Revista EDUC-Faculdade de Duque de Caxias/Vol. 01- Nº 03/Jan-Jun 2015
PROPOSTAS PARA A FORMAÇÃO DE NÚCLEOS EDUCACIONAIS
COMO MEIO DE INTEGRAÇÃO ENTRE UNIVERSIDADE PÚBLICA E
ESTUDANTES CARENTES
Renato Nunes Bittencourt
Doutor em Filosofia pelo PPGF-UFRJ/Professor da FACC-UFRJ
E-mail: [email protected]
Resumo: Este texto tem por objetivo apresentar propostas referentes a um possível estímulo
que as universidades públicas poderiam conceder a estudantes voluntários em prol da
formação de núcleos educacionais de preparação para estudantes de poucos recursos, que
aspiram ao acesso às universidades públicas, adotando uma estrutura similar a dos prévestibulares comunitários, localizados em áreas carentes das regiões metropolitanas de alguns
estados brasileiros.
Palavras-Chave: Educação. Emancipação. Assistência Pública. Universidade.
Abstract: This text aims to present proposals concerning a possible stimulus that public
universities could grant the student volunteers to promote the formation of nuclei of
educational preparation for resource-poor students, who
aspire to
access public
universities, adopting a structure similar to that of the community courses, located in
distressed areas of the metropolitan regions of some Brazilian States.
Keywords: Education. Emancipation. Public Assistance. University.
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PRÓLOGO
O presente texto, ainda que se refira à propostas não concretizadas plenamente, nas
considerações do autor, poderia, de acordo com as circunstâncias favoráveis e
comprometimento cidadão dos órgãos institucionais competentes, vir a ser praticado como um
projeto oficial das universidades públicas brasileiras. As reflexões desenvolvidas a seguir são
derivadas das minhas experiências educacionais como professor voluntário de cursos
preparatórios para admissão no vestibular de estudantes moradores de áreas carentes.
A UNIVERSIDADE PÚBLICA E A INCLUSÃO ACADÊMICA DOS EXCLUÍDOS
SOCIAIS
Uma das questões mais importantes debatidas nos meios educacionais reside na
possibilidade de existir uma interação concreta entre a universidade pública, considerada
enquanto instituição social fornecedora de ensino, pesquisa e extensão, e os núcleos
populacionais carentes de recursos, de modo que se viabilize o seu acesso aos bens culturais
produzidos pela sociedade.
Atualmente é discutido nos meios educacionais acerca da reserva de cotas de vagas
nas universidades públicas para estudantes oriundos de escolas públicas, carentes ou membros
de raças consideradas marginalizadas ao longo da história social do Brasil, em especial os
negros. Algumas universidades públicas adotam esse procedimento, fato que motiva grande
polêmica, pois, em nome de uma suposta ampliação da possibilidade de acesso ao ensino
universitário destes estudantes socialmente desfavorecidos, acaba por mascarar problemas da
estrutura da educação brasileira muito mais graves e crônicos, mas que, em nome de ideais
estritamente econômicos, e quiçá demagógicos, são legitimados como democráticos. Afinal,
seria muito mais oneroso para o Estado fornecer uma educação básica de qualidade para todos
os estudantes da rede pública, do que a adoção desta prática parcial, que, em nome da
efetivação de uma suposta justiça histórica, pode, a longo prazo, motivar o declínio do ensino
universitário público, que vive em constante risco de precarização. Desse modo, não basta
franquear o acesso de tais estudantes aos cursos de graduação das universidades públicas se
porventura não são desenvolvidos meios emancipatórios que evitem a evasão do corpo
discente das referidas instituições, através do auxílio material para a obtenção de mínimo
conforto que possibilite ao estudante a dedicação para a prática de atividades acadêmicas.
Portanto, para que a organização da universidade pública não venha a cometer tais
equívocos que afetam sua estrutura administrativa e educacional, creio que seria pertinente,
em prol da afirmação do seu reconhecido trabalho como um dos pilares da excelência
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educacional e científica do Brasil, que, ao invés de adotar tais medidas assistencialistas, que
pretendem apenas atenuar de modo imediato e superficial algumas deficiências da educação
nacional, a instituição realizasse trabalhos de integração tanto de âmbito sociopolítico quanto
educacional para com esses estudantes economicamente desfavorecidos, englobando
estudantes de graduação e professores interessados na efetivação desse trabalho
emancipatório. Tal proposta viabilizar-se-ia através da criação de núcleos educacionais
vinculados imediatamente à universidade pública em núcleos racionalmente distribuídos pelos
diversos estados brasileiros. O objetivo primordial reside em favorecer uma maior integração
sociocultural do postulante a uma vaga como estudante da universidade pública, através do
desenvolvimento de atividades educacionais que permitam a afirmação da cidadania e
conscientização social destes estudantes como sujeitos capacitados a atuarem pela construção
nacional de um país dotado de efetivo desenvolvimento social através da educação para o
empoderamento político.
É imprescindível que os conteúdos pedagógicos desses núcleos sejam pautados em
conhecimentos referentes aos que são aplicados na grade curricular de Ensino Médio, não
apenas como um pré-vestibular de cunho intensivo que, em prol da quantidade de aprovações
nos exames de admissão nas universidades públicas, saturasse, em um curto período de
tempo, os estudantes com conteúdos pedagógicos das mais diversas áreas, mas que
preparasse, com o máximo de qualidade possível ao longo desse espaço de tempo, esses
estudantes para os desafios não apenas do pré-vestibular, mas da própria vida universitária.
Afinal, uma extensão de tempo dessa qualidade permitiria uma transmissão de conteúdos
pedagógicos de modo mais reflexivo e crítico para a conveniente assimilação racional dos
estudantes e mesmo para os professores-colaboradores, que não se sentiriam pressionados a
transmitir de modo acelerado os conhecimentos aos estudantes que participassem do projeto,
distinguindo-se assim dos cursinhos tradicionais se submetem ao crivo mercadológico e a
lógica da aceleração da produção em vista da otimização do tempo.
Por sinal, estes professores, em vista da integração cultural da universidade pública
com as comunidades carentes, poderiam ser alguns estudantes da própria instituição que,
voluntariamente, se propusessem a participar destas obras educacionais, inegavelmente
enriquecedoras para a formação pedagógica do discente universitário enquanto ser social
conhecedor das contradições estruturais da ordem pública. Se possível, poderia existir a
supervisão de membros do corpo docente da universidade, para que o projeto adquirisse um
rigoroso planejamento pedagógico, consistência didática e provento material na sua
efetivação, uma vez que, mediante a orientação de professores experientes, os discentes
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envolvidos nesta obra educacional conquistariam um referencial excelente em suas atividades
pedagógicas, marcando assim suas formações acadêmicas mediante a compreensão orgânica
dos problemas estruturais de nosso tecido social.
Esta proposta, de certo modo, se assemelha aos dos trabalhos sociais desenvolvidos
por pré-vestibulares comunitários em algumas regiões de grande concentração de habitantes
de baixa renda, da qual os seus jovens infelizmente não possuem acesso constante e adequado
aos recursos educacionais que permitam o mínimo de conhecimentos acerca do momento
histórico cotidiano e a apreciação da cultura. Esses cursos de pré-vestibular adotam o sistema
de preparação intensiva dos estudantes que freqüentam as aulas ministradas por professores
voluntários, geralmente discentes das instituições públicas que adotam esse compromisso
social de fornecer um pouco do aprendizado que receberam outrora, na proposta de se
transmitir pelo menos os conhecimentos mais elementares a esses estudantes carentes, no
anseio de se garantir que alguns destes, em vista da dedicação e dos esforços em prol da
concretização da ansiada meta, conquistem algumas das vagas anuais no ensino superior
público. Através dessa ação social, a universidade pública favoreceria o exercício da
cidadania tanto dos estudantes carentes, que obteriam acesso a um ensino de qualidade livre
da chancela do mercado, como dos estudantes das universidades públicas, que participariam
na condição de voluntários do referido projeto, permitindo a estes a formação como
educadores cientes a nível prático da realidade e das deficiências educacionais das regiões
economicamente desfavorecidas e desassistidas pelo Estado Burguês, bem como da própria
comunidade acadêmica da universidade pública, a qual, representada por seus voluntários, se
aproximaria mais desses grupos sociais, efetivando assim o conceito de “extensão
universitária”.
No entanto, ainda que os ideais desses núcleos educacionais de resistência
sociopolítica, denominados pelo nome de “Pré-Vestibular para Negros e Carentes” (PVNC),
sejam nobres e probos, creio que suas estruturas se desenvolveram por muitos anos a partir de
bases pedagogicamente frágeis, pois, invés de proporem a formação ao menos em médio
prazo dos estudantes, suas atividades educativas se pautam essencialmente com a preparação
desses estudantes para o resultado final, a aprovação nos exames de vestibular. Os conteúdos
transmitidos geralmente são aqueles programados para serem exigidos nestes exames, e como
muitos desses estudantes vivem em condições materiais precárias, de modo que não
conseguem manter regularidade na frequentação das aulas, assim como não conseguem
dedicar boa quantidade de tempo disponível para o estudo dos conteúdos. Usualmente
concede-se espaço para a reflexão de temas sociais que situem no âmbito político e social este
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estudante, através de aulas sobre Cidadania, bem como de aulas de Filosofia e Sociologia, que
possibilitam aos que travam contato com seus conteúdos o desenvolvimento da compreensão
do estudante como ser social capaz de transformar efetivamente o mundo circundante,
retirando-o do grau de alienação ao qual se encontrava originalmente pela precariedade da
vida cultural na qual se encontrava. Por conseguinte, essas aulas devem ser direcionadas o
mais adequadamente possível para a reflexão de temas que concernem ao cotidiano imanente
desses estudantes, tal como as reflexões filosóficas acerca da ética, da política e suas
interfaces mais candentes, como exclusão social, criminalização da pobreza, violência
policial, conscientização de classe, crítica ao consumismo capitalista, dentre outros muitos
temas também pertinentes para a desmistificação de nosso excludente tecido social.
Porém, essa proposta de preparar esses estudantes sem recursos materiais, ao menos o
mais parcamente possível, para que eles consigam competir com estudantes mais preparados
tecnicamente, não deve ser considerada como a melhor solução para que se suprima a
carência educacional tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio no qual a grande
maioria desses estudantes esteve vinculada anteriormente; afinal, esse mecanismo de
assistência social comete equívocos similares aos dos pré-vestibulares mais conceituados, os
quais se preocupam tão somente com as causas finais, ou seja, com a maior aprovação dos
seus estudantes matriculados, em nome da ampliação das estatísticas de candidatos admitidos
nas universidades públicas e o conseqüente renome na imprensa e nos meios sociais,
circunstância que atrai a atenção de muitos jovens sequiosos em adentrarem no ensino
universitário de qualidade, fonte de prestígio social.
Os referidos pré-vestibulares comunitários podem ser equiparados ao Exército de
Brancaleone, pois são motivados por aspirações de grande nobreza moral e abnegação
altruísta na luta cotidiana por emancipação social dos oprimidos, mas concretizam de maneira
restrita os seus objetivos pedagógicos libertários, isto é, o de favorecer a admissão cada vez
maior de estudantes de áreas carentes nas universidades públicas. Tal situação ocorre
geralmente pelo fato de que esses núcleos educacionais não possuem recursos financeiros que
viabilizem a disposição dos materiais pedagógicos mais basilares, tampouco a concretização
da meta de se encerrar o ano letivo em plena atividade pedagógica. Por exemplo, iniciado o
ano letivo no mês de março, ao fim de setembro muitos desses núcleos praticamente estão
encerrando suas atividades, para, no ano seguinte, iniciar-se novamente esse processo. Um
dos motivos que mais contribuem para a consolidação desse declínio fugaz de alguns núcleos
de cursos comunitários de pré-vestibular reside na valorização de um sentimento de orgulho
sociopolítico pautado no ato de não se aceitar apoio financeiro de instituições que não façam
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parte do âmbito educacional dos seus membros. Atitude que demonstra indubitável dignidade,
ainda que custe o não cumprimento dos objetivos pedagógicos iniciais, pois que, em uma
economia de mercado, a adoção de tal prática severa somente pode ser prejudicial para a
consolidação dos nobres fins educacionais.
Em vista destas considerações remissivas, cabe agora refletir novamente acerca das
propostas do projeto de se desenvolver núcleos educacionais de preparação para os exames
nacionais aos cursos superiores vinculados à coordenação da universidade pública, no
objetivo de não repetir os equívocos cometidos pelos pré-vestibulares comunitários no tocante
aos problemas anteriormente apresentados. As vantagens de se incentivar os alunos de
graduação ou quiçá de pós-graduação em lecionar aulas nestes núcleos educacionais na
condição de voluntários, consistiria na possibilidade de se formar educadores cientes a nível
prático da realidade e deficiências educacionais das regiões desfavorecidas, bem como da
própria universidade pública, a qual, representada por seus voluntários, se aproximaria mais
desses grupos sociais que lutam por reconhecimento em suas ações de resistência aos
imperativos plutocráticos da gestão capitalista da coisa pública.
Em relação ao tempo necessário para que tal trabalho venha a ser efetivado nos
núcleos destinados ao aprimoramento e preparação dos diversos grupos de estudantes das
áreas mais carentes das cidades assistidas por tal projeto educacional, creio que, talvez, a
duração de três anos possa ser considerada uma extensão de tempo razoável, pois
possibilitaria aos professores voluntários uma relativa tranqüilidade na transmissão dos
conteúdos didáticos, enquanto aos estudantes seria concedido tempo hábil para a apreensão de
conhecimentos que favorecerão a sua formação educacional em prol da realização dos exames
de vestibular. Por conseguinte, o núcleo educacional que poderia ser criado pela universidade
pública não seria voltado meramente para a concretização de objetivos pedagógicos
meramente pragmáticos, isto é, a aprovação no vestibular, mas sim o aprimoramento dos
conhecimentos educacionais destes estudantes, cuja formação intelectual geralmente é
fragmentada em decorrência das pelas crônicas deficiências estruturais do ensino público
fundamental e pela vida de precariedade na qual socialmente se encontram. Esta proposta
poderia, ainda, ser considerada como uma opção para os discentes que optam por cursar em
suas respectivas graduações as disciplinas de licenciatura, uma vez que o tempo dedicado
neste importante empreendimento poderia substituir a carga horária dedicada à prática de
ensino nos locais conveniados com a nossa instituição através do estágio.
Para a concretização desse projeto, a universidade pública, de acordo com suas
condições materiais, poderia fornecer ajuda de custo aos voluntários envolvidos neste
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empreendimento, para que se possibilitasse o conforto adequado a todos os membros
envolvidos nestas atividades educacionais, bem como a aquisição dos materiais didáticos mais
basilares, a ser utilizados nas práticas de ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A viabilidade acadêmica e a pertinência intelectual da proposta educacional
apresentada no decorrer deste texto residem na possibilidade de cada vez mais aproximar a
universidade pública das comunidades socialmente mais desfavorecidas em condições
econômicas, sanitárias e profissionais, de modo a oferecer benefícios sociais que somente
contribuirão para o engrandecimento do nome da instituição que proporcionou tantos
empreendimentos grandiosos e valorosos em prol da educação e da ciência nacional. Talvez, a
partir do desenvolvimento efetivo de uma proposta acadêmica de tal amplitude, poder-se-ia
favorecer a afirmação da democracia na educação brasileira, através de um trabalho social
consistente, árduo; no entanto, apesar desse dispêndio técnico, o resultado final se
apresentaria gratificante, circunstância que poderia garantir a formação plena do estudante, e
não a mera admissão deste nos cursos universitários por meio de um método obscuro,
arbitrário e igualmente preconceituoso. Afinal, o dispositivo assistencialista somente contribui
para o declínio da educação pública no Brasil, pois ele utiliza como método de avaliação as
condições sociais e raciais do indivíduo, não as capacidades emancipatórias pessoais,
mantendo-o assim subjugado pela demagogia oficial do sistema plutocrático vigente.
A formação adequada de um estudante deve ser considerada em longo prazo, situação
ideal, ou, quando isto não for possível, em médio prazo, ainda que tal extensão de tempo seja
onerosa para as instituições educacionais. As obras de qualidade não são criadas
instantaneamente, mas decorrem de um meticuloso trabalho que envolve a interação constante
entre educador e educando, no anseio de se estender os benefícios culturais a cada vez mais
membros de nossa população.
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Propostas para a formação de núcleos educacionais como meio de