Ensino/ aprendizagem de inglês para alunos disléxicos: o que nos revelam os documentos 1 ? Juliana Reichert Assunção Tonelli - Mestre em Estudos da Linguagem. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL) na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente do curso de Letras na Universidade Estadual de Maringá (UEM). ([email protected]); Vera Lúcia Lopes Cristovão - Pós –Doutora em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP. Professora PPGEL/UEL. ([email protected]) RESUMO: Neste artigo procuramos discutir a questão da inclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem, especificamente a dislexia, no sistema educacional regular brasileiro. Para isto, trazemos a análise discursiva parcial da Apresentação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001). Na análise do documento em questão, buscamos, ancorados nos pressupostos teórico-metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo, identificar as principais marcas textuais que possam indicar como o trabalho docente é compreendido quando se trata da inclusão de alunos portadores de necessidades especiais na educação básica. Fundamentalmente os dados analisados indicam uma mobilização, por parte do agente produtor, quanto ao convencimento sobre a necessidade do envolvimento docente na tarefa de incluir todos os alunos no processo de escolarização. PALAVRAS-CHAVE: dislexia, aprendizagem, inclusão escolar. ABSTRACT: In this article we aim at discussing the issue of the inclusion of students with learning difficulties, particularly dyslexia, in the Brazilian regular educational system. Thus, 1 Este trabalho faz parte de minha pesquisa de doutorado em andamento cujo principal objetivo é compreender o processo de ensino/aprendizagem de inglês em crianças disléxicas, por ser esta considerada uma dificuldade diretamente ligada à aquisição de linguagem (leitura e escrita). A pesquisa está sendo desenvolvida sob a orientação da Prof. Dra. Vera Lúcia Lopes Cristovão na Universidade Estadual de Londrina (UEL). we present a partial discursive analysis of the Presentation in the National Directives for Special Education in Basic Education (Brasil, 2001). In the analysis of such a document, based on the theoretical-methodological constructs of Sociodiscursive Interactionism, we aim at identifying the main textual marks that may indicate how teachers’ work is understood when it comes to the inclusion of students with special needs in the basic education. Fundamentally, the analyzed data point to a mobilization, from the producer’s part, towards convincing the reader about the need of teacher’s involvement in the task to include all students in the schooling process. KEYWORDS: dyslexia; learning; school inclusion. 1. Introdução O ensino de inglês para crianças como língua estrangeira já é uma prática consolidada em vários lugares do mundo, inclusive em nosso país, conforme apontado em pesquisas na área (TONELLI, 2005; SHIMOURA, 2005; MARINS, 2005; LINGUEVIS, 2007; FURTADO, 2007; SCHEIFER, 2008, só para citar alguns exemplos). Uma das justificativas para o fortalecimento desse quadro repousa no fato de que o poder econômico e a tecnologia cada vez mais acessível fazem dessa língua um instrumento fundamental para participação social em nível global (GIMENEZ, 2005; RAJAGOPALAN, 2005; GRADDOL, 2006; TONELLI; RAMOS, 2007). Sendo assim, conforme aponta Moita Lopes (2005) o ensino de línguas estrangeiras tem sido atualmente apontado como uma forma de inclusão social, o que, naturalmente nos expõe aos mais diferentes tipos de aprendizes. Nesse contexto, profissionais da área de ensino de línguas se deparam com algumas limitações, dentre as quais, alunos com dificuldades de aprendizagem. Uma dificuldade apontada em algumas pesquisas (ALVES, 2007; MASSI, 2007), como um quadro de dislexia, um distúrbio de linguagem – diretamente relacionado a palavras e letras – que provoca uma dificuldade específica na aprendizagem da identificação dos símbolos gráficos, mais observável na leitura e escrita, acarretando alto grau de dificuldade na ortografia (JOSÉ; COELHO, 2008). Entretanto, corroboramos o pensamento de Bronckart (1999/2003; 2006) quanto ao fato de que a linguagem só se manifesta por meio de textos com traços de condutas humanas organizadas socialmente. linguagem como código Deste modo, parece-nos inadequado tomar a concepção de isolado e na decodificação de estruturas lingüísticas descontextualizadas, posicionamento comumente tomado por estudiosos da dislexia que analisam a linguagem como código decodificador, conforme aponta Massi (2007). Assim, ao investigarmos a dislexia em crianças aprendizes de língua inglesa, pretendemos discutir, a partir de levantamento bibliográfico, como tal quadro pode ser investigado no escopo da Lingüística Aplicada (LA), tomando como pressuposto a perspectiva vygotskyana do papel da linguagem, isto é, “um meio de comunicação social, de enunciação e compreensão” (VYGOTSKY, 2001, p. 11). Desta forma, nos distanciamos de perspectivas teóricas que desconsideram a historicidade da linguagem, do sujeito e de suas ações lingüísticas em situações reais de uso da língua, neste caso da língua inglesa, e o contexto de tais interações, conforme aponta Massi (2007, p. 53). Tomamos como um dos pilares para a compreensão do quadro acima descrito, os documentos que direcionam as leis educacionais brasileiras, especificamente, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001). Isto posto, neste trabalho, nos propusemos a analisar a parte introdutória do referido documento: a Apresentação das Diretrizes assinada pelo então Ministro da Educação, a fim de buscarmos identificar as principais marcas textuais que possam indicar como o trabalho docente é compreendido por parte dos agentes produtores de tal documento quando se trata da inclusão de alunos portadores de necessidades especiais na Educação Básica (Educação Infantil ao Ensino Superior). Este artigo encontra-se assim organizado: primeiramente trazemos uma breve reflexão sobre a importância da língua inglesa como forma constituinte da cidadania e do ser humano. Em seguida, apontamos algumas (in) definições do termo dislexia para, finalmente, apresentarmos extratos da Apresentação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (doravante DNEEEB) e as análises a que nos propomos. Importa-nos ressaltar que, ainda que tal documento não contemple diretamente questões relacionadas ao ensino de inglês, por ser esta uma disciplina de oferta obrigatória no terceiro ciclo do ensino fundamental e uma língua que começa a ser considerada como língua global (GRADDOL, 2006), tomamos o ensino/aprendizagem de inglês também como uma forma de educação inclusiva, termo presente no documento analisado. 2. A língua inglesa como forma constituinte da cidadania e do ser humano Entendendo o ensino/aprendizagem de inglês também como uma forma de inserção social, nossa preocupação central está, portanto, em identificar por meio das principais marcas textuais em documentos educacionais como o trabalho docente é compreendido quando se trata da inclusão de alunos portadores de necessidades especiais na educação básica. Corroboramos as idéias de Moita Lopes (2005) ao defender que a aprendizagem de inglês se transformou em um dos instrumentos centrais da educação contemporânea e a aprendizagem dessa língua estrangeira possui uma função de ampliação de oportunidades sociais. Nas palavras de Rajagopalan: “O importante é, contudo, não esquecer que, em última análise, os nossos alunos precisam adquirir domínio da língua inglesa para o seu próprio bem e para se tornarem mais aptos a enfrentar os novos caminhos que o mundo coloca no seu caminho.” (RAJAGOPALAN, 2005, p. 45). No que tange o ensino da língua inglesa a crianças, Bittinger (1999), Pires (2004) e Cameron (2003) acreditam que o crescente interesse pelo ensino/aprendizagem daquela língua tem ocorrido por conta do processo de globalização e sua influência na vida das pessoas (como por exemplo, o aumento das relações comerciais entre países). Além disto, os referidos autores consideram a crescente preocupação dos pais em proporcionar aos filhos o necessário conhecimento e fluência na língua inglesa, o que, teoricamente, pode significar certa vantagem na conquista de melhores universidades internacionais e, conseqüentemente, na fase adulta, de empregos com melhores salários. Conforme aponta Graddol (2006, p.88) “a idade que as crianças começam a aprender inglês cada vez mais é menor por todo o mundo”, caracterizando, portanto, uma tendência mundial. Diante de tais considerações, não podemos nos eximir de considerarmos a importância que a língua inglesa vem assumindo na constituição do sujeito na contemporaneidade. Sendo assim, acreditamos ser fundamental pensarmos o ensino de inglês a alunos (crianças, especificamente) portadores de necessidades educacionais especiais, no caso, estudantes com dificuldades relacionadas à linguagem. 3. Como definir a dislexia? De acordo com Salles, Parente e Machado (2004) o estudo dos problemas de leitura é bastante antigo e existem divergências quanto às perspectivas teórico-metodológicas assumidas. Muitas teorias foram elaboradas em várias áreas do conhecimento (neurologia, psicologia e educação) para descrever e explicar os déficits na aprendizagem da leitura e escrita em crianças. Já a Associação Brasileira de Dislexia (ABD) 2 define dislexia como um distúrbio ou transtorno de aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração. A ABD está vinculada à International Dyslexia Association que deixa claro que entende a linguagem como um código, ao caracterizar a dislexia como um distúrbio especificamente de ordem lingüística. Para Massi (2007), tal caracterização veicula a dificuldade da criança à codificação e decodificação de palavras simples e descontextualizadas. Visão esta que concebe a língua como um código organizado em função de um conjunto de sons, letras, sílabas e palavras isoladas de um contexto significativo e, o aprendiz como um ser passivo e mero memorizador de repetições. Para a autora, ao considerarmos o contexto social e as interações históricas como propriedades inerentes ao estudo da linguagem, os supostos erros cometidos por crianças diagnosticadas disléxicas, não são mais vistos como tais e sim, como indícios de mecanismos dos quais o aprendiz utiliza para compreender a leitura e a escrita no seu processo de construção, de aquisição ou, no caso do inglês, da aprendizagem. Segundo Bronckart (1999/2003; 2006) é ilusório interpretar a atividade de linguagem como produto do acúmulo de comportamentos resultantes do substrato neurobiológico humano. A linguagem só se manifesta por meio de textos com traços de condutas humanas socialmente organizadas. Ressaltamos que optamos por analisar, neste momento, apenas a parte da Apresentação das Diretrizes por entender que tal texto, embora tenha uma função de localizar o possível receptor quanto ao conteúdo dos documentos, em muitos momentos parece assumir um caráter prescritivo do papel da escola e do professor no processo de inclusão, conforme veremos adiante. No entanto, no corpo das Diretrizes encontramos a explicitação da dislexia como uma dificuldade de aprendizagem, daí a importância de considerarmos o mesmo em nossa pesquisa: “O quadro das dificuldades de aprendizagem absorve uma diversidade de necessidades educacionais, destacadamente aquelas associadas a: dificuldades específicas de aprendizagem como a dislexia e disfunções correlatas (grifo nosso); problemas de atenção, perceptivos, emocionais, de memória, cognitivos, psicolingüísticos, psicomotores, motores, de comportamento; e ainda há fatores ecológicos e socioeconômicos, como as privações de caráter sociocultural e nutricional 3 .” (BRASIL, 2001, p. 44) 2 http://www.dislexia.org.br/ 3 Parecer CNE/CEB nº 17/2001// Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001. Além disto, Alves (2007) afirma que, no Brasil, cerca de 30 a 40 % da população que freqüenta as primeiras séries do Ensino Fundamental possui algum tipo de dificuldade. Ancorada nos estudos de Ciasca (2003), Alves (op. cit.) pontua que daquele percentual, em torno de 3 a 5 % da população, apresentam uma dificuldade específica na “aprendizagem da leitura. Essa dificuldade é denominada ‘dislexia do desenvolvimento’ ou simplesmente ‘ dislexia’(ALVES, 2007, p. 18). 4. Metodologia A partir do trabalho desenvolvido por Bronckart e Machado (2004), o qual apresenta uma metodologia de análise de textos referentes ao trabalho educacional, nos restringiremos à análise textual da Apresentação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, assim como proposto por Bronckart (1999/2003). 4.1. Descrição do objeto de análise/documento Assim como sinalizado anteriormente, apresentaremos as análises discursivas parciais da Apresentação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. O documento traz, de forma geral, concepções relativas à Educação Especial no contexto educacional brasileiro e está organizado em dois grandes temas: 1) a organização dos sistemas de ensino para o atendimento ao aluno que apresenta necessidades educacionais especiais e; 2) a formação do professor. Ao final, o documento apresenta a Resolução que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica 4 . 4.2. Procedimentos de análise Ancorados no trabalho de Bronckart (1999/2003) e de Bronckart e Machado (2004) que propõem a análise de documentos produzidos pelas instituições sobre as tarefas que os professores/ trabalhadores devem realizar, os quais são tomados, em princípio como textos de prescrição do trabalho ou de trabalho prescrito e incluem documentos do Ministério da Educação e de outras instâncias governamentais, projetos de escolas, etc., realizamos, portanto, (1) a análise do contexto sócio-histórico; (2) a análise lingüístico-discursiva do texto 4 Resolução CNE/CNB Nº 2, de 11 de Setembro de 2001. e (3) uma análise interpretativa que possa ajudar-nos a alcançar o objetivo a que nos propusemos. 5. Apresentação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica: uma análise lingüística e interpretativa. Nossa análise está apoiada nos pressupostos teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) uma abordagem inserida na ciência do humano, cuja especificidade é a de postular que a linguagem é absolutamente central e constitui-se no principal instrumento do desenvolvimento humano, assim como postula Bronckart (2006). 5.1. Análise do contexto sócio-histórico Bronckart (1999/2003) propõe um modelo de análise que envolve, entre outros aspectos, o levantamento de informações sobre o contexto de produção dos textos, entendidos como produtos da atividade de linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais. Para ele, o contexto de produção é definido como “o conjunto de parâmetros que podem exercer uma influencia sobre a forma como o texto é organizado” (1999/2003, p. 93). Neste sentido, importa-nos compreender em que contexto as DNEEEB (BRASIL, 2001) foram produzidas. De acordo com Mendes (2006), após vários anos (desde a década de 1960) e várias tentativas, as escolas comuns passaram a aceitar crianças ou adolescentes deficientes em classes comuns ou em classes especiais. Em 1990 foi realizada na Tailândia a Conferência Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, promovida pelo Banco Mundial, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Programa para das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Nesta ocasião, foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Em 1994 foi realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade, promovida pelo governo da Espanha e pela UNESCO. Nesta Conferência foi então produzida a Declaração de Salamanca (BRASIL, 1997) que, nas palavras de Mendes (2006, p. 395), é “tida como o mais importante marco mundial na difusão da filosofia da educação inclusiva.” Neste cenário, teoria e práticas inclusivas ganham terreno em muitos países, inclusive no Brasil. Em um ambiente controverso, o Ministério da Educação lança as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Ao realizarmos a análise do texto temos, seguindo o modelo de análise proposto por Bronckart (199/2003), o contexto físico de produção: O lugar de produção: Brasília. O momento de produção: ano de 2001. O emissor: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Especial. O receptor: diretores, professores, coordenadores pedagógicos, gestores escolares e todos aqueles diretamente ligados a educação/ educação especial. Ainda ancorados nos mesmos pressupostos teórico-metológicos temos, em um segundo plano, o contexto sociosubjetivo no qual um determinado texto foi produzido. O lugar social: Ministério da Educação (MEC), órgão regulador do ensino no Brasil. A posição social do emissor: Ministro da Educação. Papel social do receptor: profissional ligado a Educação. O objetivo da interação: instituir um documento oficial que legitime a inclusão nas escolas regulares (ou comuns) no Brasil. Embora não seja nossa intenção esgotar aqui o assunto, emprestamos de Bronckart e Machado (2004) a concepção de que o conhecimento dos aspectos sócio-históricos que presidiram a edição das Diretrizes nos permite “uma leitura mais contextualizada e menos inocente” do documento em pauta. Considerando tais informações, entendemos que o documento sob análise foi produzido em um contexto de discussões e de tomadas de decisões em nível mundial sobre a necessidade de reformulações educacionais em torno de uma série de argumentos como o de que todas as crianças (especialmente as portadoras de necessidades educacionais especiais) sejam incluídas no ambiente e processo educacional. 5.2. Análise Linguistico-discursiva Na visão de Bronckart e Machado (2004), um texto pode ser nomeado por seu autor como sendo uma carta aos professores e sua análise revelar que o gênero a que pertence é, na verdade uma circular administrativa. Segundo Bronckart (1999/2003) a análise organizacional constitui-se da identificação do plano global do texto e dos tipos de discurso que o constituem. Nas palavras de Bronckart e Machado: “A identificação do plano global do texto, de suas partes constitutivas e suas articulações deve levar-nos a clarificar o estatuto dialógico dessa estrutura composicional, que não pode ser vista como aleatória, mas sim como obedecendo a um objetivo específico, conforme as representações que o autor tem de seus destinatários” (BRONCKART & MACHADO, 2004, p. 145-146). Na Apresentação do documento a que nos propomos a analisar podemos verificar basicamente as seguintes partes principais: 1) “A educação é o principal alicerce da vida social”. Tal afirmação parece sinalizar a intenção por parte do agente produtor (autor) de destacar o papel da educação como um todo e de valorizar o texto diante dos olhos do destinatário do mesmo. Especialmente ao usar o adjetivo “principal”. Tal escolha lingüística aponta para o desejo de convencimento de que é a educação (representada pela escola e pelo papel do professor) a responsável pelas bases de uma convivência social em harmonia. Outros aspectos presentes são a educação como objeto transformador e a expressão do desejo de uma sociedade mais justa (mais uma vez a escola é apontada como responsável pelo sucesso ou insucesso na construção de uma sociedade justa e livre), conforme apontamos no excerto abaixo: 2) “Se o nosso sonho e o nosso empenho são por uma sociedade mais justa e livre, precisamos trabalhar desde a escola o convívio e valorização das diferenças, base para uma verdadeira cultura de paz.” Por outro lado, a seção de Apresentação de um documento que é especificamente destinado a orientar a escola e os professores quanto ao trato de alunos portadores de necessidades especiais, generaliza, pelo menos é o que nos parece, o “diferente”: 3) “Em todo o mundo, durante todo o tempo, o diferente foi colocado à margem da educação (...).” Identificamos nas escolhas lingüísticas mobilizadas pelo agente produtor um agir autônomo, deslocado para um mundo distante (“todo o mundo”, “todo o tempo”) generalizando a presença do “diferente”, como se os portadores de necessidades especiais fossem os “diferentes”. Aqui, cabe-nos uma breve reflexão: Diferente de quem? Existe um padrão estabelecido para que se possa identificar o “diferente”? Além disto, para que a educação inclusiva em nosso país se torne realidade, esta é apontada como sendo uma tarefa de todos: 4) “Empreender as transformações necessárias para que essa educação inclusiva se torne realidade nas escolas brasileiras é uma tarefa de todos.” Assim, analisando o plano global do texto percebe-se uma orientação argumentativa – busca do convencimento da necessidade e da importância da educação escolar e da educação inclusiva. A análise enunciativa se dedica à investigação das relações de modalizações e análise dos valores assumidos pelos dêiticos (pessoa, por exemplo). Considerando as unidades dêiticas, como por exemplo, pronomes pessoais, possessivos, advérbios de lugar e de tempo, formas pessoais e temporais dos verbos podemos observar que existe um apagamento da responsabilidade do trabalho e, ao mesmo tempo, a indicação de que tal trabalho não está sendo efetivamente realizado em conjunto pelo produtor (ministério da educação) e pelo receptor do texto (professores da educação básica). A seguir, trazemos mais alguns extratos do documento: 5) “Se o nosso sonho e o nosso empenho são por uma sociedade mais justa e livre, precisamos trabalhar desde a escola o convívio e a valorização das diferenças, base para uma verdadeira cultura de paz”. Aqui, vemos o uso do pronome possessivo nosso como uma tentativa de aproximação do produtor do texto com o receptor do mesmo e, ao mesmo tempo, parece sinalizar uma tentativa de aproximação dos interlocutores, persuadindo o receptor quanto à idéia de que tanto o governo quanto a escola e, por sua vez, os professores (prováveis receptores) possuem o mesmo ideal. 6) “À frente do Ministério da Educação estamos trabalhando para ter toda criança na escola (...)” Considerando a análise da coesão verbal – primeira pessoa do plural do presente do indicativo tempo composto - estamos trabalhando - (BRONCKART, 1999/2003) sugere um apagamento da responsabilidade do trabalho e, ao mesmo tempo, a indicação de que este não está sendo realizado pelo produtor (ministério da educação) admitindo que a produção do documento não foi feita pela pessoa que o assina ( no caso, o então Ministro da Educação), mas que houve uma equipe envolvida. Por outro lado, o emprego do gerúndio (trabalhando) indica uma ação em andamento, um processo ainda não finalizado do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria de Educação Especial (SEESP), imprimindo a intenção de dar continuidade ao trabalho de inclusão iniciado. Prosseguindo na análise, buscamos, por ora, identificar de forma geral sem a profundidade que o tema merece, as unidades que apontam os protagonistas colocados em cena na mensagem do Ministro da Educação brasileira na apresentação das Diretrizes. De forma geral, podemos identificar (1) o papel da educação: “ A educação é o principal alicerce da vida social.”; (2) as DNEEEB: “ Integrando-se a esse processo, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (...) vêm representar ao mesmo tempo um avanço na perspectiva (...)”;(3) as instâncias educacionais, o governo, a comunidade escolar, professores, famílias, direação da escola, funcionários, entidades de pessoas com deficiência, instituições de de ensino superior e de pesquisa, os meios de comunicação, as organizações não-governamentais e outros segmentos da sociedade : “ (...) devem interagir nesse processo.” Acreditamos que essa rápida exposição dos protagonistas do texto nos mostra dados importantes e que várias conclusões podem ser retiradas. Para efeito de conclusão geral, apontamos as várias entidades citadas como uma forma de fortalecer a intenção de convencimento quanto a necessidade do envolvimento de todos no processo de inclusão: “ Estamos certos de que participar do processo educativo juntamente com os demais alunos – contando com os serviços e recurosos especiais necessários – é um direito dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. Empreender as transformações necessárias para que essa educação inclusiva se torne realidade nas escolas brasileiras é uma tarefa de todos”. ( BRASIL.MEC/ SEESP, 2001, p. 6) Seguindo nossa análise, outros aspectos identificados foram: (a) O documento como representatividade do avanço do ensino; (b) A educação inclusiva implica mudanças significativas e requer esforços conjuntos e; (c) O processo educativo como sendo um direito dos alunos com necessidades especiais. No item seguinte, procuraremos discutir tais questões sob uma perspectiva interpretativa. 5.3. Análise Interpretativa A fim de identificar como o trabalho docente é compreendido quando se trata da inclusão de alunos portadores de necessidades especiais na educação básica a partir da análise da Apresentação das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, trazemos nesta seção uma análise interpretativa da mensagem do Ministro da Educação brasileira. Para tanto, fundamentamos nossas análises no trabalho de Bronckart e Machado (2004), adotando algumas das categorias utilizadas pelos referidos pesquisadores na perspectiva da semântica do agir. Considerando que o “termo agir designa o dado sob análise” (BRONCKART & MACHADO, 2004, p. 154), ou seja, as diversas formas de intervenção dos seres humanos no mundo, aqui especificamente no mundo do trabalho. Seguindo a noção de agir, conforme Bronckart e Machado (op. cit.), esta indica intervenções humanas no mundo, incluindo o trabalho. Já no plano motivacional, os referidos autores fazem uma distinção entre o que denominam determinantes externos do agir (de natureza coletiva, material ou da ordem das representações sociais) e os motivos, compreendidos aqui como as “razões de agir interiorizadas por uma pessoa particular.” (BRONCKART & MACHADO, 2004, p. 155) “Se o nosso sonho e o nosso empenho são por uma sociedade mais justa e livre, precisamos trabalhar desde a escola o convívio e a valorização das diferenças, base para uma verdadeira cultura de paz”. Observando o excerto acima, é possível interpretar o agir como um envolvimento coletivo no processo da construção de uma “nova” sociedade que valorize as diferenças e sirva de base para uma cultura de paz. Além disto, pode-se identificar um determinante externo (trabalhar o convívio) que requer mudanças ou adequações por parte da comunidade escolar para receber os alunos portadores de necessidades educacionais especiais. Já no plano da intencionalidade, os autores distinguem as finalidades, “considerando-as de origem coletiva e socialmente validadas e as intenções, que são as finalidades do agir interiorizadas por uma pessoa particular.” (BRONCKART & MACHADO, 2004, p. 155) “Concretamente, esse construir junto requer disposição para dialogar, aprender, compartilhar e trabalhar de maneira integrada no processo de mudança da gestão e da prática pedagógica” Tomando a fala do Ministro identificamos no texto a intenção do mesmo de convencer os agentes 5 de que deve haver um desejo compartilhado a fim de alcançar mudanças no agir pedagógico quanto se trata de inclusão. Não deixando assim, opção ao professor: ele está incluído no TODOS marcado no documento, confirmando o papel de co-executor do trabalho a ser realizado. A guisa de conclusão esclarecemos que, ao recorrermos às unidades semânticas e às categorias de análise do agir, do plano motivacional e da intencionalidade procuramos apontar que, de forma geral, a seção de Apresentação das Diretrizes visa marcar o documento em discussão como representatividade do avanço do sistema educacional brasileiro. Dentro desse quadro, a educação inclusiva requer mudanças significativas e esforços conjuntos para que os alunos com necessidades educacionais especiais sejam incluídos na 5 Faz-se (Bronckart & Machado, 2004) uma distinção entre os termos actante - utilizado para qualquer pessoa implicada no agir, ou seja, um agir ativo – e o termo agente – quando não são atribuídas nem capacidades nem intenções próprias ao agir. escola de forma adequada, isto é, a escola (incluindo o professor) deve adequar-se àquele público. 6. Considerações finais Buscamos, através deste trabalho, tecer algumas considerações acerca da inclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem, especificamente a dislexia, no sistema educacional regular brasileiro. Ao recorrermos às análises discursivas, seguindo os pressupostos teórico-metodológicos do ISD, na Apresentação das DNEEEB buscamos identificar as principais marcas textuais que possam indicar como o trabalho docente é compreendido quando se trata da inclusão de alunos portadores de necessidades especiais na educação básica. Entre outros aspectos, os resultados mostraram que, embora o título da seção analisada seja APRESENTAÇÃO, há uma mobilização (intencionalidade), por parte do agente produtor, quanto ao convencimento sobre a necessidade do engajamento docente na tarefa de incluir todos os alunos no processo de escolarização. Concluímos, portanto, que o autor do texto não apenas visava apresentar o documento, mas essencialmente convencer e direcionar o trabalho dos receptores do mesmo quanto ao fato de que a educação inclusiva passa, daquele momento em diante, a ser uma realidade no contexto educacional brasileiro e de que as DNEEEB são o documento maior que conduzem o agir de todos os envolvidos, direta ou indiretamente, no sistema educacional. Finalmente, apontamos o caráter prescritivo do documento em questão, não concordando com o título APRESENTAÇÃO que deveria, em nossa concepção, situar o receptor quanto ao conteúdo do documento. 7. Referências ALVES, L. M. A prosódia na leitura da criança disléxica. Belo Horizonte, 2007. Tese (Doutorado em Estudos Lingüísticos) - Universidade Federal de Minas Gerais. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília, DF, 2001. p.79. __________________________. 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