V SIGET - Caxias do SUL, UCS, Agosto 2009 MR - Perspectivas epistemológicas e metodológicas O interaccionismo sociodiscursivo: interpelações e desafios para as ciências da linguagem Maria Antónia Coutinho [email protected] Plano O Interaccionismo sociodiscursivo (ISD) Jean-Paul Bronckart, 1997-1999, 2004-2006, 2008 Pressupostos epistemológicos Linguagem e desenvolvimento Revisitando autores 2 exemplos Implicações no âmbito das ciências da linguagem e das didácticas das línguas O que é o ISD? Não é um modelo de análise do discurso nem uma teoria linguística, não se pretende uma teoria psicológica ou sociológica… Um quadro teórico e epistemológico que partilha e desenvolve os princípios do interaccionismo social Bühler (1927), Dewey (1925), Mead (1934), Politzer (1928), entre outros Voloshinov epistemologia interaccionista social (/ Bakhtine: / epistemologia fenomenológica). Vygotski (1927/2004) Saussure (2002) Princípios gerais do interaccionismo social (Bronckart, 1997-1999) Projecto de uma ciência do humano reunificada (em reacção à fragmentação herdada do positivismo) Uma ciência de intervenção (capaz de medir a validade do conhecimento que produz pela capacidade de transformação ou operacionalização prática) Uma ciência sustentada (permanentemente) pela reflexão epistemológica (susceptível de repensar modelos e dados) especificamente científico Uma ciência natural (que rejeita a oposição entre ciências naturais e ciências humanas) – em função da adesão aos princípios de Spinoza monismo materialista paralelismo psicofisiológico Programa de trabalho do ISD (Bronckart, 2004) A desenvolver-se em três vertentes, de forma descendente – ou dialéctica: análise das características dos pré-construídos históricosociais e culturais análise dos processos de mediação socio-semiótica através dos quais crianças e adultos se apropriam desses (ou de aspectos desses) pré-construídos; análise dos efeitos dos processos de apropriação sobre a constituição da pessoa consciente e /ou sobre o desenvolvimento ao longo da vida sobre a capacidade de intervenção, ou transformação, dos pré-construídos Sobre a noção de desenvolvimento (Bronckart 2008) Diferentes ordens de desenvolvimento (diferentes objectos de desenvolvimento), que Bronckart (2008) explicitamente articula com os três mundos formais postulados por Habermas: desenvolvimento de conhecimentos formais ou conceptuais – mundo objectivo; desenvolvimento de comportamentos/capacidades de acção – mundo social; desenvolvimento (da identidade) das pessoas – mundo subjectivo. ZDP e condições de desenvolvimento Desenvolvimento de conhecimentos formais Desenvolvimento de capacidades de acção Desenvolvimento (da identidade) da pessoa Papel central da linguagem Textos e língua Os textos como unidades comunicativas globais, necessariamente associados a actividades práticas colectivas e decorrentes de acções (individuais/ conjuntas) de linguagem (…) les textes ne constituent pas la seule forme de manifestation des faits langagiers, et il nous paraît donc nécessaire (…) de clarifier la nature des rapports existant entre le niveau du texte et notamment celui de la (et/ou des) langue(s), et par là même de clarifier ce qui est effectivement désigné par cette dernière notion. Bronckart, 2008: 12 (…) os textos não constituem a única forma de manifestação dos factos de linguagem e parece-nos portanto necessário (…) clarificar a natureza das relações que existem entre o nível do texto e o da (e/ou das) língua(s), e dessa forma clarificar o que é efectivamente designado por esta última noção. Traduzido de Bronckart, 2008: 12 Revisitando autores: Bühler (2009: 139-141) Acção de fala (action de parole) realiza a tarefa de resolver o problema prático ligado à situação Obra de linguagem (œuvre langagière) “(…) ocasiões em que trabalhamos de forma criativa a formulação linguística adequada a um material dado (…)” (traduzido de Buhler 2009:140) “a obra de linguagem enquanto tal exige que possamos olhar para ela e que possamos vê-la separada da sua posição na vida e do vivido individual do seu produtor” (traduzido de Buhler 2009:140) Relendo Bühler: interpelações e desafios Para as ciências da linguagem Que reflexão e/ou que trabalho sobre a formulação linguística (que parece óbvia…por oposição à reformulação)? Para o ensino e/ou a didáctica da língua Será a formulação um problema exclusivo da “obra de linguagem”? Que implicações podem decorrer se se tomar em linha de conta a relação entre acção (de fala) e formulação? Como desenvolver a consciência das situações em que é socialmente esperado/exigido algo que se aproxima de uma (pequena) obra de linguagem (com autonomia em relação ao vivido e trabalho apurado de formulação)? Revisitando autores: Saussure (2002) Linguagem Línguas Fala / discurso Simplesmente, ouso dizê-lo, a linguística é vasta. Compreende, nomeadamente, duas partes: uma mais próxima da língua, depósito passivo, e outra mais próxima da fala, força activa e verdadeira origem dos fenómenos que são depois pouco a pouco apercebidos na outra metade da linguagem. traduzido de Saussure, 2002: 273 Exemplo 1 Um género da actividade de hotelaria: « tira lustra-sapatos » Exemplo: um género da actividade de hotelaria Propriedades sintácticas gerais das subordinadas adverbiais: - clivagem: É para chegar a horas que o João quer apanhar o metro; - possibilidade de posição inicial, medial ou final (traço fundamental, que as distingue das coordenadas): Para chegar a horas, o João quer apanhar o metro / O João, para chegar a horas, quer apanhar o metro /O João quer apanhar o metro para chegar a horas Cf. Brito 2003. Subordinação adverbial. In Mateus et al. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho, 695-728 Exemplo 1: interpelações e desafios A explicação sintáctica dirá que estamos perante um caso de elipse (da oração principal). Será. Mas a questão que importa é outra: É o contexto específico da actividade (hoteleira) que permite (ou até mesmo suscita) a elipse. Exemplo 2 Um cartoon – estando aqui em causa a conversa, ou diálogo (enquanto género incluído – cf. Rastier, 2001) Exemplo 2 Dá-me as peles que eu dou-te o machado Dá-me as peles que eu dou-te a lança Dá-me as flechas que eu dou-te o arco e as flechas Explicação da sintaxe: ambiguidade entre (oração) causal e final Exemplo 2: interpelações e desafios Dá-me as peles que eu dou-te o machado Dá-me as peles para eu te dar o machado Dá-me as peles porque eu dou-te o machado Dá-me as peles e (depois) eu dou-te o machado Quando me deres as peles, eu dou-te o machado A estrutura em análise permite a convergência de múltiplos valores: final (1), causal (2), aditivo (3) e de sequencialidade temporal (3 e 4). A questão que importa é saber se se trata de ambiguidade ou de uma possibilidade de língua usada no diálogo (em PE) – desvalorizada e/ou ignorada pela “gramática”, que não a regista. Exemplo 2: interpelações e desafios Levado ao extremo, (…) daria na tese de que cada texto teria sua gramática. De certo modo, esta tese é correta, pelo menos no sentido de que cada tipo de texto tem uma forma de realização própria, de maneira que a textualidade de um poema e a de uma carta comercial observarão princípios constitutivos diversos. Marcuschi, 2009: 55 Nota: Parece legítimo interpretar a ocorrência da expressão “tipo de texto” num sentido equivalente ao de género de texto. Interpelação e desafio para as Ciências da Linguagem: “a natureza heurística da teoria textual” Marcuschi, 2009 Referências bibliográficas Bota, C. & Bronckart, J.-P. (2008). Volochinov et Bakhtine: deux approches radicalement opposées des genres de texte et de leur statut. Linx, 56, pp. 67-83. Bronckart, J.-P. (2008). Un retour nécessaire sur la question du développement. In M. Brossard & J. Fijalkow (Eds.), Vygotski et les recherches en éducation et en didactiques, Bordeaux: Presses Universitaires de Bordeaux, pp. 237-250. Bronckart, J.-P. (2008). Genre de textes, types de discours, et « degrés » de langue" - In : Texto ! [em linha], Dialogues et débats, vol. XIII, no. 1, publicado: 19/06/2008, URL : http://www.revue-texto.net/index.php?id=86. Bronckart, J.-P. (2006). Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano, Campinas (Brasil), Mercado de Letra, 258 pp. Bronckart, J.-P. & Groupe LAF (Ed.) (2004). Agir et discours en situation de travail, Genève, Cahiers de la Section des sciences de l’Education, 103 Referências bibliográficas (cont.) Bronckart, J.-P. (2004). Pour un développement collectif de l'interactionnisme socio-discursif. Calidoscópio 2, 2004, p. 113-123 Bronckart, J.-P. (1997). Activité langagière, textes et discours. Pour un interactionisme socio-discursif, Lausanne: Delachaux et Niestlé (ed. portuguesa: 1999. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sóciodiscursivo. São Paulo, EDUC. trad. de Anna Rachel Machado) Bühler, K. (2009), Théorie du langage (ed. de D. Samain e J. Friedrich). Marseille: Agone Marcuschi, L. A. (2009). Lingüística de texto: o que é e como se faz? Editora Universitária - EDUFPE Rastier, F. (2001). Arts et sciences du texte. Paris, P.U.F. Saussure, F. de (2002) Écrits de Linguistique Générale (éd. de S. Bouquet e R. Engler) Paris: Gallimard