MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL
6º OFÍCIO DE COMBATE À CORRUPÇÃO
SGAS QUADRA 604, LOTE 23, GABINETE 113 – BRASÍLIA (DF) – CEP 70200-640
FONE (61) 3313 5477 – FAX (61) 3313 5298
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ____ VARA DA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da
República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem à digna
presença de Vossa Excelência, com base nos elementos de cognição colacionados no
Inquérito Civil n.º 1.16.000.002196/2013-84 (anexo) e fundamentado no artigo 129, inciso
III, da Constituição Federal e na Lei nº 7.347/85, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO
em face de
DANIEL VITAL NOLASCO, brasileiro,
CARLOS ROBERTO LOPES LUNA, brasileiro,
RENATO CARVALHO DE FREITAS, brasileiro,
;
FERNANDO LOPES BORGES, brasileiro,
;
JOSÉ IRAN ALVES DOS SANTOS, brasileiro,
;
VALMIR LIMA DOS SANTOS, brasileiro,
2/40
VALDEMAR DE SOUZA JÚNIOR, brasileiro,
RCA ASSESSORIA EM CONTROLE DE OBRAS E SERVIÇOS LTDA – EPP,
sociedade empresária limitada
;
SOUZA & LIMA EDIFICAÇÕES LTDA ME, sociedade empresária limitada
pelos fundamentos a seguir expostos:
1. DO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO.
Trata-se de ação civil pública de ressarcimento ao erário movida em
desfavor da empresa RCA ASSESSORIA EM CONTROLE DE OBRAS E SERVIÇOS, bem
como de seus sócios, em virtude de atos lesivos à moralidade e ao erário perpetrados no bojo
da execução do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, em sua modalidade aplicável
a municípios com menos de 50.000 habitantes.
Com efeito, demonstrar-se-á no curso da presente narrativa, que tal
empresa, na qualidade de representante de instituições bancárias autorizadas a atuar no
programa, organizou complexo esquema de malversação de haveres públicos, que lhe
permitiu auferir vantagens indevidas e gerou substancial ao erário.
3/40
Em um primeiro momento, observou-se que a empresa requerida, na
qualidade de correspondente das instituições bancárias habilitadas, providenciou a contratação
de construtoras para a execução das unidades habitacionais de modo flagrantemente antiisonômico. Em contrapartida, estabeleceu a estas a cobrança de uma espécie de taxa
notadamente ilegal, exigida sob o manto de supostos serviços de assessoria, a qual, em
verdade, constituía verdadeira condição para o pagamento das obras realizadas.
Apurou-se, outrossim, que sócios da RCA criaram construtoras, as quais
foram igualmente incluídas de modo espúrio na execução de obras do Programa Minha Casa,
Minha Vida, com o objetivo de desviar verbas públicas e lavar parte do dinheiro auferido a
título de propina.
Tais atos ilícitos, com efeito, frustraram a execução do aludido
programa, porquanto impediu que as residências construídas possuíssem condições mínimas
de habitabilidade.
Por fim, destaca-se que comprovam as ilicitudes em comento um hígido
conjunto
de
elementos
de
informação
colacionados
ao
Inquérito
Civil
nº
1.16.000.002196/2013-84, dentre os quais destaca-se a cópia do processo de sindicância nº
80000.015659/2013-22, já convertido em PAD; cópia do Inquérito Policial nº 075/2013-11,
que tramita perante a Justiça Federal de São Paulo; cópia da ação judicial de nº 012098912.2012.8.26.0100, na qual sócio oculto da RCA pleiteia indenização por sua exclusão da
sociedade, atualmente em curso na 11ª Vara da Justiça Federal paulista, e cópia do Acórdão
2255/2014 – TCU – Plenário, proferido no âmbito do TC 010.900/2013-6.1
Portanto, conclui este Parquet ser imperiosa a condenação dos
requeridos ao ressarcimento ao erário de todos os prejuízos decorrentes dos atos ilícitos por
eles perpetrados.
1
Com relação às ações judiciais mencionadas, destaca-se que os juízos em que tramitam autorizaram
expressamente o compartilhamento das provas nelas produzidas junto a esta instância cível.
4/40
2. DOS FATOS
2.1. DO PAPEL DA RCA NA EXECUÇÃO DO PROGRAMA MINHA CASA, MINHA
VIDA – MODALIDADE SUB-50.
A empresa RCA ASSESSORIA EM CONTROLE DE OBRAS E
SERVIÇOS LTDA – ME é empresa fundada em 01 de outubro de 2005, domiciliada em São
Paulo e que atua, de acordo com seu contrato social (fl. 130/135 – anexo I, volume V,
processo CGU) nas seguintes áreas:
a) assessoria e fiscalização, acompanhamento e controle de
obras de construção civil;
b) correspondente bancário, tais como: análise e cadastramento
de dados de Pessoas Físicas e Jurídicas, voltados ao mercado
imobiliário, acompanhamento e controle de obras de
construção; e,
c) consultoria em administração pública e privada.
Integram seu quadro societário, também de acordo com a última versão
de tal documento, CARLOS ROBERTO LOPES DE LUNA – sócio administrador e exgarçom na estrutura do Ministério das Cidades –, DANIEL VITAL NOLASCO, ex-servidor
do Ministério das Cidades, IVO AGUIAR LOPES BORGES2 e JOSÉ IRAN ALVES DOS
SANTOS.
Destaca-se, ainda, a participação de FERNANDO LOPES BORGES,
igualmente ligado ao Ministério das Cidades, na defesa dos interesses da sociedade, ainda que
não incluso em seu contrato social.
Sobre a participação de tal agente na sociedade, impende analisar o
conteúdo da ação judicial nº 0120989-12.2012.8.26.01003. Depreende-se de tais autos que tal
2
Falecido em 23 de novembro de 2011.
Em tal pedido judicial, FERNANDO LOPES BORGES cita que, devido a desentendimentos ocorridos junto
aos demais integrantes da gestão da RCA, transferiu suas cotas de participação na empresa a seu irmão, IVO
AGUIAR LOPES BORGES, a quem caberia representar seus interesses na gestão da RCA. Deste modo, apesar
de não mais constar no contrato social da mesma, permaneceria como uma espécie de sócio de fato da empresa,
em razão do mandato exercido por seu irmão.
3
5/40
agente atuaria como uma espécie de sócio de fato da RCA, cujos interesses seriam
representados por seu irmão, IVO AGUIAR LOPES BORGES, quando vivo.
De igual modo, a efetiva atuação de FERNANDO LOPES BORGES em
atividades de interesse da RCA pode ser igualmente comprovada a partir de declarações
prestadas por representantes de construtoras envolvidas no PMCMV, como bem destaca
Luciano Martins, em declarações prestadas no bojo do IPL 75/2013-11 (fl. 258 – Volume II)4.
Fixadas as peculiaridades da composição societária da RCA, faz-se
mister voltar atenção ao papel fundamental que tal empresa possuía no desenvolvimento das
atividades do Programa Minha Casa, Minha Vida, em sua modalidade aplicável a municípios
com população inferior a 50.000 habitantes. Senão vejamos.
O Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, estabelecido pela Lei
nº 11.977/2009, constitui importante ferramenta de exercício da política fundiária atualmente
desenvolvida pelo Governo Federal e possui como finalidade, criar mecanismos de incentivo à
produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e
produção ou reforma de habitações rurais para famílias com baixo poder aquisitivo.
Com relação àqueles municípios de população inferior a 50.000
habitantes, são aplicáveis as disposições estabelecidas pela Portaria Interministerial nº 484, de
2009, que, dentre outras adaptações à esquemática proposta pela Lei nº 11.977/2009, estipula
a participação de instituições bancárias ou agentes financeiros privados, habilitados pelos
Ministérios da Fazenda e das Cidades, para operarem no programa.
Narra, todavia, que o falecimento de IVO AGUIAR LOPES BORGES ensejou sua retirada abrupta da sociedade,
diante da perda de sua relação fática com o corpo diretivo da RCA.
Assim, na supracitada ação judicial, FERNANDO LOPES BORGES pleiteia o pagamento de indenização em
decorrência da perda de sua participação fática na RCA.
Por fim, destaca-se que tal agente, ao apresentar os motivos que motivariam a sua retirada da sociedade, ressalta
que os desentendimentos com os demais sócios decorreriam de fraudes perpetradas pela empresa em sua
participação no PMCMV – os quais constituem objeto da presente ação judicial.
4
QUE o programa MCMV foi apresentado a Vertical Engenharia através de FERNANDO BORGES,
representante da RCA; QUE a RCA convidou a Vertical Engenharia representada por NELSON para atuar na
construção de casas do Programa MCMV;
6/40
Dessarte, diferentemente do que ocorre na modalidade principal do
PMCMV, não há participação da Caixa Econômica Federal como gestora e transmissora dos
recursos públicos destinados à construção de habitações populares.
Deste modo, verifica-se que em tal modalidade do PMCMV, atuam os
seguintes agentes, com suas respectivas competências:
a) Ministério das Cidades: responsável por estabelecer as
diretrizes e condições gerais, elaborar as propostas
orçamentárias de aplicação e distribuição de recursos, realizar
o processo de seleção de propostas apresentadas por estados e
municípios, etc; além de, em conjunto com o Ministério da
Fazenda, realizar a oferta pública às instituições e agentes
financeiros;
b) Instituições e agentes financeiros habilitados pelos
Ministérios da Fazenda e das Cidades para operarem no
programa: responsáveis por analisar a viabilidade técnica,
jurídica e documental das obras e serviços a serem realizados,
acompanhando sua execução, firmarem termos de acordo e
compromisso com os estados e municípios proponentes e
contratos com os beneficiários finais, etc;
c) Estados e Municípios: responsáveis por apresentarem as
propostas de participação no Programa, aportarem
contrapartida, promoverem ações facilitadoras e redutoras dos
custos de produção dos imóveis, etc;
d) Beneficiários.
Destaca-se, por oportuno, que, de acordo com o item 6.3 da Portaria
Interministerial nº 484/2009, as funções atribuídas às instituições financeiras poderiam ser
parcialmente atribuídas a outras entidades privadas, como a RCA, por meio de terceirização:
6.3 As instituições financeiras e agentes financeiros do SFH
interessados em participar da oferta pública de recursos
deverão encaminhar correspondência à Secretaria Nacional de
Habitação do Ministério das Cidades informando a
composição de quadro de pessoal, próprio ou terceirizado, com
qualificação técnico-operacional para executar as análises dos
projetos e acompanhamento da execução das obras ou serviços.
(grifou-se)
7/40
Amparada por tal previsão normativa, pôde a RCA ingressar na
execução do Programa Minha Casa, Minha Vida – Sub-50, na qualidade de correspondente
das instituições bancárias Morada, Bonsucesso, Banco Paulista, Luso Brasileiro, Schahin,
Tricury, Morada e Bicbanco; todas autorizadas a operar no programa.
Em verdade, conforme se verifica dos instrumentos contratuais firmados
entre as instituições bancárias supracitadas e a RCA, majoritariamente a partir do ano de
2009, esta atuava como verdadeira longa manus daquelas, haja vista o longo plexo de
atribuições a ela repassadas, assim sintetizadas pelo TCU (fl. 18 do Relatório referente ao
Acórdão 2255/2014):
102. Em linhas gerais, a atuação da RCA pode ser descrita
como ocorrendo em três etapas:
a) primeira, de captação, análise e seleção da demanda,
envolvendo contato com os proponentes, estados e municípios, e
análise da documentação exigida destes entes para participação
no programa;
b) segunda, de contratação da demanda, englobando o contato
com os beneficiários do programa e a formalização de contrato
com estes;
c) terceira, de gestão técnica e financeiras das obras,
envolvendo, dentre outros, o acompanhamento dos
empreendimentos e emissão periódica de relatórios.
103. Destaque-se que diversos contratos trazem explicitamente
como atribuição da RCA Assessoria a organização de
assembleia de beneficiários, que tem como objetivo a
constituição de comissão para acompanhamento e fiscalização
da obra, com poderes para realizar também a contratação da
empresa construtora.
104. Esta forma de contratação das empresas responsáveis pela
execução das obras, via comissão de beneficiários, é objeto de
descrição e análise específica no tópico 3.3 deste relatório.
105. Ainda sobre as atribuições desempenhadas pela RCA
Assessoria, a própria empresa em seu material de divulgação
(peça 34, p. 3) informa (grifamos):
´Com uma equipe altamente treinada, realizamos todas as
etapas que envolvem o Programa Minha Casa Minha Vida para
municípios com até 50 mil habitantes, atendemos atualmente a
mais de 20 estados, milhares de municípios e estamos atuando
na entrega de aproximadamente 49.000 unidades habitacionais.
´
8/40
Por tais serviços, a RCA recebia parte da verba repassada às instituições
bancárias, que, em alguns casos, correspondia percentual sobre o montante total repassado, e,
em outros, a valor fixo por número de contratos de beneficiário efetivados.
Observa-se, portanto, que a RCA, embora possuísse natureza privada,
ocupava importante posição na gestão e emprego de grande montante de verbas públicas
destinadas à concretização de políticas públicas de habitação; funções estas que, todavia, não
eram acompanhados de efetiva fiscalização por parte do Poder Público.
De fato, consoante apurado pelo TCU, o controle exercido pela
Administração sobre as atribuições transferidas às empresas terceirizadas que operavam no
PMCMV – Sub50 era praticamente inexistente. Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho do
relatório do Acórdão 2255/2014 do TCU (fl. 23):
137. Sobre o conhecimento da existência de empresas
terceirizadas atuando no programa, o MCidades/SNH
esclareceu que, por ocasião da 1ª Oferta Pública, as instituições
e agentes financeiros que possuíam contratos com empresas
terceirizadas comunicaram este fato e que, portanto, ‘o
Ministério possuía a informação de quantas e quais eram as
empresas terceirizadas, embora as atribuições específicas que
desempenhavam só tenham sido solicitadas após as reportagens
publicadas pela imprensa.
Importante ressaltar, outrossim, que o TCU igualmente identificou a
participação direta da RCA na construção de 48.312 unidades habitacionais, as quais
consumiram R$ 948.439.999,90 – valor correspondente a 25,16% de todos os recursos
públicos destinados às duas ofertas públicas realizadas em tal modalidade do PMCMV.
Assim, em um contexto que envolvia ampla delegação de atribuições
estatais, substancial emprego de verbas públicas e pífia estrutura de fiscalização e controle –
notadamente propício à malversação de haveres públicos –, pôde a RCA organizar complexo
9/40
sistema de corrupção, que lhe permitiu obter vantagens patrimoniais indevidas em detrimento
do erário.
Tratemos, pois, de forma mais específica, do modo pelo qual os
requeridos perpetraram atos lesivos ao erário.
2.2. DA COBRANÇA DE PROPINA ÀS CONSTRUTORAS RESPONSÁVEIS PELA
EXECUÇÃO DAS UNIDADES HABITACIONAIS.
O primeiro conjunto de atos ilícitos perpetrados pela empresa RCA diz
respeito à cobrança de propina às construtoras contratadas para a execução de moradias no
bojo do Programa Minha Casa, Minha Vida – Modalidade Sub50.
Conforme descrito alhures, cabia à empresa RCA intermediar as
relações entre as instituições bancárias habilitadas e as construtoras, o que ocorria através da
identificação da demanda de construção de unidades no âmbito do programa, formalização
dos contratos junto aos beneficiários e fiscalização e medição das obras executadas.
Nota-se, pois, que, ao menos em teoria, não se inclui dentre tais
atribuições a escolha de quais construtoras seriam escolhidas para a construção das unidades
habitacionais; providência esta que, diante do caráter notadamente público das verbas
destinadas ao programa, deveria ser realizada através de procedimento que seguisse os
preceitos regentes da atividade administrativa pública, especialmente a isonomia e a
eficiência.
Ademais, o repasse de tal incumbência a empresas do gênero da RCA
ensejaria verdadeiro conflito de interesses, uma vez que caberia a estas, dentre outras tarefas,
fiscalizar e atestar a correta execução dos serviços – ato fundamental para a liberação do
pagamento do por parte das entidades financeiras habilitadas.
10/40
Nesta senda, haja vista a inexistência de previsão normativa acerca da
contratação de construtoras em tal modalidade do PMCMV5, estabeleceu-se como padrão nos
contratos firmados entre a RCA e as instituições financeiras, que uma Comissão de
Acompanhamento de Obras (CAO), compostas por beneficiários do programa, decidiria a
respeito da contratação da construtora responsável pela execução das obras.
Nesse sentido, frisa-se os seguintes trechos do Relatório pertencente ao
Acórdão 2255/2014 do TCU (fl. 18, 48 e 63):
103. Destaque-se que diversos contratos trazem explicitamente
como atribuição da RCA Assessoria a organização de
assembleia de beneficiários, que tem como objetivo a
constituição de comissão para acompanhamento e fiscalização
da obra, com poderes para realizar também a contratação da
empresa construtora.
(…)
297. Há ainda menção à constituição de comissão de
acompanhamento de obras (CAO), composta por beneficiários
indicados pelos demais em assembleia. Esta CAO teria, dentre
outras, as atribuições de escolher a construtora e acompanhar
a execução das obras.
298. Dentre as quatorze instituições financeiras/agentes
financeiros do SFH que relataram serem os beneficiários os
responsáveis pela contratação, algumas informaram que
realizam análises técnicas e/ou jurídicas das construtoras
selecionadas, via de regra sem detalhar quais análises seriam
realizadas
(…)
402. Consoante exposto no tópico 3.3 do relatório, quatorze
instituições /agentes financeiros (responsáveis por 75,71% das
unidades) declararam a realização de assembléia de moradores
para constituições de Comissão de Acompanhamento de Obras
(CAO), que teria, ao menos formalmente, diversas atribuições,
dentre elas a de ser responsável pela fiscalização e recebimento
das obras.
403. Por fim, relembre-se que, conforme detalhado no item 3.1,
para as instituições/agentes financeiros que realizaram a
terceirização de serviços para a RCA Assessoria ou a Família
Paulista Promotora de Venda, foi identificado que compete a
estas empresas a ‘gestão técnica e financeiras das obras’,
5
Conforme destaca o TCU, no relatório pertencente ao Acórdão nº 2255/2014, à fl. 47:
290. A forma de seleção e contratação das empresas responsáveis pela execução das obras do PMCMV Sub50
não é regulamentada pelo MCidades em nenhum dos normativos do programa.
11/40
inclusive, por vezes, acompanhando e orientando a constituição
da mencionada CAO por parte dos beneficiários.
Contudo, elementos de informação colhidos na investigação cível que
instruem a presente inicial denotam, de modo inequívoco, que a escolha das construtoras, em
verdade, era realizada de modo unilateral pela própria RCA, com base em interesses espúrios.
Com efeito, colhe-se do depoimento prestado à Polícia Federal por
LUCIANO MARTINS, representante da construtora VERTICAL, que a RCA promoveu a
inclusão da empresa na execução de obras referentes ao PMCMV. Veja-se (fls. 258/260 do IPL
0075/2013-11):
QUE a RCA convidou a Vertical Engenharia representada por
NELSON para atuar na construção de casas do Programa
MCMV; QUE ficou acertado a construção de 800 casas pela
empresa VERTICAL, sendo que algumas delas ao curto de R$
13.000,00 outras ao custo de R$ 16.000,00; QUE conseguiram
entrar em vinte municípios para execução do programa, sempre
por intermédio da RCA;
(…)
QUE tinha conhecimento de que a comissão que deveria
escolher a construtora, entretanto, a construtora do declarante
já estava indicada e assim, celebravam um contrato entre
comissão de acompanhamento de obra e a Vertical;
Igual procedimento foi relatado à Polícia Federal por RUBEN
MARCOS CALIXTO AMARAL, representante da KL CONSTRUTORA ENGENHARIA E
SERVIÇOS LTDA, responsável por obras do PMCMV no Maranhão (fls. 1338/1339 do IPL
0075/2013-11):
QUE veio a fazer parte do programa a partir de um contato
com a empresa RCA Consultoria e Serviços, sediada na cidade
de São Paulo;
(…)
QUE quem indicou a empresa do declarante para construir as
casas do PMCVM foi a RCA Consultoria e Serviços;
12/40
No que toca à inexistência de escolha das construtoras pela Comissão de
Acompanhamento de Obra – CAO, salienta-se que os integrantes de tais comitês, de forma
unânime, relataram no bojo do Inquérito Policial não terem conhecimento sobre a forma de
escolha das construtoras incumbidas da execução das obras.
Nesse sentido, relevante a menção às alegações prestadas HENRIQUE
BARBOSA DA SILVA e MÁRCIA CRISTINA SILVA FÉLIX, componentes das CAO’s de
Palmeira D’oeste e Jales, respectivamente (fls. 1156/1157 e 1166/1167 do IPL 0075/2013-11):
QUE, sua relação com o PMCMV foi em decorrência de
preencher os requisitos para participar e ser beneficiado com
uma casa do referido programa que beneficiará 30 famílias no
município; ao quesito 3 respondeu QUE, foi a Assistente Social
ALINE, que atua como chefe do CRAS, quem realizou a seleção
das famílias que seriam beneficiadas pelo referido programa;
ao quesito 4 respondeu QUE, não ouviu falar que beneficiários
tiveram que pagar para participar do programa, e no caso do
depoente, não pagou nenhuma quantia para ser beneficiado
com o imóvel; ao quesito 5 respondeu QUE, foi ALINE quem
escolheu o depoente para fazer parte da Comissão de
Acompanhamento de Obras (CAO); ao quesito 6 respondeu
QUE, como membro da CAO, o depoente seria responsável por
sanar os problemas que acaso ocorressem, mas somente após o
término das obras, e com as famílias já morando nos imóveis;
QUE o depoente não acompanha o desenvolvimento das obras;
ao quesito 7 respondeu QUE, o depoente não teve contato com
empresas para desenvolver suas atividades na comissão; ao
quesito 8 respondeu QUE, não se recorda do nome da
construtora que iniciou as obras, mas pode afirmar que ela
abandonou a construção, depois de um certo período retomou
às atividades, e abandonou novamente as obras; ao quesito 9
respondeu QUE, não sabe como foi o procedimento de escolha;
ao quesito 10 respondeu QUE, não sabe se foram realizadas
cotações e nem em quais construtoras; ao quesito 11 respondeu
QUE, somente teve conhecimento da construtora VERTICAL
por meio dos pedreiros que trabalhavam nas obras;
Que ela deveria assinar alguns documentos para comprovar a
entrega de materiais de construção; QUE inicialmente a
depoente assinou alguns documentos atestando o recebimento
de materiais, mas na realidade nem mesmo chegou a ver se os
materiais correspondiam ao que estava assinando, pois morava
13/40
longe do local onde o material era entregue; QUE durante o
período em que morou no bairro Pedro Nogueira por três
meses, viu chegando areia e tijolos, mas também não tinha
condições de conferir se a quantidade correspondia à nota
fiscal que assinou; QUE esclarece que os documentos eram
assinados na sala de PICOLIN [; ao quesito 7 respondeu QUE,
esclarece que não teve contato com nenhuma empresa para
desenvolver suas atividades na comissão; ao quesito 8
respondeu QUE, não sabe dizer qual foi a construtora escolhida
para executar as obras do PMCMV; QUE portanto afirma que
não participou de nenhuma reunião para escolher a
construtora; ao quesito 9 respondeu QUE, não sabe como foi o
procedimento de escolha da empresa; ao quesito 10 respondeu
QUE, não sabe se foram realizadas cotações e nem em quais
construtoras; ao quesito 11 respondeu QUE, nem mesmo tomou
conhecimento que foi a construtora VERTICAL quem realizou
as obras; ao quesito 12 respondeu QUE, não sabe dizer quem
indicou a construtora VERTICAL
Por fim, insta salientar que igual conclusão foi obtida pelo TCU após a
análise das atas de deliberação das Comissões de Acompanhamento de Obra (fl. 55 do
Relatório que acompanha o Acórdão 2255/2014):
358. Além disso, foi identificada uma série de atas de comissão
de beneficiários indicando as empresas construtoras, com
textos e formatos padronizados, o que também é indício da
remota probabilidade da livre deliberação dos moradores na
seleção e contratação das construtoras (peça 37).
Apurou-se, contudo, que, em contrapartida à aludida indicação de
construtoras aptas a atuar no programa, a RCA cobrava destas, de modo espúrio, uma espécie
de comissão.
Tal prática ocorria de forma dissimulada, sob a exigência de contratação
de desnecessários serviços de consultoria em obras prestadas, os quais deveriam ser prestados
pelas seguintes empresas, por ela indicadas: SETORIAL CONSTRUÇÃO E SERVIÇOS
LTDA, SIGMA ASSESSORIA CADASTRAL E INFORMÁTICA LTDA; IMPACTO &
METAS
ASSESSORIA
CADASTRAL
14/40
E
INFORMÁTICA,
MARKETPLAN
CONSULTORIA E ASSESSORIA e ARTIFÍCIO ASSESSORIA CADASTRAL E
INFORMÁTICA LTDA.
Por sua vez, tais empresas, diretamente ligadas aos sócios da RCA, não
exerciam quaisquer atividades comerciais; eram tão somente empresas de fachada. Em
verdade, a indicação para que atuassem junto às construtoras era apenas uma forma de
cobrança de propina pela RCA, porquanto constituía verdadeira condição para que esta
atestasse a efetiva execução das obras, o que, a seu turno, autorizava o consequente repasse
das verbas públicas destinadas ao programa por parte das instituições bancárias atuantes.
De fato, análises do quadro societário das empresas supracitadas
revelam que estas pertenciam, realmente, aos sócios da própria RCA, conforme indicado na
análise empreendida pelo TCU: (fls. 37, item 221 e 222 do relatório que instrui o Acórdão
2255/2014):
EMPRESA
SÓCIOS
SETORIAL CONSTRUÇÃO E SERVIÇOS LTDA –
ME
RENATO CARVALHO DE FREITAS, DANIEL
VITAL NOLASCO e CARLOS ROBERTO LOPES
DE LUNA
ARTIFÍCIO ASSESSORIA CADASTRAL E
INFORMÁTICA LTDA – ME
RENATO CARVALHO DE FREITAS e DANIEL
VITAL NOLASCO
MARKETPLAN CONSULTORIA E ASSESSORIA
EM DADOS CADASTRAIS LTDA – EPP
RENATO CARVALHO DE FREITAS e JOSÉ IRAN
DOS SANTOS
SIGMA ASSESSORIA CADASTRAL E
INFORMÁTICA LTDA – ME
RENATO CARVALHO DE FREITAS e DANIEL
VITAL NOLASCO
IMPACTO & METAS ASSESSORIA CADASTRAL E FERNANDO LOPES BORGES e RENATO BOVE
INFORMÁTICA LTDA.
BORGES
Tal confusão societária entre empresas de consultoria e a RCA, só por
si, constitui grave afronta ao princípio da impessoalidade, porquanto denota – na realidade –
que os próprios sócios da RCA eram os beneficiários finais dos serviços de consultoria
indicados pela empresa.
15/40
Contudo, apurou-se ilícito ainda mais grave no caso, uma vez que tais
serviços eram desnecessários, prestados por empresas de fachada, com o intuito de ocultar
verdadeira cobrança de propina.
Nesse sentido, insta salientar que procedimentos de busca e apreensão
pela Polícia Federal, revelaram que tais efetivamente não funcionam. Sintetiza tal constatação
o seguinte trecho do Inquérito Policial 0075/2013-11 (fl. 517-v):
Relatório de Missão Policial, constante de fls. 167//172
confirmou que a empresa RCA, SETORIAL CONSTRUÇÃO E
SERVIÇOS
LTDA-ME
e
ARTIFÍCIO
ASSESSORIA
CADASTRAL E INFORMÁTICA LTDA-ME estão situadas no
mesmo endereço, qual seja, Av. Brigadeiro Luís Antônio, n.
4553, Jardim Paulista. São todas de fachada. As empresas
MARKTPLAN e SIGMA não existem, de fato, nos endereços
indicados e cadastrados. São, portanto, "fantasmas". A certidão
do Oficial de Justiça de fls. 185 confirma que as empresas RCA,
ARTIFÍCIO e JB LAR estão situadas no mesmo endereço,
apenas em salas diversas.
Ademais, corrobora a tese de que tais empresas não teriam finalidades
comerciais, o baixo valor atribuído a seu capital social – R$ 1.000,00 –, notadamente
incompatível com as tarefas que supostamente exerceriam. Questionamentos análogos,
inclusive, foram feitos pelo TCU, no bojo do relatório que instrui o Acórdão 2255/2014 (fl.
46):
278. Possível constatar, então: (i) a utilização da empresa
Setorial para realização de negócios no âmbito do PMCMV
Sub50 e (ii) que não obstante a Setorial firmar contratos da
ordem de R$ 700 mil com terceiros, não possui bens que apoiem
seu regular funcionamento.
279. Portanto, observa-se a importância de aprofundar as
pesquisas e investigações acerca das atividades desenvolvidas
pelas empresas do Grupo RCA. Não obstante, carecem meios
ao TCU, como acesso às movimentações bancárias das
empresas ou registros fiscais, para prosseguir com o
aprofundamento necessário às investigações.
16/40
Não obstante a simplicidade de suas instalações, bem como o baixo
valor atribuído a título de capital social, relatórios produzidos pelo COAF revelaram que as
empresas em comento realizaram vultosas movimentações financeiras em suas contas, à época
da execução do PMCMV (fl. 518-v do IPL 0075/2013-11):
Os relatórios do COAF demonstram os elementos de prática do
delito de lavagem de capitais. Realmente, o Relatório de
Inteligência Financeiro n. 9991, acostado a fls. 265/275, faz
menção a saques em espécie no valor de mais de seis milhões de
reais. Tais valores ora eram sacados da empresa ARTIFÍCIO,
no valor de R$ 824.3000,00 (fls. 266), dos envolvidos DANIEL
VITAL NOLASCO, RENATO CARVALHO DE FREITAS e RCA
CONSULTORIA (fls. 267/271) e de outras empresas, como
SUPERDATA ASSESSORIA CADATRAL. Ademais, houve saque
em espécie da empresa SOUZA E LIMA EDIFICAÇÕES LTDA
(R$ 115.000, 00 e R$ 148.024,00).
A seu turno, sobre os reais e espúrios fins que motivavam a indicação de
tais empresas de consultoria, sobreleva a análise das declarações prestadas por LUCIANO
MARTINS (fls. 258/260 do IPL 0075/2013-11):
QUE ficou acertado que a Vertical pagaria R$ 1.000,00 a RCA
por unidade habitacional construída; QUE o pagamento dos R$
1.000,00 seria a título de consultoria; QUE como não
conheciam o programa MCMV ficaram sabendo, por intermédio
da RCA, que além de construir teriam que fazer toda parte de
pré-construção, ou seja, visita ao município, montagem de
comissão de acompanhamento de obra, projetos, etc; QUE para
tanto a RCA condicionou a contratação da Vertical a
contratação de uma empresa de assessoria denominada
SETORIAL; QUE a SETORIAL na verdade é uma subsidiária
da RCA, sendo certo que ambas as empresas eram e conferir
aos pagamentos aparente legalidade, a RCA geridas pelas
mesmas pessoas, RENATO CARVALHO DE FREITAS e
DANIEL NONASCO; QUE no começo do programa os
representantes da Vertical visitavam os municípios juntamente
com RENATO da SETORIAL; QUE visitaram três ou quatro
municípios apenas para aprender o serviço e daí em diante
passaram a realizar os serviços sozinhos, quais sejam,
montagem de comissão, documentação de beneficiários que
estava faltando, além da construção;
(…)
17/40
QUE acabaram entrando num acordo para realizar o
pagamento dos R$1.000,00 de forma parcelada a medida em
que a VERTICAL recebesse as medições pela execução da obra;
QUE acredita ter pago a SETORIAL aproximadamente R$
120.000,00 pelos serviços de consultoria; QUE em determinado
momento perceberam que a consultoria na verdade se tratava
de um pedágio cobrado pela RCA/SETORIAL, e a partir de
então sinalizaram que não pagariam mais os R$1.000,00 por
unidade construída; QUE RENATO condicionou o pagamento
das medições a autorização de repasse de crédito para a
empresa SETORIAL, ou seja, a VERTICAL deveria emitir uma
correspondência as instituições financeiras autorizando essas a
pagarem parte dos recursos devidos a VERTICAL para à
RCA/SETORIAL; QUE se negaram a fazer a cessão de crédito e
assim deixaram de receber as medições que faziam jus; QUE
das 800 unidades que se comprometeram a fazer não
conseguiram terminar nenhuma delas;
Curial também a análise de cópia de e-mail encaminhado por DANIEL
NOLASCO ao representante da empresa VERTICAL, quando instado sobre a necessidade de
cobrança das taxas referentes a supostos serviços de assessorial em obras prestados pela
SETORIAL (fls. 516-v/517 do IPL 0075/2013-11):
"Não consigo ver justificativa para essa ?taxa? Cobrada pela
RCA das construtoras pelo Brasil. Nunca houve nenhuma
prestação de serviço ou assessoria por parte de vocês que
justifique isso. Essa cobrança é totalmente irregular e
inviabiliza a construção das unidades habitacionais".
Em resposta, DANIEL asseverou, no mesmo dia (fls. 60 do
apenso I):
"Nelson
Primeiro não cobramos taxa do Brasil inteiro cobramos sim um
serviço, como foi feito para vocês ou você se esquece que
funcionários nossos fizeram reuniões indicando a vertical como
construtora, demos assessoria e consultoria acerca do processo
para vocês, ensinamos até como funciona uma construção" (sic)
Similar prática foi descrita por RUBEN MARCOS CALIXTO
AMARAL, às fls. 1338/1339 do IPL 0075/2013-11:
QUE quem indicou a empresa do declarante para construir as
casas do PMCVM foi a RCA Consultoria e Serviços; QUE
18/40
inicialmente o declarante não precisou pagar nada por essa
indicação, mas depois que a empresa do declarante começou a
construção das casas, ao iniciar passou a exigir pagamentos em
favor dela; QUE não havia nenhum contrato firmado entre a
empresa do declarante e a RCA que justificasse as cobranças
que a RCA fazia, mas assim mesmos a RCA passou a exigir tais
pagamentos; QUE as cobranças eram feitas por meio de
ligações telefônicas; QUE o declarante não possui habilidade
nenhuma com computadores e por isso quase não usa e-mails;
QUE entretanto, possui comprovantes de diversas
transferências bancarias que o declarante foi obrigado a fazer
sob coação do senhor VALMIR, VALDEMAR, e outro cujo nome
não se recorda; QUE o declarante era ameaçado de perder as
obras e ainda de ficar sem receber pelos serviços que estavam
prontos, caso o declarante não fizessem tais depósitos; QUE os
depósitos eram feitos sempre em nome de "laranjas", em nome
da empresa Souza e Lima Edificações Ltda, cujos diretores
eram os mesmo da RCA; QUE certa vez o declarante chegou a
andar um deposito diretamente na conta da RCA Consultoria;
QUE o declarante possui mais de trezentos mil de
comprovantes, mas ressalva que chegou a mandar
aproximadamente quatrocentos mil reais; QUE não conseguiu o
restante dos comprovantes por causa da greve dos bancos; QUE
o declarante tem conhecimento que uma outra empresa que
também era ameaçada pela RCA chegou a mandar seiscentos
mil reais; o declarante ira procurar entre os seus e-mails o email que recebeu dessa empresa dizendo da extorsão que
recebeu da RCA; QUE o declarante esclarece que quem fazia a
medição das obras era o próprio declarante com a ajuda de um
funcionário que tinha conhecimento de informática; QUE o
declarante media e fotografava as obras e o seu funcionário
fazia a parte de informática e depois gerava os relatórios e
mandava para a RCA em São Paulo; QUE a RCA em São Paulo
tinha que autorizar o pagamento da obra e enviar o documento
para o banco fazer o credito na conta da empresa do
declarante; QUE era nesse momento que a RCA fazia a
extorsão do dinheiro com seguidas ameaças do não pagamento
e de perda dos serviços; QUE chegou o momento em que o
declarante foi obrigado a deixar de ceder a extorsão que sofria
por parte da RCA em razão de que as cobranças eram cada vez
mais altas; QUE houve um mês, em fevereiro de 2011, que a
RCA exigiu mais de noventa mil reais do declarante; QUE era a
RCA quem detinha o poder de indicação das construtoras junto
as prefeituras; QUE o declarante chegou a ficar desesperado a
época pois não tinha como conseguir fazer a obra e ainda ter
que pagar a "propina" que era exigida pelo pessoal da RCA,
por outro lado se ficasse sem receber o dinheiro das obras não
19/40
teriam nem como pagar os salários dos peões das obras; QUE
apesar disso, o declarante chegou num ponto em que deixou de
pagar as "propinas" que eram exigidas pela RCA; QUE em
represália a RCA parou de autorizar de pagar as planilhas de
medição das obras e passou a indicar outras construtoras para
terminar os serviços que o declarante já havia começado,
inclusive com serviços prontos pelo declarante e que nunca
recebeu por eles;
Salienta-se, por oportuno, que às fls. 1341/1344, tal agente acostou
cópias de comprovantes de transferências bancárias realizadas à empresa SOUZA & LIMA6.
Destarte, a partir de todos os elementos de informação colacionados aos
autos, verifica-se, de modo flagrante, que, na realidade, os supostos serviços de consultoria
correspondiam a uma espécie de taxa de caráter obrigatório, sem a qual a RCA não atestava a
regularidade a obra prestada o que, por conseguinte, impedia as construtoras de receberem a
remuneração pelo serviço – tarefa esta também operacionalizada e assessorada pela RCA.
Logo, a constituição de empresas de assessoria representava mero
subterfúgio, através do qual os sócios da RCA poderiam auferir – de modo ilícito – valores
junto às construtoras. Ao assim agir, tal empresa incorreu em verdadeiro crime de corrupção
em desfavor das construtoras, porquanto condicionava a realização de sua função – de matiz
eminentemente público – não à correta execução da obra, mas a fator externo, a saber, a
espúria cobrança indevida taxa a título de serviço de consultoria.
Tem-se, portanto, que tais atos não passam de mera exigência propina
para a prática de ato de ofício.
Por fim, pontua-se que tal conclusão é compartilhada pela
Controladoria-Geral da União. Veja-se, pois, o que diz relatório aposto às fls. 158-158v:
O processo nº 0120989-12.2012.8.26.0100 possui farta
documentação na qual representantes da empresa Vertical e
6
Conforme restará demonstrado no tópico seguinte, a empresa Souza & Lima foi uma das diversas construtoras
criadas por sócios da RCA de modo espúrio, com o intuito de operar no PMCMV.
20/40
Oliveira Comércio e Construção Ltda. reclamam da cobrança
de uma percentual sobre o faturamento das obras pela RCA,
inclusive por meio de autorização para desconto direto na
fatura referente à medição das obras do “Programa Minha
Casa, Minha Vida sub 50”. Nas reclamações, a justificativa da
RCA era que a “taxa” se tratava do pagamento pela prestação
de serviços de consultoria.
Em depoimento perante a Comissão, o ex-sócio da empresa
Vertical e Oliveira Comércio e Construção Ltda., Luciano
Martins (fls. 71/75), confirma que a RCA incidava a
contratação destas empresas de consultoria, embora negue que
a RCA condicionava a contratação da construtora ou o
pagamento das faturas ao pagamento destas “taxas” ou
“serviços de consultoria”.
Não obstante, o depoimento de Luciano Martins se mostra
contraditório neste ponto, tendo em vista que o próprio afirma
que reconhece a autenticidade das mensagens eletrônicas
constantes do processo 0120989-12.2012.8.26.0100, na qual
funcionário da RCA cobra o pagamento pelos serviços de
consultoria devidos à Setorial Construção e Serviços Ltda. ME
por meio do desconto direto na fatura da Vertical e Oliveira
Comércio e Construção Ltda.
ademais, as mensagens eletrônicas mencionadas foram
encaminhadas por Luciano Martins ao outro sócio da Vertical e
Oliveira Comércio e Construção Ltda., Nelson Oliveira, para
que este, segundo o próprio Luciano Martins disse em seu
depoimento, buscasse junto a Fernando Lopes Borges, uma
forma de receber as faturas não pagas.
No mesmo depoimento, Luciano Martins informa que a RCA
passou a ter dificuldades para completar as obras em função de
atrasos no repasse dos recursos pelo Governo Federal, o que
ensejou fiscalizações às obras pela RCA, e a interrupção do
pagamento das faturas. Ora, estando as medições indicadas nas
mensagens
eletrônicas
constantes
do processo nº
12.2012.8.26.0100 entre aquelas não recebidas pela Vertical e
Oliveira Comércio e Construção Ltda., bem se vê que um dos
motivos pelo não recebimento pelas obras seria o não
pagamento pelos serviços de consultoria, já que a RCA,
responsável pela fiscalização e atesto da execução das obras,
indicava o pagamento da medição, desde que autorizado o
desconto na fatura.
Da mesma forma, o próprio Luciano Martins afirma que o
“percentual cobrado pelas empresas de assessoria indicadas
pela RCA era alto [cerca de R$ 1.000,00 por casa], e que este
foi um dos motivos pelos quais a Vertical Engenharia não
conseguiu concluir as obras”; Disse ainda que “hoje não
21/40
contrataria nenhuma empresa deste tipo para restar assessoria
indicadas pela RCA”.
A respeito de uma das mensagens eletrônicas constantes do
processo judicial, Luciano Martins disse que “entende que
aquela mensagem consistia numa pressão para pagamento dos
valores à empresa de assessoria”, afirmando ainda que
“passou a não pagar mais às empresas de assessoria porque
entendia que já havia aprendido a fazer o serviço, mas as
empresas de assessoria sustentavam que estavam cobrando por
ter ensinado o procedimento para atuar no Programa Minha
Casa, Minha Vida”.
Importa relatar, outrossim, que segundo depoimento prestado à
Comissão pelo funcionário da RCA Carlos Alexandre Limeira
Pinto, sua atividade na empresa consiste em acompanhar a
“medição das obras, enviando os relatórios à equipe de
engenharia da empresa”. Disse ainda que “a construtora
responsável pela obra faz a medição da obra, e encaminha a
informação ao depoente”, para repasse às instituições
financeiras das quais a RCA é correspondente bancária (fl. 66).
Conclui-se, por conseguinte, a partir de todos os documentos acostados
aos autos, que o pagamento dos serviços de consultoria a empresas notadamente ligadas à
RCA – o qual, inclusive, muitas vezes ocorria por meio de desconto em folha de pagamento –
representava verdadeira condição para a liberação do dinheiro proveniente do Governo
Federal, tarefa esta operacionalizada pela própria RCA, em razão de sua atividade de
prestadora de serviço às entidades bancárias autorizadas para operarem no Programa.
Flagrante, portanto, a ilicitude dos atos ora destacados, bem como o
prejuízo ao patrimônio público deles decorrente.
2.3 DA EXISTÊNCIA DE CONSTRUTORAS LIGADAS À RCA NO ÂMBITO DO
PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA.
A partir dos elementos de informação colacionados aos autos, verificouse, ainda, uma segunda forma pela qual os representantes da empresa RCA puderam obter
remunerações indevidas no bojo do Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV.
22/40
Tal prática ocorreu, com efeito, a partir da criação de uma série de
construtoras – todas com ligações diretas ou indiretas com a empresa RCA –, as quais foram
contratadas para executarem obras referentes ao programa.
Nesse sentido, destaca-se, preambularmente, a minuciosa análise feita
pela equipe técnica do Tribunal de Contas da União, responsável por identificar 28 empresas,
direta ou indiretamente, ligadas à RCA, que foram contempladas com verbas referentes ao
programa de subvenção em comento (fl. 40/42):
233. A seguir são apresentados, em apertada síntese, os
vínculos diretos e indiretos que conectam as construtoras à RCA
Assessoria. Recorde-se, uma vez mais, que a descrição completa
e detalhada dos vínculos, bem como a menção às evidências que
corroboram a existência destes vínculos, é apresentada no
anexo 2 deste relatório (peça 46).
234. Inicialmente observa-se que o próprio material de
promoção e divulgação da RCA (peça 34, p. 7) já apresenta
conexões da empresa com construtoras, como veremos a seguir:
i) o principal telefone de contato da RCA, divulgado no material
como sendo de sua matriz em São Paulo (peça 34, p.7), é
também um dos telefones da construtora Souza e Lima
Edificações Ltda., conforme verificado em registros de sistemas
informatizados (peça 44, p.179). O mesmo telefone aparece
também em dados cadastrais do sócio da RCA, Carlos Roberto
Lopes de Luna (peça 45, p.2);
ii) o endereço e o telefone da suposta filial da RCA no
Maranhão (peça 34, p.7) são os mesmos da Souza e Lima
Edificações Ltda. constantes nos sistemas informatizados (peça
44, p. 175);
iii) o telefone da suposta filial da RCA no Ceará (peça 34, p.7) é
o mesmo das empresas Pilar Assessoria e Adm. em Obras Ltda.,
(peça 44, p. 90); e Horizontal
Engenharia, Construção e Administração em Obras Ltda.,
98 (peça 44, p. 68), que também
participam na execução de obras do PMCMV Sub50;
iv) são indicados como parceiros da RCA as construtoras RFA
Empreendimentos
e
Participações
Ltda.
Martins MA Construtora Ltda.
além das já citadas Souza e Lima e Pilar
Assessoria e Adm. em Obras;
235. Apesar de a RCA ter divulgado em seu material a
existência de filiais no Maranhão, Ceará e Sergipe, foi
23/40
constatado que não há formalmente filiais da empresa nesses
estados. Conforme verificado na ficha cadastral da RCA
Assessoria na Junta Comercial do Estado de São Paulo
(Jucesp), as filiais da empresa oficialmente registradas são em
Tocantins, Paraíba e Distrito Federal (peça 44, p. 14). De
acordo com os dados da referida ficha, constatam-se os
seguintes vínculos com construtoras:
i) a filial de Tocantins teve, simultaneamente, o mesmo endereço
declarado em sistemas informatizados da empresa Savana
Construtora
e
Incorporadora
Ltda.ME,
(peça 44, p. 146);
ii) a filial na Paraíba teve, simultaneamente, o mesmo endereço
da empresa R Naza Construções Ltda. Epp,
(peça, 44, p. 138 e 140);
iii) a filial no Distrito Federal tem o mesmo endereço da
empresa Tijolo Forte Materiais Para Construção Ltda. ME,
(peça 44, p. 192).
236. Em Tocantins, além da coincidência de endereços entre a
Savana Construtora e Incorporadora Ltda. e a RCA, há ainda
vínculos societários entre a Savana, a Concrefort Construtora
Ltda.
e a Construtora Domínio
Ltda.
Ver peça 44, p. 30, 47 e 148.
Juntas essas empresas possuem contratos no valor total de R$
127.582.000,00 para execução de unidades habitacionais do
PMCMV Sub50.
237. Outra empresa ligada ao grupo de construtoras de
Tocantins é a empresa Jupiter Construções e Empreendimentos
Imobiliários Ltda. (
. O responsável
técnico da Jupiter Construções, Rafael Moreno de Souza (
), é também responsável técnico da Concrefort
Construtora e da Construtora Domínio (peça 30, p. 102-287).
238. Por sua vez, a R Naza Construções Ltda. Epp
) tem a matriz localizada na Paraíba, mas
possui filiais em Goiás e Ceará
e
, respectivamente). Ver peça 42, p. 108.
Luna, sócio da RCA (peça 45, p. 2 e 34) é sócio da construtora
Horizontal Engenharia, Construção e Administração em Obras
Ltda.
– peça 44, p. 69) e foi sócio
da empresa Pilar Assessoria e Adm. em Obras Ltda. (CNPJ
– peça 44, p. 93), ambas com contratos
para execução de obras do PMCMV Sub50 no Ceará (ver
Tabela 10).
240. A atual proprietária da empresa Pilar Assessoria, Sra.
Kathyana Sheila Amâncio Justo de Luna é cônjuge de Carlos
Roberto Lopes de Luna, sócio da RCA Assessoria (peça 44, p.
92 e 195).
24/40
241. O responsável técnico da Horizontal Engenharia (L.
Macedo Administração), Túlio Sérvio Pimentel Santos
– peça 30, p. 37, 131 e 224) possui procuração
para representar a empresa TGS Construções Ltda.
– peça 42, p. 138).
242. O sócio-administrador da R Naza, Rafael Bezerra Santos
– peça 44, p. 141), teve vínculo
empregatício em 2008 e 2009 com outra construtora, a DJC
Construtora (peça 45, p.31), Matriz:
e Filial:
.
243. A DJC Construtora, por sua vez, tem como sóciaadministradora, desde 18/01/2007, Jucélia Casado Silva (
– peça 44, p. 41), irmã de Celma Casado Silva
(
, ex-servidora do Ministério das Cidades
(peça 45, p. 3, 5, 6 e 23).
244. Além de Jucélia Casado Silva, a DJC Construtora teve
como sócio, até 13/08/2009, Dvaildo Casado Silva (
– peça 44, p. 40), também irmão de Celma
Casado Silva (peça 45, p.14). Os três também são irmãos de
Jussara Casado Silva (
– peça 45, p. 24),
sócia da empresa R Naza Construções (peça 44, p. 141).
245. Também há ligações entre a R Naza Construções e a
empresa Jetta Construtora e Consultoria Ltda.
).
246. A sócia-administradora da Jetta Construções, Cloris
Emília Barbosa de Araújo (
– peça 44, p.
64), é mãe de Joaquim Francisco Sales Neto (
– peça 45, p. 21), funcionário da DJC Construtora entre
17/4/2008 e 15/6/2010 (peça 45, p. 51).
Além disso, ela também é mãe de Júlio de Araújo Sales
– peça 45, p.25), sócio da R Naza de 5/02/2009
a 26/02/2010 (peça 44, p. 137).
247. Além disso, foi identificado que um dos responsáveis
técnico da matriz da R Naza Construções Ltda.
e da DJC Construtora
Adailson Bernardo dos Santos
– peça 30, p. 102-287), é sócio-administrador
da Coen Construções e Engenharia Ltda.
– peça 44, p. 256), que também executa
obras no âmbito do PMCMV Sub50.
248. Já o responsável técnico da filial da R Naza Construções
Ltda.
), Welton da Silva Alves
é também um dos responsáveis técnicos da
Construtora e Incorporadora Metropolitan Ltda.
Construtora
KF
Ltda.
e Martins MA Construtora Ltda.
25/40
249. Esta última empresa, Martins MA Construtora Ltda.,
consta no material de divulgação da RCA como empresa
parceira (peça 34, p. 7). Além disso, tem como sócio o Sr.
Angelo Calabria Neto
- peça 44, p. 79)
que compartilha o mesmo endereço residencial da Sra. Iara
Martins Nolasco (
– peça 45, p. 1 e 19),
que é irmã de Daniel Vital Nolasco (peça 45, p. 7 e 19), este
último ex-servidor do Ministério das Cidades e sócio da RCA
Assessoria (peça 45, p. 10).
250. O endereço comercial da empresa Martins MA (Rua
Ernesto Capelari 42, Parque Santos Dumont, Taboão da Serra,
São Paulo/SP, CEP 06754-060) é o mesmo (mesmo CEP) que
pertenceu à empresa JB Lar Construções Ltda.
até 26/07/2012 (peça 44, p. 59 e 77).
251. A JB Lar tem como sócia a Sra. Denise Shiozawa
– peça 44, p. 61), que compartilha o mesmo
endereço residencial de Daniel Vital Nolasco (peça 45, p. 7 e
13, sócio da RCA. 252. Além da JB Lar, Denise Shiozawa é
sócia da empresa Sol Rent a Car, Locação de Veículos Ltda.-ME
Nessa empresa,
foi sócia, de 18/01/2008 a 12/03/2008, a Sra. Rafaela de Mello
Barriolli dos Santos
- peça 44, p. 172),
ex-sócia da Tijolo Forte Materiais Para Construção Ltda. ME
- peça 44, p. 189 e 194).
253. Também é ex-sócio da Tijolo Forte Materiais o Sr. José
Iran Alves dos Santos, sócio da RCA desde 11/06/2007 (peça 44,
p. 16 e 194) e que compartilha o mesmo endereço residencial de
Rafaela de Mello Barriolli dos Santos (peça 44, p. 22 e 32)
254. A Tijolo Forte Materiais tem atualmente como único
proprietário, desde 09/05/2012, data de saída de José Iran, o Sr.
Israel de Mello Barriolli dos Reis
– peça
44, p. 193), irmão de Rafaela de Mello Barriolli dos Santos
(peça 45, p. 20 e 32);
255. Foi constatado que em algumas atas que registravam a
contratação da empresa RDS Construtora e Serviços Ltda.
para execução de obras no
PMCMV Sub50, constava como responsável pela construtora
pessoa com sobrenome ‘Barriolli’. Foi identificado, também,
que, na obra do município de Nova Glória/GO, a ata foi
posteriormente trocada por outra, tendo sido substituído o nome
do responsável pela construtora.
Em complemento à análise empreendida pelo TCU, insta salientar que
se apurou, ainda, que VALMIR LIMA DOS SANTOS, responsável e sócio-administrador da
26/40
empresa SOUZA E LIMA EDIFICAÇÕES, ocupava o cargo de gerente administrativo da
empresa RCA.
Tal relação de proximidade entre construtoras a RCA – empresa que
deveria fiscalizar a atestar os serviços por aquelas prestados – revela um grave e indesejado e
grave conflito de interesses, que, além de notadamente avesso aos pilares da moralidade
administrativa, possui o condão de causar efetivo prejuízo ao erário.
De fato, qualquer sistema de controle de execução de obra em que a
empresa fiscalizadora possua interesses convergentes aos da entidade fiscalizada é inócuo,
fadado ao insucesso. No caso, é nítido que a RCA, não possuía a lisura e independência
necessária à correta prestação dos serviços que exercia na execução do PMCMV.
Ademais, agrava o quadro de irregularidade ora visto, o fato de que,
conforme descrito no tópico anterior, a RCA, em detrimento das Comissões de
Acompanhamento de Obra – CAO, estabelecia quais as construtoras seriam contratadas para a
execução de obras no âmbito do programa.
Trata-se, pois, de notória violação ao princípio da isonomia, moralidade
e eficiência, que gerou, indubitavelmente, substancial prejuízo ao erário.
Em verdade, através de tal sistemática, era possível que essas empresas
de construção – que representam, na realidade, interesses comuns aos da RCA, haja vista seus
notórios laços de proximidade com tal empresa – realizassem obras de qualidade duvidosa,
fora dos padrões de qualidade costumeiramente exigidas, e ainda assim fossem remuneradas,
pois certamente contariam com a complacência da autoridade fiscalizadora, responsável pelo
ateste dos serviços.
Assevera-se, por oportuno, que o dano ao erário decorrente das práticas
ora descritas não constitui mera ilação teórica, desprovida de comprovação prática.
27/40
Com efeito, a partir do robusto procedimento de auditoria realizado pelo
TCU, nos autos do TC 010.900/2013-6, constata-se que as fragilidades no sistema de
fiscalização de obras relativas à modalidade do PMCMV em comento, aliadas à escolha de
construtoras de duvidosa capacidade operacional, realizada a partir de critérios pouco
isonômicos, gerou substancial malversação das verbas públicas destinadas ao programa de
subvenção estatal em questão.
Dentre o conjunto de dez cidades cujas obras foram selecionadas para
compor o universo amostral auditado pela Corte de Contas, em três delas – Fortuna/MA,
Jatobá/MA e Algodão de Jandaíra/PB – constatou-se a participação de duas construtoras
ligadas e fiscalizadas pela RCA, quais sejam, SOUZA E LIMA e DJC CONSTRUTORA. Em
tais contratações, foram investidos R$ 312.000,00; 360.000,00 e 360.000,00, respectivamente
(fl. 64 do relatório que instrui o Acórdão 2255/2014).
Na oportunidade, o TCU encontrou falhas graves e sistêmicas nas
unidades habitacionais construídas por tais empresas, que denotam o uso indevido dos
recursos públicos destinados à execução do PMCMV (fls. 62 e seguintes do relatório de
auditoria que acompanha o Acórdão 2255/2014). Tais vícios podem ser sintetizados na
seguinte tabela (fl. 65 do referido documento):
Vício Construtivo
Obras em que foram verificados os
vícios
Qualidade deficiente das instalações
hidrossanitárias
(vazamentos,
tubulações expostas e/ou sem
interligação)
Irarará/BA;
Fortuna/MA;
Jatobá/MA; Areial/PB; Algodão de
Jandaíra/PB; São Pedro/RN e
Lajes/RN
70
Problemas
nas
esquadrias Fortuna/MA;
Jatobá/MA;
(fragilidade, presença de frestas, Areial/PB; Algodão de Jandaíra/PB;
dificuldade em abrir/fechar, etc.)
São Pedro/RN e Lajes/RN
60
Problemas nos revestimentos de Irarará/BA;
parede
(esfarelamento, Areial/PB;
esborcinamento, etc.)
Lajes/RN
Santo Estevão/BA;
São Pedro/RN e
50
Irarará/BA; Monte Carmelo/MG;
Areial/PB; São Pedro/RN e
Lajes/RN
50
Problemas na cobertura (goteiras, Fortuna/MA; Jatobá/MA; Monte
telhas mal encaixadas, estrutura Carmelo/MG; Santa Juliana/MG; e
deficiente do telhado, etc.)
Algodão de Jandaíra/PB
50
Presença de trincas e fissuras
28/40
Percentual de ocorrência em relação
à amostra (%)
Qualidade deficiente das instalações Santo Estevão/BA; Fortuna/MA;
elétricas
(tomadas
que
não Jatobá/MA; Monte Carmelo/MG e
funcionam,
divergências
com Areial/PB
projeto, etc.)
50
Baixa qualidade das
internas e/ou externas
pinturas Fortuna/MA; Jatobá/MA; Algodão
de Jandaíra/PB; e Lajes/RN
40
Baixa qualidade das alvenarias Fortuna/MA; Jatobá/MA; e Algodão
(desaprumo, juntas irregulares, etc.) de Jandaíra/PB
30
Dimensões das casas divergentes do Algodão de
projeto arquitetônico
Pedro/RN
20
Infiltrações
Jandaíra/PB;
São
Irarará/BA
10
Caimento inadequado dos pisos do Irarará/BA
banheiro e/ou varanda
10
Problemas nas calçadas ao redor Irarará/BA
das residências
10
Em complemento, consignou a Corte de Contas (fl. 65 do relatório :
411. A seguir destaca-se alguns trechos do relatório de
auditoria que consolidou as constatações obtidas nas 10
fiscalizações realizadas:
58. Frise-se que todos os vícios construtivos acima foram
apontados pelas equipes como sendo sistêmicos, ou seja, foram
observados generalizadamente em cada empreendimento
fiscalizado.
(...)
103. As equipes de auditoria foram unânimes em apontar a
ausência ou omissão da fiscalização como causa para o achado
‘execução de serviços com qualidade deficiente’.
Com relação às obras executadas pela empresa SOUZA E LIMA em
Jatobá e Fortuna, no Maranhão, impende salientar que o TCU considerou que estas sequer
poderiam ter sido entregues, tamanha a precariedade em que se encontravam (fl. 71):
421. Em três municípios foi verificada a entrega de obras que
sequer poderiam ser consideradas como concluídas, tal a
situação de precariedade em que se encontravam: Fortuna/MA;
Jatobá/MA e Santo Estevão/BA.
Constata-se, portanto, que as graves falhas existentes no sistema de
fiscalização das obras referentes à modalidade em análise do PMCMV, potencializadas pela
29/40
conduta espúria atribuída aos representantes da empresa RCA, ensejaram graves prejuízos ao
erário.
De fato, a escolha de construtoras a partir de critérios pessoais, que
possuem interesses alinhados aos da própria empresa responsável por sua fiscalização,
prejudicou de modo grave o emprego de verbas públicas destinadas à construção de unidades
habitacionais a moradores de baixo poder aquisitivo.
Em verdade, o alinhamento de interesses econômicos entre prestador do
serviço e entidade fiscalizadora – promovido de forma espúria pela atuação da RCA no
PMCMV – estimula que as construtoras executem as obras de modo deficiente, sem os
mínimos padrões de habitabilidade. Tal prática permite que estas obtenham, de modo
indevido, remunerações superiores às inicialmente previstas, o que, por sua vez, igualmente
beneficia a responsável por, em tese, impedir a ocorrência.
Especificamente em relação à empresa SOUZA E LIMA – cujo vínculo
de ligação com representantes da RCA é direto –, releva destacar, ademais, a existência de
fortes indícios de que esta era utilizada também para a promoção de lavagem de capitais por
parte da empresa requerida na presente ação.
Corroboram tal conclusão as provas de que construtoras operantes nesta
modalidade do PMCMV teriam realizado depósitos a título de pagamento de propina à
empresa SOUZA E LIMA, bem como os relatórios de inteligência produzidos pelo COAF,
mencionados pelo MP/SP à fl. 517-v do IPL 0075/2013-11.
Pontue-se, inclusive, que em virtude dos indícios de lavagem de capitais
supracitados, o douto juízo da 6ª Vara Especializada em Crimes Financeiros e Lavagem de
Capitais da Subseção Judiciária de São Paulo (fls. 526/534-v do IPL 0075/2013-11)
determinou o sequestro de valores pertencentes à RCA e a seus sócios.
30/40
Nota-se, portanto, que a utilização de empresas de quadro societário em
comum com a RCA representa mais uma forma que tal grupo encontrou para obter uma
remuneração extraordinária e ilícita na execução das atividades do Programa Minha Casa,
Minha Vida, em sua modalidade aplicável a municípios com menos de 50.000 habitantes.
3. DO DIREITO.
3.1. DO DANO AO ERÁRIO
Observa-se dos autos que o esquema de cobrança de propina organizado
pela RCA e por seus membros, materializado através da necessidade de contratação de
supostos serviços de assessoria para construção, encerrou, de modo claro, dilapidação do
patrimônio público aplicado no Programa Minha Casa, Minha Vida, modalidade sub 50.
Explica-se.
A necessidade imposta pela RCA de contratação de supostos serviços
acessórios por parte das construtoras para o ateste da obra e liberação do dinheiro – o que,
como já amplamente visto, consistia em forma de obter remuneração extraordinária e ilícita –
consistia em item que onerava desnecessariamente os custos das residencias a serem
empregadas no aludido programa habitacional.
Diante de tais custos extraordinários e ilícitos criados pela RCA,
percebe-se que cabia às construtoras a adoção de dois mecanismos óbvios de equalização de
custos: (I) o aumento do valor final do empreendimento e/ou (II) a redução da qualidade do
serviço prestado.
Em ambos os casos, é nítido o dano ao erário, pois, com relação ao
primeiro método, nota-se um desnecessário sobrepreço das obras realizadas, o que implica um
emprego desnecessário das verbas públicas destinadas ao programa. O mesmo dano é visto na
segunda hipótese de atuação das construtoras, haja vista que a redução da qualidade das obras
31/40
também revela, de igual modo, uso ineficiente do dinheiro público, ante a entrega à
Administração produto de qualidade inferior à inicialmente acordada.
Ademais, a cobrança das altas taxas compulsórias de assessoria, em
alguns casos, impediu a conclusão das obras, o que pôs em xeque a própria implementação da
política habitacional do Governo Federal, além de gerar o notório desperdício das verbas
públicas empregadas até o momento nos empreendimentos que não foram finalizados.
Nesse sentido, é relevante a menção ao depoimento de Luciano Martins,
representante da empresa VERTICAL, à Polícia Federal – já citado neste arrazoado –, no qual
tal agente atribui à imperatividade da contratação de tais serviços à impossibilidade de
construção das unidades habitacionais contratadas.
Tem-se, pois, que a formulação de tal espúrio esquema de cobrança de
propina ocasionou efetivo dano ao erário.
De igual modo, também causou dano ao erário o segundo conjunto de
irregularidades tratado nesta peça, a saber, a participação no PMCMV de construtoras que
representavam, em verdade, interesses da própria RCA – empresa responsável pela
fiscalização e ateste da qualidade dos serviços destas.
De fato, tal irregularidade não encerra somente grave conflito ético, mas
compromete toda a execução das atividades do PMCMV e gera dano ao erário, pois,
notadamente, inviabiliza o controle de qualidade do produto entregue pelas construtoras. Sem
a efetividade da estrutura de controle montada para o programa, abre-se a possibilidade da
entrega de obras sem a qualidade requerida e de superfaturamento das mesmas por parte das
construtoras.
Tal prática, com efeito, restou demonstrada de modo patente na análise
empreendida pelo TCU sobre o caso, na qual demonstrou, de modo cabal, que a situação das
unidades habitacionais construídas pelas empresas fiscalizadas pela RCA era precária, e em
32/40
nada atendia ao interesse público inerente ao Programa Minha Casa Vida – Modalidade Sub50.
Com relação à quantificação do dano ao erário ora analisado, malgrado
reste clara sua efetiva existência, verifica este Parquet que, até o momento, não existem
elementos de informação que denotem, com precisão, seu valor exato.
De fato, as análises empreendidas pelo Tribunal de Contas da União
sobre os fatos ora narrados apenas deixa claro que os atos ilícitos perpetrados pelos requeridos
impossibilitaram a execução a contento das unidades habitacionais previstas pelo Programa
Minha Casa, Minha Vida – Modalidade Sub 50.
Ademais, tal estudo pautou-se em análise amostral, na qual foi revelada
apenas parte dos prejuízos ao erário efetivamente existente.
Nesse sentido, comprovada a existência do dano, entende este Parquet
que sua quantificação pode ocorrer, sem prejuízo às partes, no curso da ação, através do
aprofundamento das análises desenvolvidas pelas diversas instituições de controle que atuam
na análise de tais irregularidades.
3.2. DA NECESSIDADE DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO POR PARTE DOS
REQUERIDOS.
O Código Civil estabelece, em seus arts. 927 e 942, que os responsáveis
por atos ilícitos ficam obrigados, solidariamente, a reparar os danos deles advindos:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do
direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado;
e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão
solidariamente pela reparação.
33/40
Por sua vez, a legislação civilista, em seu art. 186, define ato ilícito
aquele que, decorrente de ação dolosa ou culposa, viola direito ou causa dano a outrem. Nesse
sentido, preceitua o art. 186:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
No caso em análise, resta clara a participação dolosa, ou, em alguns
casos, culposa dos requeridos nos fatos danosos ao erário ora trabalhados.
DANIEL VITAL NOLASCO
Iniciemos, pois, nossa análise com relação às condutas de DANIEL
VITAL NOLASCO. Com relação a tal agente, não há dúvidas de que tenha agido de modo
doloso, porquanto, de forma lícita e consciente, organizou todos os sistemas de corrupção
narrados nesta inicial.
De fato, são elementos que denotam a posição de liderança e
organização do esquema sua posição de sócio da RCA, bem como seu vasto conhecimento
acerca da organização do PMCMV, obtido quando ocupava cargo público no Ministério das
Cidades.
Há que se ressaltar, ainda, que os depoimentos acostados aos autos
demonstram, de modo uníssono, que este era representante efetivo da RCA e das demais
empresas de consultoria em que figurava no rol societário.
Ressalta-se, ademais, que reforça o caráter doloso de sua conduta na
organização de todo o esquema, a propósito, o fato de que, conforme informou o COAF, nos
dias seguintes à divulgação das irregularidades ora narradas na mídia, tal agente efetuou
robustos saques em dinheiro das contas pertencentes à RCA. Veja-se o que descreve a
Autoridade Policial sobre o ocorrido (fl. 499 do IPL 0075/2013-11):
34/40
Pois bem, apenas dois dias após a notícia, que alcançou
repercussão nacional, DANIEL NOLASCO, sócio da RCA, deu
início a uma série de saques EM ESPÉCIE, que alcançou a
vultosa quantia de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos
mil reais). Tais dados foram extraídos do RIF 9991, que ora
acompanha a presente representação.
(…)
Necessário frisar que antes de 16/04/2013 (data do primeiro
saque após a reportagem), não há qualquer outra comunicação
de saque em espécie por parte de DANIEL NOLASCO. Assim,
tais saques representariam conduta atípica que guardariam
relação com a divulgação da fraude envolvendo a empresa
RCA.
Tem-se, portanto, de modo claro que tal agente atuou de modo doloso
na malversação de haveres públicos em análise.
FERNANDO LOPES BORGES
Com relação a FERNANDO LOPES BORGES, nota-se também a
presença do elemento volitivo doloso. Tal agente também participou de modo livre e
consciente do sistema de corrupção em comento, eis que figurava como sócio oculto da RCA
e, embora alegue que seu desligamento jurídico da sociedade se deu por não concordar com os
ilícitos em comento, nada fez para que os mesmos fossem interrompidos. Pelo contrário,
observa-se que o mesmo obteve vantagem patrimonial em decorrência de tais ilícitos, eis que
pertencia a ele uma das empresas fantasma de consultoria, a IMPACTO.
Destaca-se, por oportuno, que o fato de ser ele o denunciante indireto da
malversação de dinheiro público em comento incrementa a consciência e voluntariedade de
suas ações, bem como sua participação na empreitada ilícita ora narrada.
Assim, também se verifica conduta dolosa perpetrada por tal agente.
CARLOS ROBERTO LOPES DE LUNA
35/40
No que tange a CARLOS ROBERTO LOPES DE LUNA, também se
afigura de modo claro a presença de dolo.
Com efeito, seu posicionamento na qualidade de sócio-administrador da
RCA, bem como da SETORIAL, constitui elemento que denota sua participação de forma
consciente e voluntária dos atos ilícitos nos quais se envolveram tais empresas, ou, no
mínimo, que aceitou a produção do resultado imoral em comento.
Configurados, pois, o dolo em sua participação nos atos espúrios ora
trabalhados.
Contudo, ainda que V. Exa. entenda não existir dolo de tal agente, é
notória a presença de culpa na conduta de tal agente. A simples participação em cargos em
importantes diretivos de duas empresas envolvidas em tão evidente esquema de fraude revela,
no mínimo, grave violação aos deveres mínimos de cuidado que qualquer cidadão deve ter ao
decidir entrar no mundo negocial.
RENATO CARVALHO DE FREITAS
Com relação a RENATO CARVALHO DE FREITAS, integrante do
quadro societário de diversas empresas de consultoria utilizadas criadas com o intuito de
cobrar propina de construtoras contratadas no âmbito do PMCMV, igualmente se verifica a
existência de elemento volitivo doloso.
Constata-se, a partir dos depoimentos colacionados aos autos, que tal
agente tinha papel relevante na cobrança de valores indevidos pelas empresas de consultoria
das quais participava.
36/40
Ademais, de acordo com relatórios de inteligência produzidos pelo
COAF, sintetizados pela autoridade policial à fl. 499 do IPL 0075/2013-11, tal agente, logo
após a divulgação na mídia das irregularidades em comento, realizou vultosos saques da conta
da RCA ASSESSORIA:
Da mesma forma os saques em espécie da conta titulada pela
RCA ASSESSORIA, que após a reportagem alcançaram a soma
de 1.100.000,00 (um milhão e cem mil reais).
(…)
Importante destacar que os saques em espécie, na conta da
RCA, foram feitos por RENATO CARVALHO DE FREITAS que,
não por coincidência, figura como sócio da SETORIAL
ASSESSORIA e ARTIFÍCIO ASSESSERIA, ambas em
funcionamento na Av. Brigadeiro Luís Antônio, n. 9 4553,
mesmo da RCA. Ademais, RENATO também é sócio da
MARKETPLAN e SIGMA ASSESSORIA:
Nota-se, portanto, que tal agente participou de modo consciente e
voluntário do esquema de malversação de dinheiro público em questão.
VALMIR LIMA DOS SANTOS E VALDEMAR DE SOUZA JÚNIOR
No que toca aos requeridos VALMIR LIMA DOS SANTOS,
VALDEMAR DE SOUZA JÚNIOR, integrantes da empresa SOUZA E LIMA e envolvidos na
criação de parte das empresas de consultoria ligadas à RCA denota-se, igualmente, a presença
do elemento doloso de suas condutas.
Assim como ocorre com o réu CARLOS ROBERTO LOPES DE
LUNA, tais agentes eram figurantes do quadro societário das empresas de construção e
consultoria utilizadas para a prática das fraudes em questão, o que denota o conhecimento
inequívoco e a voluntariedade de que estas fossem inseridas no aludido esquema de
malversação do dinheiro público.
Logo, por possuírem poder diretivo junto às empresas utilizadas na
fraude e vínculo funcional também com a RCA, atuaram de forma livre e consciente para que
37/40
estas cumprissem seu papel no referido esquema, segundo as diretrizes determinadas por
aquela empresa. Notório é, pois, o dolo de tal agente em colaborar com os atos de lesivos ao
erário em comento.
Salienta-se, inclusive, com relação a VALMIR LIMA, que a
voluntariedade e consciência de sua conduta podem ser incrementadas pela ocupação de cargo
hierarquicamente mais elevado no interior da RCA, bem como pelo fato de que tal agente foi
o responsável pela abertura das empresas ARTIFÍCIO e SIGMA, posteriormente repassadas a
DANIEL VITAL NOLASCO, seu superior e líder da empreitada ora narrada.
Contudo, ainda que não V. Exa. não entenda haver dolo na conduta de
tais agentes, é inafastável a ilação de que agiu, ao menos, com culpa grave. Com efeito, assim
como ocorre com o réu CARLOS ROBERTO LOPES DE LUNA, é notória violação aos
deveres de cautela assumidos por tais agentes ao ingressarem na posição de sócios de
empresa.
JOSÉ IRAN ALVES DOS SANTOS
Por fim, destaca-se a conduta de JOSÉ IRAN ALVES DOS SANTOS,
sócio das empresas RCA, bem como da SETORIAL e MARKETPLAN, ambas envolvidas no
esquema de cobrança de propina ora descrito.
Depreende-se, pois, que, por integrar o rol societário de tais empresas,
tinha consciência dos ilícitos através delas perpetrados e que destes também foi beneficiário
direto.
Ademais, ainda que não se entenda ter agido de modo doloso, resta
patente sua culpa grave, uma vez que, na qualidade de sócio de empresas diretamente
envolvidas em trama de corrupção, não adotou medidas tendentes a corrigir ou impedir a
prática de tais irregularidades – tal como se aduziu em relação a CARLOS ROBERTO
LOPES DE LUNA
38/40
Assim, em tal situação subsidiária, deveria ser responsabilizado na
modalidade culposa.
Nota-se, portanto, que os agentes que integram o polo passivo da
presente demanda perpetraram, de modo inequívoco, atos ilícitos lesivos ao erário.
Assim, com fulcro nos artigos 927 e 942 da legislação civilista, devem
os agentes supracitados serem condenados ao ressarcimento integral dos danos decorrentes
das condutas ilícitas por eles perpetradas – procedimento este que, como visto, deverá ocorrer
no curso da presente ação.
4. DOS PEDIDOS
Ante o exposto, o Ministério Público Federal pede:
a) a autuação da inicial, juntamente com os documentos que a
instruem;
b) a citação dos requeridos nos endereços constantes da exordial,
para responder aos termos da presente ação, sob pena de revelia
e confissão quanto à matéria de fato;
c) a condenação solidária dos requeridos DANIEL VITAL
NOLASCO,
FERNANDO
LOPES
BORGES,
CARLOS
ROBERTO LOPES LUNA, RENATO CARVALHO DE
FREITAS, JOSÉ IRAN ALVES DOS SANTOS, VALMIR
LIMA DOS SANTOS e VALDEMAR DE SOUZA JÚNIOR,
bem como das empresas RCA ASSESSORIA EM CONTROLE
DE OBRAS E SERVIÇOS LTDA., SOUZA E LIMA
EDIFICAÇÕES LTDA, ao ressarcimento integral dos valores
39/40
atribuídos a título de dano ao erário, ainda em pendentes de
liquidação no curso da presente ação, devidamente corrigido
pelos índices de correção monetária aplicáveis;
Protesta o autor pela produção de todos os meios de prova em Direito
admitidos.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 para efeitos meramente legais.
Termos em que, pede deferimento.
Brasília-DF, 09 de janeiro de 2015.
FREDERICO PAIVA
Procurador da República
40/40
Download

íntegra - Procuradoria da República no DF