Física . Módulo 8 . Volume 2 FÍSICA MODERNA PARTE II Ana Paula Andrade Ilhéus . 2013 Universidade Estadual de Santa Cruz Reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro Vice-reitor Prof. Evandro Sena Freire Pró-reitor de Graduação Prof. Elias Lins Guimarães Diretor do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas Prof. Roberto Carlos Felício Ministério da Educação Física | Módulo 8 | Volume 2 - Física Moderna 1ª edição | Novembro de 2013 | 225 exemplares Copyright by EAD-UAB/UESC Todos os direitos reservados à EAD-UAB/UESC Obra desenvolvida para os cursos de Educação a Distância da Universidade Estadual de Santa Cruz UESC (Ilhéus-BA) Campus Soane Nazaré de Andrade - Rodovia Jorge Amado, Km 16 - CEP 45662-900 - Ilhéus-Bahia. www.nead.uesc.br | [email protected] | (73) 3680.5458 Projeto Gráfico e Diagramação Waldir Serafim Cotias Júnior João Luiz Cardeal Craveiro Capa Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho Impressão e acabamento JM Gráfica e Editora Ficha Catalográfica EAD . UAB|UESC Coordenação UAB – UESC Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado Coordenação Adjunta UAB – UESC Profª. Dr.ª Marta Magda Dornelles Coordenação do Curso de Licenciatura em Física (EAD) Prof. Dr. Fernando R. Tamariz Luna Elaboração de Conteúdo Prof . Dra. Ana Paula Andra a Instrucional Design Profª. Ma. Marileide dos Santos de Oliveira Profª. Drª. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes Revisão Prof. Me. Roberto Santos de Carvalho Coordenação Fluxo Editorial Me. Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho DISCIPLINA FÍSICA MODERNA Prof. Dra. Ana Paula Andrade EMENTA Introdução à relatividade especial, primórdios da teoria quântica, modelos atômicos de Thomson, Rutherford e Bohr, as séries espectroscópicas, bases da mecânica quântica, equação de Schrödinger e aplicações elementares. Carga horária: 90 horas OS AUTORES Ana Paula Andrade Bacharel em Física pela UFMG – 1995 Mestre em Ciências e Técnicas Nucleares pela UFMG - 1998 Doutora em Astrofísica pelo INPE – 2003 Professora Adjunta da UESC desde 2007 EMAIL: [email protected] APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA O termo física moderna refere-se ao conjunto de teorias desenvolvidas no século XX, tendo por base a teoria da relatividade e a teoria quântica. Aterminologia “moderna” foi introduzida como forma de distinguir as novas teorias das teorias antecessoras, referenciadas pelo termo física clássica. Pode-se dizer que esta distinção é bastante oportuna, uma vez que os conceitos da física moderna trouxeram novas concepções a respeito da natureza, da descrição da matéria e dos fenômenos observados, desafiando o método determinístico da física clássica. Como veremos neste Módulo, a partir das propostas apresentadas no início do século XX, alterações profundas foramintroduzidas no entendimento de conceitos como: espaço, tempo, posição, trajetória, simultaneidade, medida e causalidade. Ao contrário do que se acreditava até então, tempo não é uma grandeza absoluta, matéria não tem comportamento único e imutável, enquanto a dinâmica de uma partícula subatômica é regida pelas leis da probabilidade! Estas são apenas algumas das novas concepções introduzidas pela física moderna e que fizeram emergir um novo cenário científico no campo da física. Apesar das concepções e interpretações inovadoras, ambas as teorias, da relatividade e quântica, representam uma generalização da física clássica, sendo esta tratada como casos especiais, não invalidando, de forma alguma, os conceitos já estudados. Enquanto a teoria da relatividade estende o campo de investigação da física clássica para a região de altas velocidades e altas energias, a física quântica estende o campo de investigação para regiões de pequenas dimensões. Inicialmente, pode-se pensar que os fenômenos relativísticos ou quânticos sejam estranhos ou mesmo bizarros, uma vez que estão muito além da realidade detectada por nossos sentidos. De fato, nossa percepção da natureza é bastante limitada, mas, ainda assim, não devemos nos furtar a discutir teorias Elementos de Matemática Avançada e conceitos revelados por meio das evidências experimentais. Este foi o maior desafio vivido pelos físicos do século XX, grandes nomes como Albert Einstein, Max Planck e Erwin Schrödinger, dentre outros que iremos discutir nas próximas Unidades. Esperamos que você, estudante, possa abrir a sua mente aos novos conceitos que serão apresentados e, consequentemente, desfrutar desta nova janela de conhecimento aberta pela física moderna. Neste módulo, iremos apresentar e discutir as importantes descobertas dos séculos XIX e XX, bem como as bases da física moderna sob a ótica da relatividade restrita, a quantização de energia e os postulados da mecânica quântica, enfatizando conceitos e aplicações. Esperamos assim que, ao final deste módulo, você possa compreender os argumentos que embasam a física moderna, que, apesar de imperceptíveis, permeiam a nossa vida cotidiana. 12 Física EAD SUMÁRIO UNIDADE 3 - FÍSICA MODERNA - A FÍSICA DOS ÁTOMOS 1 Introdução................................................................................... 19 2 Dalton e o átomo ......................................................................... 20 3 O modelo de Thomson................................................................... 22 4 A descoberta de Rutherford ........................................................... 27 5 Rutherford e o núcleo atômico........................................................ 29 6 Os espéctros atômicos .................................................................. 37 7 As ideias de Bohr.......................................................................... 39 8 O modelo de Bohr......................................................................... 43 9 AS séries espectroscópicas ............................................................ 54 10 Regras de quantização ................................................................ 58 11 O modelo de Sommerfeld............................................................. 63 RESUMINDO.................................................................................... 69 REFERÊNCIAS.................................................................................. 73 UNIDADE 4 - A MECÂNICA QUÂNTICA 1 Introdução . ................................................................................. 75 2 A interpretação de Schroedinger, Born e Heisenberg.......................... 78 3 A equação de Schroedinger ........................................................... 83 4 As funções de onda....................................................................... 93 5 Os valores esperados da mecânica quântica.................................... 102 7 Soluções da equação de Schroedinger............................................ 122 RESUMINDO.................................................................................. 130 REFERÊNCIAS................................................................................ 132 6 As autofunções........................................................................... 115 UNIDADE 2 - ÁLGEBRA LINEAR - ESPAÇOS VETORIAIS DE DIMENSÃO FINITA UNIDADE 5 - APLICAÇÕES DA MECÂNICA QUÂNTICA 1 Introdução................................................................................. 137 2 Potencial nulo e a partícula livre ................................................... 137 3 Potencial degrau e as possibilidades quânticas................................ 143 4 Energia menor do que a altura do degrau ...................................... 145 5 Energia maior do que a altura do degrau ....................................... 154 6 Barreira de potencial e o efeito túnel . ........................................... 161 7 Poço de potencial quadrado.......................................................... 167 8 Poço de potencial quadrado infinito................................................ 172 9 O potencial do oscilador harmônico simples.................................... 178 10 Considerações finais.................................................................. 181 RESUMINDO.................................................................................. 182 REFERÊNCIAS................................................................................ 184 3ª unidade A FÍSICA DOS ÁTOMOS Prof. Dra. Ana Paula Andrade Nesta unidade serão discutidos a evolução dos modelos atômicos e os princípios que regem a estrutura dos átomos. Serão apresentados: • as considerações de Dalton; • os modelos de: Thomson, Rutherford, Bohr e Sommerfeld; • os diagramas de níveis de energia; • as propriedades dos espectros atômicos; Ao final desta etapa, o aluno será capaz de: • compreender a estrutura atômica; • conhecer os níveis de energia; • identificar os tipos de espetros atômicos. • compreender as bases da teoria quântica. Álgebra Linear Unidade 1 1 INTRODUÇÃO Desde os tempos da Grécia antiga que os intelectuais da época, filósofos e pensadores, se questionavam a respeito da substância básica por detrás das transformações ocorridas na natureza. A corrente dos atomistas, a exemplo de Demócrito e Leucipo (cerca de 400.a.c), acreditava que a essência da natureza fosse material e imutável. Assim, a matéria seria constituída por uma infinidade de pequenas unidades indivisíveis, eternas e imutáveis, que denominaram átomos (palavra que em grego significa ‘indivisível’). Já Aristóteles acreditava que toda a matéria do universo seria composta por quatro substâncias básicas: terra, ar, fogo e água, sendo todas elas matéria contínua, ou seja, seria possível dividi-las infinitamente em porções menores, sem nunca chegar a uma unidade limite. Esta dúvida pairou sobre os cientistas durante muitos séculos, até que, em 1808, o químico e físico inglês, John Dalton, sugeriu que a maioria das observações químicas feitas no século XVIII poderia ser explicada simplesmente admitindo-se que a matéria fosse constituída de átomos! No entanto, uma das mais importantes evidências físicas desta ideia foi dada apenas em 1905, por Albert Einstein, ao mostrar que o chamado movimento browniano (movimento aleatório e irregular das partículas de poeira suspensas em líquido) poderia ser explicado como efeito dos átomos do líquido, colidindo com as partículas de poeira. Apesar desta constatação, pairavam ainda muitas dúvidas sobre a indivisibilidade dos átomos. A noção de que os átomos pudessem ter uma estrutura interna e que pudessem ser compostos de partículas menores só foi percebida ao longo do século XX. No intuito de elucidar a estrutura do átomo e identificar as verdadeiras partículas elementares, novos e importantes experimentos se seguiram no campo da física atômica, consolidando gradualmente os modelos de estrutura atômica. Embora Demócrito e Leucipo tenham suposto corretamente a existência de átomos, a estrutura do átomo revelou-se muito mais sutil e intrigante. É sabido que os átomos não são apenas pequenas esferas homogêneas sem estrutura; mas, sim, constituídos de partículas menores, mais leves e mais fundamentais. Assim, o estudo da estrutura da matéria nos leva a UESC Módulo 4 I Volume 5 19 Elementos de Matemática Avançada considerar a maneira pela qual estas partículas estão reunidas formando os chamados átomos e as propriedades oriundas desta organização. Nesta Unidade, iremos discutir a evolução dos modelos atômicos e os experimentos que embasaram suas concepções, bem como os princípios básicos que regem a estrutura dos átomos. 2 DALTON E O ÁTOMO No início do século XIX, muito se sabia a respeito das reações químicas e de suas leis básicas, como a lei de conservação das massas e as leis das proporções definidas. Era sabido que as reações químicas ocorriam e que as mesmas podiam ser descritas como resultado do intercâmbio entre partículas em colisões, resultando em novos compostos, com propriedades bem distintas. Baseado nestas observações, em 1808, John Dalton, seguindo a tendência atomista de muitos cientistas da antiguidade e também da idade média, propôs: 1. Toda matéria é composta de partículas fundamentais, que podemos chamar de átomos. 2. Átomos são permanentes e indivisíveis e não podem ser criados nem destruídos espontaneamente. 3. Todos os átomos de certo elemento são idênticos em todas as suas propriedades e os átomos de elementos diferentes têm propriedades diferentes. 4. Uma alteração química consiste em uma combinação, separação ou rearranjo de átomos. 5. Os compostos são constituídos de átomos de elementos diferentes em proporções fixas. Concebendo estas ideias simples, Dalton conseguiu fazer com que as observações químicas da época parecessem razoáveis, explicando porque a massa é conservada durante uma reação química e a lei da composição definida. Dalton salientou que esta lei é naturalmente verdade se cada composto é caracterizado por proporções fixas entre 20 Física EAD Unidade os números de átomos dos seus elementos componentes diferentes. Assim, um composto de dióxido de carbono seria constituído de átomos de carbono e oxigênio na proporção de 1:2, respectivamente, e, como as massas dos átomos de carbono e oxigênio são fixas, segue-se que a composição do dióxido de carbono em massa também deve ser fixa, conforme observado. Por certo que a aceitação destas ideias não se deu sem a oposição de muitos físicos e químicos resistentes, no entanto contou com defesa incansável de outros, como Ludwig Boltzmann, o mesmo cujos trabalhos contribuíram significativamente para a tória cinética dos gases e a mecânica estatística. Três anos mais tarde, o químico italiano Amedeo Avogrado, usando a mesma terminologia de Dalton, propôs: as partículas fundamentais de gases elementares não são necessariamente átomos, mas podem ser grupos de átomos reunidos para formar moléculas. E ainda formulou o que ficou conhecido como Lei de Avogrado: sob as mesmas condições de temperatura e pressão, volumes iguais do mesmo gás contêm número igual de moléculas. Apesar do apelo empírico das considerações de Dalton, duas questões importantes permaneciam sem resposta: como e do que são constituídos os átomos. Apenas no final do século XIX foram realizadas importantes descobertas científicas que abriram novo caminho para a física atômica: as leis do eletromagnetismo de Maxwell, a identificação das diferentes frequências do espectro eletromagnético, a descoberta dos raios catódicos e do efeito fotoelétrico, seguidos pela descoberta dos raios X e, finalmente, a descoberta dos elétrons, em 1897, por J.J. Thomson. 1 Álgebra Linear Imagem 3.1: John Dalton Fonte: http://www.biography. com/people/john-dalton9265201?page=1 Thomson, pesquisador neozelandês do famoso Laboratório Cavendish, em Cambridge, estava tentando provar que os raios catódicos (descargas elétricas que UESC Módulo 4 I Volume 5 21 Elementos de Matemática Avançada você sabia? Quando Thomson desco- briu as tais “partículas negativas”, em 1897, a unidade de carga fundamental, o elétron, já era conhecida. Esta foi sugerida pelo físico e químico inglês, Michael Faraday, em 1833, quando este conduzia seus estudos sobre a eletrólise. Em 1874, o físico irlandês, George Stoney, estimou pela primeira vez o valor de sua carga, cerca de 20 vezes menor do que o valor aceito atualmente. Cinco anos mais tarde, 1879, o inglês William Crookes, ao realizar suas experiências com raios catódicos, descobriu que estes raios eram constituídos de partículas indivisíveis. O grande feito de J.J.Thomson foi mostrar que essas partículas eram carregadas negativamente e cuja carga era a unidade fundamental, o elétron! passam por um gás rarefeito dentro de uma ampola de vidro) eram eletricamente carregados e supôs: como as cargas elétricas são afetadas por campos elétricos, os raios catódicos também deveriam ser, caso fossem constituídos de partículas eletricamente carregadas. Assim, combinando as deflexões causadas por campos elétricos e magnéticos, Thomson conseguiu mostrar que os raios catódicos eram constituídos por partículas elétricas de carga negativa. E mais, Thomson conseguiu mostrar que vários materiais diferentes exibiam esta mesma capacidade de emissão, ou seja, essas partículas deveriam fazer parte da matéria! Como se não bastasse, Thomson também mostrou que essas partículas eram pelo menos mil vezes mais leves que o átomo de hidrogênio. No dia 29 de abril de 1897, Thomson anunciou suas descobertas, um marco para a investigação dos constituintes fundamentais da matéria. Por esta descoberta, Thomson recebeu o prêmio Nobel em 1906 e foi batizado de “o pai do elétron”. Em 1937, seu filho, G.P. Thomson, ganhou o prêmio Nobel de Física por mostrar que os elétrons também se 3 O MODELO DE THOMSON comportam como ondas. Imagem 3.2: J.J.Thomson Fonte: http://www.britannica.com/ EBchecked/media/151581/Sir-JJThomson-1910 22 Após os trabalhos de Thomson, acumularamse inúmeras evidências experimentais da existência dos elétrons e da sua participação na estrutura atômica. Assim, não havia mais dúvida, os elétrons deveriam ser constituintes básicos dos átomos. Mas, se os elétrons faziam parte dos átomos e estes são eletricamente neutros, então deveria haver também uma componente de carga positiva em número suficiente para neutralizar a matéria. E, ainda, o fato de que a massa do elétron é muito pequena se comparada com a de qualquer átomo, mesmo com a do mais leve, implica que a maior parte da massa do átomo deve estar associada à componente de carga positiva. Essas considerações levaram naturalmente Física EAD Álgebra Linear Unidade 1 ao problema de como seria a distribuição de cargas positivas e negativas dentro do átomo. Em 1904, o japonês Hantaro Nagaoka propôs um modelo de átomo segundo o planeta “Saturno”, no qual os elétrons com carga negativa estariam orbitando em torno de uma grande esfera de carga positiva, similar aos anéis do planeta Saturno. Entretanto, de acordo com a teoria eletromagnética, os elétrons girando em círculos estariam constantemente acelerados em seu movimento e deveriam emitir continuamente energia. A energia emitida à custa da energia mecânica dos elétrons faria com que estes se movessem em espiral, terminando por cair no núcleo atômico. E, assim, ter-se-ia um átomo que rapidamente sofreria um colapso para dimensões nucleares. E mais, durante o seu movimento espiralado, a velocidade angular do elétron cresceria continuamente e, com ela, cresceria também a frequência da radiação emitida, o que, certamente, não era observado. Além disso, o espectro contínuo da radiação que seria emitida durante o processo de colapso não era compatível com os espectros discretos observados pela emissão dos átomos. Também em 1904, J.J. Thomson propôs um modelo para descrição do átomo. Segundo Thomson, o átomo seria considerando como uma espécie de fluido com uma distribuição esférica contínua de carga positiva, onde estariam incrustados os elétrons com carga negativa. Devido à repulsão mútua, os elétrons estariam uniformemente distribuídos na esfera positiva com raio da ordem da grandeza conhecida de um átomo, cerca de 10−10 m. Este modelo, conhecido como “pudim de passas” é ilustrado na Imagem 3.1 Nesta configuração, os elétrons, tais quais pequenas passas decorando um pudim, seriam atraídos ao centro da distribuição de cargas positivas e repelidos entre si pela lei de Coulomb. O estado estável do átomo seria atingido quando as duas forças, de atração e repulsão, se equilibrassem. UESC Módulo 4 I Volume 5 23 Elementos de Matemática Avançada Imagem 3.1: Modelo atômico de Thomson – uma esfera de carga positiva entremeada com elétrons. Fonte:http://rabfis15.uco.es/Modelos%20at%C3%B3micos%20.NET/modelos/ModThomson.aspx Entretanto o modelo de Thomson tinha como hipótese inicial a estabilidade da configuração dos elétrons, sendo que estes poderiam oscilar, mas sempre em torno de suas posições de equilíbrio, em caso de excitação do átomo (por exemplo, em virtude de altas temperaturas no material). No entanto a teoria clássica do eletromagnetismo não permite a existência de uma configuração estável num sistema de partículas carregadas se a única interação entre elas é de caráter eletromagnético. Mas, então, como justificar a estabilidade do átomo no modelo de Thomson? Outro problema apontado para este modelo é que a teoria eletromagnética prevê que uma partícula com carga elétrica em movimento acelerado, como um elétron vibrando, deve emitir radiação eletromagnética, e, segundo a teoria, os modos normais de vibração das oscilações dos elétrons deveriam ter as mesmas frequências que os espectros atômicos observados. No entanto faltava uma concordância quantitativa no modelo de Thomson, ou seja, os espectros de emissão observados não concordavam com a previsão teórica para o modelo. Deste modo, o modelo de Thomson era capaz de permitir a emissão da radiação, mas a frequência da radiação emitida não concordava com os espectros observados, mostrando-se ineficaz na explicação das propriedades atômicas. E assim, como no mundo da física, somente as verificações 24 Física EAD Álgebra Linear Unidade 1 experimentais podem comprovar se um modelo está de acordo com as leis da natureza ou não, era imprescindível comparar a previsão teórica com as observações. A inadequação conclusiva do modelo de Thomson foi obtida sete anos mais tarde, em 1911, com a experiência de um de seus ex-alunos, o também neozelandês, Ernest Rutherford. Exercício Resolvido: Suponha a existência de um elétron de carga –e dentro de uma região esférica com densidade de carga positiva uniforme ρ , tal qual o modelo do átomo de Thomson. a ) Mostre que seu movimento, se ele tem uma energia cinética, pode ser de oscilações harmônicas simples em torno do centro da esfera. Solução: Vamos considerar um elétron a uma distância a do centro de uma esfera, sendo a menor que o raio da esfera. Da lei de Gauss, sabemos que podemos calcular a força que atua sobre o elétron, usando a lei de Coulomb: F =− ( ) 1 4 3 e ρ ea πa ρ 2 = − 4π 0 3 30 a onde 4 3 π a ρ corresponde à carga positiva contida na esfera de raio a . Da lei de Gauss, sabemos que é esta a distribuição de carga responsável pela força elétrica no interior da esfera de raio a. Podemos expressar a relação acima da forma: F = −ka, onde k é uma constante que vale: k = ρ e , tal qual uma força 3ε 0 elástica! Portanto se o elétron, inicialmente em repouso em a, é deixado livre, sem velocidade inicial, essa força irá produzir um movimento harmônico simples ao longo do diâmetro da esfera, visto que a força está sempre direcionada para o centro e tem módulo proporcional a distância ao centro. UESC 3 Módulo 4 I Volume 5 25 Elementos de Matemática Avançada lembrete O parâmetro ρ b) Suponha que a carga positiva total tenha é co- mumente utilizado para representar a densidade de carga, ou seja, a razão carga/volume. Já a lei de Gauss é uma das equações de Maxwell e relaciona o fluxo elétrico através de uma superfície fechada com a carga elétrica um valor igual em módulo à carga de um elétron, de forma que a carga total do átomo seja zero, e, suponhamos que esteja distribuída sobre uma esfera ' −10 de raio r = 1, − x10 m. Ache a constante da força k e a frequência do movimento do elétron. contida no interior dessa superfície. Sua formulação é:: Solução: uma vez que a densidade de carga é uniforme, podemos considerar: ρ= e 4 π r '3 3 Substituindo na expressão de k , tem-se: k= ρe e e e2 = = 30 4 π r '3 30 4π 0 r '3 3 1 4π 0 k= Substituindo os valores, lembrando que: = 9, 0 x109 Nm 2 / C , tem-se: ( 9, 0 x109 Nm 2 / C. 1, 6 x10−19 C (1, 0 x10 −10 m) 3 ) 2 = 2,3 x102 N / m A frequência do movimento harmônico simples é então: ν= 26 1 2π k 1 = m 2π Física 2,3 x102 N / m = 2,3 x1015 s −1 −31 9,11x10 kg EAD Álgebra Linear λ= c ν = Unidade 1 Assim, a radiação emitida por este elétron do átomo de Thomson terá esta frequência, analogamente à radiação emitida por elétrons oscilando em uma antena. O comprimento de onda correspondente será: 3, 0 x108 m / s = 1, 2 x10−7 m = 1200 侌 2,5 x1015 s correspondente à região do ultravioleta do espectro eletromagnético. Portanto esta é a radiação emitida por um átomo segundo o modelo de Thomson. Por certo que o comprimento de onda da radiação pode ser ajustado às observações, variando-se o raio de posição do elétron. Entretanto, segundo este modelo, somente uma frequência de radiação seria emitida, o que já se sabia, desde o final do século XIX, não é compatível com as linhas espectrais observadas. 4 A DESCOBERTA DE RUTHERFORD Rutherford foi um cientista fortemente ligado aos estudos relativos ao decaimento dos elementos químicos e às substâncias radioativas. Foi o responsável pela descoberta dos raios α e β em 1899, tendo recebido o prêmio Nobel em 1908. Trabalhando em Cambridge, conheceu o físico alemão, Hans Geiger, o qual estava realizando um experimento com o bombardeio de um feixe bem colimado de partículas α em finas folhas de ouro e alumínio. Os resultados obtidos por Geiger e interpretados por Rutherford culminaram em uma das mais importantes descobertas da física atômica. Vejamos em detalhes a experiência realizada. UESC Módulo 4 I Volume 5 27 Elementos de Matemática Avançada você sabia? Decaimentos radioativos são aqueles processos nos quais há um rearranjo da configuração dos núcle- os atômicos, podendo ser espontâneos ou induzi- dos. Ocorrem quando um núcleo radioativo emite uma partícula, se trans- Figura 3.2 – Arranjo de uma experiência de espalhamento de partículas α. formado em um nuclídeo diferente. O decaimento mais simples corresponde à emissão de raios gama (fóton de alta energia), e representa uma transição nuclear de um estado excitado para um estado de mais baixa energia. Analogamente à transição dos elétrons entre os diferentes níveis orbitais. Outros tipos de decaimento nuclear possíveis são aqueles em que há emissão de uma partícula alfa (núcleos de hélio, ou seja, dois prótons e dois nêutrons), ou β uma partícula beta, (estas podem ser um elétron ou um pósitron). Três grandes pesquisadores que se dedicaram ao estudo e identificação dos decaimentos radioativos foram Curie, Marie seu marido Pierre Curie e Henri Becquerel. Os três dividiram o Prêmio Nobel de Física no ano de 1903. Em 1911, Marie Curie recebeu o segundo Prêmio Nobel de sua carreira, desta vez o de química! Imagem 3.3: Marie Curie Fonte: http://www.nobelprize. org/nobel_prizes/chemistry/ laureates/1911/index.html 28 A Figura 3.2 ilustra um arranjo típico da experiência com partículas α realizado pelos cientistas: Geiger, Marsden e Rutherford. Partículas α são emitidas em alta velocidade por um processo de decaimento espontâneo em vários materiais radioativos. Uma vez colimadas por um par de diafragmas, as partículas α formam um feixe paralelo estreito e, por sua dimensão, ideal para investigar a estrutura atômica dos materiais. O feixe incide sobre uma folha de uma substância, normalmente um metal, suficientemente fina de modo que as partículas possam atravessá-la completamente com apenas uma pequena diminuição no módulo da velocidade. Entretanto, ao atravessar a folha, as partículas deveriam encontram os átomos, com cargas positivas e negativas, e, consequentemente, sofrer o processo de deflexão em virtude da força coulombiana. Como a deflexão da partícula ao atravessar um único átomo depende da sua trajetória através do átomo, a deflexão total do feixe ao atravessar toda a folha deve ser distinta para diferentes partículas do feixe. Consequentemente, o feixe emerge da folha não como um feixe paralelo, mas como um feixe divergente. Uma análise quantitativa desta divergência pode ser feita ao se medir o número de partículas espalhadas em cada direção angular. As partículas espalhadas eram então detectadas por um microscópio com uma tela de Sulfeto de Zinco (ZnS). Esta tela tem a capacidade de cintilar no local em que incide uma partícula α , permitindo ao microscópio Física EAD Álgebra Linear Unidade Devido ao fato de os elétrons terem uma massa muito pequena quando comparada com a massa da partícula α , eles podem em qualquer caso produzir apenas pequenas deflexões nas partículas α . No entanto, para o caso específico do modelo de Thomson, devido ao fato da carga positiva estar distribuída sobre todo o −10 volume do átomo de raio r ≅ 10 m, ela não pode causar uma repulsão coulombiana intensa o suficiente para produzir grande deflexão na partícula α . Rutherford e seus parceiros Geiger e Marsden testaram estas previsões. Os resultados experimentais mostraram que o número de partículas α desviadas com ângulos de 90° ou mais era muito maior do que o esperado pelo modelo de Thomson. A existência de uma probabilidade pequena, porém não nula, para o espalhamento em grandes ângulos, não poderia absolutamente ser explicada em termos do espelhamento atômico segundo o modelo. Um número significativo de partículas foi espalhado em ângulos da ordem de 180°. Segundo palavras do próprio Rutherford: “foi praticamente o acontecimento mais inacreditável que aconteceu em minha vida”. Esse resultado fez com que Rutherford propusesse, em 1911, um novo modelo para a estrutura atômica. 1 identificar individualmente a cintilação de cada partícula α. Imagem 3.4: Ernest Rutherford Fonte: http://www.nobelprize. org/nobel_prizes/chemistry/ laureates/1908/rutherford-bio.html 5 RUTHERFORD E O NÚCLEO ATÔMICO Rutherford mostrou, em 1911, que os dados do experimento com partículas α , realizado em colaboração com Geiger e Marsden, eram consistentes com um modelo atômico, no qual a carga positiva estaria concentrada em uma pequena região central, chamada núcleo. Essa região continha, além da carga positiva, praticamente toda a massa do átomo. Os elétrons, segundo este modelo, UESC Módulo 4 I Volume 5 29 Elementos de Matemática Avançada giravam ao redor do núcleo, da mesma forma que os planetas giram em torno do Sol, só que, neste caso, governados pela interação elestrostática e não gravitacional! Assim, tomando um referencial fixo no núcleo (com carga Ze ), para um elétron (carga e ) em órbita circular estável (raio R ), a força centrípeta deve ser igual à força eletrostática, ou seja: mv 2 1 e( Ze) , = R 4πε 0 R 2 (3.1) e assim: v2 = Ze 2 4πε 0 mR (3.2) Qualquer órbita para a qual esta equação fosse satisfeita seria uma órbita estável para o elétron. Contudo este modelo encontrava um sério obstáculo para ser aceito, o mesmo encontrado pelo modelo do japonês Nagaoka. Elétrons girando em círculos, constantemente acelerados, deveriam emitir energia continuamente, terminando por cair no núcleo atômico. Mas, então, qual foi a grande contribuição do trabalho de Rutherford? Foi justamente a constatação da existência de um minúsculo núcleo atômico! Rutherford considerou a hipótese da existência de um núcleo atômico, cujas dimensões fossem suficientemente pequenas, de modo que uma partícula α que passasse bem perto deste núcleo pudesse ser espalhada, devido à repulsão coulombiana, em um grande ângulo ao atravessar um único átomo. Rutherford fez os cálculos detalhados para a distribuição angular que era observada e chegou à dimensão do núcleo atômico. Se, ao invés de considerar um raio da ordem de 10−10 m para a distribuição das cargas positivas, fosse considerado um raio da −14 ordem de 10 m, o ângulo de espalhamento das partículas α seria compatível com o ângulo observado no experimento, cerca de 1 rad . Portanto, segundo o modelo de Rutherford, o espalhamento observado não era devido aos “elétrons atômicos”, mas, sim, devido à repulsão coulombiana que agia entre as partículas α , carregadas positivamente, e o núcleo, também, positivo. Os cálculos consideraram também apenas 30 Física EAD Unidade o espalhamento por átomos pesados, para que pudesse ser utilizada a hipótese de que a massa do núcleo é muito grande quando comparada à massa da partícula α , de modo que o núcleo não recuasse apreciavelmente durante o processo de espalhamento. Vejamos a análise realizada por Rutherford para justificar seu modelo e a existência do núcleo atômico. A Figura 3.3 ilustra o espalhamento de uma partícula α , de carga + ze e massa M , ao passar perto de um núcleo de carga + Ze, enquanto este está fixo na origem do sistema de coordenadas. Estando a partícula α muito afastada do núcleo, a força coulombiana que atua sobre ela é praticamente desprezível e, assim, a partícula se aproxima do núcleo seguindo uma trajetória em linha reta e com velocidade constante que chamaremos de v’. A posição da partícula em relação ao núcleo é especificada pela coordenada radial r e o ângulo polar ϕ , sendo este medido a partir de um eixo paralelo à linha da trajetória inicial. A distância perpendicular desse eixo à linha do movimento inicial é denominada parâmetro de impacto b. O ângulo de espalhamento θ é o ângulo entre o eixo e uma linha que passa pela origem do sistema e paralela à linha do movimento final, sendo b’ a distância perpendicular entre essas duas linhas (vide Figura 3.2). 1 Álgebra Linear Imagem 3.5: Modelo do átomo de Rutherford - os elétrons, que possuem carga negativa, orbitam em torno de um grande núcleo carregado positivamente. Fonte: http://joaonunocfq.blogspot. com.br/2010/12/modelos-atomicos. html você sabia? Se inflássemos um núcleo atômico até que ele atingisse o tamanho de uma bola de tênis, os elétrons seriam encontrados a cerca de 200m de distância! Em suma, o modelo de Rutherford prevê o movimento dos elétrons orbitando o núcleo a grandes distâncias, fazendo com que o átomo seja basicamente um espaço vazio! r, Figura 3.3 – Trajetória hiperbólica estimada por Rutherford nas coordenadas polares ϕ e os parâmetros b e D. Sendo θ o ângulo de espalhamento e R a distância de maior aproximação. A carga pontual Ze está localizada sobre um foco da hipérbole. A trajetória percorrida pela partícula α pode UESC Módulo 4 I Volume 5 31 Elementos de Matemática Avançada obtida diretamente a partir dos cálculos, segundo a mecânica clássica, para a força de repulsão coulombiana, sendo: zZe 2 =M 4π 0 r 2 d 2r 2 dt 2 dϕ − dt (3.3) O termo à esquerda na expressão acima corresponde à aplicação da força de Coulomb entre a partícula α e o núcleo, enquanto o termo à direita corresponde à aceleração radial devida à variação no módulo de r , e o termo da derivada em ϕ corresponde à aceleração centrípeta devida à variação na direção de r , estando também apontada na direção radial. Para obter a trajetória da partícula, é necessário resolver a equação acima, encontrando r em função de ϕ . Perfazendo este cálculo e aplicando as condições iniciais: ϕ → 0, quando r → ∞ e dr → −v, dt quando r → ∞, encontra-se a solução final: 1 1 D = senϕ + 2 ( cosϕ − 1) , r b 2b (3.4) Sendo D uma constante definida por: D≡ zZe 2 4π 0 Mv 2 2 1 (3.5) A constante D é equivalente à distância de maior aproximação ao núcleo em uma colisão frontal (equivalente a b = 0 ). Neste ponto, a partícula pararia e inverteria a direção de seu movimento. A constante D é facilmente obtida quando igualamos a energia potencial à energia cinética da partícula, ou seja: zZe 2 Mv 2 = 4π 0 D 2 1 (3.6) 32 Física EAD Álgebra Linear cotg θ 2 = Unidade 1 Repare que a solução obtida em (3.4) corresponde à equação de uma hipérbole em coordenadas polares, ou seja, a trajetória da partícula α é hiperbólica. O ângulo de espalhamento θ é obtido a partir de (3.4), achando o valor de ϕ para r → ∞, quando θ = π − ϕ . Desta forma, obtém-se: 2b D (3.7) Da expressão acima, vemos que, no caso do espalhamento de uma partícula α por um único núcleo, se o parâmetro de impacto estiver entre b e b + db, então o ângulo de espalhamento estará entre θ e θ + dθ , sendo a relação entre b e θ dada por (3.7). Esta situação é ilustrada na Figura 3.4. Para encontrar o número de partículas α , N (È ) dÈ , espalhadas entre È e È + dÈ ao atravessar toda a folha é necessário calcular o número das que incidem sobre o núcleo na folha, como parâmetro de impacto entre b e b + db. O resultado deste cálculo é dado por: 2 2 È 1 È zZe 2 I ρ t 2π sen d N ( È ) dÈ = 2 sen 4 È 4π 0 2 Mv 2 ( ) (3.8) Figura 3.4 – A relação entre o parâmetro de impacto b e o ângulo de espalhamento θ . À medida que b cresce (maior afastamento do núcleo), o ângulo de espalhamento decresce. UESC Módulo 4 I Volume 5 33 Elementos de Matemática Avançada A expressão acima (3.8) é denominada fórmula de espalhamento de Rutherford, onde I é o número de partículas α incidentes sobre a folha de espessura t cm, contendo ρ núcleos por centímetro cúbico. Perfazendo esta mesma análise para o modelo de Thomson obtém-se uma expressão da forma: 2 I −È È N ( È ) dÈ = 2 e È 2 È2 dÈ (3.9) Imagem 3.6: Experiência de Rutherford – vista esquemática dos átomos que constituem a folha de ouro que funciona como uma rede de difração. Fonte: http://estruturadoatomolic2013iqunesp.blogspot.com.br/p/home.html Por meio de uma simples comparação entre as expressões (3.8) e (3.9) nota-se que a previsão para o modelo de Rutherford apresenta uma dependência bem mais complexa que o modelo de Thomson, haja vista que na expressão (3.8) aparecem fatores como a densidade e espessura da placa, número atômico e a energia cinética das partículas α . Nota-se ainda que o espalhamento em ângulos grandes é muito mais 34 Física EAD Álgebra Linear Unidade 1 provável em um único espalhamento por um núcleo atômico do que em um espalhamento múltiplo em pequenos ângulos em um átomo do tipo pudim de passas. Após análise apresentada por Rutherford, Geiger e Marsden fizeram exaustivos testes experimentais a respeito do ângulo de espalhamento das partículas e terminaram por concluir que a teoria do núcleo atômico e o modelo de Rutherford eram compatíveis com os resultados encontrados. No entanto, apesar do sucesso alcançado pelo modelo de Rutherford ao explicar o experimento com as partículas α , este novo modelo deixou espaço para outro questionamento: como explicar a estabilidade nuclear? Se no centro do átomo há um núcleo cuja massa é aproximadamente a massa do átomo, e cuja carga é igual ao número atômico do elemento multiplicado por e; e em torno de núcleo existem Z elétrons, de modo a neutralizar o átomo, como justificar a estabilidade deste sistema? Na tentativa de responder esta questão, o físico dinamarquês, Niels Bohr, propôs em 1913 uma nova formulação para o modelo atômico, esta nova foi baseada na experiência de Rutherford e na interpretação dos espectros atômicos. Exercício resolvido: 1. Mostre que, para a experiência com as partículas α descrita na Figura 3.3, v’ = v e b’ = b. Solução: a força que atua sobre a partícula é do tipo coulombiana e está sempre dirigida radialmente. Assim, o momento angular da partícula em torno da origem tem um valor constante, L. Ou seja, o momento angular inicial é igual ao momento angular final, de modo que: Mvb = Mv 'b ' = L Assim, vb = v ' b ' E ainda, é certo que a energia cinética da partícula não permanece constante durante o espalhamento, mas a energia cinética inicial deve UESC Módulo 4 I Volume 5 35 Elementos de Matemática Avançada ser igual à energia cinética final, uma vez que o núcleo permanece estacionário. Portanto: 1 1 Mv 2 = Mv '2 2 2 Então, v = v’ e, da equação anterior, b = b’, como se queria demonstrar. 2. Calcule R, a distância de maior aproximação da partícula ao centro do núcleo, ou se, a origem do sistema ilustrado na Figura 3.3. Solução: a coordenada radial r será igual a R quando o ângulo polar for ϕ = (π − θ ) / 2. Substituindo este ângulo na expressão (3.4), obtém-se: 1 1 π −θ D = sen + 2 R b 2 2b b= π −θ cos 2 − 1 θ D π −θ D cotg = tg 2 2 2 2 Substituindo a expressão para o parâmetro b na primeira expressão e perfazendo as devidas manipulações algébricas, tem-se: 36 D 1 R = 1 + 2 π −θ cos 2 Física EAD 1 Álgebra Linear R= D 1 1+ 2 sen θ 2 ( ) Unidade Por fim: Note que, quando θ → π , o que corresponde a b = 0, isso é, colisão frontal, R → D, a distância de maior aproximação. Também quando θ → 0, o que corresponde a não haver nenhuma deflexão, tanto b quanto R tendem a infinito, como seria esperado. Estas previsões são confirmadas experimentalmente. 6 OS ESPECTROS ATÔMICOS No auge das investigações a respeito da estrutura atômica, a capacidade de emissão térmica dos materiais já era bem conhecida. Ao contrário de um espectro contínuo de radiação eletromagnética emitida, por exemplo, pela superfície de sólidos a altas temperaturas, a radiação emitida por átomos livres está concentrada em um conjunto de comprimentos de onda discretos, denominadas linhas. Ainda no início do século XIX, Joseph Fraunhoffer havia descoberto que o espectro de emissão solar exibia uma série de linhas escuras superpostas às cores do arco-íris. Anos mais tarde, por volta de 1853, as linhas espectrais do hidrogênio foram identificadas pela primeira vez pelo físico sueco Anders Angstrom. No entanto, Angstrom não conseguiu identificar as frequências da radiação detectada. A identificação das quatro linhas brilhantes na região visível foi possível apenas em 1860, por meio da técnica de espectroscopia analítica, proposta pelos alemães Gustav Kirchhoff e Robert Bunsen. Estes desenvolveram uma metodologia simples e eficaz para análise espectral: fazer a luz emitida por um elemento químico aquecido passar por um UESC Módulo 4 I Volume 5 37 Elementos de Matemática Avançada prisma, onde a luz é decomposta e posteriormente impressa em uma chapa fotográfica, resultando no registro das linhas espectrais em foto. Por meio desta técnica, os parceiros alemães conseguiram identificar as linhas espectrais de diversos elementos químicos e foram os primeiros a apontar a relação unívoca entre os elementos e seus respectivos espectros. Cada tipo de átomo tem seu espectro característico próprio, isto é, um conjunto de comprimentos de onda nos quais as linhas do espectro são encontradas. Na prática, a técnica de espectroscopia analítica veio se juntar à técnica de análise química, reunindo esforços para identificação dos diferentes elementos químicos e a obtenção de medidas precisas de suas respectivas linhas espectrais. Os trabalhos de Kirchhoff e Bunsen revelaram ainda a capacidade dos materiais em emitir e absorver luz em específicos comprimentos de onda, definindo um padrão próprio de radiação, sendo este denominado o “seu espectro”, um traço característico do elemento, como se fosse sua própria impressão digital. Em 1861, após uma análise detalhada do espectro solar, Kirchhoff identificou linhas características do espectro de absorção de vários elementos químicos como: sódio, cálcio, magnésio e ferro. É sabido que todos estes elementos encontram-se nas camadas mais externas (e mais frias) do Sol, e são os responsáveis pela absorção da luz do espectro contínuo, resultando nas linhas escuras observadas originalmente por Fraunhoffer. Assim, é seguro afirmar que cada tipo de átomo tem o seu espectro que lhe é característico e para cada átomo específico é possível identificar os espectros de emissão e de absorção, sendo: O conjunto de raias ou o conjunto das radiações eletromagnéticas monocromáticas emitidas e suas correspondentes intensidades definem o espectro de emissão do tipo de átomo. O conjunto discreto de raias escuras ou o conjunto das radiações monocromáticas que estão faltando de um espectro contínuo, justamente porque foram absorvidas pelo material, definem o espectro de absorção do átomo. 38 Física EAD Unidade Na segunda metade do século XIX, diversos trabalhos foram realizados na investigação dos espectros estelares, revelando uma relação direta entre a química terrestre e estelar. De fato, estrelas são formadas pelos mesmos elementos químicos que encontramos na Terra. Mas tão instigante quanto esta descoberta era o entendimento do processo de emissão espectral. Por que objetos aquecidos emitem luz? Por que elementos químicos diferentes produzem espectros diferentes? Qual seria a relação entre o calor e a luz emitida? Por certo que os espectros atômicos deveriam ser explicados por qualquer modelo que se propusesse a explicar a estrutura atômica. Mas esta não era a realidade da época e estas questões intrigaram toda a comunidade científica durante décadas, até que, em 1911, surgiu no cenário científico mais um físico contestador do mundo clássico, seu nome: Niels Bohr. 1 Álgebra Linear Imagem 3.7: Niels Bohr Fonte: http://www.nobelprize. org/nobel_prizes/physics/ laureates/1922/bohr-bio.html 7 AS IDÉIAS DE BOHR O físico dinamarquês Niels Bohr chegou a Manchester em 1911, aos 26 anos, para trabalhar com Ernest Rutherford. Bohr estava convencido da existência do núcleo atômico, acreditava que o modelo de Rutherfor estivesse no caminho certo, mas também sentia que mudanças drásticas eram necessárias à física clássica para explicar a estabilidade atômica. Enquanto Rutherford tentava encontrar uma explicação para a estabilidade do átomo e Thomson tentava, sem sucesso, ajustar os espectros atômicos observados ao seu modelo, Bohr tentava encontrar uma nova física. A aplicação de conceitos da mecânica newtoniana, empregada por Rutherford, para descrever as órbitas eletrônicas o incomodavam profundamente, bem como a hipótese UESC Módulo 4 I Volume 5 39 Elementos de Matemática Avançada de emissão de radiação prevista pelo eletromagnetismo clássico. Bohr questionava o tratamento clássico aplicado aos elétrons. Para ele, o eletromagnetismo clássico condenava o átomo à instabilidade! Por outro lado, o jovem Bohr argumentava que, de acordo com os trabalhos de Planck e Einstein, os processos que envolviam absorção e emissão de energia não podiam mais ser tratados como processos contínuos, mas sim discretizados em pacotes de energia. Então, Bohr tentou aplicar o conceito de quantização de energia ao modelo de Rutherford por meio da definição de uma série de órbitas possíveis para o elétron e acabou por desenvolver um modelo que apresentava concordância quantitativa precisa com alguns dos dados espectroscópicos. O modelo do átomo de Bohr foi apresentado na forma de quatro postulados, vejamos. Primeiro Postulado: Um elétron em um átomo se move em uma órbita circular em torno do núcleo, sob influência da atração coulombiana; entre o elétron e o núcleo, obedecendo às leis da mecânica clássica. Segundo Postulado: Em vez da infinidade de órbitas que seriam possíveis segundo a mecânica clássica, um elétron só pode mover-se em uma órbita na qual seu momento angular orbital L é um múltiplo inteiro de (a constante de Planck dividida por 2 π ). Terceiro Postulado: Apesar de estar constantemente acelerado, um elétron que se move em uma dessas órbitas possíveis não emite radiação eletromagnética. Portanto sua energia total E permanece constante. 40 Física EAD 1 Álgebra Linear Unidade Quarto Postulado: É emitida radiação eletromagnética se um elétron, que se move inicialmente sobre uma órbita de energia total Ei , muda seu movimento descontinuamente de forma a se mover em uma órbita de energia E f . A frequência da radiação emitida ν é igual à quantidade ( Ei − E f ) dividida pela constante de Planck h. As ideias de Bohr misturam conceitos clássicos e não clássicos. No primeiro postulado, Bohr considera a existência do núcleo atômico, tal qual indicação do experimento de Rutherford e assegura a validade da mecânica clássica. Já o segundo postulado introduz o conceito não clássico de quantização, mas, desta vez, a quantização é para o momento angular orbital de um elétron se movendo sob influência de uma força coulombiana, ou seja, inversamente proporcional ao quadrado da distância, o que implica em: n = 1, 2, 3… L = n (3.10) Note que o critério de quantização sugerido por Bohr para o momento angular do elétron é diferente da quantização de Planck para a energia de uma partícula, E = nhν . O terceiro postulado resolve o problema de emissão de radiação eletromagnética para um elétron que se move em uma órbita circular, uma previsão da teoria clássica do eletromagnetismo. Para Bohr, as órbitas permitidas eram “órbitas estacionárias”, uma condição especial para um elétron ligado. Nestas órbitas, os elétrons simplesmente violam a lei clássica e não perdem energia, assegurando, assim, a estabilidade do átomo. Por certo que há uma violação da lei clássica, mas que assegura a estabilidade observada experimentalmente para os átomos. O quarto postulado é similar ao postulado de Einstein, o qual atesta que a frequência de um fóton emitido é igual à energia do mesmo, dividida pela constante h. Bohr apenas atribui à energia do fóton à diferença de energia entre as órbitas, sendo: UESC Módulo 4 I Volume 5 41 Elementos de Matemática Avançada ν= Ei − E f h (3.11) No caso de um elétron receber uma dosagem extra de energia, tal qual uma descarga elétrica, ou ainda que o átomo receba energia em decorrência de uma colisão, o elétron poderá sofrer uma transição eletrônica para um estado de maior energia, ou estado excitado, no qual, necessariamente, n > 1. Obedecendo à tendência natural de todos os sistemas físicos, o elétron tenderá a voltar para o estado fundamental de energia e deverá, para tanto, emitir o excesso de energia entre os níveis na forma de um fóton. Assim, Bohr esclareceu o mistério do o espectro atômico: as linhas espectrais são discretas, apresentandose em frequências específicas para cada átomo, simplesmente porque correspondem aos fótons emitidos durante as transições dos elétrons entre as órbitas permitidas. Na órbita mais próxima do núcleo, n = 1, o elétron estaria no “estado fundamental” do átomo. As órbitas mais externas seriam aquelas dos “estados excitados” dos átomos. Por certo que as ideias de Bohr eram extremamente audaciosas e muito fortes, mas a justificativa para os seus postulados, como em todo e qualquer postulado, prima pela adequação do modelo aos resultados experimentais. E neste contexto, as previsões de Bohr eram extremamente eficientes. Para o espectro do hidrogênio, por exemplo, o modelo consegue prever as frequências das linhas de emissão em perfeita concordância com o espectro observado. O sucesso alcançado pelo modelo de Bohr teve impacto bastante positivo entre a comunidade científica. Após a publicação de todo o trabalho em novembro de 1913, Albert Einstein se declarou um dos maiores entusiastas do modelo, tendo escrito: “Esta é uma conquista enorme”. 42 Física EAD Álgebra Linear 1 você sabia? Bohr foi um dos maio- Vamos agora às considerações físicas por trás do modelo de Bohr. Considere um átomo constituído por um núcleo de carga + Ze e massa M , e um único elétron de carga –e e massa m. Este poderia ser o caso de um átomo de hidrogênio neutro, Z = 1, ou um átomo de Hélio ionizado, Z = 2; ou mesmo um átomo de lítio duplamente ionizado, Z = 3. Supondo uma órbita circular para o elétron e, lembrando que m é desprezível comparada a M e que o núcleo permanece fixo no espaço, a condição de estabilidade mecânica nos leva a estabelecer que: res cientistas de todos os tempos! Querido não apenas por sua habilidade racional, mas também por sua postura enquanto cidadão do mundo e pessoa dotada de profundo senso de justiça. Simpático e humilde, Bohr era admirado por colegas, alunos e amigos. Foi bastante atuante na propagação de ideais pacifistas, durante e após a segunda guerra, e engajado a disseminar sua preocupação com o futuro do mundo. Defensor do uso pacífico da energia nuclear, liderou projetos voltados às Ze 2 v2 m , = 4π 0 r 2 r 1 aplicações industriais da energia atômica e recebeu em 1957 o prêmio (3.12) Ou seja, a força coulombiana que atua sobre o elétron é a responsável pela aceleração centrípeta que mantém o elétron em órbita, sendo v a velocidade do elétron e r o raio da órbita. Uma vez que a força atuante sobre o elétron é uma força central, então o momento angular orbital também deve ser uma constante, L = mvr. Assim, a condição de quantização do momento angular, segundo Bohr, implica em: Átomos para a Paz, oferecido pelo governo dos Estados Unidos. Por seus trabalhos no estudo da estrutura atômica, Bohr é considerado um dos principais arquitetos do átomo e da física quântica! L = mvr = n, n = 1, 2,3… (3.13) Portanto: v= n mr (3.14) UESC Módulo 4 I Volume 5 43 Unidade 8 O MODELO DE BOHR Elementos de Matemática Avançada Substituindo a expressão de v em (), tem-se: 2 2 Ze 2 m n n2 2 2 2 m n = => = = 4 4 Ze r π π 0 0 4π 0 r 2 r mr r mr mr 1 Ou seja: r = 4π 0 n22 , mZe 2 n = 1, 2,3… (3.15) e: v= n 1 Ze 2 , = mr 4π 0 n n = 1, 2,3… (3.16) Em suma, a quantização do momento angular corresponde a uma restrição das órbitas circulares permitidas, ou seja, aquelas cujos raios são dados por (3.15). Note que os raios permitidos são proporcionais ao quadrado do número quântico n , enquanto a velocidade é inversamente proporcional a n. Esta é uma das razões para a quantização de Bohr (assim como a de Planck!) começar em n = 1 e não em n = 0, caso contrário, teríamos r → 0 e v → ∞. Para o átomo de hidrogênio, por exemplo, a primeira órbita seria: r = 5,3 x10−11 m ≅ 0,5侌 .. Esta estimativa pode ser interpretada como uma medida do raio do átomo de hidrogênio em seu estado fundamental. De acordo com (3.16), a velocidade do elétron na órbita mais interna é v ≅ 2, 2 x106 m / s. Note que este valor é bem abaixo da velocidade da luz (3 x108 m / s ) e, por esta razão, a mecânica newtoniana é suficiente para descrever a dinâmica do modelo de Bohr, uma vez que esta é a maior velocidade permitida para o elétron ligado. Entretanto, para grandes valores de Z , a velocidade do elétron ligado se torna comparável à velocidade da luz e o modelo clássico não mais é valido. E qual é a energia de um elétron ligado, segundo o modelo de 44 Física EAD Álgebra Linear Unidade 1 Bohr? Vejamos: a energia potencial V , a qualquer distância finita r , pode ser estimada integrando o trabalho que seria realizado pela força coulombiana que atua de r a ∞. Assim, podemos expressar: ∞ Ze 2 Ze 2 V = −∫ dr = − 4π 0 r 2 4π 0 r r (3.17) Neste caso, a energia potencial é negativa devido ao fato da força coulombiana ser atrativa, ou seja, é necessário realizar trabalho sobre o sistema para mover um elétron do raio r ao infinito, em oposição à força coulombiana. Para o cálculo da energia cinética do elétron, podemos usar aplicar equação de velocidade (), diretamente à fórmula clássica: K= 1 2 Ze 2 mv = 2 4π 0 2r (3.18) Assim, a energia total do elétron pode ser estimada como a soma das energias, cinética e potencial: E = K +V = E=− Ze 2 Ze 2 − 4π 0 2r 4π 0 r Ze 2 = −K 4π 0 2r (3.19) Substituindo o valor de r , tem-se: E=− mZ 2 e 4 ( 4π 0 ) 2 1 2 2 n 2 (3.20) UESC Módulo 4 I Volume 5 45 Elementos de Matemática Avançada Imagem 3.8: Modelo de Bohr – órbitas circulas, estabilidade eletrônica e emissão de radiação somente nas transições entre estados estacionários. Fonte:http://www.fisica-interessante.com/aula-historia-e-epistemologia-da-ciencia-11-crise-da-fisica-3.html Assim, nota-se que a quantização do momento angular também se reflete na quantização de sua energia total, visto que esta, por sua vez, é dependente do raio orbital. Um elétron em estado fundamental, isto é, se movendo na órbita mais interna do átomo, n = 1, consequentemente, tem a menor energia possível, visto que a energia estimada para cada orbital é negativa. As informações contidas em (3.20) também podem ser representadas na forma de um diagrama de níveis de energia, tal qual ilustrado na Figura 3.5. Neste tipo de diagrama, são representados os números quânticos, seus respectivos níveis de energia, e, por meio da escala de construção, a distância entre cada nível de energia em relação ao primeiro nível é proporcional à diferença de energia entre eles. Observe que o menor (mais negativo) nível de energia ocorre para o número quântico n = 1. À medida que n cresce, a energia total do estado quântico se torna menos negativa, com E se aproximando de zero, quando n tende a infinito. Como em todo sistema físico, o estado de menor energia total é o estado mais estável, vemos que o estado normal 46 Física EAD Álgebra Linear Unidade 1 para o elétron no átomo de um elétron é, naturalmente, o estado no qual n = 1. Figura 3.5 – Diagrama de níveis de energia para o átomo de hidrogênio Resta agora estimar a frequência da radiação emitida quando um elétron ligado sofre uma entre um estado quântico ni para um estado quântico n f . Em outras palavras, um elétron que se movia em uma órbita caracterizada por um número quântico i, muda descontinuamente seu movimento, passando a se mover segundo uma órbita de número quântico f , De acordo com o quarto postulado de Bohr, e a expressão: ν= Ei − E f h 2 1 mZ 2 e 4 1 = + 3 2 2 4π 0 4π n f − ni Expressando em termos do número de onda = (3.21) 1 λ = ν c , tem-se: 2 1 me 4 2 1 Z 2 κ = 3 2 4π 0 4π c n f − ni UESC Módulo 4 I Volume 5 47 Elementos de Matemática Avançada Ou seja: 1 , n 2f − ni2 κ = R∞ Z 2 (3.22) Sendo R∞ uma constante cujo valor é: 2 1 me 4 R∞ ≡ 3 4π 0 4π c (3.23) Note que a equação (3.22) estabelece o número de onda do fóton emitido no processo de transição, no entanto não oferece nenhuma restrição para as transições entre os estados permitidos. Em suma, um átomo pode absorver energia e passar para um estado excitado, orbital n = 7, por exemplo, e posteriormente decair até o nível fundamental, por meio de uma série de transições, nas quais o elétron cai de um estado para outro de energia mais baixa, sucessivamente, até chegar ao nível fundamental. Por exemplo, um elétron pode cair do nível n = 7 para o nível n = 4, depois para n = 2 e finalmente para n = 1. Em cada transição é emitido um fóton com comprimento de onda que depende da diferença de energia perdida pelo elétron naquela transição, ou seja, a diferença de energia entre os níveis orbitais em questão. Nesse caso, seriam emitidos três fótons, correspondendo a três linhas de emissão do espectro atômico, com número de onda dados por: - linha 1: transição entre ni = 7 para n f = 4; - linha 2: transição entre ni = 4 para n f = 2; - linha 3: transição entre ni = 2 para n f = 1. Na maior parte dos processos de excitação e desexcitação, todas as possíveis transições ocorrem e, assim, é constituído o espectro atômico detectado durante um processo de medida. Os números de onda, ou comprimentos de onda, do conjunto de linhas que constituem o espectro são dados pela expressão (%%) (ver com a autora), 48 Física EAD Álgebra Linear µ= Unidade 1 simplesmente tomando os valores de ni e n f , restritos apenas à condição ni > n f para linhas de emissão e ni < n f para linhas de absorção. Com o aprimoramento dos dados espectroscópicos, Bohr se deu conta de que a aproximação realizada em seus cálculos para a massa nuclear infinita estava em desacordo com as medidas experimentais. A fim de corrigir suas previsões teóricas, Bohr resolveu tratar a dinâmica do sistema elétron-núcleo em função do seu centro de massa. Neste contexto, o sistema pode ser tratado como se o núcleo de massa M estivesse fixo e a massa m do elétron fosse ligeiramente reduzida a certo valor µ , denominada massa reduzida do elétron: mM m+M (3.24) Note que o valor de µ é sempre menor que m. Para introduzir este novo conceito e corrigir as previsões teóricas, Bohr foi forçado a modificar o seu segundo postulado, desta vez, impondo que a quantização do momento angular total, L, fosse um múltiplo inteiro da constante de Planck dividida por 2π , ou seja, . Assim, a igualdade expressa foi generalizada para: µ vr = n n = 1, 2, 3… (3.25) Ao considerar o parâmetro µ , é levado em conta tanto o momento angular do elétron quanto do núcleo. Para as demais previsões do modelo de Bohr, as equações descritas nesta seção serão todas idênticas, com exceção da troca da massa do eletro, m, pela massa reduzida, µ . Em especial, a expressão para os comprimentos de onda das linhas espectrais, equação (), se reduz a: 1 1 , − n 2f ni2 κ = RM Z 2 UESC Módulo 4 I Volume 5 49 Elementos de Matemática Avançada onde: RM ≡ M µ R∞ ≡ R∞ m+M m (3.26) A constante RM é denominada constante de Rydberg para um núcleo de massa M. Note que, quando M → ∞, RM → R∞ , a m constante de Rydberg para um núcleo extremamente pesado. Para o caso do hidrogênio, M ≅ 1836, RM é menor que R∞ por uma parte em m 2000. Com estas correções, as previsões do modelo de Bohr pareciam se encaixar como uma luva ao espectro atômico do hidrogênio, além de fornecer explicações plausíveis às inquietações científicas a respeito do papel dos elétrons dentro da estrutura atômica. Assim, o modelo de Bohr agradava por sua boa concordância, tanto quantitativa quanto qualitativa, entre teoria e observações. No entanto, apesar do sucesso inicial alcançado, o modelo de Bohr também tinha suas limitações. O tratamento clássico dado aos elétrons apresentava falhas até mesmo para explicar o comportamento de átomos leves como o Hélio, com seus dois elétrons. Mas, ainda assim, as ideias introduzidas por Bohr para a quantização das órbitas eletrônicas e sua ênfase em números atômicos davam fortes indícios do caminho a ser seguido no entendimento do mundo atômico. Exercício Resolvido: Calcule a energia de ligação do átomo de hidrogênio, isto é, a energia que liga o elétron ao núcleo, a partir da expressão (3.20). Solução: A energia de ligação é numericamente igual à energia do menor estado possível, n = 1. Como para o átomo de hidrogênio, Z = 1, tem-se: E=− 50 Física 1 ( 4π 0 ) 2 me 4 2 2 EAD 1 Álgebra Linear ( 9, 0 x10 Mm E=− 9 2 ) 2. (1, 05 x10 ( 2 / C .9,11x10−31 kg. 1, 60 x10−19 C −34 J .s ) ) Unidade Substituindo os valores: 4 2 E = −2,17 x10−18 J = −13, 6eV Exercício Resolvido: Imagine um “átomo de positrônio”, ou seja, constituído por um elétron e um pósitron, ao invés do próton. Neste caso, teríamos o elétron girando em torno centro de massa comum, o qual está na metade da distância entre os dois. a ) Se tal sistema fosse um átomo normal, como seu espectro de emissão seria comparável ao do átomo de hidrogênio? Solução: Neste caso, a massa “nuclear” é a do pósitron, que por sua vez, é igual à massa do elétron, m. Portanto a massa reduzida será: µ= mM m2 m = = m + M 2m 2 A constante de Rydberg correspondente é: RM = R m R∞ = ∞ m+m 2 Os estados de energia do átomo de positrônio seriam dados então por: UESC Módulo 4 I Volume 5 51 Elementos de Matemática Avançada E positrônio = − RM hcZ 2 R∞ hcZ 2 = − n2 2n 2 e os comprimentos de onda recíprocos das linhas espectrais seriam dados por: κ= 1 λ = ν c = R∞ 2 1 1 Z 2 − 2 n f ni 2 As frequências das linhas emitidas seriam então a metade, e os comprimentos de onda o dobro das de um átomo de hidrogênio (com núcleo infinitamente pesado), sendo Z igual a 1 para o positrônio e para o hidrogênio. b) Qual seria o raio da órbita no estado fundamental do positrônio? Solução: Podemos usar a mesma expressão para o raio de hidrogênio, apenas substituindo m por µ , que, de acordo com o m item anterior, vale: µ = . 2 Assim: rpositrônio = 4π 0 n 2 h 2 4π 0 n 2 h 2 = = 2rhidrogênio 2 µ Ze 2 mZe 2 Portanto para qualquer estado quântico n o raio do elétron relativamente ao “núcleo de positrônio” é duas vezes maior do que no átomo de hidrogênio. 52 Física EAD 1 Álgebra Linear Unidade Exercício Resolvido: Um átomo muônico contém um núcleo de carga Ze e um muon negativo, µ − , se movendo em torno dele. − O µ é uma partícula elementar de carga –e e massa 207 vezes maior do que a massa do elétron. Este átomo é formado quando um − próton, ou outro núcleo, captura um µ . a ) Calcule o raio da primeira órbita de Bohr de um átomo muônico com Z = 1 . Solução: A massa reduzida do sistema, com mµ − = 207 me e M = 1836me é de: µ= 207 me .1836me = 186me 207 me + 1836me Então, o raio da órbita com n=1 e µ = 186me será: r1 = 4π 0 1 .5,3 x10−11 m = 2,8 x10−13 m = 2,8 x10−13 侌 = 2 186me e 186 − Portanto o µ está muito mais próximo da superfície nuclear (do próton) do que o elétron em um átomo de hidrogênio! b) Calcule a energia de ligação de um átomo muônico com Z = 1. De acordo com a equação (), para n = 1 , z = 1 e µ = 186me , tem-se: me e 4 = −186 .13, 6eV = −2530 eV E = −186 2 ( 4π 0 ) 22 Esta é a energia do estado fundamental, 186 vezes a energia UESC Módulo 4 I Volume 5 53 Elementos de Matemática Avançada do átomo de hidrogênio. Também equivalente à energia de ligação do átomo muônico. Exercício Resolvido: O hidrogênio comum contém cerca de uma parte em 6000 de deutério, o hidrogênio pesado. Este átomo corresponde a um núcleo contendo um próton e um nêutron. Estime como a massa nuclear afeta o espectro atômico. Solução: O espectro seria idêntico ao espectro normal do átomo de hidrogênio se não fosse a correção para a massa nuclear finita. Para um átomo de hidrogênio normal, tem-se: RH = R∞ µ m = R∞ 109737cm −1 = = 109678cm −1 1 m 1 + 1 + M 1836 Para um átomo de Deutério, o cálculo seria: RD = R∞ µ m = R∞ 109737cm −1 = = 109707cm −1 m 1 1 + 1 + M 2(1836) Portanto RD é um pouco maior do que RH , de modo que a linhas espectrais do deutério são deslocadas para comprimentos de onda ligeiramente menores comparados ao hidrogênio. De fato, o deutério foi descoberto em 1932, após a observação dessas linhas espectrais deslocadas. 9 AS SÉRIES ESPECTROSCÓPICAS Por sua configuração minimalista, o espectro do átomo de hidrogênio é relativamente simples, e, por esta razão, bastante útil para o estudo da estrutura atômica. A Figura 3.6 representa a parte do espectro do hidrogênio que se encontra na região de comprimentos de onda da luz visível. Repare que o espaçamento, em comprimentos de onda, 54 Física EAD Álgebra Linear Unidade 1 entre linhas adjacentes do espectro diminui continuamente, à medida que o comprimento de onda das linhas diminui (consequentemente o nível de energia aumenta). Neste contexto, diz-se que a série de linhas apresentadas converge para o chamado limite da série, no caso do hidrogênio, 3.645, 6 侌 . Note que as linhas com menores comprimentos de onda, incluindo o limite da série, são difíceis de serem observadas experimentalmente devido ao pequeno espaçamento entre elas e, também, por já estarem na região do ultravioleta. Repare que algumas linhas aparecem marcadas como Hα , H β , etc. Veremos a seguir a justificativa desta identificação. Figura 3.6 – Esquema das linhas espectrais do átomo de hidrogênio na parte visível do espectro. Desde o final do século XIX, ainda muito antes das especulações do modelo de Bohr, que a regularidade das linhas espectrais do átomo de hidrogênio despertava a curiosidade dos cientistas da época, no intuito de encontrar um padrão, ou uma fórmula empírica, que pudesse descrever as linhas observadas. Em 1885 (ano em que nascia Niels Bohr), um professor suíço de nome Johann Balmer publicou em seu trabalho a descoberta de uma fórmula capaz representar os comprimentos de onda observados para o átomo de hidrogênio. No entanto, como as teorias da época não eram capazes de explicar as linhas espectrais nem, tão pouco, justificar a sequência observada, esta constatação ficou esquecida no tempo, por cerca de 30 anos, tendo sido reavivada por ocasião dos trabalhos de Bohr. Balmer encontrou uma série muito simples da forma: λ = 3646 n2 , n2 − 4 (3.27) UESC Módulo 4 I Volume 5 55 Elementos de Matemática Avançada onde: n = 3 para a linha identificada como Hα , n = 4 para a linha H β e n = 5 para H γ etc. Àquela altura, Balmer sequer tentou associar um conceito físico ao parâmetro n , mas o êxito alcançado em representar as linhas conhecidas na época, estimulou muitos outros cientistas a buscar fórmulas empíricas similares que se aplicariam a séries de linhas encontradas em outros elementos. Muitos trabalhos se sucederam, dentre eles o trabalho de Rydberg, por volta de 1890, e atualmente sabemos da existência de pelo menos cinco séries de linhas no espectro do hidrogênio, conforme descrito na Tabela 3.1. Tabela 3.1 – As séries do Hidrogênio Fonte: Eisberg & Resnick, 1979 Para o gás hidrogênio, em geral, apenas as linhas da série Lyman aparecem no espectro de absorção, mas quando o gás é aquecido a elevadas temperaturas, condição que ocorre nas superfícies estelares, usualmente são encontradas as linhas correspondentes à série de Balmer. Assim como acontece com o hidrogênio, os demais elementos químicos também têm suas sequências de séries. Para os átomos alcalinos, como Li, Na, K etc, a fórmula das séries tem a mesma estrutura geral, sendo: 56 Física EAD 1 Álgebra Linear 1 1 1 = RM − , 2 2 λ ( m − a ) ( n − b) Unidade κ= (3.28) onde RM é a constante de Rydberg para o elemento em questão, a e b são constantes para a série considerada, m é um inteiro que é fixo para a série considerada, e n é um inteiro variável. A constante de Rydberg apresenta uma pequena variação entre os elementos, da ordem de 0,05%, mas apresenta um ligeiro crescimento à medida que o número atômico (e, consequentemente, a massa do núcleo) cresce. Exercício Resolvido: a) Qual é o comprimento de onda do fóton menos energético na série de Balmer? Solução: Da relação E = hν , o fóton menos energético tem a menor frequência e, portanto, o maior comprimento de onda. Analisando a série de Balmer (Tabela 3.1), significa que devemos fazer n = 3 (menor valor possível), visto que qualquer valor mais alto corresponderia a um comprimento de onda menor. Assim, temse: κ= 1 1 1 = RH 2 − 2 λ 2 n Substituindo os valores: 1 1 1 = 0, 01097 nm −1 2 − 2 λ 2 3 −3 −1 = 1,524 x10 nm Assim: λ= UESC 1 = 656,3 nm 1,524 x10−3 nm −1 Módulo 4 I Volume 5 57 Elementos de Matemática Avançada Exercício Resolvido: Para o átomo muônico considerado no exercício da seção anterior, estime o comprimento de onda da primeira linha da série de Lyman. De acordo com a Tabela 3.1, a série de Lyman para um átomo de massa M e Z = 1 corresponde a: 1 1 − 2 2 n f ni κ = RM Para a primeira linha de Lyman, ni = 2 e n f = 1. conforme calculado anteriormente, para o átomo muônico: RM = ( µ / me ) R∞ = 186 R∞ . Portanto: κ= 1 1 = 186 R∞ 1 − = 139,5 R∞ λ 4 Como R∞ = 109737cm −1 obtém-se: λ ≈ 6,5侌 De modo que as linhas de Lyman estão na parte raio X do espectro eletromagnético. 10 REGRAS DE QUANTIZAÇÃO O conceito de quantização introduzido por Bohr para justificar a estrutura atômica, assim como a quantização de energia de Planck, despertaram o interesse dos pesquisadores da época, no sentido compreender este conceito tão fascinante. Neste contexto, em 1916, 58 Física EAD Álgebra Linear Unidade 1 W. Wilson e Arnold Sommerfeld enunciaram um conjunto de regras no intuito de generalizar o conceito de quantização para qualquer sistema físico, no qual as coordenadas fossem funções periódicas no tempo. O enunciado apresentado para as regras de quantização nos diz que: Para qualquer sistema físico no qual as coordenadas são funções periódicas do tempo, existe uma condição quântica para cada coordenada. Estas condições são estimadas como: 嚀p dq = n h, q q (3.29) onde q é uma das coordenadas, pq é o momento associado a essa coordenada, nq é um número quântico correspondente, que toma valores inteiros, e 嚀 significa que a integração é tomada sobre um período da coordenada q. Vamos agora, partindo do enunciado acima, chegar às regras de quantização de Planck e Bohr. Começaremos pela quantização de Planck. Considere um oscilador harmônico simples a uma dimensão (tal qual o tratamento das ondas estacionárias na cavidade de um corpo negro). Podemos descrever sua energia total em termos da posição e momento: p 2 kx 2 E = K +V = x + 2m 2 E, analogamente: px2 x2 + =1 2mE 2 E / k (3.30) UESC Módulo 4 I Volume 5 59 Elementos de Matemática Avançada você sabia? Você se lembra da equação de uma elipse? Então, vamos recordar: Uma elipse corresponde ao conjunto de pontos do plano, cuja soma das distâncias a dois pontos fixos (denominados focos da elipse) é constante e maior do que a distância entre eles. Para uma elipse com centro na origem e focos contidos no eixo x , a relação matemática que representa estes pontos é expressa como: x2 y 2 + =1 a 2 b2 Sendo a o semieixo maior e b o semi-eixo menor da elipse. Vide Figura a seguir: O motivo da representação acima, equação (3.30), é que esta descreve a equação de uma elipse, ou seja, a relação entre as grandezas x e px pode ser descrita por meio da representação gráfica de uma elipse. Cada estado instantâneo do movimento do oscilador é representado por um ponto no gráfico dessa equação elíptica em um espaço bidimensional das coordenadas px e x. Esta representação no espaço p − x é denominada espaço de fase e o gráfico correspondente é um diagrama de fase. Conceitos extremamente úteis na Física Quântica. A Figura 3.7 ilustra um diagrama de fase representativo para um oscilador harmônico simples linear, tal qual estamos considerando. Repare que os semieixos a e b da elipse, de acordo com a nossa equação (3.30) são: a = 2 E / k e b = 2mE Imagem: representação de uma elipse Figura 3.7 – No alto: um diagrama de fase representativo para um oscilador harmônico simples linear. Embaixo: os estados de energia possíveis do oscilador são representados por elipses Deste modo, a região entre as elipses cujas áreas no espaço de fase são dadas por adjacentes tem área h. 60 Física nh. EAD Álgebra Linear Unidade 1 Assim, a integral fechada de (3.30) corresponde exatamente à área total da elipse, sendo esta dada por: π ab. Deste modo: 2π E k/m 嚀p dx = π ab = x (3.31) Lembrando que: k / m = 2πν sendo ν a frequência de oscilação. Substituindo em (3.31), temse: E 嚀p dx = ν x Esta integral é denominada integral de fase. E, de acordo com a regra de quantização de Wilson e Sommerfeld: E 嚀p dx = ν x = nx h ≡ nh Finalmente, chegamos à quantização de Planck: E = nhν Repare no canto inferior da Figura 3.7 que os estados possíveis da oscilação, dados pelos valores permitidos de n, são representados por uma série de elipses no espaço de fase. Cada valor de n corresponde uma área diferente, sendo que a área submetida entre duas elipses sucessivas será sempre h. A título de comparação, quando h → 0, todos os valores de E seriam permitidos, e recairíamos novamente no caso UESC Módulo 4 I Volume 5 61 Elementos de Matemática Avançada saiba mais A função dente-de-serra é uma função periódica do tipo não-senoidal, que consiste simplesmente de uma rampa então ascendente, salta que abruptamen- te para o ponto inicial, na passagem para o próximo ciclo. clássico. Mas por certo que, no mundo quântico, h tem um valor finito! Vamos agora chegar à quantização de Bohr para o momento angular, partindo da regra geral de quantização. Para um elétron ligado que se move em órbita circular, a coordenada angular θ representa uma função periódica no tempo, cujo comportamento, em relação a t , é uma função do tipo dente de serra, oscilando linearmente no intervalo de 0 a 2π rad . Aplicando a regra de quantização ao momento angular do elétron, tem-se: Imagem 3.10: Função dente de serra 嚀p dq =嚀Ldθ = nh q (3.32) Reescrevendo a expressão acima: 2π 嚀Ldθ = L嚀dθ = 2π L = nh 0 Assim, 2π L = nh Chega-se à quantização de Bohr: L = nh 2π = n Uma interpretação alternativa para a quantização de Bohr foi apresentada em 1924, por De Broglie (o mesmo das ondas de partículas!), a partir da interpretação da regra geral de quantização. De Broglie argumentou que as órbitas possíveis para o elétron são aquelas nas quais a circunferência da órbita pode conter exatamente um número inteiro de comprimentos de onda de de Broglie. 62 Física EAD mvr = pr = nh 2π Unidade Isso porque, segundo Bohr: 1 Álgebra Linear Mas, segundo de Broglie, p = h / λ , e, portanto: hr λ = nh 2π Equivalentemente: 2π r = nλ n = 1, 2,3… (3.33) Nesta abordagem, ao elétron que se move com velocidade constante em uma órbita circular é associada uma onda, de comprimento de onda λ , envolvendo a órbita circular. Neste cenário, o modelo ondulatório não considera um movimento progressivo do elétron, mas, sim, considera a existência de ondas estacionárias, onde apenas certos comprimentos de onda são possíveis para aquela órbita. No entanto, para obter as ondas estacionárias, é necessário que haja ondas de igual amplitude e se propaguem em sentidos opostos. Assim, é permitido ao elétron percorrer a órbita em qualquer sentido, desde que seja mantida a regra de quantização do momento angular. Neste caso, o padrão resultante será o de uma onda estacionária com comprimento de onda dado de De Broglie. Esta nova interpretação para a regra de quantização do momento angular em função da existência de ondas estacionárias de De Broglie é também embasada pela regra de quantização de Wilson-Sommerfeld, consolidando, assim, o modelo de Bohr com uma justificativa mais consistente para a dinâmica do elétron. 11 O MODELO DE SOMMERFELD Outra aplicação importante das regras gerais de quantização consiste na análise das órbitas elípticas para o átomo de hidrogênio. UESC Módulo 4 I Volume 5 63 Elementos de Matemática Avançada Imagem 3.9: Arnold Sommerfeld Fonte: http://www-groups.dcs. st-and.ac.uk/history/PictDisplay/ Sommerfeld.html Esta análise foi realizada por Sommerfeld na tentativa de explicar um importante efeito observado no espectro atômico do hidrogênio, a estrutura fina espectral. Este efeito consiste na separação de uma linha espectral em várias componentes distintas, fenômeno observado em praticamente todos os espectros atômicos. No entanto, a observação deste efeito requer o uso de equipamentos óticos com alta resolução angular, de modo a conseguir decompor as componentes de uma única linha, cuja separação é muito pequena, cerca 10−4 vezes a separação entre as próprias linhas! Seguindo o raciocínio do átomo de Bohr, esta estrutura fina espectral significa que um único estado de energia considerado pode ser constituído de vários outros estados com energias muito próximas. No ímpeto de explicar o fenômeno da estrutura fina para o átomo de hidrogênio, Sommerfeld considerou a possibilidade de existirem órbitas elípticas para o elétron, nas quais o próton, representando o núcleo, estaria em um dos focos da elipse. Usando inicialmente os argumentos da mecânica clássica e as regras gerais de quantização, Sommerfeld terminou por formular um novo modelo para o átomo. Desta vez, subdividido em vários níveis eletrônicos. De acordo com as regras de quantização descritas na seção anterior para o caso de órbitas circulares, é possível chegar à relação 嚀Ldθ = nθ h => L = nθ No entanto, para uma órbita elíptica, com razão entre os eixos, a / b, o cálculo acima, quando realizado em termos das coordenas polares, resulta em uma relação distinta, do tipo: 64 Física EAD 1 Álgebra Linear Unidade a L − 1 = nr b (3.34) Combinando com a condição de equilíbrio dinâmico, é possível encontrar os semieixos permitidos e a energia total, E , de um elétron nessas órbitas elípticas, a saber: a= 4π 0 n 2 2 µ Ze 2 (3.35) b=a nθ n (3.36) 2 1 µ Z 2e4 E = − 2 2 4π 0 2n (3.37) Sendo µ a massa reduzida do elétron e n o número quântico definido como: n ≡ nr + nθ Como: nθ = 1, 2,3… e nr = 0,1, 2,3… Então: n = 1, 2, 3, 4 … Para certo valor de n, nθ pode assumir os valores: nθ = 1, 2,3…, n O número quântico n é chamado de número quântico principal, nθ , o número quântico azimutal, enquanto nr é o número quântico orbital. UESC Módulo 4 I Volume 5 65 Elementos de Matemática Avançada Note que a equação () estabelece a razão entre os semieixos maior e menor da elipse, indicando a forma da órbita. Para o caso de nθ = n, as órbitas são meramente círculos de raio a. Repare ainda que, conforme a relação (), o raio das órbitas circulares de Sommerfeld é idêntico ao raio dos orbitais puramente esféricas do modelo de Bohr. A relação entre as escalas das órbitas possíveis aos três primeiros valores de número quântico principal é ilustrada na Figura 3.8. Para cada valor do número quântico principal, n, há n diferentes órbitas possíveis, sendo uma delas esférica e as demais elípticas. No entanto, como a energia total do elétron só depende de n, existem várias órbitas caracterizadas por um mesmo valor n. Estas órbitas são chamadas órbitas degeneradas. Assim, as energias de diferentes elétrons, em diferentes órbitas, ou estados quânticos, se degeneram em um mesmo valor. Figura 3.8: Modelo de Sommerfeld – órbitas elípticas com núcleo localizado no foco comum das elipses, indicado pelo ponto. Para anular a degenerescência do átomo de hidrogênio e “separar” os diferentes níveis, Sommerfeld resolveu introduzir nos seus cálculos correções relativísticas para a dinâmica dos elétrons. Embora a ração v / c seja muito pequena, aproximadamente 10−2 , este valor é jus- 66 Física EAD Álgebra Linear µ Z 2e4 E=− (4π 0 ) 2 2n 2 2 Unidade 1 tamente a ordem de grandeza da separação entre os estados de energia do átomo de hidrogênio. Assim, para explicar a estrutura fina do espectro de hidrogênio, Sommerfeld, considerando as devidas correções relativísticas para a massa do elétron em função de sua velocidade média, chegou a um resultado surpreendente: a precessão da órbita do elétron. Neste caso, o eixo maior da elipse gira no plano da trajetória em torno do núcleo. O resultado final dos cálculos levou a uma nova fórmula do espectro do átomo de hidrogênio em função dos números quânticos: α 2Z 2 1 3 1 + − n nθ 4n (3.38) O parâmetro que aparece na equação acima é denominado constante de estrutura fina e é estimado em: α≡ e2 1 = 7, 297 x10−3 ≅ 4π 0 c 137 1 (3.39) O diagrama dos níveis de energia para o átomo de hidrogênio, estimado de acordo com o cálculo de Sommerfeld para a energia dos elétrons, é ilustrado na Figura 3.9. A título de ilustração, a separação entre as linhas relativas aos níveis energia para um mesmo valor de n foi exageradamente separada para melhor compreensão do conceito de estrutura fina. As setas em traço contínuo representam as linhas encontradas nos espectros experimentais, em ótima concordância com as previsões teóricas. No entanto as linhas pontilhadas, apesar de não haver nenhuma restrição teórica, nunca foram observadas. Este fato sugere que haja uma restrição natural entre as transições que realmente ocorrem nos átomos. Nota-se que são observadas diretamente apenas as transições que respeitam a regra: nθ i − nθ f = ±1 (3.40) UESC Módulo 4 I Volume 5 67 Esta relação é conhecida na física quântica como regra de seleção. Figura 3.9 – Separação da estrutura fina de alguns níveis de energia do átomo de hidrogênio. A separação foi bastante exagerada para que esta representação fosse possível. As transições que produzem as linhas observadas são indicadas por setas sólidas. As linhas correspondentes às setas tracejadas não são encontradas nos espectros. Apesar do progresso alcançado na explicação da estrutura fina do espectro de hidrogênio, a teoria de Sommerfeld também não obteve sucesso com átomos mais complexos. E, mais uma vez, os cientistas do século XX tiveram que reconhecer que faltava um embasamento mais profundo nas teorias apresentadas. Um fator fortemente questionável aos modelos atômicos da época era que, embora as previsões teóricas estivessem se ajustando às medidas experimentais, as justificativas impostas na forma de postulados e regras restritivas não conseguiam fornecer elementos suficientes para construir uma teoria concisa. Um dos grandes nomes a questionar o caminho no qual a descrição do mundo quântico estava seguindo foi o próprio Bohr. No início da década de vinte, Bohr começou a realizar uma análise mais crítica de sua teoria, no intuito de chamar a atenção da comunidade científica de que faltava encontrar os princípios elementares que permitissem interpretar e descrever os fenômenos quânticos, de maneira geral e mais lógica, de modo que os conceitos emergissem naturalmente da teoria. E esta descoberta não tardou a chegar. Como veremos no próximo Capítulo, graças a outros grandes nomes, como Schroedinger, Heisemberg e Dirac, uma nova Teoria Quântica, muito mais moderna e concisa, nasceu e se formalizou, desvendando a natureza do mundo microscópico. RESUMINDO Dalton: toda matéria é composta de partículas fundamentais, permanentes e indivisíveis, denominadas átomos. Estes não podem ser criados nem destruídos espontaneamente. Todos os átomos de certo elemento são idênticos em todas as suas propriedades. Thomson: o átomo é considerado como uma espécie de fluido com uma distribuição esférica contínua de carga positiva, onde estariam incrustados os elétrons com carga negativa. Devido à repulsão mútua, os elétrons estariam uniformemente distribuídos na esfera positiva com raio da ordem da grandeza conhecida de um átomo, cerca de 10−10 m. Rutherford: mostrou que os dados do experimento com partículas á , eram consistentes com um modelo atômico, no qual a carga positiva estaria concentrada em uma pequena região central, chamada núcleo. Uma partícula á que passe bem perto do núcleo pode ser espalhada, devido à repulsão coulombiana. Fórmula de espalhamento de Rutherford: 2 2 2 ñt2ð zZedÈ I 1 senÈ ( È ) dÈ = 2 ð 0 2Mv sen 4 È 4 2 ( ) Espectros atômicos: a absorção e emissão de radiação eletromagnética em comprimentos de onda bem específicos, características de átomos, moléculas e núcleos. O conjunto de raias emitidas compõe o espectro de emissão, enquanto o conjunto discreto de raias escuras define o espectro de absorção do átomo. Bohr: elétrons se movem órbitas circulares em torno do núcleo, sendo o momento angular orbital L um múltiplo inteiro de . Emissão de radiação é permitida somente nas transições entre estados estacionários, sendo a frequência do fóton emitido: E − Ef í = i h Uma vez imposta a quantização do momento angular, as ener2 4 1 gias dos estados permitidos são: E = − mZ 2e 2 2 ( 4ð 0 )2 n Séries espectroscópicas, como as de Lyman e Balmer: fórmulas capazes de representar os comprimentos de onda observados para o átomo de hidrogênio. Espaço de fase: denominação dada à representação no espaço p − x, sendo o gráfico correspondente denominado diagrama de fase. Sommerfeld: órbitas elípticas para o átomo, a constante de estrutura fina, á, e o conceito de degenerescência. Novo espectro do átomo de hidrogênio em termos do número quântico azimutal e número quântico orbital: á 2 Z2 1 ì Z2 e 4 3 E=− 1+ − 2 2 2 (4 ð )0è 2n n n 4n Regra de seleção: definem as transições permitidas: n èi − n è f = ±1 Álgebra Linear - Espaços Vetoriais de Dimensão Finita Atividade: Exercícios para Fixação 2 1. Faça uma lista das objeções ao modelo atômico de Thomson. Unidade 2. Qual é a distância de maior aproximação de uma partícula α com 5, 30MeV a um núcleo de cobre em uma colisão frontal? 3. Uma partícula α de 5.30 MeV é espalhada por um ângulo de 60º ao passar por uma na folha metálica de ouro. Calcule: a) a distância de máxima aproximação, D , para uma colisão fronta; l e b) o parâmetro de impacto, b , correspondente ao ângulo de espalhamento de 60º . 4. Explique porque o modelo de Rutherford é considerado instável. 5. Usando o modelo de Bohr, calcule a energia necessária para remover um elétron de um átomo de hélio ionizado. 6. Compare a atração gravitacional entre um elétron e um próton no estado fundamental de um átomo de hidrogênio com a atração coulombiana entre eles. Temos razão para ignorar a força gravitacional? 7. Usando o modelo de Bohr para o átomo de hidrogênio em seu estado fundamental (n = 1), calcule: a ) o raio da órbita, b) o UESC Módulo 4 I Volume 5 71 Elementos de Matemática Avançada momento linear do elétron, o momento angular do elétron, a energia cinética, a energia potencial, a energia total. 8. Um átomo de hidrogênio inicialmente no nível fundamental absorve um fóton que o excita até o nível n = 4. Determine o comprimento de onda e a frequência do fóton absorvido. 9. Mostre que a frequência de rotação de um elétron em um átomo no modelo de hidrogênio de Bohr é dada por: ν = 2 E / nh, onde E é a energia total do elétron. 10. O que difere a série de Balmer das demais séries espectroscópicas? 11. Calcule os três maiores comprimentos de onda da série de Balmer. 12. Calcule o menor comprimento de onda da série de Lyman e o da série de Pashen para o hidrogênio. Em qual região do espectro eletromagnético está cada um? 13. Mostre que a constante de Planck tem dimensões de momento angular. 14. O que é degenerescência? Explique. 15. Explique a relação conhecida como regras de seleção. 72 Física EAD Álgebra Linear - Espaços Vetoriais de Dimensão Finita Bibliografia Consultada Unidade 2 ABDALLA, Maria Cristina. Bohr, o Arquiteto do Átomo. 2. ed. São Paulo: Odysseus Editora Ltda., 2006. EISBERG, Robert; RESNICK Robert. Física Quântica, Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1988. GLEISER, Marcelo. A dança do Universo, dos Mitos de Criação ao Big-Bang. São Paulo: Editora Companhia de Bolso, 1997. HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; MERRILL, John. Fundamentos de Física. vol. 4. 3. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1991. LOPES, José Leite. A Estrutura Quântica da Matéria, do átomo pré-socrático às partículas elementares. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. RUSSEL, John B. Química Geral. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1981. UESC Módulo 4 I Volume 5 73 Suas anotações ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ......................................................................................................................... 4ª unidade A MECÂNICA QUÂNTICA Nesta unidade, serão apresentadas as bases da mecânica quântica por meio das discussões sobre: • a função de onda e a equação de Schroedinger; • a interpretação de Born para o comportamento da função de onda; • os valores esperados da mecânica quântica; • a equação independente do tempo e as soluções quantizadas; os conceitos de: operadores, autofunção e autovalores da mecânica quântica. Ao final desta etapa, o aluno será capaz de: • conhecer o formalismo e se familiarizar com as ferramentas da teoria quântica; • compreender o processo de extração de informações segundo a mecânica quântica; • entender os conceitos de operadores, autofunções e autovalores, e como estes se aplicam à descrição do mundo quântico. A mecânica Álgebra Linear quântica 1 INTRODUÇÃO Unidade 4 Nas unidades anteriores, discutimos os principais argumentos e desenvolvimentos que levaram à formulação da física quântica. O fenômeno da quantização de energia, a dualidade onda-partícula, o princípio da incerteza, os espectros atômicos e os modelos propostos foram, sem sombra de dúvida, motivo de inspiração para o surgimento de uma nova mentalidade científica. Apesar da natureza bizarra de alguns fenômenos, o progresso alcançado na explicação do mundo quântico observado indicava o caminho de uma nova teoria quântica. Muito esforço foi realizado pelos cientistas da época na tentativa de consolidar uma teoria quântica profunda, eficaz na explicação dos fenômenos e livre de objeções, uma teoria na qual os conceitos emergissem naturalmente e pudessem ser interpretados de maneira global e intuitiva. Este esforço foi recompensado em 1925, quando o físico austríaco Erwin Schroedinger apresentou um método completamente diferente para descrever de maneira geral o comportamento dos fenômenos, a chamada mecânica ondulatória, base para todo o desenvolvimento da Mecânica Quântica. Seguido pela interpretação de Born e Heisenberg, a Física Quântica finalmente alcançou uma descrição coerente do comportamento da natureza em pequena escala. Como veremos nesta Unidade, a partir de uma generalização do postulado de De Broglie, a nova teoria quântica apresentada por Schroedinger descreve uma mecânica ondulatória capaz de explicar as ondas de matéria e as órbitas discretas dos elétrons atômicos, alcançando êxito até mesmo na explicação de átomos complexos, e, para completar, compatível com o princípio da incerteza. No entanto, como você, estudante, já deve estar imaginando, tudo isso à custa de uma brilhante e inovadora interpretação do mundo microscópico. Mais um exemplo na história da ciência de que a criatividade, quando aliada ao formalismo científico, pode revolucionar o mundo das ideias. Portanto abra a sua mente! Nesta Unidade, vamos inicialmente estudar a equação desenvolvida por Schroedinger para a mecânica quântica, a qual descreve o UESC Módulo 8 I Volume 2 77 Física Moderna comportamento de qualquer função de onda associada a uma partícula. Vamos estudar a relação desenvolvida por Max Born que relaciona o comportamento da função de onda ao comportamento da partícula associada. As soluções específicas para a equação de Schroedinger serão abordadas na unidade seguinte; mas, ainda nesta Unidade, veremos como as soluções de uma forma geral levam, de forma natural, à quantização de energia e a outros importantes fenômenos de natureza quântica. 2 A INTERPRETAÇÃO DE SCHROEDINGER, BORN E HEISENBERG Imagem 4.1: Erwin Schrodinger Fonte: http://deskarati. com/2012/03/18/erwin-schrodinger/ 78 Na unidade 2, vimos que o postulado de De Broglie diz que o movimento de uma partícula microscópica é governado pela propagação de uma onda associada. Apesar de não dizer como a onda se propaga, o postulado é eficaz na estimativa do comprimento de onda calculado a partir das medidas de difração observada no movimento da partícula. No entanto o postulado se refere apenas aos casos nos quais o comprimento de onda é constante. Se o momento da partícula não é constante, isto é, se a partícula está sob a ação de uma força, então o comprimento de onda da partícula deve mudar, todavia o comprimento de onda de De Broglie não é sequer bem definido para o caso de mudanças rápidas no momento da partícula. Como definir o comprimento de onda variável, se a separação entre máximos adjacentes é diferente da separação entre mínimos adjacentes? Além do mais, para sabermos exatamente como a onda governa a partícula, faz-se necessário ter uma relação quantitativa entre as propriedades da partícula e as propriedades da função que descreve a onda. Esta relação é obtida por meio da chamada equação de Schroedinger. Física EAD A mecânica quântica UESC Módulo 8 I Volume 2 lembrete Uma derivada parcial é uma derivada de uma função várias variáveis independentes, de calculada fazendo-se com que uma delas varie, enquanto as demais são mantidas fixas. Isto é indicado usando-se um símbolo como ∂Ø / ∂x em vez do símbolo para a derivada comum, dØ / dx. Já uma equação diferencial é aquela na qual a função incógnita aparece sob Havendo uma só variável independente as derivadas são ordinárias e a equação é denominada equação diferencial ordinária. Havendo duas ou mais variáveis independentes, as derivadas são parciais e a equação é denominada equação diferencial parcial. A ordem de uma equação diferencial é a ordem da mais alta derivada que nela aparece. A solução de uma equação diferencial é sempre uma função das variáveis independentes. 79 4 a forma da sua derivada. Unidade A equação de Schroedinger fornece a forma da função de onda Ø( x, t ) caso saibamos qual é a força que atua sobre a partícula associada, especificando a energia potencial correspondente. Assim sendo, a função de onda é uma solução da equação de Schroedinger para certa energia potencial. Mas você deve estar se perguntando, que tipo de equação tem como solução uma função? O tipo mais comum é uma equação diferencial e, de fato, a equação de Schroedinger é uma equação diferencial. Isto é, a equação é uma relação entre sua solução Ø( x, t ) e suas derivadas em relação às variáveis independentes para posição e tempo. Como há mais de uma variável independente, a equação de Schroedinger é uma equação diferencial parcial. Mas, por que uma função de onda? Para fazer a ligação entre partículas e ondas, é necessário que haja uma interpretação da dualidade onda-partícula. Einstein, ao estudar o efeito fotoelétrico, unificou inicialmente as teorias: ondulatória e corpuscular para a radiação. Já o físico alemão, naturalizado britânico, Max Born, aplicando um argumento semelhante, unificou as mesmas teorias para a matéria, vejamos como: No modelo ondulatório, segundo a teoria eletromagnética de Maxwell, a intensidade da radiação, I , é proporcional a E 2 , onde E 2 é o valor médio, sobre um período, do quadrado do campo elétrico da onda. Este é o chamado vetor de Poynting da radiação. Para o modelo do fóton, interpretação corpuscular da radiação, de acordo com a sugestão de Einstein, a intensidade da radiação, I , é descrita em função do número médio de fótons por unidade de tempo que cruzam uma unidade média de área perpendicular à direção de propagação dos mesmos, sendo: I = Nhν . Assim sendo, de modo a unificar as teorias, estas duas estimativas precisam ser proporcionais, de modo que as ondas, cuja intensidade Física Moderna pode ser medida por E 2 , podem ser vistas como ondas condutoras de fótons. Deste modo, as ondas medem o número médio de fótons por unidade de volume. Portanto, de acordo com a interpretação de Einstein, E 2 representa uma medida da probabilidade da intensidade de fótons, ou seja: lembrete Não confunda Born com Bohr! O arquiteto do átomo, aquele responsável pelo “modelo atômico de Bohr” foi Niels Bohr, físico dinamarquês, nascido em Copenhague, no dia 7 de outubro de 1885 e falecido em 18 de novembro de 1962. Niels Bohr recebeu o prêmio Nobel de Física em 1922. Já Max Born foi um físico alemão, naturalizado britânico, nascido em 11 de dezembro de 1882, na cidade de Göttingen, e falecido em 5 de janeiro de 1970. Max Born foi um importante estudioso, grande intérprete e defensor da mecânica quântica, tendo sido laureado com o Nobel de Física de 1954. 1 2 I = E = Nhν c µ 0 A palavra média é regularmente empregada, uma vez que os processos de emissão são de natureza estatística. Assim, não é especificado exatamente o número de fótons, mas apenas o número médio deles, o número exato pode flutuar no tempo e no espaço. Para associar uma função que represente a onda de De Broglie, pode-se considerar uma partícula que se move na direção x descrita como uma função senoidal simples de amplitude A, tal como: x Ø ( x, t ) = Asen 2π −ν t λ Imagem 4.2: Max Born, o intérprete da mecânica quântica Fonte: http://es.wikipedia.org/ wiki/Max_Born (4.1) (4.2) Sendo esta uma onda senoidal de frequência ν e comprimento de onda λ , que tem amplitude constante igual a A, e que se move com velocidade uniforme no sentido positivo do eixo x. Analogamente, ao campo elétrico de uma onda eletromagnética senoidal de comprimento de onda λ e frequência ν , se movendo no sentido positivo do eixo x : x −ν t λ ε ( x, t ) = Asen 2π Imagem 4.3: Niels Bohr, o arquiteto do átomo. Fonte: http://www.nobelprize. org/nobel_prizes/physics/ laureates/1922/bohr-bio.html 80 Física (4.3) EAD A mecânica quântica Assim, a grandeza ε representa uma onda de radiação associada a um fóton, enquanto a grandeza Ø representa uma onda de matéria associada a uma partícula material. A grandeza Ø 2 vai, para as ondas de matéria, desempenhar um papel análogo ao desempenhado por ε 2 para a radiação, uma medida da probabilidade de encontrar uma partícula em uma unidade de volume em um dado ponto e instante de tempo. Portanto, segundo a interpretação de Born: toda a evolução de eventos é determinada pelas leis da probabilidade. A um estado no espaço corresponde uma probabilidade definida, que é dada pela onda de De Broglie associada ao estado. Um processo 4 mecânico é, portanto, acompanhado por um processo ondulatório, sendo esta a Unidade “onda condutora”, descrita pela equação de Schroedinger, cujo significado é o de dar a probabilidade de um curso definido do processo mecânico. Se, por exemplo, a amplitude da onda condutora for zero num certo ponto do espaço, isto significa que a probabilidade de encontrarmos a partícula nesse ponto é praticamente nula. Assim como na interpretação de Einstein para a radiação, não é especificada a localização exata de um fóton num dado instante; mas, em vez disso, especifica-se por meio de ε 2 a probabilidade de encontrar o fóton numa certa região, num dado instante. Também na interpretação de Born não é especificada a localização exata de uma 2 partícula, mas sim a probabilidade Ψ de encontrar uma partícula em um dado ponto, em um dado instante. Do mesmo modo que procedemos em relação às ondas eletromagnéticas, é possível somar funções de onda (Ø 1 +Ø 2 =Ø) para duas ondas superpostas, cuja intensidade resultante é dada por Ψ 2 . Este é o chamado princípio da superposição, aplicável tanto à matéria quanto à radiação. Este princípio assegura às ondas de matéria a propriedade de interferência e difração, tal qual acontece com as ondas eletromagnéticas, sejam elas interferência construtiva (superposição em fase) ou destrutiva (fora de fase). Assim, na física quântica, é assegurado que duas ondas de matéria possam se combinar para dar uma onda resultante de grande intensidade ou se anular por completo, contrariamente a toda e qualquer previsão da física clássica. Como veremos, a equação de onda da mecânica quântica tem muitas propriedades em comum com a equação de onda clássica, mas também muitas diferenças importantes. A interpretação probabilística da mecânica quântica, apresentada inicialmente por Born e Heisenberg em 1927, possibilitou o elo para UESC Módulo 8 I Volume 2 81 Física Moderna ligação entre as descrições ondulatória e corpuscular da matéria e radiação, refutando definitivamente o determinismo da física clássica. Se antes era suficiente conhecer a posição e o momento preciso de uma partícula para a descrição do movimento futuro da mesma, agora, de acordo com a mecânica quântica, é bastante prever apenas a probabilidade de que a partícula seja encontrada em uma dada posição em um dado instante. EXERCÍCIO RESOLVIDO Imagem 4.4: Werner Heisenberg Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Princ%C3%ADpio_da_incerteza_de_ Heisenberg Calcule as derivadas parciais de primeira e segunda ordem da função senoidal expressa em (4.2) para todas as variáveis independentes. Solução: Vamos inicialmente reescrever a função em termos das grandezas k = 2π / λ e ω = 2πν . Assim: x Ø ( x, t ) = Asen 2π −ν t = Asen(kx − ωt ) λ As variáveis independentes são x e t. Inicialmente, vamos tratar t como constante e derivar a função em relação a x. Assim, a derivada primeira será: 82 ∂Ø( x, t ) ∂Asen(kx − ωt ) = = Akcos ( kx − ωt ) ∂x ∂x E a derivada segunda: Física EAD A mecânica quântica ∂ 2 Ø( x, t ) ∂cos (kx − ωt ) = Ak = − Ak 2 sen ( kx − ωt ) 2 ∂x ∂x Agora, x será mantido constante e vamos derivar em relação a t : ∂Ø( x, t ) ∂Asen(kx − ωt ) = = − Aω cos ( kx − ωt ) ∂t ∂t 4 A derivada segunda: Unidade ∂ 2 Ø( x, t ) ∂cos (kx − ωt ) = − Aω = Aω 2 sen ( kx − ωt ) 2 ∂t ∂t Assim, observa-se que o efeito de tomar a segunda derivada espacial temporal é apenas o de introduzir um fator −k 2 , e o efeito de tomar a primeira derivada temporal é introduzir um fator –ω. 3 A EQUAÇÃO DE SCHROEDINGER Antes de discutirmos a função de onda, precisamos encontrar a equação de onda, aquela equação diferencial cuja solução é a função de onda. Mas, que equação estamos procurando? Provavelmente, esta é a mesma pergunta que Newton e Maxwell se fizeram ao iniciar os seus trabalhos. Mas, no caso específico da mecânica quântica, temos algumas indicações. Estamos procurando por uma equação que satisfaça as seguintes condições: UESC Módulo 8 I Volume 2 83 Física Moderna 1. Deve ser consistente com os postulados de De Broglie e Einstein, de modo que: λ = h / p e ν = E / h. 2. Dever ser consistente com a equação clássica, que relaciona a energia total E de uma partícula de massa m com sua energia cinética p 2 / 2m e sua energia potencial V : E = p 2 / 2m +V . 3. Deve ser linear em Ø( x, t ), de modo que, se Ø1 (x, t) e Ø 2 (x, t) são duas soluções diferentes da equação para uma dada energia potencial V , então qualquer combinação linear arbitrária dessas soluções, também será solução, de modo que: Ø ( x, t ) = c1Ø1 ( x, t ) + c2 Ø 2 ( x, t ) . Esta condição assegura a linearidade da função de onda e garante que poderemos somar funções de onda para produzir as interferências construtivas e destrutivas, observadas no movimento ondulatório. 4. Deve ser tal que: se V ( x, t ) = V0 , então: F = −∂V ( x, t ) / dx = 0. Esta condição especial estabelece que, de acordo com a física clássica, se a energia potencial é constante, a força atuante na partícula será nula, exatamente como acontece no caso de uma partícula livre. Neste caso, a energia E e o momento p da partícula deverão ser constantes, o que implica em comprimentos de onda (λ = h / p ) e frequência (ν = E / h) constantes. Neste caso, supõe-se que a equação almejada admite solução do tipo senoidal com as características discutidas na seção anterior, equação (4.2). Partindo da equação de energia (item 2) e aplicando os postulados de De Broglie e Einstein (item 1), tem-se: h2 +V ( x, t ) = hν 2mλ 2 (4.4) 84 Física EAD A mecânica quântica Por conveniência, vamos substituir na equação anterior as grandezas: = h 2π ,k= 2π λ e ω = 2πν (4.5) A grandeza k é denominada número de onda angular, enquanto a grandeza ϖ é denominada frequência angular. Deste modo, a equação (4.4) resulta em: 4 2k 2 + V ( x , t ) = ω 2m Unidade (4.6) Para satisfazer a condição do item 3, ou seja, para que a equação acima seja linear em Ø ( x, t ) , é necessário que cada termo na equação diferencial seja proporcional à primeira potência de Ø( x, t ). Outra questão importante é a forma da solução para a partícula livre, constante no item 4. Para aplicá-la, devemos primeiro tentar escrever uma equação contendo a função de onda senoidal. Conforme observamos no exercício resolvido da seção anterior, o efeito de tomar a segunda derivada espacial temporal é apenas o de introduzir um fator −k 2 , e o efeito de tomar a primeira derivada temporal é introduzir um fator –ω. Como a equação que procuramos deve conter um fator em k 2 e outro em ω , para satisfazer a condição 2, ∂ 2 Ø ∂Ø equação (4.6), essas derivadas, 2 e , devem estar presentes na ∂x ∂t equação. Lembrando ainda que, de modo a assegurar a linearidade, todos os termos devem conter um fator de Ø ( x, t ) . Juntando todas essas condições, chega-se a uma equação diferencial da forma: ∂ 2 Ø( x, t ) ∂Ø( x, t ) + V ( x,Øt ) ,( x t ) = β α 2 ∂x ∂t (4.7) UESC Módulo 8 I Volume 2 85 Física Moderna Onda α e β são constates, cujos valores ainda precisam ser determinados. Para verificar se a equação anterior é condizente com a condição 3, caso de um potencial constante, V ( x, t ) = V0 , basta substituir a função senoidal e suas derivadas (calculadas no exercício da seção anterior) na expressão anterior. Neste caso, obtém-se: −α Asen ( kx − ωt ) k 2 + Asen ( kx − ωt )V0 = − Aβ cos(kx − ωt )ω Uma vez que a constante A aparece em todos os termos, podemos eliminá-la da expressão, para simplificar os cálculos. Assim: −α sen ( kx − ωt ) k 2 + sen ( kx − ωt )V0 = − β cos(kx − ωt )ω (4.8) Não podemos esquecer que a equação (4.8) precisa ser equivalente à equação (4.6). No entanto, o fato de a derivação implicar na troca entre os termos seno e cosseno, gera uma dificuldade a mais. A princípio, poderíamos pensar no caso especial em que: sen ( kx − ωt ) = cos(kx − ωt ). No entanto, esta condição seria muito limitante aos problemas físicos. Uma solução não muito diferente, e bastante interessante, seria considerar para a função de onda da partícula livre, não apenas uma única função senoidal, mas sim uma combinação do tipo: Ø ( x, t ) = cos ( kx − ωt ) + γ sen(kx − ωt ) (4.9) onde γ é mais uma constante a ser determinada. Vamos então recomeçar os cálculos. Primeiro as derivadas: 86 Física EAD A mecânica quântica ∂Ø( x, t ) = − ksen ( kx − ωt ) + kγ cos(kx − ωt ) ∂x ∂ 2 Ø( x, t ) = −k 2 cos ( kx − ωt ) − k 2γ sen (kx − ωt ) 2 ∂x ∂Ø( x, t ) = ω sen ( kx − ωt ) − ωγ cos(kx − ωt ) ∂t (4.10) Unidade 4 Agora, substituindo a função Ø( x, t ), equação (4.9) e suas derivadas, equações (4.10), na expressão (4.7), temos: −α k 2 cos ( kx − ωt ) − α k 2γ sen ( kx − ωt ) + V0 cos ( kx − ωt ) + V0γ sen ( kx − ωt ) = = βω sen ( kx − ωt ) − βωγ cos(kx − ωt ) Agrupando os termos de seno e cosseno: −α k 2 + V0 + βωγ cos ( kx − ωt ) + −α k 2γ + V0γ − βω sen ( kx − ωt ) = 0 Para que a igualdade acima seja verdadeira, é necessário que todos os termos que multiplicam os fatores em seno e cosseno sejam nulos. Desta forma, as condições necessárias são: −α k 2 + V0 + βωγ = 0 (4.11) e: −α k 2γ + V0γ − βω = 0 UESC Módulo 8 I Volume 2 87 Física Moderna que, por sua vez, é equivalente a: −α k 2 + V0 = βω γ (4.12) Agora, são três equações algébricas que precisamos satisfazer: as duas equações acima (4.11 e 4.12), além da equação (4.6), aquela que consideramos lá no início. Combinando 4.12 de 4.11, tem-se: βω + βωγ = 0 γ Ou seja: γ= −1 γ De modo que: γ 2 = −1 Cuja solução é: γ = ± −1 ≡ ±i (4.13) Portanto a única solução possível para γ é um valor complexo, o número imaginário, i. Substituindo (4.13) em (4.11), temos: 88 Física EAD A mecânica quântica −α k 2 + V0 = ±i βω Comparando diretamente com a equação (4.6): 2k 2 + V0 = ω 2m Tem-se: α =− 2 2m e Unidade 4 β = ±i Note que a escolha do sinal em β é irrelevante para a equação final tipo 4.7 e, assim, convencionou-se a escolha do sinal positivo. Portanto a expressão final da equação diferencial que satisfaz todas as hipóte- ses relativas à equação de onda da mecânica quântica é: − ∂ 2 Ψ ( x, t ) ∂Ψ ( x, t ) + V ( x, t ) Ψ ( x, t ) = i 2 2m ∂x ∂t (4.14) A equação acima foi obtida pela primeira vez em 1926 por Erwin Schroedinger e é, portanto, chamada de equação de Schroedinger. As soluções para Ψ ( x, t ). Nos dão as funções de onda que devem ser associadas ao movimento de uma partícula de massa V ( x, t ). m sob influência de forças que são descritas pela função energia potencial Por certo que o caminho percorrido por Schroedinger para chegar à equação (4.14) foi diferente da argumentação apresentada acima, mas, de fato, o ponto de partida do seu trabalho foi mesmo o postulado de De Broglie. Importante notar que a equação de Schroedinger expressa conforme a equação (4.14) não é válida para partículas relativísticas. Lembre-se que partimos da formulação clássica de energia para UESC Módulo 8 I Volume 2 89 Física Moderna chegar até a equação apresentada. A formulação adequada para casos de partículas com velocidades comparáveis a da luz seria do tipo: 2 E = c 2 p 2 + ( m0 c 2 ) + V , conforme discutimos na Unidade 1. A formulação relativística para a equação de onda da mecânica quântica foi obtida em 1928, pelo físico inglês Paul Dirac, usando basicamente os mesmo argumentos apresentados nesta seção. Como você já deve estar imaginando, no limite de baixas velocidades, a equação de Dirac se reduz à equação de Schroedinger. Por suas contribuições no desenvolvimento da mecânica quântica, Erwin Schroedinger e Paul Dirac receberam o prêmio Nobel de física no ano de 1933. você sabia? Erwin Schrödinger nasceu em 1887, na cidade de Viena, na Áustria, e, em 1926, publicou os artigos que lhe dariam o título de fundador da mecânica quântica. Outro importante cientista a contribuir para a consolidação desta nova teoria foi Paul Dirac. Este nasceu em 1902, na cidade de Bristol, na Inglaterra, e publicou em 1928 importantes trabalhos sobre a teoria quântica relativística do elétron e a previsão de existência das antipartículas. Em 1933, Schrodinger e Dirac Imagem 4.5: Erwin Schrodinger (esquerda) e Paul Dirac (direita) Fonte: http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/ laureates/1933/ dividiram o cobiçado prêmio Nobel de Física e são reconhecidos como dois dos maiores cientistas da física moderna. EXERCÍCIO RESOLVIDO Verifique a linearidade da equação de Schroedinger em relação à função de onda ψ(x,t). Solução: Precisamos confirmar que, se ψ1(x,t) e ψ2(x,t) são duas soluções independentes para (4.14), para um dado V ( x, t ), então: ψ(x,t)=c1ψ1(x,t)+c2ψ2(x,t) 90 Física EAD A mecânica quântica também é solução, onde c1 e c2 são constantes de valores arbitrários. Para tanto, vamos checar a validade da combinação linear acima, substituindo-a na equação de Schroedinger. Assim, tem-se: ∂ 2 Ψ 2 ( x, t ) ∂Ψ 2 2 ∂ 2 Ψ1 ( x, t ) ∂Ψ1 c c + + c2 =0 1 + V (c1Ψ1 + c2 Ψ 2) − i c1 2 2 2 2m δ t ∂x ∂x δt Que pode ser reescrita da seguinte forma: 4 − Unidade 2 ∂ 2 Ψ1 ( x , t ) 2 ∂ 2 Ψ 2 ( x, t ) ∂Ψ ∂Ψ 2 c1 − + V Ψ1 − i 1 + c2 − + V Ψ 2 − i =0 2 2 δt δ t ∂x ∂x 2m 2m Note que cada termo dentro dos colchetes corresponde a uma equação particular de Schroedinger e, portanto, se cada uma das funções é solução da equação, a combinação linear também o será, mantendo a igualdade nula. E assim o será para qualquer valor de c1 e c2 . EXERCÍCIO RESOLVIDO A função de onda Ψ ( x, t ) para o estado de menor energia de um oscilador harmônico simples, constituído de um partícula de massa m sob ação de uma força restauradora linear cuja constante é C , pode ser expressa como: Ψ ( x, t ) = Ae − ( ) Cm /2 2 x 2 − i /2 C / mt ( ) e onde A é uma constante real, podendo assumir qualquer valor. Verifique que essa expressão é uma solução da equação de Schroedinger com potencial apropriado. UESC Módulo 8 I Volume 2 91 Física Moderna Solução: Vamos considerar que o ponto no qual a partícula está em repouso está localizado na origem do eixo x, ou seja, x = 0. Neste caso, a energia potencial é: V(x,t)=V(x)=Cx2 / 2 Portanto a equação de Schroedinger para esse potencial é: − 2 ∂ 2 Ψ ( x, t ) C 2 ∂Ψ + x Ψ = i 2 2m ∂x 2 δt Para verificar a validade da solução apresentada no enunciado, precisamos calcular as derivadas correspondentes: ∂Ψ i C =− Ψ ∂t 2 m e δΨ Cm Cm =− xΨ 2 xΨ = − δx 2 δ 2Ψ Cm Cm Cm x − xΨ =− Ψ− 2 δx Rearranjando os termos: δ 2Ψ Cm Cm =− Ψ + 2 x2Ψ 2 δx 92 Física EAD A mecânica quântica Substituindo na equação de Schroedinger, tem-se: 2 Cm 2Cm 2 C i C Ψ− Ψ x Ψ + x 2 Ψ = i − 2 2m 2m 2 2 m ou: 4 C C C C Ψ − x2Ψ + x2Ψ = Ψ 2 m 2 2 2 m Unidade Portanto, como a igualdade acima é verdadeira, conclui-se que a solução apresentada no enunciado é valida. 4 AS FUNÇÕES DE ONDA Na seção anterior, por meio de uma argumentação lógica, chegamos até a equação de Schroedinger, aquela cuja solução nos remete à função de onda de uma partícula sob ação de uma força em um dado potencial. Para finalizar o processo, tudo o que temos a fazer é resolver a equação diferencial de Schroedinger para obter informações sobre o movimento da partícula. Na Unidade seguinte, nos dedicaremos a encontrar, passo a passo, soluções apropriadas para uma série de sistemas quânticos importantes, mas por enquanto vamos nos concentrar na interpretação da função de onda. Na seção anterior, consideramos que a função de onda de uma partícula livre como sendo uma combinação linear de senos e cossenos, equação 4.9, e calculamos a constante de proporcionalidade, β , chegando à expressão: Ψ ( x, t ) = cos ( kx − ωt ) + i sen(kx − ωt ) (4.15) UESC Módulo 8 I Volume 2 93 Física Moderna Esta é, portanto, a forma da função de onda para uma partícula livre. Mas, o que exatamente esta função quer dizer? Note que a função de onda obtida é do tipo imaginária, ou seja, é uma função complexa e, por mais estranho que este resultado possa parecer, está absolutamente correto! Soluções reais não se adéquam às considerações da mecânica quântica, visto que a equação de movimento relaciona a segunda derivada espacial com a primeira derivada temporal da função. E mais, de acordo com a equação de Schroedinger, que também apresenta um fator imaginário, as funções de onda que serão solução da equação serão sempre complexas. A esta altura, você, estudante, deve estar se perguntando: mas este resultado é aceito fisicamente? Como medir na prática uma grandeza complexa? Na física clássica, onde reina o determinismo mecanicista, as equações de Newton fornecem diretamente valores precisos sobre as propriedades da partícula, como, por exemplo, a posição e a velocidade. No entanto, o mesmo não acontece na mecânica quântica, território onde as respostas estão subentendidas em meio a uma função complexa. Mas, então, que resposta a função de onda é capaz de nos oferecer? Ou ainda, como extrair de uma grandeza complexa, uma informação do mundo físico real? Na verdade, as funções de onda são apenas instrumentos de cálculo. Elas têm significado apenas no contexto da teoria de Schroedinger, da qual elas são parte fundamental. Como veremos, uma função de onda contém toda informação permitida pelo princípio da incerteza para a partícula associada. Você precisa apenas aprender a interpretar o seu significado. Lembre-se da recomendação inicial: abra a sua mente! A ligação entre as propriedades da função de onda Ψ ( x, t ) e o comportamento da partícula associada é expressa em termos da densidade de probabilidade P( x, t ). Esta grandeza especifica a probabilidade, por unidade de comprimento do eixo x , de encontrar a partícula próxima da coordenada x em um instante t. Esta interpretação para a função de onda partiu de um postulado, enunciado por Max Born em 1926: 94 Física EAD A mecânica quântica Se, no instante t, for feita uma medida da localização da partícula associada à função de onda Ψ ( x, t ) , então a probabilidade econtrada em uma coordenada entre x e x + dx P ( x, t )dx é igual a de que a partícula seja Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) dx. Assim, é definida a função densidade de probabilidade, P( x, t ), como sendo: P ( x, t ) = Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) onde o símbolo Ψ * ( x, t ) representa o conjugado complexo de Ψ ( x, t ). (4.16) Unidade 4 A justificativa de Born para essa associação entre a função de onda e o movimento da partícula é baseada no postulado de De Broglie. Se o movimento de uma partícula está associado à propagação de uma função de onda, é necessário que haja uma associação espacial entre estes dois entes. Isto é, a partícula terá maior probabilidade de estar em algum ponto onde a amplitude das ondas tenha um valor apreciável. Desta forma, Born associou à função de onda uma informação probabilística para a partícula. Se, na mecânica clássica, as previsões nos remetem a valores específicos, na mecânica quântica, as previsões são apenas estatísticas. Não é mais possível afirmar que uma partícula em um dado estado de energia será encontrada em uma posição precisa em um dado instante, mas apenas apresentar as probabilidades relativas de que a partícula seja encontrada. Por certo que a interpretação probabilística da mecânica quântica também se valeu das considerações do princípio da incerteza. Uma vez que a linguagem probabilística se sobrepõe às previsões certeiras, é naturalmente impossível prever a posição exata de uma partícula. Curioso notar que há uma forte semelhança conceitual entre a densidade de fótons em um campo de radiação eletromagnética com o quadrado do vetor de campo elétrico, e a densidade de probabilidade com a função de onda multiplicada pelo seu conjugado complexo. As duas grandezas especificam as amplitudes das ondas, embora o vetor campo elétrico seja real e a função de onda seja complexa. Em ambos os casos, o quadrado da amplitude das ondas está relacionado com sua intensidade. No caso eletromagnético, a intensidade das ondas é proporcional à sua densidade de energia e, por sua vez, proporcional à UESC Módulo 8 I Volume 2 95 Física Moderna densidade de fótons. No caso da mecânica quântica, a intensidade das ondas fornece a densidade de probabilidade de encontrar a partícula. Para calcular a probabilidade total de encontrar uma partícula em algum ponto do eixo x, é necessário integrar a densidade de probabilidade em todos os valores de x. Por certo que esta probabilidade deve ser igual a um para que a partícula exista. Assim sendo, é válida a condição: ∞ ∞ −∞ −∞ * ∫ P ( x, t ) dx = ∫ Ψ ( x, t ) Ψ ( x, t ) dx = 1 (4.17) Para tanto, é necessário realizar o processo conhecido como normalização da função de onda. Este processo consiste em ajustar a amplitude da função de onda, por meio da inserção de uma constante multiplicativa, a fim de assegurar o valor unitário da integral acima. EXERCÍCIO RESOLVIDO Prove que Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) é necessariamente uma função real, positivo ou nulo. Solução: Qualquer função complexa, como por exemplo Ψ ( x, t ) , sempre pode ser escrita como: Ψ ( x, t ) ≡ R ( x, t ) + iI ( x, t ) Onde R( x, t ) e I ( x, t ) são funções reais, chamadas, respectivamente, de partes real e imaginária. Da mesma forma, o complexo conjugado de Ψ ( x, t ) será: Ψ * ( x, t ) ≡ R ( x, t ) − iI ( x, t ) Multiplicando as duas funções, tem-se: 96 Física EAD A mecânica quântica Ψ *Ψ = ( R − iI )( R + iI ) Assim, lembrando que i 2 = −1: Ψ *Ψ = R 2 − i 2 I 2 = R 2 + I 2 Portanto: 2 Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) = R ( x, t ) + [ I ( x, t ) ] 4 2 Unidade Uma vez que o produto leva à soma de dois quadrados de funções reais, logo deve ser um valor real, positiva ou nula. EXERCÍCIO RESOLVIDO Normalize a função de onda do oscilador harmônico simples citado no exercício resolvido da seção anterior, determinando o valor da constante arbitrária A. Solução: A probabilidade total de encontrar a partícula em algum ponto de todo o eixo x é necessariamente igual a um, se a partícula existe. Essa probabilidade total pode ser obtida matematicamente integrando-se a função densidade de probabilidade P sobre todos os x. Portanto: ∞ ∞ ∞ −∞ −∞ −∞ * 2 ∫ Pdx = ∫ Ψ Ψdx = A ∫ e − ( ) Cm / x 2 dx = 1 −( Cm / ) x 2 Como o integrando e depende de x 2 , ele é uma função par de x, isto é, seu valor para certo x é igual a ser valor para – x. Portanto a contribuição para o valor total da integral UESC Módulo 8 I Volume 2 97 Física Moderna obtida na região de - ∞ a 0 é igual à contribuição obtida na região de 0 a +∞, e, assim: ∞ A2 ∫ e − ( ∞ ) Cm / x 2 dx = 2 A2 ∫e − ( ) Cm / x 2 dx 0 −∞ O resultado da integral acima pode obtido via consulta a uma tabela de integrais, sendo: ∞ ∫e − ( ) Cm / x 2 0 dx = (π ) 1 2(Cm) 2 1 4 Assim: (Cm) A= (π ) 1 8 1 4 Portanto este é o valor de A que assegura a normalização da função de onda. EXERCÍCIO RESOLVIDO Ainda considerando o oscilador harmônico anteriormente, calcule a sua densidade de probabilidade. Solução: A função de onda para o oscilador em questão é: Ψ ( x, t ) = Ae ( ) Cm /2 2 x 2 − i /2 C / mt ( ) e A densidade de probabilidade é, portanto: P = Ψ *Ψ ( x, t ) = Ae 98 − citado − ( ) Cm / 2 2 x 2 + i / 2 C / mt ( ) e Física Ae − ( ) Cm / 2 2 x 2 − i / 2 C / mt ( ) e EAD A mecânica quântica Ψ Ψ ( x, t ) = A e * 2 Cm Cm − x 2 + 2 2 2 2 Ψ Ψ ( x, t ) = A e * 2 2 P=A e e C i i + − mt 2 2 1 2 Cm − x 2 2 0 e 1 − x 2 Cm Unidade 4 Note que a densidade de probabilidade é independente do tempo, apesar de a função de onda depender do tempo. A densidade de probabilidade está ilustrada na Figura 4A. A probabilidade de que uma medida da posição oscilando seja encontrada em um elemento do eixo x entre x e x + dx é igual a Pdx. Figura 4A – A densidade de probabilidade da mecânica quântica para uma partícula no estado de menor energia de um oscilador harmônico simples. Note que esta densidade de probabilidade tem um pico nas proximidades do ponto de equilíbrio e se estende além dos limites definidos para o movimento clássico. Como P tem um máximo em x = 0, o ponto de equilíbrio do oscilador, a mecânica quântica prevê que a partícula tem maior probabilidade de ser encontrada em um elemento dx, localizado no ponto de equilíbrio. Afastando-se deste ponto em qualquer sentido, as chances de encontrá-la diminui bastante, mas não existem limites bem definidos além dos quais a probabilidade de encontrar a partícula em um elemento de eixo x seja exatamente zero. No exercício seguinte, vamos analisar a previsão da mecânica clássica e comparar a previsão quântica. UESC Módulo 8 I Volume 2 99 Física Moderna EXERCÍCIO RESOLVIDO Obtenha as previsões da mecânica clássica para a densidade de probabilidade do oscilador harmônico simples do exercício anterior e compare com as previsões clássicas e quânticas. Solução: Na mecânica clássica, a partícula oscilando tem um momento definido p e, portanto, tem uma velocidade definida v para cada valor do seu deslocamento x da posição de equilíbrio. A probabilidade de encontrar a partícula em um elemento do eixo x de comprimento fixo é proporcional à quantidade de tempo que ela permanece no elemento, e isto é inversamente proporcional à sua velocidade ao passar por ele. Isto é: B2 P= v Onde B é uma constante genérica. A expressão para v pode ser obtida em termos de x, considerando a equação de energia: E = K +V = mv 2 Cx 2 + 2 2 Onde E , K e V são as energias total, cinética e potencial, respectivamente. A equação acima foi calculada em termos de x e da constante de força, C , do oscilador (reveja o exercício resolvido da seção anterior). Reescrevendo a equação anterior: mv 2 Cx 2 =E− 2 2 100 Física EAD A mecânica quântica Ou: v= 2 Cx 2 E− m 2 Portanto: P= B2 2 Cx 2 E− 2 m E= Unidade 4 A expressão acima para a densidade de probabilidade clássica está ilustrada na Figura 4B. Note que ela tem um valor mínimo no ponto de equilíbrio x = 0, e cresce rapidamente perto dos limites da oscilação. Os limites ocorrem para os valores de x, nos quais a partícula não tem energia cinética, de modo que sua energia potencial se iguala à sua energia total. Assim: Cx 2 2 Ou: x=± 2E C Figura 4B – A densidade de probabilidade da mecânica clássica para uma partícula no estado de menor energia de um oscilador harmônico simples. Por ser inversamente proporcional à velocidade, a densidade de probabilidade é maior nos pontos extremos do movimento, onde a velocidade se anula. UESC Módulo 8 I Volume 2 101 Física Moderna Por certo que a densidade de probabilidade clássica cai abruptamente para zero, fora desses limites, como é indicado na figura. A probabilidade de encontrar a partícula clássica em um elemento do eixo x é mínima próxima ao ponto de equilíbrio, onde ela passa o mínimo de tempo, e cresce rapidamente perto dos limites do movimento, onde ela se demora mais. Comparando as duas previsões: clássica e quântica, vemos o quão diferente elas são. Segundo a mecânica clássica, medidas de posição da partícula no oscilador harmônico simples sempre se encontrarão entre dois limites bem definidos, e geralmente perto de um ou de outro extremo. Segundo a mecânica quântica, quando o oscilador está em seu estado de menor energia, as medidas geralmente encontrarão a partícula próxima ao ponto de equilíbrio, mas não há limites bem definidos além dos quais a partícula nunca será encontrada. A discrepância entre as duas previsões se deve, sobretudo, ao fato de que a física clássica desconsidera o princípio da incerteza e associa um valor específico para a velocidade e momento, em função da posição. 5 OS VALORES ESPERADOS DA MECÂNICA QUÂNTICA De acordo com a interpretação de Born, a função de onda contém informações completas a respeito do movimento da partícula associada, uma vez que ela especifica a densidade de probabilidade para essa partícula. Assim sendo, é possível obter, por meio da função de onda, uma vasta gama de informações relativas à partícula, como: posição, momento, energia, dentre outras grandezas que caracterizam o seu movimento. Vejamos como. A probabilidade de encontrá-la entre x e x + dx é, conforme o postulado de Born: 102 Física EAD A mecânica quântica P ( x, t ) dx = Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) dx Imagine que estejamos observando a partícula e realizando uma série de medidas, sempre para o mesmo valor de t , e que registramos todos os valores observados de x nos quais encontramos a partícula. Para esta série de medidas, podemos estimar a média dos valores observados para caracterizar a posição da partícula. Esta estimativa é denominada valor médio do valor esperado da coordenada x, cujo valor, de acordo com a mecânica quântica, é: ∞ ∫ xP ( x, t ) dx 4 x= −∞ Unidade (4.18) O cálculo anterior corresponde exatamente ao valor da coordenada x ponderada pela probabilidade de observar este valor. Aplicando o postulado de Born: ∞ x = ∫ Ψ * ( x , t ) x Ψ ( x , t ) dx −∞ (4.19) A formulação mais apropriada para a expressão anterior é do tipo: ∞ ∫ x= ∫ −∞ ∞ xP ( x, t ) dx −∞ P ( x, t ) dx ∞ ∫ = ∫ Ψ * ( x, t ) xΨ ( x, t )dx −∞ ∞ Ψ * ( x , t ) Ψ ( x , t ) dx −∞ (4.20) No entanto, sabemos, pela condição de normalização, que os denominadores na expressão acima são ambos unitários, de modo que as expressões (4.19) e (4.20) são equivalentes. Da mesma forma que na expressão (4.19), a densidade de probabilidade pode ser usada para o cálculo do valor esperado de qualquer função de x, como, por exemplo, o valor quadrático de x 2 : ∞ x 2 = ∫ Ψ * ( x, t ) x 2 Ψ ( x, t )dx −∞ (4.20) Sendo, portanto, x 2 o valor quadrático médio de x. UESC Módulo 8 I Volume 2 103 Física Moderna De maneira geral, podemos aplicar esta estimativa a qualquer função de x, do tipo f ( x) : ∞ f ( x) = ∫ Ψ * ( x, t ) f ( x)Ψ ( x, t )dx −∞ (4.21) Ou ainda uma função do tempo, tal como a energia potencial V ( x, t ) : ∞ V ( x , t ) = ∫ Ψ * ( x , t ) V ( x , t ) Ψ ( x , t ) dx −∞ (4.22) Assim como a coordenada x e o potencial V ( x, t ), outras grandezas dinâmicas da partícula, tal o momento p e a energia total E , podem ser estimadas como: ∞ p = ∫ Ψ * ( x , t ) p Ψ ( x , t ) dx −∞ (4.23) e ∞ E = ∫ Ψ * ( x , t ) E Ψ ( x , t ) dx −∞ (4.24) Entretanto, para calcular as integrais (4.23) e (4.24), surge uma dificuldade: na mecânica clássica, o momento p de uma partícula, assim como sua energia, pode ser expresso como uma função de x, e/ou, de t , não há restrições. No entanto, na mecânica quântica, de acordo com o princípio da incerteza, sabemos que não é possível escrever p como função de x, pois ambos não podem ser conhecidos simultaneamente com total precisão. O mesmo vale para a energia E e o tempo t. Portanto esta dificuldade precisa ser contornada de alguma outra maneira. 104 Física EAD A mecânica quântica Vamos analisar um caso simples, uma função de onda de uma partícula livre, expressão (4.15): Ψ ( x, t ) = cos ( kx − ωt ) + i sen(kx − ωt ) Derivando em relação a x, temos: Unidade 4 ∂Ψ ( x, t ) = − ksen ( kx − ωt ) + i cos(kx − ωt ) ∂x Que pode ser reescrita como: ∂Ψ ( x, t ) = ik cos ( kx − ωt ) + isen(kx − ωt ) ∂x Mas sabemos que k = p / e note que o termo entre os colchetes na expressão acima é equivalente à própria função de onda, Ψ ( x, t ). Assim: ∂Ψ ( x, t ) p = i Ψ ( x, t ) ∂x Para inverter a expressão acima, multiplicamos ambos os lados por – i : −i ∂Ψ ( x, t ) = −i 2 pΨ ( x, t ) ∂x Chegamos a: UESC Módulo 8 I Volume 2 105 Física Moderna pΨ ( x, t ) = −i ∂Ψ ( x, t ) ∂x Note que a expressão acima indica que há uma associação entre a ∂ grandeza dinâmica p e o operador diferencial −i , ou seja, o efeito ∂x de multiplicar a função p por Ψ ( x, t ) é o mesmo que aplicar o chamado operador momento, descrito como p, sendo este definido como: p = −i ∂ ∂x (4.25) No presente caso, analisamos a função de onda de uma partícula livre, mas esta relação é verdadeira para qualquer função de onda Ψ ( x, t ). Portanto podemos reescrever a expressão (4.23), simplesmente ∂ substituindo p pelo operador diferencial −i , no integrando da ∂x expressão: ∞ p = −i ∫ Ψ * ( x, t ) −∞ ∂Ψ ( x, t ) dx ∂x (4.26) Analogamente, podemos estimar o valor quadrático médio de p : ∞ p = ∫ Ψ * ( x, t )( −i ) 2 −∞ 2 ∂ 2 Ψ ( x, t ) dx ∂x 2 (4.27) Agora, procedendo de maneira análoga, vamos tentar encontrar uma expressão para a energia E na integral de (4.24). No entanto, agora vamos derivar a função de onda da partícula livre em função de t : Ψ ( x, t ) = cos ( kx − ωt ) + i sen(kx − ωt ) 106 Física EAD A mecânica quântica ∂Ψ ( x, t ) = ω sen ( kx − ωt ) − iω cos(kx − ωt ) ∂t ∂Ψ ( x, t ) = −iω cos ( kx − ωt ) + isen(kx − ωt ) ∂t 4 Sabemos que ω = E / , e substituindo o termo entre os colchetes por Ψ ( x, t ) : Unidade ∂Ψ ( x, t ) E = −i Ψ ( x, t ) ∂t Multiplicando ambos os lados por i e invertendo a equação: i ∂Ψ ( x, t ) = −i 2 E Ψ ( x, t ) ∂t E Ψ ( x, t ) = i ∂Ψ ( x, t ) ∂t De modo análogo, encontramos um operador diferencial para a energia, sendo este conhecido como operador energia, definido como: = i ∂ E ∂t (4.28) Aplicando o operador no integrando da expressão (4.24): ∞ E = i ∫ Ψ * ( x, t ) −∞ ∂Ψ ( x, t ) dx ∂t (4.29) UESC Módulo 8 I Volume 2 107 Física Moderna Vamos agora testar se os operadores diferenciais são consistentes com a relação clássica de energia: p2 + V ( x, t ) = E 2m Vamos então aplicar os operadores (4.25) e (4.29): 2 1 ∂ ∂ −i + V ( x, t ) = i 2m ∂x ∂t Ou: − 2 ∂ 2 ∂ + V ( x, t ) = i 2 ∂t 2m ∂x (4.30) Esta é, portanto, denominada equação de operadores quânticos. Quando aplicada a uma função de onda: − 2 ∂ 2 Ψ ( x, t ) ∂ + V ( x, t ) Ψ ( x, t ) = i Ψ ( x, t ) 2 ∂t 2m ∂x Reconhece a equação acima? Identifica alguma familiaridade? Pois esta é justamente a equação de Schroedinger! Portanto a equação de Schroedinger da mecânica quântica equivale a postular as associações entre momento e energia, com seus respectivos operadores diferenciais. Este foi o caminho seguido originalmente por Erwin Schroedinger para chegar à sua equação, válida para toda e qualquer função de onda. 108 Física EAD A mecânica quântica para recordar Vamos recordar um pouco de estatística. O valor médio de uma grandeza é representado por um único valor, o qual pode ser estimado a partir da média aritmética da grandeza, ou seja, dividindo a soma de todos os valores medidos pelo número de medidas que deu origem à soma. Deste modo: ∑x x= n 1 i n Sendo xi o valor de cada uma das medidas feitas e n o número total de medidas. Da mesma forma, é possível definir um valor quadrático médio para uma grandeza, sendo este: ∑x = 4 n 2 1 i n Unidade x 2 Já o desvio padrão das medidas realizadas, ou seja, o valor representativo das flutuações que, em geral, ocorrem nas medidas, é definido como: ∑ ( x − x) n σ= i 2 i n Para o caso de uma distribuição central de medidas, ou seja, um ( x = 0) tem-se que o radical da 2 expressão acima se reduz à raiz do valor quadrático médio: σ = x . conjunto de medidas com média nula De acordo com a mecânica quântica, a função de onda representa uma ferramenta descritiva aplicável a todas as grandezas definidas acima. Assim sendo, é possível realizar experimentalmente uma série de medidas, definindo um conjunto de valores xi , estimar a partir deste conjunto o valor médio da grandeza, o valor quadrático médio e as flutuações das medidas, e compará-los com as previsões teóricas realizadas a partir da função de onda. É deste modo que são validadas as considerações teóricas da mecânica quântica. EXERCÍCIO RESOLVIDO Considere uma partícula de massa m que pode se mover livremente sobre o eixo x entre os pontos x = −a / 2 e x = + a / 2, mas que está estritamente proibida de ser encontrada fora dessa região. A partícula oscila UESC Módulo 8 I Volume 2 109 Física Moderna entre as paredes em x = ± a / 2 de uma caixa unidimensional. Supõe-se que as paredes sejam completamente impenetráveis, não importando quanta energia a partícula tenha. Por certo que essa hipótese é uma idealização, mas ela é muito útil para o nosso estudo. A função de onda para o estado de menor energia da partícula é: Ψ ( x, t ) = A cos πx a e − iEt 0 a a para − < x <+ 2 2 a a para x − ou x + 2 2 Para esta partícula, calcule os valores esperados de x, 2 p, x e p . 2 Solução: Para calcularmos x, devemos calcular: ∞ x = ∫ Ψ * xΨdx −∞ Usando a função de onda, isto dá: x= + a /2 ∫ A cos πx a − a /2 x = A2 + a /2 ∫ x cos 2 πx a − a /2 e + iEt xA cos πx a e − iEt dx dx No caso, a integração é restrita ao intervalo entre −a / 2 e + a / 2, uma vez que o valor de Ψ ( x, t ) é nulo fora deste intervalo. Observe, porém, que o integrando é um produto de cos 2 (π x / a ), uma função par de x. No entanto, o próprio x torna o integrando uma função ímpar. Neste caso, quando o integrando é uma função ímpar, a integração em torno de uma região central na origem é nula: x = A2 + a /2 ∫ x cos − a /2 110 Física 2 πx a dx = 0 EAD A mecânica quântica Este resultado já era esperado, visto que o valor esperado de uma média de medidas da posição da partícula que se move livremente entre −a / 2 e + a / 2 deve mesmo ser nulo. Lembre-se que estamos estimando a média das medidas! Para calcular p, usamos: ∞ p = −i ∫ Ψ * ( x, t ) −∞ ∂Ψ ( x, t ) dx ∂x p = −i + a /2 ∫ A cos − a /2 πx a e + iEt Unidade 4 Aplicando à função Ψ ( x, t ) no intervalo definido para a função, temos: iEt πx − π e dx − Asen a a ou: p = −i π a A 2 + a /2 ∫ cos − a /2 πx a sen πx a dx Novamente, o integrando é uma função ímpar (produto de sen e cos ) da variável de integração. Neste caso, não precisamos nem resolver a integral para saber que o resultado é nulo. Portanto: p=0 Fisicamente, o valor esperado pode ser explicado em função do movimento da partícula em torno da origem. Neste caso, há uma oscilação entre os limites da região, fazendo com que o sinal (isto é, o sentido) do seu momento também oscile. p2 O módulo do momento deve ser tal que = E , mas como é 2m igualmente provável que seu sinal seja positivo ou negativo, a média das medidas também dessa grandeza deve ser nula. Agora vamos ao calculo de x 2 : UESC Módulo 8 I Volume 2 111 Física Moderna ∞ + a /2 −∞ − a /2 x 2 = ∫ Ψ * ( x, t ) x 2 Ψ ( x, t )dx = − x 2 = A2 ∫ + a /2 ∫x 2 πx A cos cos 2 e a πx − a /2 a + iEt x 2 A cos πx a e − iEt dx dx Repare que a integral acima não deve ser nula, visto que o integrando é uma função par de x. Neste caso, podemos simplificar ainda mais o cálculo: 2 x = 2A 2 + a /2 ∫x 2 cos 2 0 πx a dx Se multiplicarmos ambos os lados por ( a / π ) , essa expressão pode ser escrita como: 3 a x = 2A π 2 2 3 + π /2 ∫ 0 2 πx πx 2 πx d cos a a a Repare que o limite de integração também foi alterado, visto que, quando x = a / 2 a nova variável de integração será π / 2. Perfazendo esta mudança, a integral acima pode ser encontrada em tabelas apropriadas. O resultado final é: x 2 = A2 a3 π 2 − 1 4π 2 6 Para determinarmos x 2 exatamente, devemos saber também o valor da constante A que determina a amplitude da função de onda. Como no exercício anterior, podemos encontrar este valor normalizando a função de onda. Isto é, podemos ajustar o valor de A de modo que a probabilidade total de encontrar a partícula em algum lugar seja unitária. Esta condição nos leva ao cálculo: 112 Física EAD A mecânica quântica ∞ ∞ ∫ Ψ Ψdx = A ∫ cos * 2 −∞ 2 πx a −∞ dx = 2 A 2 a π π /2 ∫ cos 2 πx πx 0 a d 1 a Cujo resultado é: 2 A2 Assim: A= 2 a 4 aπ =1 π 4 Unidade Portanto: x 2 = A2 a3 π 2 2 a3 π 2 a 2 π 2 − 1 = − 1 = 2 − 1 = 0, 033a 2 2 π π 4π 2 6 a 4 6 2 6 Note que a grandeza x 2 não é zero, embora o x o seja, porque qualquer medida de x 2 deve ser necessariamente um valor positivo. A raiz quadrada desta grandeza, x 2 , pode ser considerada como uma média das flutuações em torno da média, x = 0, cujo valor é: x 2 = 0,18a Por fim, vamos calcular p 2 : ∞ p = ∫ Ψ ( x, t )( −i ) 2 * −∞ Calculando 2 ∞ 2 ∂ 2 Ψ ( x, t ) 2 * ∂ Ψ ( x, t ) dx = − Ψ dx ∫ ∂x 2 ∂x 2 −∞ ∂ 2 Ψ ( x, t ) : ∂x 2 Ψ ( x, t ) = A cos UESC πx a Módulo 8 I e − iEt / Volume 2 113 Física Moderna Então: ∂Ψ π x − iEt / π = − Asen e ∂x a a ∂ 2 Ψ ( x, t ) ∂x 2 2 iEt πx − π = − A cos e a a Note que: ∂ 2 Ψ ( x, t ) ∂x 2 2 π = − Ψ ( x, t ) a Substituindo no cálculo de p 2 , temos: ∞ ∂ 2 Ψ ( x, t ) π p = − ∫ Ψ dx = 2 2 ∂x a −∞ 2 2 * 2 ∞ ∫ Ψ Ψ ( x, t ) * −∞ Mas, uma vez que a função de onda é normalizada, a integral na expressão acima vale um, e corresponde justamente à probabilidade de encontrar a partícula em algum lugar no intervalo entre −∞ e +∞. Portanto: π p = a 2 2 E o momento quadrático médio: p2 = 114 Física π a EAD A mecânica quântica Esta é a média das flutuações em torno da média p = 0, que seriam observadas nas medidas do momento da partícula. Note que as grandezas: x 2 e p 2 correspondem às incertezas nas medidas na posição e no momento da partícula, portanto ∆x e ∆p, respectivamente. Podemos ainda verificar que estas medidas estão de acordo com o princípio da incerteza: p 2 = 0,18a π a = 0,57 > 2 4 ∆x∆p = x 2 Unidade Concluímos, portanto, que os valores esperados, calculados a partir das funções de onda, possibilitam estimar quantitativamente as incertezas das medidas. 6 AS AUTOFUNÇÕES Conforme apresentado na seção anterior, a função de onda é uma ferramenta bastante poderosa para a mecânica quântica. Afinal, é através dela que estimamos os parâmetros dinâmicos dos sistemas no mundo quântico. E, para encontrar a função de onda, temos que resolver a equação de Schroedinger: − 2 ∂Ψ ( x, t ) ∂ Ψ ( x, t ) + V ( x, t ) Ψ ( x, t ) = i 2 2m ∂x ∂t No entanto, na maioria das vezes, resolver a equação de Schroedinger não é uma tarefa muito fácil, visto que se trata de uma equação diferencial parcial envolvendo duas variáveis independentes, x e t , uma derivada de primeira ordem em t e uma derivada de segunda UESC Módulo 8 I Volume 2 115 Física Moderna ordem em x. Mas não se assuste, há recursos para tudo, ou quase tudo! Nesta seção, vamos discutir uma alternativa bastante útil para resolver a equação de Schroedinger. Uma das técnicas mais usuais para resolução de equações diferenciais parciais, como a equação de Schroedinger, consiste na busca por soluções na forma de um produto de funções, cada uma dela contendo apenas uma das variáveis independentes, do tipo: Ψ ( x, t ) = ψ ( x ) ϕ ( t ) (4.31) Onde o primeiro termo da direita é uma função apenas de x, ψ ( x ) , e o segundo termo é uma função apenas de t , ϕ ( t ) . Esta técnica é dita técnica de separação de variáveis. Esta é uma técnica bastante utilizada porque permite reduzir uma equação diferencial parcial em um conjunto de equações diferenciais ordinárias, o que simplifica bastante o problema. Como veremos, esta técnica é muito útil e eficaz nos casos em que a energia potencial não depende explicitamente da variável temporal, t , de forma que possa ser escrita simplesmente como V ( x). Na verdade, esta não é uma restrição muito forte, visto que a maioria dos sistemas físicos tem energias potenciais desta forma. Vamos então substituir a função de onda procurada, do tipo (4.31), na equação de Schroedinger, lembrando que o potencial considerado é do tipo V ( x) : ∂ψ ( x ) ϕ ( t ) ∂ ψ ( x )ϕ (t ) − + V ( x )ψ ( x ) ϕ ( t ) = i 2 ∂x ∂t 2m 2 Mas lembre-se que: ∂ 2ψ ( x ) ϕ ( t ) ∂x 2 116 = ϕ (t ) Física ∂ 2ψ ( x ) ∂x 2 = ϕ (t ) d 2ψ ( x ) dx 2 EAD A mecânica quântica Repare que a notação de derivada parcial em x foi substituída por uma derivada total em isso porque a função ψ x depende apenas x, ( ) de x e, portanto, não faz sentido continuar com a notação antiga. De modo análogo, a derivada em t também pode ser considerada como: ∂ψ ( x ) ϕ ( t ) ∂t ∂ϕ ( t ) ∂t =ψ ( x) dϕ ( t ) dt Portanto a equação de Schroedinger fica assim: Unidade 4 =ψ ( x) d 2ψ ( x ) dϕ ( t ) ϕ (t ) ψ ϕ ψ + = V x x t i x ( ) ( ) ( ) ( ) 2m dx 2 dt Dividindo os dois lados dessa equação por ψ ( x ) ϕ ( t ) , tem-se: 2 1 dϕ ( t ) 1 d ψ ( x) + V ( x ) = i 2 2m ψ ( x ) dx ϕ ( t ) dt Ou ainda: 2 1 d ψ ( x) 1 dϕ ( t ) + V ( x )ψ ( x ) = i 2 ψ ( x ) 2m dx ϕ ( t ) dt (4.32) Note que agora o lado direito da equação acima só depende da variável t , enquanto o lado esquerdo só depende da variável x. Então temos dois termos com variáveis distintas, consequentemente, seu valor comum não pode depender de nenhuma das variáveis envolvidas, nem x e nem t. Ou seja, o valor comum a estes dois termos deve ser uma constante que, por ora, chamaremos de G. Portanto: UESC Módulo 8 I Volume 2 117 Física Moderna 2 1 d ψ ( x) 1 dϕ ( t ) − + V ( x )ψ ( x ) = G = i 2 ψ ( x ) 2m dx ϕ ( t ) dt Deste modo, podemos separar a equação acima em duas, de modo que: 2 1 d ψ ( x) V x x ψ + =G ( ) ( ) ψ ( x ) 2m dx 2 (4.33) i 1 dϕ ( t ) =G ϕ ( t ) dt (4.34) Conseguimos, portanto, separar a nossa equação diferencial parcial em duas equações diferenciais ordinárias, uma envolvendo somente a variável x e a outra envolvendo somente a variável t , tendo em comum apenas a constante G. Esta constante é dita constante de separação. O passo seguinte será resolver as duas equações e encontrar as duas soluções independentes: ψ ( x ) e ϕ ( t ) . Para finalizar, tudo que temos que fazer é multiplicar a solução ψ ( x ) pela outra solução, ϕ ( t ) . O resultado da multiplicação será a solução completa da equação de Schroedinger, Ψ ( x, t ) = ψ ( x ) ϕ ( t ) . Esta solução, apesar de simples, é perfeitamente legítima e muito útil para a solução de uma extensa classe de equações diferenciais. Vamos primeiro resolver a equação em t , (4.34). Inicialmente, vamos reescrevê-la como: dϕ ( t ) dt =− iG ϕ (t ) (4.35) 118 Física EAD A mecânica quântica Esta equação nos diz que a derivada primeira da função é proporcional à própria função. Algum palpite? Aposta certa, uma função do tipo exponencial! Portanto vamos supor uma solução do tipo: ϕ ( t ) = eα t Onde α é uma constante a ser determinada. Derivando a equação acima em relação a t , tem-se: 4 dϕ ( t ) dt Comparando com (4.35), nota-se que: αϕ ( t ) = − iG ϕ (t ) Portanto: α =− Unidade = α eα t = αϕ ( t ) iG Assim, a solução da equação (4.35) é: ϕ (t ) = e − iG t (4.36) Esta solução também pode ser expressa em termos das funções seno e cosseno, de modo que: ϕ (t ) = e UESC − iG t = cos G G t − isen t Módulo 8 I Volume 2 119 Física Moderna Ou: ϕ ( t ) = cos 2π G G t − isen 2π t (4.37) Portanto a solução ϕ ( t ) é uma função oscilatória do tempo, de frequência ν = G / h, Mas, segundo os postulados de De Broglie e Einstein, a frequência também deve ser dada por ν = E / h, onde E é a energia total da partícula associada à função de onda correspondente a ϕ ( t ) . Deste modo, uma comparação direta nos leva à condição: G=E Assim sendo, tem-se: ϕ (t ) = e − iE t Esta é a dependência temporal de Ψ ( x, t ) , ou seja: Ψ ( x, t ) = ψ ( x ) e − iE t (4.38) A solução ψ ( x ) é tal que satisfaz a equação (4.33) corrigida para o valor de G : − 2 d ψ ( x) + V ( x )ψ ( x ) = Eψ ( x ) 2m dx 2 (4.39) A equação acima (4.39) é denominada equação de Schroedinger independente do tempo, visto que ela não depende da variável temporal, t. Já as soluções ψ ( x ) são denominadas autofunções, enquanto Ψ ( x, t ) continua sendo a solução completa da equação de Schroedinger. Fique atento aos nomes e aos símbolos, você ainda vai vê-los bastante! 120 Física EAD A mecânica quântica A expressão (4.39) é usualmente descrita em função de um , sendo este definido operador denominado operador Hamiltoniano, H como: 2 = − d +V ( x) H 2m dx 2 Assim, a equação de Schroedinger independente do tempo se torna: 4 ψ ( x, t ) = Eψ ( x, t ) H Unidade Para fechar de vez o problema, resta apenas descrever a forma da energia potencial e resolver a equação de Schroedinger independente do tempo para encontrar a dependência espacial da função de onda. Curioso notar que, na equação (4.39), não aparece o número imaginário i e, portanto, soluções reais são possíveis para essa equação. No entanto, funções complexas ainda podem e são frequentemente obtidas, carecendo de uma análise detalhada quanto a sua aceitabilidade. Os requisitos necessários para uma solução aceitável da dψ ( x) autofunção ψ ( x ) e sua derivada são: ser finitas, unívocas e dx contínuas. Estas condições asseguram o “bom comportamento” da função de onda Ψ ( x, t ) e sua derivada ∂Ψ ( x, t ) / ∂x, e resultam do fato de que a função de onda representa uma amplitude de probabilidade. Caso essas condições fossem violadas, valores indefinidos poderiam ser encontrados quando calculássemos grandezas mensuráveis, o que não pode ser aceito fisicamente. A análise dessas condições é extremamente importante para a mecânica quântica, visto que as equações diferenciais permitem uma diversidade enorme de soluções matemáticas, mas nem todas têm significado físico. De qualquer maneira, a técnica de separação de variáveis já simplificou bastante o problema. Agora temos uma equação diferencial de segunda ordem, mas com apenas uma variável independente. UESC Módulo 8 I Volume 2 121 Física Moderna 7 SOLUÇÕES DA EQUAÇÃO DE SCHROEDINGER E A QUANTIZAÇÃO DE ENERGIA Na próxima unidade, nos dedicaremos ao processo de resolução da equação de Schroedinger independente do tempo para uma série de potenciais e sistemas distintos. Mas, por ora, vamos analisar as soluções aceitáveis para a equação independente do tempo, mas apenas em termos qualitativos, isto é, apenas analisando graficamente as curvaturas e inclinações das possíveis soluções. Você vai ver que é possível extrair ainda muita informação a respeito da equação de Schroedinger, antes mesmo de entrar no rigor dos cálculos. No entanto você já pode começar a exercitar suas habilidades matemáticas! Para começar nossa análise, vamos reescrever a equação de Schroedinger independente do tempo na seguinte forma: d 2ψ 2m V ( x ) − E ψ = dx 2 (4.40) Desta forma, fica mais fácil ver que as propriedades dessa equação dependem, dentre outros fatores, da forma da função energia potencial V ( x) . Este fato já era de se esperar, visto que V ( x) determina a força que atua sobre a partícula, cujo comportamento é descrito pelas soluções da equação diferencial. Deste modo, para conhecer as propriedades da equação diferencial, primeiro é preciso conhecer o comportamento de V ( x), portanto, vamos a ele! Nosso argumento vai considerar a equação diferencial em (4.40), a qual determina o valor da segunda derivada da solução d 2ψ / dx 2 em termos dos valores de 2m / 2 V ( x ) − E . Vamos nos concentrar no sinal de d 2ψ / dx 2 , o qual determina se a concavidade da curva definida pela função de onda ψ ( x) é para cima (côncava, com sinal positivo) ou para baixo (convexa, com sinal negativo); e também no comportamento de V ( x) em relação a E. 122 Física EAD A mecânica quântica para recordar Lembre-se que a derivada de uma função representa a taxa de variação instantânea da função e, portanto, é possível estabelecer graficamente uma correlação direta entre o sinal das derivadas primeira e segunda com o comportamento da função. Vejamos. Repare, na Figura a seguir, que uma curva com concavidade para cima, à medida que x cresce, apresenta valores crescentes da derivada primeira da função (tangente à curva), de modo que a derivada segunda é sempre positiva. Já a uma curva com concavidade para baixo, apresenta valores decrescentes para a derivada primeira, de modo que a derivada segunda da função será sempre Unidade 4 negativa. Imagem 4.6: Relação entre a concavidade e as derivadas da função. Curva com concavidade para cima, a derivada primeira é crescente de modo que a derivada segunda é positiva. Curva com concavidade para baixo, a derivada primeira é decrescente de modo que a derivada segunda é negativa. Para nossa análise, vamos escolher V ( x) como se fosse o potencial para um átomo que pode estar ligado a outro átomo semelhante, formando uma molécula diatômica, descrita em função da separação entre os centros dos dois átomos. Neste caso, a energia total E deve estar associada à distância de separação entre os átomos e, assim sendo, vamos limitá-la entre os valores x’ e x’’, conforme ilustrado na Figura 4.1. Note que a reta energia da energia E intercepta a curva da energia potencial V ( x) em dois pontos, justamente, x = x’ e x = x’’, dividindo o eixo x em três regiões distintas: 1) x < x’; 2) x’ < x < x’’ e 3) x > x’’. Figura 4.1 – Energia potencial V ( x) usada como argumento qualitativo para discussão das soluções da equação de Schroedinger independente do tempo. UESC Módulo 8 I Volume 2 123 Física Moderna Na primeira e terceira regiões, o valor de V ( x ) − E é sempre positivo, pois o valor de V ( x) é maior que o valor de E . No entanto, na segunda região V ( x ) − E , é negativo, visto que E é maior que V ( x). Lembre-se que a constante multiplicativa deste termo, 2m / 2 , é sempre positiva, portanto o sinal de d 2ψ / dx 2 é o mesmo que o sinal de ψ na primeira e terceira regiões, no entanto, verifica-se o oposto do sinal de ψ na segunda região. Isto significa que, na primeira e terceira regiões, a curva de ψ ( x) versus x terá concavidade para cima se o valor de ψ for positivo e terá concavidade para baixo se ψ for negativa. Na segunda região, a curva terá concavidade para baixo, se ψ for positiva, e para cima, se ψ for negativa. Estas possibilidades estão ilustradas na Figura 4.2. Figura 4.2 – Ilustração das relações entre o sinal de nas regiões definidas pelo sinal de [V ( x) − E ] . ψ e o sinal de d 2ψ / dx 2 Portanto podemos afirmar que, para uma dada forma da energia potencial V ( x) , a equação diferencial impõe uma relação entre determina o comportamento geral de da derivada primeira, dependente ψ dψ / dx, ψ d 2ψ / dx 2 e ψ que . Se especificarmos também o valor então o comportamento particular da variável é determinado, para todos os valores de x. Podemos, assim, utilizar a equação de Schroedinger independente do tempo, com os valores de V ( x ) e E escolhidos, para determinar o comportamento de os x em termos dos valores supostos de ψ e particular de 124 x. Física dψ / dx ψ para todos para algum valor EAD A mecânica quântica As considerações acima são asseguradas em função das dψ ( x) condições impostas a ψ ( x ) e sua derivada : finitas, unívocas dx e contínuas. Vamos agora procurar este resultado qualitativo a partir de argumentos baseados nas características da equação diferencial (4.40): d 2ψ 2m V ( x ) − E ψ = dx 2 Unidade 4 Inicialmente, vamos tomar o valor de ψ positivo na região x’ < x < x’’, ou seja, uma curva que descreve ψ com concavidade para baixo, como na Imagem 4.6. Neste caso, estamos supondo que a derivada primeira é decrescente de forma que a segunda derivada é negativa. No entanto, ao atingir a região x > x’’, o valor V ( x ) − E muda de sinal, ficando positivo, o que implica que, embora a inclinação da curva fosse negativa em x = x’’, ela se torna rapidamente zero neste ponto e, a partir daí, será positiva. Então, ψ começa a crescer em valor. No entanto, a equação diferencial mostra que a taxa de variação da inclinação, isto é, d 2ψ / dx 2 , é proporcional a ψ . Assim, ψ cresce, e cresce rapidamente, tendendo ao infinito para grandes valores de x. Mas esta solução não é aceitável, visto que toda autofunção deve ser finita! Mas vamos tentar novamente, agora mudando o valor dψ ( x) inicialmente suposto para , a derivada primeira. Agora, a dx derivada primeira será crescente, ou seja, estamos considerando uma função ψ com concavidade para cima no intervalo x’ < x < x’’, e derivada segunda positiva. Ao atingir o ponto x = x’’, a derivada segunda se anula e a partir daí, passa a ser negativa, indicando que a função ψ decresce, e decresce rapidamente, tendendo a menos infinito. O que também não é aceitável, mais uma tentativa falha! A chave do problema consiste no comportamento da derivada segunda e a função ψ , visto que estas são diretamente proporcionais, ou seja, para valores crescentes de x, se ψ cresce, cresce rapidamente indo ao infinito; se ψ decresce, decresce rapidamente, tendendo a menos infinito. E ambas as soluções são inaceitáveis. Ao UESC Módulo 8 I Volume 2 125 Física Moderna consideramos valores decrescentes de x, a dificuldade persiste, pois não há como ajustar a descontinuidade que ocorre para valores de x = x ', também entrando na condição E < V ( x). Mas então, será que não há soluções possíveis para a equação de Schroedinger independente do tempo? Qual a origem dessa dificuldade que estamos encontrando? Repetindo-se as escolhas para diferentes valores de E é possível encontrar soluções aceitáveis para a equação de Schroedinger, independente do tempo. Na verdade, é possível encontrar soluções aceitáveis para uma série de valores, E1 , E2 , E3 , E4 ,..., correspondendo às autofunções: ψ 1 , ψ 2 , ψ 3 , ψ 4 ,... Ou seja, é possível encontrar um conjunto de soluções, mas apenas para valores discretos de energia! Esta afirmação te lembra alguma coisa? Não acha que seria uma forma de quantização de energia? Exatamente! Portanto, para uma partícula se movendo sob influência de um potencial independente do tempo V(x), existem soluções aceitáveis para a equação de Schroedinger independente do tempo somente se a energia das partículas for quantizadas, isto é, restrita a um conjunto discreto de energias E1 , E2 , E3 , E4 ,... En . Estes valores de energia são denominados V ( x) . Deste modo, um potencial particular tem um conjunto autovalores do potencial particular de autovalores. Já as soluções encontradas para a equação de Schroedinger independente do tempo, ψ 1 ,ψ 2 ,ψ 3 ,ψ 4 ,...ψ n , são denominadas autofunções. Assim, para cada autovalor há também uma função de onda correspondente: ψ 1 ,ψ 2 ,ψ 3 ,ψ 4 ,...ψ n . O índice n, utilizado para designar um autovalor particular e suas correspondentes: autofunção e função de onda, é chamado de número quântico e sempre toma valores inteiros sucessivos. Se o sistema quântico é descrito pela função de onda que ele está no estado quântico n. Ψ n ( x, t ), dizemos A Figura 4.4 ilustra os valores de energia para os quais a equação de Schroedinger independente do tempo apresenta soluções aceitáveis. Note que, para uma energia potencial V ( x) do tipo ilustrado na Figura 4.1, é possível definir um valor limite Vl quando a distância x se torna muito grande. Para estes valores de x, as soluções aceitáveis para a equação de Schroedinger correspondem aos valores de energia indicados pela região sombreada da figura, ou seja, uma distribuição contínua de valores possíveis de energia. No entanto, esta condição (grandes x ) corresponde ao caso de uma partícula não ligada (classicamente, a distância de separação entre os átomos 126 Física EAD A mecânica quântica Unidade 4 pode assumir qualquer valor maior do que x’). Para valores intermediários de x. aqueles cujo potencial é inferior ao limiar Vl , correspondem ao caso de uma partícula confinada e os valores permitidos de energia para resolver a equação de Schroedinger são valores discretos! Neste caso, a função de onda correspondente ao tipo de função oscilatória e não há problemas de dispersão. É sempre possível fazer com que ψ ( x) se aproxime gradualmente do eixo para altos valores de x. Novamente, para valores muito pequenos de x, as soluções permitidas correspondem a valores contínuos de energias, mas sempre superiores a Vl . Figura 4.4 – Ilustração das energias permitidas para certo potencial V ( x ). Note que abaixo do valor limite Vl as energias permitidas são discretas, enquanto acima do limiar Vl há um contínuo de energias permitidas. Os argumentos apresentados acima podem ser resumidos como: Quando a relação entre a energia total de uma partícula e sua energia potencial é tal que classicamente a partícula estaria confinada a uma região limitada do espaço, pois senão a energia potencial excederia a energia total fora da região, então a teoria de Schroedinger prevê que a energia total é quantizada. Quando esta relação é tal que a partícula não estaria confinada em uma região limitada, então a teoria prevê que a energia total pode ter qualquer valor. UESC Módulo 8 I Volume 2 127 Portanto, de acordo com a teoria de Schroedinger, o confinamento de uma partícula leva à quantização, ou seja, à existência de estados discretos, com energias discretas. Deste modo, a teoria prevê a quantização de energia, sem a imposição de ‘múltiplos h’, conforme os postulados anteriores à mecânica quântica. Assim, Schroedinger conseguiu finalmente alcançar o tão desejado embasamento teórico ao mostrar que a quantização de energia resulta simplesmente do fato de que uma função espacial (autofunção) precisa ser unívoca e finita. Os trabalhos que se seguiram, complementaram as publicações de Schroedinger, dando à mecânica quântica um formalismo rigoroso e satisfatório, de modo a substanciar essa bizarra, mas eficiente, teoria probabilística! EXERCÍCIO RESOLVIDO Quando uma partícula está em um estado tal que uma medida de sua energia total pode dar apenas um único resultado, o autovalor E, ela é descrita pela autofunção: Ψ ( x, t ) = ψ ( x ) e − iE t Um exemplo seria um elétron no estado fundamental do átomo de hidrogênio. Nesse caso, a função densidade de probabilidade não depende do tempo: Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) = ψ * ( x ) e + iE t ψ ( x) e − iE t = ψ * ( x )ψ ( x ) Agora, considere uma partícula em um estado tal que uma medida de sua energia total pode dar qualquer um entre dois resultados, o autovalor E1 e outro autovalor E2 . Então, a função de onda que descreve a partícula é: Ψ ( x, t ) = c1ψ 1 ( x ) e − iE1 t + c2ψ 2 ( x ) e − iE2 t Um exemplo típico seria o de um elétron que estivesse no processo de transição de um estado excitado o estado A mecânica quântica fundamental do átomo. Mostre que, nesse caso, a função densidade de probabilidade é uma função oscilatória do tempo e calcule a frequência de sua oscilação. Solução: Para a densidade de probabilidade em questão, tem-se: 4 iE iE iE iE * + 1t + 2t − 1t − 2t Ψ Ψ = c1*ψ 1* ( x ) e + c2*ψ 2* ( x ) e c1ψ 1 ( x ) e + c2ψ 2 ( x ) e Unidade Multiplicando os termos entre colchetes, obtemos quatros novos termos: Ψ *Ψ = c1*c1ψ 1* ( x )ψ 1 ( x ) + c2*c2ψ 2* ( x )ψ 2 ( x ) + c2*c1ψ 2* ( x )ψ 1 ( x ) e + i ( E2 − E1 ) t + c1*c2ψ 1* ( x )ψ 2 ( x ) e + − i ( E2 − E1 ) t Assim, a dependência temporal se cancela nos dois primeiros termos, mas não nos dois últimos. Estes dois termos contêm exponenciais complexas que oscilam no tempo com frequência ν . Essas exponenciais podem ser expressas como funções tipo seno e cosseno, com frequência: ν= E2 − E1 E2 − E1 = 2π h Portanto a função densidade de probabilidade é uma função oscilatória do tempo, sendo o valor da frequência de oscilação dado pela expressão acima. Note que esta é exatamente a frequência da radiação emitida durante a transição de um elétron do estado excitado, E2 , para o estado fundamental, E1. Assim, a teoria de Schroedinger prevê corretamente a frequência da radiação emitida durante as transições eletrônicas dos átomos. No caso de um elétron no estado fundamental, vimos que a densidade de probabilidade UESC Módulo 8 I Volume 2 129 Física Moderna é independente do tempo e, por isso, os elétrons não emitem energia. Mais uma vez, é notório o fato de que a teoria de Schroedinger fornece um modelo físico do processo de emissão da radiação por átomos excitados muito mais atraente do que o dado pela teoria de Bohr. O próprio Schroedinger reconheceu ser muito mais gratificante conceber uma transição quântica como uma troca de energia de um modo de vibração para outro, do que encará-la como um salto de elétrons! RESUMINDO • Na mecânica quântica, toda evolução de eventos é determinada pelas leis da probabilidade. Um processo mecânico é, portanto, acompanhado por um processo ondulatório, sendo esta a “onda condutora”, descrita pela equação de Schroedinger, cujo significado é o de dar a probabilidade de um curso definido do processo mecânico. • Função de onda: Ψ ( x, t ) corresponde a uma solução da equação de Schroedinger para certa energia potencial V(x, t). • A equação de Schrodinger: equação diferencial que satisfaz todas as hipóteses relativas à equação de onda da mecânica quântica: − ∂ 2 Ψ ( x, t ) ∂Ψ ( x, t ) + V ( x, t ) Ψ ( x, t ) = i 2 ∂t 2m ∂x • A ligação entre as propriedades da função de onda Ψ ( x, t ) e o comportamento da partícula associada é expressa em termos da densidade de probabilidade: P ( x, t ) = Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) 130 Física EAD A mecânica quântica • Valores esperados da mecânica quântica: ∞ f ( x, t ) = ∫ Ψ * ( x, t ) f ( x, t )Ψ ( x, t )dx −∞ • Operador momento: p = −i ∂ ∂x = i ∂ • Operador energia: E ∂t • A Equação de operadores quânticos: − 2 ∂ 2 ∂ + V ( x, t ) = i 2 ∂t 2m ∂x Unidade 4 • Por meio da técnica de separação de variáveis, chegase à Equação de Schroedinger, independente do tempo: 2 d ψ ( x) − + V ( x )ψ ( x ) = Eψ ( x ) . As soluções, ψ ( x ) , são 2m dx 2 denominadas autofunções. 2 = − d +V ( x) • Operador Hamiltoniano: H 2m dx 2 • Para uma partícula movendo-se sob influência de um potencial independente do tempo V(x) existem soluções aceitáveis para a equação de Schroedinger independente do tempo somente se a energia das partículas for quantizadas, isto é, restrita a um conjunto discreto de energias E1 , E 2 , E 3 , E 4 ,... E n . Estes valores de energia são denominados autovalores do potencial V(x). ATIVIDADES 1. Explique como o postulado de De Broglie entra na teoria de Schroedinger. 2. Por que a equação de Schroedinger não é válida para partículas relativísticas? 3. Qual é a relação básica entre as propriedades de uma função de onda e o comportamento da partícula associada a ela? UESC Módulo 8 I Volume 2 131 Física Moderna 4. Explique com suas palavras o que é normalizar uma função. 5. O que quer dizer equação de Schroedinger independente do tempo? 6. Qual é a diferença entre uma função de onda e uma autofunção? 7. O que são autovalores? 8. Por que uma autofunção deve ser bem comportada para ser aceitável na teoria de Schroedinger? 9. Explique o significado do valor esperado de x. 10.Se as funções Ψ1 ( x, t ), Ψ 2 ( x, t ) e Ψ 3 ( x, t ) são três soluções da equação de Schroedinger para um potencial V ( x, t ) , mostre que a combinação linear arbitrária Ψ ( x, t ) = c1Ψ1 ( x, t ) + c2 Ψ 2 ( x, t ) + c3Ψ 3 ( x, t ) também é solução desta equação. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA EISBERG, Robert; RESNICK Robert. Física Quântica, Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1988. FEYNMAN Richard. Física em Seis Lições. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1999. GLEISER, Marcelo. A dança do Universo, dos Mitos de Criação ao Big-Bang. São Paulo: Editora Companhia de Bolso, 1997. LOPES, José Leite. A Estrutura Quântica da Matéria, do átomo pré-socrático às partículas elementares. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. 132 Física EAD A mecânica quântica Suas anotações ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ 4 ........................................................................................................................ Unidade ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ......................................................................................................................... UESC Módulo 8 I Volume 2 133 5ª unidade APLICAÇÕES DA MECÂNICA QUÂNTICA Conteúdo Nesta unidade serão apresentadas as soluções da equação de Schroedinger independente do tempo para diferentes formas da energia potencial. Veremos as soluções para: - potencial nulo; - potencial degrau; - barreira de potencial; - poço de potencial; - osciladores harmônicos simples. Objetivo Ao final desta etapa, o aluno será capaz de conhecer as previsões da mecânica quântica e familiarizar-se com as ferramentas matemáticas que descrevem o mundo quântico. Aplicações da mecânica quântica 1 INTRODUÇÃO 5 Na unidade anterior, discutimos em linhas gerais as propriedades da equação de Schroedinger e de suas possíveis soluções. A esta altura, você já sabe como interpretar uma função de onda e como obter os valores esperados para as grandezas dinâmicas segundo a mecânica quântica. Agora, para concluir o nosso estudo, vamos obter as soluções específicas da equação de Schroedinger independente do tempo para diferentes formas da energia potencial V ( x). Portanto vamos obter e discutir as propriedades físicas das autofunções, dos autovalores e das funções de onda correspondentes. Nossa abordagem será progressiva, isto é, começaremos com as formas mais simples para o potencial V ( x) e, gradualmente, chegaremos às formas mais complexas, mas sempre potenciais independentes do tempo. De modo a simplificar os cálculos e a interpretação física, nos limitaremos a uma única dimensão espacial. Trataremos das partículas ligadas e não ligadas e, sempre que possível, discutiremos as aplicações mais interessantes para os modelos atômicos e moleculares. Você irá se surpreender com as possibilidades do mundo quântico! Unidade 2 POTENCIAL NULO E A PARTÍCULA LIVRE Certamente, a forma mais simples para a equação de Schroedinger independente do tempo é aquela na qual V ( x) é uma constante arbitrária. Neste caso, como F = − dV ( x) / dx = 0, estamos falando de uma partícula livre, ou seja, nenhuma força atua sobre a mesma, de modo que a partícula pode estar em repouso ou em movimento uniforme, sempre com momento constante e energia constante. Podemos simplificar ainda mais e considerar diretamente o caso de um potencial nulo, tal que: V ( x) = 0 (5.1) UESC Módulo 8 4 I Volume 2 5 137 Física Moderna Neste contexto, a equação de Schroedinger independente do tempo se reduz a: − 2 d ψ ( x) = Eψ ( x ) 2m dx 2 (5.2) Sabemos que as soluções esperadas para a função de onda são do tipo: Ψ ( x, t ) = ψ ( x ) e − iE t (5.3) Onde os autovalores E correspondem à energia total da partícula. No entanto, estamos tratando de uma partícula livre, cuja forma da função de onda nós já conhecemos da unidade anterior, está lembrado? Pois, então: Ψ ( x, t ) = cos ( kx − ωt ) + isen(kx − ωt ) (5.4) A qual pode ser reescrita na forma exponencial, do tipo: Ψ ( x, t ) = ei ( kx −ωt ) (5.5) Note que esta função representa uma onda que se propaga com propriedades: k= p = h e: ω= 2mE (5.6) E h (5.7) Os nós da função de onda estão localizados nas posições 1 ( kx − ωt ) = n + π , com n = 0, ±1, ±2, … ou seja, a parte real da função de 2 onda tem valor igual a zero sempre que ( kx − ωt ) = n + 12 π . Deste modo, os nós ocorrem sempre nas posições: x = n + 1 π k + ωt e, como estes valores 2 de x aumentam à medida que t aumenta, os nós se movem no sentido de x crescente. Esta conclusão está ilustrada na parte superior da Figura 5.1 138 Física EAD Unidade 5 Aplicações da mecânica quântica Figura 5.1 – Na Figura, a parte real de uma função de onda exponencial complexa para uma partícula livre. Embaixo: a densidade de probabilidade para esta função de onda. Note que esta não transmite qualquer idéia de movimento. A exponencial em (5.5) pode ainda ser desmembrada em dois fatores: Ψ ( x, t ) = eikx e −ωt = eikx e − iE t (5.8) UESC Módulo 8 I Volume 2 139 Física Moderna Comparando com a forma da equação (5.3), nota-se que: ψ ( x ) = eikx (5.9) Ou seja, a exponencial complexa descrita acima corresponde à forma procurada da autofunção de uma partícula livre, com autovalor E . Para a função de onda descrita em (5.8), a densidade de probabilidade * Ψ ( x, t ) Ψ ( x, t ) corresponde a: Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) = e − i ( kx −ωt ) ei ( kx −ωt ) = 1 Portanto a densidade de probabilidade é uma constante unitária, definindo, assim, uma onda estacionária. Como pode ser observado na parte inferior da Figura 5.1, esta probabilidade não transmite nenhuma ideia de movimento! E será que a solução expressa em (5.8) para a equação de Schroedinger está completa? Será que não existe outra solução para (5.2)? A experiência com equações diferenciais nos diz que, para o mesmo valor de E , se trocarmos o sinal do termo em kx , obteríamos também uma solução aceitável. Esta agora correspondente a uma onda que se propaga no sentido decrescente de x , sendo: Ψ ( x, t ) = ei ( − kx −ωt ) (5.10) Portanto obtemos uma nova autofunção, sendo esta: ψ ( x ) = e − ikx (5.11) Então, como fica a solução? Algum palpite? Ora, sabemos que a equação de Schroedinger independente do tempo, assim como a equação completa, é linear, ou seja, uma combinação linear de soluções possíveis também é solução, de modo que: 140 Física EAD Aplicações da mecânica quântica ψ ( x ) = Aeikx + Be − ikx (5.12) onde A e B são constantes arbitrárias e seus respectivos valores podem ser obtidos pelo processo de normalização da função de onda. A solução completa da equação de Schroedinger é: Ψ ( x, t ) = Aei ( kx −ωt ) + Bei ( − kx −ωt ) (5.13) ∞ p = −i ∫ Ψ * ( x, t ) −∞ ∂Ψ ( x, t ) dx ∂x Unidade 5 Você pode, como exercício, conferir se a expressão acima é mesmo uma solução da equação de Schroedinger para um potencial nulo, basta perfazer os cálculos das derivadas e substituir na expressão (4.14) da unidade anterior para conferir a validade da solução. Vamos agora à interpretação física das autofunções e funções de onda da partícula livre. Inicialmente vamos analisar apenas a solução relativa a uma onda que se propaga no sentido crescente de x . Será que uma partícula, cujo movimento é descrito por esta função de onda, também está se movendo no sentido de x crescente? Para verificar este fato, vamos calcular o valor esperado do momento, p, da partícula, sendo este: (5.14) Calculando primeiro a derivada no integrando acima: ∂Ψ ( x, t ) ∂ = Aei ( kx −ωt ) = ikAei ( kx −ωt ) = ik Ψ ( x, t ) ∂x ∂x Agora substituindo em 5.14: ∞ ∞ −∞ −∞ p = −i ( ik ) ∫ Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) dx = −i 2 k ∫ Ψ * ( x, t ) Ψ ( x, t ) dx UESC Módulo 8 I Volume 2 141 Física Moderna Substituindo o valor de k = ∞ p = h 2mE , tem-se: ∞ p = k ∫ Ψ ( x, t ) Ψ ( x, t ) dx = 2mE ∫ Ψ *Ψdx * −∞ −∞ (5.15) Como a função de onda deve ser normalizada, tem-se: p = 2mE Analogamente, podemos encontrar o valor do momento esperado para a função de onda decrescente em x, cujo resultado é: p = − 2mE Portanto as autofunções e funções de onda que obtivemos em (5.12) e (5.13), respectivamente, representam situações idealizadas de uma partícula se movendo, em um sentido ou em outro, em uma região de extensão infinita. Sua coordenada x é completamente desconhecida, porque as amplitudes das ondas são as mesmas em todas as regiões do eixo x, ou seja: ∞ ∫ Ψ ( x, t ) Ψ ( x, t ) dx = A A * * −∞ (5.16) Neste caso, a incerteza associada a uma medida de x , seria da ordem de ∆x = ∞ e, assim, de acordo com o princípio da incerteza, é possível saber o momento p da partícula com total precisão. Como também dispomos de tempo ilimitado para medir a energia da partícula, ou seja, ∆t = ∞, então sua energia E pode ser conhecida com total precisão. Um exemplo físico próximo a esta situação que estamos considerando seria um próton se movendo em um feixe altamente monoenergético emergindo de um acelerador cíclotron. 142 Física EAD Aplicações da mecânica quântica você sabia? De acordo com a análise apresentada acima, a função de onda da partícula associada descreve a probabilidade da partícula estar se movendo na direção de x crescente ou decrescente. Imagine agora que esta função represente um ser vivo, por exemplo, um gato! Imagine então um experimento do tipo: um gato preso em uma caixa hermética contendo um recipiente fechado e, dentro deste, uma substância que libera um veneno mortal cujo acionamento é feito via decaimento radioativo. Mas o processo de decaimento radioativo é um evento probabilístico, pode acontecer dentro Imagem 5.1: Ilustração do experimento conhecido como o gato de Schroedinger. Fonte: http://web.ccead.puc-rio.br/condigital/mvsl/linha%20tempo/ Schrodinger/gato.html de um intervalo de tempo ou não. Há uma chance de 50% para o isótopo decair e mais 50% de chance de não haver decaimento. Então, como representar este sistema? O que iremos encontrar ao abrir a caixa? Segundo Erwin Schroedinger, este é um sistema quântico e deve ser tratado como tal! Portanto o gato estaria 50% vivo e 50% morto! Simples assim, vivo e morto simultaneamente, apenas em função do decaimento ou não do isótopo. Correto? Absurdo? Mas se os átomos podem existir em dois estados quânticos ao mesmo tempo, as considerações sobre os estados do gato estão corretas, certo? Este foi um dos famosos experimentos imaginados por Schroedinger para descrever os fenômenos quânticos. Por certo, apenas um exercício imaginário! 5 3 POTENCIAL DEGRAU E AS POSSIBILIDADES Unidade QUÂNTICAS Vamos agora estudar as soluções da equação de Schroedinger para uma partícula cuja energia potencial possa ser representada por uma função V ( x) que tenha um valor constante, mas diferente em duas regiões adjacentes de x. Ou seja, o potencial muda de valor abruptamente ao ir de uma região para outra, por meio de uma descontinuidade em x. Um exemplo simples de potencial deste tipo é o chamado potencial degrau, ou degrau de potencial, cuja formulação pode ser definida como: V0 se x > 0 V ( x) = 0 se x < 0 (5.17) UESC Módulo 8 I Volume 2 143 Física Moderna Sendo V0 uma constante. Neste caso específico, a origem do eixo x no sistema de coordenadas foi escolhida como estando sobre o degrau, conforme ilustrado na Figura 5.2. Figura 5.2 – O potencial degrau A rigor, estes potenciais não existem na natureza, mas sua análise é bastante útil e serve de aproximação para determinados sistemas físicos. Por exemplo, a energia potencial de um elétron se movendo próximo à superfície de um metal é muito parecida com um degrau de potencial, pois ela cresce rapidamente na superfície, a partir de um valor essencialmente constante no interior, até um valor constante, mas muito maior, na parte exterior. Para analisar este contexto, suponha que uma partícula de massa m e energia total E esteja na região x < 0, e que esteja se dirigindo para o ponto x = 0, no qual o potencial V ( x) muda abruptamente seu valor. De acordo com a mecânica clássica, a partícula vai se mover livremente nessa região até atingir x = 0. A partir deste ponto, ela estará sujeita à ação de uma força impulsiva F = − dV ( x) / dx atuando, portanto, no sentido de x decrescente. Segundo a mecânica clássica, o movimento da partícula após sofrer a ação da força em x = 0 depende da relação entre E e V0 . Para o caso de E <V0 , a mecânica clássica proíbe a partícula de passar para a região x > 0, visto que: E= 144 p2 + V ( x ) < V ( x) 2m Física EAD Aplicações da mecânica quântica O que implicaria em: p2 <0 2m Assim, a energia cinética da partícula deveria assumir valores negativos, o que não faz sentido fisicamente. Portanto, segundo a mecânica clássica, a força impulsiva deveria mudar o momento da partícula, de tal modo que seu movimento ficaria exatamente invertido, ou seja, a partícula se moveria no sentido decrescente de x com momento no sentido oposto p2 ao momento inicial, de modo a manter a energia E = constante. 2m Assim, a partícula seria refletida pelo potencial degrau. Mas e na mecânica quântica, será que esta previsão se confirma? Arrisca algum palpite? Na seção 5.3.1 trataremos apenas deste caso específico em que: E <V0 , ou seja, a energia da partícula é inferior à altura do degrau de potencial. O caso oposto, E <V0 , será analisado apenas na seção 5.3.2. Vejamos as previsões da mecânica quântica. 4 ENERGIA MENOR DO QUE A ALTURA DO DEGRAU Unidade 5 Para descrever o movimento da partícula segundo a mecânica quântica, devemos primeiro encontrar a função de onda correspondente ao potencial degrau, para a energia E , lembrando sempre que E <V0 . Por se tratar de um potencial independente do tempo, podemos simplesmente resolver a equação de Schroedinger independente do tempo, visto que a dependência temporal já é nossa velha conhecida (lembre-se da seção 4.6)! De antemão, podemos esperar que exista uma solução aceitável para qualquer valor de energia para E > 0, já que o potencial não é capaz de confinar a partícula em nenhuma região do eixo x. Como temos duas regiões espaciais distintas, vamos considerá-las separadamente. Assim que, na região x < 0, temos, V ( x) = 0, de modo que a equação de Schroedinger independente do tempo se reduz a: UESC Módulo 8 I Volume 2 145 Física Moderna 2 d ψ ( x) − = Eψ ( x ) 2m dx 2 x<0 (5.18) Note que esta equação é exatamente a equação (5.2), aquela que resolvemos na seção anterior para o caso de uma partícula livre. Já na região x > 0, temos a clássica expressão: − 2 d ψ ( x) + V0ψ ( x ) = Eψ ( x ) 2m dx 2 x>0 (5.19) Vamos então resolver as duas equações acima e igualar os resultados no ponto x = 0. Esperamos, assim, obter uma solução única para o problema. Lembrando sempre de verificar os requisitos: unicidade e continuidade das autofunções e suas derivadas. Da seção anterior sabemos que o resultado da equação (5.18) para, x < 0, é: ψ ( x ) = Aeik x + Be − ik x 1 1 x<0 (5.20) Onde: k1 = 2mE Para a equação (5.19) não devemos esperar uma função oscilatória, visto que E <V0 (lembre-se da análise qualitativa que fizemos para as autofunções na seção 4.7). O resultado desejado seria uma função com comportamento assintótico em x, ou seja, uma função que se aproxima gradualmente do eixo x, tipo uma função exponencial real decrescente, como: 146 Física EAD Aplicações da mecânica quântica ψ ( x ) = e− k x x>0 2 (5.21) Você, estudante, pode verificar (a título de exercício!) que esta é realmente uma solução da equação de Schroedinger independente do tempo, se: k2 = 2m(V0 − E ) (5.22) Da mesma forma que a autofunção: ψ ( x ) = e+ k x x>0 2 Combinando as duas soluções: ψ ( x ) = Ce + k x + De − k x 2 x>0 2 ( D e − k2 x ) x =0 ( ) = A eik1x x =0 ( + B e − ik1x ) Unidade 5 (5.23) onde C e D também são constantes arbitrárias, cujos valores devem ser determinados de modo a assegurar que a autofunção total e sua derivada satisfaça as condições de limitação, unicidade e continuidade. Pela condição de limitação, note que: quando x → ∞, a autofunção em (5.23) irá divergir, ou seja, ψ ( x ) → +∞, a menos que a constante C seja nula. Portanto com essa análise simples, já conhecemos o valor de uma das constantes, C = 0. Já a condição de continuidade nos diz que em x = 0, as autofunções (5.23) e (5.20) devem ser iguais, ou seja: x =0 Esta condição nos leva à relação: D = A+ B (5.24) UESC Módulo 8 I Volume 2 147 Física Moderna A mesma condição de continuidade deve ser aplicada às respectivas derivadas das autofunções, de modo que: ( − k 2 D e − k2 x ) x =0 ( ) = ik1 A eik1x x =0 ( − ik1 B e − ik1x ) x =0 O que resulta em: ik2 D = A− B k1 (5.25) Combinando (5.25) e (5.24), tem-se: A= D ik2 1 + 2 k1 (5.26) e B= D ik2 1 − 2 k1 (5.27) Assim, podemos remontar a autofunção para o potencial degrau com E < V0 : ψ ( x) = D ik2 ik1x D ik2 − ik1x 1 + e + 1 − e k1 k1 2 2 x≤0 De − k2 x x≥0 (5.28) A função de onda correspondente é: ψ ( x) = D ik2 ik1x − iEt D ik2 − ik1x − iEt e e e e + 1 − 1 + k1 k1 2 2 De − k2 x e − iEt x≤0 x≥0 (5.29) 148 Física EAD Aplicações da mecânica quântica A constante D pode ser determinada pela condição de normalização da função de onda. Note que tanto a autofunção quanto a função de onda são funções complexas. Entretanto é possível expressar a função de onda em termos das funções senos e cossenos, de modo que: Dcosk1 x − D ψ ( x) = k2 senk1 x k1 De − k2 x x≤0 x≥0 (5.30) O comportamento de ψ ( x ) e Ψ Ψ (lembre-se que esta é sempre uma função real) estão ilustrado na Figura 5.3. Unidade 5 * Figura 5.3 – No alto: autofunção ψ ( x) para uma partícula incidente sobre o degrau de potencial em x=0, com energia total menor que a altura do degrau. Note a penetração da autofunção na região classicamente proibida, x>0. Embaixo: a densidade de * probabilidade ψ ψ correspondente a esta autofunção. UESC Módulo 8 I Volume 2 149 Física Moderna Ao analisar a função de onda na representação em termos de senos e cossenos, é fácil perceber que ela representa uma onda estacionária, ou seja, as localizações dos nós não mudam com o tempo. Como as intensidades das ondas são idênticas, podemos interpretar esta solução como a superposição da onda incidente e refletida para x < 0 . A Figura 5.4 ilustra esta combinação de ondas de forma esquemática. Figura 5.4 – Combinação de uma onda incidente, movendo-se para a direita (quadro superior), e uma onda refletida, movimento para esquerda (quando do meio) de mesma intensidade. O resultado desta combinação é uma onda do tipo estacionária (quadro inferior). Note que os nós da onda resultante são estacionários. Vamos agora analisar a autofunção (5.29), inicialmente, considerando a região x < 0 . O primeiro termo de (5.29) representa uma onda se propagando no sentido de x crescente e descreve uma partícula se movendo neste mesmo sentido. Já o segundo termo, uma onda se propagando no sentido de x decrescente e descreve uma partícula se movendo neste mesmo sentido. Assim, podemos associar o primeiro termo à partícula incidente no potencial degrau e o segundo termo à partícula refletida pelo degrau. Mais ainda, podemos estimar um coeficiente de reflexão R, segundo a probabilidade que a partícula incidente seja refletida. Como na mecânica quântica, as probabilidades dependem das intensidades B* B e A* A . Deste modo, R pode ser estimado como: 150 Física EAD Aplicações da mecânica quântica R= B* B A* A (5.31) Perfazendo o cálculo acima, chegamos ao valor de R : R= (1 + ik2 / k1 )(1 − ik2 / k1 ) = 1 (1 − ik2 / k1 )(1 + ik2 / k1 ) (5.32) O resultado obtido acima, R = 1 , significa que a partícula incidente sobre o degrau de potencial com energia inferior ao degrau tem probabilidade um de ser refletida, ou seja, a partícula será sempre refletida, exatamente como prevê a mecânica clássica. Apesar do coeficiente de reflexão unitário, uma previsão da mecânica quântica chama a nossa atenção. É o resultado do cálculo da densidade de probabilidade para a função de onda (5.29), na região x > 0 . Vejamos: iEt Ψ *Ψ = D*e − k2 x e De − k2 x e − iEt = D* De −2 k2 x ∆x = Unidade 5 (5.33) Este resultado está ilustrado na parte inferior da Figura 5.3. Note que, na região positiva de x, a função decresce rapidamente à medida que x cresce, no entanto, apesar de pequena, há uma probabilidade finita de encontrar a partícula na região x > 0. Segundo a física clássica, seria impossível encontrar a partícula nessa região; mas na, física quântica, este resultado é perfeitamente válido! Este fenômeno, conhecido como penetração na região classicamente proibida é uma das mais notáveis previsões da mecânica quântica. Repare na Figura 5.3 que a região de penetração não é muito extensa. É possível estimar por meio do número d onda a distância de penetração da partícula, como: ∆x = 1 / k2 . Deste modo: 2m(V0 − E ) (5.34) Sendo a distância de penetração diretamente proporcional a h, você pode imaginar o quão pequena é a penetração, por certo, muitas UESC Módulo 8 I Volume 2 151 Física Moderna ordens de grandeza inferior aos valores mensuráveis classicamente. Apesar de estranho, os valores estimados para a penetração das partículas estão perfeitamente de acordo com as experiências! EXERCÍCIO RESOLVIDO Faça uma estimativa da distância de penetração ∆x para uma partícula de poeira muito pequena, de raio r = 10−6 kg / m3 e densidade ρ = 104 kg / m3 , se movendo com a velocidade muito baixa v = 10−2 m / s, se a partícula atinge um degrau de potencial de altura igual a duas vezes sua energia cinética, vinda da região à esquerda do degrau. Solução: Vamos primeiro calcular a massa da partícula: 4 4 3 −18 3 10 kg m = π r ρ ≅ 4 x10 m . = 4 x10−14 kg 3 3 m Sua energia cinética antes de atingir o degrau é: 1 2 1 10−4 m 2 −14 mv ≅ x10 kg . = 2 x10−18 J 2 2 2 s e este também é o valor de (V0 − E ) . A distância de penetração é: ∆x = ≅ 2m(V0 − E ) 10−34 J .s 2 x 4 x10−14 kg x 2 x10−18 J ∆x = 2 x10−19 m Por certo, este valor é muitas ordens de grandeza menor do que o valor que poderia ser detectado em qualquer medida possível. Para partículas com massas maiores e energias mais altas, consideradas tipicamente na mecânica clássica, ∆x é ainda menor! 152 Física EAD Aplicações da mecânica quântica EXERCÍCIO RESOLVIDO Unidade 5 Um elétron de condução se move através de um bloco de Cu com energia total E , sob influência de um potencial que, em uma boa aproximação, tem um valor constante zero no interior do bloco e subitamente cresce até o valor constante V0 > E fora do bloco. O valor do potencial no interior é basicamente constante, e pode ser considerado nulo, pois um elétron de condução dentro do metal praticamente não sofre influência da força coulombiana total exercida pela distribuição de cargas aproximadamente uniforme que o cerca. O potencial cresce muito rapidamente na superfície do metal até o valor exterior V0 , porque o elétron sofre uma forte atração exercida pela distribuição de cargas não uniforme presente nesta região. Esta força tende a atraí-lo de volta ao metal e é, evidentemente, o que faz com que o elétron de condução fique ligado ao metal. Devido ao fato do elétron estar ligado, V0 deve ser muito maior do que a sua energia total E. O valor no exterior do potencial é constante, se o metal não tiver carga total, pois fora do metal o elétron não sofreria ação de nenhuma força. Medidas da energia necessária para removê-lo permanentemente do bloco, ou seja, medidas de sua função trabalho, mostram que V0 − E = 4eV , sendo a massa do elétron m = 9 x10−31 kg . Destes fatos, faça uma estimativa da distância ∆x que o elétron pode penetrar na região classicamente proibida fora do bloco. Solução: Inicialmente, vamos trabalhar com o sistema mks , de modo que: V0 − E = 4eVx 1, 6 x10−19 J = 6 x10−19 J 1eV Assim: ∆x = UESC 2m(V0 − E ) Módulo 8 I Volume 2 153 Física Moderna ∆x = 10−34 J .s 2 x 9 x10 −31 kg x 6 x10 −19 J = 10−10 m Portanto a distância de penetração é da ordem de dimensões atômicas. Deste modo, o efeito pode ter consequências importantes para sistemas atômicos! 5 ENERGIA MAIOR DO QUE A ALTURA DO DEGRAU Vamos agora analisar o caso de uma partícula que incide no degrau de potencial com energia total maior que a altura do degrau, isto é, E > V0 , conforme ilustrado na Figura 5.5. Figura 5.5 – Energia potencial e total para uma partícula incidente sobre um potencial degrau com energia maior do que a altura do degrau De acordo com a mecânica clássica, uma partícula se movendo na região x < 0, no sentido crescente de x , sofrerá uma fora retardadora F = − dV ( x) / dx no ponto x = 0. No entanto, o efeito da força aplicada será o de retardar o movimento da partícula, ou seja, fazer com que a partícula fique mais lenta ao entrar na região x > 0. Mas, de acordo com a física clássica, a partícula deverá entrar na região positiva. A energia total da partícula deve permanecer 154 Física EAD Aplicações da mecânica quântica constante em todo o processo, no entanto, o momento da partícula deverá ser alterado em função da força sofrida. Assim, na região x < 0, o momento da partícula será p1 , onde p1 / 2m = E , e na região x > 0, o momento será p2 , onde p2 / 2m = E − V0 . Será que as previsões quânticas são similares às previsões da mecânica clássica? Será que a partícula conseguirá vencer o potencial degrau e penetrar na região positiva? Como veremos, a probabilidade maior é que a partícula realmente penetre na região positiva, mas, devido às propriedades ondulatórias da partícula, há também uma probabilidade apreciável dela ser refletida pelo degrau, apesar de possuir energia suficiente para superá-lo! Este mundo quântico é mesmo surpreendente, não acha? Para encontrar a previsão quântica, podemos tratar este problema exatamente da mesma forma que resolvemos o problema da seção anterior, ou seja, seguindo os mesmos passos. Portanto teremos duas equações de Schroedinger independente do tempo: 2 d ψ ( x) − = Eψ ( x ) 2m dx 2 x<0 (5.35) 2 d ψ ( x) + V0ψ ( x ) = Eψ ( x ) 2m dx 2 5 x>0 Unidade − (5.36) Como as equações são idênticas, os resultados também serão do mesmo tipo, a saber: ψ ( x ) = Aeik x + Be − ik x 1 x<0 1 (5.37) onde: k1 = UESC 2mE p1 = Módulo 8 I Volume 2 155 Física Moderna E: ψ ( x ) = Ce + ik x + De − ik x 2 x>0 2 (5.38) onde: k2 = 2m(V0 − E ) = p2 (5.39) Note que a inversão de sinal no radical de k2 entre (5.39) e a solução anterior (5.22). A solução obtida agora para a região positiva de x também é uma solução do tipo oscilatória, ao contrário da solução exponencial obtida anteriormente (5.23). Assim, podemos esperar condições diferentes na determinação das constantes C e D. Você, estudante, poderá conferir a validades destas novas soluções perfazendo as integrais e substituindo na equação de Schroedinger independente do tempo. As autofunções (5.37) e (5.38) já satisfazem as condições de limitação e unicidade, mas ainda temos que assegurar a continuidade das soluções, especialmente, no ponto x = 0. Vamos inicialmente analisar a solução (5.38). Esta solução descreve a propagação de duas ondas oscilantes na região x > 0, uma se propagando no sentido positivo e outra no sentido negativo de x. Mas não há nenhuma razão para termos uma onda se propagando no sentido negativo de x na região x > 0. Caso a partícula incidente passe para esta região, ela deverá continuar se propagando no sentido crescente de x, afinal, não há nada que cause a reflexão da partícula após vencer o degrau de potencial. Assim, podemos esperar que: D=0 (5.40) Já as constantes A, B e C devem ser escolhidas de modo a assegurar a continuidade da solução e suas derivadas. Deste modo, temos: 156 Física EAD Aplicações da mecânica quântica ( ) A eik1x x =0 ( + B e − ik1x ) x =0 ( = C eik2 x ) x =0 Esta condição nos leva à relação: A+ B = C A segunda exigência, desta vez para as derivadas, implica em: ( ) ik1 A eik1x x =0 ( − ik1 B e − ik1x ) x =0 ( = ik2C eik2 x ) x =0 Ou: k1 ( A − B ) = k2C O resultado final: k −k B = A 1 2 k1 + k2 e 2k1 C = A k1 + k2 (5.41) Portanto a autofunção encontrada é: 5 ψ ( x) = A 2k1 ik2 x e k1 + k2 x≤0 Unidade k −k Aeik1x + A 1 2 e − ik1x k1 + k2 x≥0 (5.42) Assim como no caso anterior, não precisaremos calcular a constante A. Analogamente ao caso anterior, o primeiro termo da equação 5.42, válido para x ≤ 0, corresponde à onda incidente, enquanto o segundo termo a onda refletida. O termo válido para x ≥ 0 representa a onda transmitida. UESC Módulo 8 I Volume 2 157 Física Moderna A Figura 5.6 ilustra o comportamento de * Ψ ( x, t ) Ψ ( x, t ) = ψ ( x, t )ψ ( x, t ) para a função de onda correspondente à expressão (5.42), especificamente para o caso em que k1 = 2k2 . No que, para a região x > 0 a função de onda é uma onda plana, ou seja, amplitude constante se propagando no sentido de x crescente, o que resulta numa densidade de probabilidade também constante, vide Figura 5.6. Na região x < 0, a função de onda é uma combinação de onda incidente se propagando para a direita (x crescente) e uma onda refletida se propagando para a esquerda ( x decrescente). No entanto, a amplitude da onda refletida é menor que a amplitude da onda incidente (repare na expressão 5.42), de modo que ambas não podem se combinar para formar uma onda estacionária. Ao invés disso, o resultado é uma onda oscilante, tendo valores mínimos maiores que zero. * Figura 5.6 – A densidade de probabilidade ψ ψ para a autofunção do tipo (5.42) quando k1 = 2k2 . * Da mesma forma que procedemos na seção anterior, podemos estimar um coeficiente de reflexão R para a partícula e também um coeficiente de transmissão T, ou seja, a probabilidade da partícula ser transmitida através do degrau e passar para a região x > 0. No entanto, os cálculos agora são mais complicados visto que a velocidade da partícula é diferente em cada região. Deste modo, o fluxo de probabilidade não é proporcional apenas à amplitude, mas também à velocidade da partícula em cada região, de modo que: 158 Física EAD Aplicações da mecânica quântica * v1 B* B B* B k1 − k2 k1 − k2 k1 − k2 R= = = = v1 A* A A* A k1 + k2 k1 + k2 k1 + k2 2 (5.43) Sendo v1 a velocidade da partícula na região x < 0. Da expressão (5.43), nota-se que R < 1, mas será sempre R > 0. Deste modo, conclui-se que a partícula pode sim ser refletida pelo degrau potencial. Classicamente, uma partícula com energia suficiente para vencer o degrau nunca seria refletida! Mas no mundo quântico, esta possibilidade definitivamente existe! Já o coeficiente de transmissão pode ser estimado em função de R, sendo: R = T =1 (5.44) Substituindo k1 e k2 , obtém-se a expressão final para R e T : 1 − 1 − V0 / E R = 1− T = 1 + 1 − V0 / E 2 E > V0 (5.45) Lembrando que o resultado da seção anterior corresponde a: R = 1− T = 1 E < V0 5 Unidade (5.46) Observe que a expressão final de R e T não depende dos parâmetros k1 nem k2 , ou seja, independe da direção da onda incidente. Se a partícula incidisse sobre o potencial degrau vindo da região x > 0, o coeficiente de transmissão seria o mesmo. A única dependência é mesmo a razão entre a energia total E e a altura do degrau V0 . EXERCÍCIO RESOLVIDO Quando um elétron entra em um núcleo, fica sob a influência de um potencial que cai na superfície nuclear muito rapidamente de um valor externo constante V = 0 a um valor interno constante de cerca de V = 50 MeV . A queda no potencial é o que faz com UESC Módulo 8 I Volume 2 159 Física Moderna que um nêutron possa estar ligado em um núcleo. Considere um nêutron incidindo sobre um núcleo com uma energia externa K = 5MeV , que é típica de um nêutron logo que ele é emitido a partir de uma fissão nuclear. Faça uma estimativa da probabilidade de que o nêutron seja refletido na superfície nuclear, ou seja, dele não conseguir entrar e induzir outra fissão nuclear. Solução: Para esta estimativa, podemos supor o potencial nêutronnúcleo como sendo um potencial degrau unidimensional, tal qual ilustrado na Figura 5A. Figura 5A – Um nêutron com energia cinética K incide sobre um potencial degrau decrescente de profundidade V , sendo E a energia total, medida a partir do fundo do 0 potencial. Devido à propriedade de reciprocidade do coeficiente de reflexão, podemos calculá-lo a partir da expressão (5.45), usando V0 = 50 MeV e E = 55MeV , por motivos que podem ser vistos a partir de uma observação da figura. Assim sendo, temos: 2 1 − 1 − 50 / 55 R = = 0, 29 1 + 1 − 50 / 55 Esta estimativa dá uma ideia correta da grande importância do fenômeno da reflexão quando nêutrons de baixa energia colidem com núcleos. Mas o valor numérico obtido para o coeficiente de reflexão não é muito preciso, já que o potencial nêutron-núcleo real não cai tão abruptamente na superfície nuclear quanto um potencial degrau comparado ao comprimento de onda de De Broglie. 160 Física EAD Aplicações da mecânica quântica 6 BARREIRA DE POTENCIAL E O EFEITO TÚNEL Vamos agora estudar as soluções da equação de Schroedinger independente do tempo para uma partícula incidindo sobre uma barreira de potencial, conforme ilustrado na Figura 5.7, cuja formulação é do tipo: 0< x<a V0 V ( x) = 0 x < 0 ou x > a (5.47) Sendo V0 uma constante. 5 Figura 5.7 – Uma barreira de potencial Unidade Segundo a mecânica clássica, uma partícula com energia total E na região x < 0, que incide cobre a barreira se movendo no sentido de x crescente, tem probabilidade um de ser refletida, se E < V0 e probabilidade um de ser transmitida se E > V0 . Como você já deve estar imaginando, essas previsões não são as mesmas da mecânica quântica! Vejamos. As autofunções deste problema já são nossas conhecidas: nas regiões à direita e à esquerda da barreira. Trata-se de uma partícula livre, enquanto a região no interior da barreira corresponde às soluções discutidas na seção anterior, tanto para E < V0 e E > V0 , são elas: UESC Módulo 8 I Volume 2 161 Física Moderna ψ ( x ) = Aeik x + Be − ik x x<0 ψ ( x ) = Ceik x + De − ik x x>a 1 1 1 1 ψ ( x ) = Fe − k x + Ge k x 0<x < a E > V0 ψ ( x ) = Feik x + Ge − ik x 0< x<a E < V0 2 2 3 3 (5.48) sendo: k1 = 2mE , k2 = 2m(V0 − E ) , k3 = 2m( E − V0 ) (5.49) Assim como na seção anterior, se estamos considerando uma partícula vinda da esquerda, podemos considerar D = 0. No entanto, no interior da barreira, é possível que haja uma onda refletida e, assim, não podemos anular a constante G. Vamos considerar inicialmente o caso E < V0 . Igualando as soluções e suas derivadas nos pontos em x = 0 e x = a, é possível obter o valor de quatro constantes: B, C , F e G em função de A (exatamente como fizemos nas seções anteriores) e obter a densidade de probabilidade para a partícula. Esta está ilustrada na Figura 5.8. Note que, na região x < 0, a função de onda é basicamente uma onda estacionária, mas também tem uma componente refletida que se propaga. Assim, nesta região, a densidade de probabilidade oscila, mas tem valores mínimos diferentes de zero. Na região x > a, a função de onda é uma onda plana (densidade de probabilidade constante). Na região interna à barreira 0 < x < a, a função de onda tem componente dos dois tipos, mas é basicamente uma onda estacionária de amplitude decrescente exponencialmente. 162 Física EAD Aplicações da mecânica quântica Figura 5.8 – Função densidade de probabilidade para um caso de penetração de barreira Para este exemplo, é possível estimar a razão T entre o fluxo de probabilidade transmitido através da barreira para a região x > a e o fluxo de probabilidade incidente sobre a barreira, sendo esta: v1C *C senh 2 k2 a = 1+ T= v1 A* A E E 4 1 − V0 V0 −1 E < V0 (5.50) Em boa aproximação: T ≅ 16 E E −2 k2 a 1 − e V0 V0 5 (5.51) Unidade Válido para k2 a 1. LEMBRETE A função senh que aparece na expressão (5.51) refere-se à função seno hiperbólico, uma função que, assim como o cosseno hiperbólico, é definida a partir de funções exponenciais, sendo: senh ( x ) = UESC e x − e− x 2 e cosh ( x ) = Módulo 8 I e x + e− x 2 Volume 2 163 Física Moderna São assim chamadas visto que a parametrização de curvas em cosh e senh originam hipérboles, ao contrário das funções trigonométricas que dão origem a circunferências. Imagem 5.2: Funções seno e cosseno hiperbólico. Apesar de pequeno, T > 0 e, portanto, uma partícula de massa m e energia total E , incidente sobre uma barreira de potencial de altura V0 > E e largura a, tem na realidade certa probabilidade T de penetrar na barreira e aparecer do outro lado! Este fenômeno é conhecido como penetração de barreira, ou efeito túnel. O processo de transmissão da partícula é usualmente chamado de tunelamento quântico! Vejamos agora o caso E > V0 . Neste caso, a função de onda é oscilatória nas três regiões, mas com comprimento de onda maior na região da barreira. De modo análogo, podemos estimar os coeficientes de transmissão e reflexão da partícula que, neste caso, 164 Física EAD Aplicações da mecânica quântica será: 2 * senh k3 a vC C T = 1 * = 1 + v1 A A EE 4 − 1 V0 V0 −1 E > V0 (5.52) sendo: você sabia? 2mV0 a E − 1 2 V0 Há vários exemplos inte- (5.53) ressantes sobre penetração de barreiras por partículas microscópicas. Um deles, muito Como R = 1 − T , nota-se que há uma probabilidade não nula da partícula ser refletida, mesmo tendo energia suficiente para vencer a barreira de potencial. Nota-se ainda que, em altas energias E >> V0 , o coeficiente de reflexão (e, consequentemente o de transmissão) da barreira de potencial oscila, devido às possíveis interferências entre as reflexões em suas duas extremidades. Comparando os resultados, temos que: R → 1, quando E / V0 → 0 e R → 0, quando E / V0 → ∞. Valores esperados para o limite de validade da mecânica clássica. comum em nosso dia a dia, apesar de não ser reconhecido como tal, ocorre nas ligações elétricas com fios de alumínio. A forma usual como que um eletricista junta dois fios é torcendo-os em conjunto. No entanto, há uma camada de óxido de alumínio entre os dois fios, sendo este um ótimo material isolante. Mas como a camada é extremamente fina, os elétrons se movem através do fio são capazes de ultrapassar a camada por penetração de barreira. EXERCÍCIO RESOLVIDO Um elétron incide sobre uma barreira retangular de altura V0 = 10eV e largura a = 1,8 x10−10 m. Esta barreira retangular é uma idealização da barreira encontrada por um elétron espalhado por um átomo de um gás negativamente ionizado no “plasma” de um tubo de descarga gasoso. A barreira real não é, evidentemente, retangular, mas tem aproximadamente a altura e largura citadas. Calcule o coeficiente de UESC Módulo 8 I Volume 2 5 k3 a = 2 Unidade 165 Física Moderna transmissão T e o coeficiente de reflexão R, em função da energia total do elétron. Solução: De acordo com o exercício resolvido na seção anterior, podemos ver que se E é uma fração apreciável de V0 , a distância de penetração ∆x será comparável à largura da barreira, a. Podemos, portanto, esperar uma transmissão apreciável através da barreira. Para determinar quanto vale exatamente esta transmissão, podemos usar os dados numéricos do problema para estimar, inicialmente, o fator constante que aparece no radical da expressão (5.53): −31 −19 −20 2 2mV0 a 2 2 x 9 x10 kg x10eV x1, 6 x10 J / eV x (1,8 ) x10 m ≅ ≅9 2 10−68 J 2 .s 2 2 A partir deste cálculo, podemos traçar um gráfico de T , e também de R = 1 − T , em função de E / V0 . A Figura 5B ilustra exatamente as curvas obtidas. Figura 5B – Coeficientes de reflexão R e de transmissão T estimados para uma partícula 2 incidindo sobre uma barreira de potencial de altura V0 e largura a, tal que: 2mV0 a = 9. 2 166 Física EAD Aplicações da mecânica quântica Note que T é muito pequeno quando E / V0 1, mas para E / V0 próximo de um, T não é absolutamente desprezível. Quando E vale a metade de V0 , de modo que E / V0 ~ 0,5, o coeficiente de transmissão tem um valor apreciável, T ~ 0, 05, ou seja, os elétrons podem penetrar na barreira sem muita dificuldade. Para a região na qual E / V0 > 1, o coeficiente de transmissão T é em geral um pouco menor que a unidade, devido às reflexões nas descontinuidades do potencial. 7 POÇO DE POTENCIAL QUADRADO V0 V ( x) = 0 UESC Unidade 5 Os problemas considerados nas seções anteriores tratavam sempre de potenciais que não são capazes de aprisionar as partículas, isto é, limitá-las a determinada região do espaço e, por esta razão, nenhum efeito de quantização de energia foi observado. Lembre-se da nossa análise no final da Unidade anterior, quando vimos que a quantização de energia aparece apenas nos caos de potenciais capazes de aprisionar as partículas. Vejamos agora, de maneira quantitativa, as previsões para um poço de potencial quadrado, do tipo ilustrado na Figura 5.9, o qual pode ser descrito como: a a se x < − ou x > 2 2 e− a a <x< 2 2 Módulo 8 I Volume 2 (5.54) 167 Física Moderna Figura 5.9 – Poço de potencial quadrado infinito Vamos considerar o caso em que E < V0 . De acordo com a física clássica, a partícula neste caso poderia estar somente na região – a / 2 < x < a / 2, oscilando entre os extremos da região, com módulo do momento constante e qualquer valor permitido para a energia total desde que: E ≥ 0. A análise do poço de potencial é bastante usual na mecânica quântica, quando se deseja representar uma situação na qual uma partícula se move em uma região limitada do espaço sob a influência de forças que a mantém nesta região. Um bom exemplo de aplicação deste caso seria a representação do potencial que atua sobre um elétron de condução em um bloco de metal por meio de um poço quadrado. Neste caso, a profundidade do poço seria de 10eV e sua largura seria igual à largura do bloco. A solução geral para a autofunção no caso do poço quadrado é: ψ ( x ) = Aeik x + Be − ik x 1 1 − a a <x < 2 2 (5.55) 168 Física EAD Aplicações da mecânica quântica sendo: k1 = 2mE Portanto a autofunção nesta região corresponde a uma mistura de ondas se propagando nos dois sentidos, cuja combinação resulta em uma onda estacionária. Neste caso, tem-se que as amplitudes devem ser iguais: A = B. No entanto, fazendo A = − B também é possível obter uma onda estacionária. Combinando as duas condições e expressando a solução (5.55) em termos de senos e cossenos, temse: ψ ( x, t ) = A' senk1 x + B 'cosk1 x − a a <x < 2 2 (5.56) 2 x<− 2 a 2 (5.57) Unidade ψ ( x ) = Ce k x + De − k x 5 A título de exercício, é deixado para você, estudante, a missão de conferir a validade da expressão (5.56) enquanto solução da equação de Schroedinger independente do tempo. Fora do poço de potencial, a solução é do tipo: e ψ ( x ) = Fe k x + Ge − k x 2 x> 2 a 2 (5.58) sendo: k2 = 2m(V0 − E ) , (5.59) As duas formas em (5.57) e (5.58) descrevem ondas estacionárias na região fora do poço. Para que a condição de limitação das autofunções seja assegurada, podemos de imediato anular as constantes: D = F = 0. Caso contrário as UESC Módulo 8 I Volume 2 169 Física Moderna soluções seriam divergentes em x = ±∞. As demais constantes, B’, C , G, e também os valores permitidos para a energia E , podem ser obtidos por meio das considerações de continuidade das autofunções e suas derivadas. Perfazendo esta análise, obtém-se a solução final para a autofunção ψ ( x ) : a k1a k2 2 k2 x Asen e − e 2 ψ ( x ) = Asenk1 x x<− − a k1a k2 2 − k2 x Asen e e 2 a 2 a a <x< 2 2 x> a 2 (5.60) Desde que a igualdade abaixo seja satisfeita: mEa 2 mEa 2 tg = m (V0 − E ) a 2 / 2 2 2 2 2 2 (5.61) Para uma dada partícula de massa m e um dado poço de potencial com profundidade V0 e largura a, a equação acima contém uma única incógnita: E. Os valores de E que satisfazem a equação acima são os autovalores permitidos. Para encontrar os valores de E que satisfazem a equação (5.61), apenas usando métodos numéricos ou gráficos. Soluções analíticas para os autovalores En são obtidos apenas para poços com paredes infinitas, que analisaremos na próxima seção. As Figuras 5.10 e 5.11 ilustram, respectivamente, os autovalores e as autofunções correspondentes para os três estados ligados de uma partícula em um poço de potencial quadrado particular. Qualquer valor da energia total E maior do que a altura das paredes do poço é permitida. O poço de potencial quadrado desenhado na Figura não tem um quarto estado ligado, visto que o próximo valor da energia, E4 , seria muito grande para satisfazer a condição de ligação E < V0 . 170 Física EAD Aplicações da mecânica quântica Unidade 5 Figura 5.10 – Um poço de potencial quadrado e sues três autovalores dos estados ligados Figura 5.11 – As três autofunções do poço de potencial quadrado da Figura 5.10 Note, na Figura 5.11, que uma pequena parte das autofunções ilustradas se estende às regiões fora do poço, sendo estas regiões classicamente proibidas, visto que E < V0 . No entanto, observe que, quanto maior é a energia da partícula em relação ao potencial V0 , menor é a extensão da função nas regiões classicamente proibidas. Como seria de se esperar! UESC Módulo 8 I Volume 2 171 Física Moderna 8 POÇO DE POTENCIAL QUADRADO INFINITO Outro caso interessante de aplicação da mecânica quântica consiste na análise de um poço de potencial quadrado infinito, ou seja, um poço de potencial quadrado com paredes infinitamente altas. Este teria a capacidade de ligar uma partícula para qualquer valor de energia total finita E ≥ 0. Na mecânica clássica, qualquer valor de energia seria possível; mas, na mecânica quântica, apenas valores discretos En são permitidos. Uma partícula que se move sob a influência de um poço de potencial quadrado infinito PE frequentemente chamada de partícula numa caixa. Na região central do poço, a solução geral da equação de Schroedinger independente do tempo é do tipo: ψ ( x, t ) = Asenkx + Bcoskx a a <x < 2 2 (5.62) Sendo: k= − 2mE (5.63) E, para as demais regiões: ψ ( x) = 0 x≤− a e 2 x≥ a 2 (5.64) Note que a expressão (5.62) define soluções do tipo onda estacionária que, combinada com a expressão (5.64), implica que a onda deverá ter nós nas paredes da caixa. Deste modo: ka ka Asen + Bcos = 0 2 2 (5.65) E, analogamente: −ka −ka Asen + Bcos =0 2 2 172 Física EAD Aplicações da mecânica quântica A expressão acima pode também ser expressa como: ka ka − Asen + Bcos = 0 2 2 Somando (5.65) e (5.66), tem-se: ka 2 Bcos = 0 2 (5.66) (5.67) Agora, subtraindo (5.65) e (5.66), tem-se: ka 2 Bsen = 0 2 (5.68) No entanto, não há nenhum valor de k capaz de fazer sen ka 2 e cos ka simultaneamente nulos! Uma alternativa viável para 2 resolvermos o problema seria considerar A = 0 e cos ka = 0, ou 2 ka mesmo: B = 0 e sen = 0. Portanto podemos considerar dois tipos 2 de solução, sendo elas: Primeiro tipo: onde : cos ψ ( x ) = Acos kx onde : sen ka =0 2 (5.69) 5 ψ ( x ) = Bcos kx Unidade Segundo tipo: ka =0 2 (5.70) Para satisfazer à condição cos( ka / 2) = 0 , o número de onda angular k deve satisfazer a condição: ka π 3π 4π , ,… = , 2 2 2 2 E para satisfazer a condição cos( ka / 2) = 0 : UESC Módulo 8 I Volume 2 173 Física Moderna ka = π , 2π ,3π , … 2 Deste modo, as autofunções possíveis são: ψ n ( x ) = Bn cos kn x e onde : kn = ψ n ( x ) = Ansenkn x onde : kn = nπ a nπ a para : n = 1,3,5, … para : n = 2, 4, 6, … (5.71) Onde o número quântico n foi utilizado para indexar as diferentes soluções e as autofunções correspondentes. Também utiliza-se o número quântico n para indexar os autovalores correspondentes, de modo que, combinando o resultado acima com a expressões (5.63) para o valor de k : 2mE k= De modo que: 2 kn 2 n 2 2π 2 En = = 2m 2ma 2 n = 1, 2,3, 4,5, … (5.72) Conclui-e, portanto que apenas certos valores de energia são permitidos, ou seja, a energia total da partícula confinada em uma caixa é quantizada! A Figura 5.12 ilustra as três primeiras autofunções de um poço de potencial quadrado infinito. Note que, agora, não é possível nenhuma penetração da partícula fora dos limites do poço. Outra característica notável é que a densidade de probabilidade quântica oscila mais e mais quando n cresce! Figura 5.12 – As primeiras autofunções de um poço de potencial quadrado infinito. 174 Física EAD Aplicações da mecânica quântica A energia do primeiro autovalor para o poço quadrado infinito é de: 2π 2 En = 2ma 2 (5.73) Esta é a chamada energia de ponto zero, sendo esta a menor energia possível para a partícula. Não é permitido valor nulo para a energia. Donde, conclui-se que: deve haver uma energia de ponto zero, devido à existência de um estado mínimo de movimento para a partícula. Resultado este contrastante com a física clássica, a qual determina que todo o movimento cessa quando um sistema tem sua energia mínima! EXERCÍCIO RESOLVIDO Obtenha a lei de quantização da energia para o poço de potencial quadrado infinito, diretamente a partir da relação de De Broglie p = / hλ , ajustando um número inteiro de meios comprimentos de onda de De Broglie, à largura a do poço. Solução: λ 2 Unidade n 5 Analisando a Figura 5.12, nota-se que as autofunções do poço quadrado infinito satisfazem à seguinte relação entre os comprimentos de onda de De Broglie e a largura do poço: =a Isto é, dentro do poço cabe exatamente um número inteiro de meios comprimentos de onda. Isto significa que: λ= 2a n Assim, segundo De Broglie, os valores correspondentes do momento da partícula são: p= UESC h λ = hn 2a Módulo 8 I Volume 2 175 Física Moderna Como a energia potencial da partícula é zero dentro do poço, sua energia total é igual à energia cinética. Assim: E= π 22n2 p2 h2n2 = = 2m 2m 4a 2 2ma 2 n = 1, 2,3, … Portanto chegamos à relação (5.72). No entanto, este cálculo trivial só pode ser empregado no caso mais simples de uma partícula ligada, o caso de um poço de potencial quadrado infinito. Ele não pode ser aplicado para obter os autovalores ou autofunções de um potencial mais complicado, como um poço quadrado finito. EXERCÍCIO RESOLVIDO Exercício Resolvido: Antes da descoberta do nêutron, pensava-se que um núcleo, de número atômico Z e peso atômico A, fosse composto por Z prótons e ( A − Z ) elétrons, mas havia sérios problemas relacionados ao valor da energia de ponto zero para uma partícula tão leve quanto um elétron confinado e uma região tão pequena quanto um núcleo. Faça uma estimativa da energia do estado fundamental E. Solução: −19 Considerando a massa do elétron m igual a 10 kg e a largura do poço igual a 10−14 m (uma dimensão nuclear típica). Assim, de acordo com (5.72), tem-se: E1 = E1 ≅ 176 10 x10−68 J 2 s 2 10−9 J 2π 2 ≅ ≅ 2ma 2 2 x10−30 kg x10−28 m 2 2 10−9 J 1eV x ~ 109 eV = 103 MeV −19 2 1, 6 x10 J Física EAD Aplicações da mecânica quântica Para estimar a energia do estado fundamental, temos certamente razão em considerar o elétron como se ele estivesse confinado a um poço quadrado infinito. Também temos razão ao ignorar o caráter tridimensional do sistema real. Mas o valor de E obtido acima não pode ser aceito como correto, porque ele é extremamente grande comparado à energia de repouso do elétron m0 c 2 = 0,5 MeV . Neste caso particular, é necessário utilizar uma expressão relativística. Ambas as equações, λ = 2a / n e p = h / λ , se conservam válidas no caso relativístico extremo. Assim, se substituirmos E = p 2 / 2m por E = cp (caso extremo da relação E 2 = c 2 p 2 + m02 c 4 ), para E m0 c 2 , tem-se: E = cp = ch λ = chn π c = ≅ 2a a 3x 3 x108 m x10−34 J .s 1eV s ≅ 108 eV x −14 −19 10 m 1, 6 x10 J E = 102 MeV ( ) Unidade 5 Portanto um elétron poderia estar confinado no interior de um núcleo com este valor para a energia de ponto zero, se o valor da profundidade do potencial fosse maior do que este valor da energia de ponto zero. No entanto, há um potencial atuando sobre o elétron, devido à atração coulombiana da carga positiva do núcleo, mas o valor do potencial não é suficientemente grande. É possível estimar este valor fazendo r = 10−14 m, e considerando Q1 = Ae e Q2 = −e, sendo estas os valores da carga do elétron e do núcleo. Para um valor típico de A = 100, tem-se: 2 102 x 1, 6 x10−19 C Q1Q2 Ae 2 1eV =− ≅ − −10 2 x ~ −107 eV −19 10 C 4π 0 r 1, 6 x10 J 4π 0 r .m 2 x10−14 m N Q1Q2 = −10 MeV 4π 0 r UESC Módulo 8 I Volume 2 177 Física Moderna Note que este valor é dez vezes menor do que a energia de ligação exigida. Assim, um elétron não poderia estar confinado no interior de um núcleo, devido ao valor da energia de ponto zero exigido pelo princípio da incerteza. Em 1932, Chadwick descobriu os nêutrons dando, assim, o primeiro passo para a descoberta de importantes propriedades do núcleo atômico. 9 O POTENCIAL DO OSCILADOR HARMÔNICO SIMPLES Vamos agora abordar um caso mais realístico de potencial, daquele definido por funções contínuas, ao invés das funções descontínuas que consideramos anteriormente. Por sua versatilidade, vamos considerar um oscilador harmônico simples, V ( x ) ∝ r −2 , o tipo mais comum de potencial, utilizado para descrever quase todos os sistemas físicos nos quais um ente esteja executando pequenas vibrações em torno de um ponto de equilíbrio estável. Este ponto de equilíbrio consiste, portanto, naquele ponto onde a função potencial V ( x) tem seu valor mínimo. Por certo, para pequenas vibrações, o mais interessante é mesmo analisar o comportamento nas proximidades de seu mínimo. Se escolhermos a origem do sistema de coordenadas do eixo x e do eixo da energia como estando sobre o mínimo, podemos escrever a equação do potencial em termos de uma função parabólica tal como: V ( x) = C 2 x 2 (5.74) Onde é uma constante arbitrária. Um potencial deste tipo está ilustrado na Figura 5.13. 178 Física EAD Aplicações da mecânica quântica Figura 5.13 – Potencial de um oscilador harmônico simples 1 2π C m Unidade ν= 5 A mecânica clássica prevê para o caso de uma partícula se movendo sob a ação de uma força restauradora linear, do tipo: F = − dV ( x) / dx = −Cx, exercida pelo potencial, quando deslocada de uma distância x0 da sua posição de equilíbrio, deverá oscilar em movimento harmônico simples em torno da posição de equilíbrio, com a frequência: (5.75) Sendo m a massa d partícula. E, ainda segundo a mecânica clássica, a energia total da partícula é proporcional a x02 e pode ter qualquer valor. Já as previsões da mecânica quântica, são bem distintas! Como você pode imaginar, já que a partícula está limitada a uma extensão finita, os autovalores obtidos para a equação de Schroedinger independente do tempo são discretos! Para simplificação do texto, não discutiremos os detalhes da solução obtida, apenas a formulação geral das autofunções, sendo UESC Módulo 8 I Volume 2 179 Física Moderna estas do tipo: ψ n ( x ) = An e − u2 2 H n (u ) (5.76) Onde H n são os chamados polinômios de Hermite, e a variável u se correlaciona com a variável x por meio da relação: 1 ( Cm ) 4 u= 1 2 x Os autovalores permitidos para o potencial do oscilador harmônico simples, expresso em termos de sua frequência de oscilação clássica ν , são: 1 En = n + hν 2 n = 0,1, 2,3, …. (5.77) Portanto de acordo com a expressão acima, a energia de ponto zero do oscilador é E0 = hν / 2. A Figura 5.14 apresenta os primeiros autovalores do potencial do oscilador harmônico simples. Figura 5.14 – Os primeiros autovalores do potencial do oscilador harmônico simples Repare que há uma discrepância entre o resultado expresso em (5.77) e o postulado de Planck, já notou? O fator: +1 / 2. Isto quer dizer que a quantização da energia, postulada por Planck, para o oscilador harmônico simples, na verdade continha um erro! A diferença é exatamente a constante aditiva hν / 2. No entanto, esta 180 Física EAD Aplicações da mecânica quântica constante se cancela na maior parte dos problemas, de modo que as diferenças envolvidas são anuladas e não há nenhum efeito sobre as frequências dos fótons! 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS UESC Módulo 8 I Volume 2 Unidade 5 Nesta Unidade, nós estudamos as principais previsões da mecânica quântica para um sistema unidimensional. Vimos como as previsões quânticas podem diferir das previsões clássicas, revelando possibilidades a princípio inimagináveis. Apesar dos muitos questionamentos e oposição, a mecânica quântica é hoje uma das mais importantes e bem sucedidas teorias científicas. Como prova desta afirmação, está o fato de que a maior parte dos laureados com o prêmio Nobel de Física no século XX corresponde a trabalhos teóricos e experimentais na área de física quântica. Por certo que o avanço científico alcançado nesta área possibilitou o desenvolvimento de muitos dispositivos eletrônicos que operam na escala dos fenômenos quânticos, a exemplo das ferramentas de nanotecnologia. Aplicações de conceitos quânticos se estendem desde a medicina à informática. Lasers, semicondutores, equipamentos de ressonância magnética e microscópio eletrônico são apenas algumas, dentre muitas outras aplicações. Atualmente, muito esforço vem sendo realizado na investigação das manipulações quânticas, a fim de desenvolver um sistema de criptografia quântica, conceito por trás do funcionamento de computadores quânticos. Assim, por meio da mecânica quântica, o mundo do microcosmo se revela, a cada dia, mais e mais instigante e convidativo. Não obstante ao sucesso alcançado pela física quântica, a teoria da relatividade também se consagrou no século XX como a principal ferramenta descritiva do macrocosmo. Os resultados obtidos nas últimas décadas abriram novas perspectivas de investigação nas áreas de cosmologia e astrofísica, lançando um olhar profundo sobre a evolução e dinâmica do Universo em que vivemos, bem como a compreensão 181 Física Moderna dos processos da natureza. Deste modo, apoiado pelas concepções da física moderna e o desafio de desvendar todo o Universo, o século XX marcou a história da ciência como o início de uma nova era, a era da ciência moderna! RESUMINDO • Estudamos as propriedades de alguns sistemas quânticos, por meio da solução da equação de Schroedinger para diferentes condições de energia. • Obtivemos as funções densidade de probabilidade correspondentes e analisamos as características básicas de cada sistema. • Analisamos a maioria das previsões importantes da mecânica quântica que envolve uma partícula se movendo em um potencial unidimensional e vimos como estas previsões podem diferir das previsões clássicas. A seguir, o resumo dos sistemas estudados e suas características: 182 Física EAD Unidade 5 Aplicações da mecânica quântica UESC Módulo 8 I Volume 2 183 Física Moderna ATIVIDADES 1- O que é efeito túnel? Explique 2- Explique o efeito de penetração na região proibida para um potencial degrau. 3- Descreva a previsão quântica para um poço de potencial quadrado finito. 4- Qual é a diferença entre as previsões clássica e quântica para o potencial de um oscilador harmônico simples? 5- Revise todos os exercícios resolvidos nesta unidade. REFERÊNCIAS EISBERG, Robert; RESNICK Robert. Física Quântica, Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1988. LOPES, José Leite. A Estrutura Quântica da Matéria, do átomo pré-socrático às partículas elementares. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. 184 Física EAD Aplicações da mecânica quântica Suas anotações ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ......................................................................................................................... ........................................................................................................................ ........................................................................................................................ ......................................................................................................................... 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