem o processamento anterior do lançamento. Da mesma forma se
posicionou a Turma do Superior Tribunal de Justiça, pelo qual consolidou que ―o crédito
tributário não surge com o fato gerador. Ele é constituído com o lançamento‖ (1.ª T., REsp
250.306/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 06.06.2000, DJU 01.08.2000, p. 208).
A circunstância de a legislação ter criado o lançamento como ato de cuja realização
depende a atuação de certos direitos do sujeito ativo fez com que a doutrina se estendesse em
termináveis discussões sobre a natureza do lançamento, sustentando uns que ele é de caráter
constitutivo (da obrigação tributária) e afirmando outros que ele tem natureza meramente
declaratória. Não falta, ainda, o posicionamento que firme um meio termo entre ambas as
posições, como o escolhido por Luciano Amaro.88
A autoridade administrativa, em razão de inúmeras competências privativas que lhe
são atribuídas, é a responsável por viabilizar a constituição do crédito tributário, que se perfaz
por meio do ato de lançamento, de acordo com legislação tributária vigente anteriormente
ressaltada89.
A intenção difundida pelo art. 142 do Cód. Tributário Nacional a cerca do lançamento
tributário e sua característica constitutiva avoca impropriedades. Doutrinadores como Hugo
de Brito Machado e Paulo de Barros Carvalho revelam que o CTN não teve a felicidade de
conceituar o termo, uma vez que nem sempre o montante devido do tributo deverá ser
calculado, já que existem os tributos com valores fixos, bem como não há o que se falar em
88
89
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 362.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 182.
39
mera proposição da penalidade cabível, visto que cabe a autoridade competente a devida
aplicação da pena quando vislumbrar necessária.90
Ao se tentar buscar a apropriada caracterização do ato de lançamento, Hugo de Brito91
Machado destaca que a definição provocada pela legislação tributária atual acarreta
incoerências, não devendo o art. 142 ser interpretado em sua forma literal. A partir do
momento que a autoridade administrativa fiscal possui a competência privativa para praticar o
lançamento e assim constituir o crédito tributário, cabe a ela a aplicação eficaz da penalidade
cabível, quando necessária. Este procedimento que torna possível o cálculo do montante do
crédito tributário. Complementando seu raciocínio, entende Hugo de Brito que ―sem que
esteja aplicada a penalidade não é possível determinar o montante do crédito tributário de cuja
constituição se cogita, porque a penalidade pecuniária integra esse montante‖.92
Pode-se constatar, entretanto, que o referido dispositivo, ao se manifestar sobre o
lançamento tributário, tende a ser claro quanto a sua expressiva atribuição de ato inerente da
administração fazendária, mesmo carecendo de relacionar suas características inerentes declaratória e constitutiva.
Sobre esta afirmação se pronunciou o Ministro aposentado
Moreira Alves, do STF, em conferência93 realizada em São Paulo. Acolham-se seus
argumentos:
[...] O lançamento é um elemento que não ocorre no direito privado, porque neste,
quando as obrigações nascem ilíquidas, se aplica o art. 1553 do CCB: ―se fixará por
arbitramento a liquidação.‖. Permite ao Estado tornar líquido o que é ilíquido, coisa
que o particular não pode fazer. Alberto Xavier diz que o lançamento é ato de
criação de título jurídico abstrato. E perguntamos: o que é título jurídico abstrato? É
o título jurídico adjacente ao fato gerador. Se abstratamente considerado, chegaria-se
à conclusão absurda: o título se abstrai do negócio subjacente, e passa a ter vida
própria, isto é, o substrato seria inatacável, e isto não é verdade, porque nos
Embargos à execução fiscal toda e qualquer matéria é atacada, tanto formal como
material, porque o título é dotado apenas de presunção juris tantum. Assim, entende
que o lançamento não cria, não modifica nem extingue a obrigação, tendo natureza
declaratória e constitutiva. É constitutivo, porque individualiza essa situação,
delineando-a concretamente. Se o órgão não lançar, será punido. Não cabe falar em
punição para o Estado. O lançamento não é ato indispensável em todos os tributos
[...].
Em virtude dessas colocações, o direito tributário brasileiro prefere se respaldar em
uma natureza jurídica mista para o lançamento, natureza esta que já se apoia Ricardo
Alexandre94, na acentuação de que o ato de lançar qualquer tributo é constituidor do crédito
90
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 182.
MACHADO, op.cit.
92
MACHADO, op.cit.
93
SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO, VII, out. 1982, CEU/SP. Relatório. In: Caderno de
Pesquisas Tributárias. São Paulo: RT, n. 8, 1983. p. 408-413.
94
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 366.
91
40
tributário e declaratório da obrigação respectiva95, esclarecendo, pois, as demasiadas
invocações controversas a cerca da problemática do conceito jurídico de lançamento. Não
obstante renomados estudiosos defenderem argumentos fortes do lado oposto do apresentado
neste trabalho até o momento, é de se cogitar a percepção de o lançamento surgir como
procedimento, já que a própria leitura do dispositivo legal remete a este parecer, visto que o
termo procedimento é visualizado por diversas vezes. Neste parâmetro encontram-se
vinculados Alfredo Augusto Becker96 e Antônio Roberto Sampaio Dória97 e igualmente Ruy
Barbosa Nogueira98, que salienta que a natureza procedimental do lançamento se alicerça nos
fundamentos substanciados de Emílio Betti e José Frederico Marques, quando da análise do
Anteprojeto do Código Tributário.
2.4.3.1 Atributos do lançamento tributário
Como já visto é impossível dissociar Direito Administrativo de Direito Tributário
quando o objeto em destaque é o lançamento. A similaridade se consubstancia na atuação
imperiosa do Estado, enquanto detentor da alçada constitucional de regulação dos atos
praticados, omissos ou iminentes para disciplinar, regrar, limitar, contrapor, regular os direitos
e deveres de seus administrados. A cada ramo jurídico, no caso em destaque, área
administrativa e tributária, o Estado muitas vezes ―molda‖ as circunstâncias que lhe são
favoráveis atingindo a convalescência de seus interesses. No que tange ao Direito Tributário,
esta ―regulação imperiosa‖ desfruta da instituição de tributos, apoiados na atuação de ―lançar‖
respectivo débito/crédito, típica para a manutenção do Poder Público, principalmente no que
tange à característica de extrafiscalidade.
O vínculo jurídico que estatui a nascitura da obrigação tributária é aspecto abstrato da
relação de sujeitos ativo e passivo, que em da virtude da lei, repassam interesses, deveres e
ônus. Para a promoção este vínculo é imprescindível a ocorrência de um fato superior, avesso
a qualquer vontade dos sujeitos, que se atenta a uma incidência legal. Desde já, a união de
interesses provoca a satisfação de um crédito, que sustentará credibilidade, exigibilidade por
95
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 183.
BECKER, 1963 apud CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 447.
97
DORIA, 1968 apud CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 447.
98
NOGUEIRA, 1973 apud CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 447.
96
41
meio do ato de lançamento que o constituirá. Ressalta-se que a constituição do crédito
tributário via lançamento não se limita a caracterizá-la como criadora, transformadora,
transferidora ou extintora de direitos materiais, mas é calcada na especificidade da preparação
e revisão que o lançamento possibilita ao crédito.99
Por se tratar de instrumento hábil para o controle da máquina do sistema tributário, o
lançamento deve se atentar às circunstâncias legais que lhe asseguram a perfeita execução do
ato, garantindo a segurança jurídica, legitimidade e primazia aos princípios da administração
pública. Vige, conforme art. 145, do CTN, que qualquer alteração do lançamento deve
repercutir aos fatores previamente editados em lei própria, passíveis de proteção ao
contribuinte e/ ou sujeito passivo da respectiva obrigação. No mesmo raciocínio, o art. 149
proclama a possibilidade de modificação em virtude ―erro de fato‖, obedecido o decurso do
prazo.100
Em sintonia com as disposições expostas, converge Paulo de Barros Carvalho 101 ao
mencionar que o lançamento tributário, ora analisado como norma, ora como procedimento
ou como ato passa a ser simples opção de quem vá analisá-lo, valendo a asserção para o
jurista prático e para o jurista teórico, que para o especialista, não tem relevância. Segue
afirmando que a problemática enaltecida deste enfoque reage quanto ao caráter emulativo que
se disseminou na doutrina, com a disputa entre a primazia das três possibilidades
cognoscitivas.
Sendo assim, há de se afirmar que independente da posição regulada pela legislação,
ora retribuindo ao lançamento natureza de procedimento, ora confrontando com os
ensinamentos doutrinários, que refletem majoritariamente a investidura de ato administrativo,
o lançamento tributário há de ser condição predisposta para o nascimento e a exigibilidade da
obrigação e crédito tributários, respectivamente. Vislumbra-se, portanto, sua perceptividade
administrativa de ato vinculado102, já que é vedada a discricionariedade restando à lei o
imperativo de atuação da administração fazendária quanto às regularidades a serem revistas.
Não há o que se falar de disponibilidade, sendo certo que impera para este instituto o
caráter obrigatório, no que concerne á comprovação de existência do crédito tributário, já que
99
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.751.
100
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 376-77.
101
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 456.
102
FABRETTI, Láudio Camargo. FABRETTI, Dilene Ramos. Direito Tributário para os Cursos de
Administração e Ciências Contábeis. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2009. p.103
42
ao Estado resta o papel arrecadatório. Ou seja, a atuação do Poder Público é precípua para o
regular processamento da competência tributária atribuída pela Constituição.
Imprescindível destacar, porém, que a vinculação atribuída ao lançamento tributário
não se confunde com impossibilidade de interpretação da norma tributária. Neste sentido,
explica Ricardo Lobo103 que a interpretação da hipótese de incidência é fundamental para a
qualificação do fato concreto e para ulterior subsunção. E completa afirmando que a distinção
entre as duas características se consubstancia na forma como é visualizado o ato pela
autoridade administrativa, seja a partir de liberdade conclusiva, com respeito as premissas
legais, seja com a compreensão de conceitos indeterminados, baseados na lei, a qual se
chegará a uma única solução.
Em relação à aplicabilidade deste instituto no tempo, reflete Ricardo Alexandre 104 que
o ―lançamento é realizado em determinado momento na linha do tempo, mas sempre com os
lhos voltados para um instante passado, o da ocorrência do fato gerador da respectiva
obrigação‖. Pois bem, tomando como parâmetro esta dogmática há de se aceitar que o
lançamento tributário poderá ter efeitos ex tunc, repercutindo conseqüências principalmente
no que tange às obrigações tributárias relativas às penalidades pecuniárias (multas). O
raciocínio do Procurador é ponto esclarecedor dos dirimíveis questionamentos em relação à
aplicação temporal das leis tributárias, uma vez que elas podem ser formais ou matérias.
Momento não há para aprofundar neste debate, contudo merece breve esclarecimento
quanto a este aspecto, a partir da análise minuciosa do art. 144 do CTN e seu respectivo § 1º,
abaixo transpostos:
Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação
e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
§ 1º. Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato
gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de
fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas,
ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso,
para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
O caput do artigo trata da legislação tributária material, estabelecendo a data do fato
gerador como aplicável à legislação vigente. Já o § 1º, remete à legislação formal 105,
atribuindo-lhe aplicação imediata de seus efeitos.106 Portanto, brevemente confirmadas as
103
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 277.
104
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 371.
105
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.757.
106
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 372.
43
nuances da lei fiscal, resta superada a qualidade incontroversa da aplicabilidade da legislação
quanto ao procedimento do lançamento.
Portanto, o lançamento é instituto ―retrospectivo‖107, uma vez que se reporta à data da
ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que modificada
ou revogada, salvo em se tratando de instituição de novos critérios de apuração ou
procedimento de fiscalização, seja para ampliar os poderes de investigação das autoridades
administrativas, seja para limitar garantias e privilégios, pois assim, aplicar-se-ia
imediatamente a nova lei, enquadrando os aspectos do lançamento relacionado à lei anterior
aos da norma atual.
2.4.3.2 Modalidades de lançamento
A Lei 5.172/66, em seus arts. 147 a 150, dispôs para o lançamento três formas de
manifestação, caracterizadas como modalidades. Cada modalidade recebe nomenclatura
específica, de acordo como é feita a celebração do ato e concretização do ato. Trata-se, então,
de lançamento ―direto‖, ou por ―ofício‖, lançamento por ―declaração‖, ou por ―homologação‖.
Paulo de Barros Carvalho108 explica que a determinação classificatória do lançamento
de acordo com a sua forma de execução atende unicamente ao aspecto do grau de participação
de cada sujeito da relação tributária. Conforme o papel de cada ente, a delimitação das
modalidades observará os atributos preparatórios ou efetivamente finalísticos para a
concretização do ato.
Em decorrência da busca pela explicação coerente no âmbito jurídico, observa-se que
por muitas vezes será constatada controvérsias causadas pelo legislador quando da
conceituação de lançamento no CTN. Para algumas modalidades, a disposição do art. 142 se
encaixa de maneira perfeita quanto à sua terminologia, no entanto, para outras, surge a crítica
da semântica do instituto do lançamento exposto pelo CTN.
Para rebater esta incógnita, Luciano Amaro109 ensina que o próprio CTN cuidou de se
atentar ao erro estipulado e engendrou a figura de um tipo de lançamento que acolhesse, em
ato posterior, todas as características defendidas no artigo citado, afastando eventual
suscitação de impropriedade da norma. Contudo, a doutrina é conformada em assumir que
107
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 278.
108
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
109
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 384.
44
mesmo com esta intenção, o CTN não dirimiu tal questão, causando, ainda, muitas discussões
emblemáticas.
O art. 147 cuida de identificar a modalidade de lançamento caracterizada por
declaração. Configura-se como sendo aquela em que o contribuinte ―informa‖ ao Fisco a
ocorrência do fato gerador e lhe fornece as informações necessárias à apuração do devido
tributo.110 Desta feita, o lançamento realizado pela autoridade competente somente se efetiva
após a declaração pelo sujeito passivo a cerca das hipóteses cabíveis de tributação. O
momento posterior ao ato do contribuinte provoca o lançamento e gera a obrigação de
notificação pelo Fisco para a ocorrência do pagamento ou, se for o caso, ser apresentada
impugnação (defesa administrativa).111 A exemplo desta modalidade tem-se o Imposto
Estadual sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCD) e o Imposto Municipal sobre
Transmissão Onerosa e Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI).
De ―ofício‖ é o lançamento realizado sem qualquer interferência efetiva do sujeito
passivo. Sua utilização corresponde às situações taxativamente expressas no art.149 do CTN.
Logo, compete à própria autoridade administrativa apurar a ocorrência do fato gerador da
obrigação, o valor devidamente tributável, assim como identificar o contribuinte e demais
aspectos da relação tributária. Outro tipo de prática do lançamento de ofício é sua previsão
para a correção de equívocos apontados em lançamentos anteriores, seja em relação às
irregularidades quanto a correção ou revisão de valores apuráveis, seja quanto às diferenças
ou omissões encontradas, não importando a modalidade de lançamento que se perfez
anteriormente.112 Contudo, o art. 149, parágrafo único, do CTN autoriza a validade para o
lançamento de ofício nestes casos somente se forem feitos antes da extinção do crédito
tributário pela decadência ou prescrição.
O lançamento por ―arbitramento‖, previsto no artigo 148 do CTN, é um tipo de
lançamento de ofício aplicável nas hipóteses dos incisos II, III, IV e V do artigo 149 do CTN.
Serve como supedâneo para ficções e presunções jurídicas, sempre que o comportamento do
contribuinte dificultar ou tornar impossível a descoberta ou revelação de elementos
informativos do fato gerador, escondendo-se o preço de bens, direitos, serviços ou atos
jurídicos; nesse caso, a autoridade fiscal poderá ―presumir‖ e ―arbitrar‖ o valor a ser
110
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 280.
111
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
(Série Leituras Jurídicas. Vol. 24). p. 104.
112
MACHADO SEGUNDO, op.cit., p. 102.
45
considerado para o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, obtendo-se desta forma
algum tipo de base de cálculo para suportar a incidência da alíquota.113
2.4.3.3 Lançamento por homologação e legalidade do ato
Em continuidade às modalidades, recai-se no objeto principal deste presente estudo,
seja ele o lançamento do tributo feito por homologação. Diferentemente dos demais
espécimes de lançamentos já explanados, o lançamento por homologação guarda
peculiaridades capazes de desenvolver controvérsias extensas, provenientes de interpretações
diversas e práticas indubitavelmente contraditórias.
Sinteticamente discorrendo, o lançamento por homologação trata-se de modalidade
pelo qual o recolhimento do respectivo tributo se efetua independentemente da atuação prévia
da Administração Pública – sujeito ativo – uma vez que o crédito tributário é averiguado pelo
sujeito passivo, que antecipadamente verifica o montante e a natureza do crédito devido.
Poder-se-ia concluir que para certa atuação do sujeito passivo – contribuinte – fosse
mais bem caracterizada a definição de ―autolançamento‖, diante da procedência do ato. No
entanto, o legislador tributário entendeu que soaria mais lógica a terminologia ―lançamento
por homologação‖, afastando a utilização de qualquer outra similar. Destarte, originou-se a
complexidade da questão.
Baleeiro114 explica que faz sentido a interpretação conferida pelo legislador quando da
terminologia adotada, já que, no sentido técnico-jurídico, não existe u lançamento, mas uma
posterior aceitação do órgão competente sobre os dados apresentados. Não será o próprio
sujeito passivo que lançará, a ele incube apenas a quantificação dos dados. O pagamento será
efetuado sem lançamento, mas confirmado via ―homologação‖. Eis, portanto, a natureza da
nomenclatura.
O Código Tributário Nacional, no art. 142, defendendo a ideia de manter intocável o
lançamento pela autoridade competente, não excluiu desta modalidade a atuação do referido
sujeito ativo, uma vez que é detentor de ato vinculado e obrigatório, perfazendo-se, portanto,
ainda a necessária homologação do montante pendente. Ou seja, não poderia o tributo estar
unicamente vinculado à apuração do sujeito passivo, restando, desta forma, pendente de
113
114
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.Art. 128. Art. 148.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 832.
46
análise pelo sujeito ativo, que concordaria ou não com os valores levantados. A este
procedimento e sua finalização denomina-se ―homologação‖.
O lançamento por homologação é ressaltado no art. 150, caput, do Código Tributário
Nacional. Sua aplicação está estritamente relacionada às situações em que haja autorização
pela norma, em que será possível a ―antecipação do pagamento‖ sem prévia constatação do
recolhedor do tributo. E aqui se destaca a diferença crucial desta modalidade em comparação
com as demais: nas outras espécies de lançamento não existe o prévio exame, mas sim o
prévio lançamento; neste, o pagamento efetua-se antes do lançamento.115
Destarte, Paulo de Barros Carvalho116 destoa da análise circundada do tema,
entendendo que o lançamento por homologação não se caracteriza como ―lançamento‖ visto
que ―lançamento e homologação são realidades jurídicas antagônicas, não podendo subsistir
debaixo do mesmo epíteto‖. Cumpre ressaltar que tal posicionamento não é majoritário,
resistindo a ideia de que é perfeitamente condizente a modalidade conferida pelo legislador.
Nesta esteira, o lançamento por homologação respeita a sistemática da proposta do art.
150 do CTN, configurando-se como ―ato administrativo, expresso ou tácito, que confirma a
atividade desenvolvida pelo sujeito passivo, equiparando-se a ato liquidatário e extinguindo o
crédito tributário‖.117
Por sua propensão numerosa de tributos que se sujeitam ao lançamento por
homologação, é imprescindível que tal modalidade se adéque a determinados fundamentos
constitutivos. Isto porque a preferência por essa modalidade tem sido cada vez mais frequente
nas apurações dos tributos.
Quanto a este aspecto, Ferreiro Lapatza118 denuncia que existe uma ―privatização da
gestão tributária‖, uma vez que o contribuinte não apenas divulga informações e dados
essenciais para a declaração e lançamento o tributo, mas quantifica o quantum e recolhe
aquilo que lhe convém ser devido.
A explicação da preponderância do lançamento por homologação encontra-se respaldo
na estrutura econômica, política, social e/ou jurídica, que facilitam a justificativa desta
modalidade. Aliomar Baleeiro119 visualiza nesta modalidade certo despreparo da esfera
administrativa de cobrança, que, consequentemente, atrai elevados custos e impropriedades no
115
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 391.
CARVALHO, 1991 apud BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense. 2010. p. 833.
117
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 834.
118
LAPATZA, 1990 apud BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense. 2010. p. 830.
119
BALEEIRO, op.cit., p. 830.
116
47
conhecimento correto dos dados levantados pelo sujeito passivo. Em outro patamar, assume
que o lançamento por homologação incentiva a agilidade na arrecadação e a proteção da
intimidade e sigilo das informações.
Mas para que todos estes mecanismos sejam atingidos, essencial que haja a
compatibilização de arrecadação dos tributos com a sistemática do lançamento por
homologação, o que, via de regra, está vigente na maioria os tributos, pelo menos os mais
importantes.
2.4.4 Extinção do Crédito Tributário
A relação oferecida anteriormente entre vínculo jurídico civil e tributário vem a ser
fundamental, também, no estudo da extinção o crédito tributário, visto que as semelhanças
estruturais são correntes. A circunstância que, principalmente, vem diferir os dois tipos de
vínculos se baseia no princípio da legalidade, que se mostra mais efetivo na relação
obrigacional tributária, pela qual repercutirão fatores como lugar do pagamento ou remissão,
que para cada ramo do Direito receberá tratamento específico.
Distante das diferenças entre a extinção do crédito tributário e a extinção do crédito na
obrigação civil comum, há de suscitar, ainda, as similaridades que comprovam que os dois
institutos em muito se interdisciplinam. Nesta esfera, vislumbra-se que, apesar do dispositivo
referente ao assunto no Código Tributário Nacional trazer as possibilidades de extinção do
crédito, bem como a necessidade de lei para a previsão dos efeitos da extinção parcial ou total
sobre a ulterior verificação de irregularidade de sua constituição, conforme os arts. 144 e
149,120 os incisos que discriminam tais casos não se perfaz de maneira taxativa, uma vez que
figuras previstas no Código Civil podem extinguir o crédito tributário. Acompanham esta
premissa Hugo de Brito Machado,121 Paulo de Barros Carvalho,122 Luciano Amaro e Aliomar
Baleeiro.123 A exemplo disto, Ricardo Lobo124 cita a ―confusão‖, que extingue a obrigação
desde que na mesma pessoa se confundem as qualidades de credor e devedor (art.381, Cód.
Civil), que no ramo do direito tributário poderá se manifestar quando o ente tributante tenha
120
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
(Série Leituras Jurídicas. Vol. 24). p. 120.
121
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 209.
122
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 522.
123
BALEEIRO, 1992 apud AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
p. 416.
124
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 288.
48
recebido a herança jacente ou tenha estatizado empresas privadas e a morte do devedor, que
não deixa bens, extinguindo por isso o crédito tributário devido. E ressalta que a ―novação‖,
caracterizada quando o devedor contrai com o credor nova dívida para resolver a anterior, ou
quando novo devedor sucede um antigo ou, ainda, quando em virtude de uma nova obrigação,
outro credor é substituído ao anterior, não se compreende no âmbito tributário, porque do
caráter dispositivo associado ao princípio da legalidade aplicável para os aspectos financeiros
e fiscais.
Do lado oposto a esta argumentação, apesar de também suscitar os casos que estão à
margem do CTN, Ricardo Alexandre125 defende que a lista trazida pelo art. 141 do CTN e
taxativa, uma vez que o diploma referido delimita a lei pela qual as hipóteses serão
amparadas.
Em consideração ao aspecto legal que está intrinsecamente conjuminado com o crédito
tributário, Hugo de Brito Machado126 amplia esta análise esclarecendo que a matéria está
compreendida no princípio da reserva legal, pelo qual estipula que somente a lei poderá
abordar as situações de desaparecimento do crédito tributário.
Quanto à relação entre extinção do crédito tributário e obrigação tributária, a doutrina
não se manifesta de maneira equânime, uma vez que o próprio CTN dispõe de transparecer
lacunas e incoerências a respeito do fato. A começar pela crítica engajada de Luciano
Amaro127 que discute a ―incoerência interna‖ do Código Tributário Nacional, que assumiu o
crédito tributário como estágio ‗mais avançado da obrigação tributária‘, devendo este ser
extinto juntamente com a obrigação relacionada. Frisa o autor que há obrigações tributárias
que se extinguem antes da nascitura do crédito feita pelo lançamento, como a hipótese de
decadência. E mais, a própria legislação tributária discorre sobre alguns fatores que podem
extinguir o crédito tributário, sem nem mesmo existir uma obrigação, tais como os do art.
156, IX e X, do CTN.
Em preciosa conclusão, Amaro fundamenta que tais problemáticas do código se
amparam em um parâmetro dualístico: há o tratamento da extinção do crédito tributário como
similar à extinção da obrigação tributária, além de existir a condensação da ―extinção do
direito material do Fisco‖ com a ―extinção de mera pretensão do Fisco‖. 128
125
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 416.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 209.
127
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 411.
128
Ibid., p. 412.
126
49
Hugo de Brito Machado129 concorda com posicionamento de Amaro ao destacar que
esta lógica irregular do CTN é causa de controvérsias acadêmicas por não esclarecer as
possibilidades capazes de dissociar a extinção do crédito com a necessária extinção da
obrigação tributária. Expõe que é perfeitamente viável a extinção do crédito sem que esta
afete a obrigação tributária quando a Fazenda Pública realize novo lançamento referente a
uma formalização do crédito deficiente. E completa ao ressaltar que o ―crédito é distinto da
obrigação, sendo uma relação formalizada, acertada, tornada líquida e certa‖, podendo a causa
extintiva atingir apenas a forma, ou somente o conteúdo.
Contrapondo-se as estas exposições, Paulo de Barros Carvalho130 preconiza que é
claro o desaparecimento da obrigação tributária diante de causa extintiva do crédito, assim
previsto m legislação. Preceitua que ―o crédito tributário é apenas um dos aspectos da relação
jurídica obrigacional, mas sem ele inexiste o vínculo‖. E neste esteio, tomou a liberdade de
discordar veemente do legislador do CTN, criticando sua postura ―assistemática‖.
Deixadas de lado tais incógnitas doutrinárias frutos do debate fundamental para o
enriquecimento acadêmico e melhoramento das práticas advocatícias em natureza tributária,
toma-se como parâmetro o Código Tributário Nacional, no art. 156, que enuncia onze causas
extintivas do crédito tributário. Eis que: I – o pagamento; II – a compensação; III – a
transação; IV – a remissão; V – a prescrição e a decadência; VI – a conversão do depósito em
renda; VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento; VIII – a consignação
em pagamento; IX – a decisão administrativa irreformável; X – a decisão judicial passada em
julgado; XI – a dação em pagamento em bens imóveis.
Não há neste presente trabalho o interesse de adentrar profundamente cada espécie de
extinção do crédito, uma vez que será realizada a análise sistemática de apenas algumas
causas extintivas do artigo supracitado - aquelas intrinsecamente relacionadas com o tema ora
pesquisado.
2.4.4.1 Decadência
Haja vista a importância primordial de determinados fatos jurídicos para as relações
obrigacionais, é cediço que o tempo demonstra-se como o fato natural de grande, se não
maior, essencialidade para o nascimento, exercício e perda de determinados direitos.
129
130
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 209.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 520-1.
50
Consoante, portanto, destacar que o tempo influencia nas relações jurídicas das pessoas desde
a concepção humana.
Por meio de tais influências temporais dos institutos jurídicos, principalmente no que
concerne aos fatos de repercussão no direito público, apesar da maior significância no âmbito
do direito civil, o aspecto temporal é objeto de pontos extremamente importantes para a
relação obrigacional tributária: a decadência e a prescrição.
A priori, destacam-se noções imprescindíveis para o ideal entendimento do instituto da
decadência e sua repercussão prática nos lançamento por homologação.
Manifestando-se através dos ensinamentos de Francisco Amaral131, é medida que se
impõe a necessidade de certeza e segurança nas relações jurídicas, com ordem e paz na
sociedade. Para toda atuação do Estado, faz-se mister revelar o verdadeiro interesse
camuflado nos vínculos, seja este o interesse social, de determinado grupo ou corporação ou
apenas individual, sem contudo, adentrar nas questões jurídicas propriamente ditas, que mais
ensejam divergências.
É medida que se impõe a averiguação dos argumentos que circundam a esfera da
extinção dos direitos pelo decurso do tempo, uma vez que não é circunstância conveniente a
exposição longínqua das relações jurídicas. Neste sentido, cabe brilhantemente a explicação
de Hugo de Brito Machado132:
Não seria razoável admitir que as relações jurídicas permanecessem todas elas
expostas a questionamentos por tempo indeterminado. A possibilidade de
questionamento, a qualquer tempo, de uma relação jurídica, aumentaria de modo
insuportável a insegurança. Necessária, portanto, mostra-se a estabilização das
relações jurídicas, a consolidação destas com o passar do tempo, como forma de
realização do princípio da segurança.
A partir deste interesse inerente à estrutura lógica de caráter jurídico que se perfaz a
decadência. Ou seja, fundamenta-se a decadência na premência da segurança jurídica e
liquidez de seus instrumentos.
Segundo Amaral133 ―a decadência é a perda do direito potestativo pela inércia do seu
titular no período determinado em lei, traduzindo, portanto, em uma limitação que a lei
estabelece para o exercício de um direito.‖
131
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6. ed. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2006. p.
567.
132
MACHADO, Hugo de Brito. Decadência e prescrição no direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. In: Curso de direito tributário. SILVA, Ives Gandra da (Coord.). 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 217-285. p. 219.
133
AMARAL, op.cit., p. 567.
51
Veja-se, o aspecto destacável da decadência se consubstancia pela vontade
reconhecida em lei de matéria de direito disponível, não sendo, de plano, suscetível de
oposição, como meio de defesa.134
Hugo de Brito, incansavelmente sábio em suas colocações, enfatiza o posicionamento
supracitado ao demonstrar que existe estrita e clara distinção entre os institutos da decadência
e da prescrição, destacando que o primeiro decorre do próprio direito material, enquanto a
segunda inviabiliza a progressividade normal da ação. Em suas colocações, a decadência
atinge diretamente a natureza do direito material e a prescrição afeta indiretamente.135
Em se tratando da relação tributária propriamente dita, o lançamento tributário, como
instrumento de poder-dever da administração, responde aos efeitos do direito potestativo, uma
vez que sua execução não interfere, nem é interferida por qualquer tipo de colaboração alheia.
Por isso, o lançamento, como meio eficaz de constituição do crédito tributário, nos termos do
Código Tributário Nacional, atende aos preceitos da decadência, quando os prazos prescritos
em lei não são amparados pela Fazenda Pública, que consequentemente não usufruirá deste
direito em momento posterior.
Oportunamente, é razão adequada a dilação deste tópico, uma vez que o CTN, em seu
art. 173 desdobra tal circunstância temporal de maneira mais abrangente, pois são constatados
dois marcos de análise fundamental do prazo decadencial. Remete o artigo que a contagem do
prazo será observada a partir do momento em que se efetivar o lançamento e a partir do
primeiro dia subsequente àquele que deveria ter sido feito. E mais, surge para tanto, em
melhor análise, um terceiro aspecto decadencial, regido pelo parágrafo único do mesmo artigo
que expõe ―da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela
notificação, ao sujeito passivo (...)‖.136
Em contraponto às exposições constantes no CTN, colaciona-se que tais considerações
hoje vigentes vão de encontro às teses defendidas por Paulo de Barros Carvalho137 e maioria
da doutrina tributarista, que asseguram que tal diploma, no que concerne à decadência,
infringiu princípios basilares da caracterização deste instituto. Ora, imprescindível se atentar
para o fato de que existe forte diferenciação entre ―decadência do direito de crédito‖ e
134
CASTRO, 1984 apud AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2006. p. 568.
135
MACHADO, Hugo de Brito. Decadência e prescrição no direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. In: Curso de direito tributário. SILVA, Ives Gandra da (Coord.). 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 217-285. p. 219.
136
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.Art. 128. Art. 173, parágrafo único.
137
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 538.
52
―decadência do direito de constituir o crédito‖, o que não foi assinalado pelo legislador
ordinário.
E ainda, ajustou-se na jurisprudência dominante orientação ainda mais eloquente, de
difícil conciliação com a norma vigente, como assim dispõe diversos estudiosos. Expressa é a
determinação que afugenta preceitos principiológicos, como assim aplicam Excelentíssimos
Ministros do Supremo Tribunal Federal.138
Não obstante a lucidez nos debates realizados por esta Suprema Corte em razão de sua
importante atuação no Estado democrático de direito, a tese aqui levantada não encontrou,
data vênia, merecimento jurídico diante das omissões normatizadas pelo art. 173 do CTN
quanto ao prazo decadencial. Assim, também, prevê ensinamentos de Hugo de Brito
Machado, que contempla o presente paradigma, dentre outros, exemplo de ―insuficiência
jurídica, sem qualquer explicação plausível para o albergue do acórdão em questão‖.139
A razão para esta discussão encontra respaldo na incoerência praticada pelo legislador
que incluiu o instituto da decadência no rol de causas extintivas do crédito tributário. Ora, é
cediço que o prazo decadencial é óbice para o nascimento do crédito tributário, todavia, o
CTN apoiou-se na sistemática de que a decadência extingue circunstância que ela própria
impediu que fosse gerada.
Ao bom agrado da doutrina140, mostrar-se-ia mais plausível inserir a decadência entre
as causas de exclusão do crédito tributário, justificando didática adotada, sem, portanto,
contradizer dispositivos legais. A par disto, o instituto da decadência é forma de extinção do
crédito, conforme numeração imposta pelo Código Tributário Nacional.
Quanto ao prazo de contagem, surge para tanto outro ponto controverso, talvez o mais
relevante sobre a questão: a delimitação da decadência corresponde ao prazo quinquenal
(cinco anos), assim prevista no art. 173, do CTN. Não obstante este dado, o Código autoriza
outras três maneiras de contagem, atribuindo ao prazo de cinco anos apenas uma ―base‖,
como regra geral. Desta feita, são analisados como aspecto para contagem do prazo
decadencial a antecipação de contagem, a interrupção da decadência e o lançamento por
homologação, além da regra geral anteriormente citada.
A regra geral está contemplada no inciso I do art. 173 do Código Tributário Nacional,
segundo o qual a contagem do prazo de cinco anos para a constituição do crédito pela
138
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ERE. 94.462-1/SP, Plenário. RTJ, n. 106, p. 263.
MACHADO, Hugo de Brito. Decadência e prescrição no direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. In: Curso de direito tributário. SILVA, Ives Gandra da (Coord.). 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 217-285. p. 231
140
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 457.
139
53
Fazenda Pública se inicia a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o
lançamento deveria te sido concretizado. Atenta-se para o fato, nesta situação específica, que
o prazo para ocorrer o lançamento começa posteriormente ao momento do direito de lançar,
visto que o CTN conferiu ao Fisco um prazo razoável para o conhecimento do fato gerador.
Já no parágrafo único do art. 173 do CTN, restou contemplado o prazo extintivo
definitivamente iniciado com o decurso do período de cinco anos, contados a partir da data
em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito
passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
Explica Ricardo Alexandre141 que este tipo de prazo decadencial se aplica nas
situações em que, durante o interstício temporal, compreendido entre o fato gerador e o início
da fluência do prazo decadencial, a Administração Fazendária adota medida preparatória para
o lançamento. Ou seja, antes de chegar o dia inicial do exercício seguinte àquele em que o
lançamento poderia ter sido realizado, a Administração Tributária inicia procedimento de
fiscalização relativo ao fato.
Quanto a este tipo de contagem decadencial, é unânime o entendimento de que seus
efeitos não causam interferência na contagem de prazo que já foi iniciada, uma vez que possui
a finalidade somente de antecipar a contagem do referido prazo.
De acordo com o inciso II, do art. 173 do CTN, o direito de proceder ao lançamento
extingue-se em cinco anos, contado da data em que se tornar definitiva a decisão que houver
anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. A esta regra se enquadra o
caso de ―interrupção‖ da decadência. A justificativa deste tipo de contagem tem respaldo nas
possíveis ilegalidades cometidas na atividade de lançamento, atribuindo como consequência a
devolução do prazo para que se constitua novo crédito.
São fluentes as discussões em relação a esta interrupção por motivo de anulação do
lançamento, já que diversas outras soluções também seriam viabilizadas para estes casos. No
entanto, claramente o CTN atendeu aos deleites da Fazenda Pública e considerou necessária a
devolução integral do prazo para tais situações.
A sistemática doutrinária em estabelecer se a disposição do inciso II do art. 173 tratase de interrupção ou meramente concessão de um novo prazo independente não é finalidade
específica desta pesquisa, o que demonstra ser mais adequada sua análise aprofundada em
momento oportuno142. Conclui-se, apenas, que os ditames legais consideram a regra de
141
142
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 459.
Cf. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. 716 p.
54
anulação de ato de lançamento por vício formal como forma de interrupção do prazo
decadencial, favorecido o órgão fiscal.
Em relação à outra hipótese de contagem de prazo decadencial – lançamento por
homologação – previsto pelo código, merece destaque em capítulo próprio, uma vez que é
objeto crucial desta presente didática, importando em aguardar considerações sistemáticas
posteriormente.
Finalmente, seja como for utilizado e adequado aos casos concretos às hipóteses de
contagem de prazo decadencial, sobrevindo esta circunstância, desaparece o direito subjetivo
de exigir a prestação tributária e, em contrapartida, também se extingue o débito do sujeito
passivo, desvinculando-se do laço obrigacional.143
2.4.4.2 Prescrição
Superados os alicerces controversos e expositivos que se sobrepõem aos conceitos do
instituto da decadência, dirige-se a partir de então para a análise de outro elemento jurídico
constante na relação tributária: a prescrição. Com a densa explicação a cerca da decadência, é
possível estabelecer conexão sistemática com o objeto e a finalidade da prescrição para o
cenário tributarista.
O Código Civil de 2002 estabelece de forma condizente o conceito de prescrição.
Prescreve a norma que ―trata-se de perda da pretensão em virtude da inércia do seu titular no
prazo fixado em lei‖ 144. Ora, observe que se trata de uma medida assecuratória que o sistema
jurídico dispõe para a eficácia da procedimentalidade casuística.
Contudo, é necessária cautela na configuração da prescrição, já que sua convalidação
se efetiva com a extinção da pretensão de exigibilidade, bem como não há o que relacionar
―direito subjetivo pessoal‖ com a delimitação prescricional eventualmente ocorrida na relação
jurídica. De modo genérico, a prescrição se amolda aos ―direitos subjetivos patrimoniais‖,
principalmente no que confere às obrigações em sentido técnico.145
A caracterização da prescrição se perfaz no cumprimento didático de alguns aspectos
peculiares a este instituto, pelo qual a reunião de tais elementos configura, de maneira lógica,
a prática deste fenômeno. A prescrição é reconhecida quando um direito subjetivo é lesado,
143
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 539.
BRASIL. Código Civil, 2002. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. art. 189.
145
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6. ed. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2006. p.
566.
144
55
surgindo à pretensão de ressarcimento; quando o cumprimento do respectivo dever ou
ressarcimento não é exigido, ou ainda; quando há o decurso do prazo conferido pela lei para
tal ato.146
Em obediência ao princípio da finalidade, a prescrição afasta de sua amplitude a
insatisfação da certeza jurídica. Neste sentido, a prescrição é justificada para atingir a paz, a
ordem, segurança e exigibilidade jurídica, conferindo ao processo legal concretização das
decisões e executoriedade imediata às lides.
Debatida a questão civilista do instituto peremptório, passa-se agora para a análise do
instituto em um contexto mais específico, dirigido a atender às relações jurídicas de Direito
Tributário. Desta forma, acompanhando a legislação civil, o Código Tributário Nacional
adotou o mesmo parâmetro conceitual ao descrever a prescrição em seu dispositivo. E mais,
organiza no art. 174 deste diploma que ―a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve
em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.‖
Em destaque ao enunciado acima relatado, percebe-se que a leitura do artigo merece
interpretação mais sistemática, uma vez que não somente a ação executiva fiscal é ampara
pelo prazo prescricional, mas o próprio CTN, em seu art. 156, V, dispõe que a prescrição
atingirá, também, o crédito tributário e o direito material tributário.
As indagações sobre a real diferenciação entre a decadência e a prescrição sempre
tomaram parte dos discursos e seminários acadêmicos em matéria tributária. Não obstante
calorosos debates, é refutável que tal assunto ainda inspire controvérsias, uma vez que já se
consolidou a diversificação entre os institutos.
No melhor dos fundamentos, Hugo de Brito Machado realça congruentemente a
diferença entre a decadência e a prescrição e se baseia, principalmente, no disposto do art. 174
do CTN. Em suas palavras, a prescrição não necessariamente se manifesta de forma contínua,
podendo haver interrupção ou suspensão em seu lapso temporal, diversamente do que ocorre
com o período decadencial.147
O embate que ainda provoca inquietações entre os renomados tributaristas gira em
torno do início do lapso prescricional. A que tempo exatamente o crédito tributário estará
passível de prazo quinquenal se sustenta como objeto dos mais alongados julgamentos nos
tribunais superiores, já que a leitura do código possibilita interpretações nas mais variadas
formas.
146
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6. ed. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2006. p.
566.
147
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 237.
56
Existe corrente que apoia a tese de que o lapso temporal se inicia no instante em que
ocorre a notificação pela Fazenda Pública ao sujeito passivo para realizar pagamento do
crédito, mesmo que pendente recurso ou defesa. A argumentação é sentido de que já se
constituiu o crédito tributário definitivamente. A pendência recursal apenas suspenderia o
prazo de prescrição.
Na linha jurisprudencial, este entendimento prevaleceu corroborando que a prescrição
somente se iniciará quando a constituição do crédito for plenamente satisfeita, pois é a partir
deste fato de publicidade (intimação) que surge para o sujeito passivo a obrigatoriedade do
pagamento do crédito tributário.148 Assim configura o art. 174 do Código Tributário.
Para isto cuidou o CTN, ao descrever delimitadamente as hipóteses de interrupção e
suspensão do prazo de prescrição, moldando a cada situação a aplicação adequada a ser
aplicada. No discorrer do art. 174 aparecem as causas de interrupção e suspensão da
prescrição, tais como o despacho que ordena a citação pessoal feita ao devedor (alterado pela
LC 118/2005), protesto judicial, ato judicial que constitua em mora o devedor, entre outras.
Cumpre ressaltar que a interrupção interfere na continuidade do prazo de forma que
este volta a ser contado do início, quando presente algumas das hipóteses do art. 174 do CTN.
Já a suspensão prescricional paralisa o curso do prazo enquanto perdurar a causa suspensiva,
voltando a fluir no momento em que cessar tal fato.149
Outro cuidado especial deve se ter quanto ao lançamento por homologação, que não
obedece a lógica até então exposta, já que seu prazo de prescrição começa a fluir a partir da
ocorrência do fato. Mas este aspecto merece fundamento mais apropriado em capítulo
próprio, a ser debatido posteriormente, já que entendimentos divergentes têm sido
consolidados nas cortes judiciais. Em relação à dogmática sobre a exigibilidade do crédito, a
prescrição, neste ponto, atinge a exigibilidade e não o crédito literalmente falando.
Imperioso destacar que a legislação faz menção à chamada ―prescrição intercorrente‖,
que se consubstancia após a propositura da ação. Sua base reside nos arts. 174 e 40, § 4º da
Lei nº. 6.830/80, alterada pela Lei nº. 11.051/04. Entretanto, o juiz diante de tal prazo deve ter
cautela, pois surgem duas formas de decisão neste caso: acolher a prescrição intercorrente ou
determinar o arquivamento do processo, com base no CPC. Geralmente, o caminho mais
148
149
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 237/8.
Ibid., p. 237.
57
eficaz e adequado é a aplicação de precedente do STJ, que inclusive, dispõe de súmula a cerca
do tema.150
150
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n.º 106. Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a
demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição
de prescrição. apud CASSONE, Vittorio. Direito Tributário: Fundamentos constitucionais da tributação,
definição de tributos e suas espécies, conceito e classificação dos impostos, doutrina, prática e jurisprudência.
21. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 191/2.
58
3
O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR N. 118 DE 9 DE FEVEREIRO DE
2005.
Ao ser editada, a Lei n. 11.101/2005151, que ficou caracterizada como nova ―Lei de
Falências‖, regulamentando “a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário
e da sociedade empresária‖, trazendo inovações na criação dos regimes destes institutos.
Extinguiu o procedimento da concordata e ofereceu vias mais adequadas e eficazes para o
empresário e para a sociedade empresária, no que tange a solução das celeumas econômicofinanceiras, procurou inovar no processo falimentar vigente e, desde então, interferiu,
também, nos liames do sistema tributário nacional. As modificações se realizaram de modo
efetivo, necessitando, contudo, de adequação por parte do Código Tributário Nacional, uma
vez que as diversas alterações ocorridas tenderam a criar novos institutos e extinguir ouros
procedimentos, a fim de que a nova lei de falências não encontrasse barreiras e controvérsias
em função da aplicação do diploma tributário.
Desta feita, houve a adaptação sistemática por meio da publicação da Lei
Complementar n. 118, que reviu os conceitos do CTN e os integrou ao novo texto legal
falimentar, de modo a facilitar a aplicação dos atuais procedimentos junto aos empresários e
às sociedades empresárias.
3.1
FINALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005
Não obstante o aprimoramento do procedimento de falências, recuperação judicial e
extrajudicial, a LC 118/ 2005 revelou ditames que em nada se relacionam com a nova lei de
falências, gerando, para tanto, discussões quanto à sua aplicabilidade. De fato, grande parte de
seu conteúdo é destinado a atender às questões correlatas à Lei n. 11.101/2005, mas percebese, que tantos outros aspectos, especificamente tributários, foram abordados, como bem
expõe, por exemplo, o art. 3º da LC 118/2005, um dos objetos de pesquisa deste presente
trabalho.
151
MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Comentários à Lei Complementar n. 118/2005. 12. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. In: Curso de direito tributário. SILVA, Ives Gandra da (Coord.). 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 1247-1263. p. 1263.
59
Diante destas considerações é medida que se impõe a explicação sobre a efetividade da
legislação tributária e a exposição sistemática dos argumentos controversos que giram em
torno dos dispositivos da LC 118, já que esta possui cunho meramente interpretativo, mas que
ainda sim implicou inovações na aplicação de preceitos até então regulados pelo CTN.
3.2
LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA.
O sistema tributário nacional está intrinsecamente consubstanciado nas premissas e
disposições da Constituição Federal de 1988. De longe, a Carta Magna brasileira é a mais
específica e detalhada no que confere aos ditames tributaristas, visto que todos os princípios e
as regras estão amplamente inseridos na Constituição.
Este comportamento se diferiu do adotado por países europeus e pelo EUA, que
preferiram cuidar da tributação de forma esparsa e menos categórica, transferindo tal
competência preceitual às situações descentralizadas.152
3.2.1 Direito Tributário e Constituição Federal.
O amparo devidamente exposto pela matriz legislativa confere ao Direito Tributário
maior segurança quanto à sua aplicação, desenvolvendo efetividade e vinculação aos entes
públicos, que compõem a esfera legislativa, executiva e judiciária. É por isso que a
programação constitucional das diretrizes, normas gerais, previsões, implícitas e explícitas,
geram maior amplitude e responsabilização quanto a eficácia dos atos praticados em matéria
tributária, quando praticados sem observância da Lei Maior.
A significante receptividade atribuída à Lei 5.172/66 em relação à Constituição
Federal proporcionou validade consubstancial das disposições ali dispostas anteriormente à
promulgação desta última, constituindo aplicabilidade e, mais ainda, efetividade aos
princípios da ―economia legislativa e da recepção‖.
Pois bem, não se deve esquivar da benevolência legislativa gerada pelas considerações
constitucionais em relação ao Código Tributário Nacional, muito porque este instrumento
assegurou legitimidade jurídica ainda mais eficaz, configurando uma estrutura normativa
capaz de assegurar a implementação nas diversas entidades federativas. Veja-se, portanto, que
152
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.47.
60
o papel precípuo da Constituição de 1988 foi determinar um ―Sistema Tributário Nacional‖ e
as ―rédeas‖ pelas quais as normas gerais seriam guiadas, a fim de se atingir a finalidade social
da lei.
3.2.2 A lei complementar no Sistema Tributário Nacional.
Por determinação expressa da Constituição Federal de 1988, as leis complementares
observarão processo legislativo específico, com aprovação por maioria absoluta (art.69,
CF/88), dispondo de matéria estritamente colacionada pelo diploma maior, complementando
características normativas e operacionalizando comandos constitucionais.
No que tange ao universo tributário, a lei complementar acentua as mesmas
características conferidas pela Constituição, realizando objetivo interligado às predisposições
necessárias para a adequada aplicação da legislação tributária.
São categoricamente delimitadas as pontuações as quais a lei complementar tributária
se compromete a dispor. Estas, por sua vez, decorrem de funções capazes de aprimorar o
liame tributário, satisfazendo necessidades e interesses em proveniência ao Sistema Tributário
Nacional, consubstanciado pela Lei Maior. Neste sentido, a Constituição, no seu art. 146 e na
EC nº. 42/03, bem assevera que a lei complementar cuidará de: a) emitir normas gerais de
Direito Tributário; b) dirimir conflitos de competência; c) regular as limitações ao poder de
tributar; d) fazer atuar certos ditames constitucionais.
A característica da implementação da legislação tributária por leis complementares de
âmbito constitucional enfatizam a dinâmica da relação jurídica tributária, principalmente no
que confere à ―concorrência tributária‖ entre os entes políticos,153 que se perfaz na
integralização de fatores capazes de beneficiar as relações obrigacionais de natureza
tributária. Como brilhantemente assevera o advogado Sacha Calmon, a análise minuciosa da
lei complementar calcada no texto constitucional pelo art. 146 e pela EC nº. 42/03 ultrapassa
os ditames da mera função atributiva de complementar as normas de eficácia contida,
originando uma maior aplicabilidade à lei, que se utiliza de instrumentos capazes de oferecer
incentivos fiscais e incentivos econômicos.154
Diante de tais explanações, configura-se medida imensurável o manejo de leis
complementares no Sistema Tributário brasileiro, equalizando uma atuação incontestável do
153
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.110/111.
154
Ibid., p.111.
61
legislador originário, uma vez que assegurou legitimidade e adequação na infra-estrutura
fiscal e econômica, ampliando as delimitações das normas de eficácia contida. Logo, os
objetos da lei complementar de natureza tributária concretizam o planejamento fiscal, como
bem merecem os incentivos que geram efeitos nas relações jurídicas dos contribuintes.
3.3
AS LEIS INTERPRETATIVAS E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Os imensuráveis preceitos e princípios que compõem a dinâmica jurídica, sejam estes
explícitos ou implícitos, se concretizam de forma claramente, mas divergentes entre si, em
virtude das intensas mudanças no plano da existência jurídica, as quais necessitam de
aplicabilidade.
Esta aplicabilidade é materializada pela normatização dos fatos, que constantemente
passam por procedimentos de atualizações, adequação e suprimentos, a fim de melhor cogitar
a observância estrita da lei.
O ―maquinário‖ legislativo responsável pela procedimentalidade supracitada é
provocado a partir do momento em que esta materialização é insurgida, se perfazendo, desde
então, em uma tarefa difícil, principalmente ao operador da norma, que deverá
incansavelmente dispor da finalidade da norma que asseguram a segurança e a certeza
jurídica.
É cediço que os preceitos jurídicos nem sempre são claros e precisos, revelando
ambiguidades e imperfeições, primando por redação defeituosa, omissões e contradição entre
diplomas ou dispositivos vigentes, especialmente porque se origina da atuação humana.155
Destarte, a elaboração pelo Poder Legislativo competente do sistema normativo
necessariamente consiste em guardar coesão e coerência com os ditames válidos e manter
relação com os preceitos constitucionais, em uma completa compatibilização eficaz.
Carlos Maximiliano156 enfatiza que é imprescindível a possibilidade de interpretação
da lei para fins de ideal adequação no convívio social, no entanto, é criterioso ao afirmar que
esta interpretação não pode ensejar na banalização do texto jurídico, invertendo conceitos até
então sensatos. Para o doutrinador, deve se ter cuidado com o dogma axiológico in claris
155
Cf. MELO, José Eduardo Soares de. Interpretação e Integração da Legislação Tributária. 12. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. In: Curso de direito tributário. SILVA, Ives Gandra da (Coord.). 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. 1263 p. p. 161-187.
156
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. In:
Curso de direito tributário. SILVA, Ives Gandra da (Coord.). 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 1263 p. p.
163.
62
cessat interpretatio (disposições claras não comportam interpretação), já que a denominação
―clareza‖ possui natureza relativa: o que a um parece evidente, antolha-se obscuro e dúbio a
outro, por ser este menos atilado e culto, ou por examinar o texto sob um prisma diferente ou
diversa orientação. No mesmo sentido, de maneira ainda mais delimitada, Amaro157 entende
que todas as leis precisam ser interpretadas, independentemente de o seu texto apresentar
eventual obscuridade, restando, pois, superado o brocardo suprareferido.
No Código Tributário Nacional, a interpretação (lato sensu) da legislação tributária é
calcada em um sistema abrangente, consubstanciado pelas noções de interpretação (sentido
estrito) e de integração. A interpretação consiste em adequar as normas aos fatos ocorridos e
aplicá-las de maneira condizente com o convívio e realidade social; já a integração se
aperfeiçoa diante da presença de omissões ou lacunas da norma, pela qual se busca preencher
este vácuo com as possibilidades determináveis pela LICC e pelo próprio CTN (art. 108). No
entanto, não se pode olvidar que cada um destes instrumentos não se materializa de maneira
independente, ou seja, o processo de integração pressupõe o de interpretação, para fins de
afastar o manejo de tais instrumentos à margem do sistema jurídico.
Com a finalidade de esclarecer e detalhar dispositivos já preexistentes, o Código
Tributário Nacional assimilou a possibilidade de inserir em seu sistema leis interpretativas,
suscetíveis, inclusive, de retroatividade no ordenamento jurídico. A interpretação ―pura‖,
realizada por edição do legislador, tornaria viável a aplicação remota da lei, salvo quando
aplicável sanção ou penalidade à infração dos dispositivos interpretados (CTN, art. 106, I).
3.3.1 Retroatividade das chamadas leis interpretativas.
A abertura no ordenamento jurídico tributário para a eficácia das leis interpretativas e
sua repercussão nas normas já existentes tornou-se tema bastante difundido entre o meio
acadêmico e doutrinário. Vislumbra-se que o diploma tributarista não se atentou para a
celeuma que tal repercussão causaria quando analisadas ditadamente as leis interpretativas em
relação à sua retroatividade ou não. Neste sentido, a doutrina esclarece que é inviável a
conciliação da retroatividade da lei interpretativa com o princípio constitucional da
irretroatividade, já que para esta foi-lhe dado caráter meramente explanador, sem
necessariamente inovar no ordenamento.
157
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 231.
63
Paulo de Barros Carvalho defende que ―as leis interpretativas exibem um traço bem
peculiar (...) circunscrevendo seus objetivos ao esclarecimento de dúvidas‖. Aliomar Baleeiro
somente aceita ser possível a lei ―realmente‖ interpretativa. Complementando este raciocínio,
Eduardo Marcial Ferreira Jardim ressalva que a lei interpretativa ―tão somente explicita
mandamentos fluidos ou vagos ou mesmo obscuros‖. De outro modo, para Luciano Amaro,
mesmo na existência das leis interpretativas, que não ―surpreendem‖ as disposições legais, os
efeitos das leis retroativas serão aplicados a estas, se tornando ―inúteis‖.158
A discussão se torna contumaz quando surge a expectativa da lei interpretativa apenas
―clarear‖ as descrições dispostas na lei. Isto porque é de difícil assimilação o fato de uma
norma apenas esclarecer outra norma, sem, contudo, modificá-la; é possível, mas
imprescindível uma cautela quanto à exegese mensurada.
Com efeito, a chamada ―lei interpretativa‖, quando consegue ―apenas‖ detalhar e
explicar a outra lei afetada, em nada legitima a ocorrência da retroação, já que os efeitos ali
foram nulos, pois nenhum aspecto legal foi alterado para que nova aplicação fosse feita. De
outro modo, quando traz em seu bojo uma inovação jurídica, neste caso há o que se falar em
retroação da norma, com as consequências ali provocadas.
Por isso a difusão do embate entre a possibilidade da retroatividade da lei
interpretativa. É necessário que se tal instrumento normativo atenda às premissas analíticas
para a aplicação da retratação dos efeitos gerados. Óbvio que a didática não é tão simples: ou
a lei atual confere ao preceito interpretado o mesmo núcleo semântico inferido pelo operador
do direito, sendo os efeitos desta inócua, ou não, quando a partir de então será inoperante, já
que será retroativa.
Baleeiro159 brilhantemente fundamenta o porquê das razões das controvérsias inerentes
da edição da chamada lei interpretativa. Para o ministro aposentado do STF, é preciso
verificar se a lei interpretativa se perfaz de maneira inovadora, se tornando, desta feita, uma
lei nova. Neste sentido, confira suas argumentações:
(...) lei que interpreta outra há de ser retroativa (...) no sentido que espanca as
obscuridades e ambiguidades. Mas contaminar-se-á de inconstitucionalidade se, em
matéria fiscal, criar tributos, penas, ônus ou vexames que não resultavam expressa e
implicitamente do texto interpretado. Tais inovações só alcançam o futuro.
Em contrapartida, Amaro, apoiado pelo primordial enfoque de Roque Carrazza e
Pontes de Miranda, leciona que é importante uma visão minuciosa para apurar estas
considerações, já que se atentará tanto ao fato da lei interpretativa se caracterizar como a
158
159
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 541 p.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p. 670.
64
substituição retroativa do dispositivo obscuro da norma anterior pelo dispositivo esclarecido
da lei atual, quanto ao fato da lei interpretativa ser considerada como uma determinação ao
aplicador do ato normativo para que julgue a sua aplicabilidade ou não diante dos novos
rumos definidos, uma vez que em ambas as situações os efeitos sujeitos às leis retroativas
serão aplicáveis a lei tida como interpretativa, pois esta é consubstancialmente uma lei
nova.160
A Lei Complementar n. 118 de 2005, objeto de estudo deste presente trabalho, traz e
sua estrutura normativa a expressão ―lei interpretativa‖, no que tange ao dispositivo do inciso
I do art. 168 do CTN. O art. 3º dessa norma complementar o caráter interpretativo a este
referido inciso; por sua vez, o art. 4º da LC 118/2005 indica que o artigo anterior seja
remetido ao que dispõe o art. 106, I, do Código Tributário.
Pode saltar aos olhos que o Poder Judiciário somente aplicará a retroatividade da lei
considerada como interpretativa se considerar que, anteriormente à Lei Complementar n.
118/2005, a interpretação mais benéfica já era aplicada em face da concedida por esta nova
norma, entretanto, é de salientar maior sensatez nas assimilações aqui proferidas já que tantos
outros aspectos foram nitidamente apresentados de maneira controvertida, tais como os prazos
extintivos da restituição de débito nos tributos lançados por homologação, os quais serão
amplamente abordados em tópico específico.
3.4
A LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005 E A DENOMINAÇÃO COMO LEI
INTERPRETATIVA.
A Lei Complementar n. 118, publicada no Diário Oficial de 09/02/2005, alterou
alguns dispositivos do Código Tributário Nacional. Os aspectos pontuais abordados por esta
lei complementar referem-se, de forma quase totalitária, a temas referentes àqueles regulados
pela nova ‗Lei de Falências‘ (Lei n. 11.101/2005, publicada no DOU da mesma data), tendo
ambos os projetos tramitados conjuntamente no Congresso Nacional.
De fato, o art. 3º da LC 118/2005 regulou questão que não remete qualquer inferência
com a Lei n. 11.101/2005. Senão, veja-se seu texto legal:
Art. 3°. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei n. 5.172, de 25 de
outubro de 1966 — Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário
ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do
pagamento antecipado de que trata o § 1° do art. 150 da referida Lei.
160
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 228.
65
O artigo 4° do diploma supracitado (LC 118/2005), por sua vez, determina que a
mesma entre em vigor cento e vinte dias após sua publicação, ―observado, quanto ao art. 3°, o
disposto no art. 106, inciso I, da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN)‖.
Visualiza-se que, ao invés de modificar a redação do artigo 168, I, do Código
Tributário Nacional, tratou-se de ‗interpretá-lo‘ no sentido de que a extinção do crédito
tributário, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, aconteceria no
instante do pagamento antecipado (de modo que começaria a fluir desde então o prazo para
pleitear a respectiva devolução, esgotando-se em 5 anos) e não quando de sua efetiva
homologação (hipótese em que o prazo prescricional se iniciaria apenas a partir desta,
totalizando 10 anos nos casos de homologação tácita).161
A existência de leis interpretativas no ordenamento tributário realça a análise da
dimensão que a edição da LC 118/2005 proporcionou, já que se buscou a tentativa de
regulamentar de maneira interpretativa o disposto no CTN sobre o instante em que se inicia o
prazo de contagem para a extinção do crédito tributário. A divergência prolixada para a
questão da LC 118/2005 se consubstancia no fato de as leis interpretativas não serem
asseguradas de retroatividade, uma vez que não têm caráter de alterar ou criar normatizações,
mas apenas interpretar e dar maior dinamismo a uma lei já existente.162
Neste aspecto, vários juristas se comprometem a analisar a edição da LC 118, visto
que, ao contrário do que sua finalidade pressupõe, ela trouxe inovação ao ordenamento
jurídico. Não há o que se falar em extinção do crédito a partir da homologação ou do aceite
tácito do lançamento, mas do pagamento antecipado do tributo. Ou seja, houve uma
implementação ao art. 150, § 1º do CTN. Observa-se que é necessária uma interpretação
extensiva atribuída ao art. 3º da referida lei, pela qual revela que as competências dos entes
federados não se dão de forma absoluta, assim como a norma interpretativa não tem o condão
apenas de regulamentar. Visualiza-se que a expectativa alcançada por esta lei ultrapassa os
benefícios do contribuinte, uma vez que a delimitação temporal do prazo prescricional e seu
161
162
FUX, Luiz. Do prazo prescricional para o exercício do direito de o contribuinte pleitear a
compensação/repetição do indébito referente a tributos sujeitos a lançamento por homologação:
manutenção da cognominada tese jurisprudencial dos “cinco mais cinco” a despeito do advento da Lei
Complementar n. 118/2005. BDJur, Brasília, DF, 27 maio 2008. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/17128>. Acesso em 07 jun 2010.
VIANA, Daiane Maria Oliveira. Lançamento por homologação e extinção do crédito tributário. Revista dos
Tribunais, São Paulo, ano 96, v. 860, jun. 2007. p.37.
66
início não satisfazem ao interesse do cidadão,163 que detém, a partir da validação e disposição
da norma, de período inferior para o ajuizamento da ação de repetição de indébito.
Remete-se a Exposição de Motivos do projeto de lei complementar originário da LC
118 a assertiva de que o projeto de lei ordinária referente às falências acarretaria simultânea
modificação do Código Tributário Nacional, tendo sido ali pretendido que:
Além das normas pertinentes ao processo falimentar e de recuperação de empresas,
o projeto aqui submetido à elevada consideração de Vossa Excelência também
veicula normas interpretativas que eliminam dúvidas acerca do alcance de
dispositivos do Código Tributário Nacional, com evidentes benefícios para o
contribuinte e para a Fazenda Pública federal, estadual e municipal, especificamente
no que toca a segurança jurídica.
Ao analisar as circunstâncias que levaram à edição da Lei Complementar n. 118/2005,
Mário Luiz Oliveira da Costa164 refuta de forma memoravelmente sistemática as
perplexidades trazidas pela norma. Para este excelente doutrinador e especialista a LC
118/2005 destoou detalhes até então indiscutíveis no âmbito tributário, mostrando-se um tanto
oportuna a sua edição. Como não poderia deixar de assentar seus comentários, atenta-se a
seguir para as suas primazias:
(...) é a prova inequívoca de que a suposta interpretação do art. 168, 1, do CTN foi
incluída de forma oportunista no projeto de lei complementar que efetivamente se
fazia necessário para adequar o CTN às alterações previstas no projeto da nova lei
de falências (o qual já tramitava no Congresso Nacional), com elas não guardando
qualquer vínculo. Mais ainda, pretendeu-se dar ao dispositivo em questão roupagem
de efetiva norma interpretativa, como se realmente houvesse dúvida acerca de seu
alcance que necessitasse ser esclarecida, não tendo havido qualquer menção ao fato
de já ter sido a matéria objeto de inúmeras decisões do STJ. Como agravante,
tentou-se legitimá-lo com a falsa assertiva de que implicaria ‗evidentes benefícios
para o contribuinte‘!
Por primeiro, ao pretender externar suposta interpretação acerca de dispositivo legal
já exaustivamente apreciado pelo Poder Judiciário (com o que não mais se verificava
qualquer dúvida ou obscuridade a ser sanada), resta claro que o art. 3º da LC 118, ao
invés de encontrar fundamento de validade no art. 106, I, do CTN, acabou por
contrariá-lo frontalmente. Afinal, não mais sendo possível, muito menos necessário,
aclarar o que já fora definitivamente aclarado pelo Poder Judiciário, disto resulta
inequívoco ter havido má utilização do expediente, sem o alegado amparo do art.
106, I, do CTN por tratar-se de hipótese à qual era o mesmo manifestamente
inaplicável.
A efetiva necessidade de uma norma interpretativa para o aclaramento da matéria
envolvida é condição sine qua non para a validade de qualquer dispositivo editado
ao amparo do art. 106, I, do CTN. Ausente tal necessidade, será inexoravelmente
inválido o dispositivo que falsamente pretendera fundamentar-se na excepcional
autorização constante do Código Tributário.
163
VIANA, Daiane Maria Oliveira. Lançamento por homologação e extinção do crédito tributário. Revista dos
Tribunais, São Paulo, ano 96, v. 860, p. 18-47, jun. 2007. p. 40.
164
COSTA, Mário Luiz Oliveira da, 2005 apud FUX, Luiz. Do prazo prescricional para o exercício do direito
de o contribuinte pleitear a compensação/repetição do indébito referente a tributos sujeitos a
lançamento por homologação: manutenção da cognominada tese jurisprudencial dos “cinco mais
cinco” a despeito do advento da Lei Complementar n. 118/2005. BDJur, Brasília, DF, 27 maio 2008.
Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/17128>. Acesso em 07 jun 2010.
67
De outro lado, a tentativa de interpretação do art. 168, I, do CTN, em sentido oposto
àquele consolidado no âmbito do STJ, caracteriza abuso do poder de legislar e
desvio de finalidade do ato legislativo em questão.
Para o renomado Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux, é cediço que lei
para ser considerada interpretativa, deve assim declarar-se e não criar direito novo, sem
prejuízo de assim mesmo ter seu caráter interpretativo questionado. Ainda, desta sorte é
inequívoco que a lei interpretativa procura restaurar o melhor entendimento da norma.165
Neste sentido, para o reiterado posicionamento dos tribunais, a LC 118/2005 inovou
no ordenamento jurídico, não alcançando apenas os fins interpretativos. Por isso, como
qualquer outra lei da legislação brasileira, esta não pode ser associada aos casos pretéritos, em
função do disposto no art. 5º XXXVI da CF/88. Complementando, entende o próprio STJ que
tal lei complementar desfruta de privilégios até então não incluídos no CTN, o que corrobora
que a função legislativa atribuída ao Poder Legislativo não é absoluta, merecendo acolher a
ideia de que os poderes são independentes, mas harmônicos entre si. Esta harmonia é
justamente a possibilidade que cada poder tem de exercer sua função primária e,
supletivamente, para melhor desenvolvimento funcional, uma atividade secundária que é
inerente de outro poder federativo.166
A LC 118 poderá ser considerada interpretativa em face das oscilações
jurisprudenciais e somente se aplica a fatos pretéritos ainda não sujeitos a apreciação judicial,
quer nas instâncias inferiores, quer nos tribunais superiores, pela exegese emprestada aos
artigos 303, 462 e 517 do CPC e 105 da Constituição Federal, notadamente este na parte em
que exige o prequestionamento da matéria em única ou última instância, conforme ditames do
Pretório Excelso.167
3.5
O ALCANCE DA LEI COMPLEMENTAR N. 118/2005.
Sob o aspecto do advento da Lei Complementar n. 118/2005, os tribunais,
essencialmente o Superior Tribunal de Justiça, assentaram a magnitude eu tal diploma legal
165
FUX, Luiz. Do prazo prescricional para o exercício do direito de o contribuinte pleitear a
compensação/repetição do indébito referente a tributos sujeitos a lançamento por homologação:
manutenção da cognominada tese jurisprudencial dos “cinco mais cinco” a despeito do advento da Lei
Complementar n. 118/2005. BDJur, Brasília, DF, 27 maio 2008. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/17128>. Acesso em 25 out 2010.
166
VIANA, Daiane Maria Oliveira. Lançamento por homologação e extinção do crédito tributário. Revista dos
Tribunais, São Paulo, ano 96, v. 860, p. 18-47, jun. 2007. p. 38-39
167
FUX, op.cit.
68
regraria as relações jurídicas tributárias, apesar de sua finalidade precípua atender aos fatos de
natureza falimentar e empresarial. Neste estanque, o colendo tribunal passou a concluir que: i.
Nas ações em que se questiona a devolução (repetição ou compensação) de tributos lançados
por homologação não declarados inconstitucionais pelo STF, aplica-se a tese dos ―cinco mais
cinco‖, vale dizer, 5 (cinco) anos de prazo decadencial para consolidar o crédito tributário a
partir da homologação expressa ou tácita do lançamento e 5 (cinco) anos de prazo
prescricional para o exercício da ação; ii. Nas ações em que se questiona a devolução
(repetição
ou
compensação)
de
tributos
lançados
por
homologação
declarados
inconstitucionais pelo STF, o termo a quo da prescrição era: — a data da publicação da
resolução do Senado Federal nas hipóteses de controle difuso de constitucionalidade (EREsp
423.994/MG); e — a data do trânsito em julgado da decisão do STF que, em controle
concentrado, concluiu pela inconstitucionalidade do tributo (REsp 329.444/DF).168
Ressalta-se que tal argumentação jurisprudencial sedimentou-se em notável
pressuposto ético-fiscal, considerando o contribuinte que, pretendido em uma presunção de
legalidade e legitimidade das normas tributárias, adimplira a exação e, surpreendido com a
declaração de inconstitucionalidade difusa, promovia a ideal oportunidade de se ressarcir
daquilo que pagara de boa-fé. Induzia-se injusto impor-lhe a prescrição da data do pagamento
que fizera baseado na atuação incólume do legislador.
Em decorrência de sua mutação ideológica, a Seção de Direito Público do STJ no
período anual de 2005, uniformizou a discussão referente ao tempo prescricional/decadencial
nas relações tributárias, firmando o entendimento de que169:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÀO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
TRIBUTO
SUJEITO
A
LANÇAMENTO
POR
HOMOLOGAÇÃO.
PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.
1. Versando a lide tributo sujeito a lançamento por homologação, a prescrição da
ação de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos deve obedecer
o lapso prescricional de 5 (cinco) anos contados do término do prazo para aquela
atividade vinculada, a qual, sendo tácita, também se opera num qüinqüênio.
2. O E. STJ reafirmou a cognominada tese dos 5 (cinco) mais 5 (cinco) para a
definição do termo a quo do prazo prescricional, nas causas in foco, pela sua
Primeira Seção no julgamento do ERESP n. 435.835/SC, restando irrelevante para o
estabelecimento do termo inicial da prescrição da ação de repetição e/ou
compensação, a eventual declaração de inconstitucionalidade do tributo pelo E. STF.
3. Consequentemente, o prazo prescricional para a repetição ou compensação dos
tributos sujeitos a lançamento por homologação começa a fluir decorridos 5 (cinco)
168
FUX, Luiz. Do prazo prescricional para o exercício do direito de o contribuinte pleitear a
compensação/repetição do indébito referente a tributos sujeitos a lançamento por homologação:
manutenção da cognominada tese jurisprudencial dos “cinco mais cinco” a despeito do advento da Lei
Complementar n. 118/2005. BDJur, Brasília, DF, 27 maio 2008. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/17128>. Acesso em 25 out 2010.
169
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RESP. 638.248/PR. 1ª Turma, Relator Min. Teori Albino
Zavascki. Julgamento 02.12.2004. DJU de 28.02.2005.
69
anos, contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais um
quinquênio computado desde o termo final do prazo atribuído ao Fisco para verificar
o quantum devido a título de tributo.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
Consolidada tal jurisprudência, em posterior proveniência de uma definição
jurisprudencial nacional e pacifica, em que estavam decorridas as inteligências atuantes no
cenário jurídico, adveio a LC 118/2005, publicada no DOU de 09/02/2005, com o escopo
expresso de ―interpretar‖ o art. 168, I, do CTN, a partir dos seus arts. 3° e 4º.
No entanto, esta implementação, considerada em sua essência como sendo
interpretativa, refuta a questão de sua aplicação imediata ou retroativa, porquanto o CTN, no
art. 106, é límpido ao admitir a sua incidência aos fatos geradores pretéritos, ressalvados os
consectários punitivos por eventual infração ao dispositivo ora aclarado e que está em pleno
vigor, posto jamais declarado inconstitucional.170
Luiz Fux171 preconiza que ―a severa perplexidade gerada pelo advento da novel lei
tantas décadas após, não a torna inconstitucional, tanto mais que, consoante reavivado, a
jurisprudência vinha oscilando, e a ratio da lei interpretativa é exatamente conceder um norte
para a adoção de regramentos dúbios‖, não impedindo que se sujeite a uma interpretação ao
crivo da própria Lei interpretativa, como visto anteriormente.
Consoante este raciocínio é que a subjugada Lei Complementar n. 118/2005 aplica-se,
tão somente, aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao veredicto judicial, pelo
que o novo ordenamento não é retroativo em razão de seu caráter interpretativo. Ressalta
excelentíssimo ministro que a lei interpretativa, como toda lei, não pode retroagir.172
Conclusivamente, observa-se que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça,
em 27.04.2005, nos autos do EREsp. n. 327.043/DF, da relatoria do Excelentíssimo Ministro
João Otávio de Noronha, novamente tratou de dirimir a lide com a jurisprudência da Corte
acerca da cognominada tese dos cinco mais cinco para a definição do termo a quo do prazo
prescricional das ações de repetição/compensação de valores indevidamente recolhidos a
título de tributo sujeito a lançamento por homologação, desde que ajuizadas até 9 de junho de
2005, tendo em vista o advento da Lei Complementar n. 118/2005.173
170
FUX, Luiz. Do prazo prescricional para o exercício do direito de o contribuinte pleitear a
compensação/repetição do indébito referente a tributos sujeitos a lançamento por homologação:
manutenção da cognominada tese jurisprudencial dos “cinco mais cinco” a despeito do advento da Lei
Complementar n. 118/2005. BDJur, Brasília, DF, 27 maio 2008. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/17128>>. Acesso em: 16 mai. 2010.
171
FUX, op.cit.
172
FUX, op.cit.
173
FUX, op.cit.
70
4
A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL NOS TRIBUTOS LANÇADOS
POR HOMOLOGAÇÃO E A LC N. 118/2005
A contagem do prazo nos tributos lançados por homologação, por sua natureza
diferenciada e específica, provoca inúmeras discussões e posicionamentos jurisprudenciais
contumazes, uma vez que o diploma tributário, representado pelo CTN, aborda um
determinado prazo prescricional, que, por sua vez, foi retificado pela Lei Complementar n.
118 de 2005. Em contrapartida, ascendeu uma celeuma, já que a jurisprudência dominante do
Superior Tribunal de Justiça havia se consubstanciado de maneira diversa ao proposto pelo
Código Tributário, no sentido de tratar a contagem do prazo para a repetição do indébito
como sendo aquele previsto na legislação somado aquele que a Fazenda Pública teria para
efetivar o lançamento, a fim de beneficiar o contribuinte.
O art. 168 do Código Tributário Nacional indica que o direito de pleitear a restituição,
nos casos dos incisos I e II do art. 165, conta-se da data da extinção do crédito tributário. Por
sua vez, o art. 156 determina que o pagamento antecipado e a homologação são causas de
extinção do crédito, senão vejamos:
Art. 156. Extinguem o crédito Tributário:
(...)
VII – o pagamento antecipado e a homologação do pagamento nos termos do
disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º
Por sua vez, expõe o art. 150 do mesmo diploma legal a cerca do lançamento por
homologação:
Art. 150 (...)
§1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o
crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.
(...)
§4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha
pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o
crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Ressalta-se que tais disposições engendraram a máquina judiciária no que tange à
interpretação destes aos casos concretos relativos ao prazo para a repetição de indébito. Desta
forma, surgiu, no melhor direito, a argumentação de que somente seria viável o início da
contagem do respectivo prazo quando a homologação do tributo tivesse se consolidado,
podendo, a partir de então, considerar o prazo previsto pelo art. 150, § 4º do CTN.
Neste diapasão, o Superior Tribunal de Justiça, enfatizando a aplicabilidade de todos
os dispositivos legais supramencionados, no que concerne aos tributos lançados por
homologação, preconizou em jurisprudência uniformizada que o termo a quo para a contagem
71
é data da homologação expressa ou tácita. Ausente homologação expressa aplicar-se-á o
referido §4º do art. 150 do CTN, que considera extinto o crédito tributário somente após o
decurso de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador. Neste sentido, colaciona-se tal
entendimento174:
―TRIBUTÁRIO – EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO – CONSUMO DE
COMBUSTÍVEL – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – DECADÊNCIA –
PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA‖.
Sendo assim, consolidando entendimento reiterado de seus excelentíssimos membros,
o STJ promoveu que o indébito pode ser repetido dentro do prazo de 10 anos, contado da
ocorrência do fato gerador, quando da ausência da homologação expressa do tributo.
Surgiu em contrapartida a este posicionamento, a edição da LC n. 118/2005, que
derrubou a jurisprudência até então consolidada nas lides referentes ao tema. Percebe-se que
ao objetivar a interpretação de disposições do Código Tributário Nacional, os arts. 3º e 4º da
lei complementar em comento acabou por rebater argumentação viabilizada pela Corte
Superior. Confira-se:
Art. 3º. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei n. 5.172, de 25 de
outubro de 1966 — Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário
ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do
pagamento antecipado de que trata o § 1° do art. 150 da referida lei.
Art. 4°. Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação,
observado, quanto ao art. 3°, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei n. 5.172, de 25
de outubro de 1966 — Código Tributário Nacional.
Ora, o advento da referida lei complementar, que transpareceu o cunho apenas
interpretativo, provocou a retomada da discussão quanto a forma de contagem dos prazos nos
tributos lançados por homologação, uma vez que modificou as decisões já prolatadas,
interferindo na segurança jurídica dos resultados judiciais.
4.1
PAGAMENTO ANTECIPADO E LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO
Nas hipóteses de submissão dos tributos ao lançamento por homologação, será
verificado, à sabedoria de todos, que o sujeito passivo apurará o montante devido e então
submeterá para apuração da Administração competente, que por ato exclusivo, efetuará a
chamada homologação, que se caracterizará como a anuência dos valores e aspectos ali
divulgados.
174
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº. 65.277/PE 1ª Turma, Relator Min. Humberto Gomes De
Barros, decisão de 07.08.1995, DJ 18.09.1995, p. 29.949, decisão por maioria.
72
Em decorrência desta série de atuações, será efetivado o ―lançamento‖, propriamente
dito. Ou seja, o ato do lançamento decorre da homologação consubstanciada pela autoridade
fiscal.
Não satisfeito com o procedimento acima disposto, o CTN invocou ao sujeito passivo
da obrigação – contribuinte – e aqui, excluem-se as demais modalidades de lançamento, o
dever de ―antecipar‖ o pagamento, uma vez que se tornou plenamente possível adimplir o
quantum tributável que ele alega ser devido, anteriormente ao processo de homologação pela
Administração Tributária.
Cumpre esclarecer, contudo, que tal pagamento antecipado, por si só, não caracteriza
as hipóteses de extinção do crédito tributário, devendo estar sincronizado com a posterior
homologação, expressa ou tácita, deste pagamento efetuado. Isto, porque, no intróito da
homologação, em tese, não há o lançamento efetivo, muito menos o crédito tributário
exigível. Em decorrência destes fatores que o art. 156, VII do Código Tributário preconiza
que serão causas de extinção do crédito tributário ―o pagamento antecipado ―e‖ a
homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º‖.
O legislador diante da possibilidade de antecipação do pagamento para determinados
tributos, remeteu ao fato do crédito ali em referência não estar ainda constituído, afastando, a
priori, o efeito constitutivo do ato de lançar. Destarte, a finalidade precípua do legislador não
alcançou todos os fatores que pudessem dar a efetiva validade ao pagamento que fosse
antecipado, tornando, na realidade, a antecipação do pagamento, pelo contribuinte, uma
espécie de encargo capaz de valorizar os fatos à vista da norma aplicável, de determinar a
matéria tributável, identificar-se como sujeito passivo, de calcular o montante devido e
adimpli-lo, anteriormente a qualquer atuação ou apuração da autoridade competente.175
A desventura proporcionada pela edição do artigo referente à antecipação do
pagamento se perfaz quando se analisa se prescinde ou não o ―lançamento‖. Pois bem, o
próprio CTN enfatiza que o lançamento decorre do ato da autoridade que, tomando ciência da
atuação praticada pelo devedor, homologa-a. A atuação em referência é o pagamento.
Questiona-se, portanto, se não seria medida mais justo o uso da terminologia ―homologação
do pagamento‖, visto a literalidade interpretativa atribuída ao diploma legal.
De outro modo, não são circunstâncias cabíveis neste presente estudo as
impropriedades de tal nomenclatura utilizada pelo CTN, ou ainda se de outra forma soaria
175
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 391.
73
melhor o fato de se ―homologar o pagamento‖ realizado antecipadamente e não o
―lançamento‖ que ali se efetuaria.
O que se mostra perspicaz é o fato de que foi possibilitado o adimplemento anterior ao
lançamento, praticado por ato unilateral do contribuinte e que, principalmente, influenciará na
contagem dos prazos de decadência e prescrição dos tributos lançados por homologação, uma
vez que o CTN preconizou que o prazo será considerado quando da ocorrência do fato
gerador; se houver pagamento de montante tributável, é porque o sujeito passivo constatou
circunstância geradora do tributo, qualquer que seja e, por consequência, capaz, assim, de se
iniciar o decurso previsto na norma.
4.2
A DECADÊNCIA NOS TRIBUTOS LANÇADOS POR HOMOLOGAÇÃO
Já restou superado que o prazo, quando consolidada a homologação por meio do
―pagamento antecipado‖ e, assim, findado o direito de realizar suposto lançamento de ofício,
é, em tese, de 5 (cinco) anos, contabilizados a partir do fato gerador176.
A priori, cumpre sinalizar determinado aspecto quanto ao pagamento antecipado, já
discutido em tópico anterior177: quando a antecipação do pagamento não é efetivada, não
haverá o lançamento por homologação, visto que não restou concretizado o objeto o qual se
homologa. Assim também sucede o entendimento de Carlos Mário da Silva Velloso ao dispor
que ―na hipótese de inexistir o pagamento antecipado, não tem lugar a homologação, pois o
art. 150, § 4º só trata de hipótese em que tenha havido aquele pagamento‖ 178. Percebe-se que
tal situação não foi apreciada pelo art. 150 do CTN, já que, em face do que dispõe o art. 149,
que trata de maneira superficial em que hipótese caberá a homologação de ofício, enquanto
presente, ainda, o direito potestativo do Fisco, o prazo a ser aplicado (nas omissões
legislativas) respeitará a regra do ar. 173.
Portanto, é de se notar, como bem analisou Amaro179, que o período de cinco anos será
observado quanto aos fatos não sujeitos ao pagamento antecipado, ―contados do primeiro dia
do exercício seguinte àquele em que (à vista da omissão do sujeito passivo) o lançamento de
ofício poderia ser feito‖. O doutrinador completa, ainda, que ―se realizado o pagamento
176
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Art. 150, § 4º.
Cf. item 4.1 deste trabalho.
178
VELLOSO, Carlos Mário da Silva, 1980 apud AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010. p. 435.
179
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 435.
177
74
antecipado, a autoridade administrativa deve, sob pena de anuência tácita, manifestar-se em
cinco anos a partir do fato gerador, procedendo ao lançamento de ofício‖
Destarte a lacuna do dispositivo legal, faz-se necessário acentuar o que reflete o § 4º
do art. 150 do CTN, que preconiza algumas ressalvas até então não analisadas. Pois bem, uma
se consubstancia em expor que o prazo de cinco anos ali firmado será considerado quando a
―lei não fixar prazo à homologação‖; outra se cristaliza no sentido de persistir casos de
simulação, fraude ou dolo, pelos quais será caracterizada a homologação ―ficta‖.
Ora, com tais considerações, é imperioso questionar se é possível a fixação livre, pela
norma tributária, de prazo diverso, seja inferior ou superior, daquele previsto no artigo
supracitado para homologação. A legislação tributária e suas vertentes normativas se
abstiveram de disponibilizar, expressamente, sobre o fato. O que se observa é que há a
tentativa de se buscar uma solução por meio de análise sistemática do caso em comento. Para
a doutrina majoritária, existe a possibilidade de a norma estabelecer somente um prazo
divergente quando de maneira inferior ao que já preexiste.180
De outro modo, quanto às situações de fraude, dolo ou simulação, surge a questão
sobre qual seria o prazo dentro do qual o Fico poderia recusar a homologação (quando
verificar que estão presentes tais vícios) e efetuar o lançamento de ofício, já que não há o que
se falar aqui em homologação tácita que trata o dispositivo em tela.181 Em relação a esta
celeuma, Amaro182 já se pronunciou, de forma brilhante, enfatizando que a aplicabilidade
mais viável é a do art. 173, I do CTN. No entanto, ele afirma que tal disposição não é a mais
sensata, senão veja-se:
Essa solução não é boa, mas continuamos não vendo outra, de lege data. A
possibilidade de o lançamento poder ser feito a qualquer tempo é repelida pela
interpretação sistemática do Código Tributário Nacional (arts. 156, V, 173, 174 e
195, parágrafo único).
(...)
Aplicar o prazo geral (5 anos, do art. 173) contado após a descoberta da prática
dolosa, fraudulenta ou simulada igualmente não satisfaz, por protrair
indefinidamente o início do lapso temporal. Assim, resta aplicar o prazo de cinco
anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento
poderia ter sido feito. Melhor seria não se ter criado a ressalva.
Outras interferências em relação à matéria também foram levantadas por demais
especialistas. Sendo assim, para melhor explanação do infortúnio, colacionam-se pareceres183:
180
Cf. AMARO, Luciano. Lançamento por homologação e decadência. Resenha tributária, Seção 1.3 –
Imposto de Renda – Comentário, São Paulo: Resenha Tributária, 1975.
181
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 435.
182
Ibid., p. 436.
183
AMARO, op. cit.
75
José Souto Maior Borges refutou as alternativas até então sugeridas, inclusive a
utilizada por Amaro (art. 173, I). A seu ver, correto seria o reconhecimento de que a
lei ordinária material pode integrar o Código Tributário Nacional (vale dizer,
preencher a lacuna desse diploma).
(...)
Se a lei ordinária não dispuser a respeito desse prazo, não poderá a doutrina fazê-lo,
atribuindo-se o exercício de uma função que incumbe só ao órgão de produção
normativa. Fala-se, até mesmo, na aplicação do art. 205 do Código Civil de 2002.
Paulo e Barros Carvalho reconhece que a regra mais condizente com o espírito do
sistema é a do art. 173, I.
Em plena concordância é a lição de Fábio Fanucchi, complementando, apenas, que
seria possível lei ordinária fixar outro prazo, maior.
Carlos Mário Velloso registrou que, mesmo havendo homologação expressa, a
verificação de dolo, fraude ou simulação ensejaria revisão de lançamento (art. 149,
VII). Porém, o Fisco teria mais cinco anos, contados da homologação expressa.
Muitas são as orientações184 quanto à contagem do prazo decadencial relativo às
vertentes suscitadas até então. Excluindo a hipótese de ausência de pagamento antecipado,
consolidando na doutrina que não haverá caracterização da homologação, a observância do
lapso temporal referente às situações que ensejam os vícios do negocio jurídico não atendem a
uma equação unânime, haja vista que uma corrente defende que o prazo terá como termo
inicial ―o exercício seguinte ao término dos cinco anos contados a partir do fato gerador, ou
seja, o Fisco teria como prazo de lançamento cinco anos depois do exercício em que
terminaria o prazo original‖. Em contrapartida, outra corrente leciona que o sistema em vigor
preconiza que o período a ser considerado é aquele do art. 173, I, logo, ―será o prazo
decadencial de cinco anos, a partir do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia
ter sido efetuado”.
Amaro185 brilhantemente operacionaliza os argumentos enfrentados, na expectativa de
demonstrar que a regra do art. 173, I é a que melhor se adéqua às benesses dos contribuintes.
Sendo assim exemplifica nos seguintes termos:
Supondo que o fato gerador ocorreu em 10 de junho de 1995, e a lei dá ao sujeito
passivo trinta dias para efetuar a ―antecipação‖ do pagamento, se, até 30 de julho de
1995, o recolhimento não tiver sido feito, ou tiver-se realizado com insuficiência,
graças a artifício do devedor (dolo, fraude, simulação), o Fisco poderia ter lançado
de ofício já no dia 31 de julho de 1995. Ou seja, o exercício em que o lançamento
poderia ter sido efetuado é o exercício de 1995, e não o ano 2000, contando-se o
prazo decadencial a partir de 1º de janeiro de 1996.
A jurisprudência por muito tempo relutou em cristalizar a situação ora ventilada,
permanecendo, ainda, na superficialidade do tema. O já extinto Tribunal Federal de Recursos
(TFR) chegou a se aproximar da resolução da questão, implantando, consequentemente, a
Súmula 219, que determinava o prazo de cinco anos, contado do primeiro dia do exercício
seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador, para o direito de constituir o crédito
184
185
Cf. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Ibid., p. 437.
76
previdenciário, se inexistente a antecipação do pagamento. No entanto, com a ascensão do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), este entendimento novamente retornou aos holofotes das
tribunas: em julgamento da 1ª turma desta corte, entenderam os Ministros ali empossados que
―a decadência relativa ao direito de constituir crédito tributário somente ocorre depois de
cinco anos, contados do exercício seguinte àquele em que se extinguiu o direito potestativo de
o Estado rever e homologar o lançamento‖ 186.
Com efeito, data venia, o posicionamento instaurado pelo Egrégio Tribunal aglutinou
fundamentos primordiais do sistema tributário do país. Haja vista o enfático diploma legal
(art. 173, que define o prazo de inicio da decadência), não restaram consubstanciadas as
colocações dos doutos ministros.
Nesta esteira, é salutar entender que se trata de prazo para lançar, devendo este ser
priorizado do início e não do final, como propõe o STJ. Portanto, demanda rever a contagem
nas regras do art. 173, I, considerando, também, a ressalva do art. 150, § 4º do CTN.
No mesmo sentido, com o fim de compreender a posição aqui defendida, não seria
juridicamente sensato e lógico a exegese do prazo estendido pelo tribunal superior, ou seja, ―a
de o prazo para o lançamento começar a correr quando já não seja mais lícito lançar‖, pois
incorreria em afronta ao principio da não contraditoriedade das normas jurídicas.187
Tanto se perfaz controverso o entendimento firmado pelo STJ, que este mesmo
tribunal, por inúmeras vezes, já se posicionou em sentido inverso188, demonstrando
equivocado em suas proclamações a cerca do tema. Ora se aplica o prazo ali consolidado189,
ora se efetua a contagem da corrente que mais se coaduna com a sistemática jurídica.190
4.3
A PRESCRIÇÃO E OS TRIBUTOS LANÇADOS POR HOMOLOGAÇÃO
Vergastada a celeuma quanto ao prazo decadencial, haja vista que o lançamento
quando efetuado respeita a sistemática deste, passa-se a mensurar a contagem temporal por
186
AMARO, Luciano. Ainda o problema dos prazos nos tributos lançáveis por homologação. In: REZENDE,
Condorcet (Org.). Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 363.
187
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 439.
188
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência no REsp 101.407/SP. 1ª Seção. Relator Min.
Humberto Gomes de Barros. Julgamento 07.04.2000. DJU 8.05. 2000.
189
Ibid., Embargos de Divergência no REsp 169.246/SP, 1ª Seção. Relator Min. Humberto Gomes de Barros.
Julgamento 18.06.2001. DJU 4.03. 2002; BRASIL. Superior tribunal de Justiça. REsp 413.343/SC, 1ª Turma.
Relator Min. Humberto Gomes de Barros. Julgamento 17.12.2002. DJU 17.02.2003.
190
Ibid., REsp 276.142/SP, 2ª Turma. Relatora Min. Eliana Calmon. Julgamento 19.11.2002. DJU 17.02.2003;
BRASIL. Superior tribunal de Justiça. REsp 289.181/MG, 2ª Turma. Relator Min. Francisco Peçanha Martins.
Julgamento 13.05.2003. DJU 30.06. 2003.
77
meio de outro prazo, caracterizado como o da prescrição, que era considerado para a
propositura da ação de cobrança do tributo que fora lançado. Neste diapasão, confere o art.
174 do Código de Processo Civil que o decurso prescricional da ação de cobrança será de 5
(cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Surge, mais uma vez, a necessária explanação quanto o que realmente se considera
―constituição definitiva‖ do crédito, já que não foi elencada pela legislação tributarista a
espécie da ―constituição provisória‖.
Amaro191 discorre que a constituição definitiva do crédito não necessariamente guarda
relação com a possibilidade de não mais ser impugnado por vias de recurso administrativo ou
judicial, mas sim, com a dogmática de concepção que é atribuída ao instituto do lançamento,
ou seja, a efetivação se consuma com a notificação do sujeito passivo a cerca do montante
devido.
Completando este raciocínio, há o respaldo na linha de pensamento de Baleeiro192, que
traduz ainda mais além que mesmo pendente de incontroversa legitimação, o lançamento
constitutivo do crédito já é por si só eficaz para o início da contagem o prazo prescricional, e
aqui destaca como já superado, que a terminologia ―constitutivo‖ é apenas em referência ao
que dispõe o CTN, já que o crédito não se legitima (somente) pelo lançamento.
A contrária sensu, Hugo de Brito Machado193, em extenso arrazoado, defende que o
lançamento do crédito somente se torna plenamente eficaz quando a possibilidade de
intervenção impugnativa não mais se torna viável pelo sujeito passivo. Neste sentido,
acompanham o autor tantos outros especialistas, tai como Bernardo Ribeiro de Moraes194,
Sacha Calmon Navarro Coêlho195 e Ricardo Lobo Torres.196
No mesmo patamar encontra-se a jurisprudência pátria, quando discorre que o
posicionamento acima enfrentado é admitido, como confere o STJ ao declarar que ―a
191
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 440/1.
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010. p.528-30.
193
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p.
144.
194
MORAES, Bernardo Ribeiro de. A decadência e a prescrição diante do crédito tributário. In: Caderno de
Pesquisas Tributárias, n. 1, São Paulo: Centro de Estudos de Extensão Universitária – Resenha Tributária,
1976, p. 51.
195
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Decadência e Prescrição. Resenha Tributária, Seção 1.3 – Imposto de
Renda – Comentário, São Paulo: Resenha Tributária, 1976. p.18 e ss.
196
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 246.
192
78
constituição definitiva do crédito tributário se dá quando não mais cabível recurso ou após o
transcurso do prazo para sua interposição, na via administrativa‖.197
No entanto, a melhor plausividade encontra-se sustentada no próprio caderno legal,
que atribui a fluência da prescrição ao fato do crédito tributário ter sido lançado, seja de forma
contestável ou não, incluindo os atos de preparação e apuração capazes de formar a atividade
administrativa consumadora.
Destarte, os efeitos do lançamento já estariam sendo
visualizados.
Não poderia se ter outra perspectiva, uma vez que antes de consubstanciada a
atividade de lançar e de apurar o quantum tributável, não há o que se aplicar a contagem
intertemporal prescritiva, mas sim a decadencial, pelo fato de ainda estar em curso a
possibilidade de se efetuar o lançamento e quando isso poderá ser feito.
É notória a infelicidade do Código Tributário Nacional em relação aos prazos
extintivos de lançamento. Como exemplo, veja-se que não conferem lógica matemática a
estruturação dos prazos quanto ao pagamento, impugnação e recursos, que geralmente
respeitam um decurso de 30 (trinta) dias em comparação aos períodos de decadência e
prescrição, que se sinalizam por entre 5 (cinco) anos.198 A discrepância é ainda mais visível
quando posto em análise os tributos sujeitos ao lançamento por homologação, já que a estes se
considera o momento pelo qual se efetuará o início da contagem: se anterior ao instante em
que se poderia ter lançado ou posterior à ocorrência do fato gerador. Neste aspecto o atual
Sistema Tributário Nacional rege o início da contagem do prazo, quanto à decadência nos
tributos lançados por homologação, pela anterioridade do momento em que seria devida a
apuração pelo sujeito ativo.199
Em se tratando especificamente de tributo lançado por homologação, é irrefutável que
se deve considerar que, quando a homologação se efetiva, seja tácita ou expressamente, não
há que mensurar a mesma contagem do prazo prescricional imputado aos tributos lançados
por ofício, por exemplo. Assim sustenta Amaro ao preconizar que ―não cabe falar em
prescrição no caso de tributos lançados por homologação‖, sob o argumento de que não ―há o
que se cobrar na situação em destaque‖.200
Portanto, o que se verifica é que, se efetivado o lançamento expressa ou tacitamente, a
prescrição será instaurada nas prováveis ações de restituição que ali perduraram, o que, via e
197
BRASIL. Superior tribunal de Justiça. Resp. 239.106/SP. 2ª Turma. Relator Min. Francisco Peçanha Martins.
Julgamento 21.03.2000. DJ 24.04.2000.
198
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 441.
199
Cf. item 4.2 deste trabalho.
200
AMARO, op.cit., p. 443.
79
regra, respeitarão a mesma lógica jurídica estabelecida nos demais tributos; de outro modo, a
contagem da prescrição Sá sinalizada já que, mesmo não sendo lançado o tributo por
homologação, seja porque constatado qualquer vício ou montante não devido, este se efetuará
por ofício, o que integra a prescrição do art. 174 do CTN.
Reiteradamente o Superior Tribunal de Justiça201 tem decidido que a prescrição nos
tributos lançados por homologação deve compreender o prazo fixado pelo art. 174 do CTN,
contado a partir do momento do vencimento da dívida declarada e não paga, in verbis:
Se tratando de tributos lançados por homologação, ocorrendo a declaração do
contribuinte, por DCTF, e na falta de pagamento da exação no vencimento, mostrase incabível aguardar o decurso do prazo decadencial para o lançamento. Tal
declaração elide a necessidade da constituição formal do débito pelo Fisco, podendo
este ser imediatamente inscrito em dívida ativa, tornando-se exigível,
independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação ao
contribuinte. O termo inicial do lustro prescricional, em caso de tributo
declarado e não pago, não se inicia da declaração, mas da data estabelecida
como vencimento para o pagamento da obrigação tributária constante da
declaração. No interregno que medeia a declaração e o vencimento, o valor
declarado a título de tributo não pode ser exigido pela Fazenda Pública, razão pela
qual não corre o prazo prescricional da pretensão de cobrança nesse período.
(destaque não original).
Percebe-se, portanto, que a atual linha procedimentalista adotada pelo excelso tribunal
destoa daquela exatamente enfadada no artigo do CTN, seja de cinco anos, contados a partir
do pagamento indevido, já que a contagem ora exposta remete a um prazo mais extenso (10
anos).
4.4
A TESE JURISPRUDENCIAL DOS ―CINCO MAIS CINCO‖
A sistemática atribuída à consolidação da tese dos 10 (dez anos) ou tecnicamente
conhecida como tese dos ―cinco mais cinco‖, teve nascitura preliminar nas atribuições
jurisdicionais do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR. Neste patamar, a discussão
quanto ao prazo decadencial da ação de repetição de indébito tributário restou consolidada por
meio da Súmula 219202, assim transcrita à época:
Não havendo antecipação do pagamento, o direito de constituir o crédito
previdenciário extingue-se decorridos 5 (cinco) anos do primeiro dia do exercício
seguinte àquele em que ocorreu o fato gerador.
Ora, veja-se que aquela corte atribuía aos fatos ocorridos a lógica do art. 173, I fixada
no Código Tributário Nacional, que mandamenta que a contagem do prazo seja realizada a
201
202
BRASIL. Superior Tribunal Justiça, Resp 658.138/PR, Relator Min. Castro Meira, 2ª Turma, julgamento
8.11.2005, DJ 21.11.2005, p. 186.
AMARO, Luciano. Ainda o problema dos prazos nos tributos lançáveis por homologação. In: REZENDE,
Condorcet (Org.). Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 363.
80
partir do primeiro dia do exercício seguinte em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Em se tratando de ―ausência de antecipação do pagamento‖, como discorrido pela súmula
supramencionada, infere-se o ato de lançar o tributo de ofício, pois não haverá ato
homologatório a ser concretizado, o que enseja a aplicação deste artigo.
Com efeito, a súmula o TFR já dispunha que o enunciado ditado pelo dispositivo legal
merecia reparação no que tange à sua aplicabilidade jurídica. A referência se manifesta no que
pese à interpretação dada ao termo ―quando o lançamento poderia ter sido feito‖ em relação à
―ocorrência do fato gerador‖, sinalizando que, não necessariamente, os dois vernáculos
representam o mesmo exercício.
Convalidando o entendimento quanto ao adequado exercício a ser considerado como
termo de contagem, a Súmula em comento pugnou por identificar que o exercício é
circunstância inerente da inicialização da contagem do prazo decadencial.
Haja vista a abstração dos iminentes equívocos que caracterizam o momento em que o
lançamento poderia ter sido feito como identificador do exercício a ser considerado, o TFR
admitiu que, nos casos em que se consubstanciam a inexistência de pagamento antecipado,
cabendo, então, o lançamento de ofício, o lapso temporal terá início no exercício seguinte em
que ocorreu o ―fato gerador‖, de modo que, após cinco anos, o direito potestativo do Estado
de lançar ou rever o lançamento, estará caduco.203
Merece saliência a consagração dada por aquele tribunal ao art. 173, I, já que a regra
do art. 150, § 4º do CTN somente abrange os tributos que foram pagos de forma antecipada,
ensejando, assim, a homologação expressa ou tácita. Os liames expostos pela jurisprudência
da memorável corte refletiram a ausência deste pagamento antecipado, excluindo, portanto da
aplicação do ar. 150, § 4º e recaindo a regra geral do art. 173, I do Código Tributário.
Ascendendo a criação do Superior Tribunal de Justiça, em 1989, em substituição ao
TFR, as exegeses jurídicas se renovaram, mas a linha de raciocínio não se absteve de se
manter como a anterior, reiterando, por muitos parâmetros, o entendimento jurisprudencial já
cristalizado pelo extinto Tribunal.
Neste diapasão, manejados recursos a este egrégio tribunal, novamente a controvérsia
da contagem dos prazos nos tributos sujeitos a lançamento por homologação retornou aos
gabinetes dos Excelentíssimos Ministros para debate. Sendo assim, cumpre analisar a
evolução da matéria na corte responsável pela pacificação das normas infraconstitucionais do
país.
203
AMARO, Luciano. Ainda o problema dos prazos nos tributos lançáveis por homologação. In: REZENDE,
Condorcet (Org.). Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 363.
81
O Superior Tribunal de Justiça, baseando-se na Súmula 219 do TFR, completou o
entendimento ora ali ementado, reconhecendo a exegese da utilização do exercício da
ocorrência do fato gerador como propulsor do início da contagem do prazo prescricional. Em
decisão proferida pelo TRF da 5ª Região as premissas consolidadas nos arts. 156, VII e 150,
§§ 1º e 4º do CTN foram relevantes para a construção da tese dos ―cinco mais cinco‖.
Apreciando a possível inovação interpretativa, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou a
conclusão por meio do Recurso Especial nº. 58.918-5/RJ204, pelo qual se demonstrou que ―a
decadência relativa ao direito de constituir o crédito tributário somente ocorre depois de cinco
anos, contados do exercício seguinte àquele em que se extinguiu o direito potestativo de o
Estado rever e homologar o lançamento‖.
A partir do julgamento do Recurso Especial ora destacado que foram alinhadas as
nuances que construíram a consolidada conclusão pretoriana, que ensejou na formulação da
tese dos ―cinco mais cinco‖, que ora é percalcada por equívocos, ora é fundamental para a
garantia dos direitos dos contribuintes.
4.4.1 Fundamentos da interpretação jurisprudencial.
A análise do STJ é embasada nos ditames conceituais dos institutos da decadência e da
prescrição, amparados legalmente pelos arts. 150 e 173 do CTN. Ainda há de se olvidar
quanto a importância da data em que ocorreu a inscrição da dívida e como serão considerados
seus efeitos. Luciano Amaro entende que o período em que se deu a inscrição não é fato
superveniente para a decadência e sua fluência temporal, uma vez que o código tributarista
considera para efeitos da contagem do prazo decadencial a data de constituição do crédito. E
completa dizendo que a importância consiste, ―em primeiro lugar, que o lançamento tenha
sido notificado dentro o prazo decadencial e, em segundo, que não haja transcorrido o prazo
de prescrição antes do ajuizamento da respectiva ação‖.205
Portanto, resguardando os cuidados de Amaro, tem-se que a decadência e a prescrição
afetam o lançamento, que é ato que comprova a constituição do crédito tributário, o que,
porventura, basta para inferir a tempestividade recursal ou decadencial. De plano, afasta-se a
incidência em que ocorreu a inscrição da dívida, pois esta não configura fator consubstancial
204
205
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 58.918-5/RJ, Relator. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª
Turma, julgamento 24.05.95, DJU 19.06.95.
AMARO, Luciano. Ainda o problema dos prazos nos tributos lançáveis por homologação. In: REZENDE,
Condorcet (Org.). Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 364.
82
para a contagem dos prazos, uma vez que a garantia de existência do crédito se dá por meio da
notificação do lançamento devidamente efetuado.
Considerando que o Colendo Tribunal se respaldou, quando da definição de seus
precedentes, em duas possíveis aplicações viáveis na contagem do prazo decadencial e
prescricional, percebem-se as seguintes situações controversas206:
a)
De um lado, o aresto adota como termo inicial da decadência a data a partir
da qual seria possível consumar-se o lançamento;
b)
De outra parte, afirma-se que o prazo decadencial inicia-se quando se escoa o
prazo deferido ao credor para consumar o lançamento. Vale dizer, desde quando já
não é mais possível o lançamento.
Para a circunstância velada na alínea a, acima confrontada, tem-se que seu êxito não
merece lograr, por não consubstanciar e qualquer fundamento até então explanado pelos
respectivos artigos do CTN, muito menos pela orientação jurisprudencial utilizada
(considerando que até mesmo a Súmula 219 do antigo TFR não se referia a qualquer dos
elementos para o acatamento da propositura exposta no tópico ―a‖.
Ora, é cristalino que a exegese amparada na primeira tese não cuida da sobremaneira
em que vislumbram a contagem decadencial no sistema tributário vigente, já que a este é
interveniente o decurso a partir do exercício seguinte àquele em que determinada ocorrência
do fato foi fundamental.207
De outra forma, surge a indagação quanto à segunda tese apresentada, que considera a
nascitura do prazo decadencial posterior ao período em que teria que ter sido realizado o
lançamento. A controvérsia surge em razão do acréscimo de um novo período, quando o
crédito a que deseja constituir, já se encontra extinto em razão da inércia do órgão competente
pelo lançamento.
Em suma, o que se pretende ressaltar é que ambas as teses vislumbradas entram em
confronto com o preceito intitulado no art. 173, I do CTN e, desta feita, merece ser agraciada
uma terceira propositura; aquela em que contempla que a fluência do prazo é determinada a
partir do exercício posterior àquele em seria ―lícito‖ atribuir o lançamento. Ainda, no mesmo
patamar de discussão, há de ser considerada a leitura do art. 150, § 4º do mesmo diploma que
foi enaltecida pela tese dos ―cinco mais cinco‖, pois, aqui, enquadram-se apenas os tributos
lançados por homologação. A figura do pagamento antecipado confere credibilidade ao
crédito tributário, mesmo diante do decurso prazo do lançamento que será, como já
demonstrado em momento oportuno, efetivado via homologação tácita.
206
AMARO, Luciano. Ainda o problema dos prazos nos tributos lançáveis por homologação. In: REZENDE,
Condorcet (Org.). Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 366.
207
Ibid., p. 370.
83
Sendo assim, o cerne consagrado no embate da superior corte se ateve a considerar
que, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, havendo pagamento antecipado,
caberia à Administração Pública confirmar os fatos ali apresentados, não concordar e
impugnar, seja por meio de novo pagamento devido ou, caso insuficiente o quantum,
complementar, de ofício, o adequado tributo, ou ainda, deixar transcorrer o decurso prazo de
cinco anos. Nestas situações, o Fisco estará realizando sua atuação de lançamento, cada qual
dentro do prazo quinquenal.
Destarte, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça contemplou que na inocorrência do
pagamento antecipado, ensejará ao Fisco, a possibilidade de lançar de ―ofício‖. Por ora, os
ministros ali assentados consideraram que a contagem dos prazos extintivos deve obedecer à
conjunção de dois períodos: aquele em que se poderá averiguar e rever a ausência do
pagamento e outro em que efetivamente poderá ser efetuado o lançamento de ofício.
Portanto, o surgimento da precedente tese dos dez anos atendeu a dois tipos de
fundamentos: cinco nos para a averiguação do pagamento realizado antecipadamente ou, na
ausência deste, a realização do lançamento de ofício para que efetivamente seja considerado
homologado o lançamento e assim, extinguindo-o. Ao término deste período é que se inicia o
prazo para pleitear a restituição, caso considerado indevido o pagamento do tributo.208
4.4.2 A inovação no ordenamento jurídico pelo Superior Tribunal de Justiça
Ao invocar que o prazo para a restituição do débito indevido deve preconizar o
interstício do prazo para lançar, já que é necessário aguardar a consolidação do crédito para
extingui-lo, somente posterior a este intervalo que se deve inicializar a contagem do prazo
prescricional para efeitos de cobrança, o Superior Tribunal de Justiça priorizou uma inovação
interpretativa dos dispositivos relacionados ao tema na legislação.
A partir do ano de 1995, período em que se consolidou que o prazo devido ao
contribuinte para rever seus créditos se daria em dez anos, a tese avoca pelo Excelso Tribunal
incorreu em um equívoco básico, visível na simples leitura dos arts. 173, I e 150, § 4º do
Código Tributário.
O tribunal interpretou a norma não no sentido de dar ao Fisco a possibilidade de lançar
de ofício ainda dentro do prazo de cinco anos de homologação do pagamento que ―deveria‖
208
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito Tributário e Financeiro. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
(Série Leituras Jurídicas. Vol. 24). p. 147.
84
ter sido realizado pelo contribuinte, mas considerou que tal possibilidade somente se iniciaria
após ter ocorrido a homologação tácita.
Ora, como viabilizar uma atividade jurídica fora do período em que necessariamente
ela deveria ter sido realizada? Luciano Amaro interroga a interpretação do Superior Tribunal
de Justiça, enfatizando que não se deve garantir um direito a um sujeito, quando este já mais
pode ser praticado.209 E completa, no sentido de justificar o prazo do lançamento por
homologação quando realizado o pagamento antecipado, dizendo que o § 4º do art. 150, do
CTN apenas deslocou o prazo quinquenal para a época da ocorrência do fato gerador, sem
alterar o interstício.
Para suplementar a inconsistência da aludida precedência jurisprudencial, a corte
apoiou-se, ainda, no possível somatório dos prazos regrados pelo art. 173, I e art. 150, § 4º,
ambos do CTN. Sabe-se que cada artigo dispõe de situações diversas, mas, ainda sim, as
turmas especializadas do pretório excelso consolidaram a tese revelada, que, destarte,
ocasionou benefícios aos contribuintes, especialmente, diante do inovado entendimento
firmado.
Com o advento da Lei Complementar 118/2005 a discussão reascendeu às tribunas,
pois o art. 3º, com o fim de interpretar o art. 168 do CTN, modificou jurisprudência até então
preconizada. Mas, ao analisar os recursos que tinha como objeto a referida lei e sua alteração
jurisdicional, o STJ novamente entendeu que a tese ali sedimentada continuaria e vigor, em
razão da proteção da segurança jurídica, admitindo a LC 118/2005 apenas para os casos
propostos a partir da vigência desta.
Para fins de ilustração, a cognominada tese dos ―cinco mais cinco‖ restou sedimentada
com o julgamento do ERESP 327.043210, o qual se colaciona o seguinte excerto:
(...) ajuizada a ação após 9 de junho de 2005, poderá ser aplicado o art. 3º da Lei
Complementar nº 118/2005 – o qual baixou de dez para cinco o prazo para a ação de
recuperação indébito (devolução de valores pagos indevidamente) – aos fatos
geradores ocorridos antes de sua aplicação. Com a decisão desta Seção, fica valendo
o prazo de ―cinco mais cinco‖ até essa data.
No mesmo sentido, registra-se o RESP 744.831211, de relatoria do ministro Luiz Fux,
assim ementado:
Mesmo diante da análise baseada em (breves) equívocos, quanto ao que se pretende
elucidar o Código Tributário Nacional, o STJ fixou a tese dos dez anos, gerando a expectativa
209
AMARO, Luciano. Ainda o problema dos prazos nos tributos lançáveis por homologação. In: REZENDE,
Condorcet (Org.). Estudos Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 375
210
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ERESP 327.043/DF. 1ª Seção. Relator Min. Mauro Campbell
Marques. Julgamento 09.08.2010 DJ 19.08.2010.
211
Ibid., RESP 744.831/SP. 1ª Turma. Relator MIn. Luiz Fux. Julgamento 06.12.2005. DJ 13.02.2006.
85
satisfatória aos direitos do contribuinte e ainda sim, reconhecendo a viabilidade da LC
118/2005 para os casos ali excepcionados.
4.5
OS ARTS. 3º E 4º DA LC N. 118/2005
O advento da Lei Complementar n. 118/2005, com sua finalidade precípua de atingir
mais sensatez ao processo de falência e recuperação judicial e extrajudicial, proporcionaram
uma discussão além dos ditames legais da processualística falimentar: ao racionalizar o direito
falimentar com o direito tributário acabou por enaltecer outra problemática decorrente da
prática comumente visualizada nos tribunais do país.
No cumprimento de assumir a função que até então é considerada como preponderante
na regular prestação jurisdicional, o art. 3º da LC 118/2005 se preocupou em interpretar
norma anteriormente prevista pelo Código Tributário Nacional, passando a submeter-se à
natureza de corretor legislativo. Ensina Ricardo Lobo Torres sobre o tema:212
A correção legislativa dá-se através de emenda constitucional, lei complementar ou
lei ordinária. Implica: a) o radical repúdio à interpretação judicial, pela edição de
norma intencionalmente contrastante com a jurisprudência; b) a retificação da norma
anterior que, por ambiguidade, ou falta e clareza, tenha levado o Judiciário a adotar
interpretação com os pressupostos doutrinários da matéria.
Com estas argumentações, abre-se a discussão se o presente dispositivo não afronta o
princípio da independência funcional dos Poderes Federativos do Estado ou até mesmo a
sistemática do processo legislativo em vigor.
Em incessante análise das circunstâncias ora provocadas pelo art. 3º da LC 118/2005
depreende-se de seu texto que não restou caracterizada a violação a tal princípio, muito menos
consubstanciou invadida a competência construtiva de interpretação da norma pelo Poder
Judiciário.
Em excelente demonstração do fático questionamento quanto a validade do art. 3º,
Thiago Buschinelli Sorrentino prioriza que é contumaz afastar tal controvérsia pelo fato de
que é plenamente possível a regulação que foi conferida pela LC 118/2005. Tudo porque há o
amparo do próprio legislativo para esta situação, uma vez que ―não é somente o Poder
Judiciário capaz (e responsável) de produzir comunicação jurídica sujeita a remoção da
212
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12.ed. Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife: Renovar, 2005. p. 321.
86
ambiguidade e vagueza‖, já que, ―no sistema jurídico brasileiro, a existência de comunicação
jurídico-legislativa é pressuposto para a comunicação jurídico-jurisdicional‖.213
Neste diapasão há que se considerar que o art. 3º, não demonstra interferência, a
priori, na distinção separatista dos Poderes constitucionalmente implantada. No entanto,
permaneceu inerente ao artigo a amplitude interpretativa que este originou no CTN e nos
direitos adquiridos dos contribuintes.
Sendo assim, observe no que consiste a ambiguidade e lacuna proporcionada pelo
artigo em comento:
a)
Até a promulgação da LC 118/2005, a ambiguidade e a vagueza de algumas
das palavras dos enunciados dos arts. 150, §§ 1º e 4º, e 168, I, do CTN permitiam
que lhes fossem adjudicados dois sentidos possíveis: a.1. o prazo de prescrição
deveria ser contado a partir do recolhimento indevido, porque a ―extinção do
crédito‖ se dava com o ―pagamento antecipado‖; ou a.2. o prazo de prescrição
deveria ser contado a partir da proibição de revisão do pagamento pelas autoridades
fiscais, porquanto a ―extinção do crédito‖ somente se daria com a ―homologação‖,
expressa ou tácita.
b)
A partir da promulgação da LC 118/2005, a nova comunicação altera os
critérios de uso possíveis, removendo o universo possível. Como a comunicação
legislativa complementar antecede sintaticamente a comunicação jurisdicional,
espera-se também que a definição de sentido pelo processo orientado será
diversificada em relação ao que foi proposto no subitem acima. 214
Em comparação aos dois interstícios temporais, um anterior à leitura do art. 3º da LC
118/2005 e outro posterior, surge a propositura de uma controvérsia no que se refere a qual
norma deve ser aplicada no caso de necessária ação restitutiva de um débito, quando o
pagamento indevido for efetivado durante a vigência de lei anterior à LC 118/2005, mas o
julgamento (decisão judicial) quanto ao fato ocorre somente na existência da novel lei. Thiago
Sorrentino vai além ao indagar se o fato relevante para a determinação da norma aplicável é o
pagamento indevido ou a decisão que o reconhece e determina a restituição.215
Ora, o deslinde de tal celeuma percorre a análise do art. 106, I, do CTN, devendo este
ser considerado para fins de aplicabilidade da norma conflitante. Na verdade, para melhor
compreensão, cumpre salientar que o art. 3º da LC 118/2005 não necessariamente guarda
obrigatória sujeição do sistema normativo, haja vista que a lógica jurisdicional brasileira
vincula apenas as decisões prolatadas em ADI E ADC ou por recomendação sumular do
Supremo Tribunal Federal, nos termos dos arts. 102, §2º e 103-A, da CF, respectivamente.
A autodeterminação ―interpretativa‖ conferida ao art. 3º da LC 118/2005, enquanto
norma jurídica eficaz, já que até o momento não foi delimitada sua inconstitucionalidade,
213
SORRENTINO, Thiago Buschinelli. Prescrição do Direito do Sujeito Passivo à Restituição do Indébito
Tributário. In: CARVALHO, Aurora Tomazini de. (Org.). Decadência e Prescrição em Direito Tributário.
MP: São Paulo, 2008, p. 308.
214
Ibid., p. 309-10.
215
Ibid., p. 310.
87
promovendo, por isso, efeitos do mundo jurídico, introduziu modificações significativas no
parâmetro tributário. Com efeito, suas consequências se projetarão para o futuro, não podendo
ser admitido, na conjuntura jurídica do Brasil, a propensão de efeitos a situações pretéritas.
Neste sentido, confere-se que a LC 118 foi promulgada em 09/02/2005, gerando, por
isso, propensão nas ações ajuizadas a partir 9 de junho de 2005, ratificando o que se considera
como ―fato futuro‖. Logo, os requerimentos de restituição efetuados posteriormente a entrada
em vigor da referida lei que modificou a contagem do prazo prescricional nas ações de
repetição de indébito.
Vislumbra-se que a dogmática mais sensata da verdadeira interpretação do art. 3º da
lei complementar depreende-se do momento em que se considera ―extinto o crédito
tributário‖, pois através desta visualização é que será possível definir quando se iniciará a
contagem refletida pela LC 118/2005 em interpretação aos artigos do CTN.
Sendo assim, melhor se adéqua o consentimento expandido por Fabiana Del Padre
Tomé, em seus estudos a cerca do tema. Para a doutora, o art. 3º deve apenas atingir os
pagamentos indevidos que foram configurados sob a égide de sua vigência, passando o termo
inicial das ações de repetição ser considerado quando da extinção prevista pelo Código
Tributário.216
A Lei Complementar 118/2005, em art. 4º, dispõe o seguinte enunciado:
Art. 4°. Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação,
observado, quanto ao art. 3°, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei n. 5.172, de 25
de outubro de 1966 — Código Tributário Nacional.
O Tribunal Federal Regional da 4ª Região, em apreciação ao artigo em comento,
incidentalmente declarou inconstitucional os arts. 3º e 4º da lei complementar por ter, em tese,
ofendido o princípio da irretroatividade das leis.
Ora, o preceito do art. 4º nem precisaria ter sido transcrito, uma vez que o art. 106, I
do CTN já havia disciplinado a questão ao explanar que ―em qualquer caso, caso seja
expressamente interpretativa, excluída a penalidade de infração a dispositivos interpretados a
lei aplica-se a atos e fatos pretéritos‖.217
Sendo assim, o art. 3º da LC 118/2005, que expressamente se caracteriza como autointerpretativa, já teria aplicação retroativa, cabendo apenas a positivar um conceito jurídico
preexistente, seja qual aquele em que define que as normas interpretativas têm natureza
retroativa.
216
TOMÉ, Fabiana Del Padre. Restituição do indébito tributário. In: CARVALHO, Aurora Tomazini de. (Org.).
Decadência e Prescrição em Direito Tributário. MP: São Paulo, 2008, p. 286.
217
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.Art. 106, I.
88
Poderia se alegar que o art. 3º não tem caráter interpretativo. Esta visão deve ser
apresentada com cautela e devida investigação, senão vejamos. O próprio artigo se referencia
como interpretativo, embasado na autorização que o Código Tributário dispensou.
O art. 165 do CTN trata da possibilidade de repetição de indébito. Ele diz que é
possível que o sujeito passivo pleiteie a restituição dos valores indevidamente pagos do
tributo. Em outro aspecto, o art. 168 do mesmo diploma enuncia que o direito para pleitear
este direito a restituição extingui-se em cinco anos da data de extinção do crédito. Bem, será
que o Código Tributário já dizia qual era esta data da extinção do crédito? Retorna-se ao que
convém o CTN:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do
disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º (...).
Em relação ao período em que é feito este pagamento e a homologação, dispõe o art.
150, §§ 1º e 4º:
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio
exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade,
tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a
homologa.
§ 1°. O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o
crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.
(...)
§ 4º. Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado este prazo sem que a Fazenda Pública se tenha
pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o
crédito (...).
Percebe-se que a condição imposta pelo código é ―resolutória‖ e não suspensiva,
restando à Administração responsável, quanto ao § 4º apenas a hipótese de ausência de
pagamento, pela qual será efetivado por meio do lançamento de ofício. Ou seja, é um prazo
meramente decadencial caso não seja atingido o que define o parágrafo anterior.
Desta feita, parte da doutrina acata que o próprio Código Tributário Nacional já
resolvia a questão imposta pelo art. 3º da Lei Complementar 118/2005, apesar de reconhecer
que existem interpretações divergentes respeitáveis, mas contraditórias, que ensejaram na
necessidade de editar normas interpretativas. Cumpre ressaltar, que nem por isso havia uma
interpretação uma, pacificada, e assim, os arts. 3º e 4º da LC 118/2005 se ativeram a elucidar
que o código sempre solucionou de tal forma e tal maneira. Eis a razão de dizer que a lei
complementar tem cunho interpretativo, não vindo a inovar no ordenamento jurídico. Eis que
então se pondera a análise concretizada pelo Poder Público, que sem sombra de dúvida, se
beneficia com a tese sustentada pela novel lei complementar.
89
4.6
A MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA PERANTE O ADVENTO DA LC
N. 118/2005
A priori, desde o ano de 1995, quando em julgamento do ERESP 43.152, a 1ª Seção
do STJ firmou entendimento no sentido do reconhecimento da prescrição dentro dos dez anos
restou consolidado, pacificando o assunto. Desde então, não houve qualquer alteração em
relação a este tema de prescrição, sendo, inclusive, reafirmada no julgamento do ERESP
435.835, ocasião em que o STJ passou a desconsiderar outras teses sugeridas no âmbito
daquele corte, relacionadas à contagem do prazo prescricional.
Após inúmeras tentativas de alteração deste sólido entendimento jurisprudencial, ainda
sim a Administração Pública, se utilizando seu poder de legislar fez editar a Lei
Complementar nº. 118 de 2005, cujo art. 3º, que alega ser interpretativo, nos termos do art.
106 do Código Tributário, tentou reduzir o prazo prescricional de cinco anos, com efeitos
retroativos, logo, atingindo, também, um número considerável de ações que ainda estão em
curso.
Entretanto, pelo que se depreende do art. 3º, há uma imposição quanto à extinção do
crédito tributário, passando a ocorrer, nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por
homologação, no momento do pagamento antecipado e não posteriormente à homologação
daquele.
Em razão do pretenso caráter interpretativo, como bem destacou o estudioso Paulo de
Barros Carvalho,218 o art. 4º da mesma lei complementar prescreve a sujeição do art. 3º ao
comando do art. 168, I do CTN, nos termos dos quais a lei interpretativa retroage, aplicando
aos fatos pretéritos. Ou seja, pretendeu com a LC nº. 118/2005 criar uma prescrição retroativa
que, em tudo e por tudo é reprovada no cenário jurídico democrático vigente.
Defende-se, como Sacha Coêlho,219 que o Poder Público pretendeu usurpar função
predominantemente judiciária, atribuindo ao Poder Legislativo a competência daquele em
interpretar as leis promovidas pelo legislativo. Sabe-se que este aspecto seria inviável, diante
da afronta ao princípio da separação dos poderes.
A possível distorção conferida pela norma complementar resguardou um propósito
específico de tentar superar uma hermenêutica uniforme no excelso Superior Tribunal, na
interpretação da sistemática da contagem do prazo prescricional das ações, que objetivam a
218
219
Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Cf.COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006.
90
recuperação dos tributos recolhidos indevidamente. A respectiva lei complementar infere um
conteúdo interpretativo, que, no entanto, vai de encontro não somente com o reiterado
posicionamento do STJ, mas com a própria lógica do sistema tributário e dos tributos
lançados por homologação.
Firmou-se na corte especial do STJ, que a lei complementar em estudo não se
apresenta como meramente interpretativa, pois inovou no ordenamento pátrio, e sua
retroatividade implica em ofensa à segurança jurídica, certeza do direito e ao princípio da
separação dos poderes.
4.6.1 A segurança jurídica no texto da Constituição Federal de 1988
Em parâmetros constitucionais, a segurança jurídica é ressaltada sob três diferentes
ângulos: como princípio, como valor e como direito fundamental.220
Inicialmente, a Carta Magna incube, já no seu preâmbulo, em estabelecer a segurança
jurídica como componente da estrutura jurídica, social, econômica e política do país. Não
obstante essa menção introdutória, ao longo de seu corpo textual a segurança novamente é
destacada, expressamente no art. 5º, caput, talvez com a finalidade de revelar que ali a
―segurança‖ está tratada de forma generalizada, mas ainda sim essencial, afirmando, portanto,
sua natureza valorativa.
Ao introduzir a segurança jurídica entre as funções que tutelam, garantem e protegem
os direitos dos indivíduos, restou configurada sua conotação principiológica, surgindo,
novamente, a precisa exposição no dispositivo relacionado às garantias e direitos
fundamentais da Constituição.221
Finalmente, sem maiores considerações extensas, visto que já resta sedimentado que o
tratamento
proporcionado
pela
Constituição
Federal
de
1988
preconizou
a
imprescindibilidade da segurança jurídica nas relações individuais coletivas, sua natureza
fundamental se tornou viabilizada pela inscrição do art. 5º, especificamente em seu inciso
XXVI, consagrando-a intrinsecamente como elemento de direito fundamental.
220
Cf. DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica. Supremacia constitucional in palestra
proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional – “O Direito Constitucional do Século
XXI‖, realizado em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC, 21 de maio de
2005. Disponível em: < http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/448>. Acesso em 26 out 2010.
221
DELGADO, op. cit.
91
4.6.2 Noções gerais sobre o princípio da segurança jurídica
A sistemática quanto ao tema ora exposto é de imensurável progressão diante do
regime democrático atual. A cerca dele, tem os especialistas se deleitado a fim de garantir a
melhor e mais adequada solução que fortaleça a sua aplicabilidade, uma vez que os flagelos
do universo jurídico se disseminam, afastando seus efeitos mensurados, ensejando, por isso,
instabilidades que não aperfeiçoam o Estado democrático de Direito.
A didática suscitada por estudiosos, como J.J Gomes Canotilho222, reflete a mais
perfeita consonância com a lógica necessária dos princípios que regem o Estado e dos ditames
estruturais que sinalizam o Direito Constitucional. Neste sentido, despacha o autor:
Partindo da idéia de que o homem necessita de uma certa segurança para conduzir,
planificar e conformar autônoma e responsalvemente a sua vida, desde cedo se
considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito os dois princípios
seguintes:
- o princípio da segurança jurídica;
- o princípio da confiança do cidadão.
Com efeito, a segurança jurídica remete a outros dois paradigmas consubstanciados na
sistemática geral do princípio da proteção jurídica: o princípio da determinabilidade das leis,
que cuidadosamente vincula às leis a um conteúdo claro e denso e, ao princípio da proteção da
confiança, repercutindo na imputação de leis não lesivas de previsibilidade e calculabilidade
dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos.223
A importância e necessidade que prescindem da sujeição à segurança jurídica
decorrem da própria natureza que o tributo possui. Já dizia Roque Antonio Carrazza que a
exigência iure imperii224 do tributo naturalmente salta aos olhos quanto à relevância da
imposição deste instituto na tributação. Ora, por se tratar de atuação vinculada da autoridade
competente, incorrendo em ausência da participação efetiva do contribuinte quanto à apuração
contenciosa, não poderia esquivar-se o legislador de conferir ao contribuinte o devido
respaldo protetivo quanto aos possíveis exageros eminentes. Desta feita, é mister a amplitude
concedida pela Constituição ao tratar do tema, vinculando o contribuinte aos amparos dos
direitos fundamentais diretamente conveniada com o sistema de tributação pelo qual será
sujeitado.
222
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina. 1991. p. 375/76.
DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica. Supremacia constitucional in palestra proferida
no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional – “O Direito Constitucional do Século XXI‖,
realizado em São Paulo pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC, 21 de maio de 2005.
Disponível em: < http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/448>. Acesso em 26 out 2010.
224
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26 ed. São Paulo: Malheiros.
2010. p. 412.
223
92
Canotilho discorre brilhantemente que a segurança jurídica confere aos seus
coobrigados não somente um respaldo extrínseco, mas amplifica e dinamiza a ―capacidade do
cidadão poder (e dever) confiar nos seus atos ou nas decisões públicas incidentes sobre os
seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de acordo com as normas jurídicas
vigentes, pelos quais se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com
base nessas mesmas normas‖.225
Neste ínterim, pode-se considerar finalmente que a segurança jurídica prescinde de
preceitos constitucionais, vangloriados a partir da proteção da confiança, capazes de objetivar,
principalmente, o impedimento da retroatividade das normativas jurídicas, a imutabilidade
dos julgados e a irrevogabilidade dos atributos constitutivos de direito.
4.6.3 A segurança jurídica na tributação
Percorridas as nuances que justificam a necessária garantia da segurança jurídica nas
relações que ora se encontram os indivíduos, em contraposição às manipulações e os abusos
que porventura venham a obstar o regular patrocínio da justiça, configura-se medida atuante
uma proteção que vai além do mero inconformismo social. Carrazza226 leciona que o princípio
da segurança jurídica garante a prevenção, a certeza e a ciência quanto às consequências que
advirem das controvérsias que lhe derem causa. No âmbito tributário, o renomado autor
prescreve que os objetivos elevados buscam intimidar a Fazenda Pública dos atos que possam
manipular e subjetivar os direitos e critérios que os contribuintes fazem jus.
Por caracterizar a lealdade que os indivíduos conquistam em relação ao Direito, a
segurança jurídica se manifesta em meio aos princípios norteadores da certeza e igualdade
imprescindível para a configuração do Estado de Direito. Neste diapasão são inferidos os
princípios da tipicidade fechada, do exclusivismo, da vinculação do lançamento à lei, da
interpretação da lei, da igualdade, da confiança na lei fiscal, bem como na boa-fé do
contribuinte.227
Sendo assim, a competência do Poder Público não pode se sobrepor ao interesse
arrecadatório, muito menos ao ―estatuto do contribuinte‖228, uma vez que a deslealdade do
Fisco não pode ensejar em prejuízos aos direitos fundamentais. Com efeito, esta é a
225
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina. 1991. p. 375/76.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26 ed. São Paulo: Malheiros.
2010. p. 450.
227
Cf. op. cit.
228
Cf. op. cit.
226
93
interpretação concebida pela aplicação do art. 146 do Código Tributário Nacional 229, que
limita a atuação discricionária do órgão competente, padronizando o respeito quanto à
exposição do contribuinte em relação aos infortúnios da relação jurídica tributária.
4.6.4 A repercussão da retroatividade do art. 3º da LC 118/2005 no princípio da
segurança jurídica
Está consignado que a edição normativa da lei complementar 118 de 2005 no
ordenamento jurídico ultrapassou os conceitos da interpretatividade de outra norma infralegal.
Restou visualizado que a mera alegação de caráter interpretativo não configura
necessariamente que determinada lei possui um perfil capaz de atingir feitos anteriores à sua
promulgação. Haja vista a imputação do art. 4º, do referido diploma, quanto à retroatividade
dos efeitos desta lei complementar no universo tributário, a matéria não configurou superada,
mas na verdade, ressuscitou tema demasiadamente debatido e já consolidado perante a
jurisprudência pátria.
Esse reavivamento de posições e controvérsias caracterizou a instigante discussão
sobre a repercussão prática do princípio da segurança jurídica nos litígios em curso. Não
obstante a vasta previsão pela qual a Constituição concede à segurança jurídica, ainda sim, a
massa legislativa entendeu por bem resgatar, por meio da edição de uma novel lei, que, de
antemão, escapa de sua real característica, assumindo superficialmente uma roupagem inversa
daquela que realmente transparece algo que carece de certeza jurídica quanto às suas
finalidades.
Com estas relevantes considerações que se presta a mensurar os inúmeros prejuízos
que a recente norma proporcionara àqueles que não se sujeitara aos seus deleites. Isto porque
a alterações legislativas ultrapassaram o aspecto meramente interpretativo, derrubando ―por
terra‖ toda uma lógica e estudos jurídicos consubstanciados em longos debates nos tribunais.
Ciente de que, em matéria tributária, o individuo padece diante da primazia que o ente
estatal manipula, Roque Antonio Carrazza230 destaca que a segurança jurídica deve estar
pautada nos ditames regiamente fixados, sinalizando o espaço limítrofe em que a atuação do
poder competente pode se efetivar, sem, contudo, afastar a proteção e respeito ao direito do
contribuinte. Neste contexto, se posiciona:
229
230
BRASIL. Código Tributário Nacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.Art. 146.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26 ed. São Paulo: Malheiros.
2010. p. 453.
94
(...) as pessoas têm o direito subjetivo de só serem consideradas sujeitos passivos de
tributos: a) previstos, expressa ou implicitamente, na Constituição; b) criados
legislativamente, em total sintonia com os ditames que ela consagra; e c) após a
ocorrência de seus fatos imponíveis (...).
O liame interpretativo emprestado à LC 118/2005 escapou da conciliação entre o
―devidamente possível‖ com o ―juridicamente apropriado‖. Ou seja, a interpretação legal deve
atender a uma exegese equilibrada, equânime, capaz de concatenar os interesses
momentâneos, ocasionais, retrós e futuros, sem desvairar na incredibilidade suscitada231. Isto
acarreta, lamentavelmente, no enfraquecendo da segurança jurídica e da estrutura do Estado.
Percebe-se que a pretensão do que dispõe o art. 4º em relação ao art. 3º da LC
118/2005 enquadra-se em uma ―pseudo-interpretação‖ a fim de efetivamente alterar o Código
Tributário Nacional e materializar um mecanismo de diminuir o prazo prescricional nas ações
de repetição dos tributos lançados por homologação, inclusive para as ações aforadas
anteriormente à edição da lei complementar em comento.
Veja-se que parece intencional a fixação do texto normativo complementar em ver
garantida a modificação jurisprudencial consolidada a mais de dez anos, na expectativa de
afastar as conclusões contrárias aos interesses da Fazenda Pública. E assim cumpre destacar
que a rejeição à tese do Superior Tribunal de Justiça viola não somente a segurança jurídica,
mas também, o senso comum e jurídico do hermeneuta, no sentido de que ―o direito não
socorre aos que dormem‖.
Não se pode olvidar que as consequências trazidas pela norma buscam agraciar aquele
que se demonstra inerte; aquele que não se desincumbiu do ônus de homologar os pagamentos
e que deseja criar situação além das vantagens e prerrogativas que o crédito tributário já
dispõe.
Paradoxalmente, em nenhum instante foram aprimoradas pela lei complementar a
incerteza, a insegurança e a angústia que a nova sistemática de devolução de pagamento nos
tributos lançados por homologação geraria em detrimento dos direitos do contribuinte e como
seus efeitos seriam representativos.
A lealdade da relação tributária, a integridade do sistema normativo e o papel das
jurisprudências estão em jogo, esperando todos os contribuintes que estes princípios sejam
preservados, sem desmerecer o conteúdo de cunho inovador e de questionável natureza
interpretativa elencada pela LC 118 de 2005. Com efeito, tem-se ainda que uma lei com um
231
FUX, Luiz. Do prazo prescricional para o exercício do direito de o contribuinte pleitear a
compensação/repetição do indébito referente a tributos sujeitos a lançamento por homologação:
manutenção da cognominada tese jurisprudencial dos “cinco mais cinco” a despeito do advento da Lei
Complementar n. 118/2005. Produção intelectual dos ministros. BDJur, Brasília, DF, 27 maio 2008.
Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/17128>. Acesso em 15 mai 2010.
95
quórum constitucional qualificado, como é o processo de aprovação da lei complementar, não
pode ser simplesmente retroagida, afetando fatos incontroversos.
4.6.5 A manutenção da segurança jurídica nos julgados atuais
Tratando-se, como se trata, de tributo sujeito a lançamento por homologação, não
ocorrido o pagamento antecipado, a prescrição da ação de repetição de indébito – conforme
jurisprudência pacífica do Egrégio Superior Tribunal de Justiça já vastamente fundamentada –
tem por termo inicial a data da extinção do crédito tributário, que somente ocorre com o
transcurso do prazo decadencial de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador
(homologação tácita, art. 156, VII, do CTN), ao qual se deve acrescer os cinco anos previstos
no art. 168 do CTN. Assim dispõe a regra dos cinco mais cinco. Neste sentido, restam
prescritas as parcelas anteriores aos dez anos, contados do ajuizamento da ação.
Não se ignora que com a edição da Lei Complementar 118/2005 não há mais que se
falar em ―cinco mais cinco‖ na contagem do prazo prescricional, pois assim interpretou o art.
3º dessa lei. Com efeito, também não se desconhece que o art. 4º, segunda parte, da
mencionada Lei determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, de sorte a alcançar fatos
passados.
Destarte as inovações suscitadas, a Corte Especial do Colendo Superior Tribunal de
Justiça, por meio da Arguição de Inconstitucionalidade nos ERESP 644736/PE232, declarou a
inconstitucionalidade da aplicação retroativa do mencionado dispositivo – por ofensa ao art.
2º da CF/88 (que consagra a autonomia e independência do Poder Judiciário em relação ao
Poder Legislativo), bem assim ao inciso XXXVI do art. 5º, que resguarda, da aplicação da lei
nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada - entendendo que a tese dos
―cinco mais cinco‖ prevalece para as ações de repetição de indébito que se refiram às
situações ocorridas até 9 de junho de 2005. A par disso, assentou aquela Corte que, ―tratandose de preceito normativo modificativo e, não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC
118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a
ocorrer a partir de sua vigência‖ 233.
232
233
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ERESP 644736/PE. 1ª Seção. Relator Min. Teori Albino Zavascki.
Julgamento 28.11.2007. DJ 17.12.2007.
Ibid., Argüição de Inconstitucionalidade nos Embargos de Divergência em REsp. 644.736/PE, Relator Min.
Teori Albino Zavascki. Julgamento 06.06.2007. DJ 17.12.2007.
96
No mesmo patamar, o eminente Ministro Celso de Mello, do STF, em decisão
monocrática, consignou que a norma em exame ―somente pode ter eficácia para fatos
geradores ocorridos a contar de 09.06.2005, sendo sua aplicação retroativa inconstitucional,
como já decidiu o STJ no Recurso Especial n. 719.101‖ 234.
Cumpre ressaltar que, antes da manifestação da Corte Especial do STJ, foram
prolatados alguns acórdãos por órgãos fracionários daquele Tribunal, que, embora
reconhecendo a impossibilidade de retroação, consideravam, equivocadamente, que o art. 3º
da Lei Complementar n. 118/2005 aplicava-se apenas às ações ajuizadas posteriormente a sua
vacatio legis, e não a fatos geradores ocorridos a contar da sua vigência. Tal questão restou
superada com o exame de constitucionalidade pela Corte Especial, órgão que detém atribuição
para tanto, naquele Colendo Tribunal Superior, quando se assentou que a lei nova só pode
alcançar fatos geradores futuros, não se aplicando aos fatos geradores anteriores a 9 de junho
de 2005.
Por último, e a propósito de tudo quanto aqui se examinou, confiram-se os seguintes
julgados, in verbis:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO.
IMPUTAÇÃO EM PAGAMENTO. ART. 354 DO CÓDIGO CIVIL.
INAPLICABILIDADE. TRIBUTO SUJEITO AO LANÇAMENTO POR
HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO
INDEVIDO. ARTIGO 4º, DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE
APLICAÇÃO
RETROATIVA.
DECLARAÇÃO
DE
INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL.
RESERVA DE PLENÁRIO. MATÉRIA DECIDIDA PELA 1ª SEÇÃO, NO
RESP 1002932/SP, JULGADO EM 25/11/09, SOB O REGIME DO ART. 543-C
DO CPC.
1. O princípio da irretroatividade implica a aplicação da LC 118/2005 aos
pagamentos indevidos realizados após a sua vigência e não às ações propostas
após a mesma, tendo em vista que a referida norma pertine à extinção da
obrigação e não ao aspecto processual da ação. 2. A Primeira Seção, quando do
julgamento do REsp. 1002932/SP, sujeito ao regime dos "recursos repetitivos",
reafirmou o entendimento de que "O advento da LC 118/05 e suas
conseqüências sobre a prescrição, do ponto de vista prático, implica dever a
mesma ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados
a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a repetição do
indébito é de cinco anos a contar da data do pagamento; e relativamente aos
pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema
anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência
da lei nova." (RESP 1002932/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 25/11/2009)
3. Isto porque a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão
"observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de
outubro de 1966 - Código Tributário Nacional", constante do artigo 4º, segunda
parte, da Lei Complementar 118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator
Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 06.06.2007). 4. In casu, a recorrente,
que impetrou o presente mandamus em 26/08/2005, pugna pelo reconhecimento do
234
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Civil Originária – ACO 981/RS, Tutela Antecipada, DJ de 0803-2007, p. 30.
97
prazo prescricional decenal, porquanto o Tribunal de origem entendeu ser aplicável
à espécie o prazo quinquenal, merecendo reforma, nesse particular, o acórdão
recorrido, para reconhecer a inocorrência da prescrição relativamente aos
pagamentos efetuados nos 10 anos imediatamente anteriores ao ajuizamento da ação,
com observância do critério de contagem do prazo prescricional acima explicitado.
(...) 15. Recurso especial parcialmente provido, tão-somente para determinar a
aplicação do prazo prescricional decenal. Acórdão submetido ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008‖ (grifo nosso).235
―RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO. OMISSÃO. NÃO-OCORRÊNCIA.
CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNDO DE SAÚDE DO EXÉRCITO - FUSEX.
NATUREZA JURÍDICA TRIBUTÁRIA. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO. TESE
DOS "CINCO MAIS CINCO". JUROS MORATÓRIOS. LEGALIDADE DA
APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. RECURSO DESPROVIDO.
1. Não há omissão a ser sanada no julgado impugnado. Isso, porque o Tribunal a quo
decidiu a lide apresentando satisfatoriamente os motivos de seu convencimento.
Consoante orientação firmada no Superior Tribunal de Justiça, não é necessário que
o órgão julgador se manifeste sobre todas as questões trazidas pelas partes, desde
que o entendimento adotado seja suficiente para decidir a controvérsia, como
ocorreu na hipótese dos autos. 2. Esta Corte Superior já firmou orientação no sentido
de que a contribuição para o Fundo de Saúde do Exército - FUSEX -, em razão da
sua compulsoriedade, possui natureza tributária, de modo que não pode ter sua
alíquota fixada ou alterada por ato infralegal. Precedentes: REsp 692.277/SC, 2ª
Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 27.6.2007; REsp 761.421/PR, 1ª Turma, Rel.
Min. Luiz Fux, DJ de 1º.3.2007; REsp 789.260/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco
Falcão, DJ de 19.6.2006. 3. A Primeira Seção desta Corte, a partir do julgamento
dos EREsp 435.835/SC (Relator para o acórdão o Ministro José Delgado, julgados
em 24.3.2004), adotou o entendimento de que o prazo prescricional para propor
ação de repetição de indébito de tributos sujeitos a lançamento por
homologação inicia-se decorridos cinco anos, contados a partir do fato gerador,
acrescidos de mais um qüinqüênio, computados a partir do termo final do
prazo atribuído à Fazenda Pública para aferir o valor devido referente à
exação – tese dos "cinco mais cinco". 4. Registre-se, ainda sobre o assunto, que
a Corte Especial, na sessão de 6 de junho de 2007, ao julgar a Argüição de
Inconstitucionalidade nos EREsp 644.736/PE, declarou, por unanimidade, a
inconstitucionalidade da expressão "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no
art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário
Nacional", constante do art. 4°, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005.
Assim, prevalece a tese dos "cinco mais cinco" para as ações de repetição e
compensação de valores indevidamente recolhidos a título de tributo sujeito a
lançamento por homologação, desde que se refiram a situações ocorridas até 9
de junho de 2005. 5. No tocante aos juros moratórios, a jurisprudência consagrada
nesta Corte de Justiça delineia que, na restituição tributária, seja por repetição em
pecúnia, seja por compensação, são devidos juros de mora. Em se tratando de
valores reconhecidos em sentença cujo trânsito em julgado ocorreu em data anterior
a 1º de janeiro de 1996, aplicam-se os juros moratórios previstos no Código
Tributário Nacional, de um por cento (1%) ao mês, a partir do trânsito em julgado
(arts. 161, § 1º, e 167, parágrafo único, do CTN). De 1º de janeiro de 1996 em
diante, aplica-se apenas a taxa SELIC, instituída pela Lei 9.250/95, referente a cada
recolhimento indevido. 6. Recurso especial desprovido ― 236. (destaque não original)
―TRIBUTÁRIO.
IMPOSTO
DE
RENDA.
PRESCRIÇÃO.
IRRETROATIVIDADE DA LEI COMPLEMENTAR 118/05. ACORDO
COLETIVO DE TRABALHO. SUPRESSÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS.
NATUREZA INDENIZATÓRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA.
235
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 960.39/SC. 1ª Seção. Relator Min. Luiz Fux. Julgamento
09.06.2010. DJ 24.06.2010.
236
Ibid., REsp. 764.526/PR, Relatora Min. Denise Arruda, 1ª Turma, julgamento 22. 04 .2008. DJ 07.05.2008. p. 1.
98
1. Nos casos em que o lançamento do tributo se processar por homologação
tácita, nos termos do art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, a contagem
do prazo prescricional de que trata o art. 168, I, do CTN somente começa a
fluir após o decurso de cinco anos do pagamento antecipado do tributo, ocasião
em que se dá a efetiva extinção do crédito tributário vinculado a condição
resolutiva. Portanto, torna-se exigível a restituição do tributo indevido, dentro
do decêndio anterior à propositura da ação. 2. A aplicabilidade da LC 118/2005
se restringe aos tributos cuja extinção, pelo pagamento antecipado (art. 3º),
ocorreu após o início da vigência da mencionada norma, pois, admitir-se a
retroatividade da norma para as situações consumadas anteriormente à sua
vigência, quando se entendia a extinção do crédito tributário somente quando
da homologação, expressa ou tácita, seria aceitar a retroatividade em prejuízo
aos contribuintes. (...) 7. Apelação e remessa oficial a que se dá parcial provimento
―237·. (destaque não original).
Frise-se que ascendendo a discussão referente à tese dos ―cinco mais cinco‖ ao
Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário n. 566621/RS238, pretende-se
por a termo e concretizar finalmente todas as considerações ora apreciadas, pormenorizando
cada aspecto ressaltado pela Lei Complementar 118 de 2005, merecendo, portanto o adequado
crivo final, em obediência às normas e aos princípios constitucionais, que imperam sob a
guarda e proteção desta Corte Suprema.
237
238
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. AC 2005.38.00.020349-5/MG, Relatora Desembargadora
Federal Maria Do Carmo Cardoso, 8ª Turma, DJ de 18/01/2008, p.200.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 566621/RS. Pleno. Relatora Min.Ellen Gracie. Julgamento
sobrestado. Aguardando voto-vista Min. Eros Grau.
99
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme observado ao longo da pesquisa, a Lei Complementar 118/2005 adveio da
necessidade de um novo diploma que fosse capaz de adequar os procedimentos do sistema
tributário nacional às nuances do processo falimentar e de recuperação judicial e extrajudicial.
Face às tendências da nova ordem tributária conscrita na análise dos doutos
julgadores, os princípios constitucionais do contribuinte foram postos à prova diante da
inovação legislativa. Não se pode olvidar que a mudança teve repercussão, também, nas
reiteradas interpretações jurisprudenciais, capazes de enfraquecer leis e fortalecer valores.
Neste sentido, restou consubstanciado que o referido diploma legal inseriu no sistema
normativo pátrio o retrocesso jurídico, afastando-se do objetivo maior do âmbito jurídico,
qual seja a segurança jurídica dos resultados já atingidos. Para tanto, o enfraquecimento das
consolidadas teses dos tribunais superiores prioriza a insatisfação nos resultados e uma justiça
banalizada e eivada de incoerências e dúvidas.
Todavia, diante de todo o aparato legal tributário, que até então estabelecia os meios
suficientes para a solução de controvérsias a cerca da contagem dos prazos nos tributos
lançados por homologação, ainda sim foi manejada norma complementar capaz de interferir
nos enunciados legais já vigentes e, principalmente, nas situações já amplamente decididas e
consignadas. Estas nuances somente foram possibilitadas com a vigência dos arts. 3º e 4º da
LC 118 de 2005.
Exatamente neste condicionamento legal que tem se suscitado inúmeros debates, tanto
na doutrina como na jurisprudência. Inclusive, as interpretações ressaltadas pelas cortes
judiciais estão sob a tentativa de se tornarem meros resquícios, diante da manobra do Poder
Legislativo em editar norma com ―caráter interpretativo‖.
A reputação que a retroatividade do referido dispositivo da LC 118/2005 em questão
gera incertezas quanto a sua validade é contumaz. O patamar de discussão transcende o
âmbito conceitual do direito adquirido, mas esbarra no aspecto quanto à coisa julgada,
correspondendo à reiterada jurisprudência da Corte. No mesmo sentido, não se poderia
entender que o legislador pudesse expandir em suas pretensões interesses que repercutissem
nas ações em trânsito ou já decididas, se submetendo, de imediato, ao prazo reduzido, sem
qualquer regra de transição. Com um mínimo de senso jurídico, é cristalino que há ofensa ao
conteúdo do princípio da segurança jurídica. Restou evidente que, se, de um lado, não haveria
100
dúvida de que a proteção das situações jurídicas consolidadas em ato jurídico perfeito, direito
adquirido ou coisa julgada constituiria imperativo de segurança jurídica, concretizando o
valor inerente a tal princípio, de outro, também seria certo que teria esta abrangência maior e
que implicaria resguardo da certeza do direito, da estabilidade das situações jurídicas, da
confiança no entrave jurídico. De igual modo, não seria possível fulminar, de imediato, prazos
então em curso, sob pena de irrefutável violação à garantia de acesso ao Judiciário e à
segurança jurídica de suas decisões.
Sendo, assim, manteve-se amplamente divulgado no presente trabalho que há o
dissenso quanto à retroatividade da novel norma complementar, destacando, especificamente
o aspecto quanto à aplicabilidade do art. 3º da LC 118/2005, que deveria ser apenas
considerada nas ações promovidas posteriormente ao término do período de vacatio legis,
mas, na verdade, aos próprios fatos ocorridos após esse momento.
A divergência culmina justamente nesta fase de aplicação, já que é enfatizado que a
LC 118/2005 não encontra óbice em retroagir seus efeitos, uma vez que suas disposições
apenas acompanharam os enunciados do Código Tributário Nacional, em sentido contrário ao
que preceitua o Poder Judiciário, ente responsável pela verdadeira interpretação das normas
do ordenamento jurídico, que diante de tese contrária, a renomada tese dos ―cinco mais
cinco‖, está sob a eminente decisão de ter seus precedentes redirecionados, sob o liame de ter
inovado no ordenamento.
O que se esclareceu é que a retroatividade não agrada aos direitos fundamentais do
contribuinte, atestando que, muito mais que apenas contradizer posicionamento dos eminentes
especialistas tributários, é agraciar o ordenamento jurídico com as discricionariedades do
legislativo, sem nem mesmo atentar-se apara os ditames basilares do Estado de Direito.
À guisa de arremate final é interessante ressaltar, sobretudo, que o instituto da
segurança jurídica não deve ser desprovido de conotação prática. É, pois, evidente que ele
deve atuar como forma de concretização dos valores jurídicos adequados às soluções mais
justas possíveis. E, com efeito, o que se deve ponderar é que a manutenção deste princípio não
pode ser submetida às diretrizes da simples lógica jurídica ou do mero agrado à Fazenda
Nacional, capaz de se restabelecer situação retrógada.
A perseverança na consolidação do assunto visa somente resguardar garantias já
pactuadas e protegidas pela Carta Magna, no sentido de dinamizar e promover o correto
recolhimento de tributos, satisfazendo, tanto aos direitos do contribuinte, quanto ao Sistema
Fiscal Nacional, dentre outros aspectos.
101
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Carla Caroline Ferreira Lima - Universidade Católica de Brasília