Fascículo 1 Introdução Veja a obra de arte que fizemos juntos. www.modo.art.br Mesmo após a criação de inúmeros centros de medicina reprodutiva, a maioria das pacientes recorre ao seu ginecologista para a investigação e tratamento da infertilidade conjugal. Embora a mídia exerça forte influência no critério de escolha do especialista em reprodução assistida, a mulher ainda procura a solução com o profissional que a acompanha, muitas vezes, desde a adolescência. São laços afetivos muito fortes que a paciente gostaria de manter, pois a dificuldade para engravidar constitui uma situação geradora de angústia, ansiedade e, não raro, estados melancólicos. O fato de ela contar com a condução ou acompanhamento do seu ginecologista durante o processo de investigação e tratamento da infertilidade lhe propicia uma fonte de conforto e segurança. Isso significa que o ginecologista deve estar apto para conduzir uma pesquisa básica do casal e realizar procedimentos terapêuticos de baixa complexidade no seu consultório. Se preferir, deve associar-se a um centro de medicina reprodutiva para encaminhar o casal e acompanhar a sua evolução. Essa dinâmica permite ao ginecologista manter o vínculo e, nos casos bem-sucedidos, realizar o atendimento obstétrico. Creio que a abordagem objetiva dos fluxogramas de investigação básica e dos tratamentos de baixa complexidade pode propiciar ao toco ginecologista as ferramentas essenciais para a resolução da infertilidade do casal. Todavia, o médico deve ter em mente o limite crítico para encaminhá-lo ao centro de medicina reprodutiva de sua confiança; Reprodução assistida no consultório Você. Nós. Somos os pais da fertilidade Investigação básica do casal infértil Sobretudo no caso de mulheres com mais de 35 anos, marco inicial do declínio germinativo dos ovários. Boa leitura. Merck Serono é uma divisão da Merck. Prof. Dr. Dirceu Henrique Mendes Pereira Merck Serono é uma divisão da Merck. Diretor Clínico da Profert Material distribuído exclusivamente à classe médica. Impresso em fevereiro de 2011. Reprodução assistida no consultório Investigação básica do casal infértil Define-se como infertilidade conjugal a incapacidade de um casal engravidar após 18 meses de relacionamento sexual, sem o uso de método contraceptivo eficaz (Organização Mundial de Saúde – OMS). A esterilidade é denominação que abarca a impossibilidade total do indivíduo gerar um filho com o seu próprio genoma (agenesia gonadal) ou no seu corpo (ausência de útero). Esse termo tem conotação individual, enquanto que a infertilidade envolve os cônjuges. As causas de infertilidade são devidas em 40% das vezes a um fator feminino, em outros 40% a um fator masculino e em 20% dos casos, a uma associação dos dois fatores. Não raro, é multifatorial, ou seja, coexistem dois ou mais fatores (por exemplo: anovulação crônica e obstrução tubária). Logo, a abordagem para diagnóstico e tratamento deve ser global, abrangendo a totalidade biopsicossocial do casal. Atualmente, a prevalência de infertilidade feminina nos grandes centros dos países industrializados é de 15%, significando, portanto, boa parcela das consultas atendidas pelos ginecologistas. Muitos fatores de infertilidade são de fácil tratamento quando devidamente diagnosticados, não necessitando que o casal seja encaminhado para um centro especializado de reprodução humana. Dessa forma, cabe ao ginecologista realizar a pesquisa primária da infertilidade conjugal. Embora a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) considere dois anos como período de tempo necessário para se iniciar o diagnóstico da infertilidade, estatisticamente sabe-se que após um ano de tentativa, um casal fértil tem 85% de chance acumulada de gestação. Portanto, não há necessidade de se esperar dois anos para iniciar a pesquisa. Não obstante, a idade do casal deve ser sempre considerada. Sabe-se que a capacidade reprodutiva é inversamente proporcional à idade cronológica, principalmente para a mulher, cuja qualidade oocitária se reduz drasticamente com a idade. Logo, não é prudente que um casal Investigação básica do casal infértil acima de 37 anos aguarde mais do que seis meses por uma gestação espontânea. Para a pesquisa básica das causas da infertilidade conjugal, sugerimos o seguinte protocolo propedêutico: basal tem valor preditivo precário, sendo hoje utilizada para caracterizar retrospectivamente a secreção lútea. Avaliação do fator feminino A fertilidade diminui com a idade, tendo um declínio acentuado após 35 anos e uma queda drástica após os 40 anos. Para se avaliar o potencial reprodutivo do “pool” folicular remanescente no ovário (reserva ovariana) são considerados os períodos entre o 3º e o 5º dia do ciclo, o FSH e o estradiol. Quando o FSH estiver inferior a 10 mIU/mL, indica boa reserva ovariana. Valores superiores a 25 mIU/mL indicam mínima chance de gestação. Valores intermediários exigem elucidação por meio do teste de estímulo com citrato de clomifeno. Mais recentemente, pode-se avaliar também por meio da dosagem dos níveis séricos da inibina-B e do hormônio anti-mülleriano. Anamnese e exame físico: Caracterizar a infertilidade como primária (nunca engravidou antes) ou secundária (uma ou mais gestações, inclusive abortamentos). Pesquisar antecedentes de doença inflamatória pélvica, gestação ectópica, abortamento provocado, cirurgia pélvica anterior e uso de DIU; alterações do ciclo menstrual; galactorréia, coexistência de doenças sistêmicas como diabete melito, hipertensão arterial, tieroidopatias e obesidade; disfunções como anorgasmia e vaginismo; e também hábitos como uso de lubrificantes e duchas vaginais pós-coito. Pesquisa do fator ovulatório: Os distúrbios ovulatórios, que habitualmente se expressam clinicamente através de ciclos irregulares ou amenorréicos, são responsáveis por aproximadamente 20% dos casos de infertilidade. Deve-se, inicialmente, avaliar a função tireoidiana (TSH, T3, T4), as possíveis causas de hiperprolactinemia e hiperandronismo, que estão intimamente relacionadas com os ciclos anovulatórios. A ovulação pode ser avaliada através da dosagem sérica de progesterona, aferida na fase lútea média (21º dia do ciclo). Valores acima de 10 ng/mL são sugestivos de secreção adequada; abaixo de 2,0 ng/mL, de ciclo anovulatório e valores intermediários sugerem insuficiência lútea. A dosagem de progesterona pode ser correlacionada com o resultado da biópsia do endométrio, exame realizado na mesma fase do ciclo, e que expressa a resposta endometrial à ação estro-progestativa. Em ciclos ovulatórios, o endométrio deverá ser secretor. O exame de melhor acurácia para detecção da ovulação é a ultrassonografia endovaginal seriada. Além de ser pouco invasivo, avalia o desenvolvimento folicular e do corpo lúteo, assim como a resposta endometrial. A curva de temperatura Pesquisa da reserva ovariana Pesquisa do fator uterino e tubo Peritoneal: As doenças sexualmente transmissíveis são muito prevalentes em nosso meio, possuindo efeito deletério nas tubas uterinas. Da mesma forma, a endometriose e processos aderenciais inflamatórios corroboram para a obstrução tubária. Essas patologias constituem as principais causas de infertilidade em nosso meio, sendo responsáveis por no mínimo 30% dos casos. O estudo anatomofuncional da cavidade uterina, das trompas e da cavidade peritoneal pode ser feito através da histerossalpingografia (HSG), da histeroscopia, da histerossonografia e da videolaparoscopia. A histerossonografia é um exame recente que associa as vantagens da histerossalpingografia à ultrassonografia, permitindo o estudo da cavidade uterina mediante a injeção de solução salina. Deve ser realizado entre o 8º e o 11º dia do ciclo, para facilitar a introdução do cateter no canal cervical. A histeroscopia deve ser método complementar para o diagnóstico preciso das eventuais patologias encontradas na cavidade uterina. O emprego da videolaparoscopia com cromotubagem associado à histeroscopia é extremamente sensível e específico para o diagnóstico do fator tuperitoneal. No entanto, é por demais invasivo, tendo sua indicação restrita a casos específicos. Pesquisa da interação muco/sêmen: Os testes que avaliam a função cervical analisam a interação entre o muco cervical e o espermatozoide Os mais utilizados são a análise seriada do muco cervical (escore cervical) e o teste pós-coito (Sims-Hühner), que devem ser analisados em conjunto. O teste pós-coito deve ser realizado no período pré-ovulatório, sempre na presença de muco cervical apropriado, agendado, portanto, de acordo com as características avaliadas pelo escore cervical (volume, cristalização, filância e celularidade). Quando o teste pós-coito for insatisfatório ou deficiente, em pelo menos duas oportunidades, na presença de espermograma normal e muco cervical apropriado, deve-se recorrer a avaliação imunológica do fluído seminal e do muco cervical (teste de aglutinação, teste de microimunoesferas e Mar-Test). Devido à discutível acuracidade de todos esses exames, principalmente do teste pós-coito, não existe consenso na literatura sobre o real benefício do seu emprego rotineiramente. Atualmente, na maioria dos centros de reprodução, seu uso fica vinculado a casos específicos. Avaliação do fator masculino Responsável por 40% dos casos de infertilidade, o fator masculino é de simples avaliação, tendo seu estudo sido basicamente norteado por uma história clínica detalhada, exame físico e análise do espermograma. A história clínica deve ater-se à investigação de antecedentes de infecções (principalmente as sexualmente transmissíveis), traumas, criptorquidia, orquite, hérnias, varicocele, fimose, impotência, ejaculação precoce, malformações, exposição à radiação e a agentes químicos, ambiente de trabalho, doenças sistêmicas como hipertensão arterial, hipercolesterolemia e diabete melito, hábitos como o alcoolismo, tabagismo, uso de drogas (maconha), e ainda medicações utilizadas de rotina. A análise seminal deve ser realizada estudando-se pelo menos duas amostras de esperma, colhidas com abstinência de dois a cinco dias, preferencialmente por laboratórios especializados. Os parâmetros que devem ser analisados e seus valores de referência seguem discriminados na Tabela 1. Nos casos de oligozoospermia severa ou azoospermia, a ultrassonografia escrotal, a deferentovesiculografia e a biópsia testicular são recursos que podem ser utilizados no diagnóstico da obstrução ou da agenesia dos ductos deferentes. A biópsia testicular, além de diagnosticar a obstrução canalicular, comprova a integridade do processo da espermatogênese. Atualmente, esses casos exigem avaliação genética, com o intuito de diagnosticar eventual microdeleção do cromossomo Y. Tabela 1. Valores de referência para espermograma Espermograma Valores de referência (*) Volume Cor Liquefação Viscosidade Concentração/mL Concentração/ejaculado Motilidade A (direcionais rápidos) + B (direcionais lentos) Morfologia (OMS) Morfologia estrita (Kruger) Vitalidade Leucócitos Cultura Latex Mar-Test/Imunoesferas De 2 a 5 mL Branco opalescente Menos de 60 minutos Normal > 20 milhões/mL > 40 milhões A + B > 50% ou A > 25% > 30% ovais > 14% ovais > 50% vivos < 1 milhão/ml Negativa <10% (*) Segundo Organização Mundial de Saúde – OMS