DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O DIÁLOGO
SOCIAL NO BRASIL: O MODELO SINDICAL
BRASILEIRO E A REFORMA SINDICAL
João Carlos Gonçalves*
C
reio que o fato de estarmos no Tribunal Superior do Trabalho
participando dessa discussão tripartite – trabalhadores, empresários e
governo – já é uma mudança positiva no nosso país.
Eu diria que esses vinte e cinco anos, de 1985 até agora, são o maior
período democrático do nosso país, do ponto de vista de que não houve
intervenção em sindicato, não houve nada que atrapalhasse essa vida
democrática de intervenção no Governo Federal e assim por diante. Então, um
período positivo, um período rico, não só de produção na economia, mas
também da possibilidade de, cada vez mais, caminharmos para um processo
de experiência e de convívio democrático entre as partes.
Por outro lado, estamos promovendo essa discussão num momento em
que teremos eleição presidencial também. É outra eleição em que, com certeza,
haverá um debate sobre reformas trabalhistas, reformas sindicais; muitas vezes,
alguns, puxando para o interesse daqueles que acham que uma reforma sindical
ou trabalhista é necessária para diminuir custos, e nós, trabalhadores, sobre a
nossa opinião, uma reforma que pudesse fazer avançar cada vez mais os pontos
democráticos que achamos importantes serem feitos também na nossa maneira
de nos organizar, na nossa maneira de conviver nas negociações coletivas com
os empresários. Nesse aspecto, creio que já avançamos muito nesse período.
Creio que a experiência que tivermos pós-eleição do Presidente Lula,
antes ainda, no governo FHC, o movimento sindical já foi chamado a participar
dos conselhos que foram instalados, do ponto de vista da participação de
trabalhadores, empresários e governo, no Conselho Curador do Fundo de
Garantia, nos conselhos em que tivemos também a possibilidade de discutir e,
cada vez mais, aprimorar essa maneira tripartite de gerir as questões.
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Secretário-Geral da Força Sindical.
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Em qualquer balanço que fizéssemos, nesse período, poderíamos afirmar
que o período do governo Lula foi positivo, do ponto de vista das negociações
coletivas, quer seja dos trabalhadores, quer seja dos empresários. Fomos
chamados a participar, por exemplo, do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Econômico. Promovemos um debate sobre a reforma sindical, como disse o
Siqueira, do qual ele foi um dos protagonistas, a reforma da estrutura sindical
e da reforma trabalhista, a qual acabou, como proposta, indo para o Congresso
Nacional e lá está para debate dos congressistas. Creio que a experiência que
temos levado do dia a dia faz com que busquemos aprimorar, cada vez mais, a
nossa ação sindical.
O sindicato foi organizado no Brasil, muitas vezes, para buscar apenas
o direito individual; o direito coletivo, muitas vezes, se dava na hora em que
interferia a Justiça do Trabalho para dirimir aquela ação que o movimento
estava coordenando. Acredito que, quanto à experiência que tivemos de 1978
para cá, cada vez mais, aumentamos a nossa organização sindical, cada vez
mais avançamos na negociação coletiva, uma coisa que tinha parado na época
da ditadura, avançamos e sentimos a necessidade de, cada vez mais, ultrapassar
certos limites.
Primeiro limite: negociação coletiva se dá por meio do sindicato local.
A federação, no Brasil, só negocia se o sindicato der procuração. A confederação
só negocia questões trabalhistas se o sindicato, se a federação lhe der procuração.
Isso para dizer que, no Brasil, ainda não avançamos no contrato coletivo de
trabalho. Temos experiências de negociações coletivas que ainda se dão por
região, por cidade ou por estado. Estou vendo os companheiros das indústrias
automobilísticas de Curitiba e região. Estou vendo os companheiros da indústria
automobilística de Goiás. Não se dá uma negociação unitária. Não temos ainda,
no Brasil, a experiência do contrato coletivo de trabalho, que é uma
reivindicação dos trabalhadores. Nesse aspecto, haveria de existir uma mudança
na maneira com que nos organizamos.
Creio que fizemos esse avanço a partir da constituição das centrais sindicais, a partir dos congressos que realizamos em 1981. Em 1983, nasceu a primeira
central da CUT e depois as demais. Como citei no início, temos seis centrais
legalizadas que estão buscando, cada vez mais, uma organização em que possam
estar ordenadas por setores econômicos para avançar a negociação coletiva nacional, o contrato coletivo e, mesmo que ele ainda não venha, elas possam ser
articuladoras das ações sindicais e das negociações nos diversos estados.
Além disso, as centrais sindicais deram condições de observarmos o
mundo do trabalho e da cidadania, não só do ponto de vista da nossa corporação
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– do metalúrgico, do químico, do vestuário, do pessoal que trabalha nessas
áreas –, mas começamos a observar interesses nacionais.
A questão do salário mínimo foi uma delas, que já foi citada aqui; a
questão da Previdência Social, a negociação para um aumento real e melhoria
dos benefícios dos aposentados. Tudo isso foi graças a essa mudança que demos
ao movimento, modernizando-o, passando de confederações, como se fossem
organizações nacionais, e avançando para centrais sindicais.
Nesse aspecto, observamos, no Brasil, um avanço da sindicalização após
1988, quando conquistamos o direito de fundar sindicatos de servidores públicos
– esse foi um grande avanço –, ainda que não tenhamos, na prática, a negociação
dos servidores, ou seja, não há uma data-base. Muitas vezes, as greves dos
servidores são mais para buscar a negociação do que propriamente para adquirir
a reivindicação, e, com isso, prejudicando a maioria da população mais pobre,
que, muitas vezes, precisa do serviço do Estado. Nesse aspecto, creio que a
Convenção nº 151 é uma necessidade que já foi ratificada, mas que precisa ser
implementada.
O aumento da sindicalização, no Brasil, só não é maior porque ainda
não ratificamos a Convenção nº 158, que proíbe a demissão imotivada. A
rotatividade de mão de obra no nosso país supera o número de contratados
naquele ano. É uma verdadeira mudança no sentido da diminuição de salários,
da diminuição de companheiros e companheiras que se sindicalizaram, que
são demitidos e depois têm de refazer sua associação. Com isso, dificulta-se,
cada vez mais, a organização no ambiente de trabalho. Creio também que esse
é um dado que deveríamos fundamentar.
Além disso, temos a Convenção nº 135, que garante a organização no
local de trabalho, algo que não existe no nosso país. Ainda que na Constituição
tenhamos a possibilidade de ter o delegado sindical em empresas com mais de
duzentos empregados, ainda não temos regulamentada a organização do
delegado sindical, a organização, como em outros países há, da delegacia
sindical no ambiente de trabalho. Com isso, também se enfraquece a organização
sindical, dificulta-se o diálogo, porque muitas vezes a presença do sindicato
dentro do local do trabalho, com certeza, daria condições para haver visibilidade,
para haver negociação com base no diálogo, a fim de se entenderem as
dificuldades daquela empresa. Esse também é um dado em que precisaríamos
avançar para o diálogo social.
Costumo dizer que, enquanto país democrático, avançamos até a porta
da fábrica; da porta da fábrica, é impossível o sindicato entrar, a não ser por
meio de seus associados ou dos delegados clandestinos, como dizemos. Por
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isso, a fala do Procurador do Ministério Público, que me antecedeu, dizendo
que temos a perspectiva de aumentar o número de diretores do sindicato, é
verdadeira. Isso porque a lei não garante a estabilidade de emprego para aqueles
que são delegados sindicais. Então, se os colocarmos como diretores de
sindicato, quem sabe garantiríamos a possibilidade de eles poderem exigir ou
falar sem serem demitidos. Com isso, não quero dizer que queremos apenas a
estabilidade, apenas a garantia de emprego; queremos que o sindicato tenha
porta-vozes, no local de trabalho, que possam dialogar, que possam falar das
suas reivindicações sem serem ameaçados de demissão.
Acredito que nosso país está passando por um momento – isso já foi
bem lembrado aqui – em que precisamos de novas estruturas sindicais; é
verdade. Constituímos as centrais sindicais, que foram regulamentadas em
negociação com o Governo Federal e com o Congresso Nacional. Foi por meio
de um diálogo – não foi uma coisa imposta por lei – e foi votado no Congresso
Nacional.
As centrais sindicais são hoje constituídas pelos sindicatos. O sindicato
escolhe a central a que ele quer se filiar e indica a central a quem ele quer
pagar. É assim com a federação e com a confederação.
Quando se fala em autonomia e liberdade sindical, creio que nós,
trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, estamos constituindo uma nova forma
de democracia, de liberdade, que talvez não esteja no mesmo patamar da
Convenção nº 87. Comparemos: a maneira como se organiza nos Estados
Unidos não é a mesma como se organiza na Espanha, não é a mesma como se
organiza nos países nórdicos. No Brasil, por exemplo, o sindicato representa
todos os trabalhadores, sindicalizados ou não. Quando celebramos uma
convenção coletiva, quando conquistamos um aumento real de salário,
estendemos esse acordo a todos os trabalhadores e trabalhadoras. Não somos
nós; isso está na lei. Se você observar na Suécia, nos países nórdicos, verá que
não é assim. Nesses países, os benefícios são estendidos apenas para quem é
sindicalizado.
Contrapondo-me à fala anterior, eu diria que cobramos as contribuições
de todos os trabalhadores e trabalhadoras para o sindicato porque eles e elas
são beneficiados pelos acordos coletivos, mas estamos abertos a esse debate.
Concordaríamos discutir sobre a contribuição sindical, sim, mas não podemos
abrir mão daquilo que as instituições dos trabalhadores, que são os sindicatos,
suas federações e suas confederações, lhes garantem.
Mais do que isso, quando se fala dos trabalhadores, não se fala dos
empregadores. Os empregadores também têm sua contribuição sindical
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obrigatória, repassada aos sindicados, às federações. Ninguém questiona de
onde vêm os grandes prédios das federações, como são administradas as
finanças do “Sistema S”. Reconhecemos certas mazelas dentro do movimento
sindical, mas a maioria não está nisso; a maioria está trabalhando, está agitando.
Quando se falou do acordo do salário mínimo, foi graças a manifestações
feitas aqui em Brasília por mais de trinta mil pessoas. Fizemos três marchas
com financiamento dos sindicatos. Realizamos agora um encontro no
Pacaembu, em São Paulo, com mais de vinte e cinco mil pessoas – trabalhadores
e trabalhadoras – para retirar uma pauta, a fim de apresentá-la a cada candidato
a Presidente da República, no sentido da participação dos trabalhadores.
Nesse aspecto, creio que avançamos muito, haveremos de avançar mais,
mas, muitas vezes, certas medidas que o Ministério Público toma acabam
prejudicando e cerceando o direito de organização. Estamos, nesse momento,
com uma greve da construção civil na Baixada Santista. Greves vêm cada vez
mais, porque a melhoria da situação da economia dá condições aos trabalhadores
de protestar, mas o sindicato não pode colocar um carro de som na porta para
fazer sua assembleia – tem de ser a tantos quilômetros de distância. Ora! Ora!
Ora! Se nem podemos ter organização no local de trabalho, não poderemos
fazer nossa assembleia? Não é justo, assim como não é justo também que se
retire o financiamento dos sindicatos, porque sabemos que as finanças de uma
entidade sindical ou de qualquer organização são a principal maneira de ser
democrático, autônomo, e não depender do patrão, do partido, nem da Igreja.
É importante que cada trabalhador possa participar do sindicato, associarse e contribuir com aquele que lhe traz benefícios. Creio que as centrais sindicais
estão maduras para esse diálogo. A maioria delas participou do Fórum Nacional
do Trabalho, chamadas que foram pelo governo Lula. Estamos abertos ao
diálogo. Temos buscado entendimentos com o Ministério Público. Começamos
esse diálogo no ano passado. Fomos à OIT, em Genebra. Os Presidentes das
nossas entidades estiveram lá fazendo o seu protesto por esse cerceamento, e
acredito que, no Brasil, avançamos na democracia e na organização dos
trabalhadores de uma maneira que temos garantido cada vez mais a participação
social dos trabalhadores nas decisões do nosso país.
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GONÇALVES, João Carlos. Desafios e perspectivas para o diálogo