Programa de Aperfeiçoamento em Gestão de Políticas de
Proteção e Desenvolvimento Social
Curso: Governança e Arranjos Institucionais de
Políticas Públicas Professores:
Alexandre Gomide e Roberto Pires Período: 3,
4, 10 e 11 de junho de 2014
Aula 1 - Governança, Políticas Públicas e Capacidades Estatais
Roberto Pires
Brasília, 03 de junho de 2014
ENAP
Governança e Arranjos Institucionais de
Políticas Públicas
Profs.: Roberto Pires / Alexandre Gomide
Aula 1
Governança, Políticas Públicas e
Capacidades Estatais
Ponto de Partida
§ Termo “Governança” ocupa local de destaque nos
debates atuais (teoria e prática) - uma das noções mais
utilizadas nos debates políticos contemporâneos (desde os anos 1980)
(LEVI-FAUR, 2012):
• Explosão da produção acadêmica nos anos 1990s e 2000s
• Emprego do termo em reformas do setor público por parte
de governos e organismos internacionais...
§ ...mas há confusão sobre o seu entendimento,
ambiguidade de sentidos, papéis e implicações
• Capela (2008):
• Relações institucionais (i.e. comunidade europeia); economia e
engenharia; ciência política; administração pública e políticas públicas
• Governança x administração pública; redes; NPM; participação;
regulação; transparência; desempenho; eficiência... (Quadro 1, p.10)
• Governança x governabilidade (p.11-13) – Bresser...
Percurso
§ Objetivo: clarear essa noção, compreender sua
emergência e organizar o debate para desenvolver
capacidade analítica
• A que se refere?
• De onde vem?
• O que oferece?
I - A que se refere?
• transformação das formas de organização e operação
daquilo que chamamos de Estado (mecanismos de
condução coletiva e das relações de poder entre Estado,
mercado e sociedade)
• trata das configurações possíveis das relações entre estado
e sociedade (hierarquia, mercado e rede)... e seus impactos
para a condução da coletividade.
• A solução de “problemas públicos” (por meio de políticas
públicas) requer “novas” estruturas políticas
“Governance signifies a change in the meaning of government,
referring to new processes of governing; or changed conditions of
ordered rule; or new methods by which society is
governed” (RHODES, 1996, p.652).
I - A que se refere?
§ Schneider (2005):
“a palavra ‘governança’ remonta ao condutor (kybernêtês) dos
antigos navios de guerra gregos; assim os filósofos gregos se
referiam à condução do navio do Estado (...) correspondentes
latinos são “gubernare” e “regere”, que foram empregados
tanto para a condução de navios quanto do Estado (“to
govern”, “gouverner” e “regieren”) (...) processos estatais de
condução – condução do governo e da sociedade por meio de
instituições...” (p.34)
Teorias de governança como “cibernética institucional” –
integração do sistema pressupõe mecanismos sociais e
políticos de condução...
....não se aplica apenas a condução puramente estatal –
remete a formas adicionais de condução social
I - A que se refere?
§ Interage com ideia de Estado-Rede -
Schneider (2005):
“redes de políticas públicas são novas formas de governança
política que refletem uma relação modificada entre Estado e
sociedade [...] são mecanismos de mobilização de recursos
políticos em situações em que a capacidade de tomada de
decisão, de formulação e implementação de programas é
amplamente distribuída ou dispersa entre atores políticos e
privados” ... requer intercâmbio, cooperação, regulação,
capacidade de imposição... enfim, uma arquitetura específica...
Uma divisão do trabalho.”
> Complexo parlamento-executivo não dá conta sozinho de
produzir políticas... Cada vez mais dependente dos recursos
($, info, humano, etc.) de atores sociais, econômicos, grupos
de interesse, institutos de pesquisa, etc. e etc...
II - De onde vem?
§ Paradigma anterior:
• “No final do século XIX, a Ciência Política era dominada por um
historicismo desenvolvimentista que inspirou grandes narrativas
centradas na nação, no Estado e na liberdade. Esse tipo de
historicismo apelava para narrativas que situavam eventos e
instituições em uma ampla ordem de progressiva
continuidade.” (BEVIR, p.103)
• Impulso modernista-tecnicista (anos 1940-50):
• uso do conhecimento científico e da técnica para promover o progresso social
(Saint-Simon, “Fisiologia Social” ; Comte; J.S. Mill; J. Bentham);
• O “corpo social tem como médicos engenheiros e cientistas” >>> planos e ações
para a saúde do organismo
• Características dessa abordagem:
• pressupõe habilidade de “mensurar”, “prever” e “monitorar” o mundo;
• políticas públicas envolviam problemas eminentemente técnicos, resolvíveis pela
aplicação sistemática do conhecimento técnico;
II - De onde vem?
§ Perspectiva econômica – relação estado x economia
• Estado positivo (MAJONE, 1999):
“Assim, ao fim do período de reconstrução das economias
nacionais minadas pela Segunda Guerra Mundial, a
redistribuição e a gestão macroeconômica surgiram como
prioridade política máxima da maioria dos governos da Europa
ocidental. O mercado foi relegado ao papel de provedor de
recursos para pagar pela generosidade governamental, e
quaisquer provas de falhas de mercado eram consideradas
suficientes para justificar a intervenção do Estado, muitas
vezes sob a forma intrusa da alocação central de capitais e da
nacionalização de setores-chave da economia.”
II - De onde vem?
§ Conjunto de mudanças ao longo do Século XX, mudam práticas
e teorias sobre o Estado e promovem novos entendimentos
sobre instituições e política:
• Sociais – diversidade e pluralismo, diferenciação interna, “explosão” de
movimentos, identidades, demandas fragmentadas/particulares;
• Econômico-produtivas – verticalização/fordismo > produção modular/redes
+ mudanças nas formas corporativas (governança corporativa,
conglomerados, fundos, etc.);
•
mudança nas formas de organização e representação + progressiva diferenciação e
especialização funcional
• Estado – monopólio da produção de políticas públicas - de ator singular e
monolítico para sistema de múltiplos atores – estado deixa de ser
compreendido como uma hierarquia e passa a ser compreendido como
uma rede de organizações relativamente autônomas (Estado-Rede) –
diversificação organizacional: autarquias, empresas, agências autônomas,
paraestatais, etc...
• Políticas – democracia e demodiversidade (procedimentos);
III - O que oferece?
§ “Noção” de Governança =
- orientação analítica fundamental para dar conta
dessas transformações;
- forma de interpretação das mudanças na atuação do
Estado (e na relação com atores sociais, econômicos
e políticos) com repercussões para suas organização
e atuação;
- Instiga reflexões sobre:
- novas formas de exercício da autoridade estatal;
- como o setor público em conjunção com uma multiplicidade
de atores se torna capaz de guiar/dirigir a sociedade e a
economia.
III - O que oferece? (Exemplo)
§ “Rede de políticas de controle químico na Alemanha”
(Schneider, 2005, p.47)
§ Contraste com a política atual de mudança climática...
Implicações e Aplicações
§ Reforma do Estado + Consenso de Washington (BM
+ FMI):
§
Crítica ao Estado (“falha governamental”) X administração pública tradicional
(weberiana, vertical, centralizada e hierárquica)
•
privatização, liberalização, reforma dos sistemas de bem-estar social, desregulação,
desconcentração, fragmentação, delegação de responsabilidades
§
governança (abordagem crítica): vetor de reforma no sentido da incorporação de
atores econômicos e sociais – no Brasil, MARE + FGV
§
Governança e NPM (não se confundem, mas podem se apoiar):
•
(a) mudança no foco de gestão, abandonando a ênfase em processos para a ênfase em resultados;
(b) amplo destaque para medições de desempenho, indicadores de eficiência e estabelecimento de
padrões quantitativos para os serviços públicos; (c) busca de formatos organizacionais menos
hierarquizados; (d) aplicação de mecanismos de mercado no provimento de serviços públicos
(incluindo privatização, terceirização, desenvolvimento de mercados internos via contratos de gestão,
entre outros mecanismos); (e) diminuição das fronteiras entre os setores público e privado,
caracterizado pelo aumento das parceiras público-privado e proliferação de organizações híbridas; (f)
mudança de prioridades, deixando em segundo plano valores como o universalismo e equidade, em
direção à eficiência e individualismo.
Implicações e Aplicações
Majone (1999):
Implicações e Aplicações
Outras apropriações comuns:
§ Participação social e relação estado-sociedade
§ Disseminação de formas institucionais de
participação e parcerias com organizações da
sociedade civil
§ PPPs, novas formas de parceria com setor privado...
§ Coordenação e articulação inter, intra e trans...
INTERVALO
Governança X Capacidades estatais
§ há um amplo consenso de que a “governança”
captura uma alteração na teoria e na prática em
direção a mercados e a redes... envolvendo a
inclusão de novos atores que controlam o uso do
poder pelo Estado;
§ No entanto, persiste a questão:
Com isso, os governos têm se tornado menos
capazes de definir e conduzir suas políticas ou
apenas mudaram as formas por meio das quais
realizam tal atividade?
Governança X Capacidades estatais
§ Pouca reflexão sobre os impactos que isso tem
sobre as capacidade do próprio estado
“In other words, most people are interested in studying political
institutions that limit or check power—democratic accountability
and rule of law—but very few people pay attention to the
institution that accumulates and uses power, the state
(checking institutions x power-deploying
institutions)” (FUKUYAMA, 2012 - The Strange Absence
of the State in Political Science).
Capacidades estatais
§ Definições:
• 1ª geração: criar e manter a ordem em um território
soberano (defesa, construção e imposição de leis,
administração de conflitos, etc.);
• Legislação
• Coerção
• Taxação
• 2ª geração: capacidade de prover bens e serviços
públicos de interesse de seus membros (identificar
problemas, tomar decisões, executar ações, entregar
resultados e produzir bem-estar).
• Administração / implementação (estrutura e ação)
Governança X Capacidades estatais
3 perspectivas/narrativas sobre essa relação na
literatura (MATTHEWS, 2012; LEVI-FAUR, 2012):
a) “esvaziamento do Estado” e redução das suas
capacidades
b) Transformações nos tipos de capacidades
c) Ampliação e potencialização de capacidades estatais
Governança X Capacidades estatais
1. “esvaziamento do estado” (hollowing out of the state)
A capacidade do estado de controlar a produção de
políticas diminui, com a emergência a adensamento de
interações entre atores do estado, do mercado e da
sociedade civil:
• Desagregação e fragmentação das burocracias estatais
• Transferência de responsabilidades (sociedade civil, mercado,
•
governos subnacionais)
Participação e integração nas dinâmicas internacionais
= produção das políticas se tornou menos centrada nos
Estados; arenas decisórias e instrumentos de execução
cada vez mais deslocados para fora da esfera (ou do
controle) estatal;
Governança X Capacidades estatais
2. Transformação e não diminuição (Filling in):
rejeita a diminuição do estado e chama atenção para o
mudanças nas suas funções e papeis – apenas um
deslocamento, mas sem perda de centralidade ou
relevância
• Da produção direta (intervenção) para regulação (regras do
jogo) - Estado positivo x Estado regulador (“steering, not
rowing”)
• (des)regulação como re-regulação
• novas funções e papéis que ainda mantem centralidade e
controle de recursos essências (financeiros, legais, simbólicos)
= migração de instrumentos de política de “HARD” para “SOFT” – erosão
da capacidade de imposição (hierarquia/coerção) e necessidade de
negociação e articulação, incentivos e convencimento...
Governança X Capacidades estatais
3. Potencialização da ação estatal
aumento da capacidade de intervenção do estado por
meio das interações e parcerias com outros atores em
arranjos mais complexos:
“a noção de governança pode estar associada ao aumento da
capacidade de intervenção do Estado, ao proporcionar a mobilização
de atores não-estatais na formulação e implementação de políticas
públicas, contribuindo, assim, para maior eficiência e efetividade... É
possível pensar na existência de ‘forças auxiliares’ na sociedade civil
que, por meio dos procedimentos adequados e de suas competências
específicas, podem ser recrutadas para a cooperação na realização
de tarefas de interesse público, sujeitas a supervisão regulatórias e à
incentivos econômicos...”
“desoneração do Estado organizada pelo próprio Estado – pode gerar
uma Estado ao mesmo tempo mais leve e mais capaz” (Claus Offe,
2012, p.12)
Governança X Capacidades estatais
3. Potencialização da ação estatal
Aumenta se tiver habilidade de coordenar, articular e direcionar os
demais atores…
a. Coordenação e articulação de redes
b. Combinação de autonomia e flexibilidade dos atores não-estatais
com direcionamento central
c. Capilaridade e cobertura do território, acesso a grupos e
populações
d. Monitoramento difuso, contínuo, múltiplas perspectivas
e. Aprendizado e inovação – experimentação e adaptação e
capacidade de mudança...
Interações e Inovações
§ Problemas de política pública se tornam mais complexos e a
inovação no setor pública mais necessária...
§ A amplificação das interações entre atores estatais e não
estatais tem sido entendida como uma vetor de inovação – para
aumento da eficiência e efetividade das políticas
§ Cria espaços para que uma pluralidade de atores competentes
tragam seus conhecimentos, iniciativas e recursos (ampla
evidencia no setor privado – exemplos, celular, jeans, etc.)
• Aquisição de informação – aperfeiçoamento de diagnósticos
• Desenvolvimento de soluções viáveis e adequadas – antecipação de
problemas
• Monitoramento e avaliação
Inovação Produtiva
§ Telefones celulares: intercâmbio entre os
departamentos de Radio e Telefonia da Bell
Labs.
§ Calça Jeans – cooperação entre a lavanderia
Martelli, fabricantes de jeans e de máquinas de
lavar para desenvolver técnicas de
acabamento e estilos.
§ Equipamentos médicos surgiram das
interações entre médicos e pesquisadores e
fabricates em encontros informais.
Interações e Inovações
§ Lipjhart (1999):
não há comprovação de que a redução do número de atores
influentes nos processo decisórios leve a decisões de qualidade
superior, nem tampouco que a rapidez do processo decisório gere,
necessariamente, melhores resultados nas políticas
governamentais. Segundo o autor:
“Políticas apoiadas em amplos consensos são mais propensas de serem
implementadas com maior sucesso e a seguir seu curso do que políticas
impostas por um governo que toma decisões contrárias aos desejos de
importantes setores da sociedade” (LIJPHART,1999:260, tradução livre).
Interações e Inovações
§ Stark e Brustz (1998):
A partir da análise da formulação e implementação de políticas
econômicas em três democracias no Leste Europeu após o
socialismo, os autores observam que a coerência e a qualidade
das políticas aumenta quando as burocracias do Poder Executivo
têm que dialogar e prestar contas de suas decisões às diversas
forças políticas no Parlamento e na sociedade organizada. Tendo
que negociar suas propostas com outros atores, os policymakers
aumentam a compreensão dos problemas, ampliam sua
capacidade de obter informações críticas, corrigindo erros de
cálculo que, na ausência deste processo, só apareceriam no
momento da execução.
Governança x Capacidades Estatais
§ Relação incerta / aberta:
• Cada narrativa se refere a processos reais e
concretos
• Envolve dilemas:
• Inclusão x eficiência
• Controle x autonomia
• Traz desafios, limites
• Oferece oportunidades e novas
potencialidades
Debate
§ Considerando que:
• “governança” é essa lente interpretativa que nos
faz perceber a complexificação e fragmentação
dos atores e processos no Estado, na sociedade
e no mercado e nos chama atenção para as
relação e interação entre eles nos processos de
produção das políticas públicas...
• “governança” pode estar a associada tanto a
perspectivas de redução ou de ampliação das
capacidades do Estado...
Debate
§ Em grupos de, no máximo, 5 pessoas
§ discussão e sistematização de desafios e
oportunidades da gestão de políticas públicas
a partir da noção de governança:
• grupos deverão refletir sobre suas experiências
na gestão de políticas públicas, selecionar um
caso ilustrativo e, a partir dele, listar e organizar
os principais desafios e oportunidades que se
colocam para a gestão de políticas públicas na
“era da governança”.
Próximos passos
“governança” sugere reflexões sobre processos de ação coletiva
(envolvendo atores estatais e não estatais = econômicos, políticos e
sociais) e chama a atenção para a importância do desenho desses
processos e seus mecanismos
>>> arranjos de condução/coordenação
1.
2.
3.
4.
Ambiente político-institucional brasileiro
Arranjos institucionais
Articulações e coordenação de políticas públicas
Exemplos de análise de arranjos, capacidades e
resultados de políticas públicas
Download

Capacidades estatais