Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Volume 3 Edição Especial Chanceler Dom Dadeus Grings Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilázio Teixeira Conselho Editorial Ana Maria Lisboa de Mello Armando Luiz Bortolini Augusto Buchweitz Beatriz Regina Dorfman Bettina Steren dos Santos Carlos Graeff Teixeira Clarice Beatriz de C. Sohngen Elaine Turk Faria Érico João Hammes Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jane Rita Caetano da Silveira Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente Lauro Kopper Filho Luciano Klöckner Nédio Antonio Seminotti Nuncia Maria S. de Constantino EDIPUCRS Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe Cláudia Peixoto de Moura Maria Berenice da Costa Machado ORGANIZADORAS Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Volume 3 Edição Especial Porto Alegre, 2012 © EDIPUCRS, 2012 Capa: Rodrigo Walls Revisão de texto: dos autores EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: RODRIGO BRAGA EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – Brasil Fone/fax: (51) 3320 3711 e-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M533 Memórias da comunicação : práticas persuasivas e institucionais [recurso eletrônico] / org. Cláudia Peixoto de Moura, Maria Berenice da Costa Machado. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Edipucrs, 2012. v. 3 Edição especial. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: http://www.pucrs.br/edipucrs/ ISBN 978-85-397-0262-6 1. Comunicação – Encontros. 2. Comunicação de Massa. I. Moura, Cláudia Peixoto de. II. Machado, Maria Berenice da Costa. CDD 301.14 Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). Conteúdo prefácio........................................................................................................................ 11 josé marques de melo Apresentação da Edição Especial............................................................................. 13 Cláudia Peixoto de Moura e Maria Berenice da Costa Machado Capítulo i Práticas Políticas e Ideológicas A heroificação de Tiradentes: alternativa para a política republicana.................................................................................................. 19 Lilian Muneiro Um Novo Olhar sobre o DIP: uma revolução na arte da propaganda e do marketing cultural..................................................................... 35 Carlos Versiani O golpe da publicidade: as marcas discursivas da ideologia autoritária................................................... 53 Daiane Fresinghelli e Mara Regina Rodrigues Ribeiro O campo profissional de Relações Públicas e a construção da imagem de um novo Brasil no período da Transição Democrática: uma análise através da perspectiva da Pesquisa Histórica (1984-1985).......................................................................... 65 Carla Lemos da Silva e Gisele Becker Breve história dos slogans políticos nas eleições do Brasil Republicano..................................................................................................... 75 Adolpho Queiroz e Carlos Manhanelli Políticas de Saúde nas Campanhas Televisivas de Prevenção à AIDS: controvérsias, acordos e alternâncias..................................................... 91 Preciliana Barreto de Morais Capítulo ii Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas A história dos jornais impressos no Litoral Norte Paulista........................................................................................................... 109 Bruna Vieira Guimarães e Ricardo Reis Hiar Comunicação empresarial nas décadas de 1930 e 1940: o pioneirismo do C.T.I. Jornal.................................................................................... 141 Monica Franchi Carniello, Eliane Freire de Oliveira e Francisco de Assis O Jornal NH e os anúncios publicitários na década de 1960..................................................................................................... 163 Claudia Schemes e Denise Castilhos de Araujo Aspectos históricos da TV Pública no Brasil........................................................ 179 Maria Érica de Oliveira Lima e Antonio Teixeira de Barros A concentração midiática brasileira e a desejada liberdade de expressão........................................................................................... 201 Fabiana Rodrigues A mídia outdoor e a cidade....................................................................................... 209 Ana Paula Cesar Vaz Guimarães Nogueira Capítulo iii Práticas Discursivas e Acadêmicas O circuito epistemológico dos estudos culturais: quando a cultura dá voz à mulher.......................................................................... 227 Ana Luiza Coiro Moraes Mulheres em imagens: significações atribuídas à figura feminina na publicidade............................................................................... 253 Raquel de Barros Pinto Miguel A publicidade e seus corpos punidos. A reação da propaganda em oposição ao discurso publicitário da ditadura dos Corpos Ultramedidos................................................................... 269 Selma Felerico Semiótica da Cultura no Varejo de Supermercado de Rede............................................................................................. 287 Desire Blum Menezes Torres Os signos e o universo de discurso publicitário:as contribuições semióticas de Cidmar Teodoro Pais.............................................. 307 Eneus Trindade e Maria Ângela Pavan Os dez anos da habilitação em Publicidade e Propaganda na UFC........................................................................... 331 Ana Danielle Cavalcante Menezes, André Marchesi de Camargo Neves, Bárbara Figueiredo de Araújo, Débora Moreira Araújo e Glícia Maria Pontes Bezerra Mapeamento e reflexão das ações comunicacionais de uma universidade em construção..................................................................... 345 Flavi Ferreira Lisbôa Filho, Janiélli T. Ferreira Camargo, Orlando Garcia Portela Júnior e Quelen Madlei Silveira de Bairros Ensino e Prática de Relações Públicas: memória do grupo de pesquisa................................................................................ 359 Cláudia Peixoto de Moura, Roberto Porto Simões Capítulo iv Práticas Persuasivas e Mercadológicas 100 Anos de Propaganda em Santos....................................................................... 379 Cinara Augusto E Marco Antonio Batan Jotabê: agência de publicidade e promoções que deu início à construção da marca de Calçados Azaléia....................................................... 397 Maria Berenice da Costa Machado e Marcelle Silveira dos Santos Publicitários, go home!............................................................................................. 415 Marino Boeira Os loucos anos 70 - quando as minhocas cantoras e um } cowboy renovaram a propaganda de varejo no Paraná..................................... 425 Itanel Bastos de Quadros Junior Sol e mar: sinta na pele esta magia........................................................................ 435 Silvia Helena Belmino Publicidade e democracia: regulamentação versus censura........................................................................... 453 Angela Lovato Dellazzana Comunicação Integrada de Marketing – aspectos históricos e teóricos sobre um pretenso novo conceito...................................................... 471 Luís Roberto Rossi Del Carratore Capítulo v Práticas Institucionais e de Relacionamento Vídeo corporativo como instrumento de comunicação interna........................................................................................... 497 Gilze Freitas Bara Conversando com o jovem universitário – o uso de jogos eletrônicos como estratégia de comunicação institucional........................... 513 Marcia Perencin Tondato Ambiente Virtual como cenário de interações comunicacionais: redes sociais, marca e relacionamento com targets segmentados......................................................... 531 Luciana Fischer Práticas de sociabilização na web: análise de perfil comportamental e de consumo infanto-juvenil.................................................. 549 Helton Eduardo de Freitas, Luciana Fischer e Ricardo Machado Meneses A Turma da Mônica Jovem: análise de conteúdo de uma representação do adolescente brasileiro........................................................... 565 Rosane Palacci Santos Alice na cidade do sol: um estudo de caso sobre o lançamento do filme Alice no País das Maravilhas na cidade de Natal..................................................................................................... 581 Aryovaldo de Castro Azevedo Junior e Lucimara Rett Capítulo vi Relatos de Pesquisa em Comunicação Persuasiva e Institucional Contornos da Pesquisa em História da Publicidade e Propaganda........................................................................................ 597 Maria Berenice da Costa Machado Relações Públicas e Comunicação Organizacional: a temática memória institucional nas práticas acadêmicas de um Grupo de Pesquisa................................................................................................ 609 Cláudia Peixoto de Moura DADOS DOS AUTORES.................................................................................................... 629 Prefácio Quando desafiei meus colegas gaúchos, na passagem deste século, para organizar e dinamizar os pesquisadores de História da Mídia na região, resgatando a memória comunicacional que me parecia em perigo, nunca imaginei que o processo fosse tão rápido e prolífero. Revisando os originais desta coletânea, dedicados ao tema práticas persuasivas e institucionais, fiquei impressionado com a agilidade dessa comunidade historiográfica. Mais do que isso, impactado pela liderança que colegas do núcleo gaúcho da primitiva Rede Alcar exercem em plano nacional. As duas organizadoras desta edição especial comprovam minha percepção: Maria Berenice da Costa Machado preside hoje a Associação Brasileira de História da Mídia e Cláudia Peixoto de Moura preside a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. Trabalhando de modo articulado, essas jovens e promissoras acadêmicas demonstram capacidade de antecipação. Combinam o ofício historiográfico com a sensibilidade dos empreendedores, preparando o terreno para as duas efemérides inscritas no calendário histórico brasileiro da comunicação. Em 2014 teremos a convergência de dois acontecimentos que mudaram a face do campo comunicacional. Dois centenários simultâneos, que sinalizam o fim da hegemonia jornalística em nosso universo profissional. Trata-se da fundação de dois campos que hoje estão na vanguarda mundial: a propaganda e as relações públicas. Refiro-me à criação da primeira agência de propaganda em território nacional, a Eclética, bem como à instituição do pioneiro serviço de relações públicas, o da Light, ambos em São Paulo. Revisando os artigos aqui reunidos fica a impressão de que a publicitária Berenice e a relações públicas Cláudia Moura prepararam a pauta para as celebrações do próximo ano. Seduzindo as novas gerações para pesquisar o avanço desses dois campos interligados, cujas raízes estão plantadas nos dois eventos citados, elas denotam sabedoria cognitiva, ao juntar passado, presente e futuro. Só me resta desejar boa leitura aos meus colegas, ensejando que das suas reflexões brotem iniciativas capazes de sintonizar as práticas de persuasão – tanto políticas quanto comerciais ou institucionais e comunitárias – com as autênticas demandas da sociedade brasileira. José Marques de Melo 11 Apresentação da Edição Especial Cláudia Peixoto de Moura e Maria Berenice da Costa Machado A Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia – ALCAR tem registrado parte da memória da Comunicação mediante as publicações digitais elaboradas pela Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - EDIPUCRS. O primeiro volume foi lançado no evento regional de 2010, intitulado Memórias da Comunicação: Encontros da ALCAR RS, que está disponibilizado como um e-book, na página da editora.1 Esta obra divulga a produção acadêmica dos pesquisadores da ALCAR RS, por meio dos resumos de estudos concluídos e em andamento, que foram inscritos em 2007 e 2008, nos 1º e 2º Encontros do Núcleo Gaúcho de História da Mídia. O segundo volume teve seu lançamento no evento regional de 2011, no 3º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia - ALCAR RS. O e-book Memórias da Comunicação: Encontros da ALCAR RS – Volume 2 divulga a produção acadêmica dos pesquisadores inscritos, com resumos expandidos de estudos concluídos e em andamento, no evento regional de 2010, sendo disponibilizado, igualmente, na página da editora.2 O terceiro volume é uma Edição Especial, que relembra a criação do Núcleo Gaúcho de História da Mídia - ALCAR-RS, organizado pelas então coordenadoras dos Grupos Temáticos História da Publicidade e da Propaganda e História das Relações Públicas, ambos da REDE ALCAR, em 2007. A solicitação foi do prof. Dr. José Marques de Melo, fundador da REDE ALCAR, que lançou como desafio organizar uma rede de pesquisadores envolvendo trabalhos desenvolvidos no Estado. Em 2012, as áreas de Publicidade e Propaganda e de Relações Públicas mais uma vez estão unidas para a constituição de um espaço dedicado à produção acadêmica e direcionado ao debate de pesquisadores. O e-book Memórias da Comunicação: Encontros da ALCAR – Volume 3 – Edição Especial possui um valor histórico, uma riqueza temática, uma diversidade de questões, teorias e me1 (http://www.pucrs.br/edipucrs/encontrosalcarrs20072008.pdf) 2 (http://www.pucrs.br/edipucrs/encontrosalcarrs2010.pdf) 13 Apresentação da Edição Especial todologias abordadas, reunindo textos completos de dois eventos – o GT História da Comunicação Persuasiva e Institucional, ocorrido no 7º Encontro Nacional da Alcar, em agosto de 2009; e a Mesa Redonda “Reflexões sobre os rumos das pesquisas em história da mídia”, no que se refere aos estudos de Publicidade e Propaganda e de Relações Públicas, apresentados no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia - ALCAR RS, que aconteceu em maio de 2012. O 7º Encontro Nacional da Alcar, de 2009, foi realizado pela Universidade de Fortaleza - Unifor, em Fortaleza/CE, ocasião em que o GT História da Comunicação Persuasiva e Institucional abrigou as pesquisas de Publicidade e Propaganda e de Relações Públicas. Conforme a trajetória das áreas, em 2003, foi instituído o GT História da Mídia Persuasiva, que recebeu a denominação de GT História da Publicidade e da Propaganda um ano mais tarde, permanecendo até 2008. O GT História das Relações Públicas foi criado em 2004, permanecendo igualmente até 2008. Isto ocorreu devido ao fato dos GTs se unificarem em 2009, recebendo a nova denominação e contemplando os interesses de seus pesquisadores. A produção acadêmica das duas áreas, até 2008, está registrada em coletâneas distintas. A área de Publicidade e Propaganda possui várias obras impressas, lançadas a cada ano nos congressos nacionais. A área de Relações Públicas possui uma coletânea que reúne os textos resultantes dos cinco encontros, em uma publicação eletrônica editada pela EDIPUCRS, que se encontra no endereço: www.pucrs.br/edipucrs/historiarp.pdf. O e-book Memórias da Comunicação: Encontros da ALCAR – Volume 3 – Edição Especial dá continuidade a esta história, revelando uma parceria de sucesso entre as duas áreas. Também merece destaque a Coleção Memórias da Comunicação, editada em e-books pela EDIPUCRS, que contribui para a divulgação de pesquisas no campo da Comunicação, da História e de áreas afins, fortalecendo os estudos que envolvem a História da Mídia. Importa ainda destacar o trabalho das professoras Maria Angela Pavan (UFRN) e Luciana Fischer (PUC-Campinas), que reuniram os textos do referido GT, em 2009, e realizaram uma edição preliminar de um livro, para uma versão impressa em uma editora comercial. No entanto, por problemas editoriais, de impressão e de distribuição, a obra não obteve o êxito desejado. Com a finalidade de viabilizar a publicação, as organizado- 14 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais ras da Coleção Memórias da Comunicação, Cláudia Peixoto de Moura (PUCRS) e Maria Berenice da Costa Machado (UFRGS), reeditaram o material com outra estrutura em termos de capítulos e acrescentaram dois textos para a versão digital. O e-book foi organizado priorizando o viés histórico da pesquisa no campo da comunicação persuasiva, institucional, mercadológica e organizacional. Os textos oriundos do Encontro Nacional da Alcar, de 2009, apresentaram aspectos relacionados ao tema central do evento – “Mídia alternativa e alternativas midiáticas”. Alternativa parece uma palavra anacrônica no Brasil democrático. Ligada ao contexto da Ditadura Militar, serviu para qualificar parcela da imprensa que combateu, polemizou, fez ironia e graça sobre o regime e seus governantes, principalmente entre os anos 1960-70. O termo alternativa carece de revisão histórica que permita iluminar ângulos para além da política e sua articulação ao tempo presente permite (re)significá-lo. Os resultados apontam à contemporaneidade e à possibilidade de associar alternativa para designar, por exemplo, conteúdos como os da blogosfera, ou mídias como os jornais, canais de rádio e de televisão produzidos e operados por movimentos sociais, populares, de periferia e comunitários. Todos “meios e mensagens” para sujeitos-cidadãos darem sentido e expressarem realidades e interesses que, geralmente, vão de encontro às pautas políticas, econômicas e culturais da grande mídia e de muitos governos. Alternativa no campo da comunicação persuasiva, empreendida por organizações e instituições, são estratégias criativas e de busca pela diferenciação, para captar atenção e provocar a identificação juntos aos públicos-alvo dos seus objetivos. São ideias inusitadas, formatos ousados, plataformas inovadoras para veicular mensagens e anúncios, pontos para estabelecer contatos, eventos para promover o relacionamento ou a experiência com determinado produto, serviço ou marca. Parte da atual amplitude conceitual de alternativa(s) pode ser encontrada em textos desta obra coletiva, que contempla pesquisas nas áreas da Publicidade e Propaganda e das Relações Públicas. Mais do que valorizar o campo da comunicação institucional e mercadológica, esta produção fortalece a identidade e marca amadurecimento do Grupo Temático, que olha, interroga, reflete, produz conhecimento e o registra, em forma de livro disponibilizado nas mídias digitais. 15 Apresentação da Edição Especial Este livro está dividido em seis capítulos com 35 textos escritos por docentes, pesquisadores e seus bolsistas de iniciação científica, estudantes de pós-graduação e egressos da graduação, vinculados a Instituições de Ensino Superior, públicas e privadas, nos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais. O conjunto de pesquisas inscritas no Encontro Nacional da Alcar, de 2009, está reunido nas seguintes temáticas: Capítulo 1 – Práticas Políticas e Ideológicas Capítulo 2 – Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Capítulo 3 – Práticas Discursivas e Acadêmicas Capítulo 4 – Práticas Persuasivas e Mercadológicas Capítulo 5 – Práticas Institucionais e de Relacionamento O sexto capítulo - Relatos de Pesquisa em Comunicação Persuasiva e Institucional - é composto por dois textos das organizadoras do e-book, apresentados no 4º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia - ALCAR RS, que aconteceu em 2012, com o tema – “Perspectivas de Pesquisa: História da Mídia e Fronteiras”. O evento foi organizado pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, em São Borja/RS, e pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, caracterizando uma co-promoção. Contou com o apoio de órgãos como: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS; Universidade da Região da Campanha – URCAMP; Instituto Federal Farroupilha – IFF; Câmara Municipal de Vereadores de São Borja; Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Eventos; Prefeitura Municipal de São Borja. A Mesa Redonda “Reflexões sobre os rumos das pesquisas em história da mídia” teve como integrantes: Maria Berenice da Costa Machado (UFRGS), Cláudia Peixoto de Moura (PUCRS) e Mauro César Silveira (UFSC). Os pesquisadores abordaram estudos referentes às áreas de Publicidade e Propaganda, de Relações Públicas e de Jornalismo, respectivamente. Nesta Edição Especial participam os textos identificados com as áreas de Publicidade e Propaganda e de Relações Públicas, envolvendo os tempos e lugares percorridos para (re) constituir, evidenciar, qualificar a mentalidade e as práticas comunicacionais de sujeitos, de organizações e da própria sociedade brasileira. 16 cAPíTULO I Práticas Políticas e Ideológicas A heroificação de Tiradentes: alternativa para a política republicana Lilian Muneiro Resumo Tiradentes, resgatado da historiografia nacional, foi a panacéia dos Republicanos para protagonizar o novo regime. A projeção dos interesses políticos imersos no nome do alferes pode ser evidenciada na medida em que é transformado em símbolo e exponibilizado pelos suportes mediativos da época. Tiradentes se constitui em um dos estudos de caso, dentro dos recursos mediativos do Estado Nação, que traduz o simulacro indispensável da figura do herói nacional, como requisito para a instauração efetiva do novo regime político e construção de outra narrativa para o país. O artigo investiga o herói tendo em vista as características políticas e culturais presentes em textos publicados pela imprensa e também contidos na tela de Pedro Américo, Tiradentes Esquartejado, de 1893. O referencial teórico contempla as pesquisas de Carvalho (1990), Cassirer (1968) Costa (2007), Lopes (1947), entre outros. O herói necessário – breve contextualização A constituição do Estado-Nação brasileiro registra a queda do Poder Monárquico, em detrimento à ascensão dos militares, por conta da Proclamação da República, em 1889, sem qualquer participação popular. Para que o Governo recém-implementado pudesse prosseguir era necessário consolidar-se e manter a Unidade nacional, ameaçada com constantes Revoltas1. Essas duas tarefas, embora prementes, só poderiam ser realizadas, de maneira exitosa, com a adesão da população e de determinados setores vinculados à economia que, aos poucos, estruturava-se no País. Só assim seria possível levar a República adiante, retirar o Brasil do atraso e implementar o progresso, vital para o desenvolvimento industrial. 1 O Brasil já havia passado por várias revoltas internas envolvendo o antigo Governo. Em 1835 - Cabanagem; em 1837 - Sabinada; em 1838 - Balaiada. Houve também a Guerra do Paraguai de 1864 e a Batalha de Riachuelo, que colocavam em risco parte do território nacional. 19 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Embora a situação da Nação, de modo geral, fosse precária, dada a falta de infraestrutura e a inexistência de qualquer política voltada ao desenvolvimento nacional, havia discordâncias quanto ao rumo que deveria ser dado ao Brasil. Enquanto alguns políticos preconizavam a República Francesa2 como modelo a ser seguido, outros viam no Liberalismo econômico, em ascensão nos Estados Unidos, a alternativa para impulsionar o País economicamente. De toda forma, pensava-se em ‘modelos prontos’ e desconsiderava-se a possibilidade da elaboração de um plano de gestão, próprio para o País, tendo em vista aspectos relacionados à cultura nacional ou à adoção de alguma experiência latino-americana, países vizinhos também colonizados. Na tentativa de forjar uma imagem para o Brasil foram desconsideradas singularidades e características relacionadas à própria formação nacional - um país indígena, colonizado/explorado por brancos, que contou com mão de obra, escrava, negra. O fato é que a República precisava ser vista e reconhecida internamente. Enquanto que, externamente, o Brasil deveria ter uma nova identidade que não mais o vinculasse a Portugal. A República fez o que pôde neste sentido. Porém, muitos problemas herdados da Monarquia continuaram sem solução. Nesse sentido, os republicanos investiram em símbolos para identificar o novo Regime e também caracterizar a jovem Nação através da moeda corrente, da formação de um mercado forte e, simbolicamente, com a adoção de uma nova Bandeira nacional, entre outros. As escolhas não foram tranquilas, uma vez que o Governo português havia deixado marcas profundas na memória social dos habitantes do País. O Hino Nacional, que foi mantido, exemplifica vínculo estabelecido que não poderia ser rompido. Mas os republicanos viram, particularmente, na figura do herói, a possibilidade de consolidar o Regime político e, ao mesmo tempo, projetar os valores nacionais. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi escolhido para protagonizar o papel de herói nacional. Seu nome dissipou as animosidades entre os republicanos. Não havia um nome, na história recente do País, que fosse, ao mesmo tempo, conhecido, que não causasse divergências políticas e nem tivesse tido ligações com o GoverA República Francesa também apresentava correntes diversas: do Positivismo de Comte às ideias pregadas pelos jacobinos. 2 20 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais no Monárquico. Tiradentes, na realidade, foi uma panaceia. Toda a midiatização realizada em torno de sua morte fez com que seu nome não só fosse associado à barbárie cometida pelo Governo português, mas se fizesse presente no imaginário social como um injustiçado. A história de Tiradentes foi recontada e, nesse sentido, a religião foi empregada para garantir a adesão por parte dos brasileiros. Villares o desenhou com traços que o remetiam à imagem atribuída a Cristo, um salvador. Num País onde o Catolicismo era a religião predominante, a imagem poderia ser facilmente identificada. Vale registrar que a Indústria de massa inexistia e que poucas pessoas eram alfabetizadas e tinham acesso à imprensa, frágil e restrita, geralmente, aos grandes centros. Foi em torno do Panteão cívico que o Estado realizou a primeira mediação oficial e não mediu esforços para propalá-lo. Trata-se da difusão, em grande escala, da imagem de Tiradentes nos mais variados suportes mediativos do final do séc. IXX, perpassando o séc. XX. A face do herói passou a ser exibida em pinturas e esculturas. Seu nome foi empregado para nominar clubes, ruas, praças e avenidas em todo o País. O Governo decretou Feriado nacional no dia 21/04, em alusão à morte de Tiradentes, e o designou Patrono da Polícia brasileira. Além disso, financiou a publicação de textos em jornais e concursos que enalteciam os valores que preconizava. O fato é que a imagem de Tiradentes foi de grande valia nos momentos de instabilidade política. Tiradentes e a força do símbolo A criação de um novo herói, superando o índio, que não mais correspondia às necessidades do Estado, foi a alternativa adotada como mediação preponderante aos novos interesses políticos, econômicos e culturais, de raiz hegemônica e totalitária. Através de outro herói, a República poderia mostrar- se forte e presente. Hall (2006) afirma que as primeiras fontes de identidade cultural são provenientes das culturas nacionais. Nesse aspecto, o autor concorda com Gellner (1983) ao declarar: “Sem um sentimento de identificação nacional, o sujeito moderno experimentava um profundo sentimento de perda subjetivo” (Hall, 2006, p. 48). 21 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Para dar sentido ao novo Regime, buscou-se, primeiramente, entre os integrantes da República, alguém que conseguisse protagonizar e atuar como tradução para o novo momento do País. Não havia consenso entre os nomes sugeridos. Alguns não eram carismáticos; outros não tinham um passado de luta pela República ou força suficiente para gerar identificação por todo o País. A única alternativa foi retroceder na historiografia nacional, em busca de um nome que tivesse peso suficiente para carregar os ideais republicanos. Coube a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, protagonizar a República. Tiradentes emergiu como elemento-chave para a República, instaurada no Brasil em 1889. Transformado em herói, ajudou a legitimar a nova Nação, ao lado de outros elementos criados para dar um novo rosto ao País, como a Bandeira e o Hino nacionais. O nome de Tiradentes era de convincente apelo popular: a extração de classe social a que pertencia; seu enforcamento, que sensibilizava os católicos; e a nobre causa da derrama que atingia a todos3. Carvalho (2007, p. 29) diz que o herói “unia o país através do espaço, do tempo, das classes”. Na tentativa de presentificar o herói, os republicanos publicaram textos em jornais e edificaram monumentos em praças. Clubes foram construídos, levando o nome de Tiradentes, nome que passou a fazer parte das cidades de todo o País, em ruas e avenidas. A imagem de Tiradentes precisava ser idealizada, e o fato de não existir nenhum retrato facilitou a modelação do herói, com os valores que o Regime pregava. “Para os positivistas, boa parte dos republicanos, a idealização dos heróis ‘era regra da estética comtiana’; para os outros fazia parte da tentativa de criar o mito e o culto ao herói” (Carvalho, 2007, p. 29). Como ilustração, resgatamos trecho do artigo assinado pelo republicano Leôncio Correia, no jornal Folha da Manhã, em 1926, que cultua o herói. Tiradentes é em verdade um tipo perfeito de patriota iluminado. Humilde de estirpe e de haveres como quase todos os astros que governam a história universal – se pecou com o transbordamento de frases ardentes, em cautela, atirada a todos os ventos foi por excesso de amor a causa que sublimou pelo De acordo com registros, sabe-se que o plano dos Inconfidentes foi desmantelado pelo Governo através de denúncia de Joaquim Silvério dos Reis, e que Tiradentes foi o único integrante do Movimento a ser enforcado e a ter o corpo esquartejado e espalhado pela região, fato que horrorizou a população. 3 22 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais seu sacrifício, e que a sua vida, ao seu coração, a sua alma se ligou como claridade a aurora, como a lua ao dia [...]. Nem uma vacilação ao andar, nem um tremor na face, nem uma sombra na fisionomia! Era como se levasse a imortalidade no olhar, a glória na prece o céu em si. O nome Tiradentes emergiu como símbolo necessário ao novo Regime político, já que estabelecia ligação com os brasileiros, por conta da barbárie de sua morte como inconfidente, 100 anos antes da Proclamação da República, e seu nome não causava divergências entre os republicanos. A imagem de Tiradentes constitui um dos estudos de caso desta pesquisa, dentro dos recursos mediativos do Estado-Nação que promove a figura do herói nacional como requisito indispensável para a instauração efetiva do novo Regime político. Tiradentes entrou em cena como argamassa aos valores republicanos, pouco antes da Proclamação, em 1889, atendendo aos preceitos positivistas4. Carvalho (1990, p. 10) lembra que símbolos e mitos podem tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses. Foi o que aconteceu com Tiradentes. Na medida em que o alferes era transformado em símbolo, em virtude da sua morte brutal, e da divulgação dos republicanos que o apresentaram com características que o assemelhavam a Cristo, percebemos a projeção dos interesses do Estado-Nação. O mártir entrou em cena para formar uma atmosfera condescendente às pretensões republicanas. Tiradentes, a partir daquela data, fazia-se visto não somente como injustiçado pelo Regime político anterior, mas como representante da República, Governo que não deixaria os brasileiros 4 A influência do Positivismo no Brasil previa a criação de proposta simbólica entre os cidadãos através de comemorações públicas e culturais. De acordo com Leal (2006, p. 67), os mecanismos de sensibilização cívica que visam ao emprego de imagens e ritualizações foram os mesmos empregados pelas estratégias de ação social de Comte, voltada aos operários, e aos positivistas brasileiros “que se voltaram à cooptação de grupos mais intelectualizados”. Para Grange (2000, p. 244 apud LEAL, 2006), Comte esperava sintetizar duas concepções opostas de mediação social e da figuração artística que se reencontrarão e funcionarão espontaneamente: a imagem cristã, a estátua alegórica republicana, a missa e a festa. No Brasil só faltava a imagem republicana. Leal (2006, p. 74) escreve que, a partir de 1884, Tiradentes foi incorporado no que os positivistas chamam de festas sociolátricas. “Milliet, em sua tese, refere-se às festas a Tiradentes, realizadas no período monárquico, sob iniciativa do Clube Tiradentes”. Em janeiro de 1890, dois meses após a Proclamação da República, foi decretado o calendário de festas nacionais e o dia 21/04, dia e mês da morte de Tiradentes, foi escolhido para celebrar os precursores da Independência brasileira, sintetizados no herói republicano. 23 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas entregues à própria sorte. O herói deveria emblematizar a promessa de um Estado forte, que atenderia a todos. Podemos afirmar que o primeiro impacto midiático, relacionado a Tiradentes, foi sentido pela barbárie do enforcamento e do horror difundido pelo corpo esquartejado e exposto em locais de grande circulação. Em 1792, de acordo com Cavalcanti (Revista da Biblioteca Nacional, 2007, p. 38), o cortejo de Tiradentes, no Rio de Janeiro, percorreu o Largo Carioca, o Largo do Rocio, a atual Praça Tiradentes e a Rua da Lampadosa, hoje Avenida Passos. Carvalho (1990: 58) afirma existirem documentos que registram o abalo causado, entre a população da Capitania e da cidade do Rio de Janeiro, pelo processo dos réus e por conta da execução de Tiradentes5. O nome de Tiradentes era convincente por sua classe social; o enforcamento, que estabelecia ligação com a doutrina católica; por conta da apresentação da pintura do herói, que se assemelha à reconhecida imagem de Cristo a caminho do Calvário; e o grande motivo que o levou à morte; a rebeldia diante das determinações pela Coroa, em questão a derrama. O tributo extra, estabelecido pelo Governo de Portugal, destinado a todos, atuou como elemento de mediação para a expansão do nome de Tiradentes e o firmou como oposição ao contexto da época. Porém Tiradentes não teve trajetória de herói em vida. Sabe-se que, antes de aderir ao Movimento, havia tentado, sem êxito, carreira como militar e, antes disso, havia sido minerador, tropeiro, proprietário de terras e de escravos. Em 1780, com 34 anos, arregimentou-se como soldado e, um ano depois, foi promovido a alferes. Em 1788, após sua transferência para o Rio de Janeiro, através do Exército, envolveu-se na Inconfidência contra a Coroa Portuguesa e, um ano depois, foi preso como conspirador, no Rio de Janeiro. Em 1792, Tiradentes foi enforcado em praça pública e esquartejado. A historiografia explica que o papel de Tiradentes na Inconfidência se restringia a divulgar os ideais e a transmitir recados aos inconfidentes. É provável que ele nunca tenha participado efeLopes (1947) conta: Muita gente se retirou para o campo, ficando as ruas muito pouco frequentadas pela gente de mais destaque, e a consternação parecia que se pintava em todos os objetos. Vista a sentença, atendia a atrocidade do crime, não restava mais nenhuma esperança de remédio. Os infelizes já estavam mortos na cabeça de todos (p. 25). 5 24 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais tivamente do grupo de articulistas, com ideias para o Movimento. A escolha de seu nome para o esquartejamento, a mando do Governo português, deveu-se à sua popularidade, mais o fato de ser um dos poucos que não tinha família influente e assim, não haveria novos movimentos e nem problemas de ordem política. A questão principal em torno de Tiradentes, como emblema republicano, está na gênese de seu estereótipo já que não havia características suficientes em sua biografia para torná-lo herói. Era preciso que um panteão projetasse confiança no novo Regime e, sobretudo, crédito interna e externamente. Tiradentes viria preencher essa lacuna, para que o Estado pudesse alcançar reconhecimento como autoridade paternal e sólida. Assim, com base simbólica, seria possível forjar a imposição de uma ordem artificial, visto que a nação precisava de crédito. O prestígio de que o Governo precisava obter, viria primeiramente da simulação de um Estado forte e da divulgação de uma política social ampla. Nesse sentido, um herói, em questão Tiradentes, era visto como apaziguador das animosidades políticas, capaz de desempenhar papel de integrador, um mártir cívico e religioso que espelhava a República por todo o País. Tiradentes: investimento midiático Em 1890, foi decretado Feriado Nacional, em homenagem à data de morte do novo herói, e espalhada a primeira imagem de Tiradentes, com barba e cabelos longos – similaridades com o retrato atribuído a Cristo - em uma declarada tentativa de garantir a atenção das pessoas, tendo a religião como pano de fundo. Trata-se da litografia, apresentada por Décio Villares, em 1890. 25 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Tiradentes de Décio Villares A obra de Villares, Tiradentes, pode ser interpretada, tendo em vista sua espacialidade6, que não deve passar despercebida já que a pintura não se limita a apresentar o retrato do panteão cívico, mas contribui para a difusão dos valores republicanos. Ferrara (2008) explica: Valoriza-se aquela espacialidade como categoria de análise quando ultrapassa a simples dimensão comunicativa que atua como canal de intersubjetividade e sociabilidade e se atinge a vinculação comunicativa que transforma suportes.... em meios produtores de mediação que criam atmosfera social, responsável por comportamentos, valores, ambientes e convivência (FERRARA, 2008, p. 12). Em Tiradentes, o herói republicano é apresentado no centro da tela, tal quais os retratos do Sec. XVIII. Verificamos que a leitura da tela, extraída da construtibilidade, privilegia o modo ocidental, não da esquerda para a direita em horizontal, como seria 6 A espacialidade é caracterizada por Ferrara (2008) como fenômeno de manifestação comunicativa. De acordo com a autora, a espacialidade divide-se em três categorias: construtibilidade (processos culturais), comunicabilidade (processos culturais) e visibilidade (construção sígnica). A teoria da espacialidade será abordada com mais ênfase no segundo capítulo desta pesquisa, quando analisaremos outra pintura, de Pedro Américo: Tiradentes Esquartejado. 26 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais a leitura de um livro, mas do centro para a diagonal direita, com projeção para a esquerda, com percurso que conduz o olhar até o rosto de Tiradentes. A visualidade da obra, dado o cromatismo presente, corrobora com o enaltecimento da face do panteão. Villares, ao adotar o azul como fundo, cor fria, mas que remete ao céu, à salvação, enaltece as vestes do herói que, com cor clara, acentua a luminosidade e projeta para a face do herói. Torna-se evidente a comparação de Tiradentes a Jesus Cristo - não somente no modo como é exposto, mas na adoção de traços que apontam semelhança na face de ambos7. A comunicabilidade da obra deflagra a associação de Tiradentes com a religião católica, como um salvador, emblema da ‘missão’ republicana. O fato é que a imagem de Tiradentes passou a ser empregada pelo Estado sempre que foi necessário enaltecer o patriotismo, para avalizar alguma alteração administrativa que exigisse adesão popular. A imagem foi também reproduzida em enciclopédias e material didático, distribuído para todo o País. O investimento na figura do herói foi feito de forma que a divulgação de seu nome fosse capaz de envolver público abrangente. Os militares faziam uso da história do herói como elo entre o Estado e o povo e, para dar continuidade à sua memória, Tiradentes foi nomeado patrono da Polícia Militar, em dezembro de 1965, através de Decreto assinado por Castelo Branco. Trabalhos escolares eram solicitados, muitas vezes obrigatoriamente. Os jornais Folha da Noite, Folha da Manhã que, posteriormente, foram comprados pela Folha de São Paulo, entre 1926 a 1942, registraram notas e artigos, fomentando o patriotismo em torno de Tiradentes e também as comemorações feitas pelos quartéis, escolas e Repartições públicas. 7 De acordo com os Autos da Devassa, Tiradentes teria cor da pele morena e traços que caracterizariam seu rosto como “anguloso”. 27 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas O jornalista Plínio Salgado e o colega republicano Leôncio Correia enaltecem o herói com textos assinados. O primeiro, publicado em 21/04/1925, no Jornal Folha da Noite, expõe o herói como patriota e traz trechos de Salomão, lidos no dia da execução de Tiradentes, que ironicamente se voltariam contra o Rei, pois “apuravam os ouvidos na sombra onde intenjava o espírito subterrâneo das aspirações nacionais”. Para Leôncio Correa: Tiradentes é, em verdade, o typo perfeito do patriota iluminado. Humilde de estirpe e de haveres, como quase todos os astros que estellam o CEO da história universal, - se pecou, com o transbordamento de phrases ardentes, sem cautela atirada a todos os ventos foi por amor a causa que sublimou pelo seu sacrifício, e que a sua vida, ao seu coração, a sua alma se ligou como a claridade á aurora, como a lua ao dia. (Folha da Manhã, 21/04/1926). De 1931 a 1940, o herói é descrito, pelo historiador Leôncio Amaral Gurgel, quase que ficcionalmente, no momento da morte. Segue fragmento da matéria: 28 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Soares Ferreira publicou texto no jornal Folha da Manhã, edição do dia 21/04/1935, enaltecendo a coragem de Tiradentes, que ocupava quase a totalidade da página, e só dividindo espaço com a imagem do herói. Em 21 de abril de 1936, na mesma publicação, Tiradentes foi chamado protomártir da Independência. Em 1938, a grande imprensa nacional limitou-se a comentar as comemorações feitas ao dia dedicado a Tiradentes e, nos anos seguintes, 1939 e 1940, não foram feitas citações a Tiradentes nos dias 20, 21 e 22 de abril. Nos dois anos seguintes, a imprensa limitou-se a contar as festividades feitas em escolas, faculdades, conservatórios de música e órgãos públicos e, de 1943 a 1966, não existe qualquer menção a Tiradentes nas edições que poderiam contemplar a comemoração cívica. Sabe-se que, de 1930 a 1945, houve a Revolução brasileira e, nos anos seguintes, intensa repressão política que desarticulava a atmosfera de prosperidade, implementada nos anos anteriores pelos republicanos. Percebe-se que é, novamente, para justificar o Regime político que Tiradentes voltou a ser exponibilizado, depois de 13 anos de ausência nos jornais, como manifestação voltada para as massas. De 1967 a 1982, Tiradentes teve assegurada sua presença nos jornais, justamente no momento de instabilidade política, de mudanças impo- 29 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas sitivas com a instauração do Golpe Militar que exigia “aceitação” das massas e, novamente, boa dose de patriotismo para levar adiante a “nova proposta” para a nação. Entre editoriais, artigos assinados e pequenas notas, Tiradentes tem sua heroicidade e imagem questionadas. Ora é engrandecido pelo seu “patriotismo”, mas como estratégia de crítica ao governo vigente; ora tem sua história de mártir didaticamente resgatada e comentada, principalmente nos suplementos infantis, tal qual construída nos primeiros anos republicanos. Essa diversidade de opiniões demonstra a fragilidade de estrutura simbólica do País, aqui exemplificado por Tiradentes como símbolo capaz de emblematizar um regime que se rotulava forte e agasalhador. A atmosfera artificial, antes instaurada, passava a ser subvertida progressivamente. Em 1970, a redação da Folha de São Paulo publicou uma reportagem intitulada “Tiradentes: o homem e o mito” e, como retranca, “A controvérsia das barbas”. O pequeno texto, que não está assinado, faz referência ao fato de um historiador mineiro ter afirmado que Tiradentes teria tido o rosto raspado ao ser conduzido ao patíbulo e que a imagem de Tiradentes, com cabelos e barbas compridos, seria falsa e, portanto, a imagem que conhecemos “teria sido forjada para criar semelhança física entre ele e Jesus Cristo – acentuando-se assim o paralelo entre o sacrifício do calvário e o drama brasileiro de 1792”. No final do texto, o jornalista registrou a intervenção do Estado que se posicionou na tentativa de manter a imagem do herói às similaridades de Cristo, que facilmente pode ser encontrada em enciclopédias e livros didáticos. Transcrevemos o final da matéria: [...] mas o presidente Castelo Branco decidiu a questão: por decreto de 1956 determinou que a estátua de Tiradentes colocada defronte ao antigo prédio da Câmara dos deputados, no Rio de Janeiro, sirva de modelo para todas as efígies do herói. Com isso resolveu-se ao menos essa questão: Tiradentes continuará barbudo (Folha de São Paulo, 1970, p. 02). Mediação retomada Pesquisando os exemplares dos dias 21 e 22/04, existentes no banco de dados da Folha de São Paulo (que abrange as publicações Folha da Noite, Folha da Manhã e Folha de São Paulo, respectivamente), desde que a República entrou em vigência, percebe-se que a intenção 30 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais de projetar o herói na mídia não foi de todo atingida, pois, para enaltecê-lo, o Estado teve que intervir com artigos e comemorações cívicas até mesmo nas escolas. De acordo com matéria publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, de 21/04/1972 (p. 03), as escolas da Prefeitura de São Paulo, por determinação do prefeito Figueiredo Ferraz, exigiram trabalhos escritos dos alunos com alusão a Tiradentes. “[...] foram distribuídos as 237 escolas... cartazes alusivos à data e que serviram como temática para o desenvolvimento dos trabalhos escolares”. O ex-presidente José Sarney também se valeu da imagem feita em torno de Tiradentes. O político, que fora partidário da ditadura, assumiu o Brasil após a morte de Tancredo Neves, homem público que lutou contra o Regime militar até então em vigor, justamente no dia 21/04/1985, mesmo dia e mês em que Tiradentes foi morto. Nota-se que o herói republicano foi invocado para ajudar na sustentação da nova proposta política do Estado. A mensagem que se queria passar, era, de certa forma, ingênua: Tiradentes morreu pelo povo. Sarney seria o sucessor que levaria adiante as causas esquecidas, em nome do povo. Até o ex-presidente da República, Itamar Franco, na década de noventa, exibiu a imagem de Tiradentes, ao seu lado, nos pronunciamentos televisivos. Itamar assumiu o País após o pedido de afastamento do então presidente Fernando Collor de Melo, por conta do impeachment proposto pelo Congresso Nacional. Desde a apresentação de Tiradentes pelos republicanos, percebe-se o estabelecimento de uma programação com vistas à difusão do nome e da imagem dele, especialmente em momentos de tensão nacional. Toda a exposição de Tiradentes, fomentada principalmente pelo Estado, deflagra a relação entre herói nacional (Tiradentes), mediação, mídia e consumo do herói, uma vez que as pessoas passavam a compartilhar e aderir à atmosfera persuasiva montada. Referências AUMONT, J. A imagem. 8ª ed. Campinas: Papirus Editora, 2004. BARBERO, J. M. Dos Meios às Mediações comunicação, cultura e hegemonia. Tradução Ronaldo Polito; Sérgio Alcides. 2ª ed. 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Para o bem ou para o mal, a figura de Vargas e o seu projeto político são julgados a partir da ênfase dada a cada um destes elementos, ou da relação existente entre eles. Também serão responsáveis por criar ou referendar juízos de valor contraditórios sobre Getúlio Vargas as distintas relações que o seu governo estabelecerá com diferentes setores, segmentos sociais e regiões do país. Não queremos aqui polemizar se, no cômputo geral, Vargas foi bom ou ruim para o país; se o peso do desenvolvimento socioeconômico, da ampliação dos direitos sociais e trabalhistas, merece mais destaque do que as práticas autoritárias do período do Estado Novo; se Getúlio foi o “pai dos pobres” ou a “mãe dos ricos”; se o seu projeto nacionalista foi revolucionário ou conservador; se foi o defensor da soberania e da cultura nacional ou o perpetuador no Brasil do pensamento nazifascista. Todas estas discussões são muito profícuas, e há campo fértil entre os vários ramos da pesquisa científica para aprofundá-las. Nós aqui pretendemos analisar o contexto cultural do Estado Novo, e em especial a atuação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), criado em 1939, tendo como foco principal de análise as políticas culturais vinculadas a este instituto. Segundo uma visão bastante corrente nos estudos sobre o DIP, este órgão teria sido criado “com o objetivo de difundir a ideologia do 35 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Estado Novo junto às camadas populares”1. Este tipo de afirmativa parece resumir exageradamente, de forma limitada, os objetivos estipulados e concretamente atingidos por este departamento, em seus seis anos de existência. Objetivos estes implementados ou conduzidos por 6 divisões (Divulgação, Rádiodifusão, Cinema e Teatro, Turismo, Imprensa e Serviços Auxiliares). A premissa de que o DIP servia à ideologia do Estado Novo, difundindo-a junto às massas, é verdadeira. Mas há que se indagar sobre a real abrangência da ideologia do Estado Novo; sobre como se dava sua aproximação com as camadas populares; sobre o que foi realmente produzido de forma inovadora no Brasil, em termos de políticas culturais, a partir da atuação do DIP. A linha política dos estudos realizados sobre o Departamento de Imprensa e Propaganda, entendendo-o como um mero instrumento do poder central, um sustentáculo do populismo e do autoritarismo de Getúlio, encontra sua razão de ser principalmente nas atribuições do DIP relacionadas à censura dos meios de comunicação, ou à publicidade da imagem do presidente como defensor da nação e pai do povo brasileiro. O jornalista e escritor Joel Silveira, ironiza no livro “A Fogueira” a forma como a imprensa nacional esteve amordaçada pela censura oficial do DIP durante o Estado Novo: “... as notícias sobre o Brasil não podiam ser mais risonhas. Estávamos vivendo num paraíso. Nenhuma tragédia, nenhum crime, nada que perturbasse a ordem e a paz impostas pela ditadura. Até mesmo a seca do Nordeste, que até a véspera do Estado Novo era assunto prioritário dos jornais, que a descreviam como uma das mais inclementes dos últimos anos, até ela havia sumido do noticiário...”2. Mais grave, porém, era a perseguição em relação à classe artística, aos intelectuais, aos jornalistas e empresários que trabalhavam no ramo das comunicações. Uma perseguição que não se limitava apenas à censura do que seria produzido, publicado ou divulgado. Mas também se verificava no acionamento da terrível polícia política do Estado Novo, em inquéritos que não raramente resultavam em prisões arbitrárias, e incluíam algumas vezes a aplicação da tortura. http://www.cpdoc.fgv.br, acesso em 10/7/2009. Esta mesma frase é exaustivamente reproduzida em dezenas de artigos sobre o DIP, na internet e em obras impressas. 2 Apud PASCHOAL, Francisco José. Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing político” e da propaganda no Brasil. http://www.virtu.uff.br. Acesso em 10/7/2009. 1 36 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais É muito citada, para exemplificar a repressão aos jornalistas e intelectuais, a histórica prisão do escritor e jornalista Graciliano Ramos. Mas devemos lembrar que esta prisão se deu no rastro da repressão à intentona comunista de 1935. Nada teve a ver com o Estado Novo, instituído em 1937, e muito menos com o DIP, criado em 1939. Em 1937, Graciliano Ramos já estava solto, e no ano da fundação do DIP ele já trabalhava para o governo Vargas, como Inspetor Federal de Ensino Secundário no Rio de Janeiro3. É muito extensa a lista de artistas, arquitetos, poetas, escritores e jornalistas que colaboraram na política cultural e educacional do governo Vargas, inclusive no período ditatorial do Estado Novo. Podemos citar Cândido Portinari, Cassiano Ricardo, Villa-Lobos, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Ciro dos Anjos, Nelson Werneck Sodré, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Rodrigo Melo Franco de Andrade... Que tinham na figura de Gustavo Capanema, Ministro da Educação entre 1934 e 1945, e do jornalista Lourival Fontes, que comandava o setor de Comunicação do governo Vargas entre 1934 e 1943, direções incontestes. Há quem defenda que o intelectual, que de alguma forma integrasse o projeto cultural e educacional do Estado Novo, estivesse condenado “a participar ou passar a ser considerado elemento subversivo contra o regime e o Brasil, sofrendo com prisões, perseguições, exílios e torturas constantes”4. Este é um raciocínio teleológico e falso, que não apenas reduz o valor da obra e biografia desses intelectuais, como contribui para limitar a pesquisa sobre o alcance social das políticas culturais implementadas no governo Vargas, o que inclui o que foi gestado e produzido pelo DIP. É indiscutível a relação entre o DIP e a política populista e autoritária do Estado Novo, mas não podemos concordar que esta relação seja o bastante para explicar e entender as transformações ocorridas na área cultural brasileira a partir da atuação deste instituto. Muitas destas transformações ocorreram também pelas demandas sociais existentes entre a classe Ver biografia do escritor: www.sitedoescritor.com.br; www.infoescola.com/literatura. Acesso em 11/7/09. 3 4 PASCHOAL, Francisco José. Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing político” e da propaganda no Brasil. http://www.virtu.uff.br. Acesso em 10/7/2009. 37 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas artística e intelectual: na área do cinema, da radiodifusão, da arte, da propaganda, da cultura popular, do patrimônio histórico nacional. A criação do DIP está dentro de um contexto ideológico maior, que abrange também toda a direção nacionalista do governo Vargas. Quando se colocou, por exemplo, pela primeira vez, como projeto político governamental, a defesa do patrimônio histórico e cultural brasileiro, isto se deu também como resposta a um novo conceito de cultura brasileira que vinha sendo amadurecido desde o movimento modernista. A revolução de 1930 fez reacender o projeto cultural nacionalista como bandeira política, passando a se estender como um manto sobre os vários segmentos da sociedade. Como afirmou Maria Helena Capelato, “a cultura foi entendida como suporte da política e, nessa perspectiva, cultura, política e propaganda se mesclaram”5. O nosso objetivo é entender melhor a tessitura desta mescla, e os frutos sociais transformadores que dela nasceriam. A teia e o tecido: refazendo os horizontes e os vértices da cultura nacional “Mil novecentos e trinta... O sentido destrutivo e festeiro do movimento modernista já não tinha mais razão de ser, cumprido o seu destino legítimo. Na rua, o povo amotinado gritava: - Getúlio! Getúlio!”6. Assim Mário de Andrade descreveu a chegada de Getúlio ao poder, após a Revolução de 1930. Neste depoimento, ele deixava entrever que a partir de Vargas o modernismo não teria o sentido meramente “festeiro e destrutivo”, legitimando-se também como política nacional. E Mário de Andrade não pensava assim porque fosse, desde o início, um grande partidário e admirador de Getúlio Vargas. Mas porque ele compreendia que a revolução de 30, entre outras coisas, significava uma ruptura com a visão hegemônica anterior da cultura brasileira, cujo conservadorismo, elitismo e estrangeirismo os modernistas combatiam ferozmente em seus manifestos e revistas, desde a Semana de 22. CAPELATO, Maria Helena. “O Estado Novo: O que trouxe de novo?” in FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo: do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003. 5 6 NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens dos nossos dias. Ed.15. São Paulo. Scipione, 1995. 38 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais A política nacionalista de Vargas incorporaria, na área cultural, muitas direções que foram colocadas pelos modernistas. De fato, o jornalista e escritor Mário de Andrade foi convocado em 1936 pelo Ministro da Educação e da Saúde do governo Vargas, Gustavo Capanema, a abandonar o espírito “festeiro e destrutivo” dos modernistas e concretamente aplicar suas idéias na criação de um instituto destinado a “determinar, organizar, conservar, defender e propagar o patrimônio artístico nacional”. Seria o SPHAN, atual IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Mário de Andrade, que então ocupava o posto de diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, há muito se tornara um grande pesquisar da cultura brasileira, principalmente na área da música e do folclore nacional7. E aceitou o desafio. O envolvimento dos modernistas com o patrimônio histórico nacional começara bem antes, em 1924, quando Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral fizeram uma viagem pelas cidades coloniais mineiras, e ficaram impressionados pela grandeza da arte e da arquitetura do barroco mineiro. Iniciaram então um movimento que acabaria levando o governo Getúlio Vargas a erigir a cidade de Ouro Preto à condição de Monumento Nacional, em 1933. Assim como Mário de Andrade, outros ilustres representantes do modernismo brasileiro passaram então a integrar o ministério da Educação, selando uma espécie de casamento entre o movimento modernista e os projetos nacionalistas de Vargas na área cultural. Em torno do SPHAN, nas décadas de 1930-40, foi reunida toda uma geração de pensadores, escritores, arquitetos, historiadores e antropólogos brasileiros, como Lúcio Costa, Oscar Niemayer, Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Gilberto Freyre. Os modernistas eram sim, nacionalistas de primeira ordem. Muitos manifestos, livros e revistas publicados nas duas décadas que se seguiram à semana de arte moderna reafirmam a consolidação de novas fórmulas de ver e representar a cultura brasileira. Ainda em 1925, o jovem Carlos Drummond de Andrade assim escrevia em A Revista, publicação responsável pela divulgação do movimento modernista em Minas Gerais: “Será preciso dizer que temos um ideal? Ele se apóia no mais franco e decidido nacionalismo. A confissão desEm 1929, Mário de Andrade já havia feito duas viagens ao nordeste, documentando a música da tradição popular nordestina no seu Ensaio sobre a Música brasileira. 7 39 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas se nacionalismo constitui o maior orgulho da nossa geração, que não pratica a xenofobia nem o chauvinismo, e que, longe de repudiar as correntes civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil cada vez mais ao seu influxo, sem quebra de nossa originalidade nacional”8. Não se pode atribuir como fonte do discurso nacionalista de Vargas apenas o desejo de imposição do Estado e do governante sobre a nação. Dentro da ligação umbilical entre a estrutura material e o universo da cultura, o nacionalismo econômico de Vargas, presente no processo de industrialização, estaria totalmente ligado ao seu discurso nacionalista na área política e cultural. Neste sentido, a ida dos modernistas para a repartição do SPHAN, não foi vã nem ocasional. Estava se tornando realidade a crença difundida entre os modernistas “de que era o Estado o lugar da renovação e da vanguarda naquele momento, assim como o vislumbre da possibilidade de aplicar na realidade idéias de reinterpretação ou reinvenção de um país que estavam sendo praticadas nas páginas de seus livros. Na implantação do ‘modernismo’ como dominante de uma política cultural, conseguiram realizar o sonho de todo revolucionário: escrever simultaneamente o mapa astral e a árvore genealógica do país”9. Pode se argumentar que o exemplo do SPHAN, como símbolo da ligação intrínseca entre a política cultural de Vargas e as demandas da sociedade, não pode se aplicar ao DIP, pelas diferenças de propósitos na criação dos dois órgãos e por não haver entre eles qualquer vínculo institucional. Ora, os propósitos do SPHAN, principalmente no que se refere ao investimento na pesquisa sobre a cultura popular brasileira, tarefa a que se dedicava, entre outros, Gilberto Freyre, estavam em plena consonância com as atribuições do DIP, fundado em 1939, que trazia em seu 14º tópico a incumbência de “promover, organizar, patrocinar ou auxiliar manifestações cívicas e festas populares”10. O que, em ambas as frentes, cívica ou popular, se tornaria realidade. Tomando como tema o cinema nacional, também verificamos que a política cultural de Getúlio Vargas não obedeceu apenas aos 8 ANDRADE, Carlos Drummond. A Revista, Ano 1, n. 1, jul/ago 1925. Apud: BUENO, Antônio Sérgio. O modernismo em Belo Horizonte: década de 20. Belo Horizonte: UFMG / PROED, 1982. 9 CAVALCANTI, Lauro (org.) Modernistas na Repartição. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2000. 10 http://www.cpdoc.fgv.br, acesso em 10 /7/2009. 40 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais interesses ideológicos do Estado, mas a uma demanda social, à exigência dos produtores e cineastas brasileiros. O grande precursor do cinema nacional, Humberto Mauro, em 1932, lamentava as deficiências técnicas do cinema nacional, face ao americano, e a falta de incentivos financeiros, alimentando a esperança de que, com apoio e aprimoramento técnico, as salas pudessem exibir um conteúdo mais nacional e menos estrangeiro: “O diretor de cena no Brasil ainda está um pouco longe de conseguir realizar os seus filmes tal qual ele os imagina, isto pelo fato de nossa indústria de filmes não contar com os poderosos elementos econômicos e financeiros de que dispõe esta mesma indústria nos EUA (...) Temos que esperar pela produção regular e continuada, fatores principais de que dispuseram os americanos para fazer os seus filmes mais conhecidos entre os brasileiros do que o são para nós os nossos próprios costumes”11. No mesmo ano a atriz, produtora e diretora Carmem Santos atentava para a dimensão educativa da cinematografia, preconizando a necessidade de realizar filmes que levassem mais cultura e sentimento cívico à população: “O Brasil precisa dos filmes educativos para a instrução do seu povo. Além de estimular o patriotismo do povo, o cinema brasileiro tem ainda a vantagem de tornar o Brasil conhecido dos seus filhos de norte a sul, concorrendo assim para o fortalecimento da unidade nacional”12. A fala de Carmem poderia facilmente ser colocada na boca de Getúlio, justificando a futura política do DIP para o cinema nacional. Assim como a fala de Adhemar Gonzaga, outro ícone da cinematografia brasileira, que faz menção direta à relação entre cinema e propaganda: “Não vamos apenas produzir filmes com os méritos de serem feitos em casa, vamos produzir bons filmes, com a vantagem de terem o espírito e o pensamento brasileiros. Não apenas para mostrar belezas naturais aos estrangeiros. A propaganda será feita para uso interno mesmo, com idéias nossas, mais avançadas, com objetivo de uma arte cinematográfica de mais personalidade e ainda da educação do nosso povo. Cinema é imprensa com mais força que um exército...”13. 11 MAURO, Humberto. Cinearte, 314, 2/3/32, p. 9. 12 SANTOS, Carmem. A Cena Muda, 1/3/32, p. 32. 13 GONZAGA, Adhemar. Cinearte, 334, 20/7/32, p. 7. 41 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Os trechos citados, de três figuras proeminentes do cinema brasileiro, estão dentro de um contexto em que a classe dos produtores e cineastas reivindicava maior espaço e apoio para a produção e exibição dos filmes nacionais. Os produtores cinematográficos brasileiros, sob a liderança de Roquette Pinto, elaborariam o Projeto de Lei de Proteção à Indústria do Filme Brasileiro, reivindicando, entre outras medidas, a adoção imediata da exibição obrigatória de filmes nacionais, além da subvenção e premiação de filmes “falados em português e produzidos no Brasil”.14 Em 1934, mesmo ano em que foi criado o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), precursor do DIP, veio o decreto de Vargas atendendo às reivindicações da classe cinematográfica, incluindo a obrigatoriedade da apresentação de curtas metragens nacionais antes da exibição de qualquer filme nos cinemas brasileiros. Como agradecimento, os produtores e cineastas realizaram uma homenagem a Vargas, que retribuiu com um discurso intitulado “O Cinema Nacional como aproximação dos habitantes do país”. Neste discurso, são facilmente percebidas as “coincidências” entre o discurso do presidente e as reivindicações dos seus interlocutores: Para Vargas o cinema seria “o livro de imagens luminosas”, que educaria “sem exigir o esforço e as reservas de erudição que o livro requer e os mestres nas suas aulas reclamam”, aproximando “os diferentes núcleos urbanos no vasto território da república”15. Todo este processo está narrado no estudo feito por Cláudio Aguiar Silveira, no livro intitulado “O Cinema como Agitador de Almas”, em que procura situar melhor a produção cinematográfica brasileira dentro da política cultural presente no Estado Novo. Assim expressa sua orientadora, Maria Helena Capelato, no prefácio: “O autor teve a sensibilidade para perceber as mediações entre a política oficial e a sociedade. Ao invés de se restringir à critica da produção cinematográfica unicamente pelo ângulo da ideologia estadonovista, indica de que forma muitas idéias foram produzidas por setores sociais ligados à cultura, apropriadas pelos interlocutores do governo e retrabalhadas como proposta de Estado. Na verdade, ele não era o Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros, Relatório de Diretoria, p. 23-7. In: ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas. São Paulo: Ed. Annablume/ FAPESP, 1999. 14 15 42 Apud ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas, Ob. Cit. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais único produtor de objetivos em relação ao cinema; cineastas, atores, educadores, participaram de um debate cultural amplo, no qual se insere a atividade cinematográfica”16. Desde o modernismo estava em construção no Brasil um novo conceito de identidade nacional, elaborado através de manifestações artísticas e literárias, mas também pelo trabalho árduo de pesquisadores. Colocava-se, pela primeira vez, como protagonistas, as matrizes culturais indígenas e africanas, e as manifestações da cultura popular. O estudo destes elementos fundadores da identidade nacional encontraria abrigo e projeção na política nacionalista do governo Getúlio Vargas. Durante o Estado Novo (1937-1945), no rastro dos institutos oficiais, uma gama de intelectuais e pesquisadores, ligados à área cultural do governo ou independentes, buscava formular novos modelos de compreensão da identidade cultural brasileira, atentando para o popular, para o regional e também para o processo de miscigenação que sempre caracterizou a formação da cultura nacional. Como exemplo, podemos citar Gilberto Freyre, que em 1933 publicava Casa Grande e Senzala, um clássico no estudo do sincretismo entre a cultura africana e européia no período escravista. E na mesma época o folclorista Luiz da Câmara Cascudo andava às voltas com as suas pesquisas, para compor o seu Dicionário do Folclore Brasileiro. O DIP, nas suas divisões de Divulgação, Cinema e Teatro, Radiodifusão e Turismo, contribuiu de forma contundente, tanto para a proteção e preservação da cultura popular, notadamente de raízes afro-brasileiras, quanto para a sua difusão em todo o território nacional, através de programas, eventos e projetos educativos. Diminuindo consideravelmente, pelos meios de Comunicação, as distâncias que impediam as várias regiões brasileiras de conhecerem o que era produzido culturalmente em todo o Brasil. Neste sentido, a propaganda oficial do DIP serviu não apenas à ideologia do Estado e ao marketing político do governo Vargas, mas igualmente à produção e ao marketing cultural, nas várias áreas da arte e da cultura nacional. As formas como evoluíram a propaganda e o marketing cultural brasileiro, a partir da atuação do DIP (e dos institutos que o antecederam no governo Vargas), é o que procuraremos discutir a seguir. 16 ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas, Ob. Cit. 43 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Nas ondas do DIP: revoluções na arte da propaganda e do marketing cultural Uma das provas de que as políticas implementadas pelo governo Vargas através do Departamento de Imprensa e Propaganda não serviam apenas à ideologia e ao autoritarismo do Estado Novo, mas que também respondiam aos anseios de segmentos sociais, está no fato de que muitos propósitos e atribuições daquele instituto já estavam presentes nos órgãos que lhe antecederam, e norteavam as relações entre o Estado e a sociedade na área da cultura, da arte e da propaganda. Em julho de 1931 foi criado o Departamento Oficial de Publicidade (DOP), vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, atuando basicamente no setor de radiodifusão. Uma década depois da primeira transmissão radiofônica no Brasil, em comemoração ao centenário da independência, o DOP já estabelecia uma série de regulamentações para o setor, entre elas a permissão para a exploração de espaços comerciais. Os primeiros “reclames”, como se chamavam as peças publicitárias, abririam então as portas das emissoras para a injeção de recursos das empresas, possibilitando um maior desenvolvimento técnico e profissional, tanto da rádio e quando da publicidade brasileira. É bom ressaltar que todo o desenvolvimento da propaganda nas décadas de 1930 e 40, se deu sem grandes conflitos entre os órgãos governamentais responsáveis pelo setor (do DOP ao DIP), e as agências de publicidade independentes. Ao final da década de 30 estimava-se em 56 o número de agências privadas de propaganda em plena atividade no eixo Rio – São Paulo, boa parte dela de multinacionais. Na primeira metade da década de 40 houve algumas dificuldades, não decorrentes de qualquer intervenção federal, mas dos impactos comerciais negativos provocados pela segunda guerra mundial. Se havia censura em relação ao conteúdo das reportagens jornalísticas, o mesmo não ocorreu quanto ao conteúdo dos reclames, jingles e demais peças publicitárias exibidas nas rádios e nos jornais. Na verdade, programas oficiais criados pelo DIP, como a Hora do Brasil e o Repórter Esso, só favoreceriam o setor de publicidade brasileira. A estatização da Rádio Nacional, ocorrida em 1940, emissora 44 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais que liderou a era de ouro do rádio brasileiro, também contribuiu para a ampliação do mercado publicitário, seja nos programas musicais, informativos ou nas populares radionovelas 17.. Roquette Pinto, ao fundar em 1923 a primeira emissora, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, proclamara: “a rádio é a escola de quem não tem escola”18. O seu propósito de fazer do rádio um instrumento a serviço da cultura e da educação popular só seria realmente atingido na década de 30 e 40, para o que teve papel decisivo a intervenção positiva dos órgãos oficiais. Mas a decisão de ampliar mais o universo de atuação do Estado na área da comunicação não foi apenas uma decisão apenas política. Ela se deu a partir do desenvolvimento técnico e profissionalizante do rádio, do cinema, da imprensa e da propaganda brasileira. Em 1934, foi criado, também pelas exigências do mercado, o DPDC (Departamento de Propaganda e Difusão Cultural), que expressava entre os seus artigos o propósito de “estimular a produção, favorecer a circulação, intensificar e racionalizar a exibição em todos os meios sociais de filmes educativos”19. As ações de Vargas em 1934 realmente trouxeram um avanço considerável na produção cinematográfica brasileira, inclusive com a criação de novas produtoras, como a Vita Films, de Carmem Santos e Humberto Mauro. Em 1937 foi dado novo impulso ao cinema, com a fundação do Instituto Nacional de Cinema Educativo, presidido pelo antropólogo e produtor Edgar Roquette Pinto. A parceria futura entre o INCE e o DIP, seria responsável pelo maior fomento da atividade cinematográfica brasileira, comprovando a aproximação entre a política cultural estatal e as reivindicações dos representantes dos produtores culturais. O DIP já delimitaria melhor, nos seus estatutos, os caminhos desta aproximação, objetivando “estimular a produção de filmes nacionais; classificar os filmes educativos e os nacionais para concessão 17 Sobre o desenvolvimento da propaganda no Brasil, e suas relações com os órgãos estatais nas décadas de 30 e 40, ver: CASTELO BRANCO, Renato; MARTENSEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (Org.). Historia da propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990 e RAMOS, Ricardo. Do reclame a comunicação: pequena historia da propaganda no Brasil. 3a ed., rev. e atualizada. São Paulo: Atual Ed., 1985. ROQUETTE PINTO, Vera Lúcia. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos. Revista da USP, n.56, dez/fev – 2002/2003. 18 19 ROQUETTE PINTO, Vera Lúcia. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos. Ob. Cit. 45 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas de prêmios e favores; sugerir ao Governo a isenção ou redução de impostos e taxas federais para os filmes educativos e de propaganda, bem como a concessão de idênticos favores para transporte dos mesmos filmes...”20. Estes objetivos foram realmente concretizados. Entre 1939 e 1945, centenas de filmes educativos, encomendados como propaganda do governo Vargas ou independentes, foram realizados com o apoio ou patrocínio do DIP. Ali não estava presente apenas a ideologia do Estado Novo, mas a arte cinematográfica de centenas de diretores, produtores, atores e técnicos brasileiros. O crítico e dramaturgo Mário Nunes, fundador da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, assim escreveu em crônica no Jornal do Brasil: “Getúlio Vargas fez ver aos exibidores que dispunham de tão maravilhoso aparelho de propaganda, dele se utilizassem também, em prol do progresso do país, facultando às platéias que acodem aos seus estabelecimentos, Filmes educativos e de propaganda sanitária”21. É claro que o apreço de Vargas pelo caráter educativo do cinema e dos meios de comunicação não encontrava explicação apenas no propósito de levar educação e cultura ao povo brasileiro, mas ao poder massificador que estes meios possuíam no condicionamento da opinião pública. O governo Vargas tinha conhecimento e estava atento às ligações entre os meios de comunicação e a propaganda nazifascista na Itália e na Alemanha. Principalmente nas transformações idealizadas por Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do governo de Hitler, em sua utilização da imprensa, rádio e cinema como veículos de doutrinamento ideológico. Já em 1934, o oficial de gabinete da Presidência da República, Luiz Simões Lopes, escrevia a Getúlio Vargas, comunicando-lhe a impressão que tivera da viagem que fez à Alemanha: “O que mais me impressionou em Berlim foi a propaganda sistemática, metodizada pelo governo (...) Não há, em toda a Alemanha, uma só pessoa que não sinta diariamente o contado com o nazismo ou de Hitler, seja pela fotografia, pelo rádio, pelo cinema, pela imprensa (...) A organização do Ministério da Propaganda fascina tanto que eu me permito sugerir a criação de uma miniatura dele no Brasil...”22. 20 http://www.cpdoc.fgv.br, acesso em 10 /7/2009. 21 Apud SILVEIRA, Cláudio Aguiar. O Cinema como agitador de Almas, p. 78. Ob. Cit. 22 Apud SILVEIRA, Cláudio Aguiar. O Cinema como agitador de Almas, p. 79. Ob. Cit. 46 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O DIP com certeza se inspirou na experiência alemã, passando a atuar diretamente na produção de curtas-metragens de propaganda, através do Cinejornal Brasileiro, que ocuparia o espaço já destinado aos curtas brasileiros antes da exibição dos longas-metragens. Os cinejornais exaltavam os feitos do Governo Vargas descrevendo eventos, viagens, comemorações, em que o próprio presidente figurava como protagonista. E acabaram estabelecendo uma concorrência desleal com as produtoras independentes. Para compensar, o DIP criou novos incentivos para a produção cinematográfica brasileira, como a instituição da obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais de longas-metragens em todas as salas de cinema. Na verdade, os produtores e cineastas encontraram no DIP mais um aliado que um inimigo, no favorecimento comercial, técnico e artístico dos seus empreendimentos. A censura e exigências se davam mais em relação aos filmes estrangeiros, pelo menos até a entrada do Brasil na segunda guerra, quando ocorreu maior abertura comercial às produções americanas. Há que se considerar também que o próprio DIP e seus departamentos afiliados (DEIPs), em vários estados brasileiros, empregavam centenas de técnicos e profissionais do cinema, do rádio, da propaganda; desenvolvendo por isto know-how na área publicitária e cinematográfica brasileira. Um know-how público, não secreto, que dialogava com os setores congêneres independentes. A ligação do DIP com as manifestações de cultura popular e as ações efetivamente realizadas como fruto desta ligação, muitas vezes são menosprezadas em favor do argumento de que se tratava de uma relação puramente ideológica, visando apenas propagar para as massas uma imagem positiva do governo Vargas. Mas como se pode negar, por exemplo, o significado dos eventos, festivais e concursos patrocinados pelo DIP para a música brasileira, consagrando toda uma geração de músicos e compositores? O samba, que hoje desfila pelas TVs, discos e passarelas como símbolo de brasilidade, nem sempre foi considerado música de qualidade, genuíno representante da cultura nacional. Os primeiros sambistas do início do século XX no Rio de Janeiro, aliás, eram perseguidos pela polícia, considerados marginais também pelo preconceito racial. O samba só virou “oficialmente” brasileiro quando desceu o morro, apareceu no rádio e na vitrola dos ricos, quando houve a criação e o patrocínio estatal das primeiras escolas de samba, quan- 47 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas do os sambistas passaram a ser legitimados e reconhecidos através das políticas culturais do Estado brasileiro. Aí está o que chamamos de revolução do marketing cultural no Brasil. A cultura brasileira, em suas diversas matizes populares, passou a ser, também através do DIP, pesquisada, difundida, valorizada e “vendida” como identidade nacional. Mesmo aquelas manifestações consideradas como marginais desde o período colonial. Getúlio Vargas, em plena vigência do Estado Novo, assinará os decretos autorizando a prática livre da religiosidade afro-brasileira, com a abertura pública dos terreiros de candomblé, assim como autorizará a abertura das primeiras academias de capoeira, encerrando assim séculos de discriminação oficial contra manifestações originais da cultura afro-brasileira. Na verdade, toda a musicalidade, religiosidade, culinária, folclore, manifestações trazidas ou criadas pelos índios, negros e descendentes foi ignorada até o século XX pela cultura oficial. Até que intelectuais, artistas, políticos, pesquisadores, também a serviço de órgãos estatais como SPHAN, o INCE, o INL (Instituto Nacional do Livro), o DNT (Departamento Nacional de Teatro) e o DIP, criados por Vargas, as tomaram como cultura genuinamente nacional. Não podemos esquecer o pioneirismo das críticas que os modernistas em 1922 fizeram em relação às visões conservadoras, idealizadas e elitizadas sobre a arte e a cultura brasileira. Mas suas propostas, propondo enxergar na diversidade das expressões populares a verdadeira dimensão e força da cultura nacional, agora teriam, efetivamente, a oportunidade de se concretizar. E a política nacionalista de Getúlio Vargas, em que pese toda a ditadura do Estado Novo, serviria de ponte para esta concretização. É preciso romper com uma visão excessivamente estigmatizada sobre a cultura brasileira durante a chamada Era Vargas, como se tudo fosse resultado de uma conspiração do Estado sobre a sociedade. Até mesmo o grande incremento do Turismo nacional, cujas diretrizes foram traçadas pelo DIP, pode ser entendido equivocadamente apenas como estratégia de manipulação das massas em favor do Estado. É como se a criação de museus, bibliotecas e centros culturais pelo Brasil inteiro, a promoção do intercâmbio de manifestações culturais entre as várias regiões, o apoio aos grupos musicais e folclóricos tradicio- 48 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais nais, a preservação do patrimônio das cidades históricas, entre outras ações também promovidas pela Divisão de Turismo do DIP, não passassem de controle ideológico “das estruturas burocráticas preparadas para manter a ordem e firmar diante da opinião pública a imagem do presidente”23. Como se não significassem, por si sós, um avanço para o desenvolvimento educacional e cultural de toda nação. A revista mensal “Cultura Política”, publicada pelo DIP, vendida nas bancas de jornais das capitais brasileiras, circulou ininterruptamente entre março de 1941 e outubro de 1945, e não consta que as centenas de artigos escritos nestes quase cinco anos de existência visassem somente a propaganda das ações de governo e da imagem de Vargas. Artigos independentes sobre História, Música, Teatro, Cinema, Artes Plásticas, Folclore, Cultura Regional, dividiam o espaço com artigos sobre Política Brasileira, estes sim, via de regra tendenciosos e propagandísticos do governo. Também não consta que os autores dos artigos fossem todos ideólogos do Estado Novo. A maioria absoluta não era. Entre os mais frequentes colaboradores estavam, por exemplo, o historiador marxista Nelson Werneck Sodré e o escritor Graciliano Ramos, que fora preso pela polícia de Vargas após a intentona comunista24. Em artigo intitulado “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo” a historiadora Mônica Veloso analisa a vinculação dos intelectuais com o regime de Vargas, afirmando que esta vinculação se dava a partir de uma compreensão do Estado, também fundamentada pelo DIP, que aos intelectuais caberia o papel de auxiliar da política governamental, no sentido de conduzir as massas ignaras rumo à conscientização do valor da cultura nacional, do próprio sentimento de nacionalidade. Os intelectuais seriam convocados a participar de um “projeto político-pedagógico destinado a educar as camadas populares”, procurando “resgatar o espírito de grandeza subjacente às suas manifestações”25. Sinceramente, não acreditamos que a ênfase nacio23 SANTOS FILHO, João dos. O Turismo na era Vargas e o Departamento de Imprensa e Propaganda. CULTURA, Ano 2, n. 2, julho/2008. Todos os artigos de todos os números da revista Cultura Política podem ser consultados pelo site http://www.cpdoc.fgv.br. Acesso em 23/7/2009. 24 25 VELLOSO, Mônica. “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo”. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo: do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Ob. Cit. 49 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas nalista da produção intelectual brasileira do início dos anos 40, explicitada nos artigos da revista “Cultura Política”, faça parte apenas de um projeto político do Estado getulista. Modificando o sentido da rotação do raciocínio da autora, poderíamos perguntar se o ideário cultural nacionalista e popular do Estado Novo não é mais fruto das novas inclinações da classe artística, científica e pensante brasileira, desde o movimento modernista, do que o contrário. Mesmo que se reconheça a camisa de força sob a qual esteve a imprensa brasileira durante o Estado Novo, o que de resto acontece em qualquer ditadura; mesmo que se reconheça o uso indiscriminado da instituição oficial de propaganda para propagar aos quatro ventos, nos quatro cantos do país, a exaltação da imagem boa e positiva do líder do governo, o que de resto acontece em todas as ditaduras populistas; não podemos por isto tapar os nossos olhos e nossos ouvidos para a revolução que estava em curso na área da comunicação e da produção cultural brasileira. Defendemos que existiu um verdadeiro salto qualitativo com a criação do DIP, em relação à arte, à técnica e ao alcance social da propaganda no Brasil; também quanto ao marketing e à projeção social das manifestações artísticas e culturais nacionais. O tamanho e a qualidade deste salto merecem um estudo mais dedicado da historiografia brasileira relacionada à mídia e à cultura no século XX. Referências ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas. São Paulo: Ed. Annablume/FAPESP, 1999. CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: UNESP, 2009. CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). 5.ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil S.A., 1988. CASTELO BRANCO, Renato et alli. Historia da propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990. CAVALCANTI, Lauro (org.) Modernistas na Repartição. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2000. 50 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo: do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. MATTOS, Sérgio. Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo. São Paulo: Paulus, 2005. NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens dos nossos dias. 15.ed. São Paulo: Scipione, 1995. RAMOS, Ricardo. Do reclame a comunicação: pequena historia da propaganda no Brasil. 3.ed. São Paulo: Atual Ed., 1985. SAROLDI, Luiz Carlos. Radio nacional: o Brasil em sintonia. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. Rio: Paz e terra, 1982. 51 O golpe da publicidade: as marcas discursivas da ideologia autoritária Daiane Fresinghelli e Mara Regina Rodrigues Ribeiro Resumo O presente trabalho relaciona-se com o material de publicidade veiculado pelo jornal a Folha de São Borja/RS, nos anos 70, que fazia referência ao projeto de sociedade que se impunha no país desde 1964, quando se instaura o regime militar. Faz-se a análise do conteúdo das publicidades e aponta-se o discurso que se difunde naquele período. Justifica-se este estudo, principalmente, porque os meios de comunicação foram usados pelo regime autoritário do Brasil como mecanismos de reforço e legitimação da ideologia que o sustentava. Indica-se que enquanto, por um lado, os meios de comunicação sofreram censura em função do material informativo, evidenciando que existia uma forma de controle sobre o que a sociedade deveria saber, por outro, se organiza um sistema de manipulação da informação que veicula uma aparente normalidade, refletida no crescente desenvolvimento econômico, o qual trazia uma aura de modernidade e progresso. No entanto, o que a sociedade vivia cotidianamente era o crescente fortalecimento do Estado ditatorial, que trabalhava com diversos meios para reprimir as forças contrárias e mascarar a real situação da época. Palavras-chave: comunicação persuasiva, política, história Considerações Iniciais O presente trabalho relaciona-se com o material de publicitário veiculado pelo jornal a Folha de São Borja1/RS, nos anos O município de São Borja, situado na banda oriental do Rio Uruguai, foi fundado em 1682, pelo Padre Jesuíta Francisco Garcia, que fez travessia do rio vindo de Santo Tomé, cidade de fronteira da República Argentina com o Brasil, para estabelecer uma nova redução jesuítica. Até 1998, a passagem para a cidade argentina de Santo Tomé era realizada pelo rio, através de balsas que conduziam de carros a produtos/mantimentos. Em 1998, foi construída a Ponte da Integração que liga, então, os dos países, através dos municípios de São Borja e Santo Tomé. Sendo cidade de fronteira, a cidade de São Borja sempre foi considerada “zona de segurança nacional”, designação esta que lhe caracterizou como um município com alta concentração de 1 53 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas 70, que fazia referência ao projeto de sociedade que se impunha no país desde 1964, quando se institui o regime militar. Faz-se a análise do conteúdo das publicidades e aponta-se o discurso que se difunde naquele período. Justifica-se este estudo, principalmente, porque os meios de comunicação foram usados pelo regime autoritário do Brasil como mecanismos de reforço e legitimação da ideologia que o sustentava. Indica-se que enquanto, por um lado, os meios de comunicação sofreram censura em função do material informativo, evidenciando que existia uma forma de controle sobre o que a sociedade deveria saber, por outro, se organiza um sistema de manipulação da informação que veicula uma aparente normalidade, refletida no crescente desenvolvimento econômico, o qual trazia uma aura de modernidade e progresso. No entanto, o que a sociedade vivia cotidianamente era o crescente fortalecimento do Estado ditatorial, que trabalhava com diversos meios para reprimir as forças contrárias e mascarar a real situação da época. A Folha de São Borja foi fundada em 24 de fevereiro de 1970 por José Grisólia, naquela época, já proprietário do jornal A Notícia, de São Luiz Gonzaga. Anos mais tarde, em 1976, a Folha de São Borja foi adquirida por um grupo de sócios, tendo a frente o administrador de empresas Roque Andres, que passou a dirigir o jornal. A Artes Gráficas São Borja LTDA é a empresa editora do veículo, que mantém em funcionamento o jornal há 38 anos.2 No início de produção, a periodicidade do jornal era semanal, às terças-feiras, em formato standart. Era dividido em cinco editorias principais: geral, policial, esporte, publicações legais e coluna social, composto de 12 páginas. Não se tem registro da tiragem do jornal na década. Para o estudo que se realizou o universo de pesquisa é composto por quatrocentas e oitenta edições. Tanto no acervo da Biblioteca Pública Municipal quanto no Acervo do Jornal Folha de São Borja, os exemplares (dos anos 1970 e 1980) não estão completos, alguns estão danificados em virtude do tempo e de manuseio e outras edições foram extraviadas. quartéis militares e muitos cargos federais e estaduais importantes, relacionados à manutenção da segurança nacional. 2 54 Roque Andrés ainda é o responsável pelo jornal, juntamente com seu filho Humberto Andrés. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Folha de São Borja e a propaganda O significado do termo publicidade deriva do latim publicus, referente ato de tornar pública uma idéia. Coadunados com essa perspectiva tem-se que o regime de autoritarismo instituído pelo militares desde 64 no Brasil fez uso da publicidade para difundir seu legado através de mensagens veiculadas nos meios de comunicação de massa. Nos exemplares analisados, encontrou-se uma construção discursiva que contribui para apoiar as atitudes do governo federal. O jornal surge em 1970, ano em que a economia do país estava em plena euforia, sob a influência do milagre brasileiro. Segundo Boris (2002, p. 268), “o período estendeu-se de 1969 a 1973, combinando o extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixa de inflação. A inflação média anual não passou de 18%”. Explica-se o milagre através de dois fatores: disponibilidade de recursos financeiros para empréstimos externos e investimentos de capital estrangeiro. Este beneficiou a indústria automobilística no país que liderou o crescimento industrial. Outro setor que se destacou foi o das telecomunicações. Paradoxalmente, o crescimento econômico nacional no período contribui para o desenvolvimento da imprensa, contudo o governo a controlava através da censura. O jornalismo impresso da Folha de São Borja, no interior do Rio Grande do Sul, reflete os aspectos positivos da economia brasileira, tanto que as notícias trazem as ações do governo federal que repercutem na cidade ou região como, por exemplo, a eletrificação rural realizada a partir de um decreto federal, a campanha do Movimento Brasileiro de Alfabetização e semi-qualificação (Mobral), que utilizaria o recurso do rádio para propagar o conhecimento e alfabetizar cinco milhões de pessoas. O custo do milagre econômico que se refletia no arrocho salarial e na concentração de renda não era pauta, mesmo porque desde 1968, estava em vigor o AI-5, decreto que havia fechado o congresso nacional e iniciado a fase mais recrudescida do regime ditatorial, instituindo para os meios de comunicação a censura, em um primeiro momento, prévia e, a seguir, o que se convencionou chamar de auto-censura. Com isto vários assuntos eram proibidos entre eles: greves, atos de corrupção no governo, 55 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas crises políticas, as condições de vida do cidadão comum, como indicam Romancini & Lago (2007). Matérias sobre questões políticas surgem como notas oficiais dentro de colunas assinadas. A política tem um caráter oficial. As ações do governo federal são destaques, seja através de atividades sanitárias realizadas pelo exército, que visavam prevenir doenças através da educação do povo. O material veiculado no jornal remete a uma normalidade, espécie da tranqüilidade geral, refletida no crescente desenvolvimento econômico do país e do município. Destaca-se a alegria da população envolvida com desfiles que comemoram os aniversários da “revolução” ou o início de mais um ano letivo na faculdade, por exemplo. O discurso produzido pela Folha reflete o que o governo federal queria legitimar: a modernidade, o progresso e o desenvolvimento. No entanto, o que a sociedade vivia cotidianamente era o crescente fortalecimento do Estado ditatorial, que trabalhava com diversos meios para reprimir as forças contrárias e mascarar a real situação da época. Buscava-se consolidar a imagem do regime, para tanto se fazia um processo de ocultação e negação de informações. Até mesmo no jornal encontra-se justificativa para a censura aos meios de comunicação. Um exemplo disso é a matéria publicada no início de 1971, intitulada “Jornais brasileiros vivem um regime de auto-censura” (Folha de São Borja, nº56, p. 6), em que se expressa o posicionamento de Manuel Nascimento Brito, diretor do Jornal do Brasil e presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) quanto à censura. Segundo ele, a mesma é esporádica nos jornais brasileiros e cresce em função das ações terroristas como seqüestros e que “tão logo diminua a ação destes últimos, iremos recuperar a liberdade”. Explica também que as restrições à liberdade de informação relacionam-se com assuntos de segurança nacional. A intenção era divulgar uma perspectiva otimista e nacionalista do país, valorizando o Brasil como lugar de terra fértil e povo trabalhador e aguerrido. Contribui para a assimilação dessa idéia o fato do setor econômico estar vivenciando os reflexos do “milagre brasileiro” – período de 1969 a 1973 “no qual o país obteve taxas de extraordinariamente altas de crescimento econômico com uma inflação anual relativamente baixa” (Romancini & Lago, 2007, p. 136) 56 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Abreu (2005) explica que o modelo econômico então adotado levaria o Brasil a se tornar uma grande potência mundial e as campanhas publicitárias se destacavam por terem um cunho educativo ou cívico. Os militares utilizaram largamente o “poder das imagens”, em especial a televisão, para difundir suas propostas do “Brasil Potência”. Fez-se por parte do governo militar um incremento na propaganda política, utilizando-se de técnicas modernas de comunicação de massa. Houve um esforço no sentido de mobilizar a sociedade em torno de um projeto nacional de desenvolvimento, projeto esse que daria legitimidade ao regime em nome da racionalidade da administração e da eficácia da economia. (Abreu, 2005, p. 54) Embora não seja material noticioso, o que se destaca nas páginas do jornal a Folha de São Borja ao longo da década de 70 são as publicidades que ressaltam o desenvolvimento econômico do país e convoca a população principalmente a da zona rural a investir mais na produção. A seguir tem-se o texto em que há um chamamento à aquisição de crédito: Alimente quem lhe dá alimentos. Você pode exigir tudo da terra. Mas dê algo em troca, além de amor. Dê fertilizante. Corretivo de solo. Use sementes e mudas selecionadas. Inseticidas. O Governo oferece crédito fácil, com juros reduzidos, para você adquiri tudo isto. [...] O Governo está convocando os agricultores a ganharem mais dinheiro. Plantando. Existem 90 milhões de brasileiros para consumirem a sua produção. E existe um mercado externo que o Brasil quer invadir. Participe dessa invasão [...] (Folha de São Borja, Ano 1, nº 2, p. 4) Na construção da mesma foi usado um discurso deliberativo com intuito de aconselhar para uma ação futura, no caso, participar do desenvolvimento do país, da construção de uma nova sociedade. Busca-se através dessa técnica chamar a atenção do receptor e levá-lo a aceitação do valor daquilo que está sendo proposto. A frase foi construída na ordem direta – Alimente quem lhe dá alimentos -. O texto se utiliza de um aconselhamento ao agricultor - Você pode exigir tudo da terra. Mas dê algo em troca, além de amor. – mas finaliza com um imperativo - Dê fertilizante, adquirira produtos para a terra e maquinários para o plantio. É utilizada uma argumentação ora racional ora emocional. A racionalidade se destaca com o crédito facilitado por parte do governo e a estatística de que existem mais de 90 milhões de pessoas prontas 57 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas para consumir. Além disso, há a possibilidade de um mercado exterior que pode ser conquistado. Aponta-se uma realidade, mercado nacional e uma promessa, o externo, construindo com isso uma imagem de horizonte amplo e certo. O argumento emocional é constituído a partir do laço de pertencimento que se tem com a terra, ela precisa ser acariciada, ser bem tratada para que dê frutos, portanto “acaricie a sua terra com um trator, ela vai responder produzindo mais” Outro elemento que se destaca na construção do texto é a terminologia utilizada como, por exemplo, a termo convocação. Este é próprio da linguagem militar, convocavam-se os jovens para o serviço militar. Todavia a seguir é apresentada uma frase atenuante que sugere que o agricultor é convocado para ganhar dinheiro, mascarando assim uma possível imposição ou obrigatoriedade. A palavra invadir também ganha um significado peculiar. Para aquele período proteger-se das investidas estrangeiras e dos opositores era fundamental. Abaixo, reproduz-se uma foto da publicidade em questão, veiculada na edição 14, em maio de 1970 e repetida por mais algumas edições daquele ano. Fonte: Jornal Folha de São Borja - Ano1 - Arquivo Público Municipal – São Borja/RS 58 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em outra publicidade indica-se que o futuro está no chão e repete-se a mesma idéia de tratar bem a terra. No texto é utilizado um argumento emocional de forma mais leve que o anterior, “cuide com carinho do seu chão....” e as palavras invasão foi substituída por conquista e traz termos provocativos como “não se contente” – também existe o mercado exterior que o Brasil quer conquistar. Relacionando essa idéia com a necessidade de participação de todos, reforçando o caráter de unidade nacional. Outra forma de elogiar as ações governamentais aparece também em material publicitário, mas de empresas privadas. A Emental Massey-ferguson, uma empresa de mecanização agrícola e de transporte inclui no texto que o governo isentou do ICM – imposto sobre circulação de mercadorias – dos tratores, implementos e máquinas agrícolas e destaca que isto é coerentes com os propósitos revolucionários e que dessa forma a revolução chegou ao campo. Em outra edição, já de setembro, o anúncio dessa mesma empresa traz o seguinte chamamento: “Atenda ao apelo do governo: Plante mais”. A seguir, tem-se a ilustração publicada na edição de 23 do jornal, que circulou em agosto de 1970. Fonte: Jornal Folha de São Borja - Ano1 – Arquivo Público Municipal – São Borja/RS 59 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Ressalta-se nessa publicidade o uso da palavra revolução. Comumente um termo do discurso oposicionista, de esquerda, foi ressignificado pelo regime militar brasileiro. A revolução foi feita em nome da democracia e contra as ameaças das ideologias socialistas segundo as autoridades oficiais. O que se estava temendo nesse período era que as agitações geradas, por exemplo, pela Revolução Cubana – que entrava na fase mais radical – influenciassem fortemente os destinos do Brasil. Então os militares tomam para si toda a carga ideológica da palavra e difundem os ideais da revolução que eles engendram a partir de abril de 1964. Na publicidade analisada a palavra é usada em negrito com o corpo maior que o resto do texto dando assim um visível destaque. Revolução não é negativa, traz progresso que chegará ao limite do campo, da zona rural e que com isso o transformará. O texto utiliza um discurso deliberativo direto e procura mostrar aos agricultores que junto com a revolução chega o progresso ao campo e que por fim através da isenção de impostos a produção terá possibilidade de crescimento. Incentivando assim a aproveitarem as oportunidade e vantagens que só o governo federal poderia oferecer. A empresa, nesse caso, seria apenas uma mediadora dos benefícios entre os produtores e o governo, por isso, encarregar-se-ia de obter o financiamento e finaliza com um convite “Venha visitar-nos”. Na propaganda reproduzida acima fica claro não só o discurso ideológico do regime capaz de influenciar o material de uma empresa provada, mas também a forma persuasiva que se utilizava para legitimar a ação do governo no país e ainda deixa evidente a adesão da empresa Massey Ferguson nesse propósito uma vez que era uma das maiores empresas de implementos agrícolas do país. O desenvolvimento da indústria automobilística também entra na pauta da Folha de São Borja quando se destaca a convenção que reuniu revendedores para apresentar modelos novos de caminhões, camionetes e carros de passeio. Além disso, as publicidades ocupavam espaços nas páginas apresentando os veículos que estavam identificados com a família brasileira. A Empresa Ford anuncia lançamento de “caminhões moderníssimos, prá motorista nenhum botar defeito”. 60 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O que se observa nas publicidades é um discurso desenvolvimentista que se reforçava e se reelaborava no Brasil desde 1930 e que culmina na década de 60. Segundo Fonseca (2008), Foi no governo de Getúlio Vargas, em 1928, que o desenvolvimentismo por primeira vez expressou-se de forma mais acabada (...) configurando o embrião de nova relação entre Estado, economia e sociedade, ao sugerir que o primeiro deveria estar à frente das duas últimas, como forma de estimular seu desenvolvimento. (2008:17). Esse autor ainda indica que a palavra desenvolvimento substitui gradualmente o vocábulo progresso nos discursos, mas manteve a noção de marcha progressiva, de evolução, de um destino da história. A idéia de progresso adquire mais objetividade com a substituição desse conceito pela noção de desenvolvimento e passa a ser vinculada a índices de produtividade ou de renda, sendo este último tomado por convenção, como um indicador confiável do grau de crescimento alcançado por um sistema em um determinado tempo. Essa perspectiva atribui ao Estado um papel de agente ativo e conforme Nisbet (1985, p. 304) “institui a intervenção política como verdadeiro núcleo do progresso social econômico. (...) vê a utilização direta dos poderes de planejamento, regulamentação e direção do governo central como a chave do progresso.” Essa atitude Estatal intensificaria e aceleraria o desenvolvimento. Todavia, o custo social de todo esse processo se mostra ao longo do tempo muito caro. Segundo Martins (1999), o regime militar nesse período precisava consolidar um projeto de sociedade, uma visão de Brasil. Para tanto utiliza de recursos dos meios de comunicação e associa crescimento econômico e autoritarismo político, em termos de causa e efeito, buscando construir um consenso mínimo em relação ao seu projeto desenvolvimento. Dessa forma, justificativa as medidas repressivas impostas à sociedade brasileira apontando o suposto “sucesso” do modelo de desenvolvimento implantado pelo Estado. Martins (1999) frisa, porém, que apesar do acelerado crescimento econômico decorrente de fatores internos e externos à nossa economia, o mesmo promovia concentração de renda e, portanto, deixava à margem do “milagre” econômico a maior parte da população nacional. As publicidades com isto difundiam um ideal, que estava bem distante da realidade. Vivencia- 61 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas va-se custo de vida elevado e arrocho salarial, principalmente depois da euforia do milagre econômico. Considerações finais O jornal a Folha de São Borja trabalhou para mostrar o que era legítimo dentro daquilo que estava marcado para ser percebido e conhecido pela sociedade do interior do Estado. Mesmo quando destaca a importância da existência de um jornal no interior enfatizando que “nenhuma cidade pode prescindir de um jornal”, coloca as questões políticas no rol dos temas traiçoeiros, afirmado que jornal que quer ter seus dias contados deve entrar “pelos caminhos tortuosos e traiçoeiros da política”, isto porque nunca agradará a todos. Recomenda então, prudência e distanciamento: “Assim, o mais prudente é o repórter abster-se de comentá-los. Quando muito, noticiá-los friamente, não deixando de modo algum transparecer por qual dos lados seu coração balança” (Folha de São Borja, Ano 1, nº 16, p. contracapa). No caso da Folha de São Borja, o perfil de empresa jornalística predominou na ação. Ressalta-se, no entanto que, segundo Chaparro (2000), jornalismo é processo social da ação consciente – controlados ou controláveis – que combinam fazer e intenções, sendo estas inspiradas nas razões éticas que dão sentido social ao processo. Ação jornalística esgota-se na finalidade de informar, tendo em vista o interesse público e não o interesse de grupos transformados em interesse do público. Por isso, a intenção precisa de um princípio ético ou de um valor moral para escolher e administrar criativamente as técnicas do fazer estético. Sem intenção coadunada com direito à liberdade de opinião e de expressão, garantidos pela Declaração Universal dos Direitos humanos, o jornalismo não se concretiza nem como ação social nem como criação cultural, expressa-se simplesmente como mais um exemplo histórico de reforço à ação arbitrária do regime militar vivenciado no Brasil ao longo mais de 20 anos. Referências ABREU, Alzira. A mídia na transição democrática brasileira. Sociologia, Problemas e Práticas, nº 48, 2005, pp. 53-65. 62 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais BASBAUM, Leôncio. História sincera da República: de 1930 a 1960. Vol. 3. São Paulo: Alfa-ômega, 1991. CARRASCOZA, João A. A evolução do texto publicitário: a associação de palavras como elemento de sedução na publicidade. São Paulo: Ed Futura, 1999. FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: USP, Imprensa Oficial do Estado, 2002. FONSECA, Pedro Cezar. Gêneses e precursores do desenvolvimento no Brasil. Disponível em: http://www.ufrgs.br/decon/publionline/textosprofessores/fonseca/Origens_do_Desenvolvimentismo. pdf. Acesso em 15/01/2008. IANNI, Octavio. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. (Retratos do Brasil) MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira (1968 – 1978). São Paulo: Global, 1980. MARTINS, Ricardo. Ditadura Militar e propaganda política: a Revista Manchete durante o governo Médici. Dissertação. PPG – Ciências Sociais. Universidade Federal de São Carlos, 1999. MONNERAT, Rosane Mauro. A publicidade pelo avesso: Propaganda e publicidade, ideologias e mitos e a expressão de idéias. Niterói: Ed UFF, 2003, NISBET, Robert. História da idéia do progresso. Brasília: Universidade de Brasília, 1985. PINHO. JB. Comunicação em Marketing: Princípios da comunicação mercadológica. Campinas, SP: Papirus, 2001. RAMOS, Edgard Luiz. Os governos Militares. São Paulo: Contexto, 1991. ROMANCINI, Richard & LAGO, Claudia. História do jornalismo no Brasil. Florianópolis: Insular, 2007. ROMANCINI, Richard. História do jornalismo no Brasil. Florianópolis: Ed insular, 2007. ROSSI, Clóvis. A contra revolução na América Latina. São Paulo: Atual, 1991. 63 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas SANTOS, Gilmar. Princípios da Publicidade. Belo Horizonte: Ed UFMG, 2005. SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. SMITH, Anne-Marie. Um acordo forçado. O consentimento da imprensa à censura no Brasil. Rio de Janeiro: FGB, 1997. 64 O campo profissional de Relações Públicas e a construção da imagem de um novo Brasil no período da Transição Democrática: uma análise através da perspectiva da Pesquisa Histórica (1984-1985) Carla Lemos da Silva e Gisele Becker Resumo Este estudo busca analisar o papel do campo de Relações Públicas, associado a mídia impressa, na construção de uma imagem positiva sobre o Brasil no momento de Reabertura Política (1984-1985). A partir da Campanha Diretas Já, construiu-se um discurso midiático em torno do cenário de esperança, através do qual o futuro do país poderia ser dirigido por um presidente civil. Deixávamos para trás os anos de Ditadura Militar. Neste sentido, busca-se analisar a interferência (ou não) do campo de Relações Públicas na formação desta imagem do país em um período onde se fazia necessário um comprometimento tanto dos poderes públicos quanto da população em geral, da mudança dos rumos da Nação. Para tanto, utilizaremos a metodologia da pesquisa histórica construindo uma análise a partir da Revista Veja nestes anos de transição democrática. Além da consulta de mídia impressa, a metodologia também será constituída de pesquisa oral com profissionais de Relações Públicas atuantes no mercado. Palavras-chave: Relações Públicas, História, Pesquisa histórica. No momento de abertura política no Brasil, a partir do ano de 1985, com o final do regime militar, os brasileiros se questionavam sobre os rumos que seriam tomados na política nacional a partir daquele momento, em clima de expectativa e euforia. A respeito do governo Sarney (1985-1989), símbolo da reabertura política no país, cabe destacar alguns comentários desse período histórico. Rapidamente podemos considerar algumas questões políticas, econômicas e sociais do mesmo. Conforme a memória e a história política da época, esse governo ficou conhecido com o de “transição democrática”. A expressão refere-se ao momento em que os militares tinham deixado o 65 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas poder e estavam de volta à caserna. Pelo lado dos civis, depois de uma abertura “lenta, gradual e segura”, há o retorno da vida democrática no país, com um civil - em eleição indireta - assumindo o poder no país1. Além disso, podemos considerar também que essa transição não refletia somente no âmbito do poder, mas sim em praticamente toda a vida nacional. Isso é, de uma forma ou outra a sociedade brasileira sentia essa abertura e democratização do país. A passagem do poder aos civis também pode ser entendida no aspecto econômico. Isso porque ao longo do chamado “Milagre Econômico” houve uma expansão geral da economia brasileira bem como de serviços como um todo. Dentro deste contexto, este artigo busca investigar qual a participação do campo profissional de Relações Públicas no momento de transição para uma abertura democrática no Brasil. Após entrevistas com profissionais do campo e análise de artigos científicos e fontes primárias impressas, aqui representadas pela Revista Veja, nos deparamos com interpretações que suscitaram nosso questionamento. Se durante o regime Militar o campo contribuiu para a formação de uma imagem de um Brasil moderno e investidor em tecnologia, e no processo de lenta reabertura democrática, simbolizado pelo governo Figueiredo, órgãos como o Secom foram importantes na formação de uma imagem positiva sobre a presidência, como se verificaria a atuação do campo no momento em que o primeiro civil ocuparia a presidência da República após anos de ditadura? Em fase inicial da pesquisa, onde este estudo se encontra atualmente, nos debruçamos sobre exemplares da Revista Veja entre os anos de 1984 e 1985. É interessante notar o clima de euforia instalado nas páginas da mesma, sinalizando para o clima de euforia em torno da mudança. Ao mesmo tempo em que o recém-eleito por eleições indiretas Tancredo Neves é mostrado sorridente, anúncios publicitários o cercam de apoio durante a nova fase que o país viveria a partir de então. Tornaram-se comuns anúncios de vários setores da indústria nacional virem acompanhados de uma faixa verde-amarela com os dizeres Muda Brasil. 1 Não é objetivo deste artigo discutir o processo de abertura política e sucessão presidencial que foi marcada pela eleição indireta da chapa Tancredo Neves - José Sarney e pela morte do primeiro antes de assumir o poder respectivamente. Com isso, José Sarney toma posse como presidente do país depois de 21 anos de governos militares. 66 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Logo ao início de 1985, ano decisivo na trajetória política brasileira, todas as atenções são voltadas a Tancredo Neves e na expectativa de seus feitos até então. A edição 859, de fevereiro daquele ano, dedica-se, em vários momentos, a tecer rasgados elogios ao presidente eleito, tanto em relação a imagem construída sobre ele no país, quanto no exterior. Não bastasse o entusiasmo quanto ao que poderia ser efetivamente realizado na presidência, muitas vezes as abordagens feitas são de caráter pessoal à própria figura de Tancredo. Além de ser veiculada, com frequência, a imagem de um afável governante, são feitos elogios até mesmo à forma como ele conduzia as entrevistas concedidas. Dizia-se que Tancredo tinha a fórmula ideal de conceder entrevistas, onde todos os repórteres encontravam espaço para fazer seus questionamentos e todos eram devidamente respondidos: Os jornalistas podem perguntar à vontade e o presidente não sofre o constrangimento e responder praticamente sufocado por uma bateria de microfones.2 Na mesma edição, Tancredo é fotografado ao lado de David Rockefeller, grande acionista do Chase Manhattan Bank, que tece vários elogios ao presidente eleito. Existe, neste momento, o intuito de mostrar a inferência da imagem da presidência no Exterior. Pouco tempo antes, cabe ressaltar, foram capa da revista os dizeres Um novo Brasil no Exterior3. 2 Revista Veja, ed. 859, 20 de fevereiro de 1985, p.23. 3 Revista Veja, ed.857, 06 de fevereiro de 1985, capa. 67 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas FIGURA 1: Um novo Brasil no exterior. Fonte: Revista Veja, ed.857, 06 de fevereiro de 1985, capa. A quem caberia a elaboração deste material de cunho entusiasta, que se aproxima, até mesmo, das perspectivas de agendamento na mídia impressa? Durante o ano de 1985, a população acompanhou pelas páginas da revista o calvário de Tancredo Neves, as diversas manifestações de apoio sentidas no mundo todo, e as atenções voltadas ao governo Sarney. Este, também seria alvo de apoio, sentido até o fracasso do Plano Cruzado. A motivação deste estudo, portanto, se deu no sentido de verificarmos se o campo de Relações Públicas representou participação efetiva neste processo, como já foi verificado em momentos anteriores da história do Brasil, ou se sua atuação sofreu deslocamentos. 68 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Estudo de Heloiza Matos sobre a trajetória das relações públicas aponta para deslocamentos na atuação de RP neste período. A autora reforça a participação do campo durante o regime Militar, contribuindo para a construção de uma imagem positiva do país. Entretanto, sinaliza para o fato de que a construção, no mesmo sentido, elaborada nesta fase de transição democrática, especialmente a partir de 1985, possivelmente se dá por outros caminhos. Neste período, seriam elaborados planos de comunicação, a partir da ação conjunta de vários campos interligados, formando um plano de comunicação governamental: Publicidade e Propaganda, Marketing político e Relações Públicas. Para a autora, “no início do processo de redemocratização, durante o governo Sarney, foi pensado um plano de comunicação social que pudesse criar uma identidade para o governo civil, após um longo período de ditadura militar, e preparar a sociedade para a participação neste processo de retomada democrática”4. A partir daí, nos deparamos com a dificuldade de mapear o que efetivamente coube a cada campo, e apontar com maior propriedade a específica atuação de Relações Públicas neste projeto. Ao mesmo tempo, entrevista cedida por Jerônimo Braga5 às pesquisadoras aponta outros direcionamentos. No período em foco nesta pesquisa, estaríamos percebendo o nascimento do marketing político, no intuito de reforçar a importância do momento vivido. Isso também seria sentido através de um acompanhamento sistemático, conforme observamos na análise da Revista Veja no ano citado, das ações tanto do presidente eleito Tancredo neves quanto de seu sucessor José Sarney. Entre medidas vislumbradas, montagem dos ministérios e viagens de cunho diplomático, tudo é acompanhado pela mídia de forma entusiasta e de maneira a dar apoio à presidência. Entretanto, conforme nos foi salientado na entrevista, o campo de Relações Públicas não teria atuado diretamente neste processo, sofrendo deslocamento para atuação junto à iniciativa privada. 4 MATOS, Heloiza. Das relações Públicas ao marketing público: (des)caminhos da comunicação governamental. In: Portal RP. Disponível em: <http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/projetosdepesquisao1/0078.htm> Entrevista com o professor de Relações Públicas Jerônimo Carlos Santos Braga, em 18 de junho de 2009. 5 69 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Buscando um maior entendimento sobre a questão, um mapeamento sobre as atividades do campo de Relações Públicas revela que em 1985, no Estado de São Paulo instala-se o Sindicato dos Profissionais Liberais de Relações Públicas. De acordo com Antonio De Salvo, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Relações Públicas em 1987: Nos últimos anos, o mercado de Relações Públicas se desenvolveu muito graças à abertura democrática. Acredito que RP seja hoje o setor de maior desenvolvimento da área de Comunicação. E esse desenvolvimento vai continuar e cada vez maior porque RP é atividade indispensável em um regime democrático6. Ilustrando o que afirma, De Salvo fornece os seguintes dados: em 1985, existiam no País, cerca de 30 assessorias de Relações Públicas que movimentaram, aproximadamente, 300 milhões de cruzeiros; em 1986, o número de assessorias mais do que dobrou: 70, movimentando cerca de 800 milhões de cruzados. Para Salvo (1987), “no regime democrático, o poder mais forte é a Opinião Pública. É indispensável, então, que toda a empresa tenha um bom conceito perante a opinião pública e que saiba se comunicar adequadamente com todos os segmentos que formam essa opinião”. O autor acredita que esses segmentos são a imprensa, o governo, as entidades de classe, os sindicatos, os funcionários e todos os públicos que influenciam a empresa. “Para fazer isso, a empresa precisa usar técnicas adequadas e essas são as técnicas de Relações Públicas. Por isso, acredito - acentua de Salvo - que quando mais democracia tivermos, mais os profissionais e as empresas de RP vão ser necessários à conceituação institucional do empresariado junto ao mercado, junto à Opinião Pública”7. Neste período, conforme afirma Braga, quando questionado sobre a imagem do governo Tancredo, em que este foi feito um mártir, se foi atividade de Relações Públicas, lembrando que no regime militar, a grande preocupação foi com a mudança de imagem do presidente Figueiredo, responde: 6 SINPRO. Disponível em: <http://www.sinprorp.org.br> Acesso em 10 de abril de 2008. IX Catálogo Brasileiro de Profissionais de Relações Públicas 1987, disponível em: <http:// www.sinprorp.org.br/Memorias/memoria86-88-12.htm> Acesso em 15 de junho de 2009. 7 70 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Como eu enxergo a atividade de Relações Públicas não. Não tinha esta visão das Relações Públicas, até por ser contra o governo militar que usava. Era visto como uma coisa unilateral, ao meu ver, posso estar completamente errado. Aquele esforço todo era um esforço de divulgação política, de valores políticos, mas não ligados a um esforço de Relações Públicas e sim um esforço de comunicação, de divulgação, de informação e que usava muito os processos publicitários. Braga também afirma que no final do governo Figueiredo, com Marco Antônio Kramer, assessor de imprensa, começou a se interessar por estudar a opinião pública, aí começou a entrar Relações Públicas. Foi criada, naquela época, uma coordenadoria de pesquisa e avaliação, cuja função era análise dos noticiários do Brasil inteiro, quando se tirava as expectativas que se criavam na opinião pública sobre assuntos ligados à presidência da república. Em 1980, foi criado pelo Conselho Regional de Profissionais de Relações Públicas – 2ª Região – São Paulo/ Paraná, o Prêmio Opinião Pública – POP, sendo o reconhecimento mais cobiçado conferido aos profissionais e empresas de Relações Públicas de todo o Brasil. Essa iniciativa é de caráter exclusivamente cultural e sem fins lucrativos, que visa distinguir, periodicamente, os melhores trabalhos de Relações Públicas, desenvolvidos em benefício de empresas e instituições privadas ou governamentais do Brasil. Estimula-se, com isto, o movimento geral da área e os profissionais de Relações Públicas, que desenvolvem com competência, criatividade e profissionalismo, projetos de Relações Públicas para os mais diversos segmentos de mercado, gerando negócios e credibilidade para as empresas8. Em 1985, temos várias premiações. O Programa Eco: Encontro de Comunicação e Orientação, da organização Caterpillar Brasil S.A, tinha como profissional responsável Fábio França. O objetivo do programa era o de estabelecer um canal de comunicação, através de reuniões entre a diretoria e os funcionários, de forma a romper a distância existente entre a alta administração e os empregados. Desta forma, com a constante evolução da comunicação interna, o trabalho Disponível em < http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm> Acesso em 15 de junho de 2009. 8 71 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas de Relações Públicas é muito valorizado. Esta premiação foi na categoria Relações com o Público Interno. Ainda em 1985, o Programa Lançamento do Ford Cargo, da organização Ford do Brasil S.A., com o profissional Agostinho Edson Corrêa Gaspar, também foi premiado na categoria Relações com o Público Consumidor. A primeira dificuldade no caminho dos organizadores da campanha promocional foi a imagem, revelada por uma pesquisa, da Ford Brasil como empresa produtora de automóveis. Para os consumidores, fabricar veículos comerciais era atividade secundária da empresa. Além disso, era preciso inverter uma tendência considerada histórica no mercado, de registrar aumento de vendas apenas quando o produto deixa de ser novidade e consegue a confiança dos compradores. O terceiro tabu também se referia aos consumidores, considerados conservadores que dificilmente mudam de marca. 9 A campanha foi considerada um sucesso, medida através das vendas. A partir disto, foi montada uma campanha de sustentação da imagem, de forma que o trabalho de Relações Públicas planejou avaliações e divulgação sobre as vendas e exportações10. Ainda na categoria Relações com o Público Consumidor, foram premiadas as empresas Credicard S.A, e Capão Novo Empreendimentos Imobiliários. Percebemos, até o momento, que as próprias transformações pelas quais o país vinha passando implicariam, necessariamente, na mudança dos rumos de campos profissionais e serviços como um todo. Afinal, deixávamos para trás os tempos de autoritarismo e ufanismo: Com a liberdade de imprensa, a sociedade, que já sentia o esgotamento do autoritarismo, passou a exigir muito mais transparência. Começou-se a perceber que aquele estilo de comunicação vertical direta com o Poder Executivo, em gabinetes fechados, estava com os dias contados. Os canais tinham de ser mudados e ampliados. (KUNSCH, 1997, p. 31). 9 http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm Disponível em < http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm> Acesso em 15 de junho de 2009. 10 72 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em janeiro de 1985, a Rhodia, aproveitando do fato de que as comunicações começaram a se tornar mais estratégicas, criou uma Gerência de Comunicação Social, sob a direção de Walter Nori, que era responsável pela coordenação integrada de todas as atividades desse setor, formada pelas divisões de imprensa (assessoria de imprensa e publicações), relações Públicas (projetos institucionais e comunitários) e marketing social (publicidade, valorização do consumidor e pesquisa de mercado). “Um aspecto (...) a ser ressaltado é a preocupação daquela empresa em ordenar a comunicação empresarial”. (KUNSCH, 1997, p. 32). “A partir dali, não existem mais ações isoladas de comunicação. Tudo segue o posicionamento estratégico e mercadológico da empresa (...) arrebenta com as ilhas internas de informação – guetos – entre todos os públicos de interesse (...)” (NASSAR apud KUNSCH, 1997, p. 32). E possível pensar, neste sentido que haveria de fato um direcionamento maior de atividades das relações públicas para atuação junto a empresas, entretanto, ainda fica, nesta fase da pesquisa, uma carência de esclarecimentos quanto a atuação do campo enquanto pertencente a esta plano de comunicação governamental. A fase de análise da documentação primária nos ressalta aos olhos algumas semelhanças em relação a discursos elaborados tanto nas edições de 1985 quanto de momentos imediatamente anteriores. Mas se o campo de RP atuou mais efetivamente neste sentido, contribuindo para a formação de uma imagem positiva de um novo Brasil, imagem esta inclusive vendida ao Exterior, concomitantemente ao trabalho junto à iniciativa privada, é o que o andamento deste projeto pretende revelar. Referências FAUSTO, Boris. História do brasil. São Paulo: Edusp, 1997. KUNSCH, Margarida. Relações Públicas e modernidade: Novos paradigmas na comunicação organizacional. 3.ed. São Paulo: Summus, 1997. 73 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas MATOS, Heloiza. Das relações Públicas ao marketing público: (des)caminhos da comunicação governamental. In: Portal RP. Disponível em: <http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/projetosdepesquisao1/0078.htm> PORTAL RP. Disponível em < http://www.portal-rp.com.br/pop/popanual/pagina_02.htm> Acesso em 15 de junho de 2009. IX Catálogo Brasileiro de Profissionais de Relações Públicas 1987, disponível em: <http://www.sinprorp.org.br/Memorias/memoria86-88-12. htm> Acesso em 15 de junho de 2009. SINPRO. Disponível em: < http://www.sinprorp.org.br> Acesso em 10 de abril de 2008. Entrevista com Jerônimo Carlos Santos Braga, em 18 de junho de 2009. Revista Veja, Ed. Abril, fevereiro a julho de 1985. 74 Breve história dos slogans políticos nas eleições do Brasil Republicano Adolpho Queiroz e Carlos Manhanelli Resumo Este artigo pretende recuperar a memória dos slogans eleitorais no Brasil, na ótica da propaganda política, mostrando de que forma, estas palavras ajudam na construção da imagem eleitoral e política dos candidatos. O estudo presente tem como objetivo a análise das representações discursivas, políticas e dos valores contidos nos slogans das eleições presidenciais, governamentais e municipais. Os resultados do estudo incidirão na análise da diferenciação discursiva, política, ideológica e dos valores contidos nos slogans de campanha. Do ponto de vista metodológico, este estudo utiliza a análise de conteúdo, percepções lingüísticas e visão histórica de sua evolução no Brasil. Palavras-chave: slogans; propaganda política; Brasil; discursos. Introdução Embora a história da propaganda política no Brasil seja recente, tem sido modesto o estudo e a recuperação das contribuições do slogan como peça essencial de uma campanha política. Do humor dos tempos da República Velha, que ironizava o candidato Artur Bernardes pelos seus hábitos etílicos, imprimindo-lhe o rótulo de “Seu Mé” (“Seu Mel”, utilizando-se o termo “Mel” ou “Mé” para qualificar quem tomava aguardente em excesso); passando pelo mais emblemático de todos, construído para dar a Juscelino Kubitscheck de Oliveira a imagem de empreendedor, que faria o Brasil avançar “50 anos em 5”; ou ainda o popular “Lula lá”, incentivando o candidato Luis Inácio Lula da Silva na sua campanha presidencial, deram aos slogans eleitorais uma configuração nova e importante na história recente da propaganda política no país. A definição sobre slogan está resumida em ser uma frase ou sentença que defina as qualidades do produto. Um slogan é uma frase de fácil memorização usada em contexto político, religioso ou comercial 75 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas como uma expressão repetitiva de uma idéia ou propósito.Um slogan politíco geralmente expressa um objetivo ou alvo “Trabalhadores do mundo, uni-vos!”1 enquanto um slogan publicitário é mais frequentemente usado como uma identificação de fácil memorização agregando um valor único à empresa, produto ou serviço, sendo esse valor concreto ou não, como o exemplo da marca de cerveja “A número 1”. Slogans variam do escrito ao visual, do cantado ao vulgar. Quase sempre sua natureza simples e retórica deixa pouco espaço para detalhes e, como tal, servem talvez mais a uma expressão social de propósito unificado, do que uma projeção para uma pretendida audiência. Slogans são atrativos particularmente na era moderna de bombardeios informacionais de numerosas fontes da mídia. A palavra vem de slaugh-ghairm (se pronuncia slogorm), do gaélico escocês que designa a expressão “grito de guerra”, como no filme conhecido Coração Valente2, que é uma das formas de representação do período em que surgem os slogans, alguns dos quais pronunciados durante aquela produção. O slogan publicitário é uma curta mensagem usada como uma identificação de fácil memorização agregando sentido a um produto ou serviço. O slogan compõe o que se chama de suporte ou complementação de uma determinada mensagem. O brado de guerra, grito usado nos antigos clãs para inspirar os seus membro a lutarem pela preservação do grupo, adequa-se à guerra existente no mercado e na disputa pelo consumidor. Modernamente, a publicidade e a propaganda utilizam o slogan como forma de destacar os atributos, vantagens entre outras na complementação de uma mensagem comercial. Na propaganda o slogan é uma frase mnemônica, tem finalidade de manter-se na mente do consumidor ratificando certas características. São elas: a personalidade - que conceitua o produto frente ao seu usuário, por exemplo: O slogan político”Trabalhadores do mundo, uni-vos!”, um dos mais famosos gritos de protesto do socialismo, vem do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels. A real tradução é normalmente tida como “Proletários de todos os países, uni-vos!” É algumas vezes estendida para “Trabalhadores do mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões”, misturando as três últimas frases do Manifesto Comunista.A máxima socialista foi adotada como lema da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, dissolvida no final de 1991. Obtido em http://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalhadores_do_mundo,_uni-vos! 1 2 76 Braveheart (Coração Valente), 1995, EUA, direção de Mel Gibson. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais “Com o produto X, você vai ao sucesso!” - a identidade ou a denúncia dos atributos do produto é uma das características mais importantes somada à facilidade de memorização. O slogan está associado à imagem, à linguagem escrita e estética transcendendo a materialidade o produto ou serviço, transformando-se no afirmativo indicador dos atibutos enunciados no texto publicitário. O bom slogan é curto e direto expressando a história, a psicologia, o conceito da marca, empresa ou produto e ou serviços3. Os slogans usados nas campanhas eleitorais, devem se tornar o grito de guerra dos militantes partidários e, com certeza, não saem da cabeça de nenhum iluminado. Os bons slogans derivam das informações prestadas pelas pesquisas que detectam as qualidades já enxergadas no candidato e as valorizam, ou apregoam um conceito que se deseje reforçar sobre o candidato ou sobre sua plataforma proposta, ou um desejo, necessidade, anseio ou precisão da população naquele momento. Ele pode até derivar de uma expressão que esteja na moda na época de sua utilização, como: “Eu quero votar para Presidente” (Campanha Diretas Já em 1984). Os slogans eleitorais devem ser de fácil lembrança, com palavras simples, conter o nome do candidato é desejável. Rimas, trocadilhos e palavras bem humoradas, ajudam no fator lembrança como: Não vote em branco, vote Negrão de Lima (Campanha no Rio de Janeiro para Governador) e “Plante que o João Garante “ (Presidente João Batista Figueiredo – 1980). O slogan eleitoral ideal, é aquele que passa para a população como um jargão popular, usado para expressar algum sentimento (Por algum tempo a indignação com as campanhas eleitorais eram expressadas com o famoso “Meu nome é Eneas”). O slogan pode também trazer um desejo que a população tenha manifestado possuir, em tal grau que justifique sua presença. Um benefício sempre será bem vindo na estrutura de um bom slogan. “Vote para ser feliz” ou “Pra acabar com a molecagem”.Um bom slogan, também deve mostrar a diferença entre os candidatos: “Vote no brigadeiro, ele é bonito e é solteiro” ”(Briga3 HTTP://www.wikipedia.org/wiki/slogan acessado em 28/11/2007. 77 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas deiro Eduardo Gomes, eleição presidencial de 1945) ou “Collor é progresso” (Collor é progresso – ano 1989). Além de tudo isso, um bom slogan deve transmitir um sentimento positivo sobre o candidato: “Collor, um novo tempo vai começar” (Collor é progresso – ano 1989). A estratégia deve se fazer presente também na hora de se fazer um slogan. As pesquisas em 1990 mostravam que a clase média tinha medo de votar em Lula para Presidente. Assim nasceu o slogan que combatia esse conceito “Sem medo de ser feliz” (Lula, eleição de 1990). O ideal é que um slogan expresse o que está no inconsciente coletivo da população e que possa maximizar esses sentimentos e emoções já percebidos. Para isso, os futuros candidatos devem ser orientados para antes de pensar em qual slogan utilizar, encomende uma pesquisa para saber qual a imagem que a população tem dele. Quais as qualidades já são perceptíveis expontaneamente. A partir do resultado desta pesquisa, é que se deve então, formatar um bom slogan do que for mais forte nas possibilidades, como apresentamos acima (expressão da moda, desejo da população, qualidade do candidato, imagem, mostrar a diferença), não se esquecendo o que faz a diferença em um bom slogan (fácil lembrança, expressar sentimento, ser positivo e estratégico). Abaixo apresentamos tabelas com alguns slogans conhecidos e já citados e outros nem tanto: Campanhas Históricas Slogan Ano “Terra à vista!” - marinheiro na embarcação de Pedro Álvares Cabral - campanha de conquistas coloniais de Portugal que dá origem ao Brasil. 1500 “O petróleo é nosso” - Getúlio Vargas. 1950 Campanhas Militares Slogan 78 Ano “Brasil, ame-o ou deixe-o” 1970 “Ninguém segura este país” 1970 “Este é um país que vai pra frente” 1970 “Pra frente Brasil” - Copa do Mundo/México 1970 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais “Plante que o João Garante” - Presidente João Batista Figueiredo 1980 “Eu te amo meu Brasil” 1970 “As 200 milhas são nossas” 1970 Campanhas Estaduais Slogan Ano “Ao ver o Pedro, levante o dedo” - campanha a deputado de Pedro Geraldo Costa “Mais trabalho, mais oportunidades” - candidatura de Mendonça Filho, de Pernambuco 2006 “Novo Maranhão” – Jose Sarney, candidato a Governador do Maranhão 1996 “Novo Tempo” - Roseane Sarney, candidata ao Governo do Maranhão 2002 “Não vote em branco, vote Negrão de Lima” - campanha no Rio de Janeiro para Governador “Os velhos de Brasília não podem ser eternos” - slogan do Deputado Federal Henrique, do Acre “Tempo Novo” – Marconi Perillo, campanha ao Governo de Goiás “Juntos vamos mais” - Paulo Hartung, Governador do Espírito Santo 2006 “O senador da União” – candidatura de Jarbas Vasconcelos, de Pernambuco 2006 “ACM - Ação, Competência e Moralidade” - campanha ao Governo da Bahia por ACM “Brasília nunca mais será a mesma” - Clodovil Hernandes, candidato a deputado federal 2006 “Alô Rocinha! Pobre vota em pobre. É nóis na fita!” - Mauro Galo “Eu era feliz e não sabia” - slogan de uma das campanhas de Delfim Neto a deputado federal 1990 “O Paraná faz bem” - Álvaro Dias “O Rio Grande em primeiro lugar” - Antonio Brito, do Rio Grande do Sul “Paixão pelo Rio Grande” – Germano Rigotto “Ajude um desempregado a virar deputado” - Lia Preto “Seu voto? não chute...vote na Ruth” “Pra seu governo, nem Miro, nem Sandra, Moreira Franco” – do Rio de Janeiro Campanhas Municipais Slogan Ano “O tostão contra o milhão” – campanha de Jânio Quadros a Prefeito de São Paulo “Quem ama São Paulo, vota Paulo”. “Foi Maluf que fez”. “Trabalhador vota em trabalhador” - adotado pelos candidatos do PT 1953 “Rouba mas faz” - Ademar de Barros e Paulo Maluf. O slogan oficial da campanha de Ademar era “Fé em Deus e Pé na Tábua”. 1950 1988 “Prefeito da paz” - slogan de Nion Albernaz, candidato em Goiânia 1966 1988 1980 ‘‘Tá certo Paulo Roberto’’ - candidato a Prefeito de Rio Verde – GO “Chega de malas, vote em Bouças” “Linguiça neles!” - grito de guerra do candidato Lingüiça, de Cotia/SP 79 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas ‘’Tudo Pela Dinha’’ - candidata em Descalvado, de Alagoas ‘’Não vote em A, nem em B, nem em C; na hora H, vote em Gê” - slogan em Carmo do Rio Claro, do candidato apelidado de Ge ‘’Não vote sentado, vote em Pé” - em Hidrolândia/GO, de um candidato chamado Pé ‘’’Vote com prazer’’ - da cearense chamada Débora Soft, stripper e estrela de show de sexo explícito “Pedra no buraco e Pedro na Prefeitura” - campanha a Prefeito de Pedro Geraldo Costa “Vote em Difunto, porque político Bom é político Morto” - em Mogi das Cruzes/SP, do candidato chamado Difunto “Dos males o menor” - em Muniz Freire, do Espírito Santo, do anão Celinho, candidato a vereador “Chega dos mesmos” - de Francisco Rossi, Prefeitura de Osasco 1985 “Leve-me para a Câmara” - a modelo Núbia de Oliveira disputou uma cadeira de vereadora pelo PL, de Uberaba/MG 2002 “Vote na filha do Rei, Jesus” - da filha do Pelé para vereadora, em Santos 2002 “Na hora de votar – CIMATI” – candidato a vereador na cidade de Dourados/MS, chamado Cimati 2002 Apelidos Slogan Ano Toninho Ternura/Toninho Malvadeza, ACM (Antonio Carlos Magalhães/BA) 1975 FHC (Fernando Henrique Cardoso) 1990 JK (Juscelino Kubitshceck) 1955 O velho Gegê (Getúlio Vargas) 1940 Seu Mé (Artur Bernardes) 1920 Lula (Luis Inácio Lula da Silva) 1970 Clichês São slogans/expressões comumente usadas em campanhas de diversos níveis: “Vamos ver (cidade) crescer, novos rumos”; “Por uma (cidade) forte e humana”; “Porque (cidade) merece”; “(cidade), o futuro é agora”; “Eu respeito (cidade)”; “(cidade) mais feliz, (fulano de tal) já ganhou!”; “Não desperdice seu voto! (cidade) merece mais!”, “Compare os (número de candidatos da cidade). Vote certo!”; “Voto nele!”; “Vote nele!”; “O povo no poder”. Perspectivas metodológicas Em termos metodológicos, na investigação presente optamos pela utilização da análise de conteúdo, a partir do modelo de Espírito Santo (2004), inspirada nos estudos de Berelson e Bardin, técnica que nos pro- 80 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais pusemos aplicar, tendo com consideração a sua adequação e tradição na análise descritiva e também inferência de conteúdos comunicacionais como os materiais de propaganda. Além desta, há incursões sobre as definições teóricas sobre o slogan, a partir de Reboul (1975) e Lasswell (1982); e uma visão lingüística, a partir das definições de Iasbeck (2002). Depois disso, enveredamos pelas incursões sobre a evolução histórica da comunicação, conforme o projeto que vimos desenvolvendo sobre A história as eleições presidenciais no Brasil Republicano, sediado na Universidade Metodista de São Paulo. Nesse sentido, o estudo clássico desenvolvido por Harold Laswell e Sergius Yakobson, sobre “Os slogans de 1º de maio na União Soviética, 1918/1943” (Lasswell, 1982), sugerem igualmente a necessidade de releitura para o panorama contemporâneo nacional, mostrando de que forma os slogans evoluíram em campanhas nacionais no nosso país, rico em diversidade lingüística e cultural. A técnica de análise de conteúdo - com raízes teóricas nos desenvolvimentos norte- americanos das décadas de 30 e, sobretudo, de 40 em diante teve múltiplos contributos impulsionadores pioneiros, entre os quais se destacou o de Bernard Berelson (Berelson, Salter, 1946) Este autor é considerado um dos principais mentores daquela técnica nos EUA. Berelson produziu contributos no plano conceptual e empírico que marcaram a investigação social e política, não só no âmbito da técnica de análise de conteúdo como também nos estudos de propaganda, e nos estudos com base em sondagens e inquéritos sociológicos ligados aos primeiros desenvolvimentos na área do comportamento eleitoral. O impacto do modelo conceitual e metodológico de Berelson foi significativo, durante várias décadas, não apenas nos EUA, mas conforme assinalou Bardin, em contextos como o francês. Segundo Bardin, pelo menos até a década de 1970, os raros manuais que abordavam a técnica, obedeciam de modo rígido ao modelo de Berelson [Bardin (1977) 1991]. A partir dos anos de 1980, a perspectiva qualitativa da análise de conteúdo passa a ser alvo de maior destaque conceptual assim como de desenvolvimento empírico. Múltiplos contributos de referência posteriores têm contribuído para a renovação dos enfoques técnicos da análise de conteúdo (Krippendorf 1980; Weber 1990; Romero 1991; Altheide 1996). Na aplicação presente da técnica de análise de conteúdo utilizamos a sua tipologia categorial baseada, sobretudo, na inferência 81 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas dos resultados, incidindo, assim, na sua vertente qualitativa. Pretende-se, do ponto de vista categorial e da inferência, a desmontagem das tendências de comunicação constantes do corpus selecionado (a mensagem dos slogans. Neste estudo não temos como objetivo o levantamento e inferência de natureza iconográfica dos materiais de propaganda que constituem o todo textual de onde os slogans são parte integrante. Como referido, este estudo tem em consideração uma matriz sociológica, baseada na análise de conteúdo e, como tal, não se enquadra na matriz teórica linguística que a análise textual e discursiva podem fornecer. Embora o nosso objeto empírico, os slogans de campanhas eleitorais, tenha materialidade textual verbal. No que se refere ao processo de codificação procedemos ao recorte das unidades de análise, compostas pela palavra e pelo tema. Ainda no âmbito do processo de codificação, a regra de enumeração utilizada é de ordem qualitativa. Ou seja, a escolha das unidades de enumeração é concretizada no levantamento e análise da presença ou ausência de ocorrências com significado analítico, face aos objetivos propostos. Para além da codificação, a outra operação técnica presente é a categorização. Nesta optou-se por um sistema de classificação semântico, aliado a um procedimento designado ‘por milhas’ (Bardin 1977). Optamos por este procedimento tendo em consideração a natureza rica, diversificada e extensa do material em análise. De modo concreto, este procedimento consiste no desenvolvimento do quadro categorial à medida que se desenvolve todo o processo de investigação e amadurecimento das potencialidades de análise do material selecionado. Ou seja, o processo de categorização é ditado, sobretudo, pelos contornos e especificidades do corpus, e procura um alinhamento analítico, de acordo com a sua natureza comunicacional e significados simbólicos. Desse modo, as operações de codificação e categorização foram concebidas pelos autores do estudo, com base no quadro contextual, temático e metodológico atinente ao estudo presente e de acordo com o objetivo de análise proposto. O tratamento dos dados foi efetuado, tal como referido, com base numa vertente categorial e qualitativa da análise de conteúdo. Do ponto de vista da validade do estudo investimos na clarificação dos procedimentos metodológicos utilizados, conscientes da especifi- 82 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais cidade da análise de conteúdo em termos técnicos, à semelhança do que é perfilhado por outros contributos que se dedicam à investigação social e a esta técnica (Bringberg, Mac-Grath, 1985; Bowen, Petersen, 1999). O interesse dos autores nos temas da persuasão e propaganda políticas (Espírito Santo, 1997) assim como a sua atividade docente e também de investigação, com recurso à análise de conteúdo (Espírito Santo, 2004), contribuiu para que o caminho percorrido pudesse ser delineado. Do ponto de vista da fidelidade da análise perfilhamos a importância de se clarificar o conjunto de estratégias metodológicas seguidas para a sua concretização. No que se refere ao instrumento conceitual de base deste estudo, que se consubstancia nas categorias, conduzimos a sua formulação de modo a que as mesmas obedecessem às cinco regras fundamentais que lhe conferem a sua fidelidade. São estas a exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a objetividade e a produtividade. Ou seja, tendo sido construída num sistema que promoveu a sua flexibilidade e adaptação às particularidades e riqueza do corpus em análise, a concepção das categorias de análise obedeceu, igualmente, nos vários momentos da sua construção, às regras acima referidas. O slogan e a sua importância política e comunicacional Como elemento essencial da mensagem em propaganda política, o slogan constitui a base analítica deste estudo. Em termos de mensagem, a propaganda política assenta, fortemente, no valor dos slogans e dos símbolos políticos, como elementos catalisadores da ação política e eleitoral. Como tal, o slogan deve conter características que desencadeiem a sua rápida memorização, do ponto de vista auditivo ou visual. O êxito do slogan passa por aspectos como a simplicidade, a graça, a graciosidade, a fonética. Por outras palavras, “o slogan tem de conter um apelo, suficientemente, simples, facilmente, compreendido e susceptível de ser uma senha de coesão do grupo. Este grupo, o dos apoiantes da força política quer-se o mais alargado possível, tanto quanto possa permitir o acesso ao Poder” (Espírito Santo, 1997: 115). O nosso interesse nas origens da cultura européia e na comunicação conduziu-nos a uma reputada especialista em sânscri- 83 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas to e a encontrar uma provável resposta, ainda mais longínqua, do que a de Reboul, para as origens e o significado etimológico da expressão slogan. Concluímos que existe uma forte possibilidade de a expressão slogan ter a sua origem no sânscrito. Referimo-nos à contribuição da Professora Doutora Maria Margarida Lacerda, especialista em Sânscrito, reputada Professora Jubilada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa, que afirma que as origens da palavra slogan advêm da Língua da família hindo-hitita que é a forma mais antiga do indo-europeu. Esta língua conservou-se durante cerca de um milênio na tradição oral e passou à escrita somente no II milênio d.C. Esta língua hindo-hitita não é falada nem escrita, hoje em dia. A língua indo-européia é ancestral, raiz e base originária de todos os ramos linguísticos, situados no quadro do amplo contexto cultural indo-europeu (Espírito Santo, 1997: 116). Nessa perspectiva, o termo slogan viria do hindo-hitita, idioma no qual faz parte a expressão šloka que traduz a ideia de dístico, ou seja, de dois versos formando sentido completo, os quais poderiam estar inseridos em cânticos que ditos, repetidamente, constituíam um apelo à concretização de boas realizações por parte dos seus emissores e, em última análise, para toda a comunidade. Consideramos altamente provável que a expressão slogan tenha raiz no sânscrito, na expressão šloka, sendo que a fonética e o significado associado à expressão original naquela língua clássica apontam, fortemente, para tal constatação. Tecnicamente, o slogan eleitoral traduz-se numa frase curta, a qual contém uma componente promocional destinada a captar o interesse do eleitorado, sendo que o slogan, para além disso, pode conter também palavras de ordem dirigidas à ação. Nem todos os slogans contêm palavras de ordem. Para além do slogan, propriamente dito, há ainda uma componente da mensagem ligada àquele, mas distinta, que se concretiza no apelo ao voto, o qual é composto pelas frases que contêm o nome do candidato e o imperativo verbal do voto neste. O slogan funciona mais pelo seu significante do que pelo seu significado. Do ponto de vista das representações discursivas o slogan assenta mais no seu caráter mobilizador e instrumental e menos 84 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais na sua capacidade de esclarecimento, do ponto de vista informacional. O slogan contém em si, geralmente, a idéia do todo do produto político (no caso político) que procura promover, mas isso não significa que tenha, necessariamente, que remeter para o ideário político e ideológico da força política em causa. Como lembra Lasswell [(1949), 1979: 22], o slogan “é o grito de guerra” e, como tal, o slogan deve apelar às emoções e levar à coesão. O slogan funciona como um promotor de esperança, alento e empenho, em prol de uma causa e, como tal, gera uma adesão cujo caráter incondicional é, geralmente, perfilhado pelos seus promotores. Nesse sentido, para além da simplicidade, outra das características que confere funcionalidade ao slogan é a sua facilidade de reprodução oral, a qual, em última análise procura a promoção da unidade do grupo, grupo este que pode ser tão amplo quanto à dimensão do Estado. O slogan constitui um elemento natural à comunicação humana, com lugar no espaço social e político, desde tempos imemoriais. A funcionalidade do slogan, do ponto de vista da comunicação, reservou-lhe lugar cativo e pouco alterado ao longo de, pelo menos, cerca de dois milênios, a crer na sua antiguidade indo-européia. À entrada do terceiro milênio, o slogan mantém-se no seu formato original, curto e pragmático, mas simultaneamente, catalisador, emotivo e aglutinador de massas. No estudo que construiu, denominado A arte dos slogans, Luís Carlos de Assis Yasbeck (2002: 27) afirmou que eles transmitem as seguintes “sensações de verdade”: a. Os slogans mais eficazes desprendem-se do caráter meramente referencial que os liga aos seus objetos, em vantagem das conotações simbólicas; b. Os slogans publicitários criam, provocam e/ou sedimentam relações funcionais com os demais modos de pensar e agir que estão presentes nos demais sistemas culturais; c. Os slogans não necessitam alimentar-se de elementos periféricos da não-cultura sob pena de se tornarem excessivamente redundantes e, conseqüentemente, obsoletos. Iasbeck classifica a família das imagens em cinco ramos, entendendo-se imagem como representação icônica que guarda do seu 85 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas objeto certa semelhança. E também reproduz os conceitos de que podem ajudar a valorizar e compreender melhor o papel dos slogans não só em campanhas eleitorais, a saber: 4. As imagens gráficas, como pinturas, estátuas, desenhos, 5. As imagens óticas, aquelas geradas pelo espelhamento e pela projeção, 6. As imagens perceptuais, as que nos vêm pelos dados dos sentidos ou perceptos ou pela identificação de sua aparência, 7. As imagens mentais aquelas dos sonhos, da memória,da lembrança, a imagem as idéias, 8. As imagens verbais, aquelas escritas pelas palavras, sugeridas pelas metáforas. (Iasbeck 2002: 30) Vale lembrar também que os slogans se aproximam de outras figuras de linguagem igualmente tradicionais, como refrões, adágios, parêmia, jargão, clichê, divisa, lema, palavra de ordem e norma. Na conclusão da sua pesquisa, Iasbeck nos mostra que o slogan é um texto que reúne, de forma compactada, uma série de informações que podem ser lidas de múltiplas formas, a saber: a. Brevidade: frase sintética que contém, a princípio, apenas termos e expressões absolutamente necessários; b. Condensação: trata-se de um signo que reúne outros tantos signos privilegiando em destaque aqueles julgados mais significativos pelo produtor, em função do público-alvo; c. Autoridade: o slogan afirma alguma coisa, mesmo que o faça negando com firmeza e determinação; d. Prestígio: o enunciado busca, direta ou indiretamente, atrair prestígio para o seu objeto, seja ele o produto, a marca,o anunciante ou uma Idéia; e. Anonimato: o leitor não é capaz de identificar com precisão o autor de um slogan, muito embora possa julgá-lo como o anunciante (candidato) que assina a peça publicitária; mesmo nesse caso, a “voz” do slogan não tem dono; 86 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais f. Ambigüidade: as várias vozes de um slogan fazem dele uma curiosa e atraente forma de comunicação publicitária, g. Humor: os slogans bem-humorados conseguem maior pregnância no leitor ou no ouvinte, facilitando a memorização e instigando a repetição voluntária, o humor inteligente de um slogan transfere prestígio e simpatia ao objeto enunciado; h. Impacto: o slogan tende a quebrar a cadeia viciada da linearidade de forma a causar surpresa, privilegiando o inusitado, tanto em nível sintático quanto semântico, pode provocar leituras curiosas e enriquecedoras; i. Cadência: muitos slogans tiram grande proveito da cadência e da harmonia rítmica, através de intervalos regulares e tonicidade proporcional, para que soem bem aos ouvidos, mesmo quando apenas lidos; j. Comunicação imediata: um bom slogan pode até convencer o leitor a complexas decifrações posteriores, mas ele não pode deixar de possibilitar comunicação imediata, pois a velocidade de uma leitura não suporta grandes reflexões; k. Repetição: o slogan precisa ser de fácil repetição, ou seja, necessita conter elementos que facilitem sua imediata memorização e não o tornem entediante após algumas repetições. Para possibilitar tais efeitos, a harmonia e a cadência da frase, aliadas à brevidade, são essenciais. (Iasbeck, 2002: 35) Dimensões teórica e pragmática Com as visões teóricas adotadas diante da modesta produção acadêmica sobre slogans político-eleitorais, é possível perceber que este estudo contribui para recompor parcelas da memória, com a captação dos slogans mais presentes em nossa história contemporânea, quer seja em eleições presidenciais, estaduais, municipais ou nos que viraram “clichês” de tanta utilização. Tomando como parâmetros os conceitos sobre “imagens” e os conceitos sobre “linguagens”, eis nossa visão sobre alguns dos slogans mais importantes que recuperamos sobre as eleições presidenciais. 87 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Campanhas Presidenciais Slogan “Lula lá” – Lula, eleição presidencial de 1989; “Sem medo de ser feliz” - Lula, eleição de 1989; “Agora é Lula”– 2º Turno da eleição presidencial de 2002; Data “Juntos chegaremos lá” – Afif Domingos, eleição presidencial de 1990; 1989 2002 Brevidade/Cadência. Este slogan sintetiza no termo “ser feliz”, o sonho da maioria a população em ter um candidato popular, possui ritmo próprio. 2006 Autoridade/humor. Com um fundo bem humorado, o slogan pedia que não se fizessem críticas ao presidente, deixando o livre para cumprir suas promessas de campanha. 1989 Repetição, este slogan foi utilizado pelo candidato através da linguagem “Libras”, sinais gráficos para surdos/mudos, inovando no processo. Sua característica de repetição foi essencial no processo. Percepção 1989 Autoridade. Usando a imagem de que um “marajá” era um funcionário público que ganhava muito e não trabalhava direito, o então candidato, reprisando a mensagem da “vassoura” de Jânio, igualmente prometia limpar a corrupção do funcionalismo público no país. Metáfora 1989 Repetição/Humor. Com pequeno tempo no rádio e televisão para popularizar seu nome, o candidato repetia e interpretava exaustivamente este slogan, que beirava o ridículo, mas cujo resultado em termos de memorização e eficiência foi ótimo. Verbal 1984 Cadência/Condensação. A sociedade tinha como anseio o fim do Regime Militar e este slogan dava conta de construir esta perspectiva Mental/Sonho “Collor é progresso” – ano 1989; “Um novo tempo vai começar” – Collor em 1989; “Caçador de marajás” – Collor em 1989. “Meu nome é Enéas” – campanha presidencial. “Diretas já” - movimento pelas Diretas, em 1984; “Eu quero votar pra presidente” – movimento pelas Diretas, em 1984; “Tancredo já” – campanha presidencial. “Gente em primeiro lugar” – em 1994; 1994 Metáfora Mental/Sonho, Brevidade Autoridade. Pobre em criação, o slogan priorizava indiretamente a questão social. “O Brasil não pode voltar atrás. Avança, Brasil” - reeleição de Fernando Henrique, em 1998. 1998 Autoridade. O então candidato também queria continuar governando, sem receber críticas pelo que já tinha realizado. “Queremos um País Decente” – campanha de Geraldo Alckmin para presidente 2006 Remete-se aos mesmos apelos de Jânio e Color, de forma mais amena. 88 Imagem Impacto, mostrando que o “lá” /Brasília seria a meta a ser alcançada na eleição, para que finalmente um candidato popular rompesse o ciclo de representantes das classes econômicas e/ou militares que anteriormente governaram o país, “Lula de novo, com a força do povo” - campanha à presidência de 2006; “Não troque o certo pelo duvidoso” e “Deixa o Homem Trabalhar” - reeleição de Lula em 2006. Linguagem Verbal Mental/ Sonho Verbal Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais “Varre, varre vassourinha” – Jânio 1960 Varrer a corrupção que assolava o país na época. Autoridade, mostrando que com uma vassoura na mão, objeto que a maioria da população possuía em sua própria casa, seria possível com a autoridade moral do candidato, acabar com a corrupção no país. “50 anos em 5” – JK 1955 Impacto. Com ele o candidato sugeriu ao povo um tempo de progresso e muito trabalho. Verbal “Vote no Brigadeiro. Ele é bonito e é solteiro” - Brigadeiro Eduardo Gomes 1945 Prestígio, por ser “bonito e solteiro” significando que ele poderia ser um bom presidente por estas razões. Metáfora “Ele voltará” – Movimento Queremista, Getúlio Vargas 1945 Repetição/Prestígio. Como Getúlio já tinha sido presidente e gozava de prestígio, a intenção era fazê-lo retornar à presidência. Mental. Icônica/ Percepção Análise O que se percebe, então, na evolução do processo de comunicação e linguagem/imagem, é que os slogans nas eleições presidenciais brasileiras assumiram papéis estratégicos que os confirmaram perante a história. A repetição do combate à corrupção utilizada por Jânio e Collor, é emblemática dos desafios no período. As sínteses “50 anos em 5”, “Diretas já”, “Lula lá” uniram sonoridade, ritmo e impacto. E, com certeza, o slogan com a linguagem de “Libras”, do candidato Guilherme Afif Domingos, em 1989, foi emblemático do ponto de vista da inclusão social. A repetição deu ao “Meu nome é Enéas”, a característica essencial para que o candidato obtivesse mais de um milhão de votos, usando pouco mais de 30 segundos diários em suas peças de comunicação com a sociedade através do rádio e da televisão. Se sob a ótica da linguagem da imagem as características dos slogans se repetiram ao longo da história recente do país, do ponto de vista da história da propaganda política, estas características se ampliaram com o passar os anos. Se antes eram apenas impressos em jornais, folhetos de divulgação impressa, foi com a chegada do rádio e da televisão que os slogans – e ao lado dele os jingles – ajudaram a popularizar candidatos/candidaturas e foram a síntese necessária para os processo comunicacional e a identificação da sociedade com os seus candidatos preferidos. 89 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Referências ESPIRITO SANTO, P. “A mensagem política na campanha das eleições presidenciais: análise de conteúdo dos slogans entre 1976 e 2006”. In Revista Comunicação & Cultura, no. 2, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Quimera, 2006. p. 83-101. IASBECK, L.C. A arte dos slogans, as técnicas de construção das frases de efeito do texto publicitário. São Paulo, Editora Anablume, 2002. LASWELL, H. A linguagem da política. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1982. LESSA, O. Propaganda eleitoral, observações sobre a campanha política na eleição para governador de São Paulo em 1954. Rio de Janeiro, Editora PN, 1955. MAGALHÃES, C. & MOTA, A. Slogans, os 1000 melhores slogans da propaganda brasileira. Rio de Janeiro, Letter editorial, 1991. QUEIROZ, A. (Coord.). Marketing político brasileiro. Ensino, pesquisa e mídia. Limeira, INTERCOM/ Cátedra UNESCO, Unigráfica. 2005. REBOUL, O. O slogan. Editora Cultrix, São Paulo, 1975. http://pt.wikipedia.org/wiki/Slogan acessado em 28/11/2007. 90 Políticas de Saúde nas Campanhas Televisivas de Prevenção à AIDS: controvérsias, acordos e alternâncias Preciliana Barreto de Morais A entrada da AIDS no Brasil, no início dos anos 1980, refletiu as contradições e problemas sociais que já vinham se desdobrando desde as últimas décadas. A urbanização e os processos migratórios da década de 1970 reconfiguraram a geografia das cidades, estabelecendo novas formas de convivência. O deslocamento da população rural para os grandes centros e o seu rápido crescimento acirraram uma série de contrastes e conflitos na reorganização do espaço urbano. O predomínio de um modelo econômico vinculado às determinações das políticas financeiras internacionais também foi outro fator que interferiu de forma significativa no direcionamento das ações na área da saúde. A luta no campo político pela efetivação de uma democracia permanente, após vinte anos de ditadura (1964-1984), e a busca interminável das pessoas por melhores condições de vida fragilizaram a crença nas instituições sociais, diante de tantas perdas e frustrações acumuladas. Todos esses aspectos fizeram com que o País atravessasse a década de 1980 e entrasse nos anos 1990 envolvido numa profunda crise nas diversas áreas sociais. Neste contexto, as autoridades responsáveis por desenvolver e efetivar políticas públicas de saúde para a população, ao eleger prioridades e concentrar sua atenção em questões que correspondiam aos interesses de grupos, negligenciaram os problemas mais urgentes no campo das doenças. A AIDS expôs de forma trágica tal descompromisso. Doenças como tuberculose, difteria, desidratação infantil etc., e processos políticos como o movimento de eleição direta para presidente, denominado de Diretas Já no ano de 1984, dentre outros, apareciam como os mais importantes a serem tratados e efetivados como parte da transição para a democracia. Tais preocupações no início da epidemia impossibilitaram que vários grupos sociais soubessem e discutissem mais claramente sobre a AIDS. Este fato fez com que a doença se infiltrasse 91 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas rapidamente na vida das pessoas e limitasse a capacidade delas responderem ao surgimento de uma patologia que se expandia por meio da infecção como de perceberem a dimensão social, cultural e epidemiológica que tal doença acarretaria. A AIDS foi incluída no quadro de doença rara e associada a indivíduos pertencentes a segmentos sociais que gozavam de uma qualidade de vida privilegiada e adotavam comportamentos diferentes. Os homossexuais masculinos com poder aquisitivo alto tornaram-se o principal alvo de ataques preconceituosos. Vários ministros da Saúde descreveram a Aids como uma epidemia da elite privilegiada, viajada e em condições de pagar suas próprias necessidades de tratamento médico e não como um problema de saúde pública da população brasileira de uma forma mais ampla (DANIEL e PARKER, 1991/1993 In: PARKER, 1994, p. 90). Em 1985, o Programa Nacional de Combate à AIDS ficou com a incumbência de estabelecer um plano de metas de cinco anos que respondesse à epidemia. Segundo Parker (1994, p. 90), o Programa, que ficou sob a direção da bióloga Lair Guerra de Macedo Rodrigues, “foi marcado, de modo geral, por inconsistências e sucessos questionáveis”. No ano de 1987/88, o Ministério da Saúde elegeu a educação e a informação como elementos fundamentais para o controle da epidemia. A realização de uma comunicação preventiva, pelos meios de comunicação, entretanto, levou um tempo para ser implantada. A entrada da AIDS no Brasil, nos primeiros anos da década de 1980, além de não chamar de imediato a atenção das autoridades no sentido de vê-la como uma doença grave, disseminou posturas discriminatórias e irresponsáveis. Arletty Pinel (1996) relata um fato que retrata de forma apropriada as situações, condutas e discursos que predominaram em tal época. Na primeira década da Aids no Brasil, (...) entre as muitas histórias que poderíamos contar está a de Valter S. Gallego, ex-presidente e atual consultor da diretoria do GIV (Grupo de Incentivo à Vida), que há dez anos procurou o Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Ao final da consulta, recebeu da médica que o atendeu o aviso que tinha mais quinze dias de vida e de que deveria deixar tudo preparado para abandonar este mundo. Ele ainda lembra do que sentiu naquele 92 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais momento: ‘Saí de lá desesperado, mas não deixei de acreditar em mim. Hoje ela é uma das médicas mais citadas nos programas de Aids e eu vou muito bem, obrigado. Não dá para acreditar como alguém pode predizer o que vai acontecer com o outro só porque o diagnóstico é AIDS(...)’. (PINEL e IGLESI, 1996, p. 7-8) A falta de agilidade e de um maior compromisso das políticas de saúde, tão peculiares no início da epidemia de AIDS no Brasil, foram tornando-se menores à medida que a doença foi se intensificando e ficando mais visível para a sociedade. A preocupação do Ministério da Saúde, diante desse quadro, foi unir forças e procurar integrar o sistema de saúde – SUS – em variadas frentes para barrar o avanço da doença. A responsabilidade primeira no controle das DST e AIDS era de incumbência das secretarias estaduais de saúde. As ações mais efetivas se concentravam, principalmente, nos estados onde havia maior incidência de casos. Com o desenvolvimento da AIDS em todo o Brasil, as ações de prevenção e controle da epidemia ficaram cada vez mais concentradas na Divisão de Dermatologia Sanitária da Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. A criação do Programa Nacional de DST e AIDS por essa unidade foi um marco na pressa das políticas preventivas. Parker (1994, p. 92), analisando o resultado de tais iniciativas, ressalta que, (...) pelo menos até certo ponto, foi possível unificar de forma mais eficaz os serviços federais, estaduais e locais em relação à AIDS do que em relação a quase todos os outros problemas de saúde. Esta unificação nunca foi total, mas criou condições que possibilitaram algum grau de cooperação. A formação de uma Comissão Nacional de Combate à Aids, com a participação de representantes do sistema de saúde pública, bem como da comunidade científica e de ONGs/Aids, criou um fórum para reunir diversos setores da sociedade brasileira e, a despeito de suas diferenças, inaugurou o debate sobre o desenvolvimento de respostas políticas eficazes à epidemia. As estratégias de comunicação utilizadas pelo Ministério da Saúde no enfrentamento da AIDS começaram a ter um tratamento mais efetivo, somente nos anos 1986/87, no governo de José Sarney, quando a AIDS já havia desenhado os contornos de uma epidemia. O desconhecimento do vírus HIV pelo saber médico e a letalidade imposta por ele, que se expressava por meio das mortes cotidianas 93 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas nos hospitais, interferiram de forma significativa nos discursos das campanhas preventivas, que passaram a ser veiculadas, com maior ênfase, nos meios de comunicação, a partir do início de 1988. As primeiras campanhas transmitidas pela televisão ressaltavam as descobertas médicas da época sobre o vírus HIV e apontavam as principais formas de contaminação, com uma linguagem simples e muitas vezes moralista. Em virtude de a contaminação pelo HIV estar associada ao uso de drogas injetáveis, transfusão de sangue e às práticas sexuais, estas últimas tornaram-se o foco de anúncios também contraditórios. Os slogans de duas campanhas da época - “O amor não mata” e “Não morra de amor” (PARKER, 1994) - ilustram e representam momentos de acertos e controvérsias nessa trajetória composta por dramas, frustrações e conquistas. A partir do ano de 1987, a camisinha passou a ser um dos elementos centrais do discurso das campanhas de prevenção à AIDS. O estímulo ao uso do preservativo tornou-se uma das bandeiras das políticas de saúde do Ministério no controle da doença. Com uma linguagem didática para ensinar as pessoas a se prevenirem da doença, o slogan chamava a atenção com a imagem da camisinha e os seguintes dizeres: “AIDS, você precisa saber evitar”. A outra campanha se referia ao preservativo no próprio texto: “Camisinha – O Seu Grito de Liberdade”. A visão da camisinha nos media produziu uma inquietação e começou a criar uma certa familiaridade das pessoas com a imagem do produto, antes só pensada na intimidade das alcovas. Dora Guimarães (2001) ressalta, no entanto, que a preocupação entre os anos de 1982 a 1988, na cidade do Rio de Janeiro, voltava-se quase que exclusivamente para as notificações de casos de contaminação por transfusão de sangue. A possibilidade dos companheiros das mulheres dos segmentos populares (universo da sua pesquisa) terem adquirido o vírus de outra forma e contaminá-las foi desconsiderada pela investigação epidemiológica, pelo fato de estes homens pertencerem a um universo de condutas normativas – casados e heterossexuais. A contaminação dos parceiros de tais mulheres pelo vírus da AIDS e a transmissão da doença para suas partícipes eram associadas, no máximo, a relações sexuais com prostitutas. Uma investigação, entretanto, nas “quase 500 fichas notificadas de 1982 a 1988 no 94 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais estado do Rio “(...) havia somente um caso de mulher classificada como ‘prostituta’, sendo as demais 44 infectadas registradas como mulheres de vida ‘conjugal regular’” (GUIMARÃES, 2001, p. 24-25). Paradoxalmente, ressalta a autora, no ano de 1988, “(...) a paisagem urbana do Rio de Janeiro, na época, alardeava outdoors que estampavam o rosto de uma jovem branca, muito maquiada, evocando o esteriótipo da prostituta, junto com a legenda: ‘Quem vê cara não vê Aids. Use camisa-de-vênus’” (GUIMARÃES, 2001, p. 25). Com a entrada do governo Collor em 1990, as políticas públicas de saúde relativas à AIDS, que vinham se desenvolvendo no País, sofreram um impacto que comprometeu de forma significativa o andamento do Programa. É importante ressaltar que a crise social, nessa época, se aprofundou em todas as áreas, dada a recessão provocada por uma inflação sem controle e a falta de um direcionamento efetivo das políticas pelo governo. A entrada de Alceni Guerra para o Ministério da Saúde reforçou uma das características mais visíveis desse período: a preocupação em mostrar serviços que causassem impacto na população. Uma das primeiras iniciativas do novo Ministro foi redefinir tanto a organização e atividades que vinham se efetivando frente à AIDS, como a própria proposta do Programa. Exigiam-se, então, atitudes mais combativas e mais agressivas frente à epidemia. A substituição de Lair Guerra por Eduardo Côrtes para assumir a direção do Programa provocou uma onda de insegurança, principalmente nos grupos que já vinham desenvolvendo e efetivando projetos e ações na equipe do governo anterior. Segundo Parker (1994, p. 92), (...) a indicação de Eduardo Côrtes – epidemiologista treinado na Universidade de Califórnia, Los Angeles, mas sem nenhuma experiência administrativa ou política anterior, para diretor do Programa Nacional de Combate à Aids, marcaria uma mudança importante na resposta do governo federal à epidemia. Nesse período, o PN de Combate às DST e AIDS se apresentava como uma das unidades mais representativas do Ministério da Saúde e tinha realizado algumas conquistas substanciais, como (...) a melhoria parcial da vigilância epidemiológica; (...) a publicação mensal e a distribuição ampla de um boletim epidemiológico contendo os casos relatados à Divisão Nacional de DST/ 95 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas AIDS; (...) atividades de cunho educacional e (...) a criação da Comissão Nacional de Combate à Aids para trabalhar em conjunto com a Divisão Nacional de DST/AIDS na elaboração de um plano de ação em resposta à Aids (PARKER, 1994, p. 93). Apresentando o argumento da falta de recursos, Alceni Guerra diminuiu drasticamente o orçamento e o quadro de pessoal envolvido com o Programa. Todas as atividades retrocitadas sofreram intervenção, ou seja, foram suspensas e substituídas. A nova coordenação tinha como incumbência reorganizar-se e encontrar espaço entre as tantas outras prioridades no campo da saúde. Tais medidas provocaram uma estagnação do Programa, que praticamente ficou sem desenvolver atividades mais significativas no decorrer de todo o ano de 1990. Em dezembro de 1990, foi lançada a primeira campanha preventiva do governo Collor. Obedecendo à lógica da visibilidade extrema e de uma composição agressiva – texto e imagem - a campanha foi realizada por uma agência de propaganda contratada pelo governo e subsidiada por empresas privadas. Foi veiculada em cartazes, outdoors, rádio e televisão. As campanhas nos media impressos – cartazes e outdoors – traziam a silhueta feminina e masculina com um círculo em cima dos órgãos genitais de cada um, em forma de espiral, nos tons vermelho e branco, imitando um jogo de tiro ao alvo. A ideia era de chamar a atenção para o perigo das relações sexuais. Parker (1994) acentua que, na televisão, a campanha reproduziu de maneira ainda mais agressiva a proposta do novo governo. O programa de anúncios de televisão, ainda mais estarrecedor, começou com depoimentos de quatro pessoas – as três primeiras contavam que tinham tido diversas doenças (sífilis, tuberculose e câncer) e, que, felizmente, estavam curadas, enquanto a quarta se identificava humilhadamente como um paciente de Aids e lembrava ao público que sua doença era incurável. O anúncio terminava com o seguinte slogan desconcertante: ‘Se você não se cuidar, a AIDS vai te pegar’. (PARKER, 1994, p. 94). A imagem e o conteúdo reproduzidos por tais campanhas foram duramente criticados pelos grupos ativistas da época, por discriminarem os doentes e disseminar o terror em relação à doença e às vítimas. A AIDS era associada para a sociedade a todos os aspectos 96 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais que se contrapunham à possibilidade de vida. A morte era anunciada como uma das primeiras ameaças trazidas pela doença, fato este que viria surtiu um efeito devastador no imaginário coletivo, com desdobramentos danosos no que se refere ao preconceito das pessoas frente à doença e aos doentes. O óbito social anunciado dos indivíduos vitimados pelo vírus HIV e a AIDS tornou-se um fato inconteste. Diante de tal quadro, pode-se vislumbrar que os primeiros anos da década de 1990 foram marcados por campanhas que apresentavam conteúdos inquietantes e contraditórios. No momento em que um anúncio transmitia pânico e temor nas pessoas com tipos de mensagens como: “a AIDS mata sem piedade; não permita que essa seja a última viagem da sua vida”. Ao mesmo tempo, outro anuncio institucional procurava instigar o espírito de “solidariedade” frente às vítimas: “Previna-se do vírus, não das pessoas”. As contradições que norteavam o encaminhamento e formato de tais campanhas traduziam a inabilidade do governo Sarney em lidar com problemas sérios de saúde na sociedade, que se intensificaram na gestão Collor de Melo. Cabe, entretanto, ressaltar que a administração Sarney, mesmo identificando-se por um slogan vazio - “Tudo pelo social” - e tendo desenvolvido ações muitas vezes controvertidas, conseguiu ainda dar um direcionamento às políticas relacionadas à AIDS e organizar o Programa Nacional de Combate a tal epidemia. Com Fernando Collor, os tímidos passos dados na gestão anterior quase ficaram paralisados. Durante os seus quase dois anos de mandato, os problemas sociais foram se agravando e tornando-se visíveis em todas as áreas, denunciando a falta de compromisso e de um plano de ação para a sociedade como um todo. Logo após sua posse em março de 1990, o Plano Collor 1 foi posto em ação. Tratava-se de medidas provisórias e decretos que autorizavam o bloqueio de contas correntes e de poupança. Foi feita também a reforma monetária que substituiu o cruzado novo pelo cruzeiro, mantendo valores equivalentes. Na cultura, foram extintas a Embrafilme, a Funarte e a Lei Sarney, que designava recursos para as artes. Uma quantidade considerável de funcionários públicos foi demitida. Em dezembro de 1990, foi lançado o Plano Collor 2, com novas medidas, entre elas, privatizações, fim de estabilidade do funcionalismo e do ensino gratuito nas universidades (CARNEIRO, 1999, p. 55-56). 97 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas No final de 1991, a crise se expandiu e tornou-se incontrolável. Desemprego, inflação, escândalos políticos, trocas de ministros e envolvimento de familiares e assessores em desvios de dinheiro público levaram os partidos políticos e a população a se mobilizarem em prol da renúncia do Presidente. O lema do conquistador espanhol Hernan Cortés - “Vencer ou vencer”, utilizado como slogan do governo “collorido” foi derrotado no dia 2 de outubro de 1992, quando Collor de Melo foi afastado temporariamente do poder, registrando o primeiro caso de impeachment da história política brasileira (CARNEIRO, 1999, p. 55-56). Nesse contexto, a área da saúde foi também bastante comprometida. O programa de estabilização econômica que se impôs de 1990 a 1991 determinou o congelamento de preços e salários, mas autorizou, de forma irresponsável, o aumento nos valores de todos os medicamentos utilizados no tratamento de infecções associadas à AIDS. Para reforçar ainda mais o descompromisso em relação aos problemas acarretados por tal doença, após realizar uma compra do medicamento AZT e iniciar a sua distribuição nos hospitais, tal iniciativa foi interrompida imediatamente e o remédio recolhido por apresentar data de validade vencida (PARKER, 1994, p. 94). Com o “pandemônio” que tinha se tornado a vida brasileira, no final de 1991, o Programa Nacional de Combate à AIDS se encontrava bastante fragilizado. Eduardo Côrtes sofria críticas por demonstrar uma conduta incompatível com as necessidades que se impunham. Sua posição ambígua e indiferente diante da possibilidade de o Brasil ser escolhido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos locais de teste da vacina contra HIV/AIDS causou inquietação, principalmente nos grupos ativistas. O clima de instabilidade moral e econômica produzido no País, reforçado pelas denúncias de corrupção e dos esquemas fraudulentos do governo, comprometia os vários setores sociais. A pasta da saúde não ficou incólume neste quadro. “(...) No início de 1992, quando, após uma série de acusações relativas à má administração e corrupção dentro do Ministério da Saúde, Alceni Guerra finalmente cedeu à crescente pressão pública e renunciou” (PARKER, 1994, p. 95). Assumiu no seu lugar o médico cardiologista Adib Jatene. Uma das primeiras iniciativas do novo ministro 98 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais foi exonerar Eduardo Côrtes da direção do Programa Nacional de Combate à AIDS e nomear no seu lugar Lair Guerra. Esta retornou ao comando do Programa, com a incumbência de recuperar o que havia sido feito na sua gestão e incrementar as ações frente à epidemia. Mesmo em meio ao quadro político que se configurava para a saída de Collor do poder, a equipe responsável pelo Programa, então comandada por Lair Guerra, tomou iniciativas e pôs em prática algumas atividades e medidas importantes referentes à AIDS, que se prolongaram até o ano de 1996. Dentre elas incluíam-se: a organização de um sistema de vigilância epidemiológica mais eficiente, com a notificação regular de casos de contaminação pelo HIV; a reconstituição do estoque de medicamentos básicos; a proposta de um novo plano para as atividades preventivas e de educação, tendo como base o respeito e a responsabilidade com o doente e a doença; o incremento das relações com as comunidades científicas, grupos de pesquisa, organizações não governamentais e outros segmentos da sociedade civil envolvidos com o problema; a participação nos protocolos de vacinas coordenados pela OMS; a reconstituição e primeira convocação da Comissão Nacional de AIDS no governo Collor; a formação de uma unidade dentro do Programa ligada diretamente às ONGs; a iniciação das negociações com o Banco Mundial para financiamento de um projeto ousado e de grande amplitude na prevenção e controle de AIDS (PARKER, 1994, p. 95). Tais iniciativas foram bastante prejudicadas com as incertezas que se instalaram no País no final da administração Collor de Melo. O Brasil encontrava-se com uma inflação de 25% ao mês, com um quadro de recessão profundo que já se arrastava há três anos. O PIB permanecia estagnado desde o início dos anos 1980. Um percentual significativo da população (75%) fazia um percurso inverso em termos de mobilidade social: da pobreza relativa para a miséria absoluta. O número de pessoas sem saber ler e escrever era calculado em 20 milhões. 32 milhões de crianças e adolescentes perambulavam entre favelas, cortiços e viadutos (CARNEIRO, 1999, p. 134). A esperança concentrava-se então em Itamar Franco, político sem grande expressividade, mesmo tendo sido o vice-presidente de um governo meteórico que primou pelo espetáculo. 99 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas Com a saída de Collor, Itamar Franco tinha como desafio não só minorar a crise aprofundada pelo governo anterior como também recuperar a moralidade que ficou bastante fragilizada no País. Acreditava-se que as iniciativas do novo grupo que assumia o poder fossem norteadas pela honestidade e eficiência. Mesmo procurando governar de forma responsável e transparente, entretanto, questões relativas às necessidades básicas de uma população não podem ser resolvidas com boa vontade e/ou comportamentos éticos. Estes seriam apenas uma das condutas necessária para que a viciada cultura política brasileira pudesse dar alguns passos na busca de melhorias. O governo Itamar trabalhou para criar e manter uma imagem de político honesto no imaginário do Estado brasileiro. A eficiência nas resoluções dos problemas infraestruturais, no entanto, deixou muito a desejar. Na área da saúde, a substituição de Adib Jatene por Jamil Haddad, segundo Parker (1994), progressista, mas com fraca habilidade administrativa, comprometeu o andamento do Programa Nacional de Combate à AIDS durante todo o ano de 1993. As propostas tinham uma visibilidade maior do que uma efetivação de fato. A incapacidade contínua do Programa Nacional de Combate à Aids de implementar até mesmos os programas mais básicos de prevenção e assistência – como uma campanha educativa televisionada em cadeia nacional – continua levantando a dúvida sobre a determinação política da administração Itamar Franco e seu comprometimento em confrontar a epidemia de HIV/AIDS de frente. E a fragilidade das alianças políticas entre o governo e os setores não-governamentais tem se tornado cada vez mais aparente (PARKER, 1994, p. 96). Em março de 1994, já no governo Fernando Henrique, os problemas referentes à AIDS passaram a ser discutidos com maior veemência. As descobertas científicas sobre o vírus HIV, testes e medicamentos já se encontravam bastantes avançadas e as lutas e reivindicações das organizações não-governamentais (ONGs) e outros grupos ativistas da sociedade civil frente à AIDS apresentavam significativa visão pública. Tal conjuntura proporcionou a efetivação de políticas públicas de saúde mais ousadas e comprometidas, dando respaldo à realização de campanhas mais otimistas. 100 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Os teores de medo e intimidação presentes nas mensagens de campanhas, como: “se você não se cuidar a Aids vai te pegar”, foram substituídos por anúncios que apresentavam conteúdos em que a orientação do indivíduo para se defender da AIDS, concentrava-se no estímulo à auto-estima, com a prática do sexo com segurança. De 1994 a 2002, as campanhas encerravam o anúncio informativo sobre a AIDS com slogans visuais ou verbais do Ministério da Saúde, que ratificavam a mudança de abordagem e deixavam a marca deste novo período. A campanha “Quem se ama se cuida” (1994/95) foi uma das primeiras a corresponder a tal espírito. Nos anos de 1995 a 1998, os slogans “Viva com prazer, viva o sexo seguro” (1995), “Neste carnaval use camisinha, sexo seguro é alegria geral” (1996) e “Converse com o seu parceiro. Seja viva. Evite a AIDS” (1996) incentivavam a prática do sexo com descontração, responsabilidade e diálogo. Em 1999, tais aspectos, juntamente com a autoestima, continuaram sendo o carro-chefe das propostas das campanhas do Ministério. Os slogans “Use sempre camisinha, viver sem AIDS só depende de você” (1999) e “Converse com quem você ama. A prevenção começa pelo diálogo” (1999) são exemplos emblemáticos. Os slogans das campanhas do ano de 2000 - “AIDS, prevenir é tão fácil quanto pegar”; “Não leve a AIDS para casa. Camisinha, quem ama usa”; “Não importa de que lado você está. Use camisinha” e “Não importa com quem você transe, use camisinha”, alertavam para a dimensão alcançada pela epidemia. Em 2001 e 2002, os anúncios finalizavam com apelos condizentes com os novos tempos. Os slogans: “respeitar as diferenças é tão importante quanto usar camisinha” e “realizar sonhos é da natureza humana. Use camisinha” sugeriam que a quebra de preconceitos e as várias possibilidades de realização no sexo relacionavam-se, necessariamente, a novas atitudes; ou seja, usar camisinha nas práticas sexuais passou a ser a condição de vanguarda em tempos de Aids. Tal proposta já havia sido transmitida em 1999, quando a frase final de uma das campanhas, mencionada pelo cantor Gabriel, o pensador, orientava, com o seguinte enunciado: “E para se proteger da Aids, use a parte mais importante do seu corpo: a cabeça”, terminando com 101 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas o slogan “Camisinha, eu vivo com ela”. Em 2002, a ideia de segurança no sexo foi consolidada com o slogan “Pra se prevenir use camisinha”. As campanhas publicitárias de prevenção, as políticas de saúde e as pesquisas, tratamentos e práticas preventivas no campo médico continuaram, nos primeiros anos do século XXI, os modelos de referência no controle de tal epidemia. Baseados em tais conhecimentos, os indivíduos são orientados à prevenção do vírus e da doença com o uso da camisinha e de orientações sobre o risco de contaminação mediante outros meios, como o uso de drogas injetáveis e transfusões de sangue sem seringas descartáveis. Os discursos das campanhas retrocitadas procuram corresponder às necessidades e situações de uma época considerada “pós-moderna”. O uso de termos e frases mais leves e sugestivos produz efeitos de permissão para o sexo, tirando o peso de tragicidade, representado pela doença. As campanhas ministeriais imprimem ênfase à informação da necessidade do uso da camisinha nas práticas sexuais. Tal proposta, no entanto, mesmo tendo conseguido atingir razoável nível de entendimento da população sobre o problema, não é sido suficiente para diminuir a vulnerabilidade dos indivíduos frente ao vírus. Milhares de pessoas continuam tendo relações sexuais sem proteção. Os indivíduos não morrem mais de AIDS, entretanto, ainda continuam praticando sexo de risco. Diante de tal comportamento, o vírus HIV vai encontrando “hospedeiros” com mais facilidade e ampliando o quadro de contaminação. Pesquisa realizada nos países ricos do hemisfério norte, no final da década de 1990, pelo Programa de AIDS das Nações Unidas (UNAIDS) com relação ao comportamento sexual dos jovens em tempos de AIDS constatou, que (...) uma educação sexual de boa qualidade tende a aumentar a responsabilidade diante do sexo, adiar o início da vida sexual e diminuir a quantidade de sexo praticado por eles, ao contrário do que muitos imaginam. Prevenção e técnicas de comunicação podem ser ensinadas e devemos começar antes do início da vida sexual. Os modelos de prevenção mais eficazes são aqueles que descrevem bem seus objetivos, estão baseados em teorias sociais da aprendizagem e levam em conta o contexto social, considerando que os jovens são 102 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais diferentes entre si. São claros sobre os riscos de cada prática e não usam meias palavras para ensinar como se proteger, alimentando a franqueza na comunicação sobre o sexo (grifo meu) (PAIVA, 2000, p. 281). No Brasil, segundo Vera Paiva (2000, p. 282), mesmo com a utilização de alguns aspectos do modelo retrocitado “nas oficinas para prevenção (...) são poucos ainda os recursos coletivos que apoiam a maioria dos brasileiros na iniciativa de fazer sexo seguro”. Juntam-se a este dado a falta de uma educação preventiva continuada e o sexualismo muito presente na cultura brasileira. Pelo fato de os anúncios sobre a AIDS terem que se pronunciar sobre uma situação que reúne aspectos bastante controversos como - doença incurável, sexo, prazer e precaução - as mensagens finais das campanhas televisivas resolvem tal paradoxo com a seguinte fórmula: “você precisa aprender a transar com a existência da AIDS” (Campanha, 1995). Significa que fazer sexo é permitido, mas sem camisinha tornou-se um “risco de vida”. Relações sexuais com penetração só devem realizar-se com a utilização do preservativo de borracha, sem ele são estritamente desaconselhadas. O slogan: “Sexo sem camisinha nem pensar”, transmitido por uma das campanhas de 2002, tem sido o interdito e a preocupação principais presentes em todas as campanhas do Ministério da Saúde, de 1987 até o último período momino de 2005. Diante de tal quadro, as campanhas preventivas direcionadas às práticas sexuais limitam-se, no máximo, a transmitir mensagens que procuram convencer os indivíduos a “transarem com responsabilidade”, significando que tal atitude inclui, necessariamente, o uso da camisinha. Neste contexto, o exercício da sexualidade passou a ser regulado e normatizado de acordo com a moral, necessidades e costumes de cada época. A positividade de tal controle consolida-se em laços sociais e referências de condutas. Com a epidemia da AIDS, as orientações das interdições e possibilidades das práticas sexuais são de competência da Ciência Médica, que centraliza suas preocupações na quantidade de parceiros e tipos de comportamentos sexuais e na adoção do preservativo. A sexualidade é vista, predominantemente, no seu aspecto mensurável. 103 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas As campanhas televisivas contra a Aids transmitem tal discurso em um formato publicitário, direcionado para o estímulo do sexo seguro com o uso do preservativo de borracha. Tal segurança indica que as atividades sexuais, em tempos de AIDS, devem ser praticadas com poucos parceiros e, de preferência, nas relações heterossexuais com a proteção da camisinha. Por meio de anúncios que apresentam uma gama de situações em que as relações sexuais entre os indivíduos são possíveis de ocorrer, as mensagens informam que tais atividades são importantes na vida, mas que se podem tornar uma ameaça, quando praticada à revelia de tais ensinamentos. A informação de que a AIDS não tem cura e que sua transmissão pela via sexual pode ser evitada pelo simples uso do preservativo afastou a ideia proibitiva das pessoas continuarem praticando sexo com a existência do vírus HIV e da doença. A associação de tal doença ao sexo pecaminoso e à morte como punição desloca-se para um outro tipo de preocupação: a prática do sexo sem camisinha, que significa comportamento sexual de risco. Pelo fato de a publicidade ter como uma das principais funções chamar a atenção do público para o produto ou ideia ofertados por ela, a AIDS, como doença associada a incurabilidade, punição, sofrimento e possibilidade de morte, ficou em segundo plano. O que passou a ser alardeado foi a forma de se precaver dela. Desde quando a Medicina descobriu que a transmissão da doença ocorria em relações sexuais sem preservativo, as campanhas preventivas de AIDS passaram a se pronunciar sobre sexo seguro, comportamentos e situações sexuais de risco, utilizando seus elementos peculiares para divulgação, quais sejam: despertar o interesse pelo assunto; estimular o desejo de usar a camisinha no ato sexual; criar a convicção de que o preservativo de borracha é o melhor método de prevenção ao vírus e à doença e induzir os indivíduos à ação. (VESTERGAARD e SCHRODER, 1988, p. 47) O formato publicitário utilizado para corresponder a tal propósito elegeu e consolidou como eixo principal da sua composição mensagens visuais e verbais que oferecem como saída para a prática do sexo, com prazer e liberdade, o uso imprescindível da camisinha. A camisinha torna-se o elemento principal na composição de todas as campanhas, que apresentam situações sexuais de forma generalista, 104 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais por intermédio de uma orientação e uso do preservativo, transmitida para o público por anúncios imediatistas, impositivos, reducionistas, contraditórios e ambíguos, 1. que apresentam uma heterogeneidade de temas, situações e formatos, atenuando a gravidade e a complexidade da doença e expondo tal realidade de forma fragmentada e alegórica; 2. que denunciam os conflitos de saberes e a diferença de interesses dos profissionais médicos (voltados para os problemas de saúde) e publicitários (dirigidos para a criação e divulgação) responsáveis por ensejar, pelas campanhas, sentido para a população sobre a gravidade da AIDS e a urgência de prevenção frente a ela; 3. que são transmitidos de forma contingente (carnaval e 1º de dezembro) na televisão; e 4. que apresentam um “discurso econômico” sobre a condição homossexual e não se pronunciam sobre a orientação bissexual, privilegiando o público heterossexual masculino, com informações referentes a comportamentos e situações sexuais peculiares a tal segmento. Nas vinte e cinco campanhas analisadas, apenas em duas a homossexualidade se apresentou como possibilidade a ser considerada. A primeira, transmitida no ano de 2000, trazia um jogral onde as personagens eram todos homens. Dentre todas as mensagens que compunham o anúncio, uma delas destacava a seguinte informação: “(...) eu posso pegar Aids porque eu gosto de homem”; intercalada pelo slogan: “Não importa com quem você transe, use camisinha. Evitar o avanço da Aids depende de você”; o texto continuava e a mensagem repetia-se com um outro sentido: “eu posso passar Aids porque eu gosto de homem”. A segunda campanha, que se propunha a tratar o tema de forma mais explícita, foi transmitida no ano 2001. Denominada de “Campanha Campainha”, a composição da peça procurou “naturalizar” a relação homossexual entre dois rapazes. A proposta apresentou a situação, tanto inofensiva aos bons costumes quanto caricatural e preconceituosa frente a realidade homossexual. Primeiramente, o clima harmonioso reinante na família se contrapunha ao ar de austeridade do pai, quando informava para o parceiro a decisão do filho 105 cAPITULO I - Práticas Políticas e Ideológicas de não querer mais vê-lo. E, segundo, pelo confinamento do rapaz em um espaço, que se assemelhava a um quarto (associado, na história da vida privada, como local onde expomos nossas fragilidades), onde se encontrava acuado em um canto, com um semblante de ansiedade, sobre o resultado de uma situação que lhe competia. A complacência de todos os componentes nesta cena remeteu-me a uma análise de Michael Pollak (1990), quando indica que a dificuldade dos homossexuais assumirem sua orientação sexual, muitas vezes, fazem os mesmos se submeterem às situações impostas pelos papéis e normas sociais de condutas. (...) chegar a transformar uma homossexualidade conhecida numa homossexualidade aceita é tarefa difícil, que mobiliza toda a energia do indivíduo. (...) Porque ela não corresponde à ordem das coisas, muitas vezes sua orientação sexual faz o homossexual duvidar de si mesmo e dessa ordem, o que o leva a interiorizar uma obrigação de justificação de sua ‘diferença’ (POLLAK, 1990, p. 26-27). Várias outras campanhas analisadas apresentaram movimentos enunciativos que misturavam, simultaneamente, doença, risco e prevenção, com humor, alegria, sensualidade, tom jocoso, musicalidade e beleza. A realidade da AIDS, na sua maioria, foi transmitida pelo grande “circo eletrônico”, permeada por imagens de atores, cantores e figurantes, que falavam para o público sobre o problema, com seus rostos e corpos esbeltos, sadios e bonitos por natureza, denunciando a costumeira posição dos publicitários de que “a publicidade deve provocar o sonho, não o raciocínio” (TOSCANI, 2003, p. 53). Isto significa que apresentar ideias para serem consumidas sobre uma situação que assusta, inibe e incomoda, se torna deveras complicado no mundo da propaganda, que lança, permanentemente, mercadorias visíveis, personalizadas, que vendem felicidade. Sexo de risco, transgressão, doença, incurabilidade, solidão e morte, na sociedade brasileira, são problemas dos outros. Tratá-los é de competência médica. Informar fica por conta de uma Publicidade criativa, que cuida de transmitir as mensagens sobre a AIDS, de uma forma alegre, estimulando as pessoas à autoestima e ao autocontrole nas práticas sexuais com o uso da camisinha, sem que precisem abrir mão do prazer, da diversão. Entender tais mensagens e praticá-las é uma prova de sintonia 106 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais e de esforço compatível com os tempos “pós-modernos”. Como dizem os slogans das campanhas apresentadas, “quem se ama se cuida”. “E viver sem Aids só depende de você”. Afinal, “prevenir é tão fácil quanto pegar”. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 1993. Implicações éticas da triagem sorológica para o HIV. Brasília. Secretária de Assistência à Saúde. Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle de DST/AIDS, 1993. ______. AIDS II – Relatório de Implementação – Acordo de Empréstimo Bird 4392/BR. Brasília. Secretária de Políticas de Saúde. Coord. Nacional DST/AIDS, 1998/2000. ______. Projeto de Sustentabilidade e Gestão Estratégica das Políticas HIV/AIDS e outras DST – AIDS III. Brasília. Secretária de Políticas de Saúde. Coord. Nacional DST/AIDS, 2001. CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. O Governo Collor: 1990 – 1994. Rio de Janeiro: Edições ISTOÉ, 1999. GUIMARÃES, Carmen Dora. AIDS no feminino: por que a cada dia mais mulheres contraem Aids no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. PAIVA, Vera. Fazendo arte com a camisinha: sexualidade jovens nos tempos de Aids. São Paulo: Summus, 2000. PARKER, Richard. 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Descrever quem foram os jornalistas fundadores e como mantiveram os primeiros jornais na região, conhecer as linhas editoriais e cobertura jornalística desses impressos são os objetivos dos autores. Este artigo também propõe lançar um primeiro inventário dos jornais de caráter noticioso (e não segmentados) que circularam nas cidades de São Sebastião, Ubatuba, Ilhabela e Caraguatatuba em 118 anos de história da imprensa na região. Utilizamos à metodologia da Pesquisa Histórica tendo como base documentos, livros e os próprios jornais encontrados em acervos e bibliotecas nas quatro cidades do litoral. Trata-se de reunir num único documento em construção, os jornais periódicos que contribuíram e contribuem para o desenvolvimento comunicacional no litoral norte paulista. Palavras-chave: história de jornais, imprensa paulista, imprensa no Litoral Norte, jornais de Caraguatatuba, jornais de São Sebastião, jornais de Ubatuba, jornais de Ilhabela. Introdução Os jornais impressos noticiosos que circularam no Litoral Norte do Estado de São Paulo de 1893 aos anos 1990 integram o escopo principal deste artigo. A metodologia adotada foi a Pesquisa Histórica por meio de documentos, livros e consulta aos periódicos conservados nas bibliotecas e arquivos públicos nas cidades de Caraguatatuba, São Sebastião, Ubatuba e Ilhabela. Na definição de José Honório Rodrigues (1982, p.21), Pesquisa Histórica é “a descoberta cuidadosa, exaustiva e diligente de novos 109 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas fatos históricos, a busca da documentação que prove a existência dos mesmos, permita sua incorporação ao escrito histórico ou a revisão e interpretação nova da História”. Consiste na descoberta dos fatos, na documentação, e no uso correto dos achados. Para Richardson (1989, p.199), “a pesquisa histórica ocupa-se do passado do homem, e a tarefa do historiador, [...] consiste em localizar, avaliar e sintetizar sistemática e objetivamente as provas, para estabelecer os fatos e obter conclusões referentes aos acontecimentos passados”. Explicando as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, Antonio Carlos Gil (1989, p.48) afirma que “boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisa bibliográfica”, justamente porque a pesquisa bibliográfica coloca o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito sobre os objetos pesquisados. O levantamento sobre os primeiros jornais que circularam na região foi feito também no Arquivo Público do Estado de São Paulo, na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e na Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, quando os autores deste artigo pesquisavam dados para suas dissertações de mestrado1. Os autores encontraram no Arquivo Público de Caraguatatuba, exemplares do jornal A Voz do Litoral (circulou de 1953 a 1986), O Atlântico (1963 a 1967), A Tribuna de Ubatuba (1966 a 1968), Expressão Caiçara (1984), 4 Estâncias (1984 a 1989), Jornal Impacto (1975 a 1989), O Litoral Norte (1975 a 1989), Caraguatatuba (1978 a 1987), Radiolite (1982 a 1991), Jornal da Praia (1991), Tribuna Caiçara (1992), Folha de São Sebastião (1994), Imprensa Livre (desde 1995), Jornal Costa Norte (1996), e outros em circulação. No Arquivo Histórico de São Sebastião estão catalogados exemplares do jornal O Continente (1913), O Martello (1916), O Atlântico (1925), Litoral Norte (1936), A voz do Litoral Norte (1953), O Bandeirante (1956), O Bandeirante do Litoral (1975 a 1989), além dos perióA pesquisa foi feita nos anos de 2006 e 2007. No Arquivo do Estado de São Paulo, na Biblioteca Nacional e na Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, os autores não encontraram exemplares dos jornais pioneiros que circularam no litoral norte paulista, somente coletaram dados em livros e documentos sobre a história da imprensa interiorana de São Paulo. 1 110 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais dicos em circulação. Nas Bibliotecas Públicas de Ilhabela e de Ubatuba os autores encontram somente exemplares dos jornais ainda em circulação, com pouquíssimas exceções como O Atlântico (1962). Este artigo faz uma breve descrição dos jornais noticiosos2 que estão em circulação e dos periódicos que tenham sido publicados por pelo menos seis meses nas duas últimas décadas. Entre eles, o diário Imprensa Livre e o mensal Sintonia Social, ambos de São Sebastião e que circulam nas quatro cidades da região; o Diário do Litoral Norte com circulação de terça a sábado; e o semanário Canal Aberto, os dois últimos de Ilhabela; os semanários Noroeste News e Expressão Caiçara publicados às quintas-feiras em Caraguatatuba, o último com edições semanais também em São Sebastião e Ubatuba; o semanário A Cidade publicado aos sábados somente em Ubatuba; o Jornal Agito de Ubatuba, com circulação de terça, quarta e quinta na própria cidade e com edição especial de sexta-feira vendida nas bancas da cidade e com circulação no Litoral Norte e Vale do Paraíba. Dentre os jornais que abriram e fecharam as portas nos últimos 20 anos estão o semanário Jornal da Vila (1992) de Ilhabela; o semanário Correio do Litoral que circulou de 2003 a 2005 em São Sebastião; o semanário Jornal A Cidade de Caraguatatuba (2004); o quinzenal A Folha de Caraguá (2004 e 2005); Tribuna Caiçara (1992); A Semana de Ubatuba (2002 a 2007)3, entre outros. Paulo Sérgio Pinheiro, no prefácio do livro O Bravo Matutino sobre a história do jornal O Estado de S. Paulo (CAPELATO e PRADO, 1980, p. XI), afirma que o uso dos jornais como fonte de documentação sobre a história republicana é usual, mas que “faltavam trabalhos sobre os próprios jornais, especialmente os grandes jornais, de prolongada participação na vida política brasileira. Não se tratava simplesmente de fazer história da imprensa, mas de situar esses jornais como elementos atuantes no processo político global”. 2 Os autores não consideraram neste artigo os jornais de associações de classe, sindicais, de igrejas, comércios e outros que circularam e ainda circulam na região, tais como: De praia em praia - da Diocese de Caraguatatuba, Jornal da Associação Comercial e Empresarial nas quatro cidades, jornais ou revistas de Yacht Club, de aposentados etc. As datas do início e do término das publicações foram obtidas por meio das entrevistas feitas para elaboração deste artigo ou calculadas de acordo com os exemplares encontrados pelos autores. Portanto, as datas são aproximadas. 3 111 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Se recortado para o âmbito regional, tal afirmação também se confirma, quando os autores constatam a falta ou inexistência de estudos sobre os jornais que contribuíram (e contribuem) para o desenvolvimento político e econômico no Litoral Norte Paulista. Dos pioneiros aos jornais em circulação A história da imprensa no litoral norte de São Paulo não é diferente da história da imprensa brasileira. Apesar de o Brasil ter sido descoberto no ano de 1500, a Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal impresso nacionalmente, esperou 308 anos para circular na então capital brasileira (SODRÉ, 1999). No litoral norte de São Paulo, a cidade de São Sebastião aparecia num mapa de 1502, registrado por Américo Vespúcio em uma de suas expedições. A emancipação política aconteceu em 1636 e somente 257 anos depois, a cidade registrou o primeiro jornal a circular no litoral norte, Mar de 1893, seguido por Terra de 1894, como registrado no capítulo “A Imprensa no Interior”, no livro “História da Imprensa de São Paulo”, escrito por Freitas Nobre (1950, p.155-157), presidente do Sindicato dos Jornalistas deste estado naquela época. O Continente (16 abr. 1916); O Atlântico (21 jun. 1925); Litoral Norte (15 jul. 1936); A Voz do Litoral (24 abr. 1955). 112 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Jornais extintos - O Martello (5 out.1916); O Bandeirante (11 mar.1962); Jornal Cidade de Caraguatatuba (29 set. a 06 out.2004); A Folha de Caraguá (01 a 15 fev.2005); Correio do Litoral (19 a 25 fev.2005). O levantamento da imprensa paulista feito por Nobre (1950, p.167), registrou jornais que circularam no Estado de São Paulo de 1823 a 1945. Neste período, ainda consta o registro do jornal Echo Ubatubense em 1896, na cidade de Ubatuba. Na obra “Imprensa do Interior – Um Estudo Preliminar” de Gastão Thomaz de Almeida (1983, p.38), há outro levantamento dos primeiros jornais nas cidades do estado de São Paulo, desde Farol Paulista de 1823 aos periódicos da década de 1970. Neste período constam os registros do Eco Ubatubense (sem o H na palavra Echo) de 1896, e em São Sebastião, o primeiríssimo Mar de 1893. Os autores deste artigo não encontraram exemplares dos dois jornais pioneiros na região: Mar e Terra. Encontraram a descrição apenas do Echo Ubatubense4, como segue abaixo. Portanto, a análise e a descrição de Mar e Terra ficam para as próximas pesquisas. A segunda cidade a se emancipar politicamente no litoral norte paulista foi Ubatuba, em 1638. Portanto, após 258 anos a cidade registrou o primeiro periódico impresso. Uma descrição do Echo Ubatubense foi encontrada na obra “Ubatuba-Documentário”, de Washington de Oliveira (1977): 4 No livro “Ubatuba – espaço, memória, cultura”, os autores Juan Droguett e Jorge Otávio Fonseca (2005, p.247) confirmam que manusearam exemplares do Echo Ubatubense, além de constarem nas referências os jornais Cidade de Ubatuba e Tribuna de Ubatuba. Em 2007, quando os autores deste artigo pesquisaram na Biblioteca no Centro de Ubatuba, não encontraram os exemplares, portanto eles devem estar conservados em outro local. 113 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Como poucas cidades de nosso Estado, e quiçá do Brasil, Ubatuba contou com um bom número de jornais aqui editados. A partir de 12 de outubro de 1896 circulou o primeiro deles, o “Echo Ebatubense”, dirigido pelo Dr. Esteves da Silva e que contou apenas um ano de existência (OLIVEIRA, 1977, p.192). O segundo exemplar do Echo Ubatubense assim se referiu: [...] saiu a luz a primeira folha imprensa em Ubatuba, o primeiro número do “ECHO UBATUBENSE” e, lá fora, ouvia-se o espocar dos foguetes, anunciando às 10 horas em ponto, que Ubatuba tinha, dora em diante, um defensor de seus interesses legítimos. O primeiro número foi enviado ao Sr. Campos Sales, presidente do Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 1977, p.192-193). Uma pequena biografia de “Filhinho”, como era conhecido o farmacêutico, escritor e jornalista Washington de Oliveira, consta no livro “São Paulo – Litoral Norte”, de Lita-Jacques Chastan (1983, p.93). Ele nasceu em Ubatuba em 31 de março de 1906, e ali estudou até transferir-se para Pindamonhangaba, onde concluiu o curso superior de Farmácia. Após breve permanência em São Paulo, retornou a Ubatuba, e, além da atividade profissional, exerceu outras no plano cultural, político e social. Washington de Oliveira casou-se e teve três filhos. Militou na imprensa local, secretariando o “Semanário Cidade de Ubatuba”, e foi correspondente dos grandes diários da Capital. Membro da Associação Paulista de Imprensa; da União Brasileira de Escritores; fundador e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Ubatuba; ex-prefeito de Ubatuba em 1936 e 1945; ex-vereador em diversas legislaturas; autor do livro “Ubatuba-Documentário”, utilizado neste artigo. Retornamos aos primeiros jornais e jornalistas ubatubenses mais adiante. A terceira cidade a se emancipar politicamente no litoral norte foi Ilhabela, em 1806. No entanto, os autores não encontraram registros de jornais editados na cidade antes do Jornal da Vila, em 1992. Sabe-se que O Atlântico, de 1961, e outros periódicos circularam na cidade nestas seis últimas décadas. A quarta cidade a se emancipar na região foi Caraguatatuba em 1857. A cidade esperou 96 anos para registrar o primeiro periódico, A Voz do Litoral de 1953, que será descrito mais adiante. 114 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Tal jornal aparece citado no capítulo “Imprensa do Interior”, no livro “Nascimento da Imprensa Paulista”, de João Gualberto de Oliveira (1978), que ordenou os jornais pelo título, data da fundação e nome do redator responsável, “dados que conseguimos obter em diversas fontes, com a devida cautela (OLIVEIRA, 1978, p.161)”. Em Caraguatatuba, Oliveira (1978, p.173) registra A Voz do Litoral (sem data e citação de editor) e, O Atlântico de 1962 que tinha como redator Manuel Esteves da Cunha Júnior. Em Ubatuba, constam Tribuna Caiçara – 1951 – José Pedro Saturnino; e O Atlântico de 1961. No Litoral Norte, Oliveira (1978, p.211 e 184) cita os jornais O Impacto – 1974 – José Carlos Barreto Barbosa; O Litoral Norte – 1974 e, O Litoral Norte de São Paulo – 1976 – Osvaldo Biel. Jornais de São Sebastião Em São Sebastião5 a imprensa foi inaugurada em 1893 com Mar, seguido por Terra, de 1894. Na pesquisa para este artigo os autores não encontraram os nomes dos fundadores, tempo de circulação e demais informações dos mesmos. Os autores encontraram no Arquivo Histórico da cidade, exemplares de outros jornais pioneiros que passamos a descrever, tendo como base as informações noticiosas e editoriais contidas nestes periódicos. O Continente foi fundado em 1913 por E. de N. Paulo, como impresso na capa do jornal. O jornal que circulava em São Sebastião tinha quatro colunas, formato tablóide, com quatro páginas semanais impressas em gráfica própria. Noticiava acontecimentos locais como inauguração de cooperativa agrícola (edição de 16 de abril de 1916), visita de políticos entre outros assuntos locais. Na parte de publicidade, constavam anúncios de farmácias, armazéns, ranchos, companhias de navegação, comunicados de comerciantes e agradecimentos à população. Os autores não sabem precisar a data em que o jornal parou de circular, mas o último exemplar consultado data de 1919, portanto circulou pelo menos durante seis anos, passando por mudanças gráficas e editoriais identificadas pelos autores nos exemplares consultados. 5 São Sebastião soma 73.631 habitantes (2009). A cidade está localizada há 209 quilômetros de São Paulo. Disponível em: www.saosebastiao.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010. 115 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas O Martello como o nome diz, era um jornal crítico e literário, abordava temas políticos em forma de prosa e versos. Tinha quatro páginas, o tamanho era a metade de um tablóide – um panfleto. Na capa da edição de 05 de outubro de 1916, consta Anno 1, número 16 e editor “Zé Ninguém”, demonstrando que o jornal adotava uma linha crítica, algumas vezes sarcástica. Os autores não sabem precisar a data em que o jornal parou de circular. O Atlântico, criado em março de 1925, era um semanário publicado aos domingos, com sede na rua Dr. Altino Arantes, n.24, em São Sebastião, tendo como diretor Manuel Custódio de Matos e gerente Arthur de Freitas. O jornal era vendido por assinaturas, não usava fotos, mas ilustrações com notas curtas sobre política e notícias em geral. O jornal emitia opinião em artigos assinados, tinha quatro páginas com quatro colunas cada, sendo a última página predominantemente de anúncios. Os autores não sabem precisar até quando circulou. O Litoral Norte circulou pela primeira vez em 15 de julho de 1936, era quinzenal, tinha oito páginas e quatro colunas, sendo dirigido pelo professor Henrique Rodolpho Penno e tendo como repórter Jorge de Castro. O jornal era propriedade de uma sociedade anônima, como consta na capa, dispunha das editorias de política, economia, opinião, esportes, cultura e circulava em Ubatuba, Vila Bela (hoje Ilhabela), Porto Novo (bairro da região sul de Caraguatatuba) e São Sebastião. Os autores deste não sabem precisar o período em que o jornal circulou. No editorial “A nossa aspiração”, no primeiro exemplar, o jornal conta a que veio: Destituído de ostentações inexpressivas, o Litoral Norte surge no terreno áspero do jornalismo com a sua simplicidade natural e animada da mais sublime finalidade. Aos seus organizadores não move outro intuito que não seja o de bem servir a coletividade exprimindo com carinhosa fidelidade as necessidades mais prementes que visem o bem estar dos habitantes destas praias férteis. Todos problemas dependentes de solução que estiverem no desenvolvimento celero das fontes econômicas e do invejável progresso do nosso litoral, serão debatidos pelas colunas deste jornal com a serenidade aconselhável para o sucesso de todas as campanhas nobres e produtivas. O “Litoral Norte” será o porta-voz de todas as pretensões justas do povo desta região e o defensor desassombrado das aspirações do nosso litoral (LITORAL NORTE, 15 julho 1936, editorial). 116 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais No editorial, consta também que o jornal é resultado de um grupo de amigos: Não foi sem algum sacrifício que o “Litoral Norte” surgiu á luz da publicidade. Por iniciativa de um grupo de amigos dedicados desta zona uberrima, o nosso jornal veio preencher uma lacuna dá muito observada. Reunindo energias e aproveitando entusiasmos, a ideia há pouco embrionária tornou-se hoje uma esplêndida realidade. Na preparação da seletiva do “Litoral Norte” muito se destacou o dinamismo extraordinário de Agnello Ribeiro dos Santos, que contribuiu poderosamente para a realização da obra ideada e efetivada com este número inicial. A parte intelectual e administrativa foi confiada ao professor Henrique Rodolpho Penno, que muito espera deste povo generoso e hospitaleiro para o desenvolvimento sempre crescente do “Litoral Norte”, que representa a opinião autorizada da gente boa desta próspera região (LITORAL NORTE, 15 julho 1936, editorial)6. O primeiro número de O Bandeirante data de 9 de setembro de 1956, tinha oito páginas divididas em quatro colunas, com texto, fotografias e ilustrações, formato standard, dirigido inicialmente por A. Guimarães P. Dias e gerenciado por Alexandre Pinder. O nome do jornal vinha acompanhado pela figura de um bandeirante e se denominava como “órgão dedicado aos interesses do Litoral Paulista”. O primeiro editorial intitulado “Salva São Sebastião”, dizia: Quando surge um jornal todas as atenções se voltam para suas diretrizes e as indagações fervilham. E respondemos com fidelidade, que, outro empenho não temos, senão o de servir incansavelmente, a esta nobre gente. Não estamos presos a interesses políticos de nenhum matiz, nem temos compromissos com pessoas ou grupos econômicos, que nos desviem do caminho traçado. Nossos compromissos estão assumidos com o povo cujas reivindicações pugnaremos (O Bandeirante, 09 de setembro de 1956, editorial). As editorias do jornal estão assim descritas neste mesmo texto: Veicularemos os assuntos sobre religião, economia e finanças; crônica feminina; política local, nacional e estrangei- Os autores preferiram traduzir o editorial sem usar a grafia da época, como consta no original, mas readequando-as a grafia atual das palavras. No entanto, as frases não foram alteradas. 6 117 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas ra; comércio; industria; agricultura e pecuária; associações de classes e sindicalismo; esportes; queixas e reclamações; sociais; recreação, urbanismo e turismo; cooperativismo e notícias várias, dentro, das possibilidades de um jornal pequeno, que há de crescer, mercê da colaboração do povo, que é sempre acolhedor [...]. (O Bandeirante, 09 de setembro de 1956, editorial). Os autores deste artigo tiveram acesso ao exemplar de 11 de março de 1962, de O Bandeirante, ano VI, número 261, dirigido por Benedito Alvarenga e Régis de Abreu, gerenciado por Geraldo Dória Abreu, com novo layout, cujo nome do periódico vinha agora sem a figura do bandeirante. Este jornal circulou semanalmente por pelo menos seis anos. O jornal Bandeirante do Litoral circulou na década de 1980, tendo como diretora-proprietária Luzia Santos Dias Antunes do Prado. A tiragem variava de quatro páginas para mais. O jornal em formato tablóide explorava fotos na capa7, como no exemplar consultado que data de fevereiro de 1982, além de anúncios na página final, e nas páginas internas, notícias gerais, coluna social, ronda policial e colunas de opinião. Em 1994 foi criado o jornal Folha de São Sebastião. Os autores não conseguiram ter acesso a exemplares do mesmo, e, portanto a descrição fica para as próximas pesquisas. Outro jornal semanal feito em São Sebastião foi o Correio do Litoral que circulou nas quatro cidades da região de 2003 a 15 de julho de 2005. O jornal em formato Standard, colorido, variava de 14 a 20 páginas, dividido em cadernos e editorias. Tinha colunistas, classificados, reportagens especiais e notícias da região escritas por jornalistas, especificamente para o jornal8. Teve como diretor João Marcelo de Vincenzo, substituído posteriormente por Carla de Vincenzo. O Jornal Costa Norte circula semanalmente há 18 anos, com edições aos sábados nas cidades de Bertioga (onde está a redação), Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião, Ilhabela, Bertioga, Guarujá, Santos, São Vicente e Cubatão. São 20 mil exemplares em formato Standard com notícias das cidades citadas e editorias de Política, GeO exemplar do dia 27 de janeiro a 3 de fevereiro de 1982 estampava uma foto grande do governador da época, além de três fotos pequenas com chamadas na capa. O período de circulação do jornal foi calculado de acordo com os exemplares encontrados. 7 A autora deste artigo trabalhou no Correio do Litoral em 2003. O jornal contava com site, ainda disponível em: http://www.correiodolitoral.com.br/. Acesso em: 20 abr.2010. 8 118 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais ral, Opinião, Social, Esporte, Variedades, Classificados. Possui endereço eletrônico: http://www.costanorte.com.br. O jornal mensal Sintonia Social, dirigido pela jornalista Nívia Alencar, circula em São Sebastião desde julho de 2006 quando se chamava Construção Social, com enfoque em notícias de cunho social. Em dezembro de 2006, o jornal passou a se chamar Sintonia Social. São quatro mil exemplares, em formato germânico, colorido e com oito páginas. Circula nas quatro cidades da região. O jornal Chip News que originou o atual Imprensa Livre, foi criado em 28 de outubro de 1986 pelo médico Lourival Costa Filho e o engenheiro Marjan Kozlowski. Em dois anos, o jornal deixou de ser gratuito, passou a circulação semanal e começou a ser vendido nas bancas. Em 25 de outubro de 1989, tornou-se diário e passou a se chamar Imprensa Livre. Em 1994, o anuário da Associação Nacional de Jornais (SOUZA; MACHADO, 1994, p.238), confirma que o Imprensa Livre era impresso em formato Standard, sem cores e dirigido por João Carlos Ferreira. Em 2000, Lourival Costa Filho deixou o jornal que foi assumido pelo jornalista Henrique Veltmanque o dirigiu até 2006. Em 2007 o jornal foi comprado pela Riviera Group, um grupo de capital português instalado em Santos, litoral sul de São Paulo. A tiragem média diária é de 3 mil exemplares e o jornal conta com cinco jornalistas em sua redação9. A versão eletrônica (www.imprensalivre.com) simplesmente reproduz as notícias da edição impressa. O Imprensa Livre será amplamente analisado no próximo artigo dos autores sobre a imprensa no Litoral Norte Paulista. Jornais de Ubatuba Na cidade de Ubatuba10, o Echo Ubatubense dirigido por Esteves da Silva, circulou pela primeira vez em 12 de outubro de 1896, como confirmam Juan Droguett e Jorge Otávio Fonseca (2005) no livro “Ubatuba - Espaço, Memória e Cultura” que Os dados são de 2009. Em 2010, o Imprensa Livre abriu a sua primeira sucursal em Caraguatatuba e contratou mais jornalistas. 9 10 Ubatuba tem 81.096 habitantes (2009). Localizada há 324 quilômetros do Rio de Janeiro e há 234 quilômetros de São Paulo. Disponível em: www.ubatuba.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010. 119 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas mostra o percurso histórico da imprensa na cidade, tendo como base a obra de Washington de Oliveira (1977) já citada. Sobre o Echo Ubatubense, eles acrescentam: As colunas desse semanário falam de geografia, de mitologia, de literatura, de “higiene da alma” e oferecia um calendário de atividades e eventos da vida social, além de avisos comerciais, o que indica a parceria para baratear os custos de impressão, tiragem e circulação. Parece-nos que a intenção comunicativa deste jornal era educar a população carente de informação sobre o acontecer temporal; mas essa primeira forma de mídia impressa teve curta duração, pouco mais de um ano de existência (DROGUETT; FONSECA, 2005, p. 243). O segundo jornal foi o Ubatubense com direção de Luiz Domiciano da Conceição Júnior, circulação semanal e que também não teve vida longa (OLIVEIRA, 1977, p.193). A próxima iniciativa foi O Fogo, jornal causticante, dirigido por Paulo Egídio da Costa. O periódico era todo feito pelo diretor proprietário que escrevia, compunha, organizava e distribuía os exemplares. “O prelo e todos os utensílios desse jornal, menos os tipos, foram fabricados pelas mãos de Paulo Egídio, que, aliás, era habilíssimo mecânico (OLIVEIRA, 1977, p.193)”. Em seguida apareceu O Relâmpago sob a direção de Ernesto de Oliveira, que, assim como o nome, teve pouquíssima duração na cidade. Prevendo o fracasso do último, o mesmo Ernesto de Oliveira cria com outro grupo de amigos O popular. “Não demorou muito para que Osmar Amado da Cunha e Irineu Ferreira Gomes fizessem circular O Papagaio em papel verde, para dar cunho original... (OLIVEIRA, 1977, p. 193)”. Observamos que o início do jornalismo em Ubatuba remonta os fins do século XIX, começo do século XX, colaborando com a implantação da República. Naquele então, não se falava de nação e sim de Brasil como país, a ideia de nação era um projeto a ser construído sob a consigna do processo. Dessa forma, os jornais traziam menos notícias, assumiam o papel educativo de formadores de opinião – porta-vozes das mudanças que precisavam acontecer na mentalidade e no comportamento dos habitantes de Ubatuba, em sintonia com o cenário nacional. A finalidade dos jornais era política e o conteúdo dos mesmos, doutrinário (DROGUETT e FONSECA, 2005, p.244). 120 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em 1º de novembro de 1905, Floriano Rodrigues de Morais funda o jornal A Cidade de Ubatuba transferindo-o aos irmãos Ernesto de Oliveira e Deolindo de Oliveira Santos que deram continuidade a publicação por 25 anos, portanto até 1930. Em 1914, o jornal O Lápis foi editado e escrito por Idomeu Ferreira Gomes, José Pedro Toledo e José Puccini, este último sobrinho-neto do famoso compositor italiano Puccini. O jornal cedeu lugar a O Prego “mais áspero, mais ferino nas suas investidas... Sabemos também de um outro jornal, de tiragem irregular de um único exemplar, que ia de casa em casa, às ocultas, quase a medo... Era O Lampeão, de pavio curto e, por isso, de pouca duração (OLIVEIRA, 1977, p.194)”. Em 1920, o engenheiro Jacundino Barreto, o professor Máximo de Moura Santos e o promotor Olegário de Toledo Barros fundaram O Arauto, passando Ubatuba a contar com dois jornais, considerando A Cidade. “Foram dois jornais da época que implantaram uma verdadeira luta entre partidos políticos, em um espaço bastante restrito, de um público não preparado para este tipo de discussão (DROGUETT e FONSECA, 2005, p.245)”. Em 1934 surge o semanário Ubatubense -o segundo com este nome- criado por José Rosa e Carlos Gewe, sob a direção de Altino Simonetti. A década de 1940 não registra a existência de jornais devido à conjuntura da Segunda Guerra Mundial. Na década de 1950 veio O Atlântico, de Manuel Esteves da Cunha Junior e Fernando Azevedo e A Tribuna Caiçara de Lycurgo Barbosa Querido, passando por esta Thiago Darcy Castilho, Justo Arouca, Rubens André Costilhas, Benedito Santos e outros colaboradores (OLIVEIRA, 1977, p.194). Na administração de Francisco Matarazzo Sobrinho, A Tribuna Caiçara e O Atlântico empenham-se em ferrenha luta política e acabam desaparecendo frente ao cenário de revolução e ditadura. Ubatuba passa sete anos sem ter jornal. Na década de 1970, o jornal Maraberto é produzido por jovens do grêmio estudantil. Tais jovens tinham a missão de reivindicar a cidade e suas tradições, o que pareceu ser o eixo propulsor do jornalismo como instância mediadora do município até a década de oitenta. Cabe mencionar a existência de um jornal regional produzido 121 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas também na década de setenta, em Caraguatatuba, denominado O Litoral Norte, que incluía notícias de Ubatuba (DRAGUETT e FONSECA, 2005, p. 245). No livro “O Litoral Norte do Estado de São Paulo - Formação de uma região periférica”, Armando Corrêa da Silva (1975) aponta que 48,7% da população nas quatro cidades do litoral liam jornais nos anos de 1970-1972. No entanto em 1973 afirma que “o Litoral Norte não possui jornal local embora Caraguatatuba e Ubatuba possuam estações de rádio (SILVA, 1975, p.96)”. Pressupõe-se que os jornais lidos vinham da capital paulista. No livro “São Paulo Litoral Norte - Caiçaras e Franceses”, Lita-Jacques Chastan (1992) registra sem precisar a data, a existência do Jornal de Ubatuba, de propriedade de Nelson Del Pino, jornalista correspondente de órgãos de imprensa na capital e que possuía uma rede de oito jornais semanais. O jornalista profissional Nelson Del Pino (independente) foi mais uma vez agraciado como o ‘Título social cidade de Ubatuba’, que lhe será entregue neste dia 24 de outubro, no famoso Baile das Rosas, que este ano alcança seu XIII ano de realização. O jornalista foi distinguido através do item Imprensa, que, através de uma comissão e intelectuais escolheu o Jornal de Ubatuba como o melhor do ano (CHASTAN, 1992, p.129). Registra-se que em maio de 1998, o tenente Samuel Messias de Oliveira (2001, p.32), no livro “Ilha Anchieta: rebelião, fatos e lendas”, conta que editou cinco mil exemplares do jornal Notícias Policiais Especial. E que o jornal despertou tanto interesse que ele repetiu a dose e editou mais cinco mil, se referindo ao jornal que fez com fotos de 1952, quando aconteceu a rebelião no presídio da Ilha Anchieta. Esta publicação isolada não tinha periodicidade e, por isso, não entra no inventário proposto neste artigo. Na pesquisa feita por Juan Draguett e Jorge Otávio Fonseca (2005, p.245-246), consta que no dia 26 de outubro de 1999 foi fundado por Josias Sabóia o jornal A Semana que circulou durante cinco anos (até outubro de 2004), quando passou a ser um jornal online semanal11. 11 A versão online do jornal A Semana deixou de ser atualizada na internet em 11 Outubro de 2007, Edição Nº. 344, Ano VIII, como pode ser conferido em http://www2.uol.com.br/jornalase- 122 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Na mesma linha, surge O Povo por um período breve, pois seu fundador Oswaldo Luiz foi trabalhar em outra publicação. Em 2005, quando Draguett e Fonseca pesquisaram sobre os jornais locais, existiam em Ubatuba três periódicos expressivos: A Cidade, Opinião e Agito Ubatuba. Cada um com seu estilo. O jornal Opinião, de circulação semanal na região, foi publicado por Oswaldo Luiz e Denis Bomeisel em 2005, para que a população pudesse se expressar com liberdade. Os autores deste artigo não conseguiram localizar exemplares deste, portanto presumem que o jornal deixou de existir. Na descrição de Draguett e Fonseca (2005, p.246), o jornal A Cidade, fundado em 1985 por Gilberto Bosco Ferretti, natural de Lorena, tem formato Standard, com impressão offset feita em São José dos Campos. É semanal e distribuído aos sábados. No início, tinha quatro páginas, hoje alcança 16, sendo duas páginas de classificados para publicação de editais da Câmara de Vereadores, proclamas, anúncios de comércio e órgãos públicos. Em 2010, o jornal A Cidade continua com 16 páginas, mas o proprietário desde 1995 é Benedito Góis Filho também diretor da Rádio Costa Azul, a mais antiga da cidade. Os três mil exemplares semanais são vendidos nas bancas da cidade aos sábados, além das assinaturas anual e semestral. Em datas comemorativas a tiragem sobe para cinco mil exemplares, capa colorida e tem como jornalista responsável Hugo Simeão que acumula a função de assessor de imprensa da Câmara de Vereadores. O site12 está sem atualização há cinco anos. Ainda na descrição de Draguett e Fonseca (2005, p.246), outro jornal em circulação é o Agito Ubatuba, lançado em 2004 com o objetivo de fixar a imediatez dos acontecimentos na cidade: cultura, lazer, história, turismo ou esportes são pautas que regem suas colunas. A tiragem inicial era de dois mil exemplares e distribuição gratuita, tendo como diretor executivo o publicitário Ewald Martins e diretora comercial Kaka Di Lorenzo. mana. Estão disponíveis as edições anteriores, da 64 a 303. Acesso em: 18 abril 2010. SEMANA (A). Disponível em: http://www2.uol.com.br/jornalasemana. Acesso em 18 abr. 2010. 12 123 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas O jornal ampliou os dias de circulação em 2009. A tiragem é de mil exemplares de terça a quinta quando o jornal sai com 16 páginas, preto e branco, distribuído gratuitamente na cidade. Na edição de sexta-feira, são 4.500 exemplares e o jornal conta com 40 páginas, capa colorida, sendo geralmente 36 de notícias e anúncios e seis de classificados, vendido nas bancas e distribuído também nas cidades de Parati, Caraguatatuba, Pindamonhangaba, Caçapava, Taubaté, São Luis do Paraitinga e São José dos Campos. O jornal se diferencia dos demais na parte de classificados que reúnem 17 imobiliárias e outros 350 anúncios, serviços e grande parte dos editais da Prefeitura de Ubatuba. Geralmente a manchete é escrita pelo proprietário Ewald Martins que publica também press-releases e mantém colunas fixas, tendo como colaboradores secretários municipais e outras personalidades locais. São 13 funcionários que trabalham no jornal, com gráfica própria e que, portanto, imprime outras publicações. Jornais em circulação - Agito Ubatuba (2 a 8 abr.2010); A Cidade (Ubatuba, 11 jul.2009); Imprensa Livre (São Sebastião, 17 e 18 abr.2010). 124 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Jornais de Ilhabela Em Ilhabela13 os autores não encontraram jornal feito na cidade antes de 1992, quando circulou o Jornal da Vila14 que em 1993 se transformou na Revista da Ilha, uma publicação mensal da Estação Arte, com tiragem de cinco mil exemplares, em papel sulfite, duas cores e 24 páginas. Os editores da revista eram Roberto Piedade, Martins Ramos e Amauri Pontieri. A revista circulou até 1996. Em 1995, surgiu a Revista Ancoradouro, uma empresa familiar que dois anos depois adquiriu gráfica e, em 18 de maio de 1997 lançou o Diário do Litoral, atualmente com circulação de terça a sábado, com tiragem diária de três mil exemplares. O jornal presta serviço dos atos das administrações públicas, de Ilhabela e São Sebastião, com distribuição nas quatro cidades da região. É vendido em banca e distribuído aos anunciantes e nos prédios públicos. O jornal publica os editais da Prefeitura de Ilhabela. A parte jornalística é feita com a publicação dos press-releases das prefeituras da região, além de coluna social e classificados. O Diário do Litoral passou por duas reformas gráficas e a terceira está em andamento. O site http:// www.tvancoradouro.com.br/diario/ esta no ar desde 2007 e reúne o conteúdo de notícias do Grupo Ancoradouro que edita outras publicações. Outro jornal feito em Ilhabela é o Canal Aberto, semanal, oito páginas em tamanho germânico, com notícias produzidas pelo jornalista Fernando Siqueira, papel de revista, tiragem de três mil exemplares e distribuído gratuitamente no comércio, repartições públicas e nas bancas. É um jornal político e apartidário, com trânsito livre nos partidos políticos que se paga com a venda de anúncios. Tem credibilidade com a população que o considera um jornal sério. Os fundadores do Canal Aberto foram Abílio Alves de Lima Junior, Luis Antônio Braga de Siqueira, Nivaldo Simões e Fernando Siqueira, este último pretende transformá-lo em bi-semanário. A versão impressa do jornal, com notícias exclusivas, é enviada por e-mail Ilhabela possui 26.011 habitantes (2009). Está localizada há 217 quilômetros da cidade de São Paulo. Disponível em: www.ilhabela.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010. 13 14 Os autores não manusearam exemplares do Jornal da Vila. Conseguiram as informações na entrevista com Heloíza Gomes de Lacerda Franco, publicitária e proprietária do Jornal Diário do Litoral (Grupo Ancoradouro), concedida por telefone a Bruna Vieira Guimarães, em 16 abr. 2010. 125 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas a oito mil moradores da cidade, região e de outros países que tenham interesse em saber notícias de Ilhabela. O site http://www.jornalcanalaberto.com.br registra cerca de três mil acessos diários. Jornais em circulação – Diário do Litoral (Ilhabela, 13 abr.2010) e O Ancoradouro (Ilhabela, Março 2010); Canal Aberto (Ilhabela, 16 abr.2010); Sintonia Social (São Sebastião, dez.2006). Jornais de Caraguatatuba Em Caraguatatuba15, até 1953 apenas jornais vindos de outras cidades circularam no município. No livro “Fazenda dos Ingleses”, Marino Garrido (1988, p.60) confirma que os jornais Correio Paulistano e O Estado de S. Paulo, ambos da capital, chegavam a Caraguatatuba nas décadas de 1930 a 1980. O autor não cita jornais regionais lidos na Fazenda dos Ingleses, mas cita que os Pasquins, no qual o litoral norte “era mestre neste tipo de comunicação - os de Benedito Cruz caracterizavam-se pela mordacidade, pela ironia, pela irreverência, pela malícia e até pela agressividade (GARRIDO, 1988, p.59)”. Elaborados em forma poética, quase sempre em versos heptassílabos, os pasquins aproveitavam os assuntos do dia e eram afixados 15 Caraguatatuba conta com 96.125 habitantes em 2009 segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A cidade está localizada há 180 quilômetros de São Paulo, possui uma história recente devido à catástrofe de 1967 que dizimou parte da população e dos documentos históricos. Disponível em: www.caraguatatuba.sp.gov.br. Acesso em: 18 abr. 2010. 126 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais em paredes, no interior dos botecos, nos postes, distribuídos de porta em porta, circulava de forma anônima em qualquer lugar político. “Os Pasquins do Litoral Norte de São Paulo” foram objetos de estudo de Gioconda Mussolini (1971, p.11) que os define como uma “maneira típica do folk de expressar os ‘acontecimentos’ ou seja, as próprias experiências do grupo, cuja importância era o consenso local que definia, e não a seleção do historiador”. Os pasquins abordavam os atos políticos, nas quatro cidades da região. Circularam sorrateiramente nos municípios litorâneos em decorrência das eleições de 1947. O objetivo era influenciar a opinião pública sobre questões políticas locais. Com o passar do tempo, as atividades dos pasquinzeiros se reduziram e a população passou a dar mais ênfase à informação recebida por outras fontes de informação (MUSSOLINI, 1971, p.11). No livro “Santo Antonio de Caraguatatuba - Memória e Tradição de um Povo”, organizado por Jurandyr Ferraz de Campos (2000), consta um capítulo sobre os Rádios e os Jornais que fizeram história na cidade, escrito pela jornalista Adriana Coutinho e a historiadora Luzia Rodrigues de Toledo Prado. Elas afirmam que em 1953 foi editado o primeiro jornal caraguatatubense, A Voz do Litoral fundado por José Benedito Moreira e Luiz José Moreira, com apoio de Irineu Meirelles e Altamir Tibiriçá Pimenta que possuíam influência política partidária local. Os dois últimos atuaram como redatores do semanário. Irineu Meirelles atuou como diretor do jornal durante muitos anos, “sempre respeitando por todos pelo seu princípio de integridade e independência. Esta linha de austeridade, o jornal A Voz do Litoral sempre procurou conservar, mesmo após a sua morte, ocorrida no ano de 1980” (COUTINHO; PRADO, 2000, p.261). Já Altamir Tibiriçá Pimenta, que além de ter sido um dos fundadores, atuou como diretor e redator durante todo o tempo em que o veículo circulou. No período de 1956 e 1957, quando cumpriu seu mandato como Prefeito de Caraguatatuba, foi substituído pelo redator Hugo O. Galvão da Silva, só voltando na década de 60, para 127 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas dar continuidade aos trabalhos da direção e redação do jornal (COUTINHO; PRADO, 2000, p. 261). A redação do jornal se localizava na Rua Santa Cruz, onde hoje funciona a Tipografia Poloni que realizava os serviços de impressão do jornal. A Catástrofe de 196716, que dizimou parte da população, fez com que o jornal deixasse de circular semanalmente, passando a sair dois números num só exemplar. Neste período o jornal foi reduzido em número de matérias, devido à quase inexistência de colaboradores e de anunciantes, obrigando a direção tomar medidas de contenção de despesas (COUTINHO; PRADO, 2000, p. 261). No ano seguinte o jornal volta à periodicidade semanal e no final da década de 70, Altamir Tibiriçá Pimenta assume a direção do veículo. O semanário exerceu suas atividades durante 35 anos, até 1988. É considerado o jornal de maior repercussão na história da cidade e por sua vez, Altamir Tibiriçá “passou boa parte de sua vida escrevendo e, ao mesmo tempo, fazendo a história da imprensa de Caraguatatuba. Faleceu em 9 de janeiro de 2000 (COUTINHO; PRADO, 2000, p.262)”. Antes, em 1984, enquanto proprietário de A Voz do Litoral Altamir fundou um novo jornal na cidade, 4 Estâncias que teve como diretor Sebastião Souza Lemos. Circulou nas quatro cidades da região até 1989. Entre outros veículos que fizeram parte da história da imprensa da região, por um período curto no tempo, está a Folha do Litoral que circulou quinzenalmente no início da década de 1960, dirigido por Pedro Cruso e gerenciado por José Moraes. O jornal contava com colaboradores que moravam na cidade: Osíris Nepomuceno Santana, Altamir Tibiriçá Pimenta, José de Almeida Barbosa e Geraldo Nogueira da Silva, tendo também como fotógrafo o Sr. Nelson Reising. Além destes, o jornal contava com a importante participação de Elza Saraiva Monteiro, responsável pela parte de literatura do jornal [...]. Não se tem conhecimento da data em que encerrou suas atividades (COUTINHO; PRADO, 2000, p.262-263). 16 A Tromba D’Água ou Catástrofe de Caraguatatuba aconteceu em 18 de março de 1967, quando as chuvas que caíam na região provocaram muitos deslizamentos na Serra do Mar. Toneladas de lama e vegetação avançaram sobre a cidade deixando centenas de mortos. O fato foi noticiado em jornais no Brasil e no Mundo tornando a cidade mais conhecida. 128 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em 1973, circulou pela primeira vez o jornal Impacto, tendo como diretor-proprietário Monteiro Junior que o adquiriu de José Carlos Barreto. Durante exatos 20 anos, o jornal noticiou o que de mais importante aconteceu na cidade e na região. Dentre os colaboradores, Monteiro Junior contava com a valiosa colaboração da esposa Doroty Hertel Monteiro que fazia a coluna social do jornal (COUTINHO e PRADO, 2000, p.263). Monteiro Junior possuía experiência jornalística por ter atuado no Correio Paulistano, Última Hora, fundou as revistas Mocidade, City Show e o jornal Primeira Fila na cidade de São Paulo. Em Caraguatatuba atuou como locutor da Rádio Oceânica e trabalhou em O Litoral Norte criado em 1974. Lita-Jacques Chastan (1983) transcreve trechos de uma entrevista sobre a aquisição do jornal e a relação de Monteiro Júnior com o Litoral Norte. Ele declarou: Descobri Caraguá, meu grande amor, e fiz Rádio Oceânica (Programa Monteiro Júnior), e depois veio o jornal ‘O Litoral Norte’ e, por fim, essa outra doença chamada ‘Impacto’, que adquiri numa brincadeira com seu ex-proprietário José Carlos Barreto, menos trouxa do que eu. Houve tempo em que fiz o grande rádio (Rede Piratininga), na época de Miguel Leuzzi e Radamés Lacava, além de Roberto Espíndola (então diretor comercial da Piratininga), hoje, coincidentemente, em Caraguatatuba, como diretor-proprietário da Rádio Oceânica (CHASTAN, 1983, p.129). O Impacto teve um diferencial entre os jornais da região: começou a ser publicado numa escala invertida. Quando as atividades foram iniciadas, a circulação era diária. Porém, devido a muitas crises e mudanças, passou a circular semanalmente, depois quinzenalmente e enfim mensalmente. A última edição foi em 1993, ano do falecimento do proprietário. Este não foi o único jornal a ser fechado após o falecimento do diretor-proprietário. Caso semelhante foi o do jornal O Litoral Norte, fundado por Hugo José Apuléo e Germano Marcio de Miranda Schmidt em 1974. Hugo Apuléo era jornalista diplomado e acumulava experiência em jornais paulistanos como O Dia e Jornal de São Paulo. Por meio de sua experiência, o tablóide sobreviveu em meio às crises. 129 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Além da circulação nas quatro cidades, O Litoral Norte chegava a Jambeiro, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga, São José dos Campos e Taubaté. O jornal tinha bastante influência em São Sebastião e muitos apoiadores locais. Desativado no final da década de 1980. “A existência destes órgãos, que sempre buscavam a verdade e o espírito da opinião pública, foi uma conquista para o desenvolvimento do município de Caraguatatuba” (COUTINHO; PRADO, 2000, p.264). No livro “Memorial de sua Excelência - história política de Caraguatatuba”, Justo Arouca (2003, p.329) cita na bibliografia jornais que circularam na cidade, tais como: A Voz do Litoral, da Tarde, Expressão Caiçara, Folha da Baixada, Impacto, Imprensa Livre, Noroeste News, O Defensor, O Dia, O Litoral Norte, Panorama Jornal, 4 Estâncias, Radiolit (1982 a 1991), Jornal, Tribuna Caiçara (1992), e outros de circulação nacional. Os autores deste artigo colheram declarações que evidenciam a existência de outros jornais como Caraguatatuba (1978 a 1987), Jornal da Praia (1991) que circulou principalmente em período eleitoral, o Mais Mais (anos 2000) e outros periódicos que serão analisados num próximo artigo acadêmico. Em 1986, o jornalista Salim Burihan participou da criação do Imprensa Livre. De 1984 a 1991 Salim Burihan trabalhou na sucursal no Litoral Norte, do Jornal ValeParaibano que tem sede em São José dos Campos, e também foi correspondente do Jornal da Tarde e do Estadão. De 1992 a 1997 trabalhou na Folha de São Paulo como correspondente no Litoral Paulista, cobrindo de Guarujá a Paraty (litoral sul e norte de São Paulo). Ainda nesta cidade, registra-se o jornal semanal A Cidade de Caraguatatuba, publicado durante 56 semanas no ano de 2004. O jornal de 20 páginas, formato tablóide, capa colorida, com caráter explicitamente político, teve como diretor responsável o jornalista Roberto Espíndola. Passadas às eleições municipais daquele ano, o candidato apoiado saiu-se derrotado e o jornal deixou de circular. De dezembro de 2004 a julho de 2005, circulou o jornal quinzenal A Folha de Caraguá, em formato Standard, capa colorida, com oito páginas, se denominava “Jornal de Verdade”. Teve como diretores José Flávio A. Pierre, Marly Fabrette, Dorothy P. Pereira e Henrique D. B. Louro, 130 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais e como jornalista responsável à autora deste artigo. O jornal publicava notícias escritas por estagiários e jornalistas da redação. Foi fechado porque não conseguiu sobreviver apenas com a venda dos anúncios. Jornais em circulação - Noroeste News (Caraguá, 15 abr.2010); Expressão Caiçara (Caraguá, 14 a 20 abr.2010); Jornal Costa Norte (Baixada Santista e Litoral Norte, 04 a 10 abr.2010). Os dois jornais em circulação na cidade são os semanários Expressão Caiçara e Noroeste News17, ambos com tiragem de cinco mil exemplares, oito páginas, utilizam os press-releases da Prefeitura de Caraguatatuba e região. O Expressão Caiçara foi fundado em 1982 por Salim Burihan e Lázaro Macedo. Em 1984 foi vendido para Lúcio Fernandes e, posteriormente, para Roberto Espíndola. Hoje é dirigido pelo filho Carlos Roberto Espíndola. O Noroeste News foi criado em 1997 por um grupo de amigos, entre eles, Pedro Monte-Mór e César Jumana, este último atual diretor. Ambos serão amplamente analisados no próximo artigo dos autores. Conclusão As quatro cidades da região levaram tempo entre a emancipação política e o registro dos primeiros jornais impressos localOs dois jornais disponibilizam no site o jornal em pdf. NOROESTE NEWS. Disponível em: http://www.noroestenews.com.br/. Acesso em: 19 abr.2010. EXPRESSÃO CAIÇARA. Disponível em: http://jornalexpressaocaicara.com.br/. Acesso em: 18 abr.2010. 17 131 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas mente. São Sebastião esperou 257 anos para ter o jornal Mar em 1893, inaugurando a imprensa na região. Ubatuba levou 258 anos para ver Echo Ubatubense publicado em 1896. Ilhabela esperou 186 anos para ver o Jornal da Vila de 1992. E Caraguatatuba aguardou 96 anos para ver impresso A Voz do Litoral de 1953. Em 118 anos de imprensa no Litoral Norte de São Paulo, poucos jornais perduraram por mais de uma década. As exceções foram: A Voz do Litoral que circulou por 35 anos até 1986; Impacto que circulou por 20 anos até 1993; O Litoral Norte que circulou por 15 anos até 1989; Expressão Caiçara que circula há 28 anos, desde 1982; Noroeste News que circula há 13 anos, desde 1997; todos na cidade de Caraguatatuba. Em Ubatuba, o jornal A Cidade de Ubatuba circulou por 25 anos até 1930; e o homônimo A Cidade, circula há 23 anos, desde 1987. Em Ilhabela, o Diário do Litoral completou 13 anos, em circulação desde 1997. Em São Sebastião, os autores não encontraram bibliografia sobre a imprensa na cidade e, portanto, a pesquisa teve como base os poucos exemplares dos jornais encontrados, dificultando a precisão nas datas de quando os mesmos foram fechados. O diário Imprensa Livre circula há 24 anos, desde 1986, e o Sintonia Social, circula há 3 anos. Quantitativamente, os autores catalogaram 13 jornais em São Sebastião, 14 jornais em Caraguatatuba, 22 em Ubatuba e 03 em Ilhabela. Trata-se de um primeiro levantamento acadêmico, sujeito a atualização. Dos 52 jornais inventariados, apenas sete existiram por mais de dez anos. A maioria dos jornais fechou as portas porque não conseguiu sobreviver com a venda de anúncios publicitários e classificados. A situação se assemelha ao quadro econômico no litoral norte, baseado no turismo, comércio e prestação de serviços, sem a presença de um parque industrial. Dentro os jornais que conseguem sobreviver com as atividades jornalísticas e publicitárias estão o Grupo Ancoradouro com o Diário do Litoral, Grupo Costa Norte de Comunicação com o jornal Costa Norte, jornais Agito Ubatuba, Expressão Caiçara e Noroeste News. Os anúncios publicitários e classificados desses jornais representam 40 a 50% do total de páginas da publicação e são preenchidos com os editais das prefeituras, câmaras de vereadores e afins. Três destes 132 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais periódicos ampliaram nos últimos anos, os dias de circulação e a tiragem do jornal: Imprensa Livre, Expressão Caiçara e Agito Ubatuba. Em três das quatro cidades da região, há gráficas que imprimem os próprios jornais: em São Sebastião tem a gráfica do Imprensa Livre, em Ubatuba tem a gráfica do Agito Ubatuba e em Ilhabela há a gráfica do Diário do Litoral. Em Caraguatatuba existem gráficas, mas os jornais locais são impressos nas cidades de São José dos Campos e São Paulo. Qualitativamente, alguns jornais mantêm uma aproximação com a política local, em favorecimento aos grupos políticos que estão no exercício do poder. A relação entre os departamentos comerciais e as redações desses poucos jornais é conflituosa. As notícias publicadas são baseadas, senão cópias dos press-releases enviados pelas assessorias de imprensa das quatro prefeituras, câmaras de vereadores e órgãos públicos, sem qualquer verificação ou complementação das informações. Exceção de reportagens de cunho investigativo publicadas no Imprensa Livre, Canal Aberto e outros. Há bons exemplos de jornais que contrariam a situação descrita acima. Por exemplo, o jornal Sintonia Social que não tem o propósito de favorecer (e não favorece) grupos políticos que estejam no poder. Neste jornal não existe conflito entre comercial e redação porque o conteúdo editorial não é comercializado. O lema do jornal é “Rumo à sociedade desenvolvida e solidária”, e seu conteúdo beneficia trabalhos com enfoque social, especialmente de Organizações Não Governamentais. O conteúdo publicado não são cópias de press-release, mas reportagens e entrevistas em campo do próprio jornal, em sua grande maioria18. Parte dos jornais em circulação tem endereços eletrônicos na internet, mas não utilizam o potencial das mídias digitais, com exceção do jornal Canal Aberto que envia o jornal semanal para oito mil contatos, e o Grupo Ancoradouro que mantêm um site com características de um portal de notícias da região. Os demais veículos utilizam a internet apenas para sobrepor o material impresso, sendo que alguns mantêm os sites desatualizados. Declaração da jornalista Nívia Alencar, proprietária do jornal Sintonia Social, enviada à autora por e-mail em 22 jul.2010. 18 133 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Os autores acreditam que a curto e médio prazo não haverá jornais com imparcialidade na região. A imprensa no litoral norte retrocedeu ao longo do tempo. A região atraiu por muito tempo, “aventureiros” da comunicação, interessados no lucro momentâneo, que acabaram retornando para as cidades de origem. Este foi um dos fatores que explicam a vida curta de alguns jornais impressos no Litoral Norte. Quanto ao público leitor da região, é preciso criar hábitos de leitura de jornais, tendo em vista as tiragens que não ultrapassa cinco mil exemplares. A venda dos jornais regionais em banca no Litoral Norte é baixa e os leitores acabam optando por ler os “jornais press-releases” de distribuição gratuita. Há carência de leitores críticos e que busquem informações completas de forma a contribuir para o desenvolvimento da região. O Litoral Norte Paulista abriga instituições de ensino superior, mas apenas o Módulo Centro Universitário19 oferece a capacitação profissional em Comunicação Social. No primeiro semestre de 2008 teve início em Caraguatatuba, a Faculdade de Comunicação Social com Habilitações em Publicidade e Propaganda, e Jornalismo. Nos anos seguintes, somente a faculdade de Jornalismo abriu novas turmas. A única turma de Publicidade e Propaganda concluirá a faculdade em 2011. A situação descrita evidencia que o nível de profissionalismo na área de Comunicação na região tem muito que melhorar. O ritmo do mercado de trabalho nos jornais do Litoral Norte é lento e não acompanha o atual crescimento econômico e social nas cidades de Caraguatatuba, São Sebastião, Ubatuba e Ilhabela. Referências Agito Ubatuba. Disponível em: http://www.jornalagitoubatuba.com/ expediente.html. Acesso em: 20 abr. 2010. Agito Ubatuba. Exemplar do jornal de 02 a 08 de abril de 2010. ALMEIDA, Gastão Thomaz de. Imprensa do interior - Um estudo preliminar. São Paulo: Convênio IMESP/DAESP, 1983. 19 134 Módulo Centro Universitário. Disponível em: http://www.modulo.br/. Acesso em: 20 abr.2010. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais AROUCA, Justo. Memorial de sua Excelência – História Política de Caraguatatuba. Fundação Educacional e Cultural de Caraguatatuba, 2003. Ancoradouro (O). Exemplar da revista em março de 2010. Atlântico (O). 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Roberto Espíndola, fundador do Expressão Caiçara e de A Cidade de Caraguatatuba, entrevista concedida pessoalmente a Ricardo Reis Hiar, em 31 mar.2010. Roberto José Arantes Monteiro, diagramador há 20 anos do jornal A Cidade de Ubatuba, entrevista concedida por telefone a Bruna Vieira Guimarães, em 15 abr.2010. Anexo 1. Cronologia histórica dos jornais no Litoral Norte Paulista São Sebastião Mar 138 Caraguatatuba A Voz do Litoral Ubatuba Echo Ubatubente (1893) (1953 a 1986) = 35 anos de circulação Terra Folha do Litoral Ubatubense (1894) (1960) (1898) (1896 a 1897) Ilhabela Jornal da Vila (1992) que se tornou a Revista da Ilha (1993 a 1996) Ancoradouro (1995) e Diário do Litoral Norte (1997 até hoje) = 13 anos em circulação Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O Continente (1913 a 1919 aprox.) O Martello (1916) O Atlântico (1925) Impacto (1973 a 1993) = 20 anos de circulação O Litoral Norte (1974 a 1989) = 15 anos em circulação O Litoral Norte de São Paulo (1976) O Fogo (1900) (2007 até hoje) = 3 anos em circulação O Relâmpago (1901) O Papagaio (1901) (1936) Caraguatatuba (1978 a 1987 aprox.) Cidade de Ubatuba (1905 a 1930) = 25 anos O Bandeirante Radiolit O lápis (1956 a 1962 aprox.) (1982 a 1991 aprox.) (Aprox. 1914) O Bandeirante do Litoral (1982) 4 Estâncias O prego (1984 a 1989) (Aprox. 1915) Litoral Norte Canal Aberto Chip News (1986) que se tornou Imprensa Livre (1989 até hoje) = 24 anos Jornal Costa Norte (1992 até hoje) = 18 anos em circulação Expressão Caiçara (1982 até hoje) = 28 anos em circulação Jornal da Praia (1991) O lampião (Aprox. 1916) O Arauto (1920) Folha de São Sebastião Tribuna Caiçara O Ubatubense (1992) (1934 a 1939 aprox.) Correio do Litoral Noroeste News (1997 até hoje) = 13 anos em circulação Tribuna Caiçara A Folha de Caraguá O Atlântico (2004) (1961 a 1967 aprox.) Cidade de Caraguatatuba (2004) A Tribuna de Ubatuba (1966 a 1968) (2003 a 2005) Sintonia Social (jul.2006 até hoje) = 3 anos em circulação (1951 a 1960 aprox.) Maraberto (1977) Notícias Policiais (duas edições únicas) (1998 139 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas A Semana (1999 a 2004) = 5 anos de circulação Jornal de Ubatuba (1992 aprox.) O Povo (2004) Opinião (2005) A Cidade (1987 até hoje) = 23 anos em circulação Agito Ubatuba (2004 até hoje) = 6 anos em circulação 13 jornais 14 jornais 22 jornais 03 jornais = Total 52 As datas mencionadas indicam o ano de fundação e fechamento dos jornais. Os jornais em negrito estão em circulação na data de revisão deste artigo, em outubro de 2010. 140 Comunicação empresarial nas décadas de 1930 e 1940: o pioneirismo do C.T.I. Jornal Monica Franchi Carniello, Eliane Freire de Oliveira e Francisco de Assis Antecipando o futuro Num período em que a comunicação empresarial ainda não havia se configurado como atividade reconhecida pelas organizações, a Companhia Taubaté Industrial (CTI), empresa do segmento têxtil fundada no final do século 19, em Taubaté (SP)1, editou, nas décadas de 1930 e 1940, um veículo jornalístico voltado para seus operários: o C.T.I. Jornal. Além de ser distribuído gratuitamente aos funcionários da fábrica, o jornal era encaminhado a instituições, repartições públicas e órgãos de imprensa de Taubaté e de diferentes Estados, além de ser endereçado a outras companhias têxteis do exterior. Promovia, assim, o relacionamento com diversos públicos da empresa, atualmente denominados de stakeholders. Considera-se que, no Brasil, a comunicação empresarial só ganhou contornos mais nítidos no final da década de 1960, período em que as empresas passaram a ser compreendidas como instituições com forte relação com a sociedade (TORQUATO DO REGO, 2004, p. 2). É naquele momento que se inicia uma preocupação em contemplar, sob a ótica da comunicação, públicos distintos das organizações, como os funcionários e os consumidores. Fazer o público interno orgulhar-se da empresa e os consumidores perceberem a qualidade dos produtos fabricados tornou-se, portanto, objetivo comum a empresas dos mais variados ramos. Um dos fatores que reforçaram a delimitação desse campo da comunicação social foi a chegada de multinacionais ao país. Essas 1 Município localizado a 123 km de São Paulo, a 280 km da cidade do Rio de Janeiro, a 90 km de Ubatuba (Litoral Norte do Estado de São Paulo) e a 45 km de Campos do Jordão (Serra da Mantiqueira). É o segundo maior polo industrial e comercial do Vale do Paraíba, abrigando empresas como Volkswagen, Ford, LG, Alstom e Usiminas, dentre outras, além do Comando da Aviação do Exército. Seu nome origina-se da língua tupi, com a junção dos vocábulos taba e eté (aldeia elevada). É terra natal do escritor Monteiro Lobato e dos apresentadores Hebe Camargo e Cid Moreira. 141 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas grandes empresas traziam consigo experiências, estratégias e técnicas de comunicação utilizadas em outros países, nos quais a área já estava mais bem configurada. A tese defendida nesta reflexão2 é a de que a CTI, ao editar um jornal empresarial de grande expressão, no período mencionado no início destas linhas, tornou-se uma das pioneiras no exercício da comunicação empresarial do Brasil, antecipando algumas estratégias e técnicas que, posteriormente, seriam comuns à área. Muito embora, naquela época, ainda não houvesse profissionais especializados, e os conceitos, as terminologias, as estratégias, assim como o próprio setor em questão, não estivessem teoricamente sistematizados, muitas das realizações da empresa taubateana – divulgadas pelo jornal – revelam o embrião de recursos que até hoje são adotados em setores de comunicação empresarial, ainda que com suas devidas atualizações. Tratava-se, assim, de ações realizadas de modo instintivo, assim como muitas atividades das habilitações da área de comunicação. Comunicação empresarial no Brasil Gaudêncio Torquato do Rego (2004, p. 2), como já foi dito, situa as origens da comunicação empresarial no Brasil na década de 1960. Para Wilson Bueno (2003, p. 5), no entanto, o conceito de comunicação empresarial surge na década de 1970, decorrente da inserção, em empresas de pequeno e médio porte, de profissionais de comunicação preparados, que se tornaram responsáveis por desempenhar atividades específicas de comunicação empresarial. No entanto, não há como negar que, em momentos anteriores a essa fase, existiram iniciativas e ações isoladas de comunicação em algumas empresas, mas que raramente faziam parte de um planejamento estratégico de comunicação. Como diz o próprio Bueno (2003, p. 4), “as atividades de Comunicação desenvolvidas nas empresas ou entidades eram fragmentadas. [...]. Pode-se dizer mesmo que a comunicação era, quase sempre, uma atividade residual, exercidas em muitas vezes por profissionais de outras áreas”. É importante destacar que este texto compõe um projeto contínuo de recuperação da história da imprensa do Vale do Paraíba, desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação (Nupec), da Universidade de Taubaté (Unitau), desde 1996. 2 142 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O começo das mudanças nesse cenário se deve, em boa medida, à Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresas (Aberje), fundada em 1967 e transformada, mais tarde, em Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, mantendo sua sigla original (MAFEI, 2004, p. 36). Desde aquela ocasião, a entidade fortalece, organiza e imprime uma função estratégica ao departamento de comunicação das empresas. Contudo, é a década de 1990 o período de definitiva consolidação da área, que deixa de ser encarada como um conjunto de atividades fractais para tornar-se um processo integrado que direciona o relacionamento entre empresas e seus públicos (BUENO, 2003, p. 7). Atualmente, a comunicação empresarial é considerada um setor estratégico de uma organização e que deve ser trabalha da sob o paradigma da comunicação integrada. Marcélia Lupetti (2007, p. 15-23) destaca que a comunicação integrada é formada pelas seguintes esferas: 1. comunicação administrativa: busca viabilizar a comunicação de todo o sistema organizacional de forma eficaz, baseada no sistema operacional administrativo; 2. comunicação interna: utilizada para viabilizar a interação possível entre a organização e seus públicos internos; 3. comunicação institucional: voltada para a construção, a formação e o fortalecimento de uma identidade e uma imagem corporativa; 4. comunicação mercadológica: toda a parte comunicativa destinada à divulgação publicitária dos produtos ou serviços de uma empresa/organização, como a propaganda, a promoção de vendas, a venda pessoal, o marketing direto, ações de merchandising, eventos, entre outros. Observando esse amplo cenário, James Stoner e R. Edward Freeman (1999, p. 388) reforçam que a comunicação é vital nas organizações. É por meio dela que os administradores realizam suas funções cotidianas de liderança, organização, planejamento e controle. Dentre as esferas da comunicação apresentadas acima, o C.T.I. Jornal contemplou, de forma mais enfática, a comunicação 143 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas interna, uma vez que tinha como público primário os funcionários; mas também se voltou à comunicação institucional, já que visava construir um discurso positivo sobre a empresa, com o intuito de gerar uma imagem percebida positiva aos leitores. Como observa Paul Argenti (2006, p. 169), “a comunicação com os funcionários não é mais uma função ‘não-essencial’, mas uma função comercial que impulsiona o desempenho e o sucesso financeiro de uma empresa”. A leitura dos exemplares do C.T.I. Jornal faz notar que a empresa sabia muito bem utilizar a comunicação para conseguir a adesão e a empatia dos seus colaboradores. Mesmo que diferentemente da atualidade, época em que a maneira com que empresas se comunicam com colaboradores adquiriu novos delineamentos, em função de uma série de fatores – como a mudança do perfil dos funcionários; a inevitável transparência e exposição das organizações; a ampliação dos canais de comunicação em função do desenvolvimento tecnológico das mídias; as mudanças na legislação trabalhista, entre outros –, observa-se que a CTI, ainda que possivelmente de forma não racionalizada, já cultivava uma visão da comunicação interna como fator estratégico para a melhoria dos resultados da empresa. Percebe-se, ainda, que o posicionamento do C.T.I. Jornal consistia numa visão embrionária daquilo que, hoje, se entende por “endomarketing”, para o qual a comunicação interna é a principal ferramenta. A meta do endomarketing é fazer com que funcionários conheçam a missão e os objetivos da organização na qual trabalham, para que se sintam mais inseridos em seu contexto, representem melhor a empresa perante seus clientes e assimilem os valores da instituição. O resultado de tudo isso, sem dúvida, traz resultados para a empresa, tanto em produtividade como em imagem perante seus públicos (BEKIN, 1995, p. 69). Companhia Taubaté Industrial: breve histórico Fundada a 4 de maio de 1891, por Félix Guisard3 (1862-1942), a Companhia Taubaté Industrial, popularmente conhecida pela sigla CTI, A biografia do fundador da CTI foi recentemente contada por Cláudia Martins (2008) no livro Félix Guisard: a trajetória do pioneiro da indústria taubateana, publicado pela Cabral Editora Universitária. 3 144 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais foi instalada, na cidade cujo nome incorporou, para a produção de meias e camisas de algodão. Com menos de uma década de existência, em 1898, um incêndio destruiu parte das máquinas e do imóvel. Em pouco tempo, entretanto, a empresa se reestruturou e passou a produzir, a partir de 1903, tecidos lisos (morins), brins riscados e toalhas felpudas, produtos de muito consumo na época. A partir de então, a fábrica prosperou e expandiu suas instalações em uma área de mais de 75 mil metros quadrados. Em 1910, foi construída a segunda fábrica da CTI, com 224 teares manuais para a produção do “Morim Ave Maria”, que se tornou seu principal produto. Já em 1912, foi a vez da implantação da terceira fábrica, com 868 teares para a confecção de cretones. Ao todo, o complexo industrial – com os três prédios fabris e mais dois prédios administrativos e sociais – ocupava uma área de oito terrenos. A CTI chegou “a manter em atividade perto de 1.300 teares manuais, empregando mais de 2 mil operários, produzindo anualmente cerca de dez milhões de metros de tecidos de algodão, que eram vendidos pata todos os Estados do Brasil e exportados para os Estados Unidos” (HOFF & RIBEIRO, 1997, p. 64). No fatídico ano de 1929, a CTI foi afetada pela crise econômica mundial deflagrada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Mas os funcionários concordaram, voluntariamente, em trabalhar duas horas a mais por dia, sem remuneração extra, para que a empresa pudesse saldar suas dívidas. Com esse episódio, é possível perceber a relação de comprometimento entre funcionários e organização. Superada a crise, a Companhia viveu seu apogeu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), empregando cerca de 2.400 pessoas, comercializando produtos de boa qualidade em grande quantidade e alcançando posição de destaque na indústria têxtil da América Latina. Até a década de 1950, a família Guisard controlou a maioria das ações da empresa, mas, em 1953, a família Veloso Borges, com empresas do Rio de Janeiro, adquiriu o controle de 96% das ações, mantendo o controle da C.T.I. até 1970, quando a maioria das ações da empresa foi adquirida pela Companhia Nacional de Tecidos ‘Nova América’, com sede também no Rio de Janeiro (ANDRADE & ABREU, 1996, p. 266). 145 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas A Companhia Taubaté Industrial funcionou normalmente até 1983, quando paralisou definitivamente suas atividades por ser obrigada a requerer concordata preventiva em consequência da falência da Nova América, que acabou sendo incorporada ao grupo Cataguases-Leopoldina, após leilão promovido pelo BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 1987. Seu maquinário foi vendido, suas instalações desapropriadas e entregues à mercê da especulação imobiliária, o que resultou em abandono de alguns prédios importantes como patrimônio histórico e cultural da cidade de Taubaté. Percursos do C.T.I. Jornal O C.T.I. Jornal foi criado em 1937, período da história do Brasil conhecido como “Era Vargas”4, caracterizado, entre outros fatores, pela promulgação das primeiras leis trabalhistas e pelo incentivo ao processo de industrialização e desenvolvimento econômico com ênfase no setor estatal. A ideia do jornal partiu de um diretor da fábrica e também jornalista, Oswaldo Barbosa Guisard, e de um secretário da empresa, João Dias Monteiro. A primeira edição data de 15 de abril de 1937, quando começou a ser distribuído com uma tiragem de dois mil exemplares, superando as expectativas dos integrantes da diretoria que deliberaram inicialmente confeccionar a metade desse número. O projeto era, de fato, audacioso. E seus idealizadores assim o queriam, como pode ser observado na ata de fundação do periódico, publicada na edição de 15 de abril de 1938, na qual se lê o seguinte: Aos seis dias do mês de março de mil novecentos e trinta e sete, reunidos na sala das assembléias e reuniões da Companhia Taubaté Industrial, os que subscrevem, constituídos em Assembléia, deliberaram fundar um jornal intructivo e noticioso, destinado principalmente aos operários da Companhia 4 Termo relacionado ao governo de Getúlio Vargas, que dominou a política brasileira de 1930 a 1954, assumindo a presidência da República após a Revolução de 1930, governando até 1937, quando desfechou o golpe que instalou no país o regime ditatorial denominado Estado Novo. Em 1945, foi derrubado por militares golpistas, mas retornou ao governo em 1951 até encerrar sua trajetória, suicidando-se em 1954. Como chefe do Poder Executivo, promulgou as primeiras leis trabalhistas e iniciou um processo de industrialização e desenvolvimento econômico com ênfase no setor estatal. 146 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Taubaté Industrial. [...] Tomando a palavra, o Presidente da companhia, Sr. Alberto Guisard, disse que se congratulava pela idéia da fundação do ‘C.T.I. Jornal’ de grandes finalidades, vez que, abstraindo-se completamente de discussões sobre política e religião, teria por fim elevar o operário dando-lhe meios de conhecer os principaes aspectos do mundo em descrições sucintas divertindo-o ao mesmo tempo em sessões críticas e humorísticas, sem ofensas e sem malícia e instruindo-o através de uma sessão de conselhos sobre técnica de fiação e tecelagem de algodão. Terminou por dizer que a Companhia Taubaté Industrial, que no momento representava, apoiava totalmente a idéia e se propunha mesmo a concorrer com as despesas de papel e impressão para o jornal. A seguir, com a palavra o Dr. Félix Guisard, diz que possuindo uma bem montada tipografia com todo o material necessário, punha a mesma à disposição do ‘C.T.I. Jornal’ que nela poderia ser feito sem ônus além do papel e dos salários dos compositores e impressores, sendo que a revisão caberia à direção do jornal. O mesmo documento apresenta as “disposições gerais” do C.T.I. Jornal, uma espécie de manual de conduta a ser seguido pelos redatores: 1º.- O jornal deverá ser legislado de acordo com as leis do país. 2º.- Será publicado uma vez por mês até estar organizado para sair duas ou mais vezes por mês. 3º.- Será um jornal da C.T.I. e para a C.T.I., e suas colaborações só devem ser de pessoas da C.T.I., ou de pessoas notáveis em jornalismo, literatura ou ciências podendo abrigar transcrições de artigos interessantes ou instructivos. 4º.- Sua tiragem será de mil exemplares, sendo 800 para distribuição gratuita aos operários [...] e 200 para os diretores, pessoal do escritório, acionistas, autoridades e jornais. 5º.- Será reservado um espaço correspondente a uma página para anúncios de medicamentos, dentrifícios, etc., que se publicarão a troco desses mesmos medicamentos, que serão entregues ao redactor da ‘Seção médica’ para distribuição gratuita entre operários. 6º.- São as seguintes seções obrigatórias do jornal: Seção médica: conselhos sobre higiene, puericultura, ali- 147 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas mentação, etc., além do movimento mensal da farmácia e consultório médico C.T.I. Seção social: notícias sociaes referentes aos diretores, empregados e operários, com ligeiras crônicas. Seção técnica: conselhos técnicos sobre fiação e tecelagem de algodão, conhecimento de fibras, e transcrição de artigos instructivos neste sentido. Seção de teatro e cinema / poesia e literatura: nesta seção colaborarão de preferência os operários da C.T.I., mas poderão ser transcritos poesias e escritos de outros autores. Galeria: nesta seção serão publicados os retratos de uma breve biografia dos diretores, empregados e operários mais antigos e graduados. Deverá começar a Galeria pelo Sr. Félix Guisard. História da C.T.I.: como indica o nome, esta seção deverá, sob a forma de folhetim, publicar a história da Companhia Taubaté Industrial. 7º.- Os redactores das seções acima desde já se obrigam a apresentar suas colaborações dentro dos prazos que lhes forem concedidos. 8º.- Fica estabelecido que o jornal deverá sair no dia 15 (quinze) de cada mês. 9º.- A direção do jornal ficará a cargo dos Srs. Oswaldo Barbosa Guisard – Diretor Responsável –, João Dias Monteiro – Secretário –, e Roberto Breterick – Gerente. 10º.- A revisão das provas, disposição do jornal, etc., cabem à direção. 11º.- O jornal publicará também uma seção de atualidades esportivas. O jornal era impresso no formato 33 por 46 centímetros, com variável número de páginas por edição, nunca inferior a oito, circulando em algumas edições com 16 ou até mesmo 24 páginas, com cinco colunas fixas e fotografias reproduzidas em clichês5 de alta qualidade. Clichês são placas de metal, geralmente feitas de zinco, gravadas fotomecanicamente, cuja superfície apresenta todos os pontos que devem deixar impressão no papel, em relevo e em 5 148 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Desde o começo, o C.T.I. Jornal contava com reprodução de fotografias (edição de 15 de maio de 1937) sentido inverso à imagem original. São empregados em tipografia, para impressão de jornais, revistas, livros, anúncios, folhetos, etc. 149 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Em ocasiões comemorativas, chegou a circular com tiragem de três mil exemplares. Em alguns números, foi a ser impresso em papel couché, o mesmo utilizado nos rótulos dos tecidos fabricados pela Companhia Taubaté Industrial. Aliás, como determinado na ata de criação, o veículo era impresso na oficina tipográfica da empresa, que também imprimia as embalagens dos produtos. É possível observar, em algumas edições, os clichês originais do Morim Ave Maria ou do Cretone Canário, produzidos pela CTI. Provavelmente, ocupavam espaços em branco, os chamados “calhaus”6, ou simplesmente cumpriam a missão de realizar uma propaganda de apelo institucional. Fato interessante é que o C.T.I. Jornal também tinha finalidade educativa e objetivo de integrar o operariado, fazendo-o participar da “família ceteiense”. Nas páginas publicadas ao longo de quase dez anos, constante eram destacados poemas, cartas, charadas e outros textos assinados por funcionários, assim como algumas pequenas biografias na seção “Galeria C.T.I.”, que posicionava o funcionário e dava-lhe identidade dentro da empresa. Outras seções do jornal eram a médica, a social e a técnica. A primeira, redigida pelo médico e farmacêutico da empresa, apresentava conselhos sobre higiene e utilização de medicamentos, além de relatar o movimento do atendimento médico realizado no mês. A seção social fazia o registro dos acontecimentos da fábrica, como, por exemplo, a cobertura fotográfica das atividades dos funcionários na colônia de férias de Ubatuba, os casamentos e batizados coletivos promovidos pela empresa, entre outros. Já a seção técnica descrevia algumas operações simples para melhorar as condições de trabalho junto ao maquinário da empresa. 6 O termo “calhau” era utilizado em tipografia para designar os espaços onde os gráficos faziam encaixar pequenos textos ou clichês para o fechamento da página a ser impressa. 150 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais “Galeria C.T.I.”: vitrine para os funcionários (edição de 15 de novembro de 1937) 151 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Era intenção da diretoria que o jornal instruísse e educasse, com matérias úteis e de fácil assimilação aos leitores. Estes, de modo geral alfabetizados, mas com pouca instrução formal, deveriam também possuir valores morais e contribuir para o desenvolvimento da personalidade “sem desvios ou complexos”. Os jornalistas do C.T.I. Jornal procuravam pautar os assuntos do cotidiano sempre com comentários, citações ou exemplos de como os funcionários deveriam se comportar ou o que deveriam ler ou fazer no seu horário de descanso. A empresa era sempre colocada em alta, vista como um “bem maior”, e era representada pelo seu fundador, Félix Guisard, que estava acima do bem e do mal. Apesar de ser destinado à distribuição gratuita entre os funcionários, a partir da trigésima terceira edição – a de 15 de setembro de 1939, o cabeçalho começou a indicar o valor das assinaturas e dos exemplares avulsos. No entanto, é certo que tal comercialização não rendeu bons frutos, conforme revela Mello Júnior (1983, p. 219): “O irrisório valor certamente teria conotação com possíveis disposições arrocheantes do malfadado D.I.P. [Departamento de Imprensa e Propaganda], vigentes nos ominosos tempos ditatoriais. O fato é que jamais recebeu uma só assinatura”. Em entrevista concedida, em 19977, ao Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação (Nupec), da Universidade de Taubaté (Unitau), o jornalista Geraldo de Oliveira, que trabalhou como redator do veículo de 1937 a 1946, explicou que o preço publicado na capa era uma exigência legal da época, assim como a obrigatoriedade de publicar o expediente do jornal em toda edição. Inclusive, uma das resoluções da ata de fundação definia que o periódico deveria ser legislado de acordo com as leis do país e, segundo as declarações de Oliveira, a diretoria fazia questão de cumprir todas as exigências legais para sua circulação, a fim de que ele pudesse ser considerado, realmente, como o órgão noticioso oficial da Companhia. Contudo, é valido ressaltar que o C.T.I. Jornal nunca foi vendido, e sim distribuído gratuitamente aos funcionários, enviado a instituições, repartições públicas e órgãos de imprensa de Taubaté e dos quatro cantos do Brasil, além de ser endereçado a outras companhias têxteis do exterior. 7 152 Entrevista coletada por Eliane Freire de Oliveira. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Naquelas décadas, também, não havia crítica nem estímulo ao pensamento aberto e democrático. As leis brasileiras eram tratadas como um “grande monumento jurídico”. Não havia uma explicação sobre a situação social do país, nem comentários sobre as mudanças ocorridas após o golpe de Estado dado por Getúlio Vargas. Ao contrário, o poder central era elogiado e apontado como responsável pelo crescimento do país e da própria empresa. Ao tocar em temas mais densos como sindicalismo ou política empresarial, o jornal utilizava uma retórica emocional. As matérias tratavam, na grande maioria dos casos, de temas ligados à fábrica e os assuntos abordados quase sempre envolviam o dia a dia dos operários e de suas famílias. Ao falar da construção de um futuro conjunto residencial, por exemplo, os redatores enfatizavam a importância dos operários se tornarem proprietários e de economizarem para conseguir o intento: a matéria afirmava que os diretores da empresa haviam decidido que chegara o momento para que seus funcionários se tornassem proprietários de suas próprias casas. Na realidade, esta seria mais uma estratégia para “prender” o operário a grande “família ceteiense”. Mas o assunto não era abordado desta forma. O importante era economizar. O mesmo tema também foi utilizado em outros momentos, quando o veículo expunha a idéia que a diretoria havia tido de criar um armazém onde os funcionários pudessem adquirir produtos alimentícios. A empresa iria descontar em folha de pagamento, e o limite para as compras seria imposto. Em nenhum momento, o C.T.I. Jornal abordou de forma real e concreta as relações entre patrão e empregado. Ao contrário, o patrão – Félix Guisard – era sempre destacado como um homem de grande bondade e com espírito aberto e fraternal. Ele seria o “grande pai” de todos os funcionários; a empresa, a “mãe”; e os empregados, os filhos que precisavam ser ensinados e educados. Por isso mesmo, os textos publicados discutiam e reproduziam a ideologia da direção. Em diversos assuntos da política empresarial, o discurso utilizado controlava a vida do operário de todas as formas, principalmente com relação à família, um dos pontos mais importantes que deveriam preservar e mencionar. Por diversas vezes, o núcleo familiar era citado com a finalidade de preservar as tradições cristãs de boa convivência e comportamento. 153 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Félix Guisard: patrão e “pai” da família ceteiense (edição de 22 de janeiro de 1941) O C.T.I. Jornal teve uma duração expressiva, ainda que por pouco menos que uma década. Encerrou com a edição de número 117, datada de 20 de dezembro de 1946. Seu fim deve-se a divergências políticas en- 154 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais tre os diretores da fábrica e o diretor do jornal. Com o falecimento do de Félix Guisard, em 1942, grande parte de benfeitorias conquistadas pelos operários foram extintas, como a cooperativa de consumo, a orquestra fabril e os programas sociais. A própria empresa começou a declinar no aspecto cooperativo e o setor administrativo, talvez sem conhecimento de uma estratégia comunicacional, passou a enxergar o periódico como um veículo dispendioso e inútil para seu propósito. Por conta disso, o jornal, de larga aceitação – não só entre os operários da CTI, mas também entre outros cidadãos taubateanos –, deixou de ser confeccionado. A gráfica onde era impresso foi desativada em janeiro de 1947 e, desde então, nunca mais a empresa foi a mesma. Fazer jornalismo naquela época era um desafio, mas a Companhia Taubaté Industrial, economicamente bem estruturada, garantia a impressão dos exemplares sem maiores problemas. A colaboração dos empregados fornecia pautas e recheava as edições com a produção intelectual local. Durante quase dez anos o C.T.I. Jornal foi um forte instrumento para estreitar relações entre patrões e funcionários. Jornalismo, capitalismo e poder atuavam juntos nas atividades industriais. O órgão noticioso de empresa tinha como característica informar e formar a opinião do trabalhador: em suas páginas, o operário poderia obter novos conhecimentos, recrear o espírito e receber ensinamentos que lhe seriam úteis. O conteúdo do C.T.I. Jornal As considerações tecidas neste texto foram viabilizadas pelo levantamento historiográfico de aspectos relacionados ao C.T.I. Jornal e pela leitura sistemática de seus exemplares, os quais estão disponíveis no Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH)8 da Universidade de Taubaté. Essas observações possibilitam fazer algumas considerações relacionadas ao papel estratégico daquele veículo, bem com sinalizam suas características principais. 8 Centro de referência cultural e de pesquisa histórica que privilegia a documentação da história de Taubaté e do Cone Leste Paulista (formado pelo Vale do Paraíba, pela Região Bragantina, pela Serra da Mantiqueira e pelo Litoral Norte). Conta, em seu acervo, com a coleção quase completa do C.T.I. Jornal, além de vasto material documental e iconográfico da fábrica. 155 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Em primeiro lugar, há de se destacar que sua criação está envolta no interesse da diretoria em formar funcionários interessados nos assuntos da empresa. Conforme seu editorial de inauguração, o objetivo do jornal era o de ser “um centro de congregação de esforços visando difundir conhecimentos, estudos e ensinamentos de grande interesse para todos nós”. Essa visão sistêmica da empresa está nitidamente exposta na frase final daquele texto inaugural: “nós somos unidades do grande todo”9. Publicada em caráter permanente, a seção “Galeria C.T.I.” dava destaque a funcionários, independentemente do nível hierárquico que ocupassem no organograma da fábrica. Nesse espaço, o discurso era sempre elogioso, com riqueza de detalhes e adjetivos sobre as trajetórias pessoais ali tratadas. Na edição de 15 de abril de 1940, por exemplo, o operário João Baptista dos Santos é destacado pelo fato de ter começado a trabalhar na empresa “com menos de treze anos”, o que mostra que as leis trabalhistas ainda estavam se delineando no Brasil. Aquele texto também reforçava o fato de o funcionário participar das atividades esportivas promovidas pela CTI e de ser um “exemplar chefe de família”. Também em evidência estão os números de dias em que ele trabalhou, entre os anos de 1938 e 1940, ressaltando que o funcionário faltou apenas 8 horas, naqueles dois anos. A valorização desse e de outros funcionários revelava, portanto, uma preocupação nítida com a integração e a motivação do público interno da Companhia. Ainda no que diz respeito ao tratamento dado ao referido público, vale mencionar que não foram poucas as vezes em que a empresa interferiu diretamente no cotidiano de seus empregados. Em dezembro de 1939, por exemplo, a CTI promoveu o casamento civil daqueles que, até então, só estavam unidos pelos laços religiosos. Conforme noticiou o C.T.I. Jornal de 22 de janeiro de 1940, o interesse da instituição era o de contemplar os operários para que estes pudessem ser beneficiados pelas mudanças na legislação trabalhista, que havia criado os Institutos de Aposentadorias e Pensões. Os operários que não eram casados no civil tinham seus direitos dificultados. Trechos retirados do texto “Primeiro Número”, publicado na edição de 15 de abril de 1937, à página 1. 9 156 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Nesse caso, a CTI demonstrou preocupação em relação ao cumprimento de exigências da legislação trabalhista. A questão foi detectada pelo Departamento Pessoal, uma vez que a certidão de casamento dos operários foi exigida pelo Instituto dos Industriários, para que os mesmos tivessem direito à aposentadoria no futuro. De uma exigência legal, foi gerado um grande evento que agradou aos funcionários e teve grande repercussão na cidade, gerando uma imagem positiva da empresa. Um exemplo de comunicação institucional e que avigorar a habilidade que a empresa tinha para gerar satisfação do público interno. Para o mesmo sentido acena uma matéria publicada em 15 de julho de 1937, intitulada “Férias em Ubatuba”. O texto aborda as férias que a CTI havia promovido para seus funcionários em uma colônia em Ubatuba, cidade do Litoral Norte de São Paulo. Mais uma vez atendendo às exigências da legislação, a fábrica conseguiu extrapolar as obrigações legais, transformando-as em ações que visavam fidelizar o operariado. As colocações ali expostas reforçam que, enquanto outras empresas dispensavam os funcionários para as férias em grupos, a Companhia Taubaté Industrial oferecia lazer coletivo, responsabilizando-se, inclusive, pelo transporte dos funcionários até o Litoral. 157 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Colônia de férias: benefícios aos operários recebiam destaque no C.T.I. Jornal (edição de 15 de julho de 1937) 158 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Outro ponto a ser levantado é que – considerando-se os padrões da época – o C.T.I Jornal pode ser considerado uma publicação “bem feita”, em termos gráficos, sendo sempre preenchido com conteúdo fotográfico. Da primeira (15 de abril de 1937) até a sexagésima edição (5 de abril de 1942)10 foram publicadas 253 fotografias, as quais reforçam valores e posicionamentos da diretoria da CTI. Nessas imagens, por exemplo, salta à vista a aparição constante de membros da família Guisard, ora sozinhos, ora em grupos familiares, fato que remete à ideia da “grande família ceteiense”, à qual pertencem os Guisard e seus funcionários. A presença constante e repetitiva salienta a postura hierárquica ao mesmo tempo em que promove aproximação do operariado. Não raro, esses personagens aparecem ligados a autoridades, especialmente políticas e eclesiásticas. Boa parte dos acontecimentos sociais registrados corresponde aos ideais cristãos da época (obediência às tradições impostas pela Igreja Católica), mesmo que a diretoria tenha se comprometido, quando da criação do jornal, a não orientá-lo a qualquer discurso político ou religioso. Os eventos destacados nas imagens são celebrações de primeira comunhão, casamento – como já descrito –, celebrações de bodas e inaugurações. As imagens de funcionários são destacadas na seção “Galeria C.T.I.”, junto com os textos já mencionados. Em outras seções, os funcionários só aparecem em casos de falecimento (dando a impressão de oferecer uma forma de reconhecimento por parte dos colegas), ou ainda nas páginas destinadas à sátira e ao humor, nas quais as fotografias são utilizadas de forma a ridicularizar determinadas figuras. Há ainda um destaque significativo à imagem feminina. Possível precursor Não restam dúvidas de que o C.T.I. Jornal consiste em uma publicação jornalística empresarial, por enquadrar-se nas definições dadas por Torquato do Rego (1978, p. 40-41), para quem Embora o veículo tenha circulado regularmente até dezembro de 1946, as edições posteriores à última data citada encontram-se deterioradas, impossibilitando sua análise. 10 159 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas as publicações empresariais, enquanto veículos jornalísticos, devem ter periodicidade, isto é, devem aparecer em intervalos sucessivos e regulares. Precisam abastecer-se de fatos da atualidade que formam o presente da empresa. Para assumir seu atributo de universalidade, as publicações devem, em princípio, apresentar informações sobre quaisquer áreas ou programas de interesse da empresa e da comunidade. Por último, necessitam chegar ao público ao qual se destinam, devendo, assim, ser difundidas. Porém, o que ainda gera incertezas é sobre o possível posto de primeiro jornal empresarial do Brasil, que poderia ser atribuído a uma primeira versão do C.T.I. Jornal, editada em 1918. Ocorre, contudo, que tal publicação só consta em registros bibliográficos e documentais, não tendo sido localizado um único exemplar que comprove sua real existência, na data citada. No trabalho de Pedro Giolo (1956, p. 47) – considerado o primeiro levantamento sobre imprensa em Taubaté –, há a seguinte menção: “Neste ano de 1918, aos 12 de julho, circula o nº 8, ano 1, do órgão crítico, humorístico e exclusivamente dedicado aos funcionários da Companhia Taubaté Industrial, ‘C.T.I. Jornal’, ao preço de $ 1000 o exemplar, custando a assinatura, por mês $ 300”. Antônio Mello Júnior (1983, p. 179) também alude à criação de um C.T.I. Jornal em 1918, o qual foi mencionado por outra folha criada naquele ano – A Brisa –, a qual tinha nítido tom humorístico e “gosava [sic] de larga aceitação entre os operários da C.T.I.”. Mas a referência mais significativa a esse fato pode estar no próprio C.T.I. Jornal, mais precisamente na matéria de capa do nº 37, de 15 de abril de 1940, intitulada “Cumprindo um programa”. Naquela edição, lê-se: Não fora esta a primeira tentavia. [...] em épocas em que se contam por decênios, tiveram existências efêmeras, o primeiro ‘C.T.I. Jornal’, ‘O Operário’, ‘A Brisa’ e outros minúsculos semanários cujas vidas podem ser constatadas pelos que as ignoram, através da bela realização que constitui o Museu Histórico de Taubaté. Se algum exemplar dessa primeira fase do C.T.I. Jornal fosse localizado, a publicação iria se antepor ao Boletim Light, criado em 1925 e apontado por Torquato do Rego (1987, p. 27) como 160 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais o precursor do jornalismo empresarial brasileiro, tendo circulado durante três anos. Estratégias de ontem e de hoje Bueno (2003, p. 7) afirma que a comunicação empresarial contemporânea se estrutura para usufruir das potencialidades de novas tecnologias, respalda-se em bancos de dados inteligentes, explorar a emergência de novas mídias e, sobretudo maximizar a interface entre as empresas, ou entidades, e a sociedade. Nesse novo cenário, passa a integrar o moderno processo de gestão e partilha do conhecimento, incorporando sua prática e sua filosofia ao chamado “capital intelectual” das organizações. As raízes do processo identificado pelo autor estão nas atitudes pioneiras da comunicação nas empresas, como foi o caso do C.T.I. Jornal e de outros veículos que antecederam as ações estratégicas formuladas na década de 1960 e se atenciparam até mesmo ao alvorecer das publicações de empresa, ocorrido nas décadas de 1940 e 1950, segundo considerações de Torquato do Rego (1987, p. 26-27). Observando os exemplares ainda existentes do C.T.I. Jornal, não é difícil perceber que a Companhia Taubaté Industrial tinha habilidade para transformar obrigatoriedades – como, por exemplo, os impostos pelas leis trabalhistas – em notícias que geravam uma imagem positiva da empresa. Desse modo, espelhava a imagem de uma instituição preocupada com o bem estar de seus funcionários, reproduzindo o discurso getulista vigente. Vale ressaltar, também, que o jornal contemplava diversos públicos – sociedade taubateana, empresas concorrentes, mídia etc. – além do público primário, os funcionários, assemelhando-se ao que prediz o conceito atual de stakeholders, para o qual o sucesso de uma empresa depende da satisfação de todas as partes interessadas. Referências ANDRADE, Antônio Carlos de Argôllo; ABREU, Maria Morgado de. História de Taubaté através de textos. Taubaté: Prefeitura Municipal de Taubaté/Minerva, 1996. 161 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas ARGENTI, Paul A. Comunicação empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2006. BEKIN, Saul Faingaus. Conversando sobre endomarketing. São Paulo: Pearson Education, 1995. BUENO, Wilson da Costa. Comunicação empresarial: teoria e pesquisa. São Paulo: Manole, 2003. GIOLO, Pedro. Imprensa de Taubaté. Taubaté, 1956. HOFF, Eliane; RIBEIRO, Sônia Maria Pereira. O perfil empresarial do C.T.I. Jornal. Acervo Mídia Regional: Revista do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Comunicação da Universidade de Taubaté, Taubaté, n. 1, p. 63-77, 1º sem. 1997. LUPETTI, Marcélia. Gestão estratégica da comunicação mercadológica. São Paulo: Thomsom Learning, 2007. MAFEI, Maristela. Assessoria de imprensa: como se relacionar com a mídia. São Paulo: Contexto, 2004. MARTINS, Cláudia. Félix Guisard: a trajetória do pioneiro da indústria taubateana. Taubaté: Cabral, 2008. MELLO JÚNIOR, Antônio. Imprensa taubateana: contribuição à sua história. Taubaté: Egetal, 1983. STONER, James A. F.; FREEMAN, R. Edward. Administração. Tradução: Alves Calado. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. TORQUATO DO REGO, Francisco Gaudêncio. Jornalismo empresarial: teoria e prática. São Paulo: Summus, 1987. ______. Tratado de comunicação organizacional e política. São Paulo: Pioneira, 2004. 162 O Jornal NH e os anúncios publicitários na década de 1960 Claudia Schemes e Denise Castilhos de Araujo Resumo Este artigo objetiva analisar como o Jornal NH e um de seus fundadores, o jornalista Mário Alberto Gusmão, valeram-se da publicidade para a manutenção/divulgação deste periódico. Utilizamos como fundamentação teórico-metodológica as discussões acerca da biografia histórica, a qual vem sendo reconfigurada na atualidade. O gênero biográfico dá maior atenção à atuação dos sujeitos na história, levando em conta as suas representações sociais e encarando o biografado através de sua trajetória pessoal, como a via de acesso para a compreensão de questões e contextos mais amplos, relacionando a vida do sujeito com sua trajetória profissional. Utilizaremos, também, a Semiótica e a Análise de Discurso. Para esta análise, foram selecionados anúncios publicitários do jornal mencionado no seu primeiro mês de publicação. Palavras-chave: Publicidade; Jornal NH; biografia; semiótica; análise do discurso Introdução Atualmente, o gênero biográfico vem sendo reconfigurado pelos seus escritores (historiadores, jornalistas, literatos, etc.), provocando reflexões sobre suas produções, principalmente as relacionadas ao campo do conhecimento histórico. Ou seja, há tempos atrás, o gênero biográfico era utilizado para promover e exaltar grandes heróis nacionais, mas, hoje, ele é utilizado de maneira distinta. A historiografia vem dando maior atenção à atuação dos sujeitos na história. Não se valoriza mais apenas as grandes estruturas sociais e econômicas, principalmente depois do desenvolvimento da linha de pensamento chamada Nova História. Isto não significa que a história deixa de se preocupar com as estruturas 163 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas mais profundas que compõem uma sociedade, mas que estas serão buscadas a partir de um evento, uma vida ou uma prática social, partindo-se da idéia de que não há um olhar homogêneo, absoluto, ou seja, a “história global” foi substituída pela “história em migalhas” (REIS, 2000). Nesta, o historiador pode abordar qualquer tema sob qualquer perspectiva. Partindo desses pressupostos, podemos definir a biografia como a história de um indivíduo redigida por outro, mas com a preocupação em revelar, não apenas a vida do sujeito biografado, mas a relação de seus atos com os fatos históricos. Em razão disso, a biografia histórica não se restringe mais em apenas destacar os grandes feitos do sujeito abordado, mas também deve levar em conta as suas representações sociais, encarar o biografado, através de sua trajetória pessoal, como a via de acesso para a compreensão de questões e contextos mais amplos, combinando elementos biográficos com significados sociais. O biógrafo precisa expressar ao leitor, através de sua narrativa biográfica, como o contexto histórico influencia os atos efetuados pelo personagem abordado. Para isso, deve ter o cuidado de não apresentar a trajetória de seu personagem com uma coerência linear, afinal, a existência de um indivíduo é sempre descontínua e fragmentada. (AZEVEDO, 2000) Em relação a isso, Schmidt (2000, p.63) defende a idéia de que [...] os biógrafos não devem se fixar na busca de uma coerência linear e fechada para a vida de seus personagens, mas que precisam, sim, apreender facetas variadas de suas existências, transitando do social ao individual, do inconsciente ao consciente, do público ao privado, do familiar ao político, do pessoal para o profissional, e assim por diante, sem tentar reduzir todos os aspectos da biografia a um denominador comum. Partindo dessas reflexões acerca da biografia histórica, realizaremos uma breve narrativa biográfica do fundador do Grupo Editorial Sinos, o jornalista Mário Alberto Gusmão, para podermos compreender, através desse sujeito, como se organizou a publicidade nos primeiros tempos do Jornal NH, pois a necessidade de recorrermos a testemunhos, segundo Halbwachs (2006), reforça e completa 164 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais o que sabemos de um acontecimento sobre o qual possuímos alguma informação, mas que ainda permanece obscuro em muitos aspectos. A publicidade A origem da publicidade está relacionada a uma demanda: uma população com recursos considerados acima do nível de subsistência, com condições de adquirir produtos considerados desnecessários. Entretanto foi somente no século XVIII que essa população tornou-se considerável e foi interpelada por anúncios de produtos como café, chá, cosméticos, espetáculos, entre outros. Observamos que somente no século XIX ocorreria a superprodução de mercadorias, a partir do desenvolvimento de tecnologia e de técnicas de produção de massa, conforme Vestergaard; Schroder (2000). Entretanto, o advento da televisão no século XX possibilitou aos consumidores maior contato com os produtos oferecidos pelas empresas, e a publicidade, nesse momento, passou a ser utilizada com muito mais frequência. Outro momento de grande desenvolvimento das ações publicitárias foi o pós-guerra (anos 50), em virtude da existência de consumidores com potencial de compra. Então, surgiu a necessidade de aprimoramento, de dedicação e do desenvolvimento da publicidade, considerando os elementos que a compõe: o texto icônico e o texto verbal. O mundo sugerido pelos anúncios publicitários normalmente apresenta um lugar diferente da realidade vivenciada pelos receptores desses anúncios, pois o que está presente na publicidade é o encanto, e, talvez, até mesmo um mundo de faz-de-conta, onde o receptor é convidado a participar dele, através da aceitação do produto anunciado. Diante desse mundo apresentado, o indivíduo, na maioria das vezes, sente-se motivado ao consumo dos produtos oferecidos, pois com eles será possível, também, adquirir certos bens simbólicos que estejam agregados ao produto. Assim sendo, a publicidade não quer vender somente o produto, mas quer, também, comercializar conceitos de vida que serão adquiridos pelo comprador, a partir do momento em que ele se dispuser a gastar o valor necessário para adquirir o bem em questão. Sabemos, também, da presença do onírico na publicidade, ou seja, a promessa de concretização de sonhos, de desejos, propondo, muitas vezes, um mundo único, que vai ao encontro dos 165 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas receptores, sugerindo a possibilidade de satisfação dos desejos de sua vida diária. Desejos os quais podem ser projetados para um futuro (Vestergaard; Schroder, 2000) que se estabelecerá para o indivíduo como uma busca constante, e, até mesmo, eterna, talvez pela dificuldade de serem alcançados. É preciso lembrar que a publicidade também pode sugerir o consumo de certos comportamentos ou produtos, os quais servem como passaportes para a inserção do consumidor em grupos sociais. Mais uma vez, consome-se não só o objeto, mas toda a carga semântica que vem com esse objeto, presente nos anúncios publicitários. Ao mesmo tempo em que a publicidade possibilita a construção de sonhos, de fantasias, ela tem como objetivo a venda de uma imagem, a qual virá concretizada em um produto ou serviço. Muitas vezes, a linguagem utilizada pela publicidade traz consigo a espetacularização, pois deve surpreender e divertir de uma maneira inusitada, delirante, engraçada. Toda essa fantasia, esse espetáculo criado, apresenta a conivência do receptor, que compactua esse mundo criado pelas propagandas. A busca por essa fantasia, por essa imagem de irrealidade, mas extremamente sedutora é constante, fazendo com que o receptor esteja eternamente vinculado a essas propagandas, porque o ideal que ele almeja jamais será alcançado, tal fantasia é algo que está distante das possibilidades de alcance desse ser. Essa possibilidade de ser alguém ultrapassa, muitas vezes, o aconselhamento e torna-se um algoz que exige a assimilação de certas características, as quais se tornarão o alicerce para a elaboração de identidades que variarão de acordo com o grupo de indivíduos. Dessa forma, o indivíduo deixa de ser somente o seu grupo, mas passa a ser, também, os conselhos, dicas, definições e tudo o mais que a publicidade insinua. O grupo pode assumir a identidade sugerida pelo anúncio, adotando, algumas vezes, características, gostos, idéias que nem passavam por sua cabeça e que foram incutidos através da publicidade que o alcança. O anúncio propõe, portanto, uma troca de identidades ao destinatário entre a sua identidade enquanto “ser no mundo” e a identidade projetada de um destinatário, “ser do discurso”. Ao propor esta troca, o anúncio diz-nos quem somos e como somos, ou seja, fixa os contornos da nossa própria identidade[...]. (PINTO, 1997, p. 31). 166 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Através dos textos e das imagens postas nas publicidades, somos levamos a agirmos, pensarmos e, até mesmo, sermos de certas maneiras, de acordo com o que é sugerido na propaganda. Então, o que inocentemente nos parece uma possibilidade de escolha, de ação, na verdade torna-se uma orientação ao modelo que deve ser seguido, ou às atitudes que devem ser tomadas em determinado momento. Pinto (1997) afirma que, muitas vezes, os produtos passam de criaturas para criadores; isso quer dizer que, na verdade, é o produto que criará, em seu consumidor, certas qualidades, ou melhor, o indivíduo é orientado pelos produtos, e não o contrário. Pinto sugere, inclusive, que a publicidade poderia vender, também, as identidades dos indivíduos, pois devemos considerar a presença do espelhamento nas publicidades, a qual serviria como reflexo para o consumidor. Feita a ressalva, é significativo o fato de que a publicidade e a propaganda mais do que vender produtos e serviços, atenta para a construção/transformação/reafirmação de idéias, valores e padrões de determinadas épocas. Mário Alberto Gusmão e o Grupo Editorial Sinos Mário Alberto de Paula Gusmão nasceu em 29 de junho de 1936 em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Por rebeldia adolescente, parou de estudar antes de terminar o antigo ginásio e resolveu trabalhar. Seu primeiro emprego foi o de entregador do jornal “O Estado do Rio Grande”, órgão do Partido Libertador, mas que, mesmo sendo um periódico ligado a uma agremiação política, possuía muitos colaboradores importantes, como Raul Pilla e Paulo Brossard. Gusmão, com esse emprego, poderia acompanhar os principais acontecimentos políticos do Estado, o que muito lhe agradava. Depois de algum tempo como entregador de jornal, trabalhou como vendedor de uma loja de calçados, mas logo voltou para a área da comunicação, ingressando na Rádio São Leopoldo e criando, junto ao radialista Braz de Oliveira, o programa de auditório “Carrossel da Cidade”, que apresentava cantores e humoristas da região (Elis Regina, com seus 13, 14 anos participou do programa acompanhada de sua mãe). Criou, também, o “Jornal Falado S 5”, 167 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas um noticioso diário totalmente realizado por ele, da redação das notícias, às gravações de entrevistas. Além disso, colaborou, sem remuneração, com dois jornais locais (Folha de São Leopoldo e Gazeta de Notícias) através de notas esportivas e de política local. A idéia de criar um jornal surgiu depois que Gusmão saiu da rádio e passou a trabalhar como secretário da Câmara de Vereadores leopoldense. Em 1957, então com 21 anos e com o apoio do irmão Paulo Sérgio, com 33 anos e trabalhando no setor coureiro, decidiram lançar um jornal, já que não havia mais circulação de periódicos na cidade. Segundo Gusmão (2006), Passamos, então, a ter alguns encontros para planejar, da forma mais incipiente (ou amadorística) possível, o novo sonho que surgia: o lançamento do jornal para suprir a lacuna da cidade. Não tínhamos nenhum recurso e nem queríamos ter padrinhos políticos e empresariais. A idéia era no início trabalhar sem remuneração, cada um continuando com seu rendimento do outro trabalho, e buscar publicidade para pagar a impressão do jornal e as demais despesas. Numa sala de fundos emprestada, com uma equipe que começou a trabalhar sem remuneração, numa gráfica “de garagem” foi acertada a primeira impressão do jornal. [...] A composição era com os chamados ´tipos de caixa`, onde para formar uma palavra, tinha que ser montado letra por letra. Uma operação muito demorada, como demorada também era a impressão do jornal, que utilizou uma máquina que imprimia página por página, ou seja, para imprimir a folha branca do verso, havia necessidade de dobrar manualmente cada folha. (GUSMÃO, 2006) Segundo Gusmão, foi assim que no dia 20 de setembro de 1957 “heroicamente” circulou o primeiro SL (nome do jornal que faz alusão às iniciais de São Leopoldo). A primeira manchete - “Poderá ser solucionado um problema antigo: Telefones Automáticos para São Leopoldo” - já deixava clara a linha editorial do periódico, a defesa dos interesses da comunidade. O SL circulou quinzenalmente por dez meses, quando passou a ser semanal. 168 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais A criação de um jornal na cidade de Novo Hamburgo (vizinha a São Leopoldo) deu-se em função da sugestão de um empresário daquela cidade aos irmãos Gusmão. Segundo Mário, a idéia deixou-os “eriçados”, pois eles poderiam se tornar “magnatas da imprensa, com dois jornais semanais...” O problema mais grave que os irmãos enfrentaram foi a falta de verba para iniciar o novo empreendimento. Foi aí que surgiu a idéia de vender anúncios publicitários para cobrir os custos da produção do novo periódico. Segundo Gusmão, o primeiro contato se deu com uma pessoa que tinha proximidade com os profissionais da publicidade, pois “fazia chapinhas de propaganda para serem projetadas nos cinemas locais, antes de começar os filmes.” Essa pessoa indicou um jovem conhecido seu que poderia vender anúncios, pois tinha um perfil apropriado para tal ação. Os irmãos Gusmão marcaram um encontro com essa profissional (Nestor Fips Schneider), expuseram seus propósitos, ofereceram 20% de comissão sobre os anúncios comercializados e, na manhã do dia seguinte Nestor “trazia o primeiro anúncio com texto escrito em papel de embrulho [...] à tarde trouxe mais dois. Um sucesso absoluto de vendedor”. As fotos necessárias para o jornal foram cedidas gratuitamente pelo fotógrafo Alceu Feijó, que também se dispôs a escrever algumas crônicas, e a sede do jornal foi uma sala, mais uma vez de fundos, cedida por uma loja de roupas em troca de anúncios publicitários. Dessa forma, em 19 de março de 1960 circulou pela primeira vez o Jornal NH1, que desde o seu primeiro número deixou claro que Atualmente, segundo dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação), o Jornal NH é o maior diário, em termos de assinaturas pagas, do interior do estado do RS. O Grupo Editorial Sinos publica, também, revistas e jornais voltados para o setor coureiro-calçadista como a revista Lançamentos e Lançamentos Componentes, Couros, Máquinas e Serviços, o Jornal Exclusivo, o Exclusivo On Line, Portal do calçado e da moda, com notícias atualizadas diariamente, além dos jornais VS, Diário de Canoas e ABC Domingo.O grupo ainda mantém um provedor de internet, o Sinosnet, o Sinoscorp de internet corporativa, além de uma emissora de rádio, a ABC 900 AM. Os jornais diários e o jornal e as revistas dirigidos ao setor coureiro-calçadista possuem o índice de em torno de 95% de sua circulação em assinaturas. Os primeiros somam uma tiragem diária superior a 63.500 exemplares, distribuídos em cerca de 45 municípios, uma área que compreende a Região Metropolitana de Porto Alegre, Vale do Sinos, Vale do Caí, Vale do Paranhana, Serra Turística e parte do Litoral Norte, o que representa 19,29% da população do Rio Grande do Sul, que representam mais de 2 milhões de habitantes e uma das maiores rendas per capita do país. 1 169 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas seu envolvimento com a comunidade era seu objetivo primordial. O que pretendemos, a seguir, é analisar os anúncios publicitários publicados no jornal nessa época. Análise dos textos publicitários Optamos por analisar os anúncios publicitários publicados no Jornal NH no primeiro mês de sua publicação, ou seja, as edições de 19/03/60; 26/03/60; 02/04/60 e 16/04/60, correspondentes a primeira, segunda, terceira e quinta edição2. Nessa época, a periodicidade do jornal era semanal. Além da análise desses textos, realizamos uma entrevista com Mário Alberto Gusmão, questionando-o, especificamente, a respeito da produção e publicação dos anúncios publicitários no jornal. Nas quatro edições selecionadas, foram contados 96 anúncios publicitários, assim distribuídos: 24 na edição de 19.03; 23 na edição de 26.03; 26 na edição de 02.04; e 23 na edição de 16.04. Assim, confirma-se o que Gusmão (2009) afirmou: O jornal não tinha capital próprio, não tinha padrinho político, não tinha grupo econômico atrás; como é que iria se manter, como é que ele viveria? Através da publicidade e alguma pequena venda de assinaturas, ou de exemplares avulsos. Mas isso representava, no início, 5% ou 3% da receita do jornal; [...] bem no início, no primeiro ano. Então, mais de 95%, 97% da receita para manter o jornal vinha dos anúncios. Daí a necessidade que nós tínhamos de buscar anunciantes [...]. Em relação aos produtos e serviços anunciados, observamos a presença de materiais para calçado; curtumes; mecânicas; lojas de vestuário; alfaiates; médicos; advogados; bebidas (cervejas e refrigerantes); restaurantes; bazares; transportadoras; seguradoras; fábricas de calçados. Verificamos, assim, a estreita relação dos produtos anunciados com a produção econômica do Vale (calçados e curtumes), bem como de profissionais liberais e comércio. Diante disso, podemos afirmar que a produção de discursos e sentidos, de acordo com Maingueneau (2002), mantém relação estreita com o contexto. Nesse momento, a região vivia a expansão da indústria calçadista, o que gerava, também, (www.gruposinos.com.br Acesso em 20/04/2009) 2 170 A edição n. 4 não foi encontrada no arquivo do Jornal NH, tampouco no Arquivo Municipal. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais o desenvolvimento da cidade, bem como a necessidade de profissionais variados, os quais dessem conta das exigências da população. No que diz respeito à estrutura textual desses anúncios, identificamos a recorrência da apresentação do nome do produto/serviço anunciado, endereço desse serviço, loja ou fábrica. Ou seja, a construção textual desses anúncios reflete o que Gusmão (2009) afirmou: [...] quem ajudava a fazer a arte dos anúncios era o Hubert Schneider.[...]. Existia naquele tempo, como meio de divulgação, a publicidade em cinema; que eram anúncios passados antes de começar o filme - acho que hoje isso não tem mais -, e quem fazia isso em Novo Hamburgo era o Hubert Schneider, que era o artista dessa chapinha, acho que o nome era esse, chapinha de cinema. [...] Então nós fomos lá, o Paulo [Sérgio Gusmão] e eu, conversar com ele para ver se podia ajudar também nessa questão do [Jornal] NH, além de vender alguns anúncios se ele conseguisse. Percebemos claramente o amadorismo que envolvia a produção dos textos publicitários, ou seja, na cidade de Novo Hamburgo não havia agências de publicidade, então, tais textos eram construídos seguindo as regras da publicidade de cinema, ou muito próximos do formato de um cartão de visita. Outro aspecto interessante mencionado por Gusmão foi o fato das pessoas (comerciantes, industriais, profissionais liberais) não terem o hábito de anunciarem. Então, os jornalistas tiveram que “correr atrás dos anunciantes”, pois estes não vinham ao jornal. De acordo com Gusmão (2009) As empresas não tinham esse costume. Até tinha algumas empresas, isso é interessante, que no balcão dizia alguma coisa do tipo: “essa firma não dá donativos nem faz anúncios”. [...] havia poucas firmas naquela ocasião que tinham o hábito de anunciar. Uma delas, se estou lembrado, era a Casa Cavasotto, essa tinha o costume de anunciar. Nesse momento, percebemos que, apesar de haver uma população com recursos para o consumo de bens e serviços, os textos publicitários eram pouco explorados, refletindo, então, como característica dessa população, a real necessidade para o consumo, ou seja, a pouca influência da publicidade nas suas escolhas de compra. 171 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Gusmão (2009) relata a imensa dificuldade que teve, juntamente com seu irmão, para estimular os empresários da cidade a anunciarem no Jornal NH. Era uma tarefa gigantesca convencer as empresas a anunciarem. Uma das coisas que fez o [Jornal] NH, desde o início, foi vender a última página do jornal para as indústrias calçadistas, em anúncios de página inteira. Então, aquilo tinha um duplo sentido: primeiro de dar receita ao próprio jornal, que era o nosso interesse direto, e o segundo interesse maior era o de divulgar a indústria calçadista de Novo Hamburgo e da região a nível nacional. Então, o que se fazia: o exemplar do NH era enviado para um número de lojas, que não vou me recordar agora quantas eram, mil, duas mil, algo assim, em todo o Brasil. Esse foi o primeiro contato publicitário de muitas indústrias com as lojas de sapato de todo o país. [...] O relato de Gusmão reitera a necessidade do espaço publicitário para a obtenção de recursos financeiros que mantivessem o jornal, bem como a vontade expressa, várias vezes, de o jornal manter-se próximo da comunidade hamburguense. Maingueneau (2000) menciona o aspecto financeiro que os discursos produzidos pela mídia têm, ou seja, há a evidente necessidade de lucro nos veículos de comunicação. O amadorismo do jornal também é perceptível na disposição dos anúncios publicitários. Esses textos não apresentavam lugar específico para serem publicados, no que se refere à disposição nas páginas, então observamos anúncios nas páginas da direita e da esquerda, no alto das páginas e, também, na parte de baixo. A disposição dos anúncios também não tinha relação com as matérias publicadas, de acordo com Gusmão (2009) Os anúncios não estavam organizados conforme o assunto do jornal. Eu não me lembro exatamente do número um, mas logo em seguida nós criamos alguns locais específicos, como, por exemplo, os anúncios de empregos ficavam sempre no mesmo lugar para as pessoas se acostumarem a olhar direto naquele ponto do jornal. [...] depois isso se transformou nos classificados, com empregos, negócios, etc. As participações sociais também tinham local definido, mas o resto era indeterminado, ou seja, o anúncio saía no local que tivesse página aberta, disponível, sobrando. 172 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Ao observarmos os textos publicitários presentes nas primeiras edições do Jornal NH, pudemos constatar três formas de construção desses textos, os quais exemplificamos a seguir. Figura 1 - Anúncios publicitários Fonte: Jornal NH 02.04.1960, p. 4 e 5 Os anúncios da figura 1 têm como característica a objetividade na venda dos produtos, pois indicam a empresa ou o serviço de uma maneira bastante breve e objetiva. São compostos por poucas palavras, cuja intenção é apresentar, de maneira clara, o que está sendo vendido. É interessante observarmos que não há relação entre os dois anúncios (temática) e, no entanto, ambos são colocados um abaixo do outro, revelando, assim, a pouca experiência na disposição desses textos pelos jornalistas. O anúncio da churrascaria revela o uso da figura de linguagem hipérbole, ou seja, o exagero, anunciando que os melhores churrascos são oferecidos no restaurante, sendo que essa informação chamava mais a atenção do leitor do que o próprio nome do restaurante. São anúncios extremamente simples, com fontes claras, apresentando, normalmente, o nome da loja ou do profissional em caixa alta, com o intuito de destacar-se dos demais textos do jornal; além disso, o uso do negrito é recorrente. 173 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Figura 2 - Anúncio publicitário Fonte: Jornal NH 02.04.1960, p. 4 e 5 Outro tipo de anúncio publicitário encontrado no jornal são aqueles constituídos por linguagem verbal e pela linguagem icônica, como o exemplo da figura 2. Observa-se que o texto verbal é extremamente denotativo, uma vez que apresenta a marca do produto anunciado, bem como o endereço no qual o consumidor poderia adquirir tal produto. Na verdade, esse texto serve como ancoragem referencial da imagem, a qual também apresenta sentido denotativo. O texto icônico constitui-se por duas imagens: a de um guaraná, e de um casal. O homem, presente na imagem, veste-se com traje black tie, e a mulher tem seus cabelos cuidadosamente presos, indicando a sofisticação da bebida, a partir da associação com o termo “champagne”, presente no nome do guaraná. Conforme mencionado por Gusmão (2009), podemos verificar que as imagens, bem como a escrita das palavras, revelam o fato de tal anúncio ser produzido de maneira artesanal. Apesar disso, observamos que a marca da bebida encontra-se no canto inferior direito, local normalmente preferido para a disposição de uma marca, pois é o último lugar onde o olhar do leitor se fixará. É interessante observar o uso da cor preta como fundo, destacando a imagem do casal e das bebidas. 174 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Figura 3 - Anúncio Calçados Scout Fonte: Jornal NH 02.04.1960, última página O terceiro tipo de anúncio encontrado no jornal é o ilustrado pela figura 3. É o anúncio de página inteira, que tinha por objetivo a apresentação da indústria calçadista hamburguense, não só para a cidade, mas também para outros lugares cujos jornais eram enviados. 175 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Nas edições analisadas, percebemos a presença de quatro anúncios de diferentes empresas, três de calçados e uma de óleo de peixe. Os anúncios seguem a mesma orientação gráfica: o nome da empresa, a presença de imagens, um texto e o endereço da empresa. Na figura 3, vemos que as imagens são registros fotográficos, mas nos outros anúncios, as imagens são ilustrações. O uso da fotografia possibilita ao leitor a aproximação mais intensa com o anunciado, ou seja, a denotação presente nesse tipo de imagem permite ao receptor que ele recrie a realidade anunciada com menor esforço intelectual, passando a crer naquilo que lhe é mostrado. Esse anúncio apresenta três fotografias, uma da fachada da empresa, outra de uma sala de exposição de sapatos (dentro da empresa) e mais uma com os modelos de calçados produzidos. Além disso, o anúncio traz um texto verbal, apontando as características dos sapatos produzidos e o nome da empresa na parte inferior desse anúncio. Observamos a estreita aproximação da estrutura desse anúncio com os elaborados atualmente, os quais optam por maior número de imagens e pouco texto verbal. Considerações finais Com esse artigo, procuramos realizar uma breve análise sobre a história da mídia local juntando três aspectos: a memória, resgatada através de uma autobiografia e uma entrevista; as primeiras edições de um jornal de uma cidade do interior (que hoje é o maior diário do interior do RS) e os anúncios publicitários apresentados nessas primeiras edições do Jornal NH. Foi a história da criação do jornal, contada por um de seus fundadores, o jornalista Mário Alberto Gusmão, que nos permitiu observar a importância da publicidade para a manutenção deste periódico. Através da memória de Gusmão, tivemos acesso ao contexto da época, e pudemos relacionar o objeto de análise (anúncios publicitários) com a história local, pois se uma totalidade concreta passada não pode ser alcançada em sua forma original, ela pode ser construída a partir de depoimentos e narrativas de pessoas que viveram o momento e o interpretaram conforme suas vivências e contribuições àquela realidade. 176 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Para Lozano (1998), a oralidade destaca e centra sua análise na visão e na versão dos atores sociais, ou seja, é no âmbito subjetivo da experiência humana, através dos depoimentos de quem estabeleceu relações com os fatos e até mesmo contribuiu para a concretização de algo, que centramos essa investigação. O testemunho reforçou e complementou o que pudemos observar nas peças publicitárias dos anos 1960, ele nos trouxe novos elementos e perspectivas que não se fizeram presentes em outras fontes históricas a respeito da história da mídia em Novo Hamburgo. Se observássemos apenas a quantidade de anúncios, não perceberíamos que havia uma grande resistência por parte de muitas indústrias em realizar anúncios, conforme relatou Gusmão. O número relativamente alto de peças publicitárias (em média 23 distribuídas em 10 páginas de jornal) poderia representar um grande interesse nos anúncios, o que se confirma apenas em parte. Já a precariedade dos anúncios se justifica pela absoluta falta de profissionais da área da publicidade na cidade naquele período e não pelo desinteresse em realizar um trabalho mais apurado do ponto de vista artístico e técnico. Finalmente, podemos dizer que a publicidade veiculada no Jornal NH, nas suas primeiras edições, vinha ao encontro do desenvolvimento econômico da cidade naquele momento, ou seja, ela reafirmava valores e padrões ligados ao desenvolvimento do setor coureiro-calçadista e suas atividades correlatas, bem como de lojas, restaurantes e variados produtos, além de mostrar o crescimento de uma classe média formada por profissionais liberais que se estabelecia na cidade em função do seu crescimento. Referências AZEVEDO, Francisca L. Nogueira de. Biografia e gênero. In: GUAZELLI, César Augusto Barcellos et alii (org.)Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000. CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006. FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaína (org) Usos & Abusos da História Oral. 2.ed. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998. 177 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas GRUPO EDITORIAL SINOS. Apresenta dados e informações a respeito do Jornal NH e outros veículos de comunicação de propriedade do grupo. Disponível em: http://www.gruposinos.com.br/ Acesso 12/08/2008. GUSMÃO, Mário Alberto. Autobiografia. 2006. Ex.mimeo. GUSMÃO, M.A. Mário Alberto Gusmão: depoimento [jun.2009]. Entrevistadoras: C. Schmes e D.C. Araújo. Novo Hamburgo: Centro Universitário Feevale, 2009. 1 fita cassete (60 min). Entrevista concedida para o projeto Cultura e memória da Comunidade. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001. LOZANO, Jorge Eduardo Aceves. Prática e estilos de pesquisa na história oral contemporânea. In: AMADO, Janaina e MORAES Marieta. In:___. Usos e Abusos da História oral. 2.ed.Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998, p.15-26 MAINGUENEAU, M. Análise de textos de Comunicação. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. ORLANDI, Eni & LAGAZZI-RODRIGUES, S. Discurso e Textualidade. Campinas: Pontes Editores, 2006. 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São Paulo: Martins Fontes, 2000. 178 Aspectos históricos da TV Pública no Brasil Maria Érica de Oliveira Lima e Antonio Teixeira de Barros Resumo O texto apresenta um levantamento preliminar sobre aspectos históricos da TV pública no Brasil, cujo marco foi a criação das emissoras educativas, a partir da década de 1960, culminando com as emissoras institucionais do Poder Legislativo e do Poder Judiciário na década de 1990. Discute a relação entre TV pública e comunicação pública, a partir dos critérios estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A discussão é complementada com estudos de autores contemporâneos, especialmente os franceses, como Pierre Zémor, Boris Libois e Marc Ferry. Conclui que as emissoras brasileiras denominadas públicas ainda estão fora do escopo de mídias públicas, no sentido estrito do termo. Seria mais adequado, portanto, classificá-las como veículos institucionais. Palavras-Chave: comunicação pública, história da TV Pública; TV institucional. Introdução O que se denomina TV Pública no Brasil teve origem política, ou seja, a partir de iniciativas do Estado, com fins de propagar idéias de interesse governamental. Assim surgiu a televisão pública no Brasil, no âmbito da TV educativa. Muitas das emissoras tiveram razões dessa natureza, determinando, assim, o histórico das TVs públicas com o atrelamento político. Outras, no entanto, tiveram raiz no idealismo, na construção e força de personalidades que marcaram época. A primeira emissora pública educativa a entrar no ar foi a TV Universitária de Pernambuco, em 1967. Entre os anos de 67 a 74 179 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas surgiram mais nove emissoras educativas1. Muitas delas com vinculação e comprometimento dos mais diversos. Nascida como televisão educativa no Brasil, a TV pública tem em sua gênese a idéia de levar conhecimentos ao público que não era atingido pela escola formal. Os telecursos e as propostas de ensino à distância foram a tônica de suas primeiras décadas de desenvolvimento. A maioria das emissoras surgiu por iniciativa de governos estaduais. Entretanto, com o passar do tempo, a programação foi deixando de ser explicitamente educativa e pedagógica, privilegiando conteúdos que serviriam como uma forma de educação complementar. Portanto, pensar em TV pública no Brasil é demarcar e contextualizar alguns programas que o governo criou no campo da educação. Por exemplo, em 1972, quando o MEC implantou o Programa Nacional de Teleducação – PRONTEL – cujo objetivo era atividades educacionais via televisão. Não obstante, falar em TV pública é pensar no controle da radiodifusão brasileira. Cabe ao poder Executivo conceder e renovar as concessões para a televisão, inclusive, como regulamenta o artigo 223 da Constituição Nacional de 1988: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.” (BRASIL, 1988, p.36). Obviamente a televisão no Brasil nasceu privada e com forte influência do modelo estadunidense, além, claro, do tino comercial. As TVs públicas tiveram origem na Europa por iniciativa do Estado. Seja na França, na Alemanha ou na Inglaterra, todas nasceram estatais, tendo o controle por parte dos governos nacionais. No pós-guerra o fortalecimento da democracia e da cidadania impôs o controle público da comunicação e maior participação da sociedade na gestão TVE do Amazonas Fundação Pub. Estadual (Sec. Comunicação), TVE do Ceará Fundação Pub. Estadual (Sec. Educação), TVE do Espírito Santo Fundação Pub. Estadual (Sec. Educação), TVE do Maranhão Fundação Pub. Estadual (Sec. Educação), TVU de Pernambuco Universidade Federal (Ministério da Educação), TVE do Rio de Janeiro Fundação Pub. Federal (Ministério da Educação), TVU do Rio G. do Norte Universidade Federal (Ministério da Educação), TVE do Rio G. do Sul Admin. Direta Estadual (Sec. de Educação), TV Cultura de São Paulo Fundação Priv. Estadual (Sec. de Cultura). 1 180 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais das emissoras e a criação de conselhos representativos. Esse exemplo se aplicou a BBC inglesa, France Televisón, RAI italiana, RTP de Portugal, ARD e ZDF, ambas na Alemanha, TVE espanhola, entre outras. Na Europa, somente depois que surgiram as TVs comerciais. Com base nesse escopo mais abrangente, discutimos neste paper, além dos aspectos históricos sobre as emissoras consideradas públicas no contexto brasileiro, a relação delas com os princípios e critérios que definem a natureza das mídias públicas. Nesta perspectiva, um dos pontos enfatizados são os princípios e diretrizes definidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2001, tais como: universalidade, diversidade, independência e diferenciação, conforme serão explicados posteriormente. Também embasam a discussão proposta estudos de autores reconhecidos da área de comunicação pública, especialmente os franceses, como Pierre Zémor, Boris Libois e Marc Ferry. Antecedentes Segundo Renato Ortiz (1987), a chegada da televisão no Brasil coincidiu com o período da chamada “integração nacional” e afirmação de uma identidade do que hoje podemos pensar na cultura nacional. Em seu livro, “A moderna tradição brasileira”, Ortiz ressalta que a construção da nacionalidade no País ainda era um projeto dos anos 30 a 50 e cuja indústria cultural era incipiente. Portanto, toda a integração nacional se concentrava no Estado que mesmo sabendo do potencial de comunicação de radiodifusão se manteve num discurso em prol da coordenação e da disciplina dos veículos pelo poder central. Foi essa centralização que permitiu, contudo, que os primeiros programas educativos fossem veiculados na televisão por imposição do governo. Segundo Otondo (2002) em 1961, os Diários Associados abriram espaço para a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Com este espaço de cursos diários, foi assim o primeiro momento para a criação da TV Cultura: (...) Em 1967, o próprio governo comprou a emissora dos Diários Associados, naquela época totalmente arruinada, e com dívidas por toda parte. (...) Em 69, uma vez analisados os problemas jurídicos e financeiros, o governo criou a Fundação Padre Anchieta e a TV Cultura começou a funcionar, em 16 de 181 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas julho. Em 1975, sete dos 21 Estados brasileiros já tinham o seu canal educativo regional estatal. (OTONDO, 2002, p. 271-272) Como já ressaltamos, a intenção das emissoras públicas educativas no Brasil foi predominantemente pedagógica, apesar da natureza política. Segundo Otondo, “o primeiro público que se pretendia atingir com isso era o dos 15 milhões de jovens e adultos sem escolarização. Em 1971, os telecursos foram legalizados e concediam diplomas” (OTONDO, 2002, p.272). Essa ideia de educação massificada mediante a televisão foi que permitiu ao governo chegar à população, desvinculando o caráter educativo do emocional, das práticas sociais e cotidianas do telespectador. Esse fenômeno não foi apenas brasileiro, mas segundo Gérman Rey (2002), envolve também as televisões públicas na América Latina. O autor citado definiu esse cenário, sendo que de um lado estavam os encaminhamentos e projetos de televisões comerciais, que ficavam com as emoções, o entretenimento, as narrativas, os dramas; e do outro, a televisão educativa que começou a reproduzir nas telas as metodologias e didáticas empregadas na sala de aula. Para Rey, a esquizofrenia foi rapidamente percebida: a escola e a televisão educativa pertenciam a um exterior longínquo e desvinculado das mudanças que estavam ocorrendo (sociedades mais urbanas, variações de gênero, culturas juvenis em expansão), enquanto que as televisões comerciais tinham um relacionamento muito mais forte com o público, ocupando um território informativo, educacional e imaginário ao quais as televisões educativas tinham renunciado, devido à ênfase colocada na educação e nos seus mandatos de difusão (REY, 2002, p.92). Na esteira das emissoras educativas e com a Lei do Cabodifusão (Lei 8977/95), no Brasil, a partir da década de 1990 foram intensificadas as iniciativas dos poderes públicos de manter canais diretos de comunicação com a população, sem a interferência dos filtros dos veículos privados. Entretanto, tal fenômeno não é recente, especialmente no que se refere ao Poder executivo. Desde 1935, o governo federal mantém o programa radiofônico A Voz do Brasil, antes conhecido como Hora do Brasil, instituído pelo governo Getúlio Vargas, e que tenta fazer essa ponte sem mediações entre as ações governamentais e os cidadãos. 182 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em 1939, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), principal iniciativa de Getúlio Vargas em comunicação. Com o fim da era Vargas, em 1945, o programa passou à jurisdição da antiga Agência Nacional, órgão do Departamento Nacional de Informações, que substituiu o DIP. Esse foi ainda o embrião da Empresa Brasileira de Notícias (EBN), que produziu o programa a partir de 1962 até sua extinção quando da absorção de suas funções pela Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobrás) em 1984. Historicamente, portanto, percebemos que a “vontade política de comunicação” no Poder Executivo produziu diversas iniciativas. Elas são importantes no entendimento da história de uma mesma vontade política que emergiu posteriormente no Poder Legislativo e no Poder Judiciário. Mas se a experiência do Poder Executivo com televisão remete às décadas passadas, não se pode dizer o mesmo do Legislativo e do Judiciário no País. As TVs legislativas e judiciárias só se tornaram possíveis após a aprovação da Lei da Cabodifusão, de 6 de janeiro de 1995 (Lei 8977/95). Já em 1995, no mês de novembro, a Assembléia Legislativa de Minas Gerais iniciou as transmissões de suas atividades em canal próprio de televisão. Naquele mesmo ano, o Senado aprovou um projeto de resolução que permitia a criação do canal de TV da Casa. Em 5 de fevereiro de 1996, a TV Senado iniciava suas transmissões. Dois anos após, em 1998, era a vez da TV Câmara entrar no ar. Antes da aprovação da Lei do Cabodifusão em 1995, o embrião das TVs Legislativas já havia se formado. Desde 1993, o Senado Federal registrava as sessões e reuniões da Casa por meio de uma Central de Vídeo, que também produzia vídeos institucionais e distribuía material para as televisões privadas. Desse ano até a data de inauguração do canal de televisão, a Central de Vídeo do Senado recebeu investimentos de cerca de 8 milhões de dólares. A televisão legislativa brasileira tanto pelo perfil de programação quanto pelo modelo de transmissão, seguiu o padrão do C-SPAN. À época, o responsável pelo Projeto da TV Senado, Fernando César Mesquita (Secretário de Comunicação Social do Senado na presidência do senador José Sarney), foi a Washington (Estados Unidos) e acompanhou por uma semana o funcionamento da emissora norte-americana, 183 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas conforme ela cita o depoimento do senador José Sarney, inserido no programa comemorativo dos 10 anos da TV Senado. A C-SPAN é uma empresa privada de fins não-lucrativos, criada em 1979 pela indústria estadunidense de TV a cabo como um serviço público. Segundo o site da emissora, a missão do canal é oferecer acesso público ao processo político. A C-SPAN não recebe financiamento do governo. O funcionamento da TV é pago pelas afiliadas do serviço de cabodifusão e satélites que apóiam a programação da C-SPAN (Santos, 2006)2. Porém, a produção de material jornalístico institucional no Congresso Nacional é anterior à criação da Central de Vídeo do Senado. Durante a Constituinte (1987/1988) foi produzido um telejornal diário com dez minutos de duração que ia ao ar em um canal aberto. O “Diário da Constituinte” foi a primeira experiência de telejornal sobre o legislativo na TV aberta. O programa mostrava os bastidores, notícias e entrevistas sobre os discutidos na Assembléia Constituinte. Esse projeto tornou-se o embrião da TV Câmara, criada em 1998. Também criada em 1998, o canal Nacional Brasil (NBR), a TV do Governo Federal, vinculada á Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, a emissora tem por missão informar e noticiar as ações do Poder Executivo. A TV pode ser captada por cabo ou por parabólica, além de ter sua programação retransmitida por emissoras de sinal aberto em várias localidades do País. A NBR é responsável pelo noticiário do Poder Executivo na Voz do Brasil. O lastro das emissoras institucionais foi ampliado em 2002, com a criação da TV Justiça pelo Poder Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal. Com sede no STF, em Brasília. Além do sistema a cabo e por satélite (DHT), o sinal da TV Justiça também pode ser captado por antenas parabólicas. A TV Justiça confere espaço de divulgação institucional a todos os tribunais, além do Ministério Público, Conselho Nacional de Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil, associações de magistrados e congêneres. Mesmo sendo uma origem limitada, foi a partir da rede de televisão educativa que os projetos de televisão pública começaram a criar 2 Tradução livre de “Our mission is to provide public access to the political process. C-SPAN receives no government funding; operations are funded by fees paid by cable and satellite affiliates who carry C-SPAN programming”. 184 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais forma no Brasil. Juridicamente, o modelo da televisão pública no Brasil não existia até a aprovação da Medida Provisória 398 de 10 de outubro de 2007 que depois foi substituída pela Lei 11.652, de sete de abril de 2008, que instituiu os princípios e objetivos de radiodifusão pública e constituiu a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), gestora da TV Brasil. A emissora surgiu como parte do processo de reestruturação da Radiobrás, que deu lugar à EBC, à qual a TV Brasil é vinculada. A EBC alberga todo o sistema de comunicação do Poder Executivo, com duas emissoras de TV - o canal governamental Nacional Brasil (NBR) e a TV Pública, ou seja, a TV Brasil, além de várias emissoras de rádio e a Agência Brasil. A criação de fato e de direito da televisão pública no Brasil esbarra na discussão do próprio caráter público da radiodifusão no país. O artigo 21 da Constituição Nacional classifica como uma das competências da União “os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações” (BRASIL, 1988, p.9) e o artigo 22 afirma e determina que compete privativamente a ela, legislar sobre esses serviços. Portanto, cabe também à União, “outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” (BRASIL, 1988, p.36). A ênfase aos programas educativos faz parte da própria finalidade da TV Brasil, conforme estabelece artigo 2º do Decreto 6.689/2008, que inclui, entre outras metas, a “produção e programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas”. Da mesma forma, o artigo 3º do mesmo decreto define como um dos objetivos da emissora “oferecer mecanismos para debate público acerca de temas de relevância nacional e internacional”. Uma análise exploratória da programação da emissora mostra que existe consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Decreto 6.689/08. O aperfeiçoamento da gestão do relacionamento com seus públicos é outra prioridade da emissora. Por causa dessa prioridade, em outubro de 2009, foi realizada pesquisa pelo instituto DataFolha3, Conforme a pesquisa, a programação da TV Brasil tem 80% de aprovação entre seu público. Na consulta estimulada (que menciona o nome do canal), 15% disseram já ter visto o canal e 10% declararam que assistem à programação frequentemente. Em relação ao perfil dos telespectadores, a maioria (79%) pertence às classes B (32%) e C (47%), é do sexo masculino (57%), tem idade média de 39 anos e grau de escolaridade médio (46%), aos quais se somam 17% com 3 185 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas cujos dados revelam que um terço da população (34%) conhece e 10% são espectadores assíduos da TV Brasil. Entre esses, a programação foi considerada ótima por 22%, boa por 58% — totalizando os 80% —, regular por 20% e ruim ou péssima por 1%4. Outro aspecto relevante é que a TV Brasil é a única das emissoras analisadas neste paper que conta com um Conselho Curador, definido pela EBC como instrumento de controle social. O conselho é composto por 22 membros: 15 representantes da sociedade civil, quatro do Governo Federal (representantes dos ministérios da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Comunicação Social), um de cada casa do Congresso Nacional e um dos funcionários da empresa. Eles têm mandato de quatro anos, com renovação a cada dois anos. É prerrogativa do Conselho Curador aprovar anualmente o plano de trabalho da EBC, aprovar e observar a aplicação da linha editorial e acompanhar a veiculação da programação. Outro mecanismo de controle social destacado é a Ouvidoria da EBC. A TV Brasil conta ainda com um serviço de atendimento ao telespectador, vinculado à Ouvidoria. Ainda conforme o documento disponível no site da EBC, a função da Ouvidoria é complementar a atividade do Conselho Curador, recolhendo e buscando respostas da diretoria executiva às críticas, reclamações e sugestões dos telespectadores, ouvintes e usuários dos canais da EBC. De modo geral, o que se observa é que praticamente todas as iniciativas e projetos de emissoras denominadas públicas conectaram-se à matriz da educação formal a matriz da alta cultura identificada por Fuenzalida e as emissoras passaram a cumprir a “(...) missão de dar educação, cultura, informação e entretenimento” (LIMA, 2003, p.67) a uma população que, segundo esses analistas, não tem acesso a esses bens culturais de outra maneira. Apesar de o autor admitir que a cultura não pode ser vista apenas como a “divulgação dos produtos artísticos consagrados no mercado comercial da arte” (LIMA, 2003, p.67), concordamos com a análise de Arlindo Machado sobre essa vertente teórica segundo a qual nível superior, segundo o Datafolha. 4 Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/10/09/datafolha-publico-aprova-programas-da-tv-brasil-230565.asp). 186 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais (...) a única função respeitável que se pode esperar da televisão é sua modesta contribuição no sentido de introduzir o público leigo e bárbaro dentro do campo da cultura secular e legítima, tarefa a que se dedicaram, durante várias, décadas, as emissoras e redes públicas culturais, como a BBC britânica, a PBS norte-americana ou a NHK japonesa, entre tantas outras (MACHADO, 2001, p.23). Apesar das nuances nas avaliações, grande parte dos estudiosos e dos profissionais que atuam ou defendem a televisão pública permanecem atrelados à “retórica da educação e progresso” de que fala Sodré (1999, p.108), ainda que outros ingredientes sejam acrescentados ao panorama. O que parece tumultuar a discussão é a dificuldade dos analistas em admitirem que há possibilidades educacionais no entretenimento e que uma das formas mais fáceis de promover o aprendizado é a utilização de estratégias lúdicas. Cabe lembrar que, antes mesmo das educativas, a própria televisão no Brasil nasceu como veículo de elite. Não por acaso a primeira transmissão tinha como objeto uma orquestra (MATTOS, 2002, p. 80). Para Martín-Barbero (2002) a televisão pública se diferencia por “interpelar o público, incluindo o consumidor como cidadão”, por estar vinculada “à renovação permanente das bases comuns da cultura nacional”, e também pela “recriação audiovisual dos relatos onde se contra a cultura comum” (2002 p. 57-61). Isto posto, que tanto no Brasil, quanto no cenário latino-americano o sentido de público sempre esteve vinculado e confundido com o Estado e com o que era estatal (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 49). Por fim, para Diego Cifuentes (2002) são três os fatores que tornam necessária a permanência e existência de uma televisão pública conforme a origem histórica que temos: (1) A expressão da diversidade que constitui a Nação. Por sua natureza, a empresa privada tem a opção legítima de expressar o ponto de vista de seus proprietários, isto é, de um setor da sociedade, com exclusão dos outros. (...) a televisão pública se justifica por se constituir em garantia de expressão da diversidade. (2) A cobertura nacional e a expressão descentralizada da comunidade nacional. (...) (3) A experimentação, inovação e atenção aos públicos minoritários (CIENFUNTES, 2000, p. 131-132). 187 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas As TVs Públicas se norteiam pelos princípios da Comunicação Pública? Para se discutir as funções e o papel da TV pública no Brasil são necessários uma breve abordagem sobre os princípios que regem a comunicação pública, termo que começou a ser discutido há cerca de 30 anos. Entretanto, ainda não há consenso sobre o seu conceito. Elizabeth Brandão (2007) analisa a dificuldade de conceituação do termo no Brasil e relaciona cinco áreas diferentes de conhecimento e atividade profissional envolvidas: 1) comunicação organizacional; 2) comunicação científica; 3) comunicação governamental; 4) comunicação política; 5) e comunicação comunitária. Brandão resume as diferentes formulações numa tentativa de síntese da comunicação pública como “um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania” (2007, p.9). Ou seja, a comunicação pública vai além da atividade praticada pelos órgãos governamentais5. A transparência e a participação democrática na gestão dos sistemas públicos de informação são apontadas por Zémor (1995) como pilares da comunicação pública. São, portanto, os dois pré-requisitos para o pleno funcionamento desses sistemas, pois, tratam-se das colunas necessárias para garantir o interesse geral. Sem a legitimidade do interesse geral, não é possível falar em comunicação pública. Essa ênfase no interesse geral é justificada pelo autor pela No Brasil, a Constituição de 1988 inclui o sistema público de comunicação em oposição clara aos sistemas privado e estatal de mídia, sem, contudo, definir exatamente que tipo de veículo compõe cada um dos sistemas. Desse modo, ainda que haja um certo consenso sobre a mídia comercial (privada), a separação constitucional entre os sistemas público e estatal provoca muitas controvérsias entre profissionais e estudiosos. Entre as divergências, está a inclusão da comunicação praticada por órgãos estatais, sejam eles do Executivo, do Judiciário ou do Legislativo, na categoria “pública”. A divisão prevista na Constituição aponta para a conclusão de que o sistema estatal é gerido pelo governo, enquanto o sistema público é gerido por instituições da sociedade civil, sem a lógica comercial dos veículos privados, contudo. Tal conceito é adotado pelo Glossário de Comunicação Pública (Duarte e Veras, 2006, p. 64) com a definição de diferentes modalidades de comunicação pública (de patrocínio, de campanhas, institucional, promocional, Terceiro Setor). Contudo, até mesmo os estudiosos do assunto incluem no ramo da comunicação pública as emissoras de televisão dos estados (educativas), legislativas e universitárias, além das comunitárias e dos veículos das instituições não-governamentais e fundações (Silva, 2006, p. 57). Recentemente, participantes do 2º Fórum Nacional de TV’s Públicas, realizado em maio de 2009 em Brasília, definiram que as emissoras do “campo público” podem ser classificadas em estatais e não-estatais. A divisão tenta solucionar a controvérsia constitucional sem excluir da nomenclatura “pública” as emissoras geridas por órgãos do Estado. 5 188 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais natureza dos serviços públicos de informação, cujo domínio público deve ultrapassar a esfera do Estado ou da instituição que produz os conteúdos. Como se trata de uma comunicação que se situa no espaço público, o olhar do cidadão é mais relevante do que o controle do Estado. Neste pressuposto Zémor sustenta o argumento de que assegurar o interesse geral implica, necessariamente, transparência. Segundo Zémor (2009), uma das principais funções da comunicação pública é promover e fomentar o debate público, a fim de oferecer alternativas aos modelos midiáticos baseados no pensamento único, nas dicotomias de pensamento e nos enquadramentos opinativos predeterminados por jornalistas, editores e proprietários dos veículos privados de comunicação. Os debates públicos são defendidos por ele como elemento fundamental para o fortalecimento da esfera pública, entendida como um espaço no qual as demandas e reivindicações se exteriorizam. A comunicação é um elemento indispensável para a existência dessa esfera pública. Em sua visão, portanto, o debate público não apontará a decisão, apenas fará a concertação. “A prática participativa aumenta a democracia”, complementa. Ouvir as demandas, as expectativas e as interrogações do público, segundo Zémor, deve ser a função primordial da comunicação pública. Além disso, a comunicação pública serve também para: a. informar adequadamente o público, o que implica levar ao conhecimento da população noticiário abrangente e contextualizado, além de prestar contas sobre os serviços prestados pela instituição e valorizar a cultura dos receptores; b. contribuir para assegurar e fortalecer as relações sociais (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator social e político); c. acompanhar as mudanças, tanto as comportamentais quanto as da organização social; d. alimentar o conhecimento cívico. Jorge Duarte também ressalta esse caráter participativo do receptor da comunicação pública ao ressaltar que “comunicação não se reduz à informação”, mas, ao contrário, “é um processo circular, permanente, de troca de informações e de mútua influência” 189 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas (Duarte, 2009). Por esse caráter democrático da comunicação pública, o autor sugere quatro eixos centrais de ação para os agentes que lidam com o interesse público: 1. Transparência – atuação responsável no trato da coisa pública; 2. Acesso – sociedade precisa obter informações com facilidade; 3. Interação – criação, manutenção e fortalecimento de comunicação e diálogo; 4. Ouvidoria social – interesse em conhecer e compreender a opinião pública. Para estimular o debate público, é fundamental uma perspectiva interativa da comunicação. Zèmor destaca, em relação à comunicação pública, exatamente a complexidade da relação com o cidadão receptor. Segundo sua análise, na comunicação pública o cidadão é um interlocutor ambivalente. Enquanto eleitor, o usuário do serviço público detém o poder de decisão junto a seu fornecedor, pois é do legislador, do executivo federal, estadual ou municipal que vem a autoridade e a legitimidade política das decisões tomadas pelos representantes do poder público. É, portanto, deste estatuto de co-decisor que provém a ambivalência, talvez mesmo a ambigüidade, do usuário dos sistemas públicos de comunicação. A relação colocada com o cidadão pelos serviços públicos não tem a simplicidade da relação comercial ou a clareza da relação contratual. Na verdade, é a característica ativa do receptor que estabelece a comunicação. Na visão de Pierre Zémor, portanto, a missão da comunicação pública não se resume a informar o público, mas também a aproximar as instituições públicas da sociedade e do cidadão. Para isso, as organizações devem, em sua avaliação, desenvolver campanhas de informação e ações de comunicação de interesse geral, a fim de tornar conhecidas as instituições. Em suma, a comunicação pública, em linhas gerais, é aquela que se volta para o interesse público, não só ao oferecer informações, mas sobretudo, ao captar e atender às demandas deste mesmo público, uma forma de contribuir para o fortalecimento das práticas de cidadania. No caso específico da relação entre comunicação pública e cidadania, Boris Libois destaca uma série de equívocos, em diferentes 190 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais níveis. Um deles é do ponto de vista filosófico. A seu ver, a comunicação pública não pode ser concebida de forma meramente instrumental, visto que seu objetivo final é oferecer melhores condições para o exercício da cidadania. Portanto, deve haver sintonia entre a instituição que presta os serviços de informações e seus públicos. Nesse aspecto, o ponto de vista de Libois converge com a visão de outro filósofo europeu (embora não o cite), o alemão Jürgen Habermas6, em sua teoria da ação comunicativa, idéia que encontra respaldo em vários outros teóricos da linguagem, como Bahktin e Vygotski. Nessa ordem de idéias, a comunicação pública, em linhas gerais, é aquela que se volta para o interesse público, não só ao oferecer informações, mas sobretudo, ao captar e atender às demandas deste mesmo público. Como afirma Pierre Zémor, as mensagens são, em princípio, emitidas, recebidas, tratadas pelas instituições públicas ‘em nome do povo’, da mesma forma como são votadas as leis ou pronunciados os julgamentos. “Logo, esta comunicação se situa necessariamente no espaço público, sob o olhar do cidadão. Suas informações, salvo raras exceções, são de domínio público, pois assegurar o interesse geral implica a transparência” (Zémor, 1995, p.1). Cabe aos sistemas públicos de informação, portanto, uma ação que envolva o cidadão de modo diverso, “participativo, estabelecendo um fluxo de relações comunicativas entre o Estado e a sociedade” (Matos, 1999, p.1). Para atender a esses objetivos, os sistemas públicos de comunicação e informação devem se pautar por critérios distintos dos que regem a produção informativa na mídia comercial. Aliás, um dos principais problemas desses sistemas é a adoção de critérios e padrões de divulgação da mídia comercial, especialmente no que se refere ao formato dos noticiários. Acerca desse equívoco, Libois (2002) ressalta que, na maioria dos casos, os veículos públicos de informação 6 A reflexão de Jürgen Habermas pode ser utilizada na análise das diversas modalidades de comunicação institucional, nos órgãos públicos, nas empresas privadas e no terceiro setor. O agir estratégico (mundo sistêmico) é associado às funções estratégicas e táticas, como o planejamento da comunicação corporativa, a pesquisa de opinião, a auditoria de comunicação e a avaliação. O agir comunicativo (mundo vivido) é associado às práticas que estimulam a promoção da cultura local, da cidadania e da responsabilidade social. Essa idéia é desenvolvida no ensaio A teoria da ação comunicativa aplicada à comunicação institucional: a relação entre o sistêmico e o vivido. In: KUNSCH, W. L.; KUNSCH, M. Relações públicas comunitárias: a comunicação institucional numa perspectiva dialógica e transformadora. São Paulo: Summus, 2007. 191 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas parecem cada vez mais desconectados da opinião de seus receptores e do ordenamento jurídico que regulamenta o setor. Libois aponta a transposição de pressupostos da mídia privada para os sistemas públicos de comunicação, o que contribui para reproduzir os vícios na transmissão de informações para os cidadãos, como o agendamento e a tematização à moda dos veículos privados. Essa idéia é reforçada por Jean-Marc Ferry, no prefácio do livro de Libois (p.5-8). Em sua visão, a comunicação pública, ao copiar os padrões da mídia privada, reitera e reproduz os vícios do mercado, considerados por ele maléficos à cidadania. Ademais, passa a idéia para o público de que o padrão ideal de comunicação é aquele realizado pela mídia comercial, já que deve ser copiado. Com isso, os agentes dos sistemas públicos de comunicação privam os cidadãos de serviços substancial e efetivamente diferenciados de informação, com maior aprofundamento na tematização, pluralidade de abordagens e diversidade de agendas. Na mesma linha de raciocínio, Libois chama atenção para um círculo vicioso da comunicação pública. O primeiro é inerente ao funcionamento do próprio setor público: são os vícios estatais a (procedimentos burocráticos) que dificultam a eficiência dos sistemas oficiais. Na visão do autor, a comunicação pública não deveria se confundir com administração pública, no sentido tradicional, que acarreta práticas paternalistas e assistencialistas que, em sua visão, predominam nos atuais serviços de comunicação oferecidos por organismos públicos. De modo geral, esses organismos justificam a existência de seus serviços com base no argumento de que a prática e as rotinas da mídia privada concorrem para um tratamento episódico e fragmentado dos assuntos que poderiam favorecer o exercício da cidadania. Marc Ferry aponta mais duas ordens de deficiências relacionadas à comunicação pública. A primeira diz respeito ao campo da normatização. A seu ver, esta área específica não deveria ser regida pelo direito privado. Ele defende a necessidade de ordenamento jurídico próprio para a comunicação pública, capaz de atender suas especificidades. Tal medida, em sua análise, poderia trazer muitos benefícios aos diferentes interesses dos cidadãos. A outra lacuna, na visão de Ferry, está na concepção atual de liberdade de expressão, geralmente associada à reivindicação da liberdade de expressão dos 192 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais jornalistas e das instituições de comunicação. Essa visão, no entendimento de Ferry, é simplista e burocrática. Além disso, contraria um dos princípios básicos da comunicação pública, que é a liberdade de expressão dos públicos. Como é entendida pela visão liberal da imprensa privada, essa noção de liberdade de expressão serve apenas aos interesses econômicos das empresas de comunicação, as quais reivindicam “uma liberdade privada, pois é a liberdade de expressão dos patrões e dos jornalistas somente”, explica Ferry (p.5). Um dos equívocos comuns no Brasil é considerar como emissora pública todas aquelas que são vinculadas a instituições públicas. Contudo, existem critérios específicos que devem ser considerados, conforme Sivaldo Pereira (s.d) tais como: 1. Cumprir o papel de dar visibilidade ao debate público; 2. Ter independência e autonomia, a fim de não sofrer ingerências políticas e governamentais; 3. Contar com instrumentos eficientes de participação do cidadão; 4. Contar com participação da sociedade em seu gerenciamento; 5. Estimular a produção independente de conteúdos, a fim de contribuir para diversidade cultural. Existem ainda cinco princípios da mídia pública, os quais foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2001: 1. Universalidade: idéia que a radiodifusão pública deve ser acessível a todos os cidadãos no país. Segundo a Unesco (2001), esta é uma meta que tem objetivo igualitário e democrático, pois coloca todos os cidadãos em igualdade, independente do seu status econômico, social e cultural. A emissora pública estará voltada para toda a população e a partir daí deve-se atingir maior número de pessoas. Com isso não significa dizer que a radiodifusão pública deve aperfeiçoar-se perante índices de audiência como fazem as mídias comerciais. Devem sim esforçar-se para fazer a totalidade de uma programação acessível aos telespectadores e aos ouvintes. A Unesco (2001) também cita em documento que isso não significa uma limitação a acessibilidade técnica, mas ga- 193 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas rante que todos possam compreender e acompanhar o conteúdo divulgado. A programação de serviço público atendendo à democracia, ela passa ser “popular” no sentido de “fórum público” e não restrita apenas a um grupo de cidadãos; 2. Diversidade: O serviço deve ser diversificado. A Unesco (2001) destaca três momentos: no que se refere aos gêneros de programas; no que diz respeito ao público e nos assuntos discutidos. Portanto, a radiodifusão pública deve refletir a diversidade de interesse público. Oferecer diferentes tipos de programas numa transmissão clara. Evidentemente, alguns programas devem cumprir certo segmento, parte de público, mas com expectativas variadas. Ao chegar atingir a todos, não mediante a cada programa, mas através de toda produção, principalmente, pela sua diversidade. Pois com a diversidade a radiodifusão pública deve responder aos variados interesses do telespectador ou do ouvinte e a partir daí refletir a riqueza de assuntos que estão na sociedade. Para Unesco (2001) diversidade e universalidade são complementares na medida em que se produzem programas voltados a segmentos como jovens, idosos, crianças, enfim, uma comunicação para todos; 3. Independência: A radiodifusão pública se apresenta como um fórum em que as idéias são expressas de maneira livre, onde as informações, críticas e opiniões devem circular. Portanto, que a liberdade da radiodifusão pública seja assegurada contra pressões comerciais e ingerências políticas. Com o mesmo efeito se a informação da programação da emissora pública for influenciada pelo governo, as pessoas também deixaram de acreditar; 4. Diferenciação: O serviço oferecido pela radiodifusão pública deve se distinguir de outros. Na programação de serviço público – na qualidade e caráter especial de seus programas – o telespectador ou o ouvinte deve ter a capacidade de distinguir este serviço. Não é apenas produzir programas que outros não estejam interessados ou não possuem em sua grade de programação. É uma forma de fazer as coisas diferentes, sem exclusão de gênero e formato. Este princípio conduz as emissoras públicas no sentido de inovar, criar novas faixas de horário, definir o ritmo do audiovisual, novos gêneros. 194 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Ao propor esses princípios, o objetivo da Unesco foi oferecer diretrizes aos gestores de mídias públicas, a fim de orientar a produção de conteúdos, a divulgação, a promoção da diversidade cultural, o relacionamento com os públicos e a gestão dos veículos, de modo a garantir aos cidadãos diferentes enquadramentos e distintos enfoques. Por outro lado, mesmo se pensássemos na mídia em geral, sem o viés público, a própria Teorias da Comunicação e da Mídia discutem modelos de relação de efeitos e impactos entre o sistema e os muitos outros setores da sociedade. Denis McQuail (2003) analisou algumas relações básicas entre a comunicação social e a sociedade. Mesmo não sendo a mídia de caráter público no sentido de formação ou concessão, está se diz respeito à cultura de modo a constituir uma fonte primária de definições e imagens de uma realidade social e uma expressão de identidade partilhada; focos de interesse providenciando o ambiente cultural e partilhado pela maioria das pessoas muito mais do que qualquer outra instituição. No que se refere à política a mídia tem se tornado um elemento essencial no processo democrático ao proporcionar um possível canal de debate e por distribuir diversas opiniões e informações; um meio de que o poder seja exercitado em virtude do acesso relativamente privilegiado por parte dos agentes de governo e dos políticos têm acesso legítimo e direto aos meios de comunicação. No que diz respeito à economia, a indústria da mídia com seu crescimento acaba por diversificar e consolidar o seu poder no mercado. Bem, se formos pensar do ponto de vista funcionalista, a mídia seja ela televisão, rádio ou imprensa vem agindo como: 1. Uma janela sobre os eventos e a experiência que estende a nossa visão, permitindo-nos ver por nós mesmos o que se passa, sem referência de outros; 2. Um espelho dos eventos da sociedade e do mundo; implicando uma reflexão fiel (não obstante da inversão e possível distorção da imagem), apesar do ângulo e direcção do espelho serem decididos por outros, e nós somos menos livres de ver o que queremos; 3. Como um filtro ou gatekeeper, actuando para seleccionar partes da experiência a que devemos prestar atenção e apagando outras vozes e perspectivas, quer deliberadamente quer não; 195 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas 4. Como um sinal, guia ou intérprete, apontando o caminho e ajudando a fazer sentido do que acontece que de outra forma seria um puzzle e algo fragmentado; 5. Como um fórum ou plataforma para a apresentação da informação e das idéias à audiência, muitas vezes como a possibilidade de obter resposta e feedback; 6. Como um interlocutor ou um parceiro informado na conversa que não só passa informação, mas responde a questões de uma forma quase interactiva (Faustino, 2006, p.48). Portanto, pensar e fazer uma mídia pública significa relativizar-se perante a própria indústria da mídia que obviamente também estabelece, em tese, um compromisso com a audiência, mas possui a referência perante o capital – o sistema econômico – e suas variáveis estratégicas de consumo e de cultura. Por isso, as diretrizes da Unesco (2001) norteiam diretamente no fazer do serviço público de rádio e de televisão. Estabelece, portanto, uma contra-hegemonia, podemos dizer assim, da produção e da programação comercial. O sistema público precisa apresentar esses aportes como dessemelhante do que já existe sem perder ou deixar de investir em qualidades técnicas, conteúdo e estéticas. Comentários Finais Diante do exposto, cabe questionar se as emissoras de televisão denominadas (ou autodenominadas) públicas no Brasil não funcionam, na prática, como veículos de divulgação institucional. Uma análise mais aprofundada sobre essa questão demandaria um estudo detalhado sobre o perfil dessas emissoras, a programação, o conteúdo, o tipo de audiência e o relacionamento com os públicos. Apesar da escassez de dados, uma rápida pesquisa de monitoramento das emissoras consideradas públicas no Brasil, o que se observa é que há um predomínio de conteúdos de divulgação institucional, muito próximo da propaganda. Além disso, existe um destaque para a opinião dos próprios dirigentes dos canais, tanto na forma de entrevistas, comentários sobre temas da agenda pública ou como inserções de falas desses dirigentes sob o formato de noticiário. 196 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em alguns casos, percebe-se ainda uma nítida relação entre esses veículos e as estratégias de conexão eleitoral e de captura do voto, como analisa Maria Helena Weber (2007). Esses conceitos, amplamente utilizados na Ciência Política, a partir das formulações de David Mayhew (1974), apontam para a atuação dos agentes políticos, sempre empenhados na sua própria reeleição ou na reeleição daqueles que podem mantê-los nos cargos que ocupam. No caso dos dirigentes de emissoras de TV mantidas por instituições públicas, a programação segue estratégias para conferir visibilidade às pessoas que fazem parte da elite dirigente da instituição, bem como seus feitos políticos e administrativos. Assim, as estratégias de divulgação se concentram em tornar públicas declarações sobre temas que possam ser de interesse dos atores políticos, como forma de manter a conexão eleitoral e facilitar a captura do voto. Portanto, o que podemos inferir é que, apesar da denominação, ainda não existem emissoras de TV no Brasil que possam ser classificadas efetivamente como TVs públicas, visto que não atendem nem os princípios da comunicação pública, nem os critérios estabelecidos pela Unesco, conforme foram explicitados anteriormente. Assim, seria mais adequado classificar essas emissoras como veículos institucionais de informação, talvez com algumas nuances de comunicação pública, a depender do caso. A exceção, talvez, seja a TV Brasil, emissora que mais se aproxima do perfil e tipologia de programação de uma TV pública, o que a diferencia das emissoras do Legislativo e do Judiciário, com destaque para a variedade de programação e a ausência de conteúdos institucionais. Apesar de algumas semelhanças de gêneros de programação, tais como jornalismo, debates/entrevistas e programas culturais, percebe-se que existe diferença em relação aos conteúdos. Os noticiários são abrangentes, com notícias nacionais, internacionais, além de noticiários referentes aos temas metrópoles brasileiras, como Notícias do Rio. Os debates e entrevistas seguem a mesma orientação, sem se limitar a conceder espaços para autoridades e ocupantes de cargos públicos. Além disso, os conteúdos são generalistas e ancorados na agenda pública nacional e internacional. Da mesma forma, os programas culturais são variados e primam pela representação da diversidade cultural brasileira, com espaço para filmes, documentários e músicas da América Latina. 197 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em<http://www6.senado.gov.br/con1988/ CON1988_19.12.2006/CON1988.pdf >. Acesso em 19 de março de 2010. ______. Decreto-Lei nº 236, de 28 fevereiro de 1967. Complementa e modifica a Lei número 4.117 de 27 de agosto de 1962. 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Com a implementação do sistema comunicacional, diversos programas puderam ser vistos e ouvidos pelos variados segmentos da nação. Valendo-se em grande parte do pretexto da construção do desenvolvimento e da modernização aliados à segurança nacional, os meios de comunicação tornaram-se prioridade no sistema militar. Esse processo de modernização das comunicações, segundo Muniz Sodré, “combinou tecnologia com interesses militares e comerciais”, tendo características transnacionais. A forma como os meios de comunicação se expandiram e cresceram no Brasil, teve paradoxalmente, sua ação centralizada e controlada por poucos. Essa situação ocorreu mundialmente a partir da segunda metade do século XX. A respeito disso Muniz Sodré enfatiza que a imprensa escrita e a radiodifusão são setores extremamente “familiais”, pois (…) nove clãs controlam mais de 90% de toda a comunicação brasileira. Trata-se de jornais, revistas, rádios, redes de televisão, com mais de 90% de circulação, audiência e produção de informações (...) controlados pelo estamento dominante” (p. 43). O monopólio das comunicações durante o período ditatorial e de arbitrárias concessões de radiodifusão, tornam-se motivo de preocupação, pois “não se adquire apenas um palanque midiático, mas quase um fórum de discussões políticas” (GOMES, 1994, p. 63), visto que se intervém abertamente em questões das mais diversas, orientando-as com a “aprovação”da opinião pública, para os caminhos e desfechos que interessam àqueles que dominam e monopolizam a informação. No Brasil há um ambiente extremamente favorável à concentração midiática. Muitos obstáculos contribuíram para que não se tenha no Brasil um sistema de comunicação mais democrático e 201 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas voltado realmente aos interesses da população. Mas o grande impasse para a dinâmica do processo está na situação de que os meios de comunicação são tratados como um negócio altamente lucrativo: a difusão da comunicação fica concentrada em poucas redes, cujos seus controladores são pequenos grupos empresariais, o que faz prevalecer uma gerência de negócio público (o ato de comunicar) extremamente próximo de um regime privado. Há uma supremacia do meio capitalista influenciando no que deve virar informação. Contudo, o problema vai mais alem, pois na sua grande maioria, esses grupos empresariais são formados por famílias, o que torna o sistema cada vez mais dominante e oligárquico. Para Venício A. Lima (2003) deve-se ficar atento à perigosa perda de autonomia que ocorre devido à entrada de dos grupos multinacionais na área da comunicação regional e local. Em Maestrini e Becerra (2003) são mencionados alguns fatores que seriam responsáveis pelo processo de concentração midiática: o salto tecnológico apoiado pela convergência de suportes e mecanismos de distribuição na esfera da informação e da comunicação; a deteriorização das empresas públicas; as estratégias de mundialização dos grandes grupos do planeta e a expansão da publicidade como mecanismo privilegiado do financiamento dessas atividades. Estudos realizados por Caparelli e Lima (2004) relataram que sete grupos controlam 80% de tudo que é visto, ouvido e lido na mídia brasileira: • A família Marinho que detém a liderança na TV aberta (Rede Globo), ou melhor, as Organizações Globo de Televisão, que são hegemônicas desde os anos 1970 até os dias atuais. Tendo iniciado suas atividades em 1925 com o jornal O Globo, que atualmente é o terceiro jornal em tiragem no país, as OG conseguiram se manter no século XXI como o maior grupo dominante de mídia no Brasil. Possui cerca de 223 veículos próprios ou afiliados e a maior operadora e distribuidora de TV a cabo (NET), também detém um dos mais acessados portais da internet (Globo.com), uma produtora e distribuidora de cinema (Globofilmes), 30.1% das emissoras de rádio FM e AM (incluindo a rede CBN) e um sistema de produção de canais para 202 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais TV a cabo (GLOBOSAT). O faturamento das suas produções no ano de 2007 foi de aproximadamente 7 bilhões de reais. • A Igreja Universal do Reino de Deus é proprietária da segunda maior rede de TV do país (Record) e de outras emissoras menores, como a Rede Mulher e a Rede Família. • A família Abravanel controla a terceira rede de emissoras de televisão do país (SBT), mantém parcerias com produtoras e estúdios de cinema multinacionais, alem de ter empreendimentos em outros setores da economia. • Os Frias possuem o jornal mais lido do país (Folha de São Paulo), um instituto de pesquisas de opinião pública (DataFolha), um jornal melhor, parte de um dos maiores provedores de acesso e informação do mundo (UOL), uma agência de notícias (Agência Folha) e metade de um dos mais influentes jornais de economia (Valor Econômico), em parceira com o Globo. • A família Saad controla a Rede Bandeirantes, as emissoras da Rádio Bandeirantes AM e FM e detém ainda o Canal 21, de grande penetração e alcance na capital paulista. • Os Mesquitas são proprietários da segunda maior circulação em jornais do país (O Estado de São Paulo), dos tradicionais Jornal da Tarde e Rádio Eldorado FM, da Agência Estado e de uma emissora de televisão no Maranhão. Entre outras empresas que detém a concentração midiática no Brasil, também pode-se destacar o Grupo Abril, pois: “é um grupo midiático brasileiro que tem características internacionais, com conteúdo e proprietários estrangeiros, diferenciando-se assim dos demais. É o primeiro grupo a criar uma empresa de mídia no exterior e o primeiro a receber capital estrangeiro”.1 Seis grandes conglomerados têm parceira com o Grupo Abril. São eles: Time Warner, Walt Disney, News Corporation, Vivendi Universal, Viacom e Bertelsmann. 1 Eula Dantas Taveira Cabral. Artigo apresentado à Intercom – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006. 203 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas A empresa Time Warner, considerada um dos maiores grupos midiáticos do mundo, utilizando sua empresa Time Inc, alia-se como parceira do Grupo Abril na revista Estilo. Tal revista faz parte do segmento feminino desde 1994, nos Estados Unidos. Da parceria com Walt Disney iniciada em 1950, passou a comercializar a revista O Pato Donald. Além da publicação quinzenal de Mickey e Zé Carioca, e das revistas mensais Tio Patinhas e Superalmanaque. Da parceria com a News Corporation, de propriedade do empresário Rupert Murdock, há sociedade na programação exibida na FOX e na impressão da revista em quadrinhos Os Simpsons. Com a Viacom, desde 1990, é parceira na TV MTV e na TVA. Da fusão com a Vivendi Universal, havia a sociedade com as Editoras Ática e Scipione. Porém, atualmente, a sociedade ocorre apenas na revista mensal Pinte Legal com o Pica-Pau. Com o grupo alemão Bertelsmann, a parceria ocorre com a revista Superinteressante. Também não se pode deixar de mencionar que seis das dez revistas mais lidas no Brasil são do Grupo: Veja, Escola, Superinteressante, Cláudia, Caras e Nova, sendo que Veja é considerada a quarta revista semanal de informação do mundo e a maior fora dos Estados Unidos. Com toda essa diversificação de atividades e investimentos, o Grupo Abril se classifica em mídia impressa, audiovisual e interativa. Em relação ä mídia impressa, seu mercado é de revistas, séries e obras de referência. No caso do audiovisual, há discos, CD, vídeo e televisão a cabo. Esse processo se constitui na chamada propriedade cruzada.2 Todas essas empresas, incluindo a radiodifusão, constituem-se em capital estrangeiro, e, portanto, precisam estar com suas atividades aprovadas pelas leis brasileiras. Porém, a questão da internacionalização da mídia no Brasil é bastante controversa. A regulamentação da entrada do capital estrangeiro foi elaborada em 20 de dezembro de 2002 pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que decretou e sancionou a Lei 10.610, liberando a entrada de apenas 30% de capital estrangeiro. Também foram criadas obrigações para as empresas de radiodifusão, como o dever de apresentar aos órgãos de 2 A propriedade cruzada ocorre quando um mesmo grupo midiático combina diferentes tipos de mídia no setor de comunicações, por exemplo: TV aberta, TV por assinatura, rádio, revistas, jornais, provedores de internet, etc. 204 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais registro civil e comercial, até o último dia útil de cada ano, declaração de seu capital social; sendo que o Poder Executivo será o responsável para requisitar das empresas e dos órgãos registradores as informações e documentos necessários para a verificação do atendimento às regras de participação societária. Apesar da nova Lei ter sido aprovada e a entrada do capital estrangeiro sido regulamentada, o cenário midiático brasileiro pouco mudou. O Grupo Abril é o único, o qual se tem noticias até o momento, que fez uma parceria legal com os estrangeiros. A parceria foi de R$ 150 milhões, o que equivale a 13,8% de seu capital. Tal percentual não atinge os 30% da estimativa feita pela Lei sancionada. Na radiodifusão brasileira não foram percebidas mudanças. O que se pode comprovar é que três grupos familiares nacionais (Rede Globo, Bandeirantes e SBT) estão presentes em quase 100% do território brasileiro, situação considerada inadmissível pelas Leis que regulamentam o exercício da radiodifusão brasileira. No que tange os grupos regionais como (Rede Brasil Sul, Organizações Jaime Câmara, Rede Amazônica de Rádio e Televisão, Grupo Zahran e Verdes Mares), a dominação é de 70% dos locais onde eles atuam, e isso vem a confirmar a grande influência política exercida nesses lugares, bem como, a manipulação de opiniões. Segundo Elvira Lobato,”os oligopólios se formaram através de uma brecha deixada na lei. Ela fixou os limites por entidade e por acionista, mas não previu um artifício simples: o registro de concessões em nome de vários membros da família. O poder nas mãos de grupos familiares na radiodifusão brasileira é uma penosa realidade da mídia brasileira, pois dificulta a entrada de novas empresas, estilos e conteúdos no mercado, padronizando as notícias e também o entretenimento da população, e ferindo, certamente, a democracia em nosso país. A preocupante situação da propriedade cruzada Devido às brechas deixadas na constituição, conforme foi argumentado por Elvira Lobato, há uma acentuada crise na concentração dos meios de comunicação que permanecem sob o comando de algumas mãos, o que torna preocupante a situação da mídia no Brasil. A questão da propriedade cruzada em que os mesmos grupos controlam emissoras de televisão, jornais, revistas, portais na internet, etc. 205 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas torna o processo de concentração um fator de risco para a presença da liberdade de expressão, pois o conteúdo produzido em um veículo é apenas reproduzido em outro da mesma cadeia, dando uma falsa impressão de credibilidade informativa. Isso possibilita ainda que opiniões, valores, símbolos e versões de fatos que interessem aos grupos empresariais detentores sejam distribuídos de maneira realista e uniforme por diversas vias, dando mais força à difusão de tais idéias, aumentando seu alcance e sua penetração na sociedade, e, limitando assim, a inserção de opiniões diversas no contexto social. Considerações Finais O não cumprimento das leis que regem a constituição brasileira no que tange o processo de radiodifusão continua tendo como parâmetro o monopólio da informação no Brasil por conta de determinados grupos; grupos esses que são formados por empresários, políticos, donos de igrejas que freqüentemente usam determinados meios de comunicação, os quais geralmente são donos, para disseminar idéias em causa própria, esquecendo-se de que o sistema de comunicação é um bem público e não uma empresa privada. Tal procedimento vai na contramão de uma sociedade mais justa e que promove a liberdade de expressão entre seus cidadãos. A liberdade, neste caso, apenas está presente em situações que não prejudiquem os interesses daqueles que detém o poder da informação, decidindo veemente tudo que deve ser visto, lido e ouvido pela nação. O que se pode afirmar, com certeza, é que qualquer medida que seja tomada para dispersar a concentração midiática, terá que enfrentar a própria mídia, portanto, o ciclo é infinito. Nas palavras de Venício, “esta é a realidade da mídia brasileira: concentrada e internacionalizada. E sem sinais que indiquem mudança de rumo a curto ou médio prazo”. Referências BAGDIKIAN, Ben H. O monopólio da mídia. Tradução de Maristela M. de Faria Ribeiro. São Paulo: Página Aberta, 1993. CABRAL, Eula D. T. Capital estrangeiro na mídia brasileira – salvação ou desgraça? In: XXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, Belo Horizonte, 2003. Anais eletrônicos. NP 10 – Políticas e Estratégias de Comunicações. 206 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais ______ Internacionalização da mídia brasileira: análise das estratégias do Grupo Abril. São Bernardo do Campo: Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, 2005. 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São Paulo: Cortez, 1996. 207 A mídia outdoor e a cidade Ana Paula Cesar Vaz Guimarães Nogueira Resumo O outdoor, um dos representantes mais antigos da mídia exterior, cujas características foram moldadas pelo desenvolvimento das técnicas gráficas e de criação que paralelamente ocorreu junto ao crescimento da mídia das cidades. A implementação e uso de programas gráficos na mídia exterior, ou melhor, no outdoor, possibilitou um salto tecnológico e se tornou muito atraente do ponto de vista estético e plástico de suas mensagens. Faremos uma análise da mídia e a influência da computação gráfica no seu desenvolvimento como meio de comunicação, trazendo-a até o contexto atual. A implantação da Lei Cidade Limpa em janeiro de 2007 em São Paulo que restringiu a publicidade externa na cidade, será mencionada. A lei foi como um marco de modificação na cidade de São Paulo, não mais utilizada como suporte de comunicação através da mídia exterior. Para concluir serão analisadas algumas novas tendências de mídias e comunicação na cidade de São Paulo pós Lei Cidade Limpa. Palavras- chave: Outdoor, mídia exterior, computação gráfica e Lei Cidade Limpa. O nascimento da mídia exterior Não se sabe ao certo a origem da propaganda ao ar livre. A própria pré-história é repleta de inscrições nas cavernas. No Egito, os hieróglifos escritos nas paredes dos templos também já denotavam esta forma exterior de exposição. Na Mesopotâmia, os comerciantes de vinho anunciavam seus produtos em pedras talhadas em relevo, chamadas de axones. Os gregos, por sua vez, gravavam suas mensagens em rolos de madeiras, denominados cybers. Na Roma antiga a propaganda já era mais próxima de nosso cartaz mural. Retângulos divididos por tiras de metal e pintados em cores claras eram instalados sobre os muros. Sobre eles, escrevia-se com carvão mensagens de venda de produtos. 209 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Segundo Sabadin e Agnaldo Pinheiro, no livro “Outdoor. Uma visão do meio por inteiro”, foram encontrados 23 destes quadros destinados à propaganda em uma única rua das ruínas de Pompéia. O cartaz, como hoje o conhecemos, só passa a existir quando a impressão sobre o papel torna-se possível. Assim que se concretiza, a Igreja e o Estado passam a utilizá-lo sob a forma de monopólio. Em 1793, com a divulgação da litografia pelo austríaco Alois Senefelder, a técnica de impressão de cartazes passa por forte aperfeiçoamento. O desenvolvimento da impressão litográfica possibilita o desenvolvimento do moderno cartaz de arte, que vira objeto de interesse de artistas plásticos na segunda metade do século XIX. A história registra o pintor Jules Cheret como o autor do primeiro desenho litográfico em cores. Cheret reúne alguns colegas no projeto de transformar as ruas de Paris em galeria a céu aberto, para atrair o público interessado no acesso à arte. Cartazes multicoloridos de autoria de vários artistas passam a ser afixados nas ruas parisienses. O ilustre pintor Toulose Lautrec, trabalhando como ilustrador e diretor de arte, desenvolve vários cartazes para a divulgação dos espetáculos do Moulin Rouge. A ligação entre arte e propaganda é estreita. As obras de Cheret e Lautrec fornecem os alicerces para uma nova forma artística. Na virada do século, o movimento mais importante do design de cartazes é o “Art Nouveau”. A partir daí, eclodem vários movimentos e escolas de design de cartazes, como a “Bauhaus”, “Futurismo”, “Cubismo”, etc. Exemplos de propaganda em cartazes de rua, precursores do outdoor, podem ser encontrados centenas de anos atrás, apesar desta tornar-se mais comum e crucial nos últimos 100 anos. Segundo Straubhaar e LaRose tem-se: “No século XIX e começo do século XX, anunciantes pintavam imagens promocionais de produtos, como tabaco, nas paredes de estábulos. Aos poucos, os anúncios começavam a ser predominantes em jornais, revistas e, já em 1923, também no rádio”. (2004: p:36). 210 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Com o passar do tempo a propaganda impressa toma um grande vulto pela sua importância no cenário urbano, o que possibilita seu rápido crescimento. Surgem agências para administrar contas de grandes companhias multinacionais e o setor publicitário se desenvolve com estreita relação com suas matrizes americanas. A publicidade otimista do pós-guerra cresce, chegando até nós o estilo de vida norte-americano. A presença de aparelhos eletrodomésticos nas casas é muito comum, mas com o suporte do crediário para alavancar este consumo. É o tempo em que proliferam as novelas de rádio, as lojas de departamento e as empresas imobiliárias, que fazem bons negócios. Grandes agências começam a aparecer na propaganda. Nelson Cadena ilustra a situação pela qual a propaganda da época se define: “The Propagander especializa-se em anúncios dos concessionários de energia e bonde, movimentando grandes somas de dinheiro. É, sem dúvida a maior agência do país em faturamento e estrutura. Em seus escritórios são negociados espaços em bondes garagens, prédios das companhias de luz, elevadores e postes de parada e, ali mesmo, criados e produzidos os anúncios com raras exceções.” (2001, p: 42) Ortiz ressalta que em 1958 aproximadamente 8% do total das verbas publicitárias é aplicado em televisão, contra 22% do rádio e 44% dos jornais. Ou seja, os meios mais tradicionais são mais utilizados pelas agências de publicidade da época. A televisão aproveita-se da intimidade com que passa a disputar o espaço doméstico e o cotidiano de seus espectadores para crescer como meio publicitário. Mesmo com o surgimento da TV, que desvia para si fortes investimentos feitos em campanhas publicitárias, os outdoors não deixam de ser utilizados pelo comércio e pelos governos por serem uma mídia caracterizada pela comunicação direta. 211 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas A mídia outdoor e suas características O outdoor, um dos representantes mais antigos da mídia exterior, cujas características foram moldadas pelo desenvolvimento das técnicas gráficas e de criação, paralelamente ao crescimento da mídia das cidades. O termo outdoor, que deriva da expressão inglesa outdoor advertising tem em vários países do mundo o significado de propaganda ao ar livre e é utilizado para designar qualquer propaganda exposta ao ar livre – painel, letreiro luminoso, parede pintada, etc. – que se caracterize por forte apelo visual e produza comunicação instantânea. No Brasil, segundo o livro “Outdoor. Uma visão do meio por inteiro.”, publicado pela Central de Outdoor de São Paulo, o termo outdoor é utilizado, por costume ou convenção, para descrever uma mídia ar livre específica: Tabuleta, em formato retangular, com dimensões padronizadas de nove metros de comprimento por três metros de altura. Pode-se afirmar que o outdoor é uma propaganda ao ar livre, mas não se pode afirmar que toda propaganda ao ar livre ou mídia exterior seja outdoor. Atualmente, é construído com chapas de aço galvanizado, pregadas sobre armações de suporte em madeira. Como acabamento, a tabuleta é contornada por molduras, também construídas em chapas de aço galvanizado, pregadas sobre ripas de madeira. A área útil de uma tabuleta de outdoor está restrita às dimensões de 8,80m x 2,90m que, adicionadas às dimensões das molduras, perfazem os 9,00m x 3,00m, que definem as dimensões finais padronizadas desta mídia. Sobre as chapas de aço galvanizado são afixadas folhas de papel que, devidamente ordenadas, constroem a imagem da mensagem a ser transmitida. O conjunto de folhas de papel que compõem a mensagem conta, na grande maioria das vezes, com trinta e duas folhas. Hoje, porém, já existem empresas que imprimem a mensagem sobre 16 folhas duplas. Com isso, buscam reduzir o tempo de colagem e os custos operacionais, mas tiveram de investir em impressoras maiores e mais modernas, capazes de imprimir grandes formatos. 212 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em algumas campanhas publicitárias, o anunciante, com objetivo de despertar maior atenção do público, utiliza mensagens que ultrapassam as dimensões padronizadas das tabuletas. Nestes casos, é necessário que apliques sejam produzidos para serem instalados adicionalmente ao corpo da tabuleta, de forma a aumentar sua área de exposição. Estes apliques são confeccionados artesanalmente, pois cada campanha demanda uma produção diferenciada. As tabuletas são instaladas em áreas alugadas, às margens de vias públicas ou em pontos de boa visibilidade e são regulamentadas e controladas pelo poder público municipal, que estipula as taxas e impostos locais aos quais a mídia está sujeita. Segundo Fernando Cury, o outdoor teve sua inspiração no cartaz de rua, apesar de sua participação na cidade ser, hoje, muito mais expressiva que do próprio cartaz. “O cartaz original, de pequeno formato impresso, é o modelo inspirador do outdoor e outras peças publicitárias, como as tabuletas (cartazes com moldura e pés) carregadas pelos homem-sanduíche, os painéis e os atuais banners promocionais. Mas sua participação na paisagem não é a mesma, desde que, há varias décadas, foram substituídos pelos outdoors, cartazes de grande formatos.Os cartazes perderam também seus pontos comerciais para esses.” (2004, p:59) De forma geral, a mídia exterior tem crescido muito rapidamente, acompanhando, de certa forma, o crescimento das grandes cidades. O outdoor, especificamente, é uma das mais representativas mídias exteriores utilizadas atualmente pelo mercado publicitário. Seu poder de comunicação é significativo, a ponto de ser tratado como mídia convencional, ao lado de outras importantes mídias, como o rádio, o jornal, a revista e a televisão. No Brasil os primeiros outdoors, com formato oval pequeno, eram usualmente afixados em postes. Alguns desses cartazes ganharam outros espaços, mais privilegiados, passando a ser instalados em plataformas e paradas de bonde pela Companhia de Cartazes de Bonde. O crescimento desta mídia foi muito intenso, mas desordenado. A adoção, pelas empresas exibidoras, de orientações e de parâmetros distintos e individuais para a mídia, deixava clara a desordem 213 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas e remetia à sensação de falta de profissionalismo destas, impulsionando a concorrência predatória entre elas. A preocupação com esta situação era latente entre os profissionais, pois se refletia de forma negativa e agressiva nas ruas e avenidas das cidades, tanto devido ao número excessivo de tabuletas, quanto à precariedade de sua manutenção e quanto à confusão visual que geravam. Os problemas advindos dessa falta de padronização do meio e o acirramento da disputa entre as empresas detentoras de pontos de outdoor pelo controle desse interessante, crescente e rentável mercado, fizeram com que essas empresas se unissem para criar normas específicas para a padronização de seus formatos e para a sua comercialização. Hoje, este meio permeia todo o espaço das grandes metrópoles e seus cartazes estão inseridos e absorvidos pela paisagem urbana. Convive intensamente com o homem urbano, pois ele certamente já leu, observou e percebeu um outdoor. É um meio complexo na forma como atua, sendo coroado de êxito, como um meio de divulgação e de informação, em muitas grandes cidades ao redor do mundo. Permite a continuidade da mensagem de produtos e serviços, quando inserido nas campanhas publicitárias destes. É um meio democrático de comunicação de massa, pois a maneira de expor suas mensagens permite o olhar de todos, sem seleção de público. Segundo o autor Mizuho Tahara, no seu livro “Contato imediato com a mídia”, as características mais marcantes deste cartaz de rua de 27 metros quadrados são: mídia eminentemente local, que permite alta freqüência de exposição e que possibilita continuidade da mensagem. Essas características também podem ser utilizadas para definir, de forma generalista, outras mídias ao ar livre, como o backlight, o frontlight, a empena de prédio e o painel eletrônico que, por serem derivadas do outdoor, exploram e utilizam seus principais aspectos, Todas são mídias de grande impacto visual, que possibilitam a fixação das mensagens próximas aos pontos de venda, podendo, inclusive, acompanhar o consumidor até o local e hora da compra. São muito utilizadas em campanhas locais, com o objetivo de atingir pessoas em trânsito por localizações específicas. 214 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O outdoor tem custo alto de produção, pois utiliza muito a produção gráfica, hoje onerosa no Brasil. Isto ocorre com mais intensidade ainda no custo de produção de backlights e de frontlights que, apesar de não serem tão abundantes no espaço urbano como o outdoor, tem, muitas vezes, maior área impressa e utilizam materiais de custo muito mais alto. Além disso, o outdoor, por não permitir a transmissão da mensagem somente ao público-alvo da campanha publicitária, aspecto importante no planejamento de divulgação e comercialização de um produto a ser inserido no mercado, implica em investimento maciço, quando utilizada como mídia básica para campanhas nacionais, pois há a dispersão da mensagem por todos os públicos. A comercialização do cartaz de outdoor é feita por bi-semanas (14 em 14 dias). O calendário com as bi-semanas de veiculação é pré-estabelecido e válido para o ano inteiro, sendo utilizado por todas as empresas detentoras de pontos de outdoor na cidade. A teoria da comunicação urbana, proposta por Massimo Canavacci, sugere uma relação de unidade e de conjunto, no tocante ao outdoor, entre a publicidade e a cidade: “Os grandes cartazes publicitários das ruas – os outdoors – são uma fonte tão inexorável quanto rentável de comunicação urbana. Neles é possível ler-se não só a mensagem explícita, a que se destina a vender, mas também o sistema de valores de uma determinada época, num especifico contexto sócio-cultural. Este esquema de valores às vezes é partilhado; muito mais freqüentemente, porém, a publicidade, em vez de adequar-se aos sistemas que orientam as pessoas, antecipa-os e até mesmo os produz.” (1993, p. 163) É um meio de comunicação que considera que a leitura será feita por observadores em movimento. O outdoor, por suas características próprias, principalmente pelo seu formato, é uma peça que busca aproximação de formas diferentes com cada categoria de observadores que por ele passa. Quando o observador está na condição de motorista ou passageiro dos meios de transporte da cidade, para que a leitura e assimilação da mensagem sejam rápidas e claras no curto espaço de tempo 215 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas em que esta estará no campo de visão do observador, é necessário que a velocidade máxima permitida na via em que o outdoor será instalado seja levada em consideração em sua criação. Ao mesmo tempo, deve permitir boa leitura aos pedestres ou transeuntes. Se por um lado, suas grandes dimensões fazem com que ele chame a atenção durante a caminhada nos trajetos dos percursos urbanos, por outro, a desproporcionalidade de seu tamanho e sua grande área de mensagem quando observado de perto, dificultam sua leitura e seu entendimento. Este é mais um dos importantes elementos a serem levados em consideração em seu processo de criação, tornando-o um desafio interessante. Newton Cesar afirma: Criar para outdoor não é o mesmo que criar para revista, jornal ou televisão. Quando o consumidor está lendo uma revista ou um jornal, ele está em casa, no trabalho, no ônibus. Tem tempo para prestar atenção em todos os anúncios que ele quiser. Quando está vendo televisão, a tensão é ainda maior. Com o outdoor, você tem, no Maximo, 8 segundos para atrair a tensão desse consumidor. Neste tempo, é preciso agarrar o consumidor e vender o produto, mesmo não estando no ponto-de-venda”. (2000, p:58) O outdoor tem a necessidade de que sua mensagem seja observada, lida e interpretada de forma rápida e objetiva, com comunicação instantânea. Uma boa criação deve considerar o uso correto e equilibrado das cores, a dimensão das imagens, a legibilidade dos títulos e a localização de logotipos. Apesar do seu grande formato, normalmente é observado de longe. Por isso, suas mensagens devem ser simples, claras e curtas. O layout tem de ser objetivo, limpo e de fácil visibilidade. Quando o observador está no trânsito, tudo acontece muito rápido à sua volta. Dispõe de apenas 8 segundos para perceber a existência do outdoor, observar sua imagem, ler seu título e subtítulo, entender sua mensagem, interessar-se pela promoção que está sendo veiculada e anotar o telefone ou o site da empresa anunciante. Por isso, utiliza-se hoje grande carga de criatividade em sua confecção. O primeiro impacto na visualização de um outdoor é de 216 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais fundamental importância para a eficácia da comunicação de sua mensagem. A diferenciação ganha destaque. A utilização de apliques, acréscimos à área original da tabuleta, para aumentar o poder de exposição do outdoor, torna-se cada vez mais comum, pois quebra a homogeneidade das dimensões da tabuleta tradicional, agregando elementos que dão uma sensação de tridimensionalidade. Essa mesma criatividade alavancou o surgimento de mídias co-irmãs do outdoor, como os backlights e frontlights. Se pensarmos em mídias com outros formatos, além dos backlights e frontlights, temos as empenas de prédio. Todas elas, assim como o outdoor, seguem roteiros específicos de criação, estão expostas ao ar livre, têm seus observadores circulando pelas ruas e estão visíveis por curto espaço de tempo no olhar destes. Inicialmente caracterizadas pela utilização de iluminação noturna, quer seja a iluminação frontal dos frontlights, quer seja a iluminação traseira sob mensagens translúcidas dos backlights, estas mídias fugiram à padronização do outdoor e ganharam formas e vida própria. Diferentemente do outdoor que, por ter substituição das mensagens de duas em duas semanas utiliza a impressão dessas mensagens sobre folhas de papel, as mensagens dos backlights, frontlights e empenas de prédio são mantidas por períodos muito mais longos, necessitando, por isso, serem impressas sobre materiais mais nobres, que resistam à ação do clima durante todo período de sua exposição. A impressão dessas mensagens é feita sobre materiais flexíveis, como a lona de vinil, lona de PVC, PVC auto-adesivo, lona transparente etc. Exceto pela variedade de formatos e recortes, a criação destas peças é similar à criação de um outdoor. Além disso, com a utilização de impressoras de grandes formatos, poucas emendas são necessárias para formar um painel gigante. Imprime-se o material, fazem-se as emendas e depois se monta o conjunto diretamente sobre a fachada de prédio, a estrutura do backlight ou sobre a estrutura do frontlight. Todas essas mídias ao ar livre são elementos visuais que fazem parte do mobiliário da cidade, modificando-a, como se fossem ta- 217 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas pumes, expostos às dimensões do olhar, mas sem que as mãos possam tocá-los. Escondem fachadas, alteram cenários urbanos, mascaram realidades, apagam o brilho de referências urbanas. Em substituição à realidade da cidade, atuam como divulgadores de produtos. Quando inseridos em planos de mídia de campanhas publicitárias, permitem a continuidade de uma mensagem, atuam como lembretes de estórias conhecidas, induzindo o observador à lembrança de atitudes aprendidas. Todos eles, mas principalmente o outdoor, pela quantidade de exemplares expostos na cidade, são meios de comunicação popular, de massa, que propõem, pela maneira como estão inseridos no espaço urbano, uma democratização do olhar, sem seleção de público. Esta característica os torna parte da paisagem urbana. Beatriz Furtado explana de maneira clara a conjugação do outdoor com a vida da cidade: “Há pouco mais de dez anos, os carros circulavam em grande velocidade pelas largas avenidas das modernas metrópoles. Os out-doors invadiam a paisagem urbana. O propósito desse tipo de comunicação era dizer a máxima quantidade de informação, da forma mais direta possível, para possibilitar uma leitura rápida que pudesse ser visualizada pelos velozes transeuntes e os condutores/passageiros dos veículos. Os out-doors eram, pois,a a adaptação da comunicação urbana às vias expressas.” (2002, p:20) A criação do outdoor precisa ter um apelo diferente do apelo de um anúncio a ser inserido, por exemplo, em uma revista, mesmo que faça parte da mesma campanha. Ele tem uma aproximação diferente com o público, pois precisa passar instantaneamente a mensagem. Sua criação foi incorporada por outras mídias ao ar livre, como a empena de prédio, o frontlight, o backlight e, mais recentemente, o Painel Eletrônico. Este último incorpora fortemente o princípio da agilidade. Sua criação publicitária tem a mesma característica marcante encontrada nas outras mídias ao ar livre: mensagem sucinta, que possa ser lida no trânsito. Textos curtos, mas que exprimam e carreguem todo o conceito pretendido para a mensagem, como se quisessem 218 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais facilitar a vida do leitor, motorista ou transeunte. Suficientemente clara, para que ela possa ser entendida e apropriadamente marcante, para que possa ser mantida na memória, mesmo de observadores envolvidos na pressa de suas atividades diárias. A mídia exterior e a Lei Cidade Limpa A paisagem da cidade de São Paulo mudou completamente desde 1° de janeiro de 2007 quando foi sancionada por Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, a Lei Municipal n°14.223 /06 conhecida como Cidade Limpa. O mercado publicitário sentiu os efeitos da lei. Tanto anunciantes como as dezenas de empresas que trabalhavam com mídia exterior em São Paulo foram os primeiros a sentir este impacto. A lei proíbe toda e qualquer forma de publicidade exterior, a saber, painéis em fachadas de prédios, backligts e frontlights , bem como anúncios publicitários em taxis, ônibus e bicicletas. Após a lei, a cidade começou a passar a sensação de está desnuda, pois muitas das mensagens pareciam fazer parte de sua arquitetura e paisagem. Afinal, por vários anos os paulistanos se acostumaram às imagens, cores e luzes que monopolizavam a atenção de motoristas, passageiros de transportes públicos e de transeuntes absortos pelos afazeres diários. Por outro lado, começaram a surgir aos olhos os verdadeiros referenciais arquitetônicos da cidade, como seus edifícios, monumentos e praças. Estes renasceram, tornando-se novo objeto de observação e de apego, pois ficaram descobertos da roupagem que os escondia anteriormente, formada por anúncios e cartazes. Desde a implementação da referida lei, alguns anunciantes migraram para outras mídias e outros permaneceram na mídia exterior, mas utilizando espaços publicitários de outros municípios da Grande São Paulo com vida comercial agitada. Municípios como Guarulhos, Osasco e São Bernardo do Campo, dentre outros, tornaram-se suporte opcional para de publicidade exterior. Entre as mídias que receberam migração de anunciantes, vale ressaltar a mídia Indoor, desenvolvida em metrôs, ônibus, aeroportos, shoppings, estádios de futebol etc. Cresceu fortemente o uso de mídias diferenciadas em pontos de venda e locais estratégicos. O aumento da utilização de peças publicitárias em transporte 219 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas público está sendo percebido pela população. Essa mídia continua em desenvolvimento. A todo o momento ela é repensada, redefinida e aprimorada pelas empresas de mídia e pelas empresas de transporte. Isto inclui a utilização de programação televisiva, tanto no metrô como em alguns ônibus da cidade, com conteúdo composto por notícias de esporte, cultura, cidadania, música etc. Seu conteúdo é elaborado pelas próprias empresas responsáveis pela mídia e é adaptado às características de cada região da cidade. A lei Cidade Limpa alterou os investimentos publicitários do setor da mídia exterior. O Projeto Inter-meios realizou estudos que demonstram esse impacto. Nele, identificou importante decréscimo de 16,33% no faturamento bruto das empresas que ofereciam, entre dezembro de 2006 e 2007 (Anexo 1), espaços de mídia exterior ou Digital Out of Home. Nos Estudos 2008 do Instituto Marplan (Janeiro/08 a Dezembro/08), realizado nos Nove Mercados do Brasil, nota-se que a mídia outdoor tem penetração de 13% na Grande São Paulo, muito mais baixa que a penetração desta mídia nos mercados da Grande Rio de Janeiro (35%), Grande Recife (56%), Grande Porto Alegre (43%), Salvador (59%), Grande Belo Horizonte (53%), Grande Curitiba (43%), Fortaleza (49%) e Brasília DF (43%). Cabe ressaltar aqui o significado do termo penetração, muito utilizado no meio publicitário segundo Tamanaha: “O termo ‘penetração” foi emprestado da área de marketing que o utiliza para representar a quantidade de pessoas que tem o hábito de consumir um produto e, e foi incorporado à atividade de mídia em razão da metodologia de pesquisa adotada pelo Instituto Ipsos Marpaln, que, por meio de entrevista pessoal e de um questionário. faz o entrevistado identificar os meios e os veículos consumidos (....) (....) penetração significa a quantidade em porcentagem ou o número absoluto de pessoas de uma praça que consomem os meios e os veículos, conforme o universo considerado, tais como total geral da população, população por sexo, classe social e faixa etária”. (2006, p.20)” 220 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Além do faturamento, também tem caído a penetração da mídia outdoor na população. Estudo realizado pelo instituto Ipsos Marplan na Grande São Paulo mostra comparação entre os 4 trimestres de 2007 e os 4 trimestres de 2008, mostra visível decréscimo da desta mídia. Da penetração trimestral de 28%, 19%, 14% e 15% em 2007, para 14%, 15%, 10% e 13% em 2008. Esta queda pode ser atribuída à implementação da Lei Cidade Limpa. O estudo realizado pelo Monitor Evolution, apresentado no Inter Meios (Anexo 2), também trás visão do impacto nos investimentos publicitários gerados pela aplicação da Lei Cidade Limpa. Ele demonstra que o investimento em mídia outdoor no ano de 2007 foi de R$89.930.000,00 contra R$ 59.291.000,00 em 2008. Isto representa 38,5% a menos de investimento no decorrer do primeiro ano de Lei Cidade Limpa. É importante ressaltar que a Lei está em vigor somente na Cidade de São Paulo, mas seu impacto foi sentido no Brasil inteiro. O importante é perceber que a Lei Cidade Limpa possibilitou novo olhar sobre a cidade de São Paulo. As empresas tendem a se adaptar às condições do mercado. Para compensar a falta de placas e outdoors, desenvolvem novas alternativas de mídias, não só para persuadir as pessoas para o consumo, mas também para utilização em campanhas de utilidade pública a serviço da população da cidade. 221 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas ANEXO I Projeto Inter-Meios - Resumo da compilação dos dados do faturamento bruto – Real(R$)2006/2007 - Mídia Exterior 222 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais ANEXO 2 Monitor Evolution, Inter Meios, 223 cAPITULO II - Práticas em Mídias Impressas e Eletrônicas Referências CADENA, Nelson Varón. Brasil 100 Anos de Propaganda. São Paulo: Edições Referência, 2001. CAVEVACCI, Massimo. A cidade polifônica. Ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo: Livros Studio Nobel, 1997. CESAR, Newton. Direção de arte em propaganda. São Paulo: Futura, 2000. CURY, Fernando. Paisagens da Comunicação: um estudo para entender e classificar a comunicação exterior. 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São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. http://midiadados.digitalpages.com.br/home.aspx ;29/06/2009; 26/07/2009 http://www.projetointermeios.com.br/template.aspx ;29/06/2009: 26/07/2009 224 cAPíTULO III Práticas Discursivas e Acadêmicas O circuito epistemológico dos estudos culturais: quando a cultura dá voz à mulher Ana Luiza Coiro Moraes Resumo O artigo reconhece a legitimidade epistemológica dos estudos culturais como sustentáculo teórico e metodológico para orientar pesquisas em comunicação, esboçando uma proposta de paradigma analítico pautado pelo mapeamento dos pressupostos dessa corrente e de sua inserção na área das ciências sociais: dos autores e obras seminais dos cultural studies aos métodos e técnicas de investigação que vêm se consolidando nas práticas analíticas conduzidas sob sua orientação.Trata-se de encontrar uma linha de reflexão a partir dos padrões formadores dos estudos culturais, para sugerir um modelo de análise do consumo cultural e aplicá-lo às singularidades do discurso publicitário, que se move entre fatores como o seu caráter persuasivo e o consequente apelo emocional de seus enunciados e as marcas de herança histórica próprias dos processos de estruturação social. Palavras-chave: estudos culturais; teoria; metodologia; publicidade. O artigo equaciona os elementos constitutivos do protocolo epistemológico que sustenta o caráter teórico-metodológico das pesquisas em comunicação organizadas ao amparo dos estudos culturais. Para tanto, institui sua linha de reflexão a partir do cenário histórico que remonta aos padrões formadores das práticas de análise dos estudos culturais, que se efetivam nas tantas especificidades, particularidades e contextualizações de toda a sorte de conjunturas sociais hoje articuladas em seu nome. Isso implica pensar o campo da comunicação — e aqui, mais especificamente, a práxis publicitária — no âmbito do que Giroux aponta como a própria definição dos estudos culturais contemporâneos: o “estudo da produção, da recepção e do uso situado de variados textos, e da forma como eles estruturam as relações so- 227 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas ciais, os valores e as noções de comunidade, o futuro e as diversas definições do eu” (GIROUX, 1995, p. 98). Assim, este estudo se insere no debate conceitual que, antes de tudo, visa legitimar a própria área da comunicação frente às ciências sociais, segundo categorias analíticas e procedimentos metodológicos dos estudos culturais, para investigar um objeto empírico, o anúncio publicitário do produto para ondulação permanente Toni, publicado pela revista O Cruzeiro, em 25 de junho de 1955. Ao analisar como o discurso publicitário atuava com identidades e diferenças, apresentando a persona feminina protagonizando papéis sociais “desejáveis” para estimular o consumo; examina-se, também, o sistema de representações da mulher na esfera produtiva da publicidade, em um particular processo histórico de emergência de novos modos de ver e sentir o mundo: o momento em que se romperia o sistema de hierarquia nas relações de gênero, instituindo novos princípios reguladores do que doravante seria o conceito de feminino1. O objetivo deste artigo, portanto, é investigar tanto os eixos teóricos quanto o instrumental metodológico presentes na própria gênese da área dos estudos culturais e consolidados ao longo das muitas pesquisas no campo da comunicação, cuja utilização, mais das vezes de caráter qualitativo e empírico, vem operacionalizando o diálogo entre as estratégias de produção e o consumo cultural. Isso significa trabalhar os fundamentos que qualificam os estudos culturais como uma teoria social crítica, como apontam Escosteguy e Jacks (2003), sinalizando algumas das categorias teóricas que emergem da leitura de seus clássicos, como o conceito de materialismo cultural, de Raymond Williams, por exemplo, entretanto, considerando-o não apenas como uma construção teórica, mas, seguindo a indicação de Brennen (2003), como um específico método de análise. O que leva o presente trabalho a organizar-se em três momentos. Em primeiro lugar, faz-se referência às problemáticas teórica e Este artigo representa uma das produções do projeto de pesquisa O empoderamento social da mulher pela via do ensino superior: o caso das Faculdades Franciscanas de Santa Maria, realizado com o apoio do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). O desenvolvimento do projeto contou com a colaboração da Profa. Me. Janea Kessler, cuja contribuição, neste artigo, se faz notar na análise do anúncio publicitário que constitui o corpus da pesquisa. Também colaborou, na coleta de documentos, o bolsista de iniciação científica Lucas Barbará Guillande. 1 228 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais metodológica associadas ao campo da comunicação, seguidos de uma breve investigação crítica da natureza epistemológica de pesquisas que se tornaram clássicos dos estudos culturais; para, depois eleger algumas das categorias teóricas e procedimentos metodológicos que possam contribuir para a composição de um guia básico de análises sob a rubrica dos estudos culturais; e, finalmente, esboçar uma análise de um fenômeno midiático pertinente ao campo da publicidade, sob as premissas — teóricas e metodológicas — de tal guia. A comunicação e seus métodos, territórios, áreas, campos e guetos Instigando as novas gerações de investigadores em comunicação a “romper as fronteiras do gueto acadêmico”, José Marques de Mello apresentou, em 2005, Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação, obra organizada por Duarte e Barros. Ele alerta para a necessidade de um redimensionamento da comunicação, “em diálogo permanente com as outras áreas do saber”, que deve levar em conta, no entanto, a responsabilidade de produzir conhecimento crítico. E para erigir tal conhecimento, o autor recomenda que se parta do “pressuposto epistemológico de que o método de cada disciplina vai sendo construído empiricamente” (MELLO, 2005, p. 5 e 12). As observações desse autor, cuja atuação se confunde com a própria trajetória da pesquisa brasileira em comunicação, justificam o percurso que aqui se faz, em busca de um paradigma analítico que, reconhecendo a legitimidade dos estudos culturais como suporte teórico-metodológico de pesquisas em comunicação, se concretiza a partir da análise de um anúncio publicitário. Por outro lado, tais observações também delimitam o alcance da proposta aqui apresentada, pois que outras (e bem-vindas) pesquisas de natureza empírica, no futuro, haverão de dar-lhe novas feições, da mesma forma que esta construção conceitual se vale de aportes e avanços epistemológicos já alcançados pelos autores que ora são parte da fundamentação do movimento que se faz na tentativa de, se não romper as fronteiras dos guetos acadêmicos, no mínimo, esgarçar-lhes os limites. Assim, levando em conta posturas como a de Vera França, que afirma que “o campo da comunicação ainda não constituiu com clareza seu objeto, nem sua metodologia” (FRANÇA, 2002, p. 51); 229 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas atenta-se primeiramente para a própria natureza empírica dos fatos e processos que compõem os objetos de estudo das ciências sociais que, além disso, mais das vezes trabalham com variáveis de difícil quantificação, o que leva ao predomínio de pesquisas qualitativas, em geral mais probabilísticas do que aquelas encontradas nas ciências formais, por exemplo. Particularizando a situação do campo da comunicação, além da polissemia que se depreende da própria gênese da palavra (do latim communicare: “tornar comum”, “partilhar”, “repartir”, “associar”, “trocar opiniões”, “conferenciar”), e da dimensão cotidiana e prosaica que envolve trocas simbólicas e partilha de sentidos através da materialização de formas simbólicas; é possível considerar sob os seus domínios cinco territórios, conforme define Lúcia Santaella (2001), tendo em vista os elementos do processo comunicativo: 1º)Mensagem e códigos; 2º) Meios e modos de produção das mensagens; 3º) Contexto comunicacional das mensagens; 4º) Emissor ou fonte da comunicação; 5º) Destino ou recepção da mensagem. Se para reconhecer os campos da comunicação, Santaella considera que a grande área é composta por esses territórios, ela propõe ainda que há interfaces entre eles. Para a autora, tais territórios ou campos têm a função de ancorar a área, entretanto, cada um deles mantém interrelações com os demais, gerando outros arranjos, através de interfaces: das mensagens e suas marcas; das mensagens com o seu modo de produção; das mensagens com o contexto; dos meios com o contexto; das mensagens com o sujeito produtor; dos meios com o sujeito produtor; do contexto com o sujeito produtor; da mensagem com seus receptores; dos meios com a recepção das mensagens; do contexto com a recepção; e do sujeito produtor com a recepção (SANTAELLA, 2001, p. 93). Assim, em um breve exercício para localizar o alcance epistemológico dos estudos culturais, é possível pensar que se os exemplos clássicos do primeiro território da comunicação ― mensagem e códigos ― são identificados com os aportes teórico-metodológicos da análise de discurso e da semiótica; a interface desse território com o do destino ou recepção, por exemplo, é sistematizada no clássico ensaio de 230 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Stuart Hall (1980), sobre o modelo de codificação/decodificação2 das mensagens que, anos mais tarde, o próprio autor revisitaria: O momento da codificação não surge do nada. Cometo um erro ao desenhar um diagrama, contendo somente a metade superior. Se você está fazendo um circuito, você deve desenhar um circuito; portanto, eu devo mostrar como a decodificação entra na prática e no discurso que um repórter está colhendo. O repórter está captando algo do mundo pré-significado com o objetivo de significá-lo de uma nova maneira [codificando] (HALL, 2003, p. 364). Mas é o texto apenas um conjunto aberto, algo semiótico que pode ser decodificado de qualquer modo? Nem tanto: isso implica uma questão de poder. Alguém tem de controlar os meios de significar o mundo. Muitas pessoas lá fora não têm outra forma de conhecer o mundo a não ser através do significado que se comunica a elas (HALL, 2003, p. 368). Por seu turno, no contexto dos estudos de recepção se constituíram alguns dos clássicos dentre as pesquisas sob o manto dos estudos culturais, a maior parte delas voltando-se a, no mínimo, também investigar os contextos e modos de produção das mensagens. Contudo, antes de dedicar atenção a tais trabalhos e a sua contribuição para formar o campo que se estabeleceria a partir dos cultural studies britânicos, busca-se a sistematização de uma proposta de “filiação metodológica” para os estudos culturais, a partir do método dialético, tradicionalmente utilizado em pesquisas das ciências sociais. O conceito de dialética remonta a Platão, que utilizava a palavra no sentido de “arte do diálogo”. Sinônimo de “lógica” na Idade Média; a concepção moderna de dialética, de acordo com Gil (2006), consolida-se com Hegel: “Para esse filósofo, a lógica e a história da humanidade seguem uma trajetória dialética, nas quais as contradições se transcendem, mas dão origem a novas contradições, que passam a requerer solução” (GIL, 2006, p. 31). No entanto, a percepção hegeliana da dialética é de “natureza idealista, ou seja, admite a hegemonia das idéias sobre a matéria”, 2 O ensaio original “Encoding/Decoding” foi publicado em 1980, em uma coletânea de artigos editada conjuntamente pelo Centro de estudos culturais Contemporâneos de Birmingham (que Hall presidiu, entre 1968 e 1979) e a Hutchinson Editores, de Londres. Há tradução para o português na obra referendada na bibliografia deste artigo Da diáspora. 231 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas salienta ainda o autor lembrando que foi a crítica de Marx e Engels sobre tal concepção que estabeleceu novas bases conceituais, justamente invertendo a construção de Hegel, “admitindo a hegemonia da matéria em relação às ideias” (GIL, 2006, p. 31). Trata-se, na visão de Marx e Engels, de um materialismo dialético, fundamentado em três grandes princípios: a. A unidade dos opostos: Todos os objetos e fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que são organicamente únicos e constituem a indissolúvel unidade dos opostos. Os opostos não se apresentam simplesmente lado a lado, mas num estado constante de luta entre si. A luta dos opostos constitui a fonte do desenvolvimento da realidade. b. Quantidade e qualidade são características imanentes a todos os objetos e fenômenos e estão inter-relacionados. No processo de desenvolvimento, as mudanças quantitativas graduais geram mudanças qualitativas e essa transformação opera-se por saltos. c. Negação da negação: A mudança nega o que é mudado e o resultado, por sua vez, é negado, mas esta segunda negação conduz a um desenvolvimento e não a um retorno ao que era antes (GIL, 2006, p. 31-32). O método dialético, após as incorporações do pensamento de Marx, supõe que o conhecimento da estrutura dos acontecimentos de âmbito social é o suficiente para a compreensão do movimento de transformação histórica, pois a descrição de fatos que se sucedem de forma cronológica no plano superestrutural seria um trabalho superficial e inútil. Além disso, tal descrição não proporciona a compreensão das efetivas fontes das mudanças sociais, que seriam de ordem estrutural. Yamauti lembra que, em razão deste princípio da dialética, o método esboçado por Marx recebe críticas por incorrer em determinismos: “Os homens fazem a história, porém sem terem consciência e domínio sobre o movimento inexorável imposto pelas contradições de ordem estrutural existentes em cada modo de produção”. Contudo, sob o ponto de vista deste autor, a interpretação do método também deve ser dialética. Para ele, Marx acreditava que a luta de classes era a fonte de produção do movimento histórico da humanidade, isto 232 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais é, as relações entre agentes sociais, e não movimentos cegos das estruturas, é que constituem-se nas fontes motrizes da História. Por isso, avalia Yamauti, Marx produziu “algumas interpretações de tipo conjuntural que demonstram como os conflitos entre classes podem determinar o movimento que se percebe na superestrutura de uma formação nacional”. Daí, ainda de acordo com este autor, surge uma complexa questão teórica: “partindo dos princípios do materialismo histórico, seria possível localizar e compreender os vínculos dialéticos que existem entre as contradições de caráter estrutural e o movimento que se efetiva cotidianamente no plano superestrutural?” O autor supõe que sim, porque nos períodos de latência das contradições, o que ocorre no plano conjuntural “poderia ser compreendido como uma sucessão de reajustamentos efetuados no plano superestrutural por agentes sociais em conflito” (YAMAUTI, 2006, p. 244). Dado esse breve histórico sobre o desenvolvimento do método dialético, justifica-se a aplicação de tal metodologia neste estudo, especialmente se considerada a construção conceitual do materialismo cultural de Raymond Williams que, em clara analogia ao materialismo histórico de Marx, se insere no processo de amadurecimento das reflexões de cunho marxista que fundamentaram todo o pensamento reunido sob o manto dos estudos culturais, como já se comentou em outro momento: Ao longo da obra de Williams e de seu contato (e discussão) com o pensamento de Lukács, Brecht, Althusser, Escola de Frankfurt, Círculo de Baktin e, especialmente, a partir do conceito de hegemonia, de Gramsci — retomado por Williams como noção central na descrição do processo de produção e reprodução da cultura —; consolida-se sua concepção de ‘materialismo cultural’, cujo objetivo é definir a unidade do processo sócio-histórico contemporâneo e especificar como o político e o econômico podem e devem ser vistos nesse processo (MORAES, 2004, p. 141-143). Um breve histórico de clássicos que formaram novos paradigmas de pesquisa Havia uma nova visão de mundo instituída no final da década de 1950, transitando entre a rigidez e o utilitarismo dos aparatos ideológicos de que se valia a incipiente esquerda inglesa da época de 233 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Williams. Este gênero de intervenção contestatória, aliás, comporia o arcabouço reflexivo da geração de desse autor que, identificada com a New Left inglesa, buscou explicitar a força das estruturas políticas e históricas nos produtos e produções culturais, incorporando alguns conceitos, como o de hegemonia, de Gramsci. O que veio a permitir, de acordo com ESCOSTEGUY (2001, p. 98), “uma formação teórica mais flexível do que aquela fundamentada no estruturalismo marxista”. Williams foi um dos ativistas mais destacados da New Left, o movimento político e intelectual surgido nos anos 1950 que, segundo Cevasco, em seu primeiro momento, tentava “através do programa materialista, compreender a realidade da experiência da vida sob o capitalismo na sua feição britânica pós-imperial”. A autora conta ainda que, impulsionados pelo Partido Comunista, proliferavam os New Left Clubs, ambientes de discussões sobre o marxismo, “que também funcionavam como lugares de disseminação das artes: a literatura dos Angry Young Men, o Free Cinema sendo desenvolvido por Lindsay Anderson, o New Drama, de um Arnold Wesker, e a música — o jazz (...)”, além da atuação institucional da New Left na educação para adultos. A revista New Left Rewiew e a editora Verso formavam a via impressa do “bem-sucedido projeto intelectual de atualização do marxismo na e a partir da Grã-Bretanha”, acrescenta ainda Cevasco (2001, p. 123-124). Williams se engajou especialmente na segunda fase da New Left, compartilhando um tipo de postura intelectual que inscreveu o seu trabalho como importante fator das mudanças radicais na crítica da cultura que, sob a rubrica cultural studies, a partir daquela geração de ingleses foram mundializadas nas décadas seguintes. Cevasco apresenta um Williams preocupado “com a cultura popular, com a análise dos efeitos da nova sociedade das mídias e das maneiras de se combater as formas de dominação cultural”; mas ao mesmo tempo reconhecendo retratados nos mais variados veículos midiáticos (do livro à televisão) os elementos de um processo social material que, todavia, incorporava significados e valores de indivíduos e grupos, com eles interagindo. E é importante ressaltar que quando Williams falava em “artes emergentes”, referindo-se ao cinema e a outras formas de comunicação dirigidas às massas, ele rompia com uma tradição intelectual que se assentara no cenário cultural inglês 234 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais entre os anos de 1930 e o segundo pós-guerra, reunida, principalmente, em torno de Leavis e do grupo sob sua liderança na revista Scrutiny, cujas funções incluíam “combater o rádio, o carro e o cinema (CEVASCO, 2001, p. 125) Foi necessário trilhar um longo caminho, de definições de cultura como um “veículo do processo de instrução, da experiência da literatura” e, como testemunha Williams, também “da desigualdade”, até pensá-la como força produtiva, como postulou o conceito de materialismo cultural do autor (WILLIAMS, apud CEVASCO, 2001, p.1213). Para Cevasco, é nesse sentido que o materialismo cultural responde “a desdobramentos reais das relações sociais que alteram a consciência prática em que está assentada a teoria”. Na interpretação da autora, é um objetivo metodológico do materialismo cultura: “definir a unidade qualitativa do processo sócio-histórico contemporâneo e especificar como o político e o econômico podem e devem ser vistos nesse processo” (CEVASCO, 2001, p. 147). Descrever este amálgama como uma relação de dependência ou de segunda ordem entre a produção cultural e a econômica é certamente falsear o que se constata na análise das práticas culturais em um mundo em que se tornou impossível, observando, por exemplo, o uso dos novos meios de comunicação, em especial a televisão e o cinema, e as mudanças formais da propaganda e da imprensa; separar as questões ditas culturais das políticas e econômicas. (CEVASCO, 2001, p. 148). Essas contribuições podem ser entendidas dentro dos princípios ordenadores de todo o primeiro projeto dos cultural studies que, segundo Schwarz, foi suportado pela “transposição das coordenadas qualitativas — estéticas e éticas — associadas à crítica literária para a prática das culturas vivas ou populares” (SCHWARZ, 2000, p. 47). Raymond Williams, Richard Hoggart e Edward Thompson são apontados como fundadores dos cultural studies britânicos, por sua contribuição teórica e metodológica para a transformação radical do conceito de cultura. Esses autores, das primeiras gerações emergentes da classe operária inglesa para o ambiente acadêmico, beneficiados 3 Na bibliografia de Cevasco: Williams, Raymond. Drama: from Ibsen to Brecht. London: Chatto & Windus, 1987 [1968]. 235 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas por melhorias nas políticas públicas para a educação, por isso mesmo estavam aptos a falar “de um lugar diferente”. Entretanto, esse lugar não se conquistou sem conflitos, sem negociação, em seus textos, eles “expressavam, sobretudo, as tensões de estudantes de origem popular que, ao completar sua formação universitária, debatiam-se em uma ambivalente identidade cultural constituída por dois mundos antagônicos” (COSTA, 2000, p. 21-28). Por suas origens, suas análises agregaram o ponto de vista de autênticos integrantes da cultura “plebéia”, não colocados “cautelosamente” à distância, sem contato direto com seus temas, ao contrário, articulando experiências e vivências do próprio entorno social. Por outro lado, por sua formação, eles reuniram condições para afastarem-se das definições elitistas defendidas pelos principais intelectuais da época e, ao mesmo tempo, sedimentar um referencial teórico que levou à compreensão da cultura como a esfera do sentido que unifica os setores da produção e das relações sociais e pessoais. A importância dos textos inaugurais desses autores é destacada na Cartografia dos estudos culturais promovida por Escosteguy (2001), e no texto de Stuart Hall (2003 [1980], que analisa os paradigmas sob os quais se movem os cultural studies. Escosteguy aponta os três textos surgidos entre o final da década de 1950 e o início dos anos 1960, que Hall qualifica como “seminais e de formação”: The Uses of Literacy (1957), de Richard Hoggart, Culture and Society (1958), de Raymond Williams, e The Making of the English Working-class (1963), de E. P. Thompson. Hoggart descreveu as mudanças na vida das classes proletárias inglesas do pós-guerra, uma história cultural que em parte foi elaborada através da própria percepção e de experiências pessoais. Na segunda parte do livro, porém, ele se concentrou nas mudanças trazidas pelos meios de comunicação de massa, analisando publicações populares — produzidas sob a organização comercial, em larga escala e em busca de lucro — e seus efeitos sobre os consumidores. Para entender as razões pelas quais as pessoas elegiam como prediletas algumas produções culturais e não outras, Hoggart concluiu que, antes de tudo, é preciso atentar para o seu interesse “pelos pormenores mais insignificantes da condição humana”, que parte do pressuposto de que 236 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais “a vida humana em si é fascinante”. (HOGGART, 1973 [1957], p. 144). Ele acreditava que tais particularidades, apreendidas pela indústria cultural, constituíam-se em matéria-prima para o sucesso dos produtos dirigidos às massas: da radionovela ao fait divers. É também por todas estas razões, e não por esnobismo, que os indivíduos do proletariado tanto apreciam os folhetins radiofônicos passados num meio pequeno burguês, os quais refletem geralmente as minúcias da vida quotidiana. E são ainda estas razões que levam os jornais de grande tiragem a apresentar as notícias em estilo de ficção de baixo nível (HOGGART, 1973 [1957], p. 145). É preciso salientar, no entanto, que a virada de paradigma que o lançamento de The Uses of Literacy significou na investigação dos produtos midiáticos não foi estabelecer uma nova maneira de relacioná-los às audiências. Suas análises sobre os livros, jornais, revistas e canções “preferidos do povo” centraram-se na natureza, nas condições e nos interesses envolvidos nesse tipo de produção, bem como nas repercussões de seu consumo, em termos dos apelos à sexualidade, à violência ou pela própria gratuidade de tais hábitos de leitura. O novo foi considerar essa produção como cultura. Além disso, sua tentativa de investigar os efetivos significados dos relatos colhidos nas pesquisas de campo que realizou resultou de certa forma na metodologia que doravante marcaria os estudos culturais. Mais do que a minuciosa pesquisa que procedia, ele aconselhava: Devemos tentar ver, para além dos hábitos, aquilo que os hábitos representam, ver através das declarações e respostas o que estas realmente significam (significado que pode ser oposto a essas próprias declarações), detectar os fatores emocionais subjacentes a expressões idiomáticas e práticas ritualísticas (HOGGART, 1973 [1957], p. 20-21). Bem mais tarde, em 1985, Ien Ang, indonésia radicada na Holanda, publicou os resultados de sua pesquisa sobre a “preferida do povo” à época, a série norte-americana Dallas. Em Watching Dallas, soap opera and the melodramatic imagination, estudo de recepção onde Ang investigava “os mecanismos” pelos quais seria despertado o prazer (por identificação melodramática) nas audiências, foi quebrada a tradição de análises sempre centradas em textos, através da inter- 237 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas pretação de uma produção áudio-visual, que se dirigia especialmente às mulheres (ANG, 1985, p. 9). A soap opera Dallas retratava uma família de texanos ricos, mas problemáticos, abordando questões como alcoolismo, depressão e o mundo dos negócios. Foi um sucesso entre as audiências do mundo todo. Decidida a investigar as razões dessa popularidade e a fonte de sua fruição, Ang mandou publicar um anúncio em uma revista feminina, declarando que gostava de assistir à série, mas muitas vezes percebia nas pessoas “reações estanhas com relação a isso”, e convidando os leitores da publicação a participarem de seu estudo: “Alguém gostaria de me escrever e contar por que também gosta ou não gosta de assistir ao seriado? Pretendo incorporar essas reações em minha tese universitária. Favor escrever para...” (ANG, 1985, p. 10). As 42 cartas que ela recebeu (39 delas respondidas por mulheres) foram a base do seu trabalho, inscrevendo definitivamente na pauta dos estudos sobre cultura aquilo que até então era depreciado como “conversinhas de mulher”. Mary Ellen Brown observa que Ang considerou as cartas mais como “discurso social” do que simples “bate-papos” e que as maneiras pelas quais as mulheres apossam-se do prazer dessas “conversinhas” pode significar ganhar voz, apossar-se, na verdade, de um “capital cultural”. Ela acredita que a prática diária de apossar-se do prazer é um ato político para as mulheres, que, em geral, funcionam socialmente como doadoras e não como tomadoras de prazer. Apossar-se do prazer, apesar da construção social negativa em torno das soap operas ou de outros produtos culturais herdeiros do folhetim do século XIX (em sua fase de decadência, ressalte-se), para Brown significa posicionar-se diante de normas estabelecidas reivindicando o próprio espaço. E, “como as mulheres são silenciadas em muitos aspectos das interações sociais, reivindicar o próprio espaço equivale a ganhar a própria voz” (BROWN, 1994, p. 75). Embora na superfície pareça que as mulheres estão apenas consumindo as soap operas [novelas] e os produtos que elas anunciam, se usarem as próprias tramas dessas novelas para questionar em vez de confirmar o seu status, então elas estarão reestruturando para si mesmas as normas ideológicas. As construções sociais e culturais de ‘romance’ e ‘família’, no caso das mulheres, são centrais para o controle da representação da 238 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais mulher na sociedade. Quando as representações patriarcais são aceitas sem questionamentos, a posição das mulheres na sociedade permanece sem mudanças. É somente com o questionamento dessas representações que o controle hegemônico pode mudar (BROWN, 1994, p. 131) 4. Nessa direção também aponta Kellner, quando apela por um estudo “cultural, muilticultural e multiperspectívico” que, ao argumentar sobre a necessidade de estudos culturais contextualizados através de uma “crítica diagnóstica”5; alerta para o fato de que os produtos da cultura da mídia “não são entretenimento inocente”, têm cunho ideológico e “vinculam-se a retóricas, a lutas, a programas e a ações políticas” (KELLNER, 2001, p. 123). Já a proposta do circuito cultural (du Gay e outros pesquisadores, 1997), como um protocolo que integra os espaços da produção e da recepção/consumo, segundo Escosteguy enfraquece “a premissa de ‘autonomia relativa’ entre eles”. Articulando consumo, produção, regulação, identidade e representação, o circuito cultural de du Gay e outros (1997) não privilegia qualquer dessas esferas para examinar os sentidos atribuídos aos produtos culturais, mas as considera inseparáveis da própria noção de circuito (ESCOSTEGUY, 2008, p. 10). Lembre que isso é um circuito. Não conta onde você inicia, dado que se tem de fazer toda a volta, antes do estudo estar completo. E mais: cada parte tomada do circuito reaparece na próxima. Então, tendo iniciado na Representação, as representações tornam-se um elemento na parte seguinte, isto é, de como as identidades são construídas. E assim sucessivamente. Nós separamos essas partes do circuito em diferentes seções, mas no mundo real elas continuamente se sobrepõem e entrelaçam de modo complexo e contingente. Contudo, elas são as partes que tomadas em conjunto compõem o que nós entendemos por um “estudo cultural” de um objeto particular (du GAY, 1997, p. 4)6. 4 A tradução é nossa. Uma boa aplicação da crítica diagnóstica de Kellner a objeto empírico pode ser encontrada no trabalho: ANDROVANDI, Adriana. A favela no horário nobre da TV aberta brasileira: uma análise da novela “Duas Caras”. Diss. (Mestrado em Comunicação Social) – PUCRS/FAMECOS. Porto Alegre, 2010. Documento impresso e eletrônico, disponível em: http://tede.pucrs.br/ tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2928. Acesso em 07.09.2010. 5 6 A tradução é de Escosteguy (2008, p. 10). 239 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Na interpretação de Escosteguy, o espaço da produção inserido no circuito cultural “extrapola o entendimento de que se incluiria aí apenas a produção, entendida de modo convencional como procedimentos necessários para criação propriamente dita de um artefato/produto”. A noção de produção, no circuito cultural, aciona também distintas narrativas que se associam a esta criação, e incluem variadas práticas utilizadas na produção destes mesmos produtos (ESCOSTEGUY, 2008, p. 10). Incluindo o consumo em diálogo com as estratégias de produção, e dessa forma aplicando a já citada sugestão de Santaella sobre as interfaces dos territórios da comunicação ao circuito cultural; é possível articular a reflexão sobre o discurso publicitário não apenas como uma “maquiavélica” proposição de produtores ávidos por lucro, mas considerando os padrões de consumo que formaram consumidores cuja competência cultural decodifica essas esferas produtivas e aí busca determinadas identidades. Em ensaio justamente intitulado “Identidade e diferença”, Woodward analisa a questão sob o ponto de vista dos processos envolvidos na produção de significados, que ela acredita serem engendrados por meio de “sistemas de representações” conectados com os diversos posicionamentos assumidos pelos sujeitos, no interior de “sistemas simbólicos”. Então, conclui que a construção das identidades, para além do conforto das estruturas geradoras de sentido, conta com a diferença como elemento central. Os sistemas sociais e simbólicos produzem as estruturas classificatórias que dão certo sentido e certa ordem à vida social e as distinções fundamentais — entre nós e eles, entre o fora e o dentro, entre o sagrado e o profano, entre o masculino e o feminino — que estão no centro dos sistemas de significação da cultura. Entretanto, esses sistemas classificatórios não podem explicar, sozinhos, o grau de investimento pessoal que os indivíduos têm nas identidades que assumem. A discussão das teorias psicanalíticas sugeriu que, embora as dimensões sociais e simbólicas da identidade sejam importantes para compreender como as posições de identidade são produzidas, é necessário estender essa análise, buscando compreender aqueles processos que asseguram o investimento do sujeito em uma identidade (WOODWARD, 2000, p. 67-68). 240 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Assim, além de considerar que “a produção e o consumo não se configuram como esferas separadas, mas, sim, são mutuamente constitutivas”, como ressalva Escosteguy (2008, p. 10), no caso da reflexão sobre as estratégias de produção que engendram o discurso publicitário, além da identidade é preciso ainda acrescentar outro elemento do circuito cultural. Trata-se da representação que sobrepõe significados aos produtos e às produções, de tal forma que o sentido não se engendra no próprio produto (ou produções), mas na forma como ele é representado discursivamente. Dessa forma, os novos sentidos que dimensionam as questões culturais por seu papel constitutivo na vida social, na visão de Hall, nada mais são do que reconhecer que: Os seres humanos são seres interpretativos, instituidores de sentido. A ação social é significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: não em si mesma, mas em razão dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relação aos outros. Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que toda ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significação (HALL, 1997, p. 16). No entanto, considerando, por exemplo, o objeto de análise deste estudo, as estratégias produtivas que legitimam o discurso publicitário, há outro elemento do circuito cultural cuja análise se torna crucial. Trata-se da regulação, que de certa forma hierarquiza as relações entre cultura e poder, pois se os estados (e órgãos como o CONAR7, no caso da publicidade) propõem normas e leis reguladoras; outros poderes, como o econômico, tendem a “desregular” a ordem posta em determinados momentos culturais, trazendo para a cena os imperativos do mercado que, através da natureza persuasiva desse discurso, passam a integrar o protocolo de “necessidades básicas” dos consumidores. Esta esfera é a da regulação, que “incide diretamente na constituição das subjetividades e, portanto, das identidades”, pois esta forma 7 Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária. 241 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas de regulação pretende que o sujeito receptor “internalize as condutas, normas e regras, regulando-se a si mesmo”. De acordo com ESCOSTEGUY (2008, p. 11-12): “É nesse sentido que se efetiva o poder da mídia, penetrando nos modos de ser”. Por isso, se este trabalho elege as categorias analíticas e os procedimentos metodológicos encontrados no campo dos estudos culturais, é porque os identifica como pistas para a percepção das questões postas no âmbito da cultura e sua íntima associação com os modos de produção e de consumo midiático do campo publicitário em que se inserem os seus objetos deste estudo. Isso porque essas contribuições dos estudos culturais (dos seus pioneiros às atuais pesquisas vinculadas à área) aportaram às análises na área da comunicação dizem respeito, principalmente, à inclusão das produções “de massa” na análise do que constitui os contextos culturais, inserindo os hábitos de entretenimento das classes “ordinárias” na própria conceituação do que é cultura. Todavia, para tanto, considerando o público-alvo do anúncio que compõe o objeto deste estudo, também é necessário contar com parâmetros de análises como os que procederam à desmistificação de preceitos que avaliavam determinadas produções (e seu debate) tão somente como “conversinha de mulher”, para invocar questões ligadas à fruição e prazer, sem necessariamente ligá-las à literatura, às artes plásticas ou à música “de qualidade”. Padrões que formaram as práticas de análise dos estudos culturais, desde suas origens, e que se constituem em um acervo que atende tanto a necessidades teóricas para a fundamentação teórica de pesquisas na área da comunicação, quanto a exigências de ordem metodológica: dos instrumentos analíticos que emergem das categorias teóricas, como a noção de imaginação melodramática de Ang, por exemplo, ao método que, herdeiro do método dialético, se configura como uma atualização do materialismo dialético de Marx, o materialismo cultural, de Williams. Por isso, eles são invocados para a análise do anúncio de meia página do produto para ondulação permanente Toni, publicado pela revista O Cruzeiro, em 25 de junho de 1955 (p. 20). Neste, a protagonista Dorinha, candidata sempre recusada a uma “colocação” como secretária é instada por uma amiga a mudar os cabelos para conseguir um emprego. 242 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Para além dos diplomas: análise de um anúncio publicitário O anúncio obtido na revista O Cruzeiro, de 25 de julho de 1955, dentre as 168 unidades direcionadas às mulheres (de meia página ou página inteira) coletadas pela pesquisa, é o único desse exemplar que tem explícito, em seu conteúdo, apelo à mulher profissional. Sua estrutura de narrativa é linear e, a partir de um problema exposto no título, o anúncio se desenvolve verticalmente em cinco blocos de informações, em uma sucessão de quadros ilustrados com desenhos, cenas espelhadas com textos, na forma de um diálogo entre duas personagens. Tal configuração remete às fotonovelas consumidas à época e ao comentário de Hoggart sobre a apreensão, por parte da indústria cultural, de tramas que remontam a situações que, antes de se constituir em fuga à realidade quotidiana, partem do princípio de que essa realidade é intrinsecamente interessante. Essas produções, eivadas daquilo que o autor chama de “efeito ‘oh! ah!’”, que vem da literatura de cordel e do folhetim, atribuem, de acordo com o autor, “ênfase especial ao pormenor humano, que pode ou não ser dramatizado por adjunção do crime, do fator sexual ou do esplendor que caracteriza a vida de determinadas camadas” (HOGGART, 1973 [1957], p. 144-145). A fotonovela é uma narrativa curta, unindo texto e imagem, formatada em uma sequência de quadrinhos, a cada um desses fotogramas correspondendo um plano de ação disposto em uma fotografia legendada por balões com as ‘falas’ das personagens. Há também um narrador, cujos textos elucidam o leitor sobre a ação, mas também emitem juízos de natureza moral e fornecem justificativas para a atuação das personagens, controlando a evolução da história. Sua origem remonta à década de 1940, na Itália, para suprir dificuldades de acesso do público ao cinema ou à recém-surgida televisão, o que explica que as fotografias utilizem planos e enquadramentos semelhantes aos usados nos filmes. Assim, as primeiras fotonovelas foram adaptações de filmes de sucesso, protagonizadas por atores famosos; mas logo se tornaram independentes do cinema, assumindo identidade própria: tramas sentimentais, em linguagem ilustrativa e redundante o suficiente para evitar conflitos e as eventuais dúvidas de leitoras de pouca escolaridade, a quem eram trans- 243 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas mitidos princípios éticos, morais e sociais semelhantes ao sistema de valores que regera o romance-folhetim do século XIX. A fotonovela chega ao Brasil em traduções das ‘cinenovelas’ italianas. A primeira revista brasileira dedicada ao gênero foi Capricho, lançada junho de 1952, pelo fundador da Editora Abril, Victor Civita. A ela seguiram-se as revistas Ilusão, Contigo, Sétimo Céu e Grande Hotel, que apresentavam “fotonovelas e informações para o público feminino”, em títulos como Corações enamorados, Vingadora de seu amor, Amada e perseguida, Do ódio nasce o amor. As imagens abaixo são da revista Sétimo Céu, com registro até a década de 1980. Figura 1. Sétimo Céu nº. 304, 1981 - Especial Roberto Carlos, 1962. Os textos e os atores dessas produções ainda eram versões das italianas, mas, além da matéria especial com Roberto Carlos, da Sétimo Céu, formatada como uma fotonovela, como se vê na figura 1, acima, em 1967; na Melodias, a revista da mocidade, especializada em fotonovelas e notícias sobre celebridades do mundo da música, o cantor participaria de uma produção com o seguinte enredo: uma história de Natal, sobre um menino de quatro anos que teve realizado o seu maior sonho — conhecer o ‘Rei’. O título da peça publicitária, localizado no topo do anúncio, Falta-lhe algo, Dorinha, além dos seus diplomas!... é visualizado entre duas figuras femininas em uma cena que seria um encontro entre duas amigas; uma delas aparenta levar uma xícara em direção ao rosto; a outra, com o braço possivelmente apoiado em uma mesa fora de cena, e também com uma xícara à sua frente, olha para a primeira, com uma das mãos apoiando o rosto, com expressão pensativa. As figuras das mulheres estão representadas quase de frente para o observador. 244 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Na sequência e abaixo dessa primeira cena, a figura à esquerda permanece sentada, parcialmente de costas para o observador, enquanto a outra, (Dorinha) está em pé e com as mãos na cintura, olhando para a amiga e de frente para o leitor. O cenário é uma sala, ao fundo das personagens há um sofá, uma mesa de apoio e quadros na parede. O texto que acompanha, no lado direito da ilustração, é: É verdade! De que me valem anos de estudo, cursos de esteno-datilografia, etc? Diariamente percorro escritórios e companhias em busca de emprego, mas nem me deixam abrir a boca. Sempre a mesma ladainha: “A vaga já foi preenchida”. Hoje, tentarei pela última vez... Ao estabelecer a situação de conflito, da mesma forma que a escolha de uma formatação idêntica a das fotonovelas, o anúncio apela à imaginação melodramática de suas leitoras, cujas competências e habilidades de decodificaras da mensagem se construíram no âmbito do consumo do circuito cultural que inclui a ficção legatária do folhetim em sua esfera produtiva. O bloco abaixo desse apresenta primeiro o texto: Ouça, Dorinha: - Que lhe adianta ser a melhor secretária do mundo, se não consegue oportunidade para demonstrar suas aptidões? Você precisa apresentar-se melhor. Esses cabelos descuidados lhe dão um aspecto desagradável. Por que não experimenta “TONI” para fazer uma ondulação permanente a frio? Vou ajudá-la. A ilustração ao lado desse texto mostra a amiga quase abraçando Dorinha, de perfil para o observador, e Dorinha, com expressão pensativa (dedos tocando o queixo) e olhar vago, de frente para o leitor. Neste ponto do diálogo entre as amigas, os sistemas sociais e simbólicos que produzem as representações de distinção entre o masculino e o feminino, lembrados por Woodward (200), se fazem presentes. Trata-se de estabelecer o quanto a “aparência” dos cabelos de uma candidata a emprego legitima um sistema que se regulamenta, ao final do anúncio, na hierarquia estabelecida entre patrão e empregada. O terceiro bloco dá sequência ao diálogo, quando mostra, à esquerda, a ilustração: estão as duas mulheres em outro ambiente onde se percebe uma penteadeira (com o frasco do produto sobre ela) com espelho, uma parede com janelas de vidro; no primeiro plano, estão as duas mulheres. Dorinha está com parte do cabelo enrolado em 245 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas objetos cilíndricos (como rolos) e a amiga enrolando mais uma mecha de cabelos. Ambas estão quase de frente para o observador e Dorinha parece satisfeita. Acompanha, à direita da ilustração, o seguinte texto: É simples. Primeiro, enrola-se o cabelo com estes onduladores plásticos. A seguir, aplica-se a loção onduladora de acordo com as instruções que acompanham o estojo. E pronto. Boa sorte, querida! O último bloco de informações no anúncio apresenta Dorinha em primeiro plano e de frente para o leitor, com cabelos crespos bem penteados e sorridente, à frente de uma máquina de escrever. Ao fundo, vê-se a figura de um homem de terno (provavelmente o patrão), sentado junto a uma mesa de escritório, com papel e caneta à mão. À direita da ilustração, o texto: “Ao uso de ‘TONI’, a famosa permanente a frio, que se faz facilmente em casa, com o auxílio de uma amiga, devo, além de ótima colocação, estes belos cabelos suavemente ondulados, que me permitem os mais lindos penteados”. Esse bloco ocupa uma área maior que os demais e evidencia a figura da mulher, visivelmente satisfeita com o resultado do uso do produto. Abaixo do bloco de texto está colocado o logotipo do produto, apoiado em uma forma circular impressa em cor preta (única cor utilizada no anúncio) e parcialmente oculta pela figura de uma embalagem do produto, configurando-se como uma assinatura do anunciante. Abaixo desse conjunto e próximo à embalagem está o fechamento do apelo publicitário: Ondulação permanente em casa. Em termos gráficos, o anúncio reflete algumas características apontadas anteriormente: sua estrutura é linear e o texto é explicativo em uma narrativa também linear. O argumento textual, pode-se dizer, é extenso e, ainda assim, é apoiado pelas imagens que exemplificam as ações desenroladas em todo o anúncio. Trata-se de uma abordagem argumentativa típica pelo que se pôde observar na caracterização de época e da presença feminina como consumidora ― do período que é o foco deste estudo. A figura da amiga, que se depreende ser usuária do produto anunciado, reforça a estratégia argumentativa do testemunhal no anúncio e indica à leitora que o consumo, no plano do imaginário, está atrelado à confiança em tal produto que, além de proporcionar uma melhor aparência, traz, em consequência direta, um trabalho condizente com as suas expectativas. 246 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Ressalte-se que profissão de secretário só foi regulamentada no Brasil pela Lei 7377, de 30/09/85 e pela Lei 9261, de 10/01/96, quando passam a ser considerados: a) Secretário Executivo, o profissional diplomado por curso superior de Secretariado; e b) Técnico em Secretariado, o profissional portador de certificado de conclusão de curso de Secretariado em nível de 2º grau. Portanto, o anúncio se refere à função de secretária que era exercida por mulheres que para tanto cursavam datilografia e estenografia, habilidades técnicas adquiridas em cursos de curta duração que no anúncio, no entanto, são tratados com o status de diplomação. A posição da mulher na sociedade já começara a ser equacionada por abolicionistas ferrenhas como Francisca Amália de Assis Faria, Anna Benvinda Ribeiro de Andrade, Narcisa Amália, Maria Thomásia e a compositora carioca Chiquinha Gonzaga, ainda no final do século 19. Mas, nos primeiros anos do século 20, acentuava-se: em 1906, o Rio de Janeiro sediou o I Congresso Operário Brasileiro, no qual ficou estabelecida a necessidade de maior organização das mulheres em sindicatos; no ano seguinte, uma greve de costureiras deflagrou uma série de movimentos em favor da jornada de trabalho de 8 horas; e, em 1917, as mulheres adquiriram o direito de ingressar no serviço público. Em 1919, a Conferência do Conselho Feminino da Organização Mundial do Trabalho, com participação das brasileiras Bertha Lutz e Olga de Paiva, aprovou o “salário igual para trabalho igual”. De acordo com o registro do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher/RJ (CEDIM): Em 1920, as mulheres chegam ao movimento sindical. Em 1933, Carlota Pereira Queiróz torna-se a primeira deputada brasileira; um ano mais tarde, a Assembléia Constituinte assegurava o princípio da igualdade entre os sexos, o direito ao voto feminino, a regulamentação do trabalho feminino e a equiparação salarial entre homens e mulheres. A repressão desencadeada pelo Estado Novo em 1937 provoca um refluxo no movimento feminista que só volta a ganhar intensidade em 1949, no Rio de Janeiro, com a criação da Federação de Mulheres do Brasil. Na década de 50, a mulher marca presença efetiva nos movimentos políticos. Devido ao Golpe de 64 e à repressão militar, só na década de 70 é que se retoma o processo de reorganização dos movimentos feministas no país. 247 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Para Zaíra Ary, a singularidade fundamental do ser humano que marca de maneira distinta o próprio “projeto humano subjetivo” se constrói a partir da especificidade sexual masculina e feminina. Segundo esta autora, “na dependência das circunstâncias individuais e coletivas, biográficas e históricas, ao mesmo tempo culturalmente semelhantes e diversificadas”, a subjetividade pode ser tomada como paradigma epistemológico para esclarecer e sublinhar uma “diferenciação cultural específica ao masculino e ao feminino na maneira de estar no mundo”. Citando Silvia Lempen-Ricci, Ary aponta as especificidades de gênero pela distinção entre “a responsabilidade feminina com a perpetuação da vida e com a gestão do quotidiano” e “o projeto masculino de transcendência do quotidiano” (Ary, 2000, p. 35-36). As mulheres não têm “mais vivido” do que os homens, mas o vivido que constitui a sua identidade de mulheres não suporta ser rejeitado nas margens insignificantes dos grandes projetos humanos, porque ele é a condição mesma de seus desdobramentos. (...) É o confinamento das mulheres na imanência que sempre foi a condição de possibilidade do desdobramento da transcendência masculina (LEMPEN-RICCI, apud ARY, 2003, p.36). Finalmente, atenta-se ao caráter regressivo do anúncio da ondulação a frio da Toni, que investe na identidade e identificação feminina a partir do estereótipo da “boa apresentação” em detrimento da formação (seja ela de nível superior, médio ou apenas treinamento de habilidades), quando os cabelos ondulados passam a ser mais importantes do que os diplomas da protagonista do anúncio. Mas, registre-se, também, que Dorinha é interpelada pelo discurso persuasivo do anúncio publicitário a partir de sua expectativa de conseguir um emprego. Em outras palavras, transcender o confinamento histórico e inserir-se nos grandes projetos humanos de seu tempo. Referências ANG, Ien. Watching Dallas, soap opera and the melodramatic imagination. Londres e New York: Routledge, 1985. ARY, Zaíra. Masculino e feminino no imaginário católico: da Ação Católica à Teologia da Libertação. São Paulo: Annablume, 2000. 248 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais BRENNEN, Bonnie. “Sweat not melodrama: reading the structure of feeling in All the President’s Men”. Journalism: Theory, Practice and Criticism 4(1), 2003. p. 113–131. Disponível em http://www.ijpc. org/watergate.pdf. Acesso em 28.10.2005. BROWN, Mary Ellen. Soap opera and women’s talk. Londres: Sage Publications, 1994. CEDIM - Conselho Estadual dos Direitos da Mulher/RJ . O movimento feminista no Brasil. Rio de Janeiro, s/d. Disponível em: http:// www.cedim.rj.gov.br/biblioteca.htm. Acesso em 26.06.2009. CEVASCO, Maria Elisa. Para ler Raymond Williams. 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Este exame das publicidades possibilita, outrossim, que se constate as permanências no que concerne às relações de gênero e, principalmente, aos lugares destinados às mulheres que viveram esta passagem dos anos 50 para os anos 60. O traço: as mulheres nos anúncios Os anúncios coloridos foram, lentamente, conquistando espaço nas páginas da revista desde a primeira edição analisada, pertencente ao ano de 1956. Da mesma forma, a fotografia, aos poucos, passa a ser utilizada pela publicidade como um recurso, onde predominava o uso de imagens desenhadas. Ainda com relação ao uso, pela publicidade, de desenhos ou fotografias para ilustrar seus anúncios, é possível perceber que durante o final dos anos 50, até meados da década de 60, mesmo quando o recurso utilizado era a fotografia, esta trazia imagens femininas que mais pareciam desenhadas do que reais: a pele parecendo um veludo, sem As reflexões que serão aqui desenvolvidas têm origem na pesquisa que realizei no doutorado, na qual tomo a revista Capricho (e, consequentemente, os anúncios nela divulgados) como um “lugar de memória”. Nesta pesquisa tive como fontes de informação exemplares originais da Capricho pertencentes ao período entre as décadas de 1950 e de 1960, assim informações colhidas em entrevista com três mulheres que foram leitoras desta revista na época referida. 1 253 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas qualquer imperfeição, as sobrancelhas apresentando um desenho impecável, os cabelos milimetricamente penteados. Mas, em meio a tanta perfeição, o grande destaque ficava por conta dos lábios e das unhas, esses ostentavam cores e brilho jamais vistos na “vida real”. As bocas parecem desenhadas (em algumas fotos fica claro que elas realmente foram retocadas), ostentando, na maior parte das vezes, um reluzente batom vermelho. Já as unhas, sempre bem feitas, longas e pintadas, muitas vezes em composição com a cor usada nos lábios. Segundo definição de Morin, esta mulher modelo teria a aparência de “boneca do amor”.2 Não importava a atividade que estivesse sendo desempenhada: lavando roupa, costurando, cozinhando ou namorando. Independente da situação as mulheres exibiam-se impecáveis, desde os pés até a cabeça. E por falar em aparência, o exame dos anúncios publicitários pode, também, nos informar a respeito dos padrões de beleza vigentes nas décadas de 1950 e 1960.3 Nos anos 50, por exemplo, a maior parte dos anúncios preconizava que a beleza estaria ao alcance de todas as mulheres e, mais do que isso, seria uma obrigação. “A beleza é obrigação. A mulher tem obrigação de ser bonita. Hoje em dia só em feio quem quer. Essa é a verdade. Os cremes protetores para a pele se aperfeiçoam dia a dia. Agora já temos o creme de alface “Brilhante” ultra concentrado que se caracteriza por sua ação rápida para embranquecer, afinar e refrescar a cútis. Depois de aplicar esse creme, observe como a sua cútis ganha um ar de naturalidade encantador à vista. A pele que não respira, resseca e torna-se horrivelmente escura. O creme de alface “Brilhante” permite à pele respirar ao mesmo tempo que evita os panos, as manchas e asperezas e a tendência para pigmentação. O viço, o brilho de uma pele viva e sadia voltam a imperar com o uso do Creme de Alface “Brilhante”. Experimente-o. É um produto do Laboratório Alvim & Freitas.” (Capricho, março de 1958, p.86). MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Vol.1: Neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p.141. 2 3 Podem ser citadas duas autoras que desenvolvem interessantes reflexões acerca deste assunto: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil. In: ______. (org.) Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. OLIVEIRA, Núcia Alexandra Silva. Representações da beleza feminina na imprensa: uma leitura a partir das páginas de O Cruzeiro, Cláudia e Nova (1960/1970). In: FUNCK, Susana B.; WILDHOLZER, Nara (orgs.). Gênero em discursos da mídia. Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005. 254 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais E ainda: “Rugól. 2 cremes em 1. Limpa e embeleza a cútis. Dá maravilhosa brancura e explendor de juventude. Mantém em segredo sua idade!” (Capricho, maio de 1956.). Além de valorizarem a juventude, a beleza está associada a uma cor alva, limpa, imaculada, fina, fresca, brilhante. Ficando explícito, em ambos os casos, a altivez da pele branca em detrimento da pele negra: é a brancura encantadora e desejável versus a pele “horrivelmente escura”. Acrescentando um dado a esta questão, ressalto que entre todos os anúncios por mim examinados ao longo das vinte edições da revista Capricho que fizeram parte do meu corpus de análise, em nenhum anúncio encontrei a figura de uma mulher negra. O mais próximo foi numa propaganda do guia Quatro Rodas, presente na Capricho da segunda quinzena de dezembro de 1969, que trazia como introdução: “Os monumentos da Bahia. Se v. ainda não comprou a Edição Especial Quatro Rodas Turismo Bahia, olha o que v. está perdendo.” (p. 79). Seguida por uma seqüência de fotos de uma mulata de biquíni branco, cabelos longos e soltos, em poses sensuais. Ou seja, quando uma mulher negra aparece, aparece como um produto a ser consumido. Especialmente pelo fato de ser a ilustração de uma revista voltada, principalmente na época, para o sexo masculino, como era a Quatro Rodas. A mulata, assim, não aparece em outras propagandas da revista, em propagandas voltadas para a leitora da Capricho, por talvez se acreditar que ela não seria uma figura com a qual estas leitoras se identificariam, uma vez que está longe da “altivez, do brilho e do esplendor de uma pele branca”. Durante os anos 50, também era freqüente os anúncios de produtos de beleza e de higiene se valerem da imagem de estrelas de Hollywood para venderem seus produtos. O caso mais emblemático é o dos sabonetes Lèver, que trazia o slogan: “Preferido por 9 entre 10 estrelas do cinema”, trazendo, em seus anúncios, atrizes como Sandra Dee, Bárbara Rush e Martha Hyer. A presença de estrelas internacionais nas páginas da Capricho, mostram o crescimento da influência norte-americana na cultura brasileira e, mais do que isso, está associado ao sonho brasileiro de ser moderno e civilizado, de inserir-se na “vida moderna”4, copiando hábitos e comportamentos oriundos da “civilização” estadunidense. 4 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Op. Cit., 2005 255 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas As mulheres exibidas em anúncios dos anos 50, e também do início dos anos 60, retratavam o ideal da “moça prendada moderna”, uma vez que deveriam estar atentas aos cuidados da casa, dos filhos, do marido devendo, ainda, manter-se sempre belas. Para conseguirem cumprir todas essas tarefas, as mulheres contavam com importantes aliados: batedeira, máquina de lavar roupa, sabão em pó e enceradeira de um lado, e cremes contra rugas, sabonetes perfumados e poderosos dentifrícios de outro. Como observado quando discuti a passagem do uso de desenhos por fotografias pelas publicidades, as mulheres não pareciam reais, tamanha a perfeição que apresentavam. Na década de 1960, principalmente a partir da segunda metade desta década, percebe-se uma maior descontração nas fotografias que ilustram os anúncios. No lugar do laquê, os cabelos aparecem molhados ou soltos ao vento. As bocas e unhas já não têm o destaque de antes, o belo passa a ser associado à naturalidade, a uma imagem de mulher mais próxima da realidade. A partir dessa época, de acordo com Sant’Anna, os anúncios começam a sugerir, com maior freqüência, o prazer de estar consigo, o contentamento em cuidar do próprio corpo. O cenário para estas transformações compreenderiam tanto os movimentos de libertação da década de 1960 e a contracultura, quanto o desenvolvimento da publicidade, da cosmetologia e da indústria da beleza.5 Nesse sentido, pode-se pensar que não apenas as mudanças culturais participaram destas transformações na publicidade, mas, também, o próprio desenvolvimento das técnicas fotográficas, com o surgimento de recursos inovadores nesta área. Recursos estes que permitiram, por exemplo, captar detalhes de uma foto feita em movimento, modificando, assim, aspectos importantes na história da fotografia e, consequentemente, da publicidade. Sant’Anna, ao refletir a este respeito, afirma que a aparência descontraída, presente em várias fotos que ilustram anúncios de meados dos anos 60 em diante, não necessariamente significa o fim do ato de posar, tão caro nas fotografias anteriores a este período, mas sim a sua renovação. Dessa forma, as imagens descontraídas exigem, também, que sejam pensadas, posadas e construídas, sinalizando, 5 256 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais assim, para a existência de “maneiras históricas de posar, ou seja, um trabalho minucioso sobre o corpo”6. Apesar da presença de imagens que apresentam mulheres mais ágeis, descontraídas, flexíveis e mais naturais; a tônica do embelezar-se, ou do cuidar da casa, com a finalidade de garantir ou manter um bom casamento, continua a vigorar entre os anúncios publicitários presentes nas páginas da Capricho. Exceções vão aparecer no final dos anos 1960 com alguns anúncios abordando o cuidado com a beleza atrelada à satisfação pessoal, enfatizando a individualidade e a liberdade, em lugar da felicidade conjugal. Dois anúncios ilustram estas transformações ocorridas com relação às imagens femininas exibidas na publicidade. O primeiro (de 1960), da máquina de lavar roupas Brastemp traz o protótipo da mulher moderna prendada: bem arrumada, de salto alto, fazendo uma pose que parece ter sido calculada nos mínimos detalhes, desde a posição dos pés até a maneira como as mãos estão colocadas ao longo do corpo e sobre a máquina de lavar. Já o segundo anúncio (de 1968), do talco Lux, apresenta uma mulher sensual, com apelo erótico, representando uma Eva com uma maçã na boca, o símbolo do pecado (o texto do anúncio brinca com esses elementos ao fazer uso das palavras: pecado, mulher, violentamente feminina). Certamente a mulher também está posando, entretanto, seus gestos são mais flexíveis, seus cabelos estão soltos e cuidadosamente despenteados, seu traje bem mais informal quando comparado ao da mulher moderna prendada. É uma imagem de mulher totalmente diferente das apresentadas pelos anúncios do final dos anos 50 e do início da década seguinte, mas que ainda traz indícios de um cuidado de si para o outro, como a imagem sedutora, a promessa de uma pele macia, atraente, “violentamente feminina”, e a sugestão de que na corrida pela conquista do sexo oposto, ao usar o talco Lux, a mulher começa com uma “terrível vantagem”. Guardadas as devidas proporções, esta mulher fatal do talco Lux não difere muito da moça encantadora dos produtos Cashmere Bouquet. 6 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Propaganda e História: antigos problemas, novas questões. Projeto História. São Paulo, (14), fev. 1997, p.92. 257 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas A mulher moderna e outras personagens A vida moderna era tida como um ideal a ser perseguido pelas leitoras da Capricho. Aliás, não apenas por elas, uma vez que este era o zeitgeist da época. Nas décadas de 1950 e 1960 os bens de consumo colados à imagem do moderno, do novo e do inédito, eram oferecidos a homens e mulheres tão modernos quanto e que respiravam os novos ares do progresso 7. Esta ênfase dada ao moderno, ao novo, à qualidade, tão comum nas publicidades direcionadas às leitoras da revista Capricho, caminha ao lado do processo de modernização para o qual as mulheres estavam sendo chamadas a participar. Ou seja, (...) a contribuição feminina para a modernização da sociedade partia do privado (suas casas deveriam ser equipadas com os mais modernos tipos de eletrodomésticos) para posteriormente alcançar o público (sua aparência deveria ser bela e construída com os novos cosméticos, mais elaborados e feitos a partir das mais avanças pesquisas, como prometiam os anunciantes)8. Em especial no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, no ritmo do término da II Guerra Mundial, enfatizam-se os ideais de domesticidade e dependência das mulheres, uma vez que elas precisavam deixar os postos de trabalho e retornarem ao lar. A presença de propagandas de eletrodomésticos, por exemplo, vai ao encontro da chegada de novidades para o lar, que ocorreu ao longo dos anos 1950, momento de acelerado crescimento econômico9, estando em consonância com o clima de “modernização” que estava no ar. Entram em cena, conquistando as donas de casa, especialmente as de camadas médias, as seguintes novidades: enceradeira, geladeira, ferro elétrico, batedeira de bolo, aspirador de pó, liquidificador, entre outras “maravilhas da vida moderna”. Esta ênfase no moderno, no novo, salienta as qualidades do novo em detrimento do velho, dos produtos tidos FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”: publicidade, Cultura de Consumo e Comportamento Político no Brasil (1954-1964). São Paulo: HUCITEC, 1998. 7 8 OLIVEIRA, Núcia Alexandra Silva. Op. Cit., p.193 MELLO, João Manuel C. de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando A. (org.) História da vida privada no Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 559-658. 9 258 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais como do “tempo da vovó”10, estratégia utilizada por vários anúncios presentes nas edições da Capricho da época aqui analisada. Aliás, recurso utilizado ainda atualmente no meio publicitário. A propaganda da geladeira Clímax Vitória Super Luxo, exibida na Capricho de 1960 ilustra este ideal de domesticidade e de dependência das mulheres, assim como a vinculação destas com um lar equipado com o que há de mais moderno. Este anúncio, ocupando duas páginas, traz como ilustração, em primeiro plano, um casal quase se beijando, em segundo plano, duas crianças, um menino e uma menina, brincam felizes ao redor da nova geladeira que está na cozinha da casa. Ao lado, fora desta cena, tem uma ilustração da geladeira aberta. Como texto introdutório: “Seu lar é seu mundo... V. deve tornar êsse mundo cada vez melhor! V. deve dar-lhe um Clímax Vitória super Luxo uma vitória do coração no ‘Dia das Mães’”. Seguindo com o seguinte texto: “Seu pequeno mundo é a casa...- é ali que Ela passa a maior parte da vida, cuidando dos filhos e zelando pelo bem estar de toda a família, É justo que Ela tenha todo o conforto a cercar-lhe os dias de dona-de-casa operosa e atenta aos mínimos pormenores. É justo que ela tenha orgulho em servir bem às suas amigas... às visitas – que também são suas. É justo que Ela possa atende-lo, quando V. deseja obsequiar seus amigos com “algo” bem geladinho... É justo e merecido enfim, que V. dê a Ela todo o conforto que é também seu e de toda a sua família!” O anúncio é complementado com várias informações técnicas a respeito do produto anunciado11. A intenção do anúncio é a venda deste produto para o dia das mães. De acordo com o texto, ele parece dirigir-se para o marido, dando-lhe inúmeros argumentos que justifiquem ser a sua esposa e mãe de seus filhos, merecedora de uma geladeira Climax Vitória Super Luxo. O fato de o anúncio apresentar um texto dirigido aos homens não é algo comum nas propagandas desta revista, uma vez que tem as mulheres como público alvo. Como se trata de um presente para o 10 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Op. Cit. Textos longos, técnicos e explicativos são marca nos anúncios dos anos 50 e início dos anos 60. Ao longo desta última década vão perdendo espaço para textos mais ágeis, curtos e objetivos. 11 259 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas dia das mães, é provável que ele esteja escrito desta forma para que a mulher, ao lê-lo, mostre-o ao marido. Cabendo, dessa forma, a ele a decisão pela compra ou não do produto. O texto destaca a ligação da mulher com seu lar, exaltando sua dedicação para com os filhos, para com a casa e para com o marido. Ou seja, mostra que ela tem cumprido direitinho seu “dever de casa” merecendo, portanto, ganhar um belo presente no dia das mães. Presente este que, de acordo com o próprio texto, não será usufruído apenas por ela, mas sim por toda sua família. A título de especulação, a imagem do quase beijo do casal dá a entender que não se trata de um beijo de parabenização pelos dias das mães, mas sim um beijo de agradecimento, ou seja, ela agradecendo a ele pelo presente. Digo isso ao reparar nos lábio de ambos: os lábios dele estão retos, como que à espera do beijo, já os dela fazem um biquinho, como se o beijo fosse iniciativa dela. Mais uma vez é importante frisar a presença de uma “família ideal”: pai, mãe e um casal de filhos. Com relação, mais especificamente, ao estilo mulher moderna prendada, são inúmeros os anúncios que poderiam ser citados como exemplo, desde perfumes e sabonetes até geladeiras e enceradeiras. Apresentarei, inicialmente, uma propaganda do absorvente íntimo Modess de 1962 que retrata como seria o dia de uma mulher moderna. O anúncio traz como título “O dia na vida de uma jovem mãe”. Seguindo-se o seguinte texto: “Valéria é uma jovem dona-de-casa e mãe. O dia de uma dona-de-casa começa bem cedo: 6 horas. E após o banho do bebê, as tarefas se sucedem... preparar mamadeiras, arrumar a casa, planejar as refeições. Hoje Valéria vai às compras na feira. Eficiente e moderna, não permite que o fato de estar “naqueles dias” interfira em suas atividades. Ela sabe que a super absorvência e a impermeabilidade de Modess “Pétala Macia” lhe oferecem a maior segurança, por várias horas. Valéria recebe as amigas para o chá. Elas admiram sua boa disposição e desembaraço. Certamente... porque Modess “Pétala Macia” é leve, macio e dá completa liberdade de movimentos. Não se deixa notar, mesmo sob os vestidos mais justos. Valéria hoje não dispensaria sua geladeira, liquidificador e tantos outros confortos da vida moderna. Prática, ela também está atualizada no seu cuidado íntimo – prefere Modess “Pétala Macia”. Custa menos do que um vi- 260 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais dro de esmalte... e é tão mais importante! O jantar está pronto. Que dia cheio! Mas, um banho morno e alguns minutos devolvem a Valéria sua melhor aparência. Ela usa o absorvente Modess “Pétala Macia”... tão mais prático e higiênico – usa-se uma só vez e joga-se fora. É bem discreto... Não há nada para lavar. A vovó ficará com o bebê, enquanto Valéria e o marido vão ao cinema. Noutros tempos, ela nem pensaria em sair “naqueles dias”. Mas agora, com sua tranqüilidade assegurada por Modess “Pétala Macia”, Valéria é sempre uma boa companhia. – Todos os dias de sua vida são assim dinâmicos e ativos. E sempre que necessário Modess “Pétala Macia” fará com que você também se sinta mais tranqüila e despreocupada. Experimente ainda este mês.” Vejo, neste anúncio, um “prato cheio” para inúmeras discussões. Com relação ao que se está discutido no momento, ele traz um retrato do que era esperado de uma mulher moderna na época: dona de casa exemplar, mãe dedicada, esposa presente, aparência impecável, dona do que há de mais moderno tanto para auxiliá-la em casa, quanto nos cuidados consigo mesma. O que havia sido citado, quando descrevi que a mulher exibida no final dos anos 50 e início da década seguinte apresentava-se sempre bem arrumada, batom nos lábios e unhas bem feitas, independente da tarefa que estivesse desempenhando, é verificável neste anúncio: na primeira cena, ao alimentar seu bebê logo pela manhã, Valéria está maquiada, delineador nos olhos, batom nos lábios e um belo coque feito com seus longos cabelos. Não há uma cena onde a nossa dona-de-casa não esteja impecavelmente arrumada. O Modess entra em cena como mais um dos confortos da vida moderna proporcionados às mulheres. Confortos, estes, que além de facilitarem suas vidas, ainda possibilitam que as mulheres modernas possam desempenhar, com maior sucesso, os seus papéis de esposa e de mãe. Afinal, por estar usando Modess “Pétala Macia” Valéria pôde ser uma boa companhia a seu marido, mesmo estando “naqueles dias”. O destaque ao novo e ao moderno é evidente neste anúncio. O uso de palavras como: eficiente, moderna, liberdade, conforto, vida moderna, atualizada, melhor aparência, prático; apontam para tal fato. A ligação entre novo, modernidade e o papel social que se esperava das mulheres é perceptível, também, em anúncios de eletrodomésticos. Não se pode falar em mulher moderna sem falar nos eletrodomésticos. 261 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Trago, como exemplos, dois anúncios: um de aparelhos da Arno e outro de aparelhos da General Eletric. O primeiro é ilustrado por uma moça vestida de noiva, segurando em suas mãos o buquê de flores e uma enceradeira envolta em um laço cor de rosa, assim como todos os outros aparelhos eletrodomésticos presentes no anúncio: liquidificador, aspirador de pó e uma batedeira, estando esta última no colo de uma senhora sentada em uma poltrona, senhora que parece ser a mãe ou a sogra da noiva. O texto que acompanha o anúncio é o seguinte: “Quem dá Arno acerta sempre! Para um lar que está se formando agora... ou para a dona de um lar que já se formou há muito tempo... não há outro presente tão desejado, útil e oportuno como êstes belíssimos Aparelhos Arno.” O texto é complementado por informações a respeito de cada um dos aparelhos, terminando com a frase “Os presentes Arno agradam mais porque são mais úteis”. A publicidade da General Eletric dá destaque a alguns aparelhos de sua linha, que aparecem ilustrando o anúncio: grill automático, fritadeira automática, enceradeira, e três tipos de ferro de passar roupa. Logo abaixo estão duas mulheres elegantemente vestidas, sentadas frente a uma mesa bem arrumada, tomando um café. A presença de um gato na cena nos faz supor que este encontro seja na casa de uma delas. Elas estabelecem o seguinte diálogo: “Querida! Como você consegue participar tão ativamente da vida social sendo uma dona-de-casa?” A amiga responde: “Atualizei-me, meu bem! Com aparelhos portáteis G.E. reduzi ao mínimo minhas preocupações caseiras!” Essas duas publicidades são emblemáticas quanto ao tom presente nas páginas da revista Capricho até meados de 1960. Uma revista que tinha, na época, como público alvo mulheres casadas ou casadoiras, moças de família que almejavam constituir um lar equipado por aparelhos modernos que lhes ajudasse nas suas principais tarefas: ser esposa, dona-de-casa e mãe. Os eletrodomésticos estão relacionados também a uma outra questão, a que Figueiredo12 se refere como uma transformação com relação à percepção do tempo. Nesta nova percepção do tempo, a diminuição 12 262 FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Op. Cit. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais do tempo demandado para a realização de uma tarefa, passa a ser visto como um investimento. Esta otimização do tempo, associada aos modelos fordista e taylorista de modos de produção no trabalho, enraizou-se tanto na política, haja vista a promessa de Jucelino Kubitschek de fazer o Brasil crescer cinqüenta anos em cinco, quanto em anúncios dos mais variados produtos. Os eletrodomésticos servem como exemplo, tal como pode ser percebido nas duas publicidades seguintes. Um anúncio do fogão Brastemp apresenta uma jovem bem arrumada: salto alto, saia plissada, cabelos penteados, unhas longas, batom vermelho; sentada em uma cadeira, com as pernas cruzadas, uma das mãos sob o queixo. Abaixo da cadeira encontram-se livros de receita jogados despretensiosamente. Como texto: “Sou uma dona-de-casa moderna. Quero aparelhos eletro-domésticos que não tomem o tempo de meus deveres familiares e sociais. Acompanho o que há de mais avançado em arte culinária. Quero alimentos fritos, cozidos e assados adequadamente. Pensando nisso é que prefiro o fogão Brastemp. Claro: o fogão à gás Brastemp Imperador tem detalhes de funcionamento ideais para a cozinha moderna e a satisfação da família.” Em caixa alta segue a frase “Pensar em satisfação é comprar Brastemp!” Na seqüência é apresentado um texto informativo sobre o produto. Juntando imagem e texto, pode-se presumir que a moça encontra-se sentada na cadeira, pois seu fogão Brastemp Imperador permite que ela descanse enquanto ele faz o serviço. Assim, ao adquirir um fogão, ela adquire o tempo que ele lhe poupa, tempo que ela pode aproveitar da maneira que melhor lhe convier que, no caso, parece ser em atividades familiares e sociais. O mesmo pode ser dito a respeito de um anúncio da máquina de costura Vigorelli, onde prazer e trabalho aparecem como inversamente proporcionais: “Seu prazer cresce... Seu trabalho decresce.” O crescimento do prazer está associado ao aumento do tamanho e de nitidez da imagem de uma mulher sorridente, enquanto a diminuição do trabalho está retratada na imagem na máquina de costura. E, logicamente, quanto menos trabalho, de mais tempo livre dispõe a mulher moderna. Mas para que tanto tempo livre? De acordo com Figueiredo, tempo livre estaria associado ao lazer e este, por sua vez, ao consu- 263 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas mo, sendo esta relação construída entre os anos 50 e 60. Destarte, “o consumo aparecia assim como o meio pelo qual o homem [sic.] se liberta do trabalho e, ao mesmo tempo, significa sua recompensa”13. As publicidades encontradas nas páginas da Capricho reforçam o papel atribuído às mulheres de “compradora oficial”14 da família. Haja visto que, ao longo dos anúncios analisados, foram encontrados não apenas produtos voltados para uso pessoal das mulheres, mas também artigos infantis, para casa e, até mesmo, para os homens, como é o caso da revista Quatro Rodas e de diversos cursos profissionalizantes que trazem profissões que na época eram, eminentemente, desempenhadas pelo sexo masculino. Um exemplo claro está no anúncio do talco Johnson para adultos, com o exórdio “Ela compra... e êle gosta.” Ilustrado por uma mulher envolvendo seu marido, como a uma criança, mostrando-lhe o perfume do talco. O que mostra que além de compradora oficial, caberia à mulher o papel de protetora da família, papel este explorado pelas publicidades presentes em revistas femininas. Por tudo o que pôde ser visto até o momento, a função da mulher estava, de fato, relacionada ao trabalho doméstico. São poucas as referências feitas, na revista, ao trabalho feminino fora de casa. Nos anúncios publicitários este tema é ainda mais raro. A exceção fica por conta do grande número de anúncios de cursos profissionalizantes, apesar de que estes, como dito anteriormente, fossem mais voltados para os homens e não necessariamente tratassem de trabalho fora de casa, uma vez que eram cursos por correspondência e que, aqueles voltados para as mulheres, como corte e costura e culinária, poderiam servir não apenas para o trabalho fora de casa, mas sim para enriquecer as prendas domésticas das donas-de-casa. A presença de anúncios de produtos destinados aos homens nas páginas da Capricho pode indicar um certo poder das mulheres perante o sexo oposto. É atribuída agência a estas mulheres, uma vez que a elas é confiada a tarefa de repassar tais informações aos seus maridos, filhos ou irmãos. 13 FIGUEIREDO. Op. cit, p.81. 14 CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2006. 264 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais No final da década de 60, mais especificamente a partir de 1966, alguns anúncios de produtos para o sexo feminino passam a utilizar textos e imagens que sinalizam para esta agência das mulheres. Certamente, a maior influência para propagandas que adotem esse tom, vem do movimento feminista. Dois anúncios servem como exemplo: o primeiro, publicado em 1966, do absorvente íntimo Modess e o segundo de produtos para maquiagem Angel Face. A propaganda de Modess é ilustrada por uma jovem tocando violão em meio a uma roda de amigos. O clima é de descontração, alegria e prazer. A moça é a protagonista; é para ela, e dela, que a publicidade se dirige, com o seguinte texto: “Tope a vida todos os dias! Os bons momentos não escolhem dia nem hora. Um bom programa pode coincidir com aquêles dias... e você não pode “desafinar”. Esteja “em tôdas”, sinta-se moderna, livre, confiante – usando Modess Pétala Macia. Modess é seguro, prático e confortável. Com Modess, todos os dias são dias normais. Use Modess Pétala Macia – e esqueça o calendário.” Se compararmos este ao outro anúncio de Modess analisado anteriormente encontraremos, em comum, as unhas longas e bem feitas de suas protagonistas e o uso do termo “aqueles dias” para se referir à menstruação. No restante eles se diferem, e muito. Aquele traz uma mulher preocupada em estar bem “naqueles dias”, pois precisa desempenhar uma série de funções: cuidar de seu bebê, cuidar dos afazeres domésticos, receber bem suas amigas e ser uma boa companhia para seu marido. O presente anúncio, por sua vez, exibe uma jovem preocupada em estar bem “naqueles dias”, pois quer aproveitar a vida, sentir-se segura, confiante, livre e confortável. O benefício é único e exclusivamente para ela, é um cuidar de si legítimo, e não um cuidado de si para o outro. É uma mulher com poder de escolha, e suas escolhas são para ela. A segunda publicidade, do pó compacto Bege Dourado da marca Angel Face, é ilustrada, primeiramente, pela foto de estojos do pó em três tonalidades diferentes. Logo abaixo há uma grande foto de uma mulher maquiada, lábios e unhas em tons de rosa, cabelos penteados; segurando um estojo de base. Ao lado estão três fotos menores exibindo as seguintes cenas, com a mesma mulher como protagonista: mulher dirigindo um carro levando, de carona, dois rapazes, ela aparenta estar compenetrada e eles interessados 265 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas no passeio; mulher, em pé, tocando violão e um homem atrás dela a observando de forma carinhosa; por último, a mesma mulher e um rapaz sentados, à beira mar, ela tomando algo utilizando um canudo e ele segurando seu copo e conversando com ela, rostos bem próximos. Como texto: “É a moderna maquilagem Bege Dourado de Angel Face para deixar ainda mais bonita sua carinha de anjo”. Este anúncio, ao contrário da publicidade dos absorventes Modess, onde fica clara a agência atribuída à jovem; é um tanto ambíguo, a começar pelas imagens. A foto maior poderia ilustrar qualquer anúncio dos anos 50 e início dos anos 60, uma vez que apresenta uma moça bonita, bem arrumada, maquiada, rosto angelical, aliás, em sintonia com o nome da marca. Já as outras cenas, especialmente as duas primeiras, mostram uma mulher, de fato, protagonista, o que não é nada comum nas propagandas exibidas pela Capricho, uma mulher “dirigindo” sua própria vida, destacando-se entre os homens não apenas por seu rostinho angelical, mas por suas atitudes. Talvez o jogo que o anúncio queira fazer esteja na expressão “carinha de anjo”: ela de fato tem uma carinha de anjo, mas é só a carinha. As fotos menores contradizem a maior, aquela que parecia ser uma moça prendada, na verdade é uma moça de atitude, que tem autonomia e que sabe fazer suas escolhas. Na verdade, esse anúncio traz cenas de sedução e romance, assim como muitos outros, entretanto, a forma de seduzir, adotada pela mulher, difere das adotadas na maioria dos anúncios. Aqui ela não seduz por ter apenas um rosto bonito, uma pele acetinada ou um perfume encantador, mas sim por demonstrar segurança, confiança e autenticidade. A ambigüidade presente neste anúncio parece nos lembrar que as mudanças acontecem de maneira lenta e gradual, valores antigos convivem com valores atuais, muitas vezes se reeditando, apresentando-se sob nova roupagem. Se esta convivência entre valores de diferentes épocas pode atravessar décadas, o que dizer de um período, como a passagem dos anos 50 para os anos 60, onde grandes transformações estão sendo gestadas e paridas? Esta miscelânea de valores, hábitos e costumes retrata as transformações culturais de uma época. Indicam, também, que estas mulheres sempre coexistiram e continuarão coexistindo indepen- 266 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais dente do momento, sem esquecer, certamente, das singularidades de cada época. Coexistência, esta, que marca a plasticidade, os diferentes tons e matizes que enriquecem e dão graça e movimento à história das mulheres. História esta cercada de improvisos, imprevistos, poesia e imagens tão diferentes e coloridas quanto as formadas por um caleidoscópio15. História que pôde ser acompanhada com o exercício realizado diante dos anúncios presentes nas páginas das edições da revista Capricho. Exercício que parece não ter fim: quanto mais se olha para os anúncios, quanto mais se escreve a respeito deles, mais aspectos saltam aos olhos. Imagino que isso seja “culpa” da polissemia presente nas imagens e nos textos, como bem discute Barthes16. A partir das discussões aqui tecidas, é possível perceber o quanto os anúncios estavam a serviço da manutenção e da construção de certos hábitos, atitudes e valores relacionados ao ideal de mulher apregoado na época. Isso é uma constatação importante, uma vez que através da entrevista que realizei com as três leitoras da revista Capricho pude perceber a força da publicidade, de suas imagens, de seus “chavões”. Ela atuou, certamente, como um significativo “lugar de memória” para minhas entrevistadas. Percebi, também, o quanto os anúncios fizeram parte da vida destas mulheres, participando da constituição de suas subjetividades, contribuindo na construção do que era esperado das mulheres que viveram entre as décadas de 1950 e 1960. Através de seus textos e suas imagens, as propagandas encantaram e envolveram mulheres, conquistando consumidoras que associam os produtos a experiências íntimas por elas vividas. Referências BARTHES, Roland. Rhétorique de l’image, In: Communications, No. 4, Paris: Seuil, 1964. CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2006. MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. De ‘moça prendada’ à ‘menina-super-poderosa’: um estudo sobre as concepções de adolescência, sexualidade e gênero na revista Capricho (1952 - 2004). Dissertação de Mestrado. UFSC: Pós-Graduação em Psicologia, 2005. 15 16 BARTHES, Roland. Rhétorique de l’image. In: Communications, No. 4, Paris: Seuil, 1964. 267 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”: publicidade, Cultura de Consumo e Comportamento Político no Brasil (1954-1964). São Paulo: HUCITEC, 1998. MELLO, João Manuel C. de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: NOVAIS, Fernando A. (org.) História da vida privada no Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 559-658. 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SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil. In: ______. (org.) Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. 268 A publicidade e seus corpos punidos. A reação da propaganda em oposição ao discurso publicitário da ditadura dos Corpos Ultramedidos. Selma Felerico Introdução O corpo que exorbita é o corpo espetacular das imagens mídias. Lucia Santaella O texto propõe uma reflexão sobre as transformações e significações do corpo na contemporaneidade – geradas pela desenfreada obsessão das mulheres em obter um corpo magro – e a reação da sociedade, com propagandas em oposição à ditadura da magreza. Trata-se de uma pesquisa de caráter teórico e sua aplicação a um corpus definido, baseada em diversos autores como: David Le Breton, Denise Bernuzzi Sant’Anna, Jean Baudrillard, Joana Novaes, Mirian Goldenberg, Michel Focault, Nizia Villaça, Tânia Hoff e Wilton Garcia, entre outros, no que se refere à compreensão do corpo e da mídia, bem como no entendimento de conceitos sobre beleza e bem estar. Para tal análise fez-se necessário um levantamento documental de anúncios publicitários que tem como tema central combater a anorexia e a bulemia feminina. Constata- se que a propaganda provoca a reação da sociedade por meio de movimentos prós e contras suas campanhas publicitárias. Noções sobre a sociedade terapêutica, da abundância e do consumo Meu corpo inventou a dor A fim de torná-la interna. Carlos Drumond de Andrade A significação da sua existência é uma decisão própria do indivíduo e não mais uma evidência cultural, afirma Le Breton (2007). O corpo é o símbolo principal de si mesmo. Portanto é necessário construí-lo com medidas extremas! “Seu proprietário, com olhos, fixos nele mesmo, cuida para torná-lo seu representante mais vantajoso. As con- 269 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas dições sociais e culturais dos indivíduos certamente matizam essa consideração” (LE BRETON, 2007, p. 31). Para o autor, o corpo representa a principal estrutura simbólica entre todas as outras, tornando-se uma escrita altamente reivindicada e fundamentada no imperativo de se transformar, de se modelar e de se colocar no mundo. “O corpo tornou-se um empreendimento a ser valorizado da melhor maneira possível à mercê de seus sentimentos estéticos. O selo do domínio é o paradigma da relação com o próprio corpo no contexto contemporâneo” (LE BRETON, 2007, p. 31-32). Para o indivíduo é essencial administrar seu corpo, como são gerenciados seus outros patrimônios, e dos quais a apresentação estética deste corpo se aproxima cada vez mais. Segundo Baudrillard (2005) o princípio da propriedade privada aplica-se também ao corpo, à prática social e a representação imagética que dele se tem ideia. As estruturas de produção e de comércio induzem o sujeito a uma dupla prática do seu próprio corpo: como capital e como fetiche (ou objeto de consumo). Em tal cenário, o papel reservado às indústrias da beleza é o de garantir a materialidade da tendência de comportamento que – como todo traço comportamental e/ou simbólico no mundo contemporâneo – só poderá existir, se contar com um universo de objetos e produtos consumíveis (Castro, 2003, p. 109). Em função disso, multiplicam-se as academias, os spas, os centros estéticos, as clínicas de embelezamento, os tratamentos fisioterápicos técnicas de ginástica, no alongamento, relaxamento e outras tantas novidades que não cessam de surgir. (SANTAELLA, 2004, p. 128). O corpo longe de ser negado ou omitido, necessita ser construído (tanto no sentido econômico como na concepção psíquica do termo) com muita determinação. A saudabilidade e a beleza, é que orientam a redescoberta e o consumo do corpo. A beleza tornou-se para a mulher um imperativo absoluto e religioso. Ser bela deixou de ser efeito da natureza e suplemento das qualidades morais. Constitui a qualidade fundamental e imperativa de todas as que cuidam do rosto e da linha como sua alma. Revela-se como signo de eleição ao nível do corpo – no industrial, é a intuição adequada de todas as vir- 270 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais tualidades do mercado. Signo, portanto, de eleição e salvação: a ética protestante não anda longe. A verdade é que a beleza constitui um imperativo tão absoluto pelo simples fato de ser uma forma do capital... A beleza reduz-se então a simples material de signos que se intercambiam. Funciona como valor/ signo. Pode, portanto, dizer-se que o imperativo da beleza é uma das modalidades do imperativo funcional – o que vale tanto para os objetos como para as mulheres (e os homens) – sendo que toda a mulher se tornou esteta homóloga do designer ou do estilista na empresa (BAUDRILLARD, 2005, p.140 - 141). Para Baumann, em Vida para consumo (2008), a “sociedade de consumidores”, promove e estimula a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial hiperconsumidora, que rejeita todas as outras opções culturais. A estética corporal é privilegiada como o maior bem de consumo. Ela não faz distinções entre idade, sexo ou classe social. Todos são condicionados a responder aos apelos publicitários, que apresentam soluções de praticidade, de sucesso e de felicidade. Os consumidores são bombardeados por mensagens e sugestões de que precisam se equipar com um ou mais produtos se quiserem alcançar a posição social desejada e manter a autoestima. Caso contrário, os indivíduos, de todas as idades e classes sociais irão sentir-se inadequados, deficientes e abaixo do padrão aceitável de beleza. “A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não-satisfação de seus membros (BAUMANN, 2008:64)”. E o consumo é a motivação que acelera o desenvolvimento da humanidade. Agora, a troca das mercadorias envolve a troca de imagens e de experiências corporais em um nível qualitativamente diferente em relação ao passado: tudo gira em redor do corpo (...) o próprio ato de troca pode ser descuidado para desenvolver e encorajar consumos e consumações voyeuristas (CANEVACCI ,2001, p. 239-240). O corpo, tão ovacionado na contemporaneidade, encontrou no consumo um estilo de vida saudável e hedonista, em uma sociedade terapêutica ( BAUDRILLARD, 2005, p.177-178), que se ocupa continuamente do corpo e que considera o indivíduo um paciente virtual, sendo necessário crer que o corpo está doente e que deve ser tratado com produtos e serviços ideais para a sua saúde. Os anunciantes se consideram os missionários do bem-estar e da prosperidade geral e 271 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas para eles, o consumidor tem necessidade de ser consolado. Alguém tem que zelar por ele. A publicidade tem como objetivo alimentar o mito desta sociedade doente, mais sob o ponto de visto funcional que orgânico. É com satisfação e otimismo que os produtos são apresentados com a tarefa de curar os corpos da sociedade. A ideologia de uma sociedade que se ocupa continuamente do indivíduo culmina na ideologia da sociedade que trata a pessoa como doente virtual. De fato, torna-se necessário acreditar que o grande corpo social se encontra muito doente e que os cidadãos consumidores são frágeis, sempre à beira do desfalecimento e do desequilíbrio para que em toda a parte, junto dos profissionais, nas revistas e nos moralistas analistas, se empregue o seguinte discurso “terapêutico (BAUDRILLARD, 2005, p. 177). Nessa sociedade adoentada, o indivíduo busca aprimorar seu desempenho, engolindo suplementos alimentares e consultando médicos de diversas especialidades, para remediar os seus hábitos de vida e gerar novas práticas de consumo. Urge reeducar a alimentação, reduzindo a ingestão de gorduras, sal, calorias, entre outros e ingerindo medicamentos anunciados, ironicamente, em nome da saúde. O corpo é o grande espetáculo que o homem pode apresentar a sociedade. ”Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação (DEBORD, 1967, p.13)”. O corpo-espetáculo, excessivamente exposto, é dilacerado em imagens que se confundem no imaginário coletivo. Assim como os produtos têm um ciclo de vida, os corpos também se mantêm por pouco tempo na mídia. “Há uma obsessão pela novidade: corpos aparecem e desaparecem. A banalização e o desgaste, decorrente da repetição da mesma informação, resultam em esquecimento” (HOFF, 2005). O embelezamento representa mais do que acabar com a feiúra, ele busca retardar o envelhecimento, a negação da morte. Numa tentativa de autovalorização, o mundo das aparências criado pelos sistemas da moda e da publicidade se apropria da permanência do objeto artístico, fazendo constante referência e buscando inspiração em obras de artes consagradas. No entanto, tais esforços não conseguem sobreviver ao imediatismo de uma sociedade que se rende aos fenômenos midiáticos. A necessidade de se expor em conformidade com os padrões corporais de momento, busca sua validação em representações de mitos televisivos e imagens que são efêmeras ao extremo, caracterizando 272 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais assim a obsolescência do corpo, que passa a estar em constante necessidade de atualização (BARATA, 2004, p. 392). A publicidade, a moda e seus corpos doentes A abstinência proporcionava a sensação de ser mestre, e não escravo, do corpo. Mary Del Piore O ineditismo disputa o mercado diariamente. Surgem novas estilos, velhas gerações se aposentam. Fazer parte de um grupo ou de uma tribo sem ser confundido, é condição primordial, principalmente em grandes centros urbanos. “É necessário conseguir marcar o traço da coletividade: grau de pertença que indica o lugar do enunciado. Diante disso, deve-se apurar a onda da moda (GARCIA, 2005:70).” Para Gontigo (2002), a construção de uma identidade social feminina registra e decodifica marcas sociais que se exprimem por meio de diferentes valores estéticos e incorporamA moda passou não só a ditar o que vestir, mas também que corpo exibir. Cada vez mais o discurso mercadológico da indústria da beleza ganha espaço na mídia. Não se encontra mais um físico típico da mulher local ao folhear uma revista ou zappear a televisão. Nota-se um padrão feminino de medidas ultramedidas, decodificados em cabelos, roupas e acessórios, que se confundem mundialmente. A partir do século XXI, com a aceleração do processo de globalização, as mercadorias de diversos países passaram a ser trocadas facilmente, surgindo assim necessidade de criar um corpo único, livre de formas étnicas, valores culturais e normas sociais que formem o padrão de beleza de cada país, ou de cada cultura. O tema corpo na sociedade atual mistura-se ao universo do consumo e movimenta o mercado, propiciando a venda de inúmeros produtos. Surgem novos corpos continuamente. Esta multiplicidade de representações na publicidade sugere que: o imaginário do corpo brasileiro se transforma, nos vários períodos da sociedade, significações ganham re-significações, mas não são eliminadas e a linguagem da propaganda brasileira revela as representações do imaginário do corpo feminino, retrata a identidade cultural da sociedade e reconta a nossa história. Privilegia-se a aparência como um fator fundamental para o reconhecimento social do indivíduo. 273 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas De fato, a prevalência da aparência é, de um lado, uma realidade (um conjunto de realidades) suficientemente verificada para que seja levada a sério. E, de outro lado, uma constante antropológica que se encontra em lugares e tempos diversos. Isso também é preciso lembrar. A teatralidade (espetacularização) dos corpos que se observa hoje em dia é apenas a modulação dessa conduta: a forma esgota-se no ato, é uma eflorescência, basta-se a si mesma. Inúmeros são os domínios onde isso é observável. Nos que fazem disto profissão, com certeza: da moda à publicidade, passando pelas diversas imagens midiáticas (MAFFESOLI, 1996, p.155). Cada indivíduo é reconhecido por seu sucesso corporal e considerado responsável (ou culpado) por sua juventude, beleza e saúde: só é feio quem envelhece e não se cuida. Todos devem descobrir em si mesmo a sua imagem atraente. As suas imperfeições devem ser tratadas e corrigidas. “O corpo torna-se capital, cercado de enormes investimentos (de tempo, dinheiro, entre outros). O corpo “em forma” se apresenta como um sucesso pessoal, ao qual qualquer homem ou mulher deve aspirar “ (GOLDENBERG E RAMOS, 2002, p. 9). Para a autora tornou-se o “corpo-capital”. E constata que atrizes e modelos adquiriram status de celebridade, na última década. ... mulheres adquiriram status de celebridade na última década e passaram a ter uma carreira invejada (e desejada) pelas adolescentes brasileiras. Ganharam um “nome”, a partir de seu capital físico. O corpo, no Brasil contemporâneo, é um capital, uma riqueza, talvez a mais desejada pelos indivíduos das camadas médias urbanas e também das camadas mais pobres, que percebem seu corpo como importante veículo de ascensão social. É fácil perceber que a associação “corpo e prestígio” se tornou um elemento fundamental da cultura brasileira (GOLDENBERG, 2007, p.12 e 13). Os meios de comunicação sempre colaboraram com essa preocupação corporal identitária, e de acordo Sant’anna (2005), durante décadas até os anos 50, muitos conselhos estéticos foram criados por homens. Em sua maioria, médicos e escritores moralistas, para quem a aparência feminina deveria revelar uma alma pura, condição ideal para manter o corpo limpo, belo e fecundo. Para a autora, as décadas de 50 e de 60 representaram um período de transformações aceleradas na história do embelezamento brasileiro, com a 274 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais ampliação do mercado de produtos industrializados ligados à higiene e aos cuidados pessoais, iniciando uma verdadeira batalha, uma luta pessoal contra a feiura. Clarice Lispector, com o pseudônimo de Helen Palmer, também, foi uma mentora feminina e no dia 14 de setembro de 1959 publicou no Correio da Manhã: Viver mais... E ser mais jovem. Mas você pode conservar-se jovem, por muitos e muitos anos. A mocidade é uma atitude positiva. Não é fugindo da velhice, tentando fingir que não a sente nem a conhece, que a evitamos. Mas enfrentando-a com as armas da inteligência e do bom tempo. Como? Agindo assim: – Não cultive lembranças desagradáveis. Não se abandone à inatividade, ausente de vida e seus problemas. _Cuide de sua alimentação, que ela seja rica em proteínas, racional, excluindo dela, o mais possível, as gorduras, o álcool, os alimentos que provocam prisão de ventre e engrossamento de sangue. – Apresente-se fisicamente bela, dentro das condições de mulher vivida e não se ridicularizando fantasiada de jovem de vinte anos. – Cultive o bom humor e a alegria de viver. (LISPECTOR apud NUNES, 2008, p. 61). As revistas femininas têm papel fundamental na vigilância e na reconstrução do corpo da mulher, privilegiando o controle corporal em diversas publicações, com títulos imperativos formados por frases em que dieta, controle de peso, sacrifício e fome são palavras comuns nas capas, como por exemplo: “Atire a primeira balança quem nunca passou por esta situação. Dez entre Dez mulheres perdem o sono por causa do peso (Boa Forma, edição nº 390, março/06)”; “Em vez de brigar com a genética, invista nas áreas sobre as quais tem poder de transformação” (Nova, edição nº 395, agosto/06); “É pecado ser bonita? Cuidado com os mitos que levam à autosabotagem. Você alimenta algum deles?” (Nova, edição 405, junho/07). Já a Boa Forma tem uma sessão permanente, denominada “Eu consegui”, que mensalmente traz matérias como: “Emagreci devagar, mas aprendi a comer direito” (edição nº 254, julho/08); “Abandonei a junk food e emagreci” (edição nº 253, junho/08); “Emagreci com a Dieta do K” (edição nº252, maio/08); “Controlei o efeito sanfona com a ajuda de uma nutricionista” (edição nº 251, abril/08); “Fiz dieta trabalhando em restaurante” (edição nº 250, março/2008); “A vontade de usar piercing 275 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas me fez emagrecer” (edição nº 249, fevereiro/08); Controlei a compulsão alimentar com atividade física” (edição nº 247, dezembro/2007); “O spinning me ajudou a secar 15 quilos” (edição nº244, setembro/2007); “Um biquíni novo me ajudou a emagrecer” (edição nº242, julho/ 2007); “Só emagreci depois que me chamaram de gorda” (edição nº 240, abril/07); “Troquei o chocolate pelo prazer de usar p.” (edição nº 237, janeiro/07). São manchetes que estabelecem a disciplinarização corporal em nome da beleza e que esta seja uma obrigação para as mulheres. Deve-se lembrar que a privação alimentar é a punição mais conhecida para que o físico se aproxime da alma, considerada a salvação do homem, segundo a historiadora Mary Del Priore (2006), desde a Idade Média. Havia os que jejuavam à base de pão e água – em alguns casos passavam dias somente bebendo água; os que ingeriam líquidos fétidos e os que engoliam somente as hóstias consagradas. A abstinência proporcionava a sensação de ser mestre, e não escravo, do corpo. No século XXI, uma forma de privação tornou-se conhecida na mídia e tem presença cativa no mundo da moda: a anorexia. “Ela é observada como um modo de expressão da dor, com sua linguagem própria e gramática corporal recém-percebida pelos médicos” (DEL PRIORE, 2006, p. 13). As dietas e a magreza começaram a ser preocupações femininas quando as mulheres ocidentais receberam o direito do voto em torno de 1920, entre 1918 e 1925, a rapidez com a qual a nova forma linear substituiu a forma mais cheia de curvas é surpreendente. Na regressão dos anos 50, por pouco tempo as formas cheias naturais à mulher puderam ser apreciadas mais uma vez, porque as mentes dessas mulheres estavam ocupadas na reclusão doméstica. No entanto, quando as mulheres invadiram em massa as esferas masculinas, esse prazer teve de ser sufocado por um dispositivo urgente social que transformaria os corpos nas prisões que seus lares já não eram mais. (WOLF, 1992, p. 244). Além da mídia, a moda também fez dos corpos magérrimos o ideal do imaginário feminino e somente no século XXI passou a dar mais atenção à anorexia nervosa, problema que há muito rondava as passarelas. “O aumento significativo do número de pacientes com Anorexia Nervosa nas últimas décadas leva a pensar numa verdadeira “epidemia” do transtorno alimentar” (WEINBERG; CORDÁS, 2006, p. 17). 276 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Gordon et Al. (1989) dão especial atenção ao relacionamento entre os pais e a anorexia dos filhos ou mais especialmente, das filhas. Acreditam que além da pressão pela magreza, das questões da puberdade e da adolescência, o fator mais importante, com consequências corrosivas para a menina, seria o modo como os pais se comportam frente aos papeis masculino e feminino, particularmente em como o papel da mulher é manifestado nesse relacionamento... Os autores sugerem padrões de perfeccionismo e autosacrifício da mãe, combinado com uma postura paterna de indiferença, que faz com que a maturidade sexual se transforme em algo particularmente ameaçador, especialmente nas meninas. Sob uma solicitude e deferência aos outros, particularmente ao seu mando, é possível perceber na mãe uma impaciência e ressentimento que não são expressados. Frequentemente esta mulher é casada com um homem que é incapaz de receber. Este mando mostra sua desconfiança pelas mulheres desvalorizadas e exigindo deferência e lealdade inquestionáveis de sua esposa e filhos. No entanto, a intensa lealdade dessa mãe e filho, assim como a ênfase familiar na fachada de harmonia e solidariedade, impede que essa menina questione abertamente o comportamento da mãe, assim como a identificação com sua mãe impede que ela questione o comportamento do pai. (WEINBERG; CORDAS, 2006, p. 92). Sant’anna (2005) questiona se amamos ou aceitamos os obesos, pois assistimos hoje a um discurso que pouco privilegia as grandes silhuetas. Segundo a autora, em algumas culturas a magreza torna-se próxima do antigo imaginário da higienização e da pureza, constituído pela obsessão diante da transparência e o repúdio à acumulação, um fascínio pela superficialidade e a praticidade. “Nelas, o corpo magro evoca uma economia de tempo para quem o aprecia: olha-se mais rápido um magro do que um gordo, diria um desses padres ou cientistas fascinados por higiene” (SANT’ANNA, 2005, p. 23). No Brasil, essa preocupação estabeleceu-se também. De acordo com uma pesquisa nacional (2010), as jovens magras preferem perder mais peso para conquistar um corpo considerado ideal. Foram aplicados 2.442 questionários, por estudiosos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), junto a estudantes de 37 universidades do país. Além de constatar que 64,2% das jovens estão insatisfeitas com a aparência, o estudou mostrou que o padrão almejado não é o saudável e sim o magro. 277 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Quando as pessoas falam que eu estou muito magra, eu considero um incentivo para tentar emagrecer ainda mais”, confirma a estatística a estudante de São Paulo, Livia Riboldi Silva, 23 anos, 1,69 de altura e 51 quilos, índice já considerado “muito magro” para a altura. “Controlo alimentação, faço exercício físico e acho que vou morrer fazendo dieta. No fundo, todo mundo é assim,” diz a jovem que agora não quer “secar” mais, porém, sempre passa longe do bolo de chocolate1. Os resultados do padrão comportamental revelam que a situação não é nada confortável para a saúde das mulheres brasileiras. Entre as pesquisadas, 26% têm comportamento de risco para o transtorno alimentar, que inclui fazer dietas quando o peso é proporcional à estatura, fazer críticas constantes a alguma parte do corpo e diminuição gradativa das atividades sociais. “Reunimos várias outras pesquisas também feitas com universitárias de outras partes do mundo, e o maior índice de comportamento de risco que encontramos foi no Paquistão e nos Estados Unidos. Em ambos, a taxa foi de 20%”, completa a especialista – Marle Alvarenga, nutricionista da USP2. A obsessão com o corpo ultrapassa o limite da vaidade e tem forte impacto nas práticas sociais e na saúde do país. As jovens podem deixar de frequentar praias, piscinas, festas, locais com outras pessoas e até fazer exercícios com medo da exposição. Elas podem até limitar a vida sexual, ficar anêmicas e desenvolver problemas de saúde, completa Marle Alvarenga 3 Deve-se reconhecer que alguns movimentos em favor da saúde das mulheres têm ocorrido, mas ainda ocupam um pequeno espaço no calendário do mundo fashion. Em setembro de 2007, cinco modelos tiveram suas participações vetadas em Madri, por causa do peso. Elas Depoimento de uma estudante na pesquisa citada. Disponível em:<http://www.tvcanal13. com.br/ noticias/universitarias-preferem-corpo-muito-magro-a-saudavel-106373.asp>. Acesso em: 20 de junho de 2010. 1 2 Uma das autoras da pesquisa. Disponível em: <http://www.tvcanal13.com.br/noticias/universitarias-preferem-corpo-muito-magro-a-saudavel-106373.asp>. Acesso em: 20 de junho de 2010. 3 Disponível em: <http://www.tvcanal13.com.br/noticias/universitarias-preferem-corpo-muito-magro-a-saudavel-106373.asp>. Acesso em: 20de junho de 2010. 278 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais tinham um Índice de Massa Corpórea (IMC)4 inferior a 18, sendo que o ideal equivale a cinquenta e seis quilos para 1,75 cm de altura. Já na Inglaterra, as modelos devem apresentar um atestado médico para comprovar que não sofrem de distúrbios alimentares, segundo uma recomendação do Conselho de Moda Britânico. No entanto, o relatório do Inquérito sobre a Saúde das Modelos, iniciado em março de 2007, não chega a recomendar a proibição das chamadas modelos tamanho zero (o equivalente ao tamanho 32 para adulto no Brasil) nas passarelas. Durante a Semana da Moda, em Milão, em setembro de 2007, uma campanha publicitária italiana, criada pelo fotógrafo Oliviero Toscani – conhecido por suas propagandas polêmicas para a marca Benetton nos anos 80 e 90, com imagens marcantes e inquietantes, abordando temas como Aids, guerra e racismo, entre outros – chocou modelos e estilistas europeus. Nas ruas, um outdoor estampava uma modelo nua, pesando apenas 31 quilos, com o título “Não Anorexia”. Segundo Toscani (2007), a campanha foi um marco na publicidade da moda européia, poucos anunciantes têm a coragem de fazer uma mensagem tão agressiva. Para o fotógrafo, pode-se fazer algo interessante e tirar vantagens econômicas ao mesmo tempo. A publicidade contou com o aval do Ministério da Saúde, pois cerca de dois milhões de italianos sofrem de anorexia e bulemia. Porém, após uma semana de veiculação nas ruas, o outdoor foi retirado, com o argumento de que a imagem agredia sociedade. O principal jornal da Itália – Corriere Della Sera – se recusou a publicar a foto. Na França, os outdoors foram vetados. A justificativa era de que a imagem era imoral. A magérrima modelo do outdoor lembra um corpo cavernoso: “Como metáfora do corpo, a caverna grotesca tende a se parecer (e, no sentido metafórico mais grosseiro, identificar) com o corpo feminino anatomicamente cavernoso” (RUSSO, 2000, p.13). Em 2006, o governo italiano, a Federação da Moda italiana e a Associação Alta Moda - que reúne os estilistas italianos que apresentam suas coleções em Roma e Milão - adotaram o chamado “Manifesto antianorexia”, a fim de impor um modelo de beleza saudável, 4 O Índice de Massa Corporal (IMC) é uma fórmula que indica se um adulto está acima do peso, se está obeso ou abaixo do peso considerado saudável. A fórmula para calcular o índice é: IMC = peso/ (altura)2, sendo considerado pela Organização Mundial da Saúde o limite mínimo de peso 18; peso normal, entre 18,5 e 25; acima do peso: 25 e 30; e obeso acima de 30. 279 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas generoso e mediterrâneo, que proíbe contratar modelos menores de 16 anos, estabelecendo ainda que as candidatas apresentem certificados médicos sobre a não existência de problemas alimentares. Outras mensagens dessa natureza foram feitas no século XXI e merecem ser citadas nesse trabalho, como uma campanha sueca de 2006, idealizada pela Organização contra Anorexia e Bulimia da Suécia, ao mostrar de uma forma realista o problema da anorexia. Serve também de alerta para quem sofre da doença, mas ainda não buscou tratamento. O filme publicitário, exibido na MTV sueca, traz o depoimento trágico de uma modelo anoréxica, olhando-se no espelho e se vendo cada vez mais gorda. A garota realmente sofre de anorexia e sua participação no vídeo fez parte da sua terapia para a recuperação. Mais uma vez, a imagem sinaliza um corpo grotesco e cavernoso, metaforicamente resignificado em um esqueleto. Ele encontra-se a mercê do Outro do espelho que, de forma imperativa, revela à modelo uma jovem gorda, fértil e provedora, que não mais representa a feminilidade da mulher. A anatomia aqui tem um valor de destino... Apenas sua presença já gera um incômodo, uma desordem na situação das interações sociais mais comuns. O emaranhamento fluido da palavra e do corpo, da distância e do contato com o Outro depara com a opacidade real ou imaginária do corpo e suscita um questionamento angustiado sobre o que convém ou não fazer. (LE BRETON, 2007, p. 87). Há também um anúncio tcheco, veiculado em 2007, intitulado Perfect girl. Treat with Caution, low durability – “Garota perfeita. Trate com cuidado, curta durabilidade” – que tem como imagem a figura da boneca Barbie magérrima, com uma aparência de anoréxica dentro de um esquife rosa. Essa boneca foi chamada de Anabell, dando nome a uma organização tcheca de apoio às pessoas com distúrbios alimentares, como bulimia – doença em que a pessoa força o vômito após as refeições – e anorexia – quando o indivíduo deixa de comer por achar-se obeso. A Perfect Girl reproduz as consequências de se adotar os padrões estéticos de magreza extrema. Sem glamour, a boneca simboliza a expulsão da beleza do corpo feminino. A fome hoje é um texto de cultura a ser aprendido pela fêmea desde cedo. 280 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Criadas para competir, desde as suas recordações da mais tenra infância, elas associarão a feminilidade com a privação. A fome já está sendo erotizada para as meninas de hoje como uma porta para a sexualidade adulta. (WOLF, 1992, p. 286). Em janeiro de 2009, com o objetivo de divulgar o trabalho de apoio e tratamento para mulheres que sofrem de bulimia, foi criada uma peça publicitária para banheiros femininos de bares, universidades e colégios na Alemanha. A ideia é alertar as jovens, que provocam o vômito para manter a forma, que a bulimia tem cura. Foram colocados adesivos estilizados, em forma de vômito rosa, divulgando a ProMaedchen de Dusseldorf5. “A anorexia, a bulimia e as fixações na ginástica descarregam e amortecem a frustração da claustrofobia que acompanha a triste conscientização pela garota de que o mundo não é como ela imaginara e o que ela acabara de herdar está fechado” (WOLF, 1992, p. 87). Para concluir essa série de campanhas contra a anorexia, a Magersucht6 – ONG alemã – enviou para grandes nomes do mundo fashion um cinto rosa, com quatro furos sinalizando as estações: primavera, verão, outono e inverno. O penúltimo furo, em forma de cruz, é uma alusão à magreza exagerada promovida pela indústria da moda. Também consta um folheto explicando como a moda pode influenciar no aparecimento de doenças como a bulimia e a anorexia. A ideia não foi bem recebida pelas celebridades, mas ganhou grande repercussão na mídia alemã. O valor da informação saudável tornou-se um poder contraditório sobre o corpo. Segundo Weinberg e Cordás (2006), a divulgação de doenças relacionadas com os transtornos alimentares pode ter efeitos diversos. E tais transtornos parecem ter invadido as camadas economicamente mais desfavorecidas da população. “Os dados mostram que, pelo menos no Brasil, cresce o número de pacientes com transtornos alimentares entre a população de baixa renda, inclusive entre meninas das classes elevadas” (GONZAGA; WEINBERG, 2005 apud WEINBERG; CORDÁS, 2006, 102). É um programa voluntário, sem fins lucrativos, na Alemanha, com o intuito de incentivar a autoajuda para adolescentes e mulheres. Disponível em: <http://www.promaedchen.de/>. Acesso em: 20 de maio de 2009. 5 Associação com um projeto voluntário de incentivo à autoajuda para pacientes e seus familiares, fornecendo informação sobre transtornos alimentares. Disponível em: <http://www. magersucht.de>. Acesso em: 22 de abril de 2009. 6 281 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Em 1997, Carter, avaliando um programa de prevenção em transtornos alimentares aplicados em escolas, cujo objetivo era a redução da restrição alimentar, concluíram que o programa apresentou resultados surpreendentes. Inicialmente constatou-se não só um aumento no conhecimento do transtorno, como também uma diminuição dos comportamentos dietéticos. No entanto, esses efeitos tiveram curta duração, uma vez que no acompanhamento efetuado seis meses depois foi detectado um aumento na restrição alimentar, se comparado com os dados de base. Esses achados sugerem que a intervenção foi contraproducente, já que levou a um aumento na restrição alimentar. Isto significa, segundo os autores, que programas de prevenção nas escolas podem causar mais danos do que benefícios. O resultado obtido foi exatamente o oposto do que esperavam conseguir e é causa de preocupação, dado que dieta entre meninas adolescentes aparentemente aumenta o risco do desenvolvimento de um transtorno alimentar. (WEINBERG; CORDAS, 2006, p. 103). Enfim, são mensagens que merecem um olhar atento da sociedade. “Impotentes para suportar as faltas, os sujeitos caem no desespero, na tristeza ou se entregam às compulsões. O tempo é o da urgência, e a única saída é “emagrecer rapidamente” – a espera virou sinônimo de desespero” (NOVAES, 2006, p. 61). Concluindo os corpos em oposição Meu corpo apaga a lembrança Que eu tinha de minha mente. Carlos Drumond de Andrade A linguagem da propaganda brasileira revela as representações do corpo no imaginário feminino, retrata a identidade cultural da sociedade e reconta a nossa história. Muitas vezes ela constrói o corpo padrão a ser seguido pelas mulheres e pensado nessa ditadura imposta ao corpo. Os padrões de beleza são tão imperiosamente obedecidos que, por mais que variem as mulheres fotografadas, nas imagens, todos os corpos se parecem. O que se apresenta aí é o corpo homogeneizado como lugar de produção de signos: o mesmo olhar sob o mesmo tipo de maquiagem, os mesmos lábios enxertados como manda o ideal de sensualidade do momento, o mesmo tamanho de sorriso, as mesmas poses, a 282 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais onipresença da quase nudez, a nudez sem estar na nua, somo se estivesse. (SANTAELLA, 2004, p. 129) O imaginário do corpo brasileiro se transforma, aparecem significações e novas práticas culturais. São textos que tem no corpo signos representativos da cultura contemporânea. As imagens dos corpos imaculadamente lisos e sem defeitos interpela-nos pelos quatro cantos: nas capas de revistas e seus interiores, nos outdoors, nos programas televisivos e suas publicidades que os acompanham, nas telas do cinema, enfim, são corpos que nos espreitam para saltar diante do nosso olhar em todos os lugares. É tal a força subliminar dessas imagens que, mesmo quando se tem consciência do poder que elas exercem sobre o desejo, não se está livre de sua influência inconsciente. A mídia adquiriu um imenso poder de influência sobre os indivíduos, massificou a paixão pela moda e tornou a aparência uma dimensão essencial na sociedade do espetáculo. Para muitos especialistas, a mídia pode ser considerada uma vilã. Mas é preciso reconhecer que a mídia também é a principal responsável pela exposição dos problemas relacionados a manter uma vida saudável e bem como os transtornos alimentares para toda a sociedade, inclusive em camadas de níveis socioeconômicos mais baixos. Deve ser reafirmada a hipótese levantada no inicio deste projeto: a propaganda provoca a reação da sociedade por meio de movimentos prós e contras suas campanhas publicitárias. Entre os cobiçados modelos exibidos e o corpo vivo – corpo sujeito à fadiga, ao suor, ao cheiro, aos entreveros do cotidiano, à dor, aos circuitos incompreensíveis das pulsões, aos solavancos das paixões e à opacidade do desejo – abre-se um fosso do qual emerge o corpo como sintoma da cultura. (SANTAELLA, 2004, P. 131). Referências BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 2005. BAUMANN, Zygmunt. Vidas para consumo. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2008. CAMARGO, Francisco C; HOFF, Tânia M. C. Erotismo e mídia. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2002. 283 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas CANEVACCI, Massimo. Antroplogia da comunicação visual. Tradução de Alba Olmi. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. DÉBORD, Guy.A Sociedade do Espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Tradução Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DEL PRIORE. Do Altar às Passarelas. In: WEINBERG, Cybelle; CORDÁS Táki (orgs.). Da anorexia santa à anorexia nervosa. São Paulo: Annablume, 2006. GARCIA, Wilton. Corpo, Mídia e Representação. Estudos Contemporâneos. São Paulo: Thomson, 2005. GOLDENBERG, Mirian (org.) Nu e Vestido. Dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. São Paulo: Record, 2002. GOLDENBERG, Miriam (org.) O corpo como capital. Estudos sobre o Genero, sexualidade e moda na cultura brasileira. São Paulo. Estação das Letras, 2007. GONTIJO, Fabiano. Carioquice ou carioquidade. 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São Paulo: Annablume, 2006. 284 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Wegbrafia Pesquisa da USP e UNESP sobre universitárias e suas preferências por corpos magros. Disponível em: <http://www.tvcanal13.com.br/noticias/universitarias-preferem-corpo-muito-magro-a-saudavel-106373. asp>. Acesso em: 20 de julho de 2009. Programa alemão com o intuito de incentivar a autoajuda para adolescentes e mulheres. Disponível em: <http://www.promaedchen.de/>. Acesso em: 20 de maio de 2009. ssociação com um projeto voluntário de incentivo à autoajuda para pacientes e seus familiares, fornecendo informação sobre transtornos alimentares. Disponível em: <http://www.magersucht.de>. Acesso em: 22 de abril de 2009. Dados sobre consumo de moderadores de apetite. Disponível em: <http:// www.euromonitor.com/cosméticos>. Acesso em: 20 de janeiro de 2010. Dexflenfluramina: Disponível em: <http://www.virtualpsy.locaweb.com. br/índex>. Acesso em: 29 de julho de 2010. Seratonina: Disponível em: http://www.portaleducacao.com.br/farmacia/artigos/318/serotonina. Acesso em: 29 de julho de 2010. Fenfluramina: Disponível em: <http://www.portaleducacao.com.br/ farmacia/artigos/318/fenfluramina>. Acesso em: 29 de julho de 2010. 285 Semiótica da Cultura no Varejo de Supermercado de Rede Desire Blum Menezes Torres Resumo Com a chegada do autosserviço, promoveu-se uma ruptura na comunicação interpessoal e o momento de ir às compras condicionou as pessoas ao encontro não com o outro, mas com as mercadorias. O presente artigo tem o objetivo de analisar aspectos da semiótica da cultura, com base na mestiçagem cultural, nos supermercados de rede nacional e estrangeira, tendo como foco a comunicação destinada ao público consumidor. A metodologia deste trabalho se baseia em um estudo exploratório. A característica da investigação para o conhecimento da realidade refere-se a um estudo qualitativo, direcionado a demonstrar e interpretar o objetivo proposto. Os métodos de análise consistem na observação empírica e no registro fotográfico, tendo como base os autores Latour, Canevacci, Ferrara e Rennó, que conduzem a análise da cultura urbana sob o ponto de vista da observação da imagem. A linguagem do supermercado de rede prioriza o contexto econômico e exclui o fator social, a memória do espaço, o entorno urbano e as relações sociais de troca, caracterizando-se como um Não-lugar. Palavras-chave: comunicação; supermercados de rede; semiótica da cultura; mestiçagem cultural. Fronteiras Mestiças Segundo Lotman (1996, p. 26) “La frontera del espacio semiótico no es un concepto artificial, sino una importantíssima posición funcional y estructural que determina la esencia del mecanismo semiótico”. Funcionalmente, a fronteira define-se como “[...] un mecanismo bilingüe que traduce los mensajes externos al lenguaje interno de la semiosfera y a la inversa.” (ibid., 1996, p. 26). Nos centros urbanos, há limites que consistem em demarcações entre as fronteiras e os espaços, presentes, internamente, na 287 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas divisão em bairros e, externamente, na separação entre as cidades próximas. Vemos, assim, que paralelamente aos limites há encontros e, conseqüentemente, mesclas que dão origem aos traços mestiços da população. Laplantine e Nouss (s/d, p. 82) comentam sobre a abrangência e a complexidade na conceituação da mestiçagem: mestiçagem, que não é substância, nem essência, nem conteúdo, nem sequer a forma que contém, não é, pois, em rigor, “alguma coisa”. Ela só existe enquanto exterioridade ou alteridade, ou seja, de um outro modo, e nunca no estado puro, intacto ou equivalente ao que fora anteriormente. Mas, não sendo identidade, também não é alteridade, antes identidade e alteridade combinadas, intricada inclusive no que recusa a mistura e procura torna-se distinto. Dito de outra forma, a mestiçagem não possui nada de certeza do sentido nem do desespero do não-sentido. É o sentido e o não-sentido entrelaçados. O termo mestiçagem, segundo Gruzinski (2001, p.62), condiz com “[...] as misturas que ocorrem em solo americano no século XVI entre seres humanos, imaginários e formas de vida, vindos de quatro continentes – América, Europa, África e Ásia”. Esse autor comenta como esses encontros e mesclas surgem e promovem novos formatos sociais, bem como suas interações com a cultura local. Dessas novas interações apontadas por Gruzinski (2001), Pinheiro (1994, p. 46) destaca o aspecto intrínseco alojado nos processos mentais nas civilizações presentes na América Latina, “[...] pois nosso sistema neurossensorial é o lugar motriz do entrecruzamento das suas contribuições, nos cinco sentidos e em todo o cérebro e corpo.” Por isso, qualquer linguagem executada nesse território (comércio, gastronomia, arte, vestuário, arquitetura, paisagismo etc.) não resulta de uma formação individual, e sim de composições de fatores convergentes e eliminatórios, e também das particularidades de cada indivíduo. Visto que um determinado contexto cultural ou a cultura de um indivíduo resultam de “[...] combinações infinitas que podem ser produzidas fora de nós, mas também em nós.” (LAPLANTINE; NOUS, s/d, p. 76) Segundo Gruzinski (2001, p. 44), a mestiçagem na cultura tem encontrado estrutura na sociologia “[...] sensibilizada pela mistura dos modos de vida e imaginários [...]”. Pois, as mesclas que surgem destes encontros, com o transpassar entre as fronteiras, promovem o 288 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais surgimento de uma nova linguagem, uma nova configuração. “Os elementos opostos das culturas em contato tendem a se excluir mutuamente, eles se enfrentam e se opõem uns aos outros; mas, ao mesmo tempo, tendem a se interpenetrar, a se conjugar e a se identificar”. (GRUZINSKI, 2001, p. 45). Gruzinski (2001, p. 320) sustenta que a mestiçagem não é um estado excepcional das interculturas, promovendo o caos, mas, sim, que é uma condição constante de tais relações. “As mestiçagens nunca são uma panacéia; elas expressam combates jamais ganhos e sempre recompensados.” O sistema urbano é semelhante à mestiçagem, com mesclas culturais de várias origens, promovendo nesse ambiente um vasto território de linguagens. Nesse vasto território, Barbero (2004, p. 20) aponta aspectos da complexidade na mestiçagem cultural utilizando recursos de linguagem e cartográficos (crônicas e mapas), descreve fronteiras existentes, transponíveis, que se fundem e forma novas linguagens: “[...] as demarcações entre mapa e crônica não estão claras e existe um especial sabor que resulta dessa mistura [...]”. Vemos, por esse enfoque, que o termo “mestiço” pode ser utilizado para traduzir as cidades. Ao transitar pela cidade é possível perceber mesclas heterogêneas formadas nos encontros desses elementos, que se juntaram na formação de outro elemento – uma nova linguagem, constituída de aspectos diversos e possíveis de serem lidos. Certeau (2005, p. 176), que também faz uso de mapas, explica os processos de caminhar na cidade: “[...] reportar-se em mapas urbanos de maneira a transcrever-lhes os traços (aqui densos, ali mais leves) e as trajetórias (passando por aqui e não por lá).” Lotman (1996) comenta o aspecto da tradução de um ambiente que pertence à semiosfera: “[...] todos los mecanismos de traducción que están al servicio de los contactos externos pertenecen a la estructura de la frontera de la semiosfera. La frontera general de la semiosfera se interseca con las fronteras de los espacios culturales particulares”. E que a penetração do externo no interno exige “filtros adaptativos“: [...] la penetración de lo externo en lo interno, a filtrarlo y elaborarlo adaptativamente” (p. 26). A cultura pelo caráter territorial é a proposta para a tradução do externo-interno apresentada por Lotman, e a fronteira adquire, nesses contextos, 289 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas sentidos espaciais elementares, principalmente em regiões de acentuada diversidade cultural e formações de domínio, como nas cidades e no comércio de supermercados de rede. Com base em Barbero (2004, p. 110), a cultura é a forma de compreender as linguagens existentes. Para esse autor “[...] um novo modelo de análise que coloca a cultura como mediação, social e teórica, da comunicação com o popular, que faz do espaço cultural o eixo desde o qual encontrar dimensões inéditas do conflito e vislumbrar novos objetos a pesquisar”. Barbero exemplifica a música como uma forma de compreender a América Latina, constituída pela fusão da música andina com a negra, mantendo características de ambas – produzida, assim, por mestiçagem e não por abandono. Laplantine e Nouss (s/d, p.25) comentam também sobre a característica intrínseca das civilizações da América Latina, a mestiçagem: As sociedades da América Latina, longe de serem animadas por uma lógica de ruptura e de pureza hostil à miscigenação, constituem-se como prolongamento do Velho Continente e vão criar sociedades de transição, aquilo a que poderíamos chamar espaços intermediários entre os Índios, os Negros e os Europeus. No espaço social o bairro carrega vários agrupamentos de linguagens e expressões culturais, “[...] território de lançamento da resistência e da criatividade cultural.” (BARBERO, 2004, p. 146). O bairro tem, então, a função de “mediador” entre a esfera privada da casa e a pública da cidade, “[...] proporcionando algumas referências básicas para a construção de um “nós”, de uma “socialidade” mais ampla que a familiar e mais densa e estável que a imposta pela sociedade” (p.147). Já as cidades são constituídas pela junção de pessoas em um determinado território, e as suas divisões ou “fronteiras” por bairros vão sendo concebidas conforme seu crescimento habitacional, industrial e comercial. Uma das formas de entender a cidade, segundo Delgado (2007, p. 12) é a descrição de um espaço urbano que: “[...] genera y donde se genera la vida urbana como experiencia masiva de la dislocación y del extrañamiento, en el doble sentido del desconocimiento mutuo y de los resortes siempre activados de la perplejidad y la estupefacción.” A proliferação de emaranhados de relações citados por Delgado (2007, p. 12) é formada pelos “[...] usos, componendas, impostacio- 290 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais nes, rectificaciones y adecuaciones mutuas que van emergiendo a cada momento, un agrupamiento polimorfo e inquieto de cuerpos humanos [...]”. Um aspecto que sinaliza a complexidade existente nos espaços urbanos é a perenidade na formação dos grupos e o outro é o distanciamento nas relações nas quais estão embutidos os significados de poder. Ahí se mantiene una interacción siempre superficial, pero que en cualquier momento puede conocer desarrolos inéditos. Espacio también en que os indivíduos y los grupos definen y estructuran sus relaciones con el poder, para someterse a él, pero también para insubordinársele o para ignorarlo. (DELGADO, 2007, p. 15) Os intercâmbios entre os participantes e os ambientes dão origem a novos textos, sendo possível que ”[...] no sólo relaciones de semejanza, sino también determinada diferencia” (LOTMAN, 1996, p. 32). Ou seja, a reunião de fatores promove diferentes diálogos, formados tanto da heterogeneidade como da homogeneidade de elementos. Os intercruzamentos entre as igualdades e as diferenças são componentes para a criação de novas estruturas. O diálogo, segundo Lotman (1996, p. 42) é o “[...] fundamento de todos los procesos generadores de sentido”. Os diálogos existentes nas fronteiras das cidades requerem, para a sua compreensão, além do ritmo da leitura, que se entenda o ambiente urbano como “produtor e participante”, ou seja, emissor e receptor da mensagem. A linguagem urbana é produzida por várias formas de comunicação não verbal, sendo uma delas o formato das suas construções. (FERRARA, 1998, p. 12). As cidades são formadas de construções horizontais ou verticais, por causa de seus vários entornos: histórico, geográfico, climático, sociocultural, econômico e político. Mas, em razão da escassez da espacialidade, fruto do crescimento da concentração urbana, as edificações verticais têm predominado. A característica urbana do texto não-verbal enfatiza sua característica eminentemente espacial e antilinear, ou seja, é um espaço dominado pelo pluriespaço, conseqüentemente da necessidade de criar espaço pela falta de espaço, e que caracteriza a cidade vertical em substituição à horizontal. (FERRARA, 1988, p. 12) A formação do ambiente urbano não é pautada em estruturas de projetos urbanísticos, mas em uma constante dialética autoadministrada. “El espacio urbano no es el resultado de una determinada 291 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas morfología predispuesta por el proyecto urbanístico, sino de una dialéctica ininterrumpidamente renovada y autoadministrada de miradas y exposiciones”. (DELGADO, 2007, p.13-14) O planejamento urbano é um aspecto relevante e necessário, mas não deve “enrijecer” as pessoas. Ocasionalmente, surgem barreiras que impedem e inibem a expressão e a locomoção nos espaços. Os movimentos do homem urbano passam a ser padronizados, induzidos e controlados. “Las ciudades pueden y debem ser planificadas. Lo urbano, no”. (DELGADO, 2007, p. 18). Segundo Certeau (2005, p. 188), “[...] a própria relação das práticas do espaço com a ordem é construída. E em sua superfície, esta ordem se apresenta por toda parte furada e cavada por elipses, variações e fugas de sentido [...].“ Vê-se então, em muitas situações, discursos que prometem priorizar as condições de acesso do homem aos espaços da cidade, mas com práticas que favorecem as estâncias de grupos com poder econômico e político. Como exemplos, temos as ruas que são fechadas para a construção de condomínios fechados e estabelecimentos comerciais (shopping, redes de supermercados etc.), a extinção ou redução do espaço das praças para a construção de ruas e avenidas, os bairros que são fechados por canteiros ou têm suas ruas diminuídas para impedir a circulação de caminhões e ônibus do transporte público. Assim, é possível ver uma interface entre as variações que produzem a linguagem expressa nos preenchimentos dos espaços urbanos: a dominação. Existe uma cumplicidade entre o dominador e o dominado, que é um elemento importante para se entender os processos de comunicação existentes nos espaços urbanos. “Compreender a comunicação significa, então, investigar não só as argúcias do dominador, mas, também, aquilo que no dominado trabalha a favor do dominador, isto é, a cumplicidade de sua parte, e a sedução que se produz entre ambos [...]” (BARBERO, 2004, p. 21). Certeau (2005) reforça o que Barbero apresenta sobre o posicionamento adotado por muitos “dominados”, tipificando os consumidores, que são bombardeados por apelos publicitários com ofertas de produtos que supram necessidades e desejos, geradores de consumos em excessos e desnecessários. Certeau, então, apresenta o outro lado desses consumidores: [...] diante de uma produção racionalizada, expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção de tipo totalmente diverso, qualificada como “consumo”, que tem 292 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais como característica suas astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas “piratarias’, sua clandestinidade, seu murmúrio incansável, uma suma, uma quase-invisibilidade, pois ela quase não se faz notar por produtos próprios [...] mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe são impostos. (CERTEAU, 2005, p. 94) Outra constatação de Barbero sobre a cidade é o fato de ela não ser apenas “[...] um “espaço ocupado” ou construído, mas também um espaço comunicacional que conecta entre si diversos territórios e os conecta com o mundo” (p. 292). Ficam nítidas as relações existentes entre a comunicação e a cidade, que podem ser entendidas em duas das três dimensões do campo da comunicação. O Território da Cidade, em que se “[...] configuram novos cenários de comunicação dos quais emerge um sensorium novo, cujos dispositivos-chave são a fragmentação – não só dos relatos, mas da experiência, da degradação social – e o fluxo: o ininterrupto fluxo das imagens na multiplicidade de telas – de trabalho e ócio – enlaçados”; e o Espaço do Mundo que se refere à extensão qualitativa ou quantitativa dos estados nacionais, transitando pelo internacional (político), e do transnacional (empresa) ao mundial (tecnoeconomia). A terceira dimensão, o Tempo dos Jovens, condiz com a dificuldade existente na conversa entre gerações. (BARBERO, 2004, p.37). Para Certeau (2005, p. 2002), o efeito do espaço das cidades produz “[...] operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidades polivalentes de programas conflituais ou de proximidades contratuais”. Assim, a abordagem da cultura na comunicação refere-se a uma primeira desterritorialização, que Barbero (2004) conceituou de “o território da cidade”, e abre campo à pluralidade de atores e suas dinâmicas. Na América Latina, destacaram-se duas hegemonias: a norte-americana e a francesa. A literatura dedicada aos meios de comunicação de massa prioriza a demonstração da “[...] qualidade, inegável, de instrumento oligárquico-imperialista de penetração ideológica, porém quase não se ocupa de examinar como são recebidas suas mensagens e quais os efeitos concretos disso” (BARBERO, 2004, p. 215). O processo de urbanização na América Latina evolui em três direções: 1) alcance de melhores condições de vida para as maiorias; 2) implantação da cultura do 293 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas consumo vinda dos países centrais; e 3) adoção das novas tecnologias, conforme assinala Barbero. (2004, p. 282-283) [...] As novas tecnologias da comunicação que exercem pressão para uma sociedade mais aberta e interconectada, agilizam os fluxos de informação e as transações internacionais, revolucionam as condições de produção e de acesso ao saber, mas ao mesmo tempo apagam memória, ameaçando as identidades [...] Apesar dos “clássicos” terem entendido e aceitado que o caráter lúdico é um dos componentes de qualquer cultura, herdamos “[...] uma concepção ascética que condenou o ócio como tempo do vício, e uma crítica ideológica que confunde a diversão com a evasão alienante”. Esses conceitos foram gerados a partir da massificação e mercantilização de ambos, promovidos pela indústria cultural. (BARBERO, 2004, p. 227). O espaço urbano: supermercado de rede Pode-se compreender esse preenchimento do espaço “como processo em constante convergência e conversão de significados, o uso não se amolda a normas, estatutos ou códigos, mas é, antes, fala subversiva e marginal pela maneira como preenche o espaço urbano de inusitados significados e gera a imprevisibilidade de outros usos [...]”, algo que não ocorre nos supermercados de rede. (FERRARA, 1986, p. 120) Segundo Rennó (2002, p. 42), a organização dos espaços nos supermercados obedece a certa padronização internacional e, por isso, eles “vendem” uma imagem de higienização que vai ao encontro de valores sociais considerados positivos, além de promover a idéia de que estão sujeitos ao controle da sociedade. Ou, nas palavras da autora: “o espaço higienizado dos supermercados, um exemplo típico de arquitetura globalizada, reflete um sistema de valores que, em um primeiro momento, oferece assepsia”, mas, em contrapartida, acarreta o empobrecimento do comércio e o esvaziamento das relações. Os varejos de rede caracterizam-se por operar em mais de uma loja, sob a mesma direção. Geralmente, a marca do estabelecimento é conhecida em várias regiões do país e, muitas vezes, até no exterior, pelo fato de seus proprietários serem estrangeiros ou mesmo pela abertura de filiais em outros países. 294 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Muito forte é o sentido do planejamento nos supermercados de rede (desde as etapas de concepção até o seu funcionamento). Traço de um sistema bastante prescritivo e previsível, principalmente na ordem e gestão do tempo. Segundo Gruzinski (2001, p. 59), possuímos “[...] uma herança positivista que alimenta uma visão do tempo baseada na linearidade”, baseado na existência de uma ordem para as coisas. Esse autor comenta que, ao contrário disso, “[...] a mobilidade das misturas e a interpretação das temporalidades lembrem a imagem da desordem”. Santos (2007) observa que a função do planejamento é um mecanismo que garante, dentro da lei e da ordem, um mínimo de segurança e estabilidade, a serviço da proteção da segurança física das pessoas e da propriedade, além da promoção do investimento privado. Segundo Rennó (2002, p. 43), “os funcionários, treinados para bem atender, com seus uniformes e discursos padronizados, acabam por gerar a sensação de impessoalidade ao simular a naturalidade e a espontaneidade nas relações”. E, adiante, acrescenta que “as relações sociais são pensadas como sistemas que podem ser controlados e sistematizados de antemão, uma idéia equivocada e que acaba por tornar mecânico o atendimento cordial reservado pelos funcionários de um supermercado”. Dessa perspectiva, não há lugar para o acaso tão comum no cotidiano. Supermercado de Rede: Indústria do Consumo O movimento de abertura de lojas não ocorre mais para atender a demandas de mercado, e sim para arrebatar clientes de outros estabelecimentos. Underhill (1999) acrescenta que o elevado número e diversidade de veículos de informação, propagando a cada dia um maior número de mensagens publicitárias com apelo para o consumo, constituem um fenômeno tão poderoso que está enfraquecendo, inclusive, marcas consagradas por décadas de uso. [...] assistimos à erosão da influência das marcas. Não que as marcas não tenham valor, mas esse valor deixou de ser a força cega que costumava ser. Isso significa que, embora a atribuição de marcas e a propaganda tradicional fortaleçam a percepção da marca e a predisposição para comprar, esses fatores nem sempre redundam em vendas. 295 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas De acordo com Levy e White (2000), antes de 1930, a maior parte dos alimentos era comprada em pequenas mercearias de vizinhança, pertencentes e operadas por famílias. Após esse período, foi criado o autos-serviço. Rennó (2006, p. 54) relata que o autosserviço originou-se nos Estados Unidos, “inicialmente em 1912, mas que se firmou somente após a Grande Depressão de 1929, impulsionado pela necessidade urgente de redução de custos e manutenção das vendas na época”. As mercadorias foram aos poucos sendo expostas mais próximas do cliente que passou a ter mais liberdade para escolher exatamente o que desejava. As listas, antes entregues a um balconista para que ele pegasse todos os itens localizados do lado interno do balcão e aos quais o cliente não tinha acesso, agora ficavam em poder do cliente: nasce o autos-serviço, ao mesmo tempo em que “morre” a figura do atendente. A retirada da figura do vendedor/balconista da relação comercial afetou a estrutura organizacional das lojas porque “[...] repropôs toda a forma de relações de compra, ao eliminar a linha divisória que havia entre o consumidor e o produto, que antes era mediada pela figura do vendedor” (RENNÓ, 2006, p. 58). O autos-serviço gerou grandes ganhos econômicos, alavancou o crescimento do número e da diversidade de itens adquiridos, em razão da compra não planejada, fenômeno que recebeu nome de compra por impulso. Estímulos são utilizados no comércio para a promoção das vendas, condicionando o homem à busca constante, às vezes excessiva e paranóica. Segundo Arendt (2005, p. 17), “os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição da sua existência”. A autora ressalta que toda experiência vivida pelo ser humano passa a fazer parte dele como se o ato de conhecer despertasse o interesse, a necessidade e o desejo, colocando-o num circuito ou processo que culminará no ato da compra. [...] consumidor não é um processo isolado: relaciona-se com todos os contextos sociais. Suas representações, seus valores perpassam as diversas esferas de atividade. O processo de consumo revela-se como um conjunto de comportamentos com os quais o sujeito consumidor recolhe e amplia, em seu âmbito privado, do modo que ele for capaz de ressignificar, as mudanças culturais da sociedade em seu conjunto. (BACCEGA, 2008, p. 3) 296 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Atualmente, nos supermercados, os espaços são planejados para favorecer o fator econômico sem qualquer preocupação com as relações de trocas que permeavam as relações comerciais no passado. Tudo é planejado e executado para gerar consumo. Tem-se, assim, uma grande Indústria do Consumo. Identificar as estratégias adotadas nesses locais e analisar essa indústria consumista – representada pelos supermercados – é a tarefa que este estudo se propõe a realizar. Conforme demonstrado, o autosserviço gerou o fenômeno da compra por impulso, isto é, a aquisição de produtos a mais que o planejado e/ou necessário. Aquisição que é atribuída à velocidade do sistema. Segundo Baccega (2008, p. 2), existem o desenraizamento e a velocidade no lugar de duração que “[...] atingem diretamente o processo de produção-distribuição-consumo. Os produtos precisam ser rapidamente consumidos para dar lugar a outros produtos que seguirão a mesmo trajeto”. Junto com a velocidade e o desprendimento produzido nos espaços, os modos de consumo tendem a uma planificação, como pode ser visto nos supermercado, e esses ambientes representam o pensamento sobre os espaços como não-lugares. (CERTEAU, 2005) A idéia do não-lugar é outro fator que explica a homogeneidade criada nas redes de supermercados. Augé (2001, p. 43) destaca que “o sistema massificante instituído pelos não lugares, por meio de sua estrutura pretensamente global, acaba criando uma homogeneização que desvaloriza o espaço que se cria” e acarreta perda da individualidade de cada lugar: “o domínio de várias metrópoles pelos não-lugares é parte desta grande proposta urbanista atual, que relaciona diretamente evolução com desterritorialidade, ou perda das diferenças individuais de cada lugar”. (AUGÉ, 2001, p. 45). Constata-se, então, que as redes varejistas se apropriam de espaços urbanos sem a preocupação de manter a memória local. As fronteiras do riso e da oralidade Constata-se o “riso de plástico” nos supermercados de rede, que, para Pinheiro (1994, p. 35), tem a ver com “[...] o riso que não ri (ainda que a boca se contorça), aquele que se dá a partir de uma carga diluidora de repetições afirmativas sobre o mesmo: riso 297 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas familiar, conciliatório, que exige do falante e do ouvinte o conhecimento do que já é conhecido”. Semelhante ao que é manifestado nos mecanismos de segurança citados por Underhill (1999), nas ações de promoção dos produtos e nos atendimento em balcões e caixas encontra-se uma expressão de contração e relaxamento dos músculos faciais, de forma rápida, automática, controlada e sem sentimento, um riso programado. O que não é visto nesses estabelecimentos é outro tipo de riso – o “dialógico”, mas, sim, a seriedade, que para Bakthin (2000) é “monológica”. Pinheiro (1994, p. 36) explica o riso dialógico: “[...] obriga-nos a sair do lugar, deslocar a tradição do sistema. Desse modo, o riso inclui sempre a sadia consciência da queda de algo que se pretendia imutável sobre qualquer assento estável”. Já a seriedade é um texto disciplinado, típico dos modos de produção em série, do ambiente fabril que os supermercados de rede representam. Esse ambiente é projetado para que as pessoas produzam ações com seriedade, característica da busca da perfeição e da sincronia nos movimentos, como ginastas olímpicos, que, mesmo na dor, expressam o sorriso no final da apresentação, semelhante são os funcionários do varejo que, após uma longa jornada de trabalho, ainda necessitam expressar esse riso plastificado, pois assim foram orientados. Mas há também o riso da contraversão do sistema, expresso com ironia pelos funcionários, que às vezes comentam questões da empresa com os clientes: vontade de sair, em razão da falta de condições no ambiente de trabalho – jornada de trabalho interminável, trabalho em fins de semana e feriados, baixa remuneração, falta de estrutura física e psicológica. Algo que é manifestado por esse riso e oralmente em rápidas conversas em momentos onde existe certa disposição do ouvinte/ cliente em ouvir. Zumthor (1993) apresenta a oralidade a partir da função do intérprete/ narrador e do ouvinte como fonte primeira de toda forma de comunicação, e destaca a performance do intérprete na força de disseminar o texto oral, pois o significado semântico do texto não está na voz, mas na ação materializada do discurso, na maneira como ele é transformado em voz. O autor destaca, também, a importân- 298 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais cia das condições adequadas para captar a mensagem e da empatia do ouvinte. Assim, nas redes de supermercado, as rápidas conversas dos funcionários com os clientes ocorrem em raros momentos, pois os pontos de contato, na maior parte das vezes, são em locais de grande acúmulo de pessoas e de fiscalização, como nos caixas registradores. A comunicação entre os consumidores nas redes de supermercados ocorre sem interação entre as pessoas. Palavras até são ditas, mas a velocidade devido a velocidade e volume de pessoas e da estrutura como um todo, faz cm que as pessoas pronunciem palavras sem notar com quem estão falando, são expressões curtas ditas na maioria das vezes sem olhar para a pessoa, algo superficial, automático, passageiro, descomprometido. Como exemplo: próximo, mais alguma coisa?, obrigada, volte sempre, bom dia, débito ou crédito?, débito, crédito, até logo, tchau. Estar nesses locais é “[...] executar a tarefa do consumo, e o consumo é uma passatempo absolutamente e exclusivamente individual” (BAUMAN, 2001, p. 114). As relações são planejadas e treinadas, como o “riso”, não é condizente com o ambiente dialógico expresso por Pinheiro (1994), e com o ambiente mestiço todos os países latinos pertencem. Metodologia e análise do corpus Adota-se a fotografia como suporte de construção do corpus. As imagens são selecionadas e seu significado é definido. As conclusões são obtidas pontuando o significado levantado em cada exemplar fotográfico. A subjetividade do olhar do fotógrafo, neste caso, é incorporada como elemento da vastidão das possibilidades presentes. Sobre esse papel da fotografia, assim se expressa Morin: A mais banal das fotografias detém ou apela para uma certa presença. e isso sabemo-lo e sentimo-lo nós, uma vez que conservamos conosco, em nossa casa, as fotografias e as exibimos, não só para satisfazer a curiosidade de estranhos, mas também pelo prazer evidente de nós próprios as contemplarmos uma vez mais, de nos reconfortarmos com a sua presença, de as sentirmos ao pé de nós, conosco, dentro de nós, pequenas presenças de algibeira ou de apartamento, ligadas à nossa pessoa ou ao nosso lar. (MORIN, 1970, p. 25) 299 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Os estudos realizados com o objetivo de encontrar estratégias eficazes para transformar as pessoas em receptores passivos de propagandas, alcançaram um nível muito sofisticado. Um desses estudos se refere aos primeiros contatos dos clientes nas lojas: entradas e estacionamentos. Underhill (1999, p.46) chama estes espaços de “zonas de transição”, ou “pista de pouso”, onde o cliente passa a ser “ambientado” para comprar, ou melhor, é formatado e padronizado. “[...] quanto mais rápido as pessoas andam, menor seu campo de visão periférica e com isso não localizam as informações a sua volta” (UNDERHILL, 1999, p. 45). Para minimizar esta situação, a loja coloca as informações (ofertas, cartões de compra, crédito, normas de segurança, produtos, etc.) em grandes materiais e tamanhos de letra, de forma sintética, na tentativa de redução da “zona de transição”. Após o público ter percorrido este espaço, encontrará em cada área, ações e configurações destinadas a colocar, em suas mentes, o desejo de adquirir os produtos. Um dos mecanismos utilizados pelos supermercados nos locais de entrada dos clientes é o uso de escada rolante que, muito além de uma preocupação com o conforto, está embutindo um mecanismo de agilizar o acesso à loja de quem está “fora” para “dentro”. a) Visão de uma “zona de transição” pela escada rolante com utilização de cartazes, contendo ofertas. b) Nesta imagem, a “zona de transição” aproxima a escada rolante a funcionários do setor de guarda-volumes e embalagens. Figura 1 300 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais A preocupação com a ergonomia dos clientes foi destacada por Underhill (1999) como estratégia de aquisição dos produtos. Um exemplo é o treinamento dado aos funcionários para oferecer cestas a qualquer cliente que entra nas lojas, ou carrinhos e cestinhas bem próximos de seu campo de visão, para que com as mãos livres, ou mais descansadas, possam ter “fôlego” para carregar mais produtos até os caixas. Para Underhill (1999, p. 53) “a matriz mais complexa de traços anatômicos e comportamentos humanos que determinam como fazemos compras”, e complementa dizendo que quanto mais confortável, fácil e prática possível for a experiência de compra, mais produtos serão vendidos. a) Visão de uma área no estacionamento em que os carrinhos de compra já se encontram disponibilizados aos clientes. Figura 2 b) Nesta imagem, os carrinhos de compra se acham no percurso entre o estacionamento e o acesso ao setor de compras. O primeiro contato do cliente com a loja é influenciado por essa disponibilização. Os sentidos humanos (tato, visão, paladar, audição e olfato) são estimulados de várias maneiras no varejo, com grande destaque nos supermercados. Na área mercadológica, estes estímulos recebem o nome de marketing sensorial ou marketing experimental (KOTLER, 2006; UNDERHILL, 1999). O objetivo é fomentar o processo da compra por meio de ações que envolvam os seus sentidos. Assim, o paladar é despertado com degustações; o olfato com aromas conforme a preferência feminina ou masculina, idosos, jovens, adultos – ou voltado a despertar a fome; a audição pela escolha da música ambiente: de manhã, para despertar, e no final do dia, para desacelerar, acalmar. Nesse campo, há também o anúncio de produtos e ofertas que soam pelos alto-falantes. O tato é estimulado com demonstrações e manuseio de produtos, como também pela refrigeração que o cliente irá sentir se for um 301 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas dia de clima quente. Há o contato físico com equipamentos da loja: vestiários, bancos, carrinhos, cestinhas, sacolas, etc., e a visão é atraída pelo design dos produtos, das embalagens, pela diversidade e variedade, publicidades e promoções da loja, exposição dos preços, lay-out dos produtos e da loja com a visualização do que o cliente está adquirindo. Há também, por outro lado, os aparatos de preservação deste sistema urbano, principalmente nos grandes supermercados: câmeras de vigilância de longo alcance e precisão, e cumprimentos na entrada por funcionários. Saudações vindas, muitas vezes, de senhoras de idade a serviço da inibição de furtos no interior da loja. Segundo Underhil (1999, p.48) “especialistas em segurança afirmam que o modo mais fácil de desencorajar roubos em lojas é fazer com que os vendedores reconheçam a presença de cada freguês com um simples oi”. a) Supermercado com área do estacionamento contendo informações sobre o sistema de segurança. b) Nesta imagem, a câmera de segurança encontra-se na entrada principal juntamente com adesivo de uma empresa de segurança terceirizada. c) Outro exemplo de estacionamento com recurso para ser monitorado. Figura 3 302 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Observa-se assim, que por trás de ações como o riso, cumprimento e entrega de cestinhas pelos funcionários estão práticas a serviço de alguma tarefa sendo executada. Pode-se dizer que as redes supermercadistas se caracterizam como um grande celeiro de disseminação da padronização de relações enrijecidas do comércio, propiciada por mecanismos de tensão do dentro e o fora; e que outrora estas relações eram carregadas de significados de amizade, conhecimento e trocas sociais como se pode ver em feiras livres e nos mercados públicos, conforme aponta Rennó (2006). O espaço dos supermercados de rede tem seus holofotes para os produtos e a comunicação interpessoal nula ou limitada. Entre os passos apressados e as disputas pelo espaço no estacionamento, carrinhos de compra e nas filas, as pessoas são alvos a serem vencidos e não para se relacionar. Considerações Finais O propósito da pesquisa que sustenta esses resultados é o de analisar e avaliar os impactos do novo ambiente de comunicação que se forma a partir do conceito de autosserviço. Os supermercados modernos são um não-lugar porque as pessoas não desenvolvem relacionamento com os atendentes ou proprietários como ocorria no tempo das quitandas, feiras e mercearias. Esta forma de comércio não foi extinta e ainda é possível ver o evidente contraste. A coleta de dados terá prosseguimento e avalia-se a existência ou não de mesclas culturais no supermercado de rede como componente de várias séries culturais (comércio, gastronomia, música, arquitetura, vegetação, vestuário, oralidade), com base na semiótica da cultura. Conclui-se com mais uma avaliação, desta vez buscando verificar o grau em que o supermercado de rede fomenta o esvaziamento das relações: analisado como uma indústria do consumo, reforçado pelas diretrizes do marketing e pelo antagonismo que despersonifica a feição de comunicação produzida por essas redes. As análises contribuem na compreensão em que medida a apresentação da informação, dos espaços e dos objetos nos supermercados se configuram como um sistema voltado somente para o contato das pessoas com mercadorias e não com outras pessoas – e 303 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas também até que ponto as redes reforçam a padronização existente nesse sistema, pela produção em série desse formato. As necessidades individuais não são objeto de atenção desse sistema; nomes e fisionomias dos clientes são desconhecidos e, quanto não, o tratamento dá essa conotação, pois há falta de cumprimento ou de flexibilidade no atendimento a alguma necessidade específica, como no caso de esquecimento do cartão para o pagamento das compras, em que o cliente não pode levá-las pela falta de confiança do sistema na sua palavra de que voltará para pagar. Baudrilard (p. 65) comenta que nas sociedades de consumo “[...] não há lugar para as finalidades individuais, mas só para as finalidades do sistema.” O cliente, então, volta para casa, pega o seu cartão e volta para pagar; só assim pode levar suas compras. O sistema teve sua necessidade atendida, e a do cliente foi desconsiderada. Apesar de as redes analisadas serem uma empresa estrangeira ou brasileira, elas se mostram iguais, independentemente da variável nacionalidade. Em todos os aspectos analisados, a ordem e o tempo podem ser vistos, fatores estes que Gruzinski comenta serem frutos de uma herança positivista, em que as coisas seguem um tempo linear, baseado na existência de uma ordem para as coisas. Assim, o contrário disso é a condição em que “[...] a mobilidade das misturas e a interpretação das temporalidades lembrem a imagem da desordem” (2001, p. 59). A rejeição à desordem ilustra a oposição do sistema de supermercado de rede a formas mestiças, o que configura uma oposição ao próprio ambiente latino no qual se instalaram. É um sistema que desconhece ou ignora o fato, apresentado por Gruzinski, de que “[...] misturas e mestiçagens perdem, o aspecto de uma desordem passageira e tornam-se uma dinâmica fundamental” (p. 59). É evidente que pelo número de frequentadores e pela necessidade de um atendimento rápido e ágil, o autosserviço se mostra eficaz. Ele é acompanhado de uma tecnologia que permite não enfrentar filas na hora do caixa ou deixar de sofrer grande demora nesse momento, como ocorria na época do recebimento manual. No entanto, a linguagem do supermercado de rede, tanto nacional como estrangeiro, prioriza o contexto econômico e exclui o fator social, a memória do espaço, o entorno urbano e as relações sociais de troca 304 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais – algo sem dúvida capaz de produzir impactos que merecem avaliação permanente, tendo grande aporte na base da semiótica da cultura, como se propôs neste artigo instigar. Referências ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradutor: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradutora: Maria Lúcia Pereira. Campinas: Papirus, 2001. BACCEGA, Maria Aparecida (org.). Comunicação e culturas do consumo. São Paulo: Atlas, 2008. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradutora: Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BARBERO, Jesús Martin. Ofício de cartógrafo: Travessia latino-americanas da comunicação na cultura. Tradutora Fidelina González. São Paulo: Loyola, 2004. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradutor: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Tradutor: Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2005. DELGADO, Manuel. Sociedades movedizas: pasos hacio uma antropologia de lãs calles. Barcelona: Anagrama, 2007. FERRARA, Lucrécia D´Aléssio. Ver a cidade. São Paulo: Nobel, 1988. ______. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva, 1986. GRUZINSKI, Serge. O Pensamento mestiço. Tradutora: Rosa Freire d´Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. KOTLER, Philip. Administração de Marketing. São Paulo: Prentice Hall, 2006. LAPLANTINE, Françõis; NOUSS, Aléxis. A mestiçagem. Tradutora: Ana Cristina Leonardo. Lisboa: Instituto Piaget, s/d. LEVY, Michael; WHITE, Barton. Administração de varejo. São Paulo: Atlas, 2000. 305 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas LOTMAN, Yuri M. La semiosfera. Tradutor: Desiderio Navarro. Madrid: Cátedra, 1996. MORIN, Edgar. O método. Vol. 4. As ideias, seu habitat, sua vida, seus costumes, sua organização. PINHEIRO, Amálio. Aquém da identidade e da oposição: formas na cultura mestiça. Piracicaba: UNIMEP, 1994. RENNÓ, Raquel. Do mármore ao vidro: mercados públicos e supermercados, curvas e retas sobre a cidade. São Paulo: Annablume, 2006. ______. Do mármore ao vidro. (Dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica). – PUC/SP, 2002. SANTOS. Milton. Economia espacial. Tradutora Maria Irene de Q. F. Szmrecsányi. São Paulo: Edusp, 2007. UNDERHILL, Paco. Vamos ás Compras. São Paulo: Campus, 1999. ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. Tradutores: Amálio Pinheiro e Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 306 Os signos e o universo de discurso publicitário:as contribuições semióticas de Cidmar Teodoro Pais Eneus Trindade e Maria Ângela Pavan Resumo Entre os principais textos produzidos pelo lingüista e semioticista da Universidade de São Paulo, Cidmar Teodoro Pais, destacam-se dois artigos, que consideramos fundamentais para a compreensão das noções de signo e de universo de discurso aplicados ao mundo da publicidade. Esses trabalhos são: Algumas reflexões sobre os modelos em Lingüística, publicado na Revista Língua e Literatura (1980) e Aspectos de uma tipologia dos universos de discurso, publicado na Revista Brasileira de Lingüística (1984). Nenhum dos dois textos estuda a publicidade em si, mas ambos permitem conexões de fundamento estruturalista com o universo sígnico da publicidade e da propaganda. Além de trazer as contribuições de Cidmar Teodoro Pais, ressaltamos que esse texto busca destacar, no diálogo entre Pais e outros autores, as dimensões do signo, do conhecimento até chegar na conformação do universo de discurso da publicidade. Palavras-chave: publicidade; universo de discurso; signo; produção de sentido. Introdução Entre os principais textos produzidos pelo lingüista e semioticista da Universidade de São Paulo, Cidmar Teodoro Pais, destacamos dois artigos que, ao nosso ver são fundamentais para a compreensão da noção de signo e de universo de discurso aplicados ao mundo da publicidade. Esses trabalhos são: Algumas reflexões sobre os modelos em Lingüística, publicado na Revista Língua e Literatura (1980) e Aspectos de uma tipologia dos universos de discurso, publicado na Revista Brasileira de Lingüística (1984). Nenhum deles aborda a publicidade em si, mas ambos permitem conexões de fundamento estruturalista com o universo sígnico da publicidade e da propaganda. 307 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas O primeiro texto aborda a noção de signo e nos permite construir dentro da vertente estruturalista e pós-estruturalista a noção contemporânea de signo publicitário. Já o segundo, permite-nos, a partir de um paralelo com autores filiados aos estudos interdiscursivos da linguagem, compreender dentro da semiótica a dimensão de universo discursivo publicitário. Desse modo, além de trazer as contribuições de Cidmar Teodoro Pais, ressaltamos que esse texto busca destacar no diálogo entre Pais e outros autores as dimensões do signo, sua história e sua relação com o conhecimento, até chegar a definição da noção de universo sígnico do discurso da publicidade e da propaganda. A noção de signo e sua evolução Ao lermos o texto de Pais (1980), mergulhamos em uma peculiar abordagem da história dos signos e percebemos que desde os primórdios da existência da humanidade, o homem sempre buscou formas de se comunicar, de expressar tudo que via, ouvia, sentia, de maneira que se pudesse mostrar e transmitir aos seus semelhantes suas descobertas, seu conhecimento, seu aprendizado cotidiano na vida em sociedade. Esse partilhar se dá na mediação de um conjunto de signos ou códigos, que são resultantes da legitimação social de um sistema sígnico, que leva a um repertório comum, acessível e utilizado por todos os indivíduos de uma mesma cultura, sociedade ou grupos específicos. Nesse sentido, as línguas devem ser percebidas como um tipo de código bastante sofisticado, pois segundo Pignatari (1970, p. 19-20), a diferença entre as línguas e demais códigos elaborados tecnicamente para fins específicos, é que as línguas seriam códigos de maior complexidade, pois possuem aspectos socioculturais. Mas o que é o signo que constitui os códigos e as línguas? Em sentido mais amplo, o signo pode ser definido como algo que está no lugar de outra coisa, uma representação do que existe, mas está ausente, sendo substituído por outro que não é o objeto em substituição, mas apenas uma representação deste. Existem muitas definições de signos. Todavia, o conceito de signo a ser utilizado neste trabalho, por uma coerência com o traba- 308 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais lho de Pais, fundamenta-se na noção de signo dada por Hjelmslev, que diz que o signo é constituído pela articulação de duas grandezas, o conteúdo e a expressão. São functivos que ele denominou de funções semióticas. O estudo do dinamarquês partiu das proposições sobre o signo realizadas pelo lingüista suíço, Ferdinand Saussure (Hjelmslev, 1975, p. 53-64). Esclarecemos que a explicação referente a esses conceitos e funções semióticas se encontra mais à frente, neste texto. Mas voltando a Pais (1980), ele nos faz perceber que desde a Antiguidade, os intelectuais se preocupavam com a reflexão sobre esse elemento (signo), suporte de toda e qualquer forma de comunicação. De acordo com os vários períodos da história da civilização, como demonstraremos, a noção de signo está relacionada com a visão de mundo de uma determinada época e, consequentemente, a noção de conhecimento de um período também seguirá essa tendência, pois se as pessoas em momentos históricos percebem o mundo de formas distintas, os paradigmas do conhecimento mudam também. Para explicar a questão colocada anteriormente, faz-se necessário apresentar o que Pais (1980) denomina de processos de conhecimento humano e o seu entendimento do conceito de metateoria. Os processos de conhecimento se dão por dois caminhos: o da racionalidade e o da não racionalidade. No primeiro, temos a filosofia e a ciência com seus métodos (indutivo e dedutivo), sendo ciência o estudo dos dados observáveis. Nos processos não racionais, a intuição, o afeto e a fé se manifestam como formas legítimas para alcançar o conhecimento, sendo estes últimos os meios de se conhecer os dados não observáveis. Durante a história, podemos notar que houve períodos em que os métodos da não-racionalidade prevaleceram em detrimento da racionalidade e vice-versa. Por exemplo, na história do mundo ocidental, na Idade Antiga, prevaleceu o pensamento racional, em conseqüência da apologia ao homem. Já na Idade Média prevaleceram os métodos não racionais, em função do predomínio de um pensamento orientado pela fé na religião Católica. A partir desses dois exemplos, pode-se pensar no conceito de metateoria que, grosso modo, pode ser entendido como a teoria “mãe” de uma época, a qual reflete as idéias, o modo de percepção dos indi- 309 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas víduos em um determinado contexto (social, cultural, político, histórico etc.), como no caso do antropocentrismo para a Antiguidade e do teocentrismo para a Época Medieval nos exemplos citados. É importante registrar, para compreensão desse processo evolutivo das reflexões sobre o signo e as epistemes, ao longo da história, que as primeiras teorias a respeito do signo, dentro de uma dimensão assumida como semiótica, só vão surgir realmente a partir do final do século XIX e início do século XX. Embora os fatos anteriores sejam verdadeiros, de um modo instigante, a abordagem de Pais (1980) retorna à Antiguidade e às suas respectivas noções de signo e conhecimento nas civilizações, sobretudo com foco naquelas que deram as bases do pensamento ocidental, Grécia e Roma, nos convidando a entender a noção de signo a partir da origem e do sentido da palavra conhecer, que em grego é traduzida na palavra episteme, cujo significado pode ser dado como “aquilo que se coloca acima do objeto”. Em uma reelaboração dessa definição, Aristóteles diz que episteme “é o saber, é a projeção do homem sobre os objetos no mundo”. Sobre a noção de signo clássica, ver Aristóteles (1963). Ou seja, trata-se de um saber constituído pela linguagem e projetado sobre as coisas existentes o mundo, num ato constante. É um conceito dinâmico que pode ser comparado à idéia de Foucault (1995, p. 87-88) sobre episteme, que percebe as palavras e os nomes das coisas existentes no mundo como o modo como as culturas vêem os signos, o que pode servir para a determinação de critérios para estudos comparativos entre várias culturas existentes no mundo, viabilizando a criação de tipologias das culturas. Foucault (1995), assim como Pais (1980) coloca a importância de um estudo taxionômico das representações das culturas, considerando que essas representações se viabilizam por meio de signos, instaurados em sistemas de produção e circulação de sentidos. E uma vez que se classifiquem tais sistemas, poderemos realizar um estudo tipológico do universo representativo de uma dada cultura, pois sua produção sígnica, ou simbólica, traz consigo a ideologia, os valores, ou seja, as visões de mundo das culturas que representam. Com essas informações podemos observar os paradigmas de episteme (conhecimento), ao longo da história do homem. Dessa ma- 310 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais neira, iremos retomar a noção desse paradigma na Idade Antiga, quando chegarmos à Renascença. Assim, parte-se para a apresentação do paradigma no mundo medieval. Na Idade Média, o paradigma era o do mundo teocêntrico e, portanto, predomínio dos métodos não racionais, já que a explicação pela religião, a fé em Deus – um dado não observável – mas que de modo afetivo e pela fé na crença de sua existência, tinha seu sentido aceito como a explicação maior para os fenômenos do mundo. O conceito de signo nesse período tem origem no pensamento sobre o nominalismo dado em Platão, “o signo é a parte visível de um mundo espiritual maior invisível”, esse é um conceito metonímico, pois o signo é parte do objeto ou realidade que representa. Platão, nos livros da República, para chegar a essa definição opõe o mundo em duas partes: o mundo de Apolo ou Apolíneo, o mundo das idéias, da verdade, do espiritual; e o mundo de Dionísio, o mundo da aparência, das coisas. O signo é parte das coisas existentes, no mundo medieval. Só Deus vê mundo como ele é. Os homens vêem o mundo semioticamente constituído, ou seja, a partir de suas projeções em cima das coisas, como disse Aristóteles. Por exemplo: a palavra amizade é a parte material – do mundo da aparência – de algo que é nobre, verdadeiro, intangível, que pertence ao mundo de Apolo, a relação que se estabelece com a pessoa amiga. Ver sobre estas colocações (Pais, 1980, p. 92-93). Entendemos que ao expor o pensamento de Platão sobre o signo, pensamento este que foi recuperado na Idade Média, caracterizando a noção de signo daquela época, Pais busca justificar as razões da metateoria do teocentrismo, já que o signo tem sua explicação maior em Deus e a parte material desse signo é referente ao mundo dos homens, ou das coisas, como diria Platão. Já no Renascimento, que foi uma grande revolução em toda a conjuntura estrutural da sociedade, houve a necessidade de se romper com o mundo medieval, que era pequeno, o que trouxe novas concepções ideológicas e uma nova visão de mundo. Surge uma nova noção de signo e de episteme. Com as novas descobertas, o mundo se tornava maior e necessitava de paradigmas cujos limites de espaço e tempo, tinham que ir além do feudo. O modelo de administração de novo mundo que surgia 311 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas era baseado no Antigo Império Romano, pois esse povo sabia conquistar, manter e administrar seu império. Daí a razão de se ter explicado a noção de signo e episteme, na Idade Média, antes da Idade Antiga, pois, na Renascença, os paradigmas da Antiguidade são recuperados. Vivia-se uma época de novas descobertas científicas e de expressão comercial promovida pela política econômica mercantilista, desenvolvimento da classe comercial, a burguesia, e surgimento dos primeiros Estados nacionais, sob o regime monárquico, dos reinados absolutistas. Para continuar o projeto da nova época, o homem da Renascença se inspira no modelo da cultura clássica greco-romana. Essa escolha se deu em conseqüência das características dos processos de dominação cultural e econômica promovidos por essas civilizações. Os romanos tinham um grande exército, porém, melhor do que isso era o seu processo de educação (copiados dos gregos), pois eles acreditavam que, por meio da homogeneização do processo de comunicação do processo de comunicação, o uso de uma língua igual (o latim) faria com que os povos conquistados “amassem” o seu dominador. A retomada dos valores da cultura greco-romana na Renascença leva ao resgate do conceito de episteme na Antiguidade clássica. O mundo renascentista é, como na Idade Antiga, antropocêntrico, “o homem é a medida de todas as coisas”, frase grega do filósofo Protágoras, que demonstra que o homem é o critério. Resgata-se também o conceito clássico de beleza. O belo para os gregos se confunde com o bom, o belo também é a medida e a proporção, ou seja, é o equilíbrio, a racionalidade. E como o homem era a medida de todas as coisas, ele era o bom, o belo, o justo, o útil e o necessário. (Pais, 1980, p.92). O signo, então, é “a representação adequada do mundo natural” e passa a ser visto como condição de comunicação. Ele tem por função representar outro, permitindo falar in presentia – aquilo que está presente – do que está in absentia – aquilo que está ausente. (Pais, 1980, p. 92-93). O homem no Renascimento compreendia o mundo pela racionalidade. Mas se levarmos essa racionalidade a sério, podemos observar que a noção de signo nesse período leva a uma reflexão sobre o que devia ser essa “representação adequada” das coisas? Alguns pensadores da linguagem consideram os signos, ou os nomes das coi- 312 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais sas, como tendo suas origens por meio de um consenso social ou por analogia com aquilo que representam. Por exemplo: a relação entre a mesa-objeto e a mesa-palavra é puramente convencional. Já as onomatopéias seriam exemplos de signos naturais, por se tratarem reprodução dos sons dos animais. Contudo, o galo faz “cocorocó” em português e “cicirici” em francês, o que mostra quanto é difícil determinar qual seria essa “representação adequada” do mundo natural. Esse é um problema ainda não solucionado pela semântica e pela semiótica. (Pais, 1997a). Cada língua cria seus nomes para as coisas, dá o seu recorte cultural. A língua não é apenas uma lista de nomes, mas sim uma lista de nomes pertinentes à maneira como uma cultura vê o mundo que a cerca. Isso demarca a capacidade do homem, como ser capaz de criar e se ordenar social e culturalmente de formas distintas. Com isso, segundo Pais (1997a), podemos compreender que a determinação dos nomes das coisas se dá numa tensão de significação entre arbitrariedade e motivação. Foucault (1995, p. 73-82) também trata da questão com uma abordagem semelhante, ao discutir a representação do signo. Mas é interessante observar, para além dos problemas da tensão de significação entre motivação e arbitrariedade que pode gerar discussão sobre os nomes das coisas no mundo e nas culturas, que com a concepção clássica (Antiga) de signo, vem a concepção clássica de língua. Os sábios de Alexandria (maior universidade do mundo antigo de origem grega) diziam que a língua tinha três fases – nasce rude, chega ao apogeu e depois decai -, isso porque a língua é percebida em virtude de uma analogia com os estágios de desenvolvimento político-econômico do Império Grego, no caso, sendo considerada pelos governantes um instrumento de dominação, como já se colocou, quando se falou de educação, no processo de homogeneização e dominação cultural promovido pelos romanos, pelo fato de ela (a língua) encerrar em si os valores culturais de uma sociedade. Por isso que a política de idiomas é do Estado. (Pais, 1980, p.91-92). As informações do parágrafo acima, bem como as que o seguem, são fundamentais para compreensão do processo de dominação, por meio das linguagens, promovido pelos agentes envolvidos na economia global na contemporaneidade, que se dá via 313 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas processo de mundialização da cultura, especificamente no que se refere, por exemplo, ao entendimento da língua inglesa como língua universal para o domínio comercial, cuja estratégia já era utilizada muito antes do Império Romano. Além disso, o parágrafo faz a ponte da discussão sobre a relação analógica entre língua, enquanto linguagem e linguagem publicitária, sendo esta última, juntamente com o inglês, utilizada como “língua franca do capitalismo”, ou seja, como instrumento de dominação do sistema global. Os sábios em Alexandria criaram a concepção clássica de língua, sabendo a diferença entre ciência básica e ciência aplicada. Ou seja, saber e aplicação do saber. E dão subsídios também que se fazem necessários para a compreensão do como e o porquê da língua se tornar instrumento de dominação das culturas e daí sua íntima relação com os estudos sígnicos, já que a língua é o sistema sígnico mais usado na comunicação entre os homens. (Pais, 1980, p.90-92). Os gregos fizeram uma analogia da língua com a condição política e cultural do Império Grego, já descrita. A partir daí, surgiram os primeiros gramáticos do mundo ocidental, pois a gramática, que é uma aplicação do saber, é baseada na construção e desempenho da língua na fase do apogeu de um império. Isso explica, por exemplo, o fato de se estudar na tradição educacional os autores do período “clássico”, numa tentativa de conservar e manter o idioma da fase do apogeu, a partir do momento em que um império entra em decadência. (Pais, 1980, p.90-92). Essa gramática surge a partir de estudos filológicos da língua grega, na Alexandria, e ganha mais adeptos durante o declínio do Império Romano a partir das invasões bárbaras1. A discussão sobre a gramática é retomada no Renascimento e questionada nos fins da Idade Moderna pelos pensadores do mosteiro de Port-Royal, no século XVII (Rousseau, Montesquieu, Voltaire), que se refugiaram da perseguição dos reis absolutistas naquele local. Esses pensadores eram contra a ideologia e o regime político da época. Foram eles que estruturaram o pensamento da Revolução 1 Quanto ao surgimento de uma gramática, sabe-se que bem antes dos gregos e dos romanos, na região da Índia, a cultura sânscrita já desenvolvia estudos de gramática e fonética. Ver (SCHNAIDERMAN, 1979, p.11). 314 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Francesa. Para eles a língua tem um sentido político, é lógica e por isso perfeita. A lógica utilizada é a formal do verdadeiro e do falso (presente em Aristóteles e São Tomás de Aquino). Esse princípio, anteriormente citado, sobre a língua, também está aperfeiçoado em Descartes e também em Chomsky2, cuja reflexão chega ao ponto máximo do desenvolvimento do que ele chamou de gramática gerativo-transformacional no século XX, na qual ele afirmava que todas as línguas possuem mecanismos comuns universais que regem seus processos de articulação. (Pais, 1980, p.92-93). Mas voltando à discussão sobre as idéias dos pensadores de Port-Royal a respeito das gramáticas, eles afirmavam que o discurso dos homens mostra muitos defeitos – o que Chomsky chamava de queda do desempenho (no ato de fala), gerando uma nova episteme, pois a língua seria uma dádiva de Deus e o ato da fala, realizado pelos seres humanos, seria passível de erros. Deus seria a última explicação da natureza do signo. Como esses pensadores eram humanistas e, portanto, racionalistas, com concepções antropocêntricas, eles estudariam o desempenho da língua, o discurso, o ato de comunicação entre os seres. (Pais, 1980, p.93). A crítica dos pensadores de Port-Royal consistia na afirmação de que o discurso humano é falho, é fruto do pecado, das injustiças sociais. Para eles a gramática normativa seria uma forma de disfarçar as injustiças sociais dando a impressão de que a população fala da mesma forma que a elite. Assim, se as pessoas tivessem acesso ao conhecimento, elas dominariam a língua perfeita e não precisariam das regras de uma gramática. Saindo da crítica às gramáticas e da apresentação das noções de signo e episteme da Antiguidade até a Renascença, passando pelo final da Idade Moderna com os pensadores de Port-Royal e início da Idade Contemporânea, chega-se ao século XIX e identifica-se, pelo desenvolvimento humano, que as metateorias vigentes no período eram o positivismo e a metáfora biológica, concebida pela teoria darwiniana. Naquela época, o fenômeno da língua é percebido como um ser que nasce, cresce, reproduz e morre, de certa forma até bem semelhante à analogia das fases da língua, proposta pelos gregos do mundo helênico de Alexandria. 2 Sobre este assunto ver CHOMSKY (1972). 315 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Mas a diferença básica está no aspecto evolucionista e biológico restrito dessa metáfora, levada ao pé da letra, pois, para os pensadores desse período, as línguas mais evoluídas tenderiam a prevalecer sobre as menos evoluídas, estabelecendo uma relação, entre as línguas, ecossistêmica (biológica) e não social. A Lingüística já existia enquanto ciência desde 1794 e, em 1840, é incorporada ao quadro das humanidades, vivendo sua grande fase conhecida como Lingüística Histórico-Comparativa. A partir do século XVII, ocorrem muitas mudanças de epistemes e a Lingüística aos poucos emerge enquanto ciência dos fenômenos da língua. Notaremos que os estudos dos signos estarão associados à questão da língua que seria, na concepção dos teóricos do século XIX, o sistema de signos privilegiado para as comunicações humanas. Por isso, deveria ser a base para o estudo dos outros sistemas de comunicação. Em função disso, achamos necessário apresentar essas concepções de língua ao longo dos contextos históricos. (Cf. Pais, 1980, p.93-95). A noção de signo nesse período é muito simplista, “signo é signo de alguma coisa”, o que possibilita formular uma lista de nomes das coisas que existem. Esse contexto determinava a visão, historicista, evolucionista e positivista, que vigorava no século XIX. Mas é no meio desse contexto positivista que surgirão, quase que sincronicamente, em espaços distintos, as principais teorias a se preocuparem com o estudo dos signos. Essas novas ciências são uma decorrência histórica dos processos de proliferação de linguagens, códigos e meios de reprodução destes, após a Revolução Industrial, resultante de uma espécie de surgimento de uma consciência semiótica de alguns intelectuais das primeiras décadas do século XX. O interesse particular desta reflexão dá-se pelos estudos desenvolvidos pelo lingüista Saussure, o qual deu origem a uma nova concepção de lingüística e batizou a ciência a se preocupar com o estudo dos signos de Semiologia. Diferentemente de outras abordagens semióticas como a semiótica de Charles Sanders Peirce, Saussure, que vinha da tradição da Lingüística Histórico-Comparativa, trabalhou com noções dicotô- 316 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais micas: língua/fala; sintagma/paradigma; sincronia/diacronia e significante/significado. Ver (Saussure, 1973). Ele previu uma nova concepção da ciência no âmbito epistemológico que chocava com a visão positivista do início do século XX, pois para o lingüista a língua evoluía no seio da vida social. Essa perspectiva teórica só seria aceita nos anos 40, com o resgate de suas idéias na vigência do Estruturalismo. Sua teoria considera a língua, o signo lingüístico, o mais importante sistema de signos, já que toda a experiência humana é organizada e significada pela língua (metalinguagem de toda e qualquer língua). O lingüista acreditava que a língua possui mecanismos gerais e princípios do seu funcionamento que são comuns a todas as línguas. Sendo muito criticado, Saussure, apesar de sua inovação epistemológica ao reconhecer as dinâmicas sociais das línguas, apresenta incoerências na sua teoria que valem ser enumeradas. Trubetzkoy (lingüista russo, do Círculo Lingüístico de Praga) critica Saussure pelas suas relações dicotômicas. O significado e o significante, na concepção saussuriana, seriam, respectivamente, um conceito, a idéia, a representação mental que se tem de um objeto; e outro seria uma imagem acústica – a materialidade física do signo. Isso pelo fato de o lingüista, ao pensar sua teoria, ter-se prendido ao signo lingüístico, pois, se estivéssemos falando do signo visual, essa materialidade física não seria uma imagem acústica. A língua, em Saussure, está para o significado e a fala para o significante. Trubetzkoy coloca que a língua é um sistema abstrato não podendo ser observada diretamente, pois ela é geral, social. A fala é particular, individual e concreta, pode ser observada e registrada (Pais, 1980, p.98-99). Este pensamento segundo Pais, de certa forma se assemelha aos pensadores de Port-Royal, como foi apresentado anteriormente, quanto se tratou da crítica às gramáticas. A Língua é uma dádiva de Deus. Dessa forma, ela pode ser entendida como algo abstrato. O ato de fala, que é humano, ou o desempenho do sujeito falante de uma língua é que pode ser falho. E esse ato de fala pode ser registrado e estudado. Já a língua é um sistema virtual em potência, um conjunto de possibilidades. Com isso, Saussure se esqueceu de 317 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas estabelecer as relações de significado e significante de língua e significado e significante de fala. Fazendo uma síntese simplificada desses comentários, Trubetzkoy conclui que nem todo significante é uma imagem acústica – essa seria o significante específico da fala no signo lingüístico. O significante em outros sistemas semióticos nem sempre se traduz numa imagem acústica. O significado de língua é uma semântica possível de dar sentido, já o significado de fala são as interpretações de um significado mais genérico dado pela língua e recortado no ato da fala, é a semântica do discurso. Nem sempre o significado será um conceito, ele pode ser considerado uma função. E isso gera a problemática do signo em Saussure que ligaria necessariamente o signo, como conceito a um referente externo, o que torna o signo arbitrário igual ao conceito positivista, criando um aspecto inconsistente de sua teorização que abandonava o referente do signo, por entender que a realidade extra-lingüística, a qual o signo representa, não teria seu estudo dentro das competências desta ciência (a lingüística). É o dinamarquês Hjelmslev, já citado, que propõe dar solução para essas questões. A partir das críticas de Trubetzkoy, Hjelmslev elabora uma teoria da linguagem, na obra intitulada Prolegômenos: por uma Teoria das Linguagens (1975). Hjelmslev substitui as noções de significante e significado, respectivamente, para as noções de expressão e conteúdo, os quais terão suas respectivas formas e substâncias, de acordo com suas naturezas. O sentido em Hjelmslev está determinado por uma função matemática, que ele classificou como “função Semiótica”, que se estabelece pela relação |R| do plano da expressão |E| com o conteúdo |C|: (∂) = R |ERC| (função Semiótica – Denotativa) Dessa função resultam mais duas outras funções que decorrem das possibilidades de articulação entre os planos da |E| e do |C|. A primeira função, já apresentada, configura a presença do sentido denotado ou “função denotativa”, isso quer dizer que para uma expressão tem-se um referido conteúdo. Exemplo: nos comerciais de varejo, em geral, todos os signos são utilizados na R |ERC|, praticamente não existe um significado além daquele mais óbvio que é logo percebido. 318 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais A segunda função semiótica é a “função conotativa”, ela ocorre quando a primeira função semiótica torna-se conteúdo de uma nova função semiótica. (∂) = |ERC| R C (função Conotativa) Para exemplificar a ocorrência desse fenômeno, observamos as mensagens publicitárias que criam um ambiente que representa o real, o cotidiano, mas a utilização de determinados objetos, roupas, tons de iluminação criam uma atmosfera ambiental que quer significar muito mais que uma simples descrição de uma situação (denotação), possui um significado ou conteúdo além, um estilo de vida. Assim, percebe-se que a R |ERC| (relação expressão com relação a outros conteúdos), estabelecida entre os diversos signos do comercial, torna-se conteúdo do anúncio. Ou seja, conotação da relação conteúdo e expressão, denotativa, constituída pelas formas e substâncias de todos os elementos sígnicos que a compõem. A última função é a “função metassemiótica”. Ela acontece quando uma função semiótica torna-se expressão de outra função. Exemplo: os casos de merchandising em telenovelas, ou seja, os elementos sígnicos da telenovela enquanto |ERC| tornam-se expressão de um comercial dentro da telenovela, que por sua vez, caracteriza outra R |ERC|. Matematicamente essa função estaria representada da seguinte maneira: (∂) = [ERC] R E (função metassemiótica) Essas funções podem coexistir numa mesma mensagem e o grau de complexidade da articulação e combinação simbólica de qualquer sistema de significação, publicitário neste caso, é definido pelas funções semióticas, propostas por Hjelmslev, que pode ser considerado o inspirador da semiótica. A partir dessas críticas e reformulação, a Semiologia saussuriana é relançada nos anos 40, na corrente teórica do Estruturalismo, a metateoria vigente neste período era a Sociologia. O Estruturalismo surge para corrigir as falhas de Saussure, mas acaba por gerar sérios desvios epistemológicos. As principais diferenças entre a Semiologia de Saussure e a Semiologia Estruturalista são: 319 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Semiologia Estruturalismo signo como objeto de estudo signo como objeto de estudo sincronia – diacronia sincronia língua – fala língua enunciado – enunciação enunciado Para os estruturalistas a Semiologia está inserida na lingüística. Eles abandonam a diacronia e se limitam a estudar a língua e não a fala, o enunciado sem a enunciação. Era como se eles tivessem resgatado o ideal positivista do final do século XIX e início do século XX. Ao relançarem as idéias de Saussure, os estruturalistas queriam conciliar a proposta deste com as novas circunstâncias históricas, sem as características perversas da Lingüística Histórico-Comparativa, que se apoiava no positivismo e na metáfora biológica de Darwin. Mas nesse período, já nos anos de 1950, surge o movimento neo-positivista que se apoiava no behaviorismo de Skinner. A língua – o signo lingüístico – era o modelo de análise para os outros sistemas sígnicos. É sobre o paradigma, o eixo da fala, que se construirá um sintagma, o eixo da língua, que engloba as regras de uso dos elementos paradigmáticos para que se ordenem numa seqüência lógica, sintagmática, capaz de produzir algum sentido. Sobre os conceitos de sintagma e paradigma, ver Barthes (1994, p.63-94). Esse modelo foi amplamente utilizado pelos estruturalistas. Assim, Christian Metz analisou o cinema e Ronald Barthes analisou a moda e a publicidade, demarcando os primeiros estudos da linguagem e do signo na publicidade, pela abordagem semiótica que ficou conhecida como semiologia estrutural. Ver sobre a influência desta corrente nos estudos semióticos da publicidade, o artigo de Souza e Santarelli (2008). Mas Hjelmslev, juntamente com Jackobson (1969), ao criticar Saussure modificam também a noção de sistema, que era dinâmico em Saussure, para uma concepção de sistema, passando essa dinâmica para o objeto, o signo. Esses confundiam sistema com estrutura. A concepção atual dos sistemas semióticos é dinâmica e suas estruturas também. Essas alterações, como já falamos, geram profundos desvios epistemológicos sobre a teoria, que só começa a ser revista a partir dos anos 60, quando os estruturalistas entram em crise e a sociologia deixa de ser a metateoria, cedendo seu lugar para o conjunto da tota- 320 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais lidade das ciências humanas. A confusão entre sistemas e estrutura é solucionada com o pós-estruturalismo. Para este texto os sistemas sígnicos são sistemas abertos e, enquanto sistemas fazem circular sentido/informação; eles são sistemas auto-reguláveis e auto-alimentáveis. Ou seja, eles são dotados da capacidade de se ajustar, no nível da estrutura, em função de ruídos ou interferências eternas, que fazem com que o sistema se atualize, pois só pela auto-alimentação e pela auto-regulagem é que os sistemas conseguem se manter vivos, em funcionamento. Sobre os conceitos citados, referentes à teoria dos sistemas, registra-se a obra do biólogo francês Atlan (1993, p.36-53). O importante, a partir do novo movimento semiótico, é respeitar toda e qualquer produção cultural do homem em sociedade. Proposta esta que confrontava com outra metateoria coexistente, a do neo-positivismo/behaviorismo. Dessa idéia de respeito à diversidade da produção cultural do homem, que leva por conseqüência ao respeito à riqueza de produção dos vários sistemas de significação e de construção de sentidos – comunicação – e modos de organização social, é que surge a semiótica contemporânea, inclusive desde a década de 1970 no primeiro Congresso Mundial de Semiótica em Paris, os pesquisadores entram num consenso e recomendam que todas as nomenclaturas antigas das vertentes de estudos dos signos (semiologia, semianálise...) sejam abolidas, utilizando-se o nome semiótica para todas as abordagens de estudos dos signos. Essa nova fase da Semiótica, liderada por Algidas Julien Greimas, vem com a proposta de observar e estudar todos os processos semióticos – de significação – e seus discursos dialeticamente articulados, dentro de um processo de produção de sentido nas culturas. Estamos falando dos ramos de estudos sígnicos Pós-Estruturalistas denominados: Sociossemiótica, Semiótica Narrativa e Discursiva, Semiótica das Culturas, Semióticas das paixões, Semiótica tensiva, Semiótica Plástica e figurativa, Semiótica da expressão que foram além das noções de análise pautadas na contação e denotação, amplamente aplicadas aos estudos da retórica e da linguagem publicitária, inaugurados por Roland Barthes e trabalhados em Duran, Péninou, Eco e Joly nos anso 60 e 70, como discutem Souza e San- 321 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas tarelli (2008). Ao superarem a contribuição dos autores citados, os pesquisadores herdeiros do trabalho de Greimas, propuseram uma primeira modelagem de análise semiótica que articulava os sentidos das marcas e da publicidade com o marketing dentro de uma perspectiva dos sentidos da vida cultural de consumo como texto/ discurso. Tal contribuição materializa-se, sobretudo, nos trabalhos de Jean-Marie Floch (1990) e Andrea Semprini (1995). E para dar desfecho a este histórico da evolução dos diversos ramos da ciência da linguagem, além das vertentes citadas, a maioria com origem francesa, surge também na década de 1960, outra corrente de estudos dos sentidos, denominada Análise do Discurso, também de linha francesa. Os analistas do discurso, como Michel Pêcheux, entre outros, criticam a semiótica por entender que os estudos semióticos se limitam demais ao que o texto diz, herança metodológica estruturalista, causada pela ausência de diacronia nos estudos sígnicos, ou seja, a famosa crítica do “texto pelo texto”, isolando a produção de sentido do seu contexto sociocultural histórico. Em função disso, os analistas do discurso vão fundamentar-se filosoficamente nas idéias de interdiscurso de Pêcheux e de dialogia de Bakhtin e vão priorizar em suas análises sígnicas o signo verbal, trazendo a perspectiva histórica e ideológica dos textos/discursos, também presente na semiótica contemporânea, só que marcada pela influência teórica do materialismo-histórico do marxismo, presente na obra de Bakhtin e de Pêcheux, este último discípulo de Althüsser, realizador de primeira grande reinterpretação da teoria marxista. Ainda nos anos 60, no continente americano, o Pós-Estruturalismo se espalha e chega aos Estados Unidos, mas lá é batizado com outro nome, Desconstruction, cuja tradução é Desconstrução, tomando rumos bem divergentes das escolas francesas, passando a fazer, também, uma investigação filosófica da linguagem sob a perspectiva da pós-modernidade e resgatando a Semiótica de Charles Sanders Peirce. (Santaella, 1996, p. 109-113). Após esse resgate histórico, cabe esclarecer que, não seria possível neste texto esboçar todos os modelos de análise da linguagem publicitária, nem foi este o intuito. Outro dado a se considerar é que, diferentemente do comum no meio acadêmico, este trabalho tem seu recorte 322 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais teórico nas tradições da semiótica francesa, mas não nega as contribuições que essas vertentes trouxeram à pesquisa na área da linguagem. Com isso, defende-se aqui um pensamento semelhante ao adotado por Cidmar Teodoro Pais que favorece uma semiótica plural que se complementa não só a partir das contribuições obtidas com a diversidade dos olhares teóricos sobre o signo em cada vertente, mas principalmente com as aquisições de outras ciências: a antropologia, a física, a biologia, a psicologia, as ciências sociais, a filosofia, entre outras, reconhecendo o âmbito epistêmico de cada uma delas e completando o nosso conhecimento a partir de seus métodos, cobrindo as lacunas umas das outras, pois uma teoria não esvazia por si só a riqueza de um objeto de estudo. Na intenção de concluir, eis aqui o signo publicitário e seu universo de discurso Assim, podemos definir à luz da discussão anterior o que seria uma semiótica da publicidade, seus signos e seu universo de discurso. Como ponto de partida, devemos entender que em um estudo de produção de significação de qualquer sistema de comunicação, a ciência matriz é a Semiótica, pois para (ECO, 1980, p.5-6), a Semiótica seria a ciência que se dispõe a estudar todos os sistemas sígnicos e os processos de significação e produção de sentidos. Compreender a produção da mensagem publicitária a partir da sua complexidade semiótica: articulação e combinação de signos de natureza verbal e não-verbal, (...) é um exercício dirigido à percepção, pois ao dar-se conta da lógica dos diferentes sistemas sígnicos que constituem estes diferentes domínios da prática semiótica, a teoria contribui não só para a desconstrução de um complexo (a publicidade), mas também consegue de um modo particular suas constantes reelaboração. (Duarte,1991, p.114) Mas antes de se entrar nessas discussões é importante lembrar que, quando se faz um estudo sobre significação e produção de sentido na construção simbólica da publicidade, não podemos esquecer de citar as construções de Hjelmslev e Barthes no campo das relações expressão/conteúdo e as funções semióticas que daí se originam (conotativa, denotativa e metassemiótica), como já foi discutido. 323 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Percebe-se então que a publicidade é um sistema semiótico híbrido e sincrético3 que se caracteriza pela produção de um discurso peculiar que se distingue das demais produções discursivas, dentro de um contexto macrossemiótico, em relação aos outros discursos existentes e produzidos na sociedade. Híbrido porque suas expressões são de várias naturezas sígnicas e sincréticas porque essa variedade de expressões sígnicas estaria agindo na isotopia de um mesmo conteúdo, evocando as várias sensibilidades humanas, a partir dos discursos. Ou seja, direcionando as expressões para um campo comum do conteúdo do texto. Portanto, operando uma adaptação do signo de Hjelmeslev _ │C│ R │E│ (que deve ser entendido também como unidade mínima de todo e qualquer texto e, por isso, o signo também é texto) _, compreendemos que o texto publicitário é composto em seu conteúdo pelo somatório da totalidade das expressões que o constitui, considerando-se nesse processo a natureza híbrida e sincrética de tais mensagens. Signo/texto publicitário = |C| R | ∑ | E| Tal afirmação pode ser feita pautada também nas idéias da sociossemiótica proposta por Greimas, um dos idealizadores da Semiótica narrativa e discursiva, quando este autor ao discutir a “Semiótica e Comunicações Sociais”, considera a existência de uma “Sociossemiótica Discursiva”, uma vez que ele reconhece a ocorrência de grupos semióticos que utilizam “socioletos” e produzem discursos sociais. As formas de comunicação, num painel geral, levam à sugestão da análise dessas microssemióticas-objetos, os diversos discursos produzidos na sociedade, verificando quais as condições específicas de suas constituições. Falamos nas colocações acima, de um ramo da Semiótica, a Sociossemiótica, que tem o objetivo de estudar diversos universos de discursos, não literários, produzidos na sociedade. Dizemos não literários pelo fato de a literatura ter efeito apenas sobre um indivíduo – o leitor – e não um efeito sobre a coletividade. 3 Hjelmslev (1975) define sincretismo como sinônimo de híbrido. Contudo, temos algumas restrições a essa sinonímia, pois discursos híbridos implicam na relação de matrizes de linguagens diferentes (verbais e não verbais). Já os discursos sincréticos eles evocam outras sensações pela linguagem, mas os discursos sincréticos não são necessariamente híbridos. O sincretismo na literatura só se verifica em linguagem verbal, por exemplo, e não há hibridismo entre as matrizes de linguagens. 324 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em função dessas colocações, recorremos ao segundo texto mencionado na introdução desta reflexão que se refere aos estudos de Cidmar Teodoro Pais sobre as tipologias dos universos de discursos, onde o autor conceitua universo de discurso como sendo (...) um conjunto de combinações sígnicas manifestadas e possíveis de serem manifestadas que tendem ad infinitum e está sujeito às normas discursivas – definidas pelas características constantes em relação às variáveis – configurando critérios de equivalências, pelo qual é lícito reunir diferentes discursos (individuais) manifestados, discurso-ocorrências, numa classe de equivalência discursiva, o universo de discurso considerado (...) que cai numa rede de relações virtuais entre os diversos discursos (manifestados n sociedade), devendo considerar ainda, as relações que se instalam entre os textos (semióticos) desses diversos discursos. (Pais, 1984, p. 44-45). Esses universos de discursos, na prática, correspondem aos discursos jurídico, publicitário, religioso, pedagógico, científico, jornalístico, tecnológico, ético, entre muitos outros existentes na sociedade, os quais estão em constante processo de interação. Assim, cada um desses discursos segue estruturas de poder que instauram nos sujeitos (indivíduos executores dos discursos em um percurso narrativo), por meio de modalidades – entendendo modalidade como algo estabelecido na intenção dos discursos, pois modalidades são metatermos cujos sentidos estão além dos percebidos strictu senso -, a produção de um poder-saber, poder-fazer, poder-querer, poder-dever, poder-crer, poder-ser, que caracterizará a ordem do discurso. Ver Pais (1997b, p.46-47)4. Em termos da definição do que seria o universo de discurso publicitário, pode-se atribuir essas constantes a determinadas construções sígnicas de tais mensagens, como os pack shots (assinaturas, mostrando sempre marcas ou produtos), iconografias publicitárias, ou seja, textos que fazem, através dessas combinações sígnicas, referências aos produtos e por isso são reconhecidos como publicitários. Quanto às variáveis, pode-se dizer que elas são os elementos dos outros universos de discursos que atuam em um univer4 Neste artigo Pais define que os discursos seguem uma estrutura de poder, que pode ser compreendida como a estrutura moral de um discurso, ou seja, é intenção do discurso, sua modalidade, um poder-ser, poder-querer, como está demonstrado acima. 325 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas so de discurso, mas que não servem como critérios de equivalência que permitiam classificar por tal combinação sígnica um determinado universo de discurso. Ou seja, uma cena de café da manhã e outra de uma pessoa andando na praia não configuram necessariamente uma constante que sirva para classificar tal enunciado como um discurso publicitário, pode ser uma telenovela, um filme etc. Desse modo, a teorização apresentada por Pais permite observar o discurso publicitário a partir das suas relações modais com os outros sistemas discursivos. Essas relações modais acontecem de duas formas: A sobredeterminação modal, quando um discurso desencadeia outro, por exemplo: cria-se uma nova lei que deve ser aplicada pelo judiciário (discurso jurídico poder-fazer-dever), a qual – a nova lei – deve ser cumprida por todos os cidadãos e instituições do país, assim, entra em ação o discurso burocrático (poder-fazer-fazer) um discurso manipulatório que obriga os indivíduos a cumprirem a lei, independentemente de suas vontades. E a sobremodalização, que ocorrem quando modalidades discursivas interagem e agem em conjunto, por exemplo, discurso científico (poder-fazer-saber) associado ao discurso religioso (poder-fazer-crer), pode-se estar tratando da teologia. Tal formulação teórica demonstra que a semiótica francesa (com seu caráter teórico intradiscursivo), buscou modos de superar seus limites, demarcados na critica feita pela Análise de discurso de linha francesa (com seu caráter teórico interdiscursivo), pois de algum modo a definição de universo de discurso e os conceitos de sobredeterminação e sobremodalização apontam para a dinâmica das relações entre discursos e gêneros, uma vez que o universo de discurso estaria compatível com as idéias de campo discursivo proposta por Dominique Maingueneau (1989), da Análise de Discurso, quando este autor considera que o estudo das relações entre os gêneros em um dado discurso, dá-se por meio da observação dos campos discursivos e das posições assumidas em um dado campo, pela manifestação das vozes (efeitos polifônicos) dos sujeitos envolvidos. O que também dialoga com o conceito de dialogismo e de gêneros discursivos defendidos por Bakhtin (1975). 326 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Se os conceitos não são exatamente equivalentes, eles são certamente parecidos e possibilitam o entendimento e o diálogo entre abordagens interdiscursivas e intradiscursivas, o que para o universo de discurso da publicidade mostra-se como algo rentável, no campo de investigação sobre a produção de sentido dos discursos midiáticos, como práticas sociais/discursivas. Mas o fato principal a ser considerado é que a noção de signo explicada por Pais, bem como sua noção de universo de discurso, aplicam-se com muita clareza ao universo da linguagem publicitária, demonstrando de modo pertinente pela a história do signo e do conhecimento humano, no contexto da semiótica, as potencialidades dos estudos sobre o papel social da linguagem publicitária na dinâmica do mundo global, o que abre espaço para outro artigo. Tal abordagem também dialogaria com outras formulações teóricas de Pais, a partir do que ele considerou como sendo a semiótica das culturas, onde o objeto, o universo de discurso publicitário tem uma atuação marcante, pelo fato do consumo ser um traço identitário constitutivo das sociedades contemporâneas, mas que aqui ficaram restritas às noções de signo e de universo de discurso da publicidade e propaganda, pois, como defendia o próprio Cidmar Teodoro Pais, as fronteiras entre a publicidade (discurso sobre as mercadorias) e propaganda (discurso difusor de ideologias, estão hoje cada vez mais tênues, quase invisíveis, o que impossibilita entender esses conceitos de forma isolada e endossa a sinonímia que se consolida na cultura deste subcampo da comunicação, que hoje se transfigura em múltiplas expressões midiáticas e nos obriga a pensar no sentido de publicidade e propaganda como algo que se publicisa, não mais nos formatos tradicionais da publicidade, mas sim como algo que se dá por inúmeras formas de promoção, de tornar público e de divulgação de ideias no âmbito da vida social, hoje mais do que nunca marcada pela midiatização, ou seja, o fenômeno da discursivização da vida social que aqui foi visto na perspectiva teórica da mediação sígnica da publicidade e da propangada. 327 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Referências ARISTÓTELES. 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(Dissertação de Mestrado) 329 Os dez anos da habilitação em Publicidade e Propaganda na UFC Ana Danielle Cavalcante Menezes, André Marchesi de Camargo Neves, Bárbara Figueiredo de Araújo, Débora Moreira Araújo e Glícia Maria Pontes Bezerra A formação em Publicidade e Propaganda no Brasil O ensino de Publicidade e Propaganda no Brasil foi iniciado dentro das próprias agências de Propaganda, podendo ser citada a Eclética como a primeira agência criada no território brasileiro. Posteriormente, chegam ao Brasil o Departamento de Propaganda da General Motors, agência J.W.Thompson e Ayer, que estimulam o aprendizado prático de propaganda dentro das agências. Os profissionais que aí trabalhavam vinham de diversas áreas, como direito, economia e arquitetura, pois não haviam profissionais especializados em Publicidade e Propaganda, afirma Durand (2006). Segundo Durand (2006), as agências começaram, então, a ser uma espécie de escola para os profissionais que trabalhavam com publicidade, treinando as técnicas diretamente no mercado, muito embora isso significasse uma perda de tempo e dinheiro para as agências. Na década de 50, o desenvolvimento da propaganda ocorrido devido o desenvolvimento da indústria e do consumo motivou o Museu de Arte de São Paulo – MASP - a criar o I Salão Nacional de Propaganda, dirigido por Pietro Maria Bardi. Em seguida, Durand (2006) afirma que muitos cursos incluíram em seus currículos cadeiras relacionadas à Publicidade e Propaganda, como, por exemplo, Arte Publicitária. A partir daí, muitas escolas de Publicidade e Propaganda foram sendo fundadas. Em 1952, foi dado início ao primeiro curso de propaganda com as seguintes disciplinas: Psicologia, Técnicas de Propaganda, Técnicas de Esboço (Layout), Arte Final, Produção e Arte Gráfica, Redação, Rádio, cinema e TV, Mídia, Estatística (pesquisa de Mercado) e Promoção de Venda. O curso inicialmente funcionava no MASP, porém, a procura foi tão grande que precisou mudar para uma nova e maior sede e passou a ser conhecido como Escola de Propaganda de 331 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas São Paulo – EPSP. Em 1961, recebe o título de Escola Superior de Propaganda de São Paulo – ESP. Já em 1978, o curso introduz o ensinamento do Marketing no currículo, deixa de ter dois anos e passa a ter quatro anos de duração e recebe o nome de ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing. (José Carlos Durand, 2006, pp. 438) Durante os anos 80 e 90, as grades curriculares de muitos cursos ainda passavam por adaptações as constantes transformações decorrentes do desenvolvimento que o Brasil inteiro estava sofrendo. Assim, as Instituições de Ensino Superior – IES – procuravam meios para adaptarem-se as novas realidades de Mercado existente. Foram convocados inúmeros seminários e debates para analisar a melhor estrutura da graduação. Com a Comunicação Social não foi diferente. Lutou-se bastante por modificações no Currículo Mínimo, aprovado pela Resolução nº 02/84. E em 2001, com o Parecer nº 492/01, foi possível observar que o Conselho Nacional de Educação – CNE – pôde estabelecer uma maior flexibilidade na estrutura dos cursos possibilitando adequações de acordo com as demandas de cada um. Em 2001, com o Parecer nº 492/01, foram regulamentadas as habilitações do Curso de Comunicação Social em: Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda, Produção Editorial, Radialismo (Rádio e TV) e Cinema, e possibilitou liberdade para a criação de novas habilitações, estas também tendo que estar de acordo com as normas do CNE, segundo Dias (2003). Os prêmios oferecidos e o reconhecimento que os profissionais de criação foram adquirindo no mercado publicitário, foram gerando uma grande procura pelos cursos em todo o Brasil e a concorrência pelas vagas dos cursos de Publicidade e Propaganda foi ficando bastante alta. Verificamos que em 1972 havia um registro de 46 escolas de Comunicação Social em funcionamento no Brasil (PINHO, 1998, p. 160) envolvendo todos os segmentos da área. Atualmente é possível encontrar 75 cursos diferentes na área de Marketing e Publicidade, a qual agrega os segmentos: Marketing e Propaganda, Mercadologia, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. Já no segmento de Jornalismo e reportagem, verificamos o funcionamento de 300 cursos, distribuídos 332 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais nos segmentos: Cinema e Vídeo, Comunicação Social (redação e conteúdo), Jornalismo, Produção Editorial, Radialismo e Rádio e Telejornalismo (Samia Cruañes de Souza Dias, 2001, p.105). Em 2009, segundo o site UOL Vestibular, a Universidade de São Paulo (USP) disponibilizava 50 vagas para o curso de Publicidade e Propaganda e a concorrência por cada vaga foi de 40,6 candidatos, a maior concorrência comparando todos os cursos da Instituição. Já em 2010, o curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Ceará (UFC) teve a concorrência de 17,2 pessoas por vaga, dentre as 50 ofertadas e 861 inscritas neste mesmo vestibular 2010.1. (Coordenadoria de Concursos na UFC, 2010). Tal concorrência já foi maior, mas podemos justificar esse declínio em decorrência da abertura de novos cursos na Universidade Federal do Ceará, tais como Cinema e Audiovisual. Surgimento do Curso de Comunicação no Ceará A criação de um curso de Jornalismo começou a ser pensada em 1937 em uma sessão na Associação Cearense de Imprensa (ACI) que hoje é uma das instituições mais importantes do Estado. Fundada em 14 de julho de 1925, no Governo de Marcos Peixoto, pela iniciativa de repórteres, auxiliares de redação, jornalistas praticantes ou avulsos, não eram jornalistas de formação teórica, e sim de prática. A ACI foi um dos órgãos mais importantes para a criação do jornalismo e do curso de comunicação no Ceará. Segundo Sá (1979), apesar de não terem sido tomadas providências no sentido de concretizar nessa empreitada, a ACI continuou a empreender ações a fim de criar o curso de Jornalismo. Durante toda a década de 1950, buscou criar a primeira escola de Jornalismo junto à Faculdade Católica de Filosofia. Em 1964, foram oferecidos dois cursinhos de Jornalismo para iniciantes de curta duração e, em 1965, realizava-se o primeiro Curso Livre patrocinado pela Universidade Federal do Ceará, resultando na criação do Curso de Jornalismo que começou a funcionar em 1966. Sá (1979, pp. 74) mostra que “a formação do profissional de Imprensa se fazia cada vez mais imperativa e o Brasil tinha absoluta consciência dessa necessidade.” O Ceará não fugiu dessa visão e desse objetivo e tudo fez no sentido de também possuir a sua Escola de Jornalismo. 333 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Na verdade, só houve a realização de um curso livre em Fortaleza, os outros dois empreendidos pela ACI com participação atuante de Adísia Sá eram cursos de jornalismo para iniciantes, o que a jornalista faz questão de deixar claro. O curso de Jornalismo no Ceará veio para suprir a necessidade de se preparar profissionais para um mercado de trabalho que crescia cada vez mais rápido. Também aqui, houve a passagem por um período de jornalismo boêmio, e que, aos poucos, foi trocado pelo jornalismo empresarial, deixando cada vez mais de absorver profissionais que agissem segundo seus impulsos criativos. O mercado de trabalho, com a industrialização, demandava um preparo antecipado, daí a necessidade dos cursos. Sá (1979) ressalta também a importância de se dar uma formação ética, científica e jurídica para os ingressantes na área. A importância de se falar dos cursos de Comunicação Social reside no fato de que eles acompanham bem de perto a formação do profissional ao longo do tempo. Foram eles que acabaram por influenciar a formação dos mais variados tipos de jornalistas, resultando em uma pluralidade de identidades dessas pessoas. Já o curso de Publicidade e Propaganda surgiu no contexto da cidade de Fortaleza por uma exigência de uma maior qualificação no mercado de trabalho. Segundo o Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda da UFC (2004), por falta de profissionais adequados o mercado publicitário se valia de trabalhadores de várias áreas, como jornalismo ou outros até mesmo sem formação acadêmica. No cenário local, quem primeiro atende a essa necessidade acadêmica do mercado é a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) fundando seu curso de Publicidade e Propaganda já em 1997. Diferente da UFC, a Unifor funda um curso específico em Publicidade e Propaganda, formando, dessa forma, publicitários, enquanto na UFC formam-se comunicólogos habilitados em publicidade e propaganda. A UFC justifica a implementação da habilitação segundo alguns pressupostos que, diante de sua filosofia e das necessidades identificadas no mercado, contribuem de forma eficiente para a boa formação do profissional em questão, como a ética e a livre expressão do profissional; participação nas transformações sociais, políticas e culturais 334 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais assim como também, o estímulo ao envolvimento em projetos e grupos de pesquisa. Estes pontos norteadores partem do princípio de que não basta ao profissional de publicidade a abrangência em conhecimentos técnicos, mas o conhecimento e o envolvimento real em todo contexto no qual o mesmo está inserido. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004) A Universidade Federal do Ceará apresenta ainda os objetivos que sua habilitação em publicidade e propaganda visa alcançar. São estes: • Formar profissionais capazes de interagir no cenário profissional e no mercado de trabalho; • Estimular o exercício de uma visão crítica e criativa sobre os fatos e evidências ocorrentes na sociedade; • Conscientizar acerca da importância da educação continuada; • Preparar um profissional ético, competente, com capacidade de saber-pensar-atender-transformar as demandas/necessidades do mercado, bem como intervir e transformar a realidade; • Estimular a busca por atividades de pesquisas e o interesse pela docência. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004, pp. 10). A missão da habilitação em Publicidade e Propaganda da UFC é formar profissionais éticos, atualizados com as novas tendências do mercado, assim como também, de seus aparatos técnicos e com consciência crítica diante da realidade local, regional e nacional, “tendo como preocupação central (...) formar pessoas/profissionais que não se limitem apenas ao exercício técnico-profissional, mas a uma atuação ético-política, comprometida com as transformações qualitativas do mundo em que vivemos”. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004, pp. 16). Diante de tais características a Universidade Federal do Ceará desenvolve o perfil do profissional que deseja entregar ao mercado visando suprir as necessidades urgentes do mesmo. Dentre as características deste profissional encontram-se as seguintes: • Domínio das linguagens dos meios de comunicação e as novas tecnologias relacionadas ao exercício da profissão, sendo capaz de adaptar-se a processos de experimentação e inovação; 335 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas • Acompanhamento do trabalho dos departamentos de criação, produção e pesquisa, analisando e comparando potencialidades do mercado a que se destina o produto ou serviço; • Elaboração de estratégias de lançamento e sustentação de produtos e serviços, através do levantamento das expectativas do mercado a que se destinam; • Confecção dos custos e dos orçamentos das campanhas publicitárias, otimizando a relação custo vs. benefício; • Planejamento e execução de campanhas publicitárias em meios de comunicação. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004, p. 11) Quando se trata da área de atuação do profissional formado, o projeto pedagógico proposto pela universidade ressalta que os campos de atuação do profissional formado no curso são as agências de publicidade, as assessorias de empresas, os veículos de comunicação, as ONG’s e as universidades e centros de pesquisas, para os que seguirão carreira acadêmica. Sobre agregar valores e disciplinas diversas para uma formação mais completa e eficiente de seus profissionais, o Projeto Pedagógico da habilitação na UFC diz: A formação de um repertório de informações diversificadas, da moda à religião, do futebol à tecnologia de ponta, é de fundamental importância para a formação do profissional de comunicação, indiferentemente da área em que atua ou do nível de especialização que possui. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004, pp. 21). Pode-se destacar que a Universidade Federal do Ceará traz em sua filosofia uma grande atenção quando se trata de pesquisa e produção teórico-acadêmica, incentivando seus alunos a escreverem sobre o que produzem, a questionarem as produções atuais e a vivenciarem a pesquisa em sua área de comunicação de forma autêntica e transformadora, dessa forma, a UFC tem seu olhar bastante voltado para o pensamento crítico da realidade em que o profissional está inserido. Atendendo à crescente demanda do mercado, posteriormente, outras faculdades da cidade passaram a ofertar cursos na área de Pu- 336 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais blicidade e Propaganda. Em 2004, é implantado o curso na Faculdade Integrada do Ceará (FIC); também em 2004, a Faculdades Cearenses (FAC); em seguida, 2005, a Faculdades Nordeste (FANOR); em 2006, a Faculdade 7 de Setembro (Fa7) inaugura o seu curso de Publicidade e Propaganda; no ano de 2008, é a vez da Faculdade Católica do Ceará; e a mais recente, 2009, a Faculdade de Fortaleza (Fafor). Ao todo são oito (8) faculdades que oferecem o curso de Publicidade e Propaganda na cidade de Fortaleza. a. A tradição do curso de Jornalismo O curso de Comunicação Social da UFC funcionou como curso polivalente durante 23 anos. Em 1987 foi aprovado pelo CEPE/UFC o sistema de habilitações e logo em 1988 foi implantada a habilitação em Jornalismo ficando as demais, radialismo e publicidade e propaganda, para posterior implantação. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2004). A habilitação em Publicidade e Propaganda só foi implantada dez anos depois, em 1998. Dessa forma tal habilitação nasceu quando já havia uma tradição da anterior, em jornalismo. Assim, a habilitação em publicidade e propaganda passou por muitos desafios para conseguir se consolidar como habilitação, já que a habilitação em Jornalismo era consolidada e a nova habilitação foi criada num período muito difícil para a universidade pública brasileira de escassez de recursos humanos e materiais. O curso de Comunicação Social na UFC existiu sem a Habilitação em Publicidade e Propaganda durante os seus 33 primeiros anos, de tal forma que muitos alunos que buscavam essa formação se viam obrigados a cursar Comunicação Social (polivalente) e, posteriormente, Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Os profissionais que trabalhavam no mercado publicitário cearense vinham de formações diversas, como o próprio Jornalismo, ou até mesmo sem nenhuma formação superior. O Mercado exigia, portanto, profissionais que tivessem uma discussão acadêmica a respeito o fazer Publicidade. b. A criação da habilitação em Publicidade e Propaganda na UFC 337 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas O processo de implantação da habilitação se deu, em especial, a partir da mobilização dos estudantes de Jornalismo que criaram a campanha “Publicidade na UFC é só propaganda” e chamaram a atenção da Administração Superior da Universidade. Em 1998, alunos, servidores e professores iniciaram discussões que visavam implementar a habilitação em Publicidade e Propaganda no Curso de Comunicação Social da UFC. Seguindo as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e as recomendações apresentadas pelo relatório da Comissão de Especialistas que sistematizaram as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Comunicação Social e suas habilitações, foi autorizada a abertura da habilitação em Publicidade e Propaganda na UFC no ano de 1998 e no mesmo ano foram abertas inscrições para o curso no vestibular da UFC. A primeira turma matriculada iniciou as aulas no primeiro semestre de 1999, e possuía 25 alunos. Porém, com a criação da habilitação e todas as dificuldades enfrentadas durante o início do seu funcionamento, como a falta de professores especializados na área e deficiência na estrutura laboratorial do curso, se formou uma imagem externa negativa da habilitação na UFC. Assim, muitos estudantes ingressavam na habilitação com receio e outros desistiam do curso após o ingresso, o que gerou um alto índice de evasão nas primeiras turmas. Os anos iniciais foram marcados pela falta de materiais básicos para o funcionamento adequado do curso, ausência de professores com vivência e conhecimento sobre a área, pela grande quantidade de professores substitutos (na época eram treze), muitas aulas não aconteciam por falta de estrutura, não havia computadores nem estúdios onde os alunos pudessem praticar a teoria, não havia assistência estudantil de qualidade, chegando a ter em um ano apenas um bolsista no curso. Iniciou-se então um processo de luta pela aquisição de materiais estruturais e ampliação do corpo docente efetivo. Esse período coincidiu com o processo de sucateamento das universidades federais brasileiras, as quais tiveram uma grande redução nos investimentos e na contratação de professores. Segundo Cunha (2003), com a tentativa de redução de gastos com as universidades e centros universitários, estas passaram por um processo de desvinculação 338 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais entre ensino, pesquisa e extensão, causando grandes perdas para a qualidade do ensino no Brasil. Hoje, após algumas reformulações na estrutura, aquisição de novos equipamentos e contratação de professores especializados na área, a habilitação em Publicidade e Propaganda da UFC vem se consolidando e sendo cada vez mais reconhecida. O curso forma comunicólogos, só que comunicólogos com habilitação em publicidade e propaganda ou jornalismo. Uma das grandes mudanças vividas na habilitação foi a reformulação da grade curricular em 2006, com a criação de disciplinas que antes não eram contempladas no currículo, tal como Direção de Arte e Redação Publicitária, além da possibilidade de realização do Projeto Experimental em Publicidade e Propaganda, que antes não era previsto. Além disso, a estrutura física da Publicidade na UFC teve uma grande melhoria. Foram contratados os primeiros professores formados em publicidade e propaganda ou estudiosos do assunto, alguns formados no próprio curso. Aparelhos como câmeras de vídeos, gravadores e computadores foram adquiridos. Também podemos destacar que dentro dos seus 45 anos de existência do curso de Comunicação, foram desenvolvidos projetos de alta relevância para os estudantes e para o curso em si, promovendo uma maior integração entre universidade e aluno. Projetos como o PETCOM, Bawbu’siu, Liga Experimental de Comunicação, PARC, Oficina de Quadrinhos, TVez e GRIM, funcionam de forma a estimular o aluno a aplicar os conteúdos aprendidos em sala de aula, como os projetos que surgiram dentro do PETCOM: PETv, CineCOM e o GENT. O Balbucio (ou Bawbu’siu) foi criado em 2003 e é vinculado à Universidade Federal do Ceará como Projeto de Extensão. O grupo realizou mais de 40 apresentações de performances e instalações em diversos eventos cearenses, além de ter promovido dois seminários sobre a produção artística em seus diversos aspectos. Criada em 2007, a Liga Experimental de Comunicação surge da necessidade e pressão dos alunos da UFC em ter uma agência que tivesse fins práticos, aproximando os estudantes da realidade do mercado. Atende tanto a necessidades de comunicação de instrumentos dentro da UFC como a ONG’s, com o objetivo gerar benefícios às 339 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas organizações que não possuem renda para a realização de projetos, firmando-se como uma via de mão dupla, que permite aprendizado aos alunos e soluções para as empresas que são clientes. Mais um projeto de extensão do curso de Comunicação Social, a Oficina de Quadrinhos foi iniciada com o professor Ricardo Jorge. Os alunos aprendem desde as noções básicas do tema, técnica de redação de roteiros e diagramação de páginas, até a sua fase final de produção e publicação. O PARC (Programa de Assessoria Técnica e Sócio-Cultural às Rádios Comunitárias do Ceará), criado em 1987, pela professora Márcia Vidal Nunes, desenvolve atividades em Comunicação Comunitária/ Popular/Alternativa. Caracteriza-se pela realização de discussões nas comunidades, objetivando aprimorar as informações surgidas nesses locais e permitindo uma maior compreensão da importância dessa mídia para os moradores das localidades trabalhadas. Outro programa de extensão voltado para a compreensão das mídias é o TVez, educação para uso criativo das mídias, surgido da preocupação das professoras Luciana Lobo (psicologia) e Inês Vitorino Sampaio (comunicação) com a forma que o indivíduo “lê” e interpreta a mídia televisiva. Desde 2005, são desenvolvidas oficinas, debates e apresentações de trabalho em diversas comunidades, discutindo psicologia, comunicação e educação. O Grupo de Pesquisa da Relação Infância Adolescência e Mídia, GRIM, composto por alunos da graduação e do mestrado de Comunicação Social, objetiva discutir e debater a ética da comunicação voltada para a criança e para o adolescente. O projeto há mais de 10 anos auxilia na formação de alunos através da iniciação à pesquisa, orientação de monografias e acompanhamento na elaboração de artigos científicos para congressos. Tais melhorias têm o objetivo de formar além de excelentes publicitários, profissionais críticos, que reflitam a sociedade e que possam unir os ensinos teóricos à prática. Princípios esses que estão refletidos no Projeto Pedagógico da habilitação em Publicidade e Propaganda: • Comprometimento com a ética e a liberdade de expressão, possibilitando uma ação técnica fundada em princípios teóri- 340 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais cos-metodológicos que assegure uma sólida formação para o exercício profissional, como também o exercício da livre criação e expressão de idéias. • Participação das transformações sociais, políticas e culturais, dando condições aos profissionais, para o aperfeiçoamento da sua capacidade crítica, proporcionando-lhes a possibilidade de atuar e de transformar a realidade do mercado de trabalho, tendo em vista os avanços tecnológicos e os interesses sociais, os políticos e os culturais da maior parte de população. • Incentivo a cultura acadêmica por intermédio da integração dos alunos a grupos de pesquisa, monitorias e participação em projetos de iniciação à pesquisa. (P.P. PUBLICIDADE UFC, 2006, pp. 9) Hoje o Curso de Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda tem professores efetivos e substitutos especializados na área, 264 alunos matriculados, 180 alunos formados e mais de 50 bolsistas. A estrutura física conta com quatro laboratórios (Redação e Produção Gráfica, Fotografia, Produção Radiofônica e Produção Televisiva) e quatro salas de áudiovisuais. A matriz curricular da habilitação em Publicidade e Propaganda exige do aluno que ele cumpra uma carga horária de 3504 horas (219 créditos1), sendo 10 créditos de disciplinas opcionais ou livre e 10 créditos de atividades complementares (cursos, eventos, projetos, artigos, movimento estudantil) além de 96 horas destinadas ao estágio obrigatório. Para o futuro Em 2008, o Curso de Comunicação Social da UFC passou a fazer parte do Instituto de Cultura e Arte (ICA), mudando sua estrutura hierárquica, antes submetida ao Centro de Humanidades e ao Departamento de Comunicação Social, este último deixa de 1 De acordo com o regimento da Universidade Federal do Ceará, um (1) crédito equivale a 16 (dezesseis) horas/aula. 341 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas existir e tem como substituto no organograma da Universidade a Coordenação do curso. Com essa mudança, o curso irá ser transferido para um novo prédio, no Campus do Pici, onde terá instalações mais adequadas para o seu funcionamento. O Instituto uniu os cursos de Artes Cênicas, Cinemas e Audiovisual, Comunicação Social, Educação Musical, Estilismo e Moda, Filosofia e Gastronomia. Futuramente, em 2011, o Curso de Dança será também incorporado. Com o intuito de desenvolver o ensino, a pesquisa e extensão no segmento das artes no Estado, especializando o ensino, Custódio Almeida (também pró-reitor de Graduação da UFC) foi indicado pelo Reitor, Professor Jesualdo Pereira Farias, para a diretoria do ICA. As mudanças nas diretrizes curriculares dos Cursos de Comunicação Social estão sendo discutidas nacionalmente através do Ministério da Educação e deverão apontar grandes transformações no perfil da formação em comunicação. Referências Coordenadoria de Concursos na UFC, 2010 – www.ccv.ufc.br CUNHA, Luiz Antônio. O Ensino Superior no Octênio FHC. Educ. Soc. Campinas, vol. 24, n. 82, p. 37-61, abril 2003. DURAND, José Carlos. Educação e Ideologia do talento no mundo da Publicidade. Escola de Administração de Empresas, Fundação Getúlio Vargas. Centro de Estudos de Cultura e do Consumo, janeiro de 2006. DIAS, Samia Cruañes de Souza. A Criação da habilitação Publicidade e Propaganda no Brasil: seus problemas e soluções. 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Disponível em: http://vestibular.uol.com.br/ultnot/2008/11/07/ult798u23729.jhtm Acesso em 20 de março de 2010. 343 Mapeamento e reflexão das ações comunicacionais de uma universidade em construção Flavi Ferreira Lisbôa Filho, Janiélli T. Ferreira Camargo, Orlando Garcia Portela Júnior e Quelen Madlei Silveira de Bairros Considerações iniciais 1 A Universidade Federal do Pampa (Unipampa) conta atualmente com 43 cursos de graduação, distribuídos em seus dez campi. Esse artigo trata de como se dá a comunicação na Unipampa, pois devido a sua intermunicipalidade e as distâncias geográficas que separam os campi, a comunicação deve ser considerada de forma estratégica. A preservação do discurso como unidade de comunicação tanto entre os campi, como internamente em cada campus e com a sociedade se faz necessária, para construir, reforçar e preservar a identidade da instituição. Segundo Torquato (1986, p. 52-53) “(...) a eficácia da organização depende, fundamentalmente, do conjunto harmonioso que se instala, tendo como pólo uma estrutura de coordenação para as operações de comunicação organizacional.” Para o referido autor a comunicação transformou-se na peça base das instituições, mantendo a ordem de desenvolvimento e expansão. Além, de preservar e reforçar pontos específicos da identidade institucional, fazendo com que todos trabalhem em torno de uma missão. Então, a comunicação desperta assim, um fluxo positivo com o propósito de influenciar o crescimento interno, externo e integrado da organização que dela melhor apropriar-se. A fim de iniciar a reflexão para a construção de uma política de comunicação para a Universidade Federal do Pampa realizaram-se entrevistas semi-estruturadas com os dirigentes dos dez campi, que constituem a universidade, ou com servidores indicados por eles. As entrevistas foram gravadas e posteriormente decupadas. A partir 1 Este estudo é fruto de um trabalho investigativo realizado durante o ano de 2007 e 2008. 345 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas delas se fez o mapeamento das principais falas dos entrevistados com o propósito de conhecer as necessidades, prioridades, semelhanças e particularidades comunicacionais dos dez campi da Universidade. A comunicação integrada nas organizações: definições conceituais O modelo da Comunicação Integrada tem sido estudado no Brasil prioritariamente no campo da Comunicação Empresarial. De acordo com Scroferneker (2006, on-line), Kunsch e Torquato destacam-se por suas pesquisas nesta área, constituindo-se em referências para os estudos de comunicação organizacional. A preocupação centra-se em estabelecer a abrangência do seu campo, assim como atribuir-lhe posição estratégica nas organizações. Para Kunsch (1999) a comunicação integrada deve ser entendida como uma filosofia, capaz de nortear e orientar toda a comunicação que é gerada na organização. Considerá-la desta forma é também condição ímpar para que a comunicação seja fator estratégico no desenvolvimento organizacional. Entende-se por comunicação integrada aquela em que as diversas subáreas da Comunicação atuam de forma sinérgica. Ela pressupõe uma junção da comunicação institucional, da comunicação mercadológica e da comunicação interna, que foram o composto da comunicação organizacional. Este deve formar um conjunto harmonioso, apesar das diferenças e das especificidades de cada setor e dos respectivos subsetores. A soma de todas as atividades redundará na eficácia da comunicação nas organizações. (KUNSCH, 1997, p. 115) A relevância da comunicação integrada se atribui ao fato dela permitir elaborar uma política global, dotando de coerência e coesão os programas de comunicação, por meio de uma linguagem comum e de um comportamento organizacional homogêneo. Vejamos a seguir como se caracterizam as comunicações nas organizações segundo Kunsch (1999): • a comunicação institucional é responsável pelo burilamento da imagem corporativa, construindo a credibilidade da organização e consolidando sua personalidade; 346 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais • a comunicação mercadológica centra-se no objetivo de vendas. Vincula-se ao marketing, à promoção, às feiras, à propaganda comercial, ao merchandising etc.; • a comunicação interna busca uma maior integração dentro da organização, pois procura a satisfação dos interesses dos funcionários e da corporação, a partir do diálogo, da participação e da troca de informações. Busca valorizar o colaborador como cidadão; e • - a comunicação administrativa relaciona os fluxos (descendente, ascendente, lateral e diagonal), os níveis (intra, inter, grupal e coletivo) e as redes (formal e informal), que permitem o funcionamento de todo sistema de comunicação na ambiência da instituição. Na ilustração a seguir evidenciam-se algumas ferramentas da comunicação integrada: Comunicação Integrada Composto de Comunicação Comunicação Organizacional Institucional - relações públicas - marketing social - marketing cultural - jornalismo - assessoria de imprensa - identidade corporativa - propaganda institucional Interna - utiliza metodologias e técnicas da comunicação institucional e da mercadológica, mas voltada para o público interno Administrativa - fluxos - rede formal - rede informal - veículos Mercadológica - marketing - propaganda - promoção de vendas - feiras e exposições - marketing direto - merchandising - venda pessoal Adaptado de Kunsch (1997). Torquato (2002, p. 35), por sua vez, afirma que a comunicação organizacional “(...) é a possibilidade sistêmica que, integrada, reúne as modalidades de comunicação cultural, comunicação administrativa, comunicação social e sistemas de informação”. Este autor considera a comunicação institucional e a mercadológica como comunicação social, na qual estão contempladas as áreas de jornalismo, relações públicas, publicidade, editoração e marketing. 347 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas A comunicação administrativa, segundo Torquato (2002, p.45) são: (...) normas, instruções, políticas comerciais/negociais, políticas de desempenho de pessoal, políticas de promoção, políticas salariais, políticas de gestão/organização/modernização, regulamentos, portarias, avisos, informações sobre novos lançamentos, programas, produtos e/ou serviços, mudanças institucionais e programáticas, projetos de expansão/racionalização da rede, movimentos negociais, resultados de campanhas. A comunicação interna se desenvolve paralelamente à comunicação administrativa, e tem como missão básica “contribuir para o desenvolvimento de e a manutenção de um clima positivo, propício para o cumprimento das metas estratégicas da organização” (TORQUATO, 2002, p. 54). Além de incluir o sistema de informação como uma quarta forma de comunicação, na qual estão agregadas as informações armazenadas em bancos de dados. Apesar das diferentes terminologias utilizadas, ambos os autores enfatizam a necessidade da comunicação ser pensada de forma integrada e como uma ferramenta estratégica pelas organizações. Desta forma, ela contribui para o desenvolvimento e a eficácia organizacional. Apresentação dos resultados a. Necessidades, semelhanças e particularidades As principais semelhanças identificadas entre os campi da Unipampa foram a falta de um profissional específico para área de comunicação, o que acarretou em acúmulo de funções para determinadas pessoas ou até mesmo na não atribuição de um responsável para cuidar da comunicação. Ao mesmo tempo, isto aponta para a necessidade de se ter responsáveis para exercer a função de comunicação, tal como uma assessoria de comunicação. Contudo, tratando-se de uma universidade pública todas as contratações se dão através de concursos públicos, que, por sua vez, dependem de deliberações dos Ministérios da Educação e do Planejamento. Também se verificou a necessidade de se ter uma identidade visual que represente a Universidade, pois eram usadas as marcas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade 348 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Federal de Pelotas (UFPel), pois a Unipampa configurava-se como extensão delas. Em outras palavras, por meio de acordos de cooperação técnica firmado entre as referidas universidades e o Ministério da Educação se deu a implantação do que veio a ser a Unipampa. Tanto UFSM quanto UFPel ficaram com a incumbência de implementar cinco campi cada uma e seus primeiros cursos de graduação. Em janeiro de 2008 foi sancionada a Lei de criação da Unipampa e a partir de março a Universidade passou a ter uma logomarca própria. Contudo, outras necessidades foram geradas, como a unificação do papelório, material de expediente, sinalização, entre outros. No que diz respeito à criação e produção gráficas dos campi, constatou-se que o trabalho geralmente é feito por algum docente, aluno ou funcionário. Salvo casos mais específicos, como em Santana do Livramento, cujas impressões e arte gráfica são feitas pela UFPel. Já, no campus de Uruguaiana havia um patrocínio da Prefeitura para a realização tais atividades. Quanto à imprensa, foram identificadas relações bem específicas da Instituição, estando diretamente vinculada à gestão de cada campus e a cidade em que está situado. No campus de Alegrete observa-se um posicionamento muito positivo da imprensa em relação à imagem da Unipampa. Os jornais dão destaque para toda informação referente à Instituição, assim como as rádios que, até então, sempre se disponibilizaram à Universidade. Em São Gabriel estabeleceu-se “parceria” com apenas um jornal, embora os releases fossem encaminhados para todo. Uma espécie de vínculo informal, pois as notícias da Unipampa são divulgadas sempre pelo mesmo veículo. Em Santana do Livramento, o campus enviava para uma rádio e um jornal específicos, considerando que assim, atingiriam o público desejado, em função da área de abrangência dos veículos. Porém, com relação ao meio televisivo os gestores dizem: “Não tínhamos tanto acesso ao pessoal que fazia reportagem na RBS, diferente de agora com o Eduardo (nova equipe), que já veio nos procurar.” Segundo os dirigentes de Itaqui, “o espaço midiático que temos é dos três jornais, embora um não permita a aproximação, pois acredita que somos aliados da Prefeitura, outro é mais receptivo desde o 349 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas início, já publicou até foto na capa da festa de um ano da Unipampa de Itaqui e o outro está mais receptivo no momento”. Em São Borja os gestores declararam que, “(...) na abertura do primeiro semestre, em outubro de 2006, nós fizemos um convite para todo o pessoal da imprensa para o primeiro dia de aula, todos compareceram e nós fizemos uma lista com o nome das pessoas que estavam representando os veículos, pegamos os e-mails e toda a vez que precisamos divulgar uma informação usamos o mailing”. A presença da imprensa no campus de Caçapava do Sul é pouco expressiva pelo que foi destacado na entrevista. O diário de Santa Maria fez contato por telefone apenas uma vez para saber sobre o andamento das obras. Após isso, houve um chamado do campus para que a imprensa viesse cobrir a aula inaugural, mas ela acabou por não ir. Com relação ao campus de Bagé, “nunca houve negativa da mídia, quando pedimos espaço, são receptivos. Tivemos apenas um problema de sensacionalismo em um programa de rádio, mas agora o programa não está mais no ar”. Em Uruguaiana foi destacada uma relação instável com a imprensa, principalmente local, pois “a imprensa só aparece quando se tem um fato polêmico para explorar”. Em Dom Pedrito a Rádio FM, por ter uma característica mais comercial, percebe-se certa dificuldade de acesso por parte do campus. “Já nas outras duas rádios locais, há uma preocupação social mais evidente o que resulta em uma parceria”. Outra particularidade relevante é que no campus Dom Pedrito há a tentativa de “estreitar as relações com a comunidade” através da criação do “Cinepampa”, com a projeção de filmes, dentro do espaço físico da Unidade, para a sociedade pedritense. O campus conta também, com um espaço semanal gratuito de 15 minutos na rádio Sulina, chamado Momento Unipampa. Em Jaguarão destacou-se que é preciso encontrar uma abertura pelas diversas mídias presentes como, rádio, jornal, televisão, internet, entre outros, para que a comunicação com a sociedade e com os outros campi da Unipampa seja presente e mostre a grandeza que a Universidade representa, destacando a qualificação e o potencial do corpo docente e dos funcionários técnico-administrativos em educação. 350 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Em relação aos eventos oficiais promovidos pelas unidades, foi expressa a vontade de se ter um profissional específico para tratar deste tema, mas na ausência desse profissional e com a necessidade de realizar esse tipo de trabalho, verificou-se que os campi encontraram saídas diversas. Em São Borja, por exemplo, realizou-se uma atividade complementar de graduação – ACG de 30 horas direcionada aos acadêmicos com a intenção de qualificá-los na organização de eventos. “Os alunos que fizeram aprenderam a fazer o cerimonial e protocolo, enviar releases, fazer o checklist dos eventos, etc.” (Gestores de São Borja). Os outros campi pediram para que houvesse uma espécie de treinamento para organização de eventos, pois na maioria os eventos são organizados por docentes, discentes e funcionários, que nunca tiveram formação ou aproximação com a área. b. Prioridades de comunicação Considerando-se o pressuposto que é preciso comunicar, sobretudo, internamente, como estímulo ao diálogo e à troca de informações, na busca pela qualidade (KUNSCH apud MILEIDE, 2007), os funcionários assumem papel importante, pois contribuem para a formação, reforço e preservação imagem da instituição em tempo integral. Neste sentido, é oportuno que os servidores públicos do quadro da Unipampa tomem conhecimento que qualquer tipo de ação pode interferir na imagem da Universidade. Por esse motivo, o processo de gestão da comunicação interna em cada uma das unidades é de suma importância, além de diminuir a circulação de mensagens equivocadas. Mas, devem-se envolver outros atores, como os acadêmicos, por exemplo. Quanto à integração entre os campi, ela deve ser planejada, estruturada e posta em prática, pois, é fundamental se conhecer e reconhecer-se, para conseguir se tornar conhecida e reconhecida externamente. Ou seja, precisa-se pensar uma política de comunicação que atenda as especificidades de uma universidade multicampi para que a Unipampa se fortaleça como Instituição de Ensino Superior. “Faz-se necessária a troca de figurinhas, pois a dificuldade de alguém daqui pode ser a do outro de lá e pode ser solucionada em grupo. Temos que funcionar integrados ainda mesmo que as áreas não sejam comuns, pelo menos a gente terá a certeza de que não estamos 351 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas trabalhando sozinhos. Isto fortaleceria muito mais os nossos vínculos e a estabilidade do quadro da Unipampa.” (Dirigentes de Itaqui). A necessidade de integração pode ser constatada na seguinte frase: “ocorre perda de oportunidades, todos os dias enquanto não nos conhecermos” (Gestor de Bagé, referindo-se a Unipampa como um todo). Essa integração faz-se fundamental para consolidar a imagem da Unipampa, não mais como unidades isoladas, mas como uma instituição em prol de um só objetivo. A partir de formas de comunicação integrada é pode-se divulgar os princípios, os valores e o compromisso da Instituição de forma consciente e segura, pois temos a “Unipampa como identidade a se consolidar.” (Dirigentes de São Borja). Embora exista uma logomarca, esta deve ser divulgada, se fazer conhecer. E isso se dá, através da imprensa e de ações publicitárias conjuntas. Talvez, por isso, o monitoramento das informações que são divulgadas sobre a universidade seja de extrema relevância. Como sugere o Gestor de Jaguarão, “é importante saber o que sai, o que a comunidade fica sabendo, porque é aí, que nós saímos da universidade e entramos na comunidade”. Cabe salientar que é preciso divulgar os cursos ofertados, valorizando a qualificação do quadro de docentes, além de destacar a importância da Universidade Federal do Pampa para o desenvolvimento das cidades e da região em que seus campi estão localizados, enaltecendo a sua contribuição para a sociedade. “Temos que mostrar o que é feito dentro da universidade” (Dirigentes de Alegrete). A exemplo disto, podemos citar o vestibular 2008 da Unipampa, que poderia ter sido melhor divulgado nas mídias. Isto pode ter acarretado na diminuição do número de candidatos por vaga. Como sugere os dados do campus de São Borja, que em 2006 havia uma procura de 3,5 candidatos em determinado curso e em 2008 “1,5 candidatos por vaga, isso não existe em lugar nenhum (...) depois de um ano de trabalho era para ter aumentado a procura e ela diminuiu.” (Gestores de São Borja). Esta não opção pela Unipampa também se refletia no número de desistências e nos constantes pedidos de transferências para outras universidades públicas federais, que já tem seus nomes consolidados. A implantação de uma universidade faz exigências pontuais aos seus gestores e é neste sentido que 352 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais a comunicação pode contribuir, a partir de um gerenciamento adequado do processo comunicacional, por exemplo. Interpretação e análise dos dados A comunicação é o ponto central deste estudo, isso não é por acaso, já que nos dez campi que compõem a Unipampa foram identificadas dificuldades nessa área. Estabelecer uma política comunicacional para uma instituição não é uma tarefa fácil, e isso se complica ainda mais quando se trata de uma universidade multicampi, como acontece com a Unipampa. Portanto, o trabalho de construção dessa política deve ser elaborado com reflexão e discussão entre profissionais, gestores e demais envolvidos, para que se possam suprir as necessidades da Universidade e de seus campi. Com a criação de uma marca própria para a universidade, acredita-se que isto contribuirá para a geração de uma unidade visual. Contudo, falta a consolidação efetiva dessa marca junto à comunidade das regiões em que a Unipampa se faz presente. Com uma marca forte e uma boa divulgação de todos os eventos e ações dos campi, a Universidade começa a demonstrar suas condições de assumir seu lugar de importância e de relevância social. Não obstante, o resultado da imagem que é passada para a comunidade é um reflexo das ações que são realizadas internamente. Logo, a instituição deve preocupar-se com o gerenciamento da comunicação interna, de seus fluxos, níveis e redes, pois a comunicação entre docentes, acadêmicos, técnico-administrativos, deve ser fluente. Para tanto, deve ser feito o uso de todos os recursos e instrumentos que a comunicação oferece, o que vem acontecendo apenas em alguns campi da Unipampa e mesmo assim com uma certa deficiência, como se pode observar. Além disto, cada campus deve ter um servidor responsável pela comunicação, para que os funcionários não acumulem funções, contudo isto ainda não acontece em nenhum dos campi. Essa carência acaba interferindo no relacionamento com a imprensa local. Vale mencionar que o gerenciamento desse contato é fundamental quando pensamos na comunicação externa da Unipampa para com os municípios e região. A exemplo disto, alguns campi enfrentam dificuldades na comunicação com a imprensa. Para uma universidade em implantação, esclarecer 353 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas para a sociedade, que a universidade conta com o apoio da prefeitura, mas que é independente da mesma, já que é uma instituição federal, pode ajudar no relacionamento dos campi com a imprensa. A Unipampa como universidade federal deve estar em jornais, rádios e televisão, não para fins comerciais ou meramente ilustrativos, mas para mostrar o compromisso público que uma instituição da sua envergadura tem com o local, o regional e o nacional. A Unipampa precisa ser vista, ouvida e sentida pela comunidade e uma das formas de se fazer isso é através das mídias locais. Pela ausência de um responsável pela comunicação, certas atividades não são feitas ou são feitas de forma inadequada. Outro elemento comunicacional que influencia na imagem da Instituição são os cuidados com o protocolo e o cerimonial dos eventos realizados pelos campi. Poucas são as unidades que consideram estas formalidades em seus eventos, vai de regra, por desconhecimento. As que fazem, contam com o apoio de pessoas de fora da Unipampa que tem certo conhecimento nesse sentido, ou então, improvisam uma organização com os alunos do campus, o que deve ser considerado. Já que demonstra a disponibilidade dos gestores e de seus acadêmicos na construção de uma boa imagem para a Instituição. Nas prioridades destacadas pelos gestores dos campi ressaltam-se: o aprimoramento de comunicação interna, da relação com a imprensa ou com os diversos públicos e o concurso de profissionais para o exercício do trabalho de comunicação. Propostas de ações “O cerimonial de um evento como a Semana Acadêmica, deve ter certa formalidade, por exemplo, quando se recebe um convidado de fora, por mais que a pessoa não seja atida a questões de cerimonial e protocolo, temos que considerar o cargo que a pessoa ocupa, quem deve ser chamado primeiro, quem compõe a mesa de autoridades, quem é que fala, qual a ordem, etc.” (Gestores de São Borja). Em vista disso, propõem-se um treinamento para servidores dos dez campi sobre organização de eventos com a convenção de um protocolo base a ser seguido por todas as unidades e com isso, manter a unicida- 354 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais de de discurso na Unipampa. Proposta esta, que minimiza a ausência de um profissional específico da área, mas de maneira alguma o substitui. A consciência de que o discente colabora para a construção da imagem deve ser despertada pela Universidade através de uma proposta de motivação ao orgulho do acadêmico. Esse incentivo pode se dar, através de um espaço para a exposição de trabalhos, realizados pelos acadêmicos, no próprio site da Unipampa ou de eventos que enalteçam o que é feito na e pela Universidade. Até mesmo, para que os campi saibam o que está sendo produzido pelos discentes e servidores dos demais campi. Como sugere Matos apud Mileide (2007, on-line), “À medida que o público interno é estimulado a participar encontra abertura para dar sua opinião, sente-se mais valorizado e motivado.” Devido ao modo como alguns discentes vêem a Unipampa, apenas como uma porta de entrada para o ensino superior e assim que possível pedem transferência para uma universidade já consolidada, faz-se irrefutável o esclarecimento de que a imagem da Unipampa está se constituindo aos poucos e que os discentes devem se conscientizar que eles são parte e contribuem nesta construção. Com o intuito de diminuir a pouca concorrência pelas vagas, sugere-se que a Unipampa deixe de realizar seu vestibular em data concomitante ao das grandes universidades, assim maximiza a oportunidade dos candidatos escolherem a Universidade. Como a Unipampa é consideravelmente nova, é imprescindível esclarecer a que cada curso se refere, utilizando recursos desde a internet até a visita às escolas locais. Pois, muitas vezes, as pessoas entram na academia sem ter noção de que sua graduação consiste e acabam se evadindo. Nos próximos processos seletivos de acadêmicos a Unipampa pode usar a descentralização de forma positiva, explorando as relações com as escolas de ensino médio dos municípios e da região. Também é preciso investir em publicidade para fortalecer a imagem da Unipampa, destacando o potencial do quadro de docentes, pois são em sua grande maioria doutores. Ao pensar comunicação externa os campi precisam da imprensa. Fazer um mailing com contatos das pessoas dos veículos é 355 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas um começo. Na comunicação inter-campi é preciso aproximar mais as unidades. Eventos de integração, pesquisa, entre outros agregam valor à instituição. As parcerias com os órgãos públicos devem ser mantidas e os campi que não as possuem devem tentar criá-las. É inevitável também, orientar os campi para uma comunicação interna mais adequada. Um processo organizacional que conecte cada setor e que a comunicação entre eles seja sempre de forma fácil e segura. Considerações finais Conclui-se que a comunicação institucional não tem como princípio engessar os colaboradores, mas orientá-los para uma boa prática comunicacional, tanto interna (direção, docentes, discentes, técnico-administrativos), como externa (imprensa, sociedade em geral), e inter-campi (entre as unidades da Unipampa), através de princípios e valores previamente definidos, que devem perpassar os discursos da instituição. Assim, a unicidade da comunicação pode ser mantida, refletindo na consolidação da imagem desejada pela Unipampa. Percebe-se ainda que devido ao modus de ver de alguns acadêmicos e a pouca concorrência por vaga é imprudente não se ter uma comunicação estruturada, já que, a Unipampa possui grandes “concorrentes” próximas com a imagem já consolidada como a UFSM, a UFPel e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o que vem a reforçar a importância de uma comunicação interna e externa integrada. De acordo com Baldissera (2000, p. 15), “(...) reforçar e preservar a identidade organizacional serve para atingir a estabilidade necessária ao equilíbrio do grupo.” Isto se constrói também por meio de uma identidade visual e da unidade de discurso, que deve ser disseminada para a comunidade dos dez campi. Igualmente fica a sugestão de que antes de trabalhar a visibilidade externa, é preciso que a comunicação interna e a inter-campi funcionem como recursos institucionais estratégicos da organização. Pois, se a instituição não estiver integrada, ela “dificilmente conseguirá impulsionar um processo de mudanças com eficiência e bons resultados.” (MATOS apud MILEIDE, 2007, on-line). Bem como, todos que compõem a universidade, têm que estarem cientes do seu 356 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais papel e das responsabilidades que isso acarreta. Neste sentido, a implantação de uma política institucional de comunicação contribuirá com estas definições e clareza de papéis. Referências BALDISSERA, Rudimar. Comunicação organizacional: o treinamento de recursos humanos como rito de passagem. São Leopoldo: Unisinos, 2000. BUENO, Wilson da Costa. Comunicação empresarial: teoria e pesquisa. Barueri, SP: Manole, 2003. KUNSCH, Margarida M. K. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. 4.ed. revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: Summus, 2003. ______. Relações públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997. ______. Gestão integrada da comunicação organizacional e os desafios da sociedade contemporânea. In: Comunicação e sociedade. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de são Paulo (UMESP), n.º 32, 2º semestre de 1999, pp 71-88 MILEIDE, Aline. A comunicação interna e o endomarketing como fatores estratégicos nas organizações. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/2621/1/a-comunicaccedilatildeo-interna-e-o-endomarketing-como-fatores-estrateacutegicos-nas-organizaccedilocirces/pagina1.html>. Acesso em: 27 junho 2008. PIMENTA, Maria Alzira. Comunicação empresarial. São Paulo: Alínea, 1999. SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade. Perspectivas teóricas da comunicação organizacional. Disponível em: <http://www.eca.usp. br/alaic/boletin11/cleusa.htm> Acesso em 28 de setembro de 2006. TORQUATO, Gaudêncio. Comunicação empresarial/comunicação institucional. São Paulo: Summus, 1986. ______.Tratado de comunicação organizacional e política. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. 357 Ensino e Prática de Relações Públicas: memória do grupo de pesquisa Cláudia Peixoto de Moura, Roberto Porto Simões O texto apresenta a memória do Grupo de Pesquisa ´Ensino e Prática de Relações Públicas´ - GPEP, criado dentro de um programa de pós-graduação, stricto sensu, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. É um relato das atividades concretizadas pelo grupo, caracterizado como uma rede de investigação científica estruturada e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social – PPGCOM. A PUCRS iniciou seu curso de mestrado em 1994, com duas áreas de concentração. Uma era específica para as relações públicas, sendo denominada “Comunicação e as organizações”. Sua linha de pesquisa foi intitulada “Comunicação e poder nas organizações”, tendo como ementa “examinar o fenômeno do relacionamento da organização com seus públicos inseridos na conjuntura sócio-cultural-política de uma região, país e mundo”. Em 1999, com a implantação do curso de doutorado, passou a existir apenas uma área de concentração, “Comunicação, cultura e tecnologia”, que abrigava duas linhas de pesquisa, sendo que a de “Comunicação e práticas sociopolíticas” envolvia as questões de relações públicas, na medida em que “estuda os processos e papéis da comunicação nas relações sociopolíticas nas organizações e aqueles revelados pelas mídias, considerando o tempo e o espaço nos quais estão inseridos os contextos e as circunstâncias específicas”1. Em 2003, seu nome foi alterado para “Práticas sociopolíticas nas mídias e comunicação nas organizações”, permanecendo até 2007. Houve uma reformulação em 2008, ocasião em que a área de concentração passou a denominar-se “Práticas e culturas da comunicação”. A linha de pesquisa também foi modificada para “Práticas profissionais e processos sociopolíticos nas mídias e na comunicação das organizações”, na qual a produção acadêmica do 1 Site www.capes.gov.br. 359 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas GPEP está inserida. A apresentação do grupo de investigação e o mapeamento da produção acadêmica serão expostos a seguir, contemplando a diversidade dos seus resultados. Apresentação do GPEP O ‘Grupo de Pesquisa Ensino e Prática de Relações Públicas’ – GPEP foi criado pelos professores doutores Cláudia Peixoto de Moura e Roberto Porto Simões, congregando pesquisadores estudantes do PPGCOM, em nível de doutorado e de mestrado, da Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS, PUCRS. Está vinculado à Plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, desde 2002. A produção acadêmica do GPEP é caracterizada pela diversidade de enfoques, conforme as óticas de seus pesquisadores. As temáticas específicas ficam subordinadas aos interesses dos integrantes do grupo, que abordam os assuntos de forma explicitada nos títulos e nos conteúdos da documentação, utilizando métodos adequados para nortear o desenvolvimento das investigações. O desafio é realizar pesquisas voltadas para o conhecimento de Relações Públicas. Assim, o GPEP está empenhado em fundamentar uma teoria para Relações Públicas. O compromisso científico está alinhado à premissa de que a teoria e as práticas desta área do conhecimento só poderão se desenvolver em uma comunidade de pesquisadores identificados com Relações Públicas, envidando esforços para o seu embasamento como uma ciência aplicada. O GPEP trata de elaborar uma rede teórica específica (conceitos, definições e princípios) para o ensino e para a prática de Relações Públicas, sustentada na premissa de que a atividade é a gestão de relacionamentos. Visa atingir suas metas por meio de uma série de subprojetos a serem realizados periodicamente. Os subprojetos estão vinculados aos seguintes objetivos: 1. apropriar-se da definição e dos princípios para a área de Relações Públicas; 2. caracterizar o papel da informação como matéria-prima da atividade; 360 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais 3. concretizar a definição operacional da atividade nas funções: a.diagnosticar a dinâmica do processo do sistema organização-públicos e prognosticar o estado futuro do sistema; b.assessorar as lideranças organizacionais quanto aos programas de ação organizacional; c.implementar programas de comunicação que expliquem ou justifiquem a ação organizacional. 4. fundamentar o ensino e o currículo para a formação acadêmica em Relações Públicas. Os resultados dos esforços dos pesquisadores que integram o GPEP podem ser observados nos diversos estudos desenvolvidos. Como produção acadêmica dos estudantes que já participaram do GPEP, foram elaboradas Teses de Doutorado e Dissertações de Mestrado, no PPGCOM. Os trabalhos envolveram questões relacionadas aos objetivos do GPEP e estão disponíveis no site criado com a finalidade de divulgar o grupo, no endereço: www.pucrs.br/famecos/pos/gpep O site do GPEP é uma fonte de informação identificada com as questões do ensino e da prática de Relações Públicas. Disponibiliza para o acesso público vários arquivos de trabalhos científicos em forma digital, possibilitando consultas aos documentos produzidos pelos pesquisadores – doutores e mestres - do grupo. A finalidade é divulgar e disseminar a produção acadêmica originada no GPEP, preservar e registrar sua memória em um espaço de documentação virtual. O layout do site foi elaborado em 2007, por Carla Schneider, enquanto bolsista do Curso de Mestrado do PPGCOM. A configuração criada para a página inicial está reproduzida a seguir: 361 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Figura 1: página inicial do site do GPEP O site foi redesenhado em 2009, pela então mestranda Silvana Sandini, em função das atualizações necessárias. A cada ano, mais Teses e Dissertações são defendidas, constituindo a produção acadêmica gerada pelos alunos do PPGCOM. A identificação dos enfoques possibilita a inclusão dos trabalhos em algum dos tópicos da estrutura do GPEP. A maior parte dos trabalhos apresenta uma fundamentação teórica e procedimentos característicos da pesquisa empírica. As temáticas abordadas envolvem as práticas profissionais e os processos ocorridos na comunicação das organizações, visando a construção de relacionamentos. Mapeamento da produção acadêmica A estruturação de uma rede teórica para o ensino e a prática da atividade de Relações Públicas está baseada na relação de poder entre as organizações e seus públicos, pela visão da comunicação. Relações Públicas é entendida como a gestão da função organizacional política, que foi aprofundada na proposta de uma relação política para microempresas, por meio de um estudo comparativo de seus processos e programas. Também enfocou a ótica da relação política, em especial da micropolítica, entre a organização e seus públicos. Possibilitou identificar a definição e a nature- 362 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais za do conceito informação, adequado à área de Relações Públicas, e seu papel na teoria e na prática desta atividade. Os fundamentos científicos de algumas áreas do conhecimento deram sustento teórico ao estudo, sendo utilizado o conceito de cooperação como objetivo ou meio para a atividade. Os conceitos da Teoria da Cooperação, elaborados por inúmeros cientistas, foram aplicados em Relações Públicas, podendo deslocar o seu status como executante de tarefas, com os instrumentos de comunicação, à posição de um profissional de assessoria político-econômica. Há, portanto, uma contribuição da Teoria dos Jogos para a teoria e prática de Relações Públicas. Simões estabelece para a área uma definição operacional (como se exerce a atividade) e uma definição conceitual (o que são Relações Públicas). A definição operacional explica como a atividade de Relações Públicas é exercida, analisando tendências (diagnóstico), prevendo conseqüências (prognóstico), assessorando o poder de decisão e implementando programas planejados de comunicação. Um mapa foi elaborado para representar as relações existentes entre os objetivos do GPEP e a produção acadêmica resultante das Teses de Doutorado e das Dissertações de Mestrado, além dos projetos desenvolvidos pelos professores do grupo. Assim, é possível observar a inclusão dos estudos em uma rede teórica específica para o ensino e para a prática de Relações Públicas, com a seguinte estrutura: 363 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas Figura 2: Estrutura do GPEP conforme seus objetivos Para cada um dos tópicos indicados no mapeamento, há estudos desenvolvidos que possibilitam a fundamentação de aspectos teórico-empíricos para Relações Públicas. A produção acadêmica do GPEP, desde sua criação, em 2002, até 2008, é de 33 teses e dissertações, mais cinco projetos de pesquisa. Este período constitui a primeira fase da produção acadêmica do grupo, por isso sua memória está sendo relatada. A partir de 2009, a segunda fase do GPEP tem início com o fortalecimento de aspectos vinculados ao espaço digital, à memória institucional, à formação acadêmica, que podem ser observados em alguns trabalhos desenvolvidos nos dois últimos anos. O foco atual do grupo está identificado com os tópicos: concretização da definição operacional da atividade nas funções; fundamentação do ensino e do currículo para a formação acadêmica em Relações Públicas, que contarão com uma produção acadêmica específica envolvendo os aspectos a serem fortalecidos. 364 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O mapeamento da produção acadêmica do GPEP, de 2002 a 2008, relativo à sua primeira fase, será exposto de acordo com os objetivos do grupo. Cinco (5) projetos de pesquisa foram desenvolvidos por professores. As investigações enfocaram ‘A pesquisa em Relações Públicas: métodos e técnicas que orientam a investigação na área’; ‘A pesquisa empírica em Portais Corporativos: a prática na mídia digital’; ‘O papel da informação na teoria e na prática de Relações Públicas’; ‘A contribuição da Teoria dos Jogos para a Teoria e Prática de Relações Públicas’. Além das referidas investigações, houve um projeto integrado de Relações Públicas, em parceria com o Comunication College, da Ball State University - BSU, localizada na cidade de Muncie, estado de Indiana – USA, que foi desenvolvido com alunos de graduação da universidade americana e da FAMECOS/PUCRS. A responsabilidade do projeto coube à professora doutora Ana Maria Walker Roig Steffen, colaboradora do GPEP. Cada projeto de pesquisa está relacionado a um dos objetivos do grupo. Quanto à produção acadêmica dos estudantes do PPGCOM, vinculados ao GPEP, há 11 Teses de Doutorado e 22 Dissertações de Mestrado, defendidas no período de 2002 a 2008. Cada trabalho igualmente pode ser relacionado a um dos objetivos do grupo, representando a construção de uma rede teórica específica para o ensino e para a prática de Relações Públicas. Os tópicos indicados no mapeamento e os respectivos trabalhos desenvolvidos serão apresentados a seguir, com uma breve descrição. 1) Apropriação da definição e dos princípios para a área de Relações Públicas Há sete (7) teses e dissertações produzidas com aspectos teóricos para fundamentar conceitos, princípios da atividade, no sentido de contribuir ao ensino e às práticas inerentes ao processo de comunicação e de relacionamento. • A contribuição da Teoria dos Jogos para a compreensão da Teoria de Relações Públicas: uma análise da cooperação (tese) - buscou fundamentar a teoria e a prática de Relações Públicas na Teoria dos Jogos. Do ponto de vista conceitual, Teoria dos Jogos pode ser entendida como a teoria das interações estratégicas e das escolhas. 365 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas • Modos de percepção de Relações Públicas: o significado do conceito público (tese) - explanou o estilo de pensamento da comunidade científica de Relações Públicas, mediante a revisão do conceito público, inserido nessa área do conhecimento. • O conceito stakeholder na teoria e na prática de comunicação em Relações Públicas (dissertação) - o constructo stakeholder mereceu atenção face à sua relevância em Relações Públicas, para identificar como os profissionais e professores de Relações Públicas utilizam este termo em suas atividades, focando a teoria de públicos e a prática de comunicação na atividade. • O ato estético na atividade de Relações Públicas (dissertação) – abordou os aspectos Éticos na atividade de Relações Públicas, complementando a estrutura teórica desta área do conhecimento. • A contribuição da psicologia social para a teoria e prática da atividade de Relações Públicas (dissertação) - identificou a contribuição da Psicologia Social por meio da teoria da atitude, para o ensino e para a prática da atividade de Relações Públicas. • Comunicação e poder na empresa familiar (dissertação) investigou a empresa familiar e a família, tendo como inquietude a necessidade de perceber de que maneira o processo de comunicação e as variáveis de poder influenciam o processo de relacionamento entre os sistemas familiar e empresarial. • A atividade de Relações Públicas sob enfoque ecológico (dissertação) – utilizou premissas da ecologia para verificar as inter-relações estabelecidas entre as organizações, seus públicos e a sociedade. A proposta prevê que fenômenos como a interdependência, a cooperação, o equilíbrio, a interação, a adaptação e a qualidade de vida dos seres humanos deverão estar sempre presentes na gestão da atividade. 366 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais 2) Caracterização do papel da informação como matéria-prima da atividade São cinco (5) teses e dissertações que enfocaram a informação, seu fluxo, seu modelo para aplicação em processos de comunicação, seu papel na atividade, além de sua análise para compreensão das relações e do sistema organização-públicos. • A agenda setting e a comunicação nas organizações: um encontro possível (tese) - explorou o fluxo de informação e a geração de conhecimento em um portal corporativo. • Uma modelagem matemática da informação em Relações Públicas: aplicação na rede de comunicação do Campus Zona Norte, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (tese) - com simulação computacional em processos comunicativos. • Relações Públicas e ouvidoria: cidadania e poder dos públicos (dissertação) - referiu-se aos estudos da ouvidoria e seu papel como instrumento de Relações Públicas, segundo a estrutura da teoria da função organizacional política, na qual há uma aplicação técnica. • Comunicação em Relações Públicas: o discurso da atividade na geração de mitos (dissertação) – identificou como ocorre a utilização dos mitos na atividade de Relações Públicas, se estão relacionados à questão da narração. • A análise de conjuntura em Relações Públicas: contribuições para o diagnóstico da relação poder/comunicação no sistema organização-públicos (dissertação) - buscou criar um referencial teórico metodológico para a aplicação desta análise, à luz da atividade de Relações Públicas, para compreender os atores, os interesses e as relações de poder implicados em determinado sistema político. 367 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas 3) Concretização da definição operacional da atividade nas três funções especificadas abaixo: a. Diagnóstico da dinâmica do processo do sistema organização-públicos e prognosticar o estado futuro do sistema Dois (2) trabalhos fazem parte deste tópico, nos quais a pesquisa qualitativa é a o procedimento para aplicação de investigações que observam a relação entre os públicos e a organização. • O diagnóstico aplicado às Relações Públicas: uma análise de seus aspectos teóricos e empíricos (tese) – apresentou uma proposta para a aplicação do diagnóstico que revela as condições gerais da instituição e da situação de comunicação exercitada entre públicos e organização. • O grupo focal como técnica de pesquisa no diagnóstico de Relações Públicas (dissertação) - com uma retrospectiva histórica da pesquisa em comunicação e em Relações Públicas, priorizou a investigação de cunho qualitativo. b. Assessoramento das lideranças organizacionais quanto aos programas de ação organizacional Foram classificadas cinco (5) teses e dissertações, envolvendo programas de relacionamento, sua interação por meio da mídia, estratégias de comunicação, e políticas adotadas. • O relacionamento com públicos como estratégia de comunicação nas organizações (tese) - envolveu Relações Públicas e Marketing de Relacionamento. • A interação e o relacionamento nas ‘Pílulas da Qualidade’: um caso de Relações Públicas na internet (dissertação) - estabeleceu um vínculo entre os conceitos interação e relacionamento para a aplicação na mídia digital. • A comunicação no processo de legitimação do Sistema de Crédito Cooperativo – SICREDI (dissertação) - verificou como a comunicação contribui para o processo de legitimação do sis- 368 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais tema de crédito cooperativo. Buscou identificar as formas simbólicas, por meio da legitimação, como modo de operação da ideologia, utilizando as estratégias de construção simbólica, racionalização, universalização e narrativização. • A responsabilidade social como estratégia da atividade de Relações Públicas: um estudo de caso na indústria de calçados Azaléia – Parobé/RS (dissertação) - visou identificar a política de responsabilidade social, sua natureza e características, além de sua utilização como instrumento de Relações Públicas. • Comunicação e poder no trabalho voluntário: uma visão sobre o AFS Intercultura Brasil (dissertação) – considerou os relacionamentos estabelecidos entre os voluntários de uma organização sem fins lucrativos. c. Implementação de programas de comunicação que expliquem ou justifiquem a ação organizacional O maior número de trabalhos foi observado neste tópico, onde há nove (9) teses e dissertações. Com o foco na implementação, foram abordados programas de comunicação no âmbito interno organizacional, no âmbito das mediações públicas, como um instrumento de poder alinhado à estratégia, na mediação de conflitos e crises, na formação da memória institucional, na integração com o marketing, nas relações internacionais das organizações, nas relações com o poder judiciário, no planejamento estratégico. • O planejamento da comunicação interna em redes de intranet: um estudo em uma universidade comunitária no RS (tese) – apresentou a proposta de um modelo para as práticas comunicacionais no âmbito interno de uma organização. • Gestão da comunicação na esfera pública municipal: estudo das mediações de Relações Públicas nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul (tese) - abordou a questão da função política em ambientes participativos. • Comunicação como instrumento de poder para efetividade da estratégia: estudo de caso de organização hospitalar (tese) - 369 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas abordou a comunicação como instrumento deliberado de poder para a sua composição, decomposição e recomposição no âmbito das organizações. Os seus principais componentes foram analisados na sua individualidade, bem como, integrados, com a possibilidade de seu alinhamento às estratégias. • Relações Públicas e a perspectiva sistêmica de mediação no gerenciamento de conflitos e crises organizacionais (tese) – identificou a perspectiva sistêmica de mediação no gerenciamento de conflitos e crises organizacionais e apresentou a orientação paradigmática dos profissionais de Relações Públicas (na realidade investigada) na condução destes processos. • O uso dos instrumentos de Relações Públicas na construção da memória institucional: estudo de caso FENADOCE – Feira Nacional do Doce (dissertação) – abordou a atuação profissional para a formação da memória de um evento, a partir de instrumentos de comunicação. • Relações Públicas na comunicação integrada ao marketing (dissertação) – discutiu a eficácia da comunicação e da gestão de relacionamento da organização, considerando o mix de marketing utilizado para o relacionamento com os clientes, que expõe o público à imensidão de mensagens, conteúdos e estratégias. • Relações Públicas internacionais: o caminho das organizações brasileiras na internet (dissertação) - apresentou aspectos da comunicação internacional, das relações internacionais e das relações públicas, com a observação de sites de organizações na internet. • A comunicação no poder judiciário: um estudo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (dissertação) - considerou os fundamentos teóricos das áreas de Comunicação Social e do Direito para a análise. 370 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais • O processo de comunicação no planejamento estratégico Estudo de caso: Hospital São Lucas da PUCRS (dissertação) - examinou as fases do processo estratégico e comunicacional em uma organização hospitalar. 4. Fundamentação do ensino e do currículo para a formação acadêmica em Relações Públicas O último tópico englobou cinco (5) teses e dissertações, com as temáticas voltadas à análise da bibliografia adotada no ensino, sua fundamentação teórica, suas abordagens, além dos processos comunicacionais no ambiente acadêmico, incluindo um inventário da produção em nível de pós-graduação. • O estudo da bibliografia na disciplina: ‘Teorias de Relações Públicas’ dos cursos de Relações Públicas brasileiros - uma análise das obras básicas utilizadas na disciplina (tese) – identificou como o ensino de Relações Públicas é realizado. A preocupação da pesquisa foi verificar que teorias estão sendo usadas e se de fato há um estudo da teoria de Relações Públicas, um paradigma teórico. • A teoria e o ensino de Relações Públicas na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS e na Faculdade de Língua e Literatura Estrangeira de UDINE: um estudo comparativo (dissertação) - apresentou um estudo comparativo da teoria e do ensino de Relações Públicas no Brasil e na Itália, verificando quais as aproximações e os distanciamentos existentes entre as duas instituições, com uma pesquisa aplicada junto a alunos e docentes. • Enfoques teóricos predominantes em Relações Públicas: um estudo das monografias de conclusão de curso da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA (dissertação) - identificou as abordagens existentes nos trabalhos de graduação da área de Relações Públicas. • Fluxos de informação X relações de poder: uma análise nos laboratórios experimentais do Curso de Comunicação do Centro Universitário FEEVALE (dissertação) - verificou o processo comunicacional e a ação organizacional em um ambiente onde há o exercício de poder. 371 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas • Pesquisa em Comunicação Social: um inventário das teses e dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação da FAMECOS/PUCRS (dissertação) - classificou os referenciais teórico-metodológicos da produção acadêmica dos alunos do Programa. A memória do grupo contém apenas uma breve síntese das teses e dissertações, mas os textos completos estão disponíveis na biblioteca da PUCRS e no site do GPEP. O registro da referida produção acadêmica contou com o apoio da bolsista de iniciação científica, Daiane de Freitas Oliveira, que participa de um projeto de pesquisa. Considerações sobre a trajetória do grupo Para finalizar, a trajetória do Grupo de Pesquisa Ensino e Prática de Relações Públicas – GPEP caracteriza-se por envolver questões referentes ao processo de investigação em Comunicação Social e em Relações Públicas, visando a compreensão do exercício do poder inerente entre as organizações e seus públicos. O ensino e a prática de Relações Públicas, como uma atividade gestora de relacionamentos, são enfocados nos estudos que possuem desdobramentos. Cada um dos objetivos do GPEP foi trabalhado resultando em uma produção acadêmica que ampliou as discussões existentes em Relações Públicas, com abordagens de diferentes aspectos e adoção de diferentes áreas do conhecimento. Conforme Lopes (2003: 290291), a formação de pesquisadores e a prática científica estão articuladas à experiência e aos recursos dos diversos ramos e enfoques, confluindo para uma produção acadêmica fortalecida. É nesse campo acadêmico da comunicação que a graduação e a pós-graduação realizam investigações, possibilitando uma ampliação do domínio dos saberes, cujos “assuntos estudados apontam para uma configuração transdisciplinar”, ou seja, além de juntar e articular disciplinas diferentes, conjuga os saberes visando uma resposta. O avanço nos estudos está relacionado à apropriação dos aspectos teórico-metodológicos que possibilitam o desenvolvimento de investigações consistentes na área. “As interfaces são estabelecidas preferencialmente com as ciências humanas e sociais (filosofia, ética, estética, história, política, economia, sociologia) e com as ciências sociais aplicadas (ciências da informação, administração, educação, direito)” (Lopes, 372 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais 2003: 292). As referidas interfaces podem ser observadas nos trabalhos do GPEP, que revelaram novos assuntos, novas abordagens e ângulos, em busca da consolidação de um referencial científico. Nas referências bibliográficas, há uma relação das publicações, das teses de doutorado e das dissertações de mestrado realizadas pelos participantes do GPEP. Referências LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. (2003) “Sobre o estatuto disciplinar do campo da comunicação”, in Epistemologia da Comunicação. São Paulo: Loyola, pp. 277 – 293. MOURA, Cláudia Peixoto de. (2008) “A pesquisa em Comunicação: o elo entre graduação e pós-graduação”, in Moreira, Sonia Virgínia; Vieira, João Pedro Dias (orgs.). Comunicação: ensino e pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ, pp. 95-123. ______. (2008) “A pesquisa empírica na mídia digital: uma prática de Relações Públicas”, in História das Relações Públicas: fragmentos da memória de uma área. Porto Alegre: EDIPUCRS, pp. 357-373. (e-book) ______. (2007) “Padrões de qualidade no ensino de Comunicação no Brasil”, in Kunsch, Margarida Maria Krohling (org.). Ensino de Comunicação: qualidade na formação acadêmico-profissional. São Paulo: ECA-USP, pp. 43-62. ______. (2005) “A pesquisa em Relações Públicas: orientações bibliográficas”. Revista da FAMECOS. Porto Alegre, v. 28, pp. 144-154. ______. (2003) “A trajetória do ensino de Relações Públicas: práticas, identidade e memória”, in Silveira, Ada Cristina Machado da (org.). Práticas, Identidade e Memória: 30 anos de Relações Públicas na UFSM. Santa Maria: FACOS-UFSM, pp. 09-14. ______. (2002) O Curso de Comunicação Social no Brasil: do currículo mínimo às novas diretrizes curriculares. Porto Alegre: EDIPUCRS. SIMÔES, Roberto José Porto. (2007) “Por uma rede teórica para relações públicas - uma forma abreviada da teoria”, in Esparcia, Antonio Castilla (org.). Tendencias Actuales en las Relaciones Públicas. Espanha: AIRP. ______. (2006) Informação. Inteligência e Utopia. São Paulo: Summus Editorial. 373 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas SIMÔES, Roberto José Porto.. (2006) “A informação em relações públicas”, in Cesca, Cleuza G. Gimenes. (org.) Relações Públicas e suas interfaces. São Paulo: Summus, pp. 147-160. ______. (2006) “Relações Públicas, teoria dos jogos e da cooperação”, in Escosteguy, Ana Carolina D. (org.). Comunicação, Cultura e Mediações Tecnológicas. Porto Alegre: EDIPUCRS. ______. (2003) “Os equívocos no uso do termo Relações Públicas: um título mais extenso do que o conteúdo”. Revista da FAMECOS. Porto Alegre, n. 21, pp. 144-147. ______. (2001) Relações Públicas e micropolítica. São Paulo: Summus. ______. (1995) Relações Públicas: função política. 3. ed. São Paulo: Summus. Teses 1. BASEGGIO, Ana Luisa. (2008) O diagnóstico aplicado às Relações Públicas: uma análise de seus aspectos teóricos e empíricos. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 2. BONFADINI, Gerson José. (2007) O relacionamento com públicos como estratégia de comunicação nas organizações. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 3. CAMPANELLA, Lana D’Ávila. (2008) O estudo da bibliografia na disciplina:”Teorias de Relações Públicas” dos cursos de Relações Públicas brasileiros - uma análise das obras básicas utilizadas na disciplina. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 4. CARVALHO, Cíntia da Silva. (2004) Relações Públicas e a perspectiva sistêmica de mediação no gerenciamento de conflitos e crises organizacionais. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 5. CLAUDIO, Iára Pereira. (2004) Uma modelagem matemática da informação em Relações Públicas: aplicação na rede de comunicação do Campus Zona Norte, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 6. D’AMICO, Ana Lúcia. (2008) A contribuição da Teoria dos Jogos para a compreensão da Teoria de Relações Públicas: uma análise da cooperação. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 374 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais 7. FOSSATTI, Nelson Costa. (2004) Gestão da comunicação na esfera pública municipal: estudo das mediações de Relações Públicas nos municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 8. MINOTTO, Ricardo. (2005) Comunicação como instrumento de poder para a efetividade da estratégia: estudo de caso de organização hospitalar. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 9. PONS, Mônica Elisa Dias. (2007) O planejamento da comunicação interna em redes de intranet: um estudo em uma universidade comunitária do RS. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 10. SOARES, Valéria Deluca. (2007) A agenda setting e a comunicação nas organizações: um encontro possível. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 11.STEFFEN, Ana Maria Walker Roig. (2003) Modos de percepção de Relações Públicas: o significado do conceito público. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. Dissertações 1. BANISKI, Tatiane Mary. (2005) Comunicação em Relações Públicas: o discurso da atividade na geração de mitos. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 2. BECKER, Gustavo Eugênio Hasse. (2003) Enfoques teóricos predominantes em Relações Públicas: um estudo das monografias de conclusão de curso da Universidade Luterana do Brasil - ULBRA. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 3. CAMPANELLA, Lana D’Ávila. (2003) A teoria e o ensino de Relações Públicas na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS e na Faculdade de Língua e Literatura Estrangeira de UDINE: um estudo comparativo. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 4. D’AMICO, Ana Lúcia. (2004) Comunicação e poder na empresa familiar. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 5. FERREIRA, Alice Utida. (2003) Comunicação e poder no trabalho voluntário: uma visão sobre o AFS Intercultura Brasil. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 375 cAPITULO III - Práticas Discursivas e Acadêmicas 6. FERREIRA, Ediene do Amaral. (2002) A atividade de Relações Públicas sob o enfoque ecológico. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 7. HEINRICH, Ana Geni dos Santos. (2006) A comunicação no poder judiciário: um estudo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 8. KIRST, Sandro Luís. (2003) Relações Públicas na comunicação integrada ao marketing. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 9. LOMANDO, Nadege. (2007) O ato estético na atividade de Relações Públicas. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 10. LOPES, Regina Antunes. (2003) O processo de comunicação no planejamento estratégico - Estudo de caso: Hospital São Lucas da PUCRS. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 11.NUNES, Ana Karin. (2005) Análise de conjuntura em Relações Públicas: contribuições para o diagnóstico da relação poder/comunicação no sistema organização-públicos. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 12.PORCIÚNCULA, Cristina Russo Geraldes da. (2008) O uso de instrumentos de relações públicas na construção da memória institucional: estudo de caso FENADOCE - Feira Nacional do Doce. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 13.RIBEIRO, Marislei da Silveira. (2003) A responsabilidade social como estratégia da atividade de Relações Públicas: um estudo de caso na indústria de calçados Azaléia – Parobé/RS. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 14.RIVOIRE, Eliane Benjamin. (2006) A contribuição da psicologia social para a teoria e prática da atividade de Relações Públicas. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 15.RODRIGUES, Marley. (2005) O conceito stakeholder na teoria e na prática de comunicação em Relações Públicas. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 16.SCHNEIDER, Carla. (2008) A interação e o relacionamento nas “Pílulas da Qualidade”: um caso de Relações Públicas na 376 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais internet. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 17.SILVA, Carla Lemos da. (2007) O grupo focal como técnica de pesquisa no diagnóstico de Relações Públicas. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 18. SILVA, Vagner de Carvalho. (2005) Relações Públicas internacionais: o caminho das organizações brasileiras na internet. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 19.SILVEIRA, José Fernando Fonseca da. (2004) A comunicação no processo de legitimação do Sistema de Crédito Cooperativo – SICREDI. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 20. SOARES, Liziane do Espírito Santo. (2004) Pesquisa em Comunicação Social: um inventário das teses e dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação da FAMECOS/PUCRS. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 21.SOARES, Valéria Deluca. (2004) Fluxos de informação X relações de poder: uma análise nos laboratórios experimentais do curso de Comunicação Social do Centro Universitário FEEVALE. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 22. VIANNA, Rosélia Araújo. (2008) Relações Públicas e ouvidoria: cidadania e poder dos públicos. Porto Alegre: PPGCOM-PUCRS. 377 cAPíTULO Iv Práticas Persuasivas e Mercadológicas 100 Anos de Propaganda em Santos Cinara Augusto E Marco Antonio Batan O desafio do projeto de apresentar ao público a evolução da comunicação em Santos através de registros de cem anos da propaganda produzida na cidade ou dirigida de fora aos seus habitantes era adotar um critério de seleção desses anúncios e cartazes históricos uma vez que, por definição, a mostra comporta limitado número de exemplares em exibição. A escolha simplesmente por padrões estéticos nos parecia insuficiente para esclarecer sobre a importância da presença da comunicação publicitária no processo de modernização urbana ocorrido em Santos a partir do final do século XIX, com ênfase no século XX. Assim, o critério adotado para a representatividade das peças de comunicação no estudo do papel da propaganda dentro da história de Santos como coadjuvante essencial da liderança santista e sua influência no Brasil foi selecionar anúncios e cartazes a partir de marcos das mudanças econômico-sociais ocorridas na sociedade santista em direção à modernidade, considerando a própria ruptura física da cidade com o período colonial. Lançar uma luz sobre o peso de Santos na história brasileira com base no conteúdo da comunicação publicitária veiculada no período pesquisado é o propósito deste estudo, considerando que a investigação de determinados produtos da comunicação – no caso a propaganda – constitui-se em fonte concreta para a análise dos principais traços da cultura, da história e da organização político-econômica da sociedade que a produziu, situando-se os objetos de análise, assim, dentro das relações sócio-econômicas em que são produzidos e recebidos, revelando a personalidade da Cidade e desvendando sua responsabilidade no desenvolvimento brasileiro. Com base no levantamento de documentação bibliográfica, na pesquisa da produção publicitária publicada em importantes revistas e jornais locais de arquivos tradicionais como o da histórica Sociedade Humanitária e do centenário Jornal A Tribuna de Santos e, ainda, com a contribuição de exemplares do acervo de historiadores e pesquisadores da história santista foi montada uma exposição com 379 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas 40 banners de grandes dimensões (1,70m x 1,90m), apresentando 140 peças publicitárias no período entre o final do século XIX e o final do século XX. Os objetivos iniciais são preservar essas peças, os arquivos digitais das respectivas artes para impressão, e funcionar como referência para um banco de dados específico no acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), órgão municipal empenhado em preservar a história da Cidade. O motor da iniciativa, objetivo maior do planejamento da mostra no Teatro Coliseu (1924) foi a idéia de que seria possível restituir aos moradores e turistas a visão, hoje pouco observada, do papel da cidade de Santos como ponto de partida para o desenvolvimento nacional em diversas áreas, porque a iniciativa parece indispensável para fortalecer o orgulho do santista como cidadão, partindo do pressuposto de que esse sentimento é poderosa motivação para realizações, ações de solidariedade, participação e crença no futuro, desejáveis em especial em momentos de crise, como esta de âmbito mundial que produz reflexos em todos os níveis da escala social de modo coletivo e pessoal. Aumentar a noção ou conhecimento de que a ousadia santista foi determinante para a evolução brasileira sob a perspectiva histórica é, assim, significativo para atenuar o desânimo do cidadão pelos desafios e destinos da Cidade. O comprometimento com a missão de manter a memória viva em benefício das novas gerações que define a FAMS e que igualmente orienta este trabalho, insere-se na expectativa de contribuir para o fortalecimento da cidadania santista. O estudo beneficia-se, inclusive, da iniciativa generosa da FAMS de popularizar a história através de um evento cultural e, ao mesmo tempo, do incentivo à realização da pesquisa científica necessária ao projeto com o suporte técnico de sua equipe de captação e tratamento de imagens, o que facilitou a coleta e resgate dos dados. Assim, buscando inclusive evidências das mudanças no espaço organizado e construído na cidade capazes, segundo os historiadores, de configurar as relações sociais e explicar as condições de vida e etapas da evolução das cidades, foram coletados nos arquivos e acervos particulares referidos anúncios e dados dos caminhos do desenvolvimento físico, econômico e social de Santos e das realizações que a levaram a representar papel importante na história do Brasil. 380 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O próprio crescimento da liderança de Santos na região por suas atividades de comércio e serviços tendo à frente a evolução do Porto e a conseqüente ampliação do mercado consumidor - composto por expressivo número de trabalhadores portuários e suas famílias com acesso em primeira mão a produtos estrangeiros e informações trouxeram exigências de comunicação e o consequente avanço da propaganda. O desenvolvimento santista, então, é explicado inicialmente pelas atividades de importação e exportação, do açúcar ao café, com os representantes comerciais de diversos produtos estrangeiros valorizados pelos consumidores brasileiros anunciando em Santos, em São Paulo e em outras praças do País desde o século XIX. A importação de cervejas, anunciada em jornais como O Estado de São Paulo desde 1894 é um exemplo, enfatizando a empresa santista como único importador de cervejas no Brasil. (ABRIL CULTURAL, 1980, 10) Mas o desenvolvimento santista também é explicado, desde o início do século XX, pela existência de empresas como a Companhia City. Fundada em Londres (Inglaterra), a The City of Santos Improvements & Company Ltd. (conhecida como City) era destinada à exploração de serviços públicos em Santos e tornou-se responsável pela modernização dos serviços de transporte, iluminação, água e gás, durante décadas, desde 1880. A City assumiu as mudanças como concessionária principal dos serviços públicos municipais e estaduais tendo papel fundamental na transformação da realidade urbana santista. E foi pioneira no principal esporte brasileiro: em Santos, no ano de 1929, a City iluminou o primeiro campo de futebol da América do Sul para jogos noturnos. A City anunciava todos os seus serviços na imprensa santista, como no exemplo constante na Mostra de 2009, em anúncio na Revista Flama de 31 de março de 1924. (ROQUE, 2009) Esse desenvolvimento é explicado, também, pelo saneamento da planície encharcada e insalubre a partir de 1907, com os nove canais que, partindo da praia, permitem o livre curso das marés e das águas da chuva pelas avenidas, enxugando a cidade, em obra complexa do brilhante engenheiro Saturnino de Brito, incluindo a reforma completa das instalações familiares de esgoto como raramente existem hoje até nas capitais dos estados brasileiros. Explica-se, também, pela construção dos jardins da praia, a partir da década de 1920, hoje reconhecidos como um marco mundial em jardim de orla. 381 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas E pela abertura das avenidas Ana Costa e Conselheiro Nébias no começo do século XX, que permitiu a expansão das atividades profissionais e a conquista de novos espaços habitacionais valorizando a orla da praia e substituindo os antigos palacetes coloniais pelos prédios de apartamentos que hoje caracterizam as moradias de Santos, também se justifica a evolução urbana em Santos. Os empresários da construção foram erguendo modernos edifícios desde 1941, data em que foi veiculado o anúncio de início das obras do primeiro prédio de condomínio em Santos (A TRIBUNA, de 27 de abril de 1941, página 12). Vinte anos depois, a moderna estrutura necessária ao gás liquefeito em instalações centralizadas, que chegou primeiro aqui, mostra a continuidade do contexto expansionista, conforme anunciado no jornal. (A TRIBUNA, de 14 de dezembro de 1960, página 3) A Avenida Ana costa foi a primeira artéria santista a receber iluminação elétrica pública, em 15 de agosto de 1903. A segunda foi a Avenida Conselheiro Nébias, em 14 de setembro do mesmo ano lembrando que na capital de São Paulo a iluminação elétrica começou dois anos depois, em 1905, e em 1916 ainda havia 8.605 lampiões a gás e apenas 864 lâmpadas elétricas na cidade de São Paulo, registrando-se no Rio de Janeiro, com seis lâmpadas, a primeira utilização elétrica de rua no Brasil, em 1879. Esses dados também colocam Santos na vanguarda da modernidade no Brasil. Junte-se a essa importante melhoria urbana o sistema de bondes elétricos, implantado na Avenida Ana Costa por volta de 1910. Na Mostra da FAMS, a coleção de cartazes de bonde, do acervo do historiador paulista Waldir Rueda, demonstra a importância do mercado consumidor santista para os anunciantes nacionais. Na década de 60 o comércio de Santos apresenta um movimento de grande expansão para os bairros da cidade, com novos espaços sendo abertos no Gonzaga, onde nasceu a Cinelândia santista nos anos 70 com oito enormes cinemas, e no Boqueirão, com o Supercentro Comercial, considerado o primeiro shopping do País, onde o Mercado das Liquidações anunciava desde 1965. Em 1968 a loja de eletrodomésticos A.D.Moreira, que já era anunciante de peso, dá o maior impulso também para o desenvolvimento comercial da Vila Mathias, criando um novo pólo de consumo na cidade com o auxílio da propaganda. (CLÃ, 1967, 1968, 1972). 382 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Destaque fundamental merece a Companhia Construtora de Santos, empresa do santista Roberto Cócrane Simonsen, engenheiro civil formado pela Escola Politécnica de São Paulo. Roberto Simonsen desenvolveu importantes missões oficiais na Europa e Estados Unidos e foi o fundador da primeira Escola de Sociologia Política existente no Brasil. Economista e financista de altos recursos técnicos ocupou cadeira no Senado da República e pertenceu à Academia Brasileira de Letras. A Construtora de Santos, presidida por ele, fez jus ao nome e foi grande responsável pelas transformações da cidade: edificou prédios, como os Palácios da Bolsa do Café (1922) e da Associação Comercial de Santos (1924), modernos edifícios residenciais e monumentos, como o da Independência (1922) e o Panteão dos Andradas (1923). Abriu e calçou vias públicas importantes e mudou o modo de vida santista. Durante uma década, a Construtora de Santos dedicou-se à cidade. Depois, construiu quartéis do Exército pelo País e executou obras e serviços em dez Estados brasileiros. Roberto Simonsen foi reconhecido propulsor das indústrias paulistas e por isso criou e tornou-se presidente da Federação das Indústrias Paulistas (FIESP), reforçando os laços de Santos com São Paulo. A Construtora de Santos ganhou prestígio nacional e deu origem a diversas empresas em Santos, São Paulo e Brasil, associando-se à Companhia Imobiliária Nacional, do Rio de Janeiro. Passando a financiar indústrias, a sua seção de construção ficou a cargo da associada Sociedade Construtora Brasileira, dirigida por antigos engenheiros da empresa. A Construtora de Santos também anunciava sua qualificação por contar com engenheiros, arquitetos, construtores, materiais importados e a diversidade de seus serviços, como no exemplo extraído da Revista Flama de 24 de setembro de 1923. (ROQUE, 2009) Mas nada era fácil para Santos. Para percepção mais clara das dificuldades em todas as frentes da vanguarda santista é fundamental destacar a responsabilidade dos empreendedores locais pelo avanço no setor aéreo nacional com a Panair. Pioneira, a americana Panair começou no Brasil fazendo o transporte aéreo de correspondência pelo litoral entre Santos e Belém (PA) com hidroaviões em 1929. Já em 1931 expande suas linhas para o transporte de passageiros. Em 25 de agosto de 1934 na Revista da Semana (RJ) a Panair apresentava o Brazilian Clipper, “O maior avião comercial do mundo” 383 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas e anunciava o início breve da novidade no serviço “transportando com excepcional conforto 32 passageiros”. Com isso, a Panair incentivou a construção de aeroportos nas pequenas cidades do interior do país. (ABRIL CULTURAL, 1980, 69). Nacionalizada em 1942 e já sofrendo concorrência de empresas como a paulista VASP, que inaugurou em 1949 a linha São Paulo-Santos-Rio, só a Panair do Brasil operava rotas internacionais, conquistando de 1950 a 1963 o primeiro lugar entre os serviços aéreos no País. A Panair foi fechada pelo regime militar em 1965, no auge de sua vida empresarial. Suas rotas foram entregues à VARIG (RS), que começou a operá-las no mesmo dia, graças à inacreditável intervenção do governo militar decretando a extinção sumária da Panair, que era de propriedade dos empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen, este último dono também da líder TV Excelsior, que foi igualmente fechada, e sobrinho de Roberto Simonsen, da Construtora de Santos. Apesar de seu pioneirismo aéreo, até hoje Santos não conseguiu ver realizada a implantação de um aeroporto que seria complemento estratégico para o Porto e incentivo indispensável para o turismo regional, nacional e internacional. Conversando no bar (Saudades dos aviões da Panair), de Milton Nascimento e Fernando Brandt, na magistral interpretação de Elis Regina em 1974, foi criada dez anos depois do golpe de 64 e tornou a extinção da Panair símbolo nacional da prepotência militar, para não deixar esquecer esse tempo, conforme Nei Duclós (18.05.2009). A música/ letra tem tudo a ver com Santos, referindo-se à Panair e aos bondes, absolutamente integrantes da identidade santista, ainda que não conste tenha sido essa a intenção dos autores mineiros. Em Santos, segundo depoimentos emocionados de familiares de antigos funcionários da empresa municipal de bondes, os veículos foram destruídos a machadadas no interior das oficinas, com a última linha sendo extinta em 1971. Em 1965, o ex-secretário da Segurança do Governo do Estado de São Paulo, general Aldévio Barbosa Lemos, assumiu o conselho diretor da empresa de transportes santista (trazido pelo próprio prefeito Silvio Fernandes Lopes) começando a paralisação gradual do serviço de bondes. Nessa ocasião, a frota da autarquia municipal de transportes era constituída por 80 bondes, 17 trólebus e 384 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais 8 ônibus. Somente poucas unidades sobraram escondidas sob sucata pelos funcionários inconformados, na garagem da empresa. Duclós (18/05/2009), poeta e jornalista, faz a leitura da letra de Brandt, enfatizando que ela trata poeticamente da ditadura: “Lá vinha o bonde no sobe e desce ladeira”. Os bondes não poluíam, eram uma maravilha urbana. A ditadura cuidou de destruir tudo, embalada pelo precedente aberto pelo JK, que sucateou toda a linha férrea brasileira num acordo de gaveta com os gringos, para ficarmos totalmente dependentes da gasolina e do óleo diesel. “E o motorneiro parava a orquestra um minuto./ Para me contar casos da campanha da Itália/”. O motorneiro tinha a manha de parar o bonde (a “orquestra” era o barulho do veículo) para conversar com os passageiros. O que ele conversava? Sobre a campanha da Itália. Qual foi ela? A da FEB – Força Expedicionária Brasileira, criada por Getúlio Vargas para combater o nazi-fascismo na Europa. Havia uma linhagem da memória: o veterano de guerra contava histórias para o menino na viagem de bonde. Isso chama-se civilização brasileira. “E de um tiro que ele não levou/levei um susto imenso nas asas da Pan Air”. O tiro que ele não levou significa que sobreviveu. É parecido com o grande peixe que escapou: a aventura é contada por meio do drama, do suspense, despertando a curiosidade. O fato relembrado é quase uma anedota. O humor grudado à dor. E o verbo “levar” aqui serve para fazer a ligação da cena do bonde com a do avião. O susto do veterano diante da morte, que repassa ao menino, levanta vôo nas asas da mítica companhia, a que representa o Brasil assassinado. É hora do garoto se assustar. O susto que ele - e o resto do país - levou. “Descobri que as coisas mudam e que o mundo é pequeno nas asas da Pan Air” (...). Antes disso, os cassinos santistas também permitem entender os motivos que levaram a cidade à modernidade adiante dos outros municípios brasileiros, como atração turística especial no litoral paulista. Das primeiras décadas do século XX até 1946, quando os jogos de azar foram proibidos no Brasil, todos os grandes hotéis santistas tinham cassino. Os cassinos santistas, com sua época de ouro entre os anos 30 e 40 eram ponto de encontro da alta sociedade, políticos, empresários, turistas e aventureiros da Baixada Santista e da Capital. E anunciavam constantemente no meio impresso como, por exemplo, o Hotel dos Bandeirantes na Revista Flama de setembro 385 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas de 1922, Capa, Miramar na Flama de 25 de janeiro de 1923, Parque Balneário Hotel na Flama de maio de 1937, página 10, Casino Ilha Porchat na Flama de dezembro de1938, página 58, e Atlântico Hotel na Flama de dezembro de 1938, página 65. (ROQUE, 2009) Os amores e as alegrias santistas refletem-se igualmente na publicidade. É exemplar a paixão dos pioneiros santistas que introduziram o surf no País tornando Santos “o berço do surf no Brasil”, da construção da primeira prancha para o esporte por jovens amadores, em 1937, ao I Campeonato Nacional Aberto de Surf em julho de 1977, no Quebra-Mar, com apoio da Secretaria de Turismo, Jornal A Tribuna e Rede Globo de Televisão, anunciado em cartazes mais de quarenta persistentes anos depois. O patrocinador foi a Confecções Taylor, que lançava moda no Rio e mantinha o Surf Team Taylor (CLÃ, 1977). Com apoios como esse o esporte deu ao País nomes respeitados internacionalmente, como o surfista profissional santista Picuruta Salazar, que há décadas é recordista de títulos e hoje leva adiante a escolinha de surf que montou no Quebra-Mar, em Santos. Deve ser lembrado, por outro lado, o forte setor bancário erigido na esteira do comércio do café ainda vigoroso nos anos da década de 60. S. Magalhães, Casa Bancária Faro & Cia. (Flama, janeiro de 1955) Banco da Economia, Banco de Santos, Casa Bancária Coelho (Flama, 19 de outubro de 1952 e acervo da Clã em 1970), Banco Leme Ferreira, Corretoras Estímulo (Clã, 1970), Direção, Casa Branco, Cia. Santista de Crédito Predial, com escritórios em São Paulo, Sorocaba, Campinas e Paranaguá (Flama, agosto de 1939, página 9), Poupança APE, o mercado financeiro de Santos até a década de 70 era o terceiro maior do estado e estava entre os dez maiores do País (ROQUE, 2009). As instituições financeiras santistas anunciavam regularmente. Ao longo dos anos, declinaram ou foram vendidas para grandes instituições nacionais em expansão, demonstrando as perdas econômicas de Santos pós 1964. É memorável ainda a participação santista nos cinquenta anos da Bossa Nova com dois grandes festivais universitários que são parte representativa dos eventos que movimentaram a cena cultural brasileira nos anos 60. Os Sambeco (sigla formada de Samba e Economia, samba da Faculdade de Economia origem dos universitários envolvi- 386 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais dos) foram organizados na raça por Carlos Eduardo V. Mesquita, jovem de 19 anos ligado ao meio musical, para o Centro Acadêmico Visconde de São Leopoldo da Faculdade de Economia de Santos em 1964 e 1965, o primeiro no Cine Caiçara e o segundo no Cine Iporanga, com a participação de grandes estrelas da música popular brasileira. Jair Rodrigues e Elis Regina cantaram juntos pela primeira vez no primeiro Sambeco, em 1964, partindo pouco tempo depois para as apresentações conjuntas de grande sucesso nacional com o show Dois na Bossa e o LP gravado ao vivo no Teatro Paramount, em São Paulo, para a gravadora Phillips, em 08 e 12 de abril de 1965, e o programa de TV O Fino da Bossa e os discos dele resultantes, hoje discografia clássica da MPB. O elenco todo do primeiro Sambeco, conseguido com a ajuda do empresário e na época pistonista do conjunto de Luis Loy, Dagmar, era composto por Elis, que trouxe os seus próprios músicos, Jair, Os Cariocas - estrela máxima na época Zimbo Trio, Paulinho Nogueira, Milton Banana Trio e Milton Banana Quinteto com Raulzinho e Hector Costita, e Alaíde Costa. O segundo Sambeco teve Wilson Simonal como genial Mestre de Cerimônias encantando a platéia lotada. As apresentações foram anunciadas, conforme o cartaz: Show da Boite Zum Zum–Rio, Edu Lobo, Nana Caymmi, Tamba Trio, Jongo Trio, Baden Powell. Mas Baden chegou atrasado e não cantou. Segundo Mesquita, o programa não foi totalmente cumprido: “Acontece que o Baden chegou na última música do Simonal reconhecendo que não dava mais, pediu desculpas, ficou contente em não se falar em multa, e nós ainda mais porque o público estava feliz e esgotado e sem o seu cachê pagamos tudo e saímos zerado para comer um sanduíche no Almeida”. (MESQUITA, 22.09.2008, 3). Mas a música tocava forte no coração dos santistas. Inclusive o rock, na década de 60. “Santos, além de celeiro de vários artistas, espalhou o rock para todo o País a partir das influências americanas que chegavam pelo Porto”. O músico veterano Gennaro Ricardo, que tocou na primeira formação da Blow Up, banda ícone na Cidade, inclusive nas bocas nos anos 60 (famoso perímetro de bares e boates da agitada e internacionalmente famosa noite santista, no Centro) esclarece: “Os marinheiros traziam long plays e standard plays para a gente. Jimmi Hendrix também chegou por aqui por meio das bocas” (FAGUEIRO, 387 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas 12.07.2009, E-1). A vida noturna em torno do cais teve influências diversas na Cidade e no País. Em 20 de julho de 1959, há 50 anos, o dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen aportou em Santos trazendo na bagagem a primeira máquina elétrica de tatuagem. “Lucky Tatoo” fez o maior sucesso, de início com marinheiros, prostitutas e pessoal do cenário artístico underground. Mas introduziu e ajudou a popularizar a milenar arte no Brasil (VAIO, 18.07.2009, B-5). Essa efervescência artística e cultural influenciava a propaganda, refletindo-se na moderna linguagem de anúncios e cartazes a partir dos primeiros anos da década de 60. (AUGUSTO, 2009) Nos anos 60 a McChad e seus jeans inovadores viraram mania de santistas e turistas. A empresa do santista Roberto Chaddad, hoje presidente da Abravest (Associação Brasileira de Vestuário), anunciava seus produtos em jornal e fazia também propaganda institucional até em cartazes. Como no cartaz do aniversário de 50 anos, quando mostrava seus jeans em foto avançada para a época, com um casal sensualmente agarrado tomando o cartaz por inteiro, em ângulo de corte que não revela rostos, ela nua da cintura para cima, cabelos estrategicamente escondendo os seios (ou não passaria naqueles tempos de censura oficial), e ele segurando com mão forte a etiqueta da grife presa a uma corrente. “Guds mostra toda sua força”, dizia e mostrava corajosamente para a juventude santista. (CLÃ, 1979) Os melhoramentos urbanos fazendo a evolução dos espaços e a abertura da Via Anchieta são pontos essenciais do desenvolvimento urbano em Santos. A Via Anchieta foi construída num momento, pós Segunda Guerra Mundial, em que o Brasil enfrentava dificuldades para firmar sua economia. A idéia de acelerar o crescimento do Porto de Santos através da construção da Via Anchieta passava pela necessidade brasileira de encontrar soluções para o desenvolvimento nacional. Antigamente as mercadorias chegavam a Santos por meio do Caminho do Mar, perigosa via de mão dupla que era a forma de transpor o desnível de pouco mais de 700 metros entre Santos e São Paulo. Já na década de 40, esta rota não suportava a demanda do cais santista. A nova estrada reforçou o status de Santos como cidade casada com a Capital. Com a segunda pista inaugurada em 1953 a Anchieta teve a sua capacidade de vazão esgotada no final da década de 388 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais 60. Mas sua construção permitiu passar de 830 mil veículos no início, em 1947, a um fluxo de dez milhões de veículos por ano na atualidade. Hoje, o trajeto pelo complexo Anchieta-Imigrantes, esta última entregue completa em 28 de junho de 1976 com túneis e viadutos de grandes extensões sucessivos criando uma espécie de “estrada artificial”, leva em torno de 50 minutos, lembrando que a primeira descida de automóvel da Serra do Mar, de São Paulo a Santos pela estrada velha, durou dois dias e meio, em 1908. (AEAS, 2001, 50) Independentemente, a Via Anchieta ficou conhecida nacionalmente com a música do “Rei” Roberto Carlos As curvas da estrada de Santos, gravada em 1969, e depois sucesso nacional também na voz de Elis Regina. Mas as temíveis curvas pertenciam mesmo à estrada velha, hoje interditada ao tráfego e ao público, apesar dos diversos monumentos históricos no caminho. A construção das ferrovias, a implantação da estação ferroviária no último quarto do século XIX, e a extensão e reforma do Porto já haviam consolidado anteriormente em Santos suas funções comercial e portuária, ou seja, sua condição de “porta de entrada do mar e do sertão” a serviço do País, favorecida por sua condição geográfica privilegiada tanto em relação ao mar quanto em relação à serra, o que faz do santista um cidadão comprometido com a cidade mesmo quando se distancia, trabalhando ou vivendo longe dela. Desse modo, com marcos de cidade burguesa e capitalista, mas fortemente conscientizada por um sindicalismo poderoso moldado no trabalho braçal no cais do porto - que lhe valeu o apelido de “Cidade Vermelha” e intensificou a repressão dos governos militares desde 1964 até os anos 80 – abriu-se o caminho para a evolução urbana desenvolvida em Santos ao longo do século XX. Em 1983 começou a construção do inovador cemitério vertical Memorial, um marco no serviço funerário que antes de virar record mundial provocou enorme polêmica nos jornais com matérias e anúncios. Refletidos na comunicação publicitária até na estética das mensagens, diferenciadas com a produção gráfica encomendada em São Paulo (AUGUSTO, 2009), esses fatos são parte importante da história da participação santista no progresso brasileiro. Nesses cem anos a propaganda registrou seu profundo envolvimento com a Cidade em mensagens institucionais e comerciais 389 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas que refletem o modo de vida, as lutas, as conquistas, os avanços, as alegrias e tristezas do povo santista. Nos anúncios de revistas e jornais incorporando a moderna linguagem de comunicação publicitária, os diversos movimentos estéticos característicos da Belle Époque foram apropriados no Brasil por artistas e profissionais atentos às tendências mundiais da arte, trazendo referências à propaganda santista. Influências estéticas do Realismo, Impressionismo, Simbolismo, Pontilhismo e Art Noveau, este último com sua exuberância decorativa, formas ondulantes, contornos sinuosos e composição assimétrica, prolongaram-se de 1889 até 1922. No conteúdo continuava a valorização das coisas santistas. O sabor da cerveja depende da água com que ela é feita, aprendeu o Brasil. E o sabor da cerveja brasileira foi, durante anos, especialidade da água de Santos. Desde as nascentes do Monte Serrat, origem da Fonte do Itororó cantada até hoje na música do folclore brasileiro, a água de Santos era famosa no Brasil por ser pura e cristalina, garantindo o sabor e a qualidade de cervejas e refrigerantes aqui industrializados, como a cerveja Braz Cubas (A TRIBUNA, de 06 de setembro de 1931, página 12). A água santista, nos anúncios de refrigerantes, era o principal argumento de vendas. (A TRIBUNA, de 26 de setembro de 1931, página 13) Tônico dos músculos e dos nervos, com qualidades terapêuticas que seriam recomendadas pelos médicos de família eram os argumentos dos guaranás nas primeiras décadas do século XX (Flama, 20 de outubro de 1923). As cervejas eram anunciadas como “alimento líquido” nutritivo para enriquecer o sangue e estimular o apetite, para mulheres, doentes e crianças, na amamentação, em anemias e para a saúde fraca. O apelo à saúde evidencia alguma resistência do consumidor da época em relação ao consumo de bebidas industrializadas (Flama, outubro de 1931), conforme Roque (2009). No segmento das cervejas, entretanto, o Brasil deve muito a Santos. Empresas de importação e exportação anunciavam informando e educando o gosto do consumidor em todo o Brasil desde o século XIX. Como a importadora santista Gustavo Backheuser em O Estado de São Paulo de 26.02.1894 (ABRIL CULTURAL, 1980, 10). A importância desse ramo de atividade depois estabelecido com fábricas em Santos, inclusive na aquisição de maquinário para a indústria cervejeira no Brasil, pode ser avaliada 390 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais na contribuição para o desenvolvimento dos principais fabricantes da época. Como a Companhia Antarctica Paulista S/A, que tinha entre seus sócios importadores santistas. Unida à rival Brahma em 1999 a empresa deu origem à AMBEV, hoje uma potência cervejeira mundial. O cartazismo santista também divulgou momentos importantes da Cidade, comemorando as conquistas do Santos (CLÃ, 1978) e, especialmente dando voz ao terceiro setor, com suas entidades que continuam até hoje reafirmando na prática o compromisso expresso em latim no lema gravado no brasão da Cidade, símbolo da história e das tradições de Santos, “Patriam Charitatem et Libertatem Docui”, que significa “À Pátria ensinei a caridade e a liberdade”. Cunhada pelo historiador Afonso d´Escragnolle Taunay, a frase refere-se à instituição da primeira Santa Casa de Misericórdia do Brasil e da América do Sul e às lutas santistas pela Independência. Em mensagens institucionais e de promoção das mais diversas causas sociais, cartazes divulgam festas populares, encontros políticos e profissionais, eventos, esporte, cultura, lazer e necessidades específicas como doação de sangue para hospitais, de córneas para o Banco de Olhos, iniciativas de sindicatos e dos clubes de servir, como os Rotary Club de Santos e região. Como o cartaz em preto e branco para a Instituição Braille de Santos com a foto da jovem em pontilhismo que oculta e alerta, olhos imersos na dramática escuridão, com o título “Alguém está de olho no seu Certificado de Compras de Ações”, e o subtítulo “Ajude-a”. Pela aplicação no Fundo Decreto Lei 157 uma forma simples e eficaz de ajuda à instituição foi informada aos santistas, com a colaboração em primeiro lugar da publicidade. (CLÃ, 1975) Dificilmente as agências de propaganda santistas deixam de ter algum cartaz entre seus trabalhos. Em vitrines de lojas ou indoor em instituições públicas, nos ônibus, cartazes sobre saúde, educação, cultura, esportes, shows, cartazes são utilizados de maneira significativa em Santos. Muitos eventos fazem uso unicamente de cartaz para informação geral, limitando ao mínimo o alcance da comunicação. Como peça única de propaganda, com forte predomínio da imagem, informação sintética e utilização interna e externa ampla, pode-se registrar a existência do cartazismo santista como modalidade de arte publicitária com características próprias, onde o apelo visual divide com o texto a res- 391 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas ponsabilidade pela transmissão da mensagem. Lastimavelmente, esse material raramente é preservado, mesmo em arquivos particulares. A Clã de Publicidade, cujo acervo foi bastante utilizado na Mostra, em seus mais de quarenta anos de atuação em Santos inúmeras vezes foi solicitada a desenvolver campanhas e cartazes até pelo envolvimento direto nas causas santistas e com instituições de servir. A agência acostumou-se a propor iniciativas em favor da Cidade, uma atuação profissional que as pioneiras agências de propaganda santistas defendiam desde os anos 60. Presente na maioria dos veículos de comunicação da região, a campanha da Clã (1995) pela reabertura do deteriorado Museu de Pesca de Santos, hoje restaurado e em completo funcionamento, é um exemplo marcante da união da propaganda com as reivindicações da cidade. Em exemplo anterior de que a publicidade santista é engajada e solidária encontra-se o projeto da Clã para a Gráfica Apolo, visando destacar Santos sob ângulos diferentes daqueles que as fotos conhecidas até o final da década de 70 costumavam mostrar, dotando a Cidade de material de divulgação renovado. Sob o tema “Você fica sempre com a melhor impressão” enfatizando os serviços gráficos anunciados e, ao mesmo tempo, destacando Santos por sua beleza, a idéia era comemorar os vinte anos de atuação do anunciante com fotos surpreendentes de Araquém Alcântara. Nas lentes do fotógrafo santista hoje mundialmente reconhecido Santos foi retratada de forma magnífica em dois cartazes. Um, colorido, trazia a foto do Iate Clube de Santos do alto, com os barcos enfileirados em visão pouco familiar aos próprios santistas, até porque o clube de barcos das elites santista e paulista fica na vizinha cidade do Guarujá. A outra, em preto e branco, mostra uma popular catraia no canal da região do Mercado, que liga Santos a Guarujá pelo lado do Porto. Paisagem tão modesta e comum aos olhos dos santistas que muitas vezes a sua beleza passa despercebida. Daí a escolha das fotos de Araquém Alcântara revelando na propaganda uma cidade digna de ser olhada sempre com atenção. (CLÃ, 1979) E sabendo falar com os santistas a propaganda conquista a sociedade e permanece mostrando retratos de uma época. Como no clássico exemplo a seguir, que conclui este ensaio. Segundo o estudioso Nelson Verón Cadena (2008) os versos que popularizaram o Rhum 392 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Creosotado em anúncio de bonde, “o maior “recal” da propaganda brasileira na primeira metade deste século” (refere-se ao século XX) são de autoria do poeta santista Martins Fontes, sob encomenda da agência de propaganda do também poeta Bastos Tigre, onde Fontes trabalhava. Tigre era homem de múltiplos talentos e especializado em slogans publicitários, tornando-os mundialmente famosos, exemplo de “Se é Bayer é bom”. Daí a sextilha de Martins Fontes ser atribuída ao dono da agência até por sua bisneta, o que não é incomum acontecer na propaganda brasileira dentro da hierarquia profissional. A ilustre propaganda continua suscitando a polêmica da autoria porque sobrevive afetivamente na memória popular de maneira rara, Até mesmo o farmacêutico dono da empresa anunciante é dado como autor dos versos, porque, ao contrário do verdadeiro autor, assumiu publicamente a autoria. Na época havia preconceito contra intelectuais (poetas e escritores, principalmente) envolvidos com a propaganda. Isso fazia com que os artistas mais respeitados não revelassem a sua atuação em publicidade, vista como “atividade menor”. Freqüentador das rodas literárias do Rio Antigo, Fontes fazia publicidade no anonimato, como outros poetas que trabalhavam em propaganda. O que não impedia que seu trabalho fosse testemunhado e reconhecido. Os versos do poeta santista para o Rhum Creosotado sobreviveram ao produto e são hoje integrantes da memória coletiva brasileira: Veja ilustre passageiro / o belo tipo faceiro / que você tem ao seu lado. / E no entanto,acredite, / quase morreu de bronquite / salvou-o o Rhum Creosotado. Pelo encantamento que continuam provocando em todo o Brasil os versos de Martins Fontes contribuem para destacar a qualidade da propaganda praticada na Cidade mesmo sem estar dirigida exclusivamente aos santistas – visto que seu veículo de comunicação (daí a nomenclatura que define os espaços de transmissão-transporte da mensagem até a atualidade, sem sinônimo correspondente) era o bonde, transporte público de passageiros por excelência da planície santista, propiciando uma coleção considerável de anúncios representativos da presença da propaganda na vida da Cidade. Martins Fontes, um dos grandes poetas santista, foi amado por seus Poemas e 393 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Canções e como médico caridoso. E não fez por menos na propaganda, com inesquecível popularidade. Referências ABRIL CULTURAL. 100 anos de propaganda. São Paulo: Abril Cultural, 1980. CLà DE PUBLICIDADE. Acervo particular de 1964 a 2000. AEAS, Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos. Presença da Engenharia e Arquitetura Baixada Santista. Santos: Empresa das Artes, 2001. Texto e Pesquisa Iconográfica da historiadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade. Fotografias: Alfredo Gastone Tisi Neto. AUGUSTO, Cinara. Para não morrer na praia. História da criatividade publicitária em Santos. Novo Hamburgo (RS): Feevale, 2009. FAGUEIRO, Patrícia. “Dia do Rock”. A Tribuna, Santos, 12/07/2009. JORNAL A TRIBUNA. Santos: A Tribuna Jornal e Ed., edições referentes aos anúncios constantes do levantamento fotográfico da Mostra FAMS. LICHTI, Fernando Martins. 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A fala oculta. Disponível em http://www.consciencia.org/neiduclos/A-FALA-OCULTA-CANCAO-MEMORIA-E-RESISTENCIA/ MELLO, Gisele Homem de. “Modernização da cidade de Santos (SP) no Século XIX. Mudanças espaciais e da sociabilidade urbana no Centro Velho”. eGesta, v. 4, n. 2, abr.-jun./2008, p. 141-162. Disponível em: http://www.unisantos.br/mestrado/gestao/egesta/artigos/150.pdf http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0306.htm http://www.der.sp.gov.br/malha/historico_rodovias.aspx 395 Jotabê: agência de publicidade e promoções que deu início à construção da marca de Calçados Azaléia Maria Berenice da Costa Machado e Marcelle Silveira dos Santos Introdução Este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa sobre a história e a memória da comunicação publicitária em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Os primeiros esforços foram no sentido de identificar e cadastrar as agências de publicidade da cidade, fundadas a partir da década de 60. Concluída a tarefa, optamos por nos concentrar no viés histórico, procurando entender quem foram os precursores da atividade, o que os motivou para o empreendimento, como se estabeleceram e deram continuidade ao negócio relativamente novo no cenário local/ nacional. Ao focarmos as agências pioneiras, destacamos, também, as suas particularidades e peculiaridades. E este é o objetivo principal deste capítulo dedicado à Jotabê/ Jotacê, atual Supernova. Como metodologia de trabalho, além da revisão bibliográfica e documental, seguimos o método da História Oral1 e entrevistamos, a partir de um roteiro semi-estruturado, o fundador da Jotabê, Jones Batista2 e alguns dos seus parceiros e funcionários: Alceu Feijó3, Abelar Noschang4 e Vera Adams5. Os depoimentos que registramos formam um conjunto de fatos históricos que serão articulados e com- 1 História é uma palavra polissêmica e pode ser entendida como: “ciência ou disciplina do acontecido, isto é, história-conhecimento; história como notícia dos fatos e história como fatos acontecidos, ou seja, história-processo” (FÉLIX: 2004, p. 24). Jones Batista - Radialista e publicitário, fundador das agências Joba, Jotabê e Jotacê, esta última em sociedade com o publicitário Clóvis Noschang. Atualmente, participa da Supernova, agência conduzida por seu filho, Jones Batista Júnior. 2 3 Alceu Mário Feijó – é fotógrafo e diretor de fotografia do Jornal NH, junto com Pedro Adams Neto fundou a Ledercap, primeira agência registrada em NH. Abelar Noschang – Irmão de Clóvis começa na publicidade como criador, acompanha Clóvis na Jotacê e torna-se seu sócio na Proptop. Atua como designer gráfico em projetos arquitetônicos e publicitários. 4 5 Vera Adams - Formada em Letras pela Unisinos, trabalhou como redatora na Proptop e na Progesp. Atua como produtora e consultora de moda e comunicação no mercado hamburguense. 397 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas preendidos através da narrativa dos sujeitos, suas memórias6, seus pontos de vista acerca de um passado que é sempre complexo. Assim, não pretendemos fazer uma historiografia oficial, mas destacar informações que possam contribuir e legar referências para os campos da Comunicação e da História, bem como ao mercado publicitário. Apresentamos, inicialmente, os fundamentos da comunicação publicitária, através da revisão dos conceitos de Publicidade e Propaganda, agência e atividades promocionais: construção de marca, promoção de vendas/concurso e merchandising, a partir dos autores Dionísio, Ferracciù, Pinho, Ribeiro, Sampaio, Santos, Sant’anna. Seguimos com a contextualização sócio-histórica de Novo Hamburgo, baseada em Petry e Schütz, e as configurações do mercado de comunicação local. Na parte final, recuperamos a trajetória da Jotabê: sua equipe, contas, principais ações e realizações promocionais, com destaque para a relação da agência com a indústria de calçados Azaléia. Os fundamentos da comunicação publicitária Entre as muitas linguagens da comunicação estão a Publicidade e a Propaganda (PP)7, que designam esforços persuasivos ideológicos: no caso da Propaganda, sem fins comerciais e sob qualquer formato; já a Publicidade liga-se à persuasão de caráter comercial, visando promover bens, serviços, ideias, marcas, personalidades e eventos através de anúncios pagos, veiculados nos meios de comunicação de massa ou da forma direta, por um anunciante-patrocinador identificado (SANT’ANNA, 1996, p.16-36; BROCHAND, 1999, p.4446). Ambas estão a cargo de profissionais e das agências que devem buscar, através das técnicas de persuasão, chamar a atenção, fazer o público-alvo se identificar com a mensagem para, através dela, influir na sua conduta ideológica e/ou comercial. Como ferramentas do A memória liga-se à lembrança das vivências, só existe quando laços afetivos criam o pertencimento ao grupo: “a história capta e estuda memórias; constrói-se também com elas, mas história e memória não são sinônimas. Estudar memórias sociais é abordar também história e temporalidades” (FÉLIX: 2004, p. 42). 6 7 Embora as considerações epistemológicas sobre Publicidade e Propaganda, no mercado brasileiro tais conceitos são usados indistintamente. Neste texto optamos pela fidelidade ao modo como foram empregados pelos depoentes. 398 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais composto promocional de Administração e Marketing, a Publicidade e Propaganda precisam atender às necessidades mercadológicas de divulgação e promoção sendo poderosas alavancas para o desenvolvimento das organizações, das causas e das pessoas envolvidas. Agências de Publicidade e Propaganda Agências são as empresas que têm a função de mediar o processo de comunicação entre os que produzem e/ou comercializam bens ou serviços, os fornecedores técnicos da publicidade, os veículos de comunicação, e os potenciais consumidores. Elas se dividem, basicamente, nos setores de atendimento, planejamento, mídia, criação, produção, administrativo-financeiro. Cada um desses departamentos realiza trabalhos específicos e requer profissionais com características próprias. A história da publicidade no Brasil e os primeiros conceitos do que seria uma agência tiveram início no começo do século passado, em 1914, com a Eclética Publicidade, que é considerada a primeira agência de publicidade do Brasil. Mais de cinqüenta anos depois, através da Lei Federal nº 4.680, regulamentada pelo Decreto nº 57.690 de 1º/02/1966 a atividade e o perfil das agências de publicidade foi finalmente traçado, definindo-as como segue: A agência de publicidade é pessoa jurídica especializada na arte e técnica publicitária que, através de especialistas, estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes-anunciantes, com o objetivo de promover a venda de produtos e serviços, difundir ideias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições colocadas a serviço deste mesmo público (SANT’ANNA, 2002 pág. 241). Neste período a propaganda brasileira se fortaleceu, desmanchando os conglomerados norte-americanos e sendo criadas as primeiras grandes agências genuinamente brasileiras como a Mauro Salles, SGB, DPZ, MPM e Alcântara Machado. Com o tempo, novas estratégias foram implantadas e estudos realizados, ampliando e qualificando ainda mais a atuação das agências, tornando-as gerenciadoras da imagem e verdadeiras aliadas dos anunciantes. Atualmente, tudo o que está relacionado à comunicação de uma empresa, do planejamento estratégico, passando pelo cartão de visitas, aos comerciais para televisão, são da responsabilidade das agências, 399 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas que precisam ser competentes numa atividade que seus clientes-anunciantes não estão aptos a fazerem sozinhos. Novo Hamburgo e o mercado de comunicação no sul do Brasil Novo Hamburgo (NH) é um complexo demográfico com prédios modernos, mais de 250 mil habitantes, e tem na cadeia coureiro-calçadista a base da sua economia. A cidade é um dos mais importantes pólos industriais e comerciais do estado do Rio Grande do Sul (RS), localizada no Vale do Rio dos Sinos, região metropolitana de Porto Alegre e distante 45km da capital gaúcha. A força da economia reflete-se no campo da comunicação e o município conta com centenas de anunciantes (indústrias, comércio, prestadoras de serviços, instituições do poder público, políticas, esportivas, culturais, educacionais, entre outras), o Grupo de Comunicação Sinos e outras mídias independentes, escritórios e representantes de veículos estaduais e nacionais, cerca de 50 agências de publicidade, dezenas de fornecedores de serviços, como gráficas, estúdios fotográficos, produtoras de áudio, vídeo e web, e o curso de Comunicação Social da Feevale, formando publicitários, jornalistas e relações públicas. Voltando aos primeiros anos da década de sessenta, período de ouro da publicidade brasileira, observamos que coincide com um ciclo de prosperidade em Novo Hamburgo: a indústria coureiro-calçadista está em franco crescimento, há expressivas melhorias urbanas e a cidade assiste, ainda, a criação da FENAC (Feira Nacional do Calçado) e a fundação do Jornal NH, pelo Grupo Sinos, que passa a produzir e a veicular, preferencialmente, informações locais/ regionais, circula por grande parte do território nacional, apóia os potenciais anunciantes e estimula a profissionalização das agências de publicidade. Tais condições favorecem que alguns jovens da cidade, já envolvidos com o campo da comunicação, como o fotógrafo Alceu Mário Feijó8, o radialista Jones Batista e Pedro Enio Schneider9, estudante de Belas Referência sobre a agência fundada por Feijó: MACHADO Maria Berenice e SANTOS, Marcelle. LEDERCAP: agência pioneira em Novo Hamburgo. In: Adolpho Queiroz e GONZALES, Lucilene (Orgs.). Sotaques Regionais da Propaganda. São Paulo: Arte & Ciência, p. 105-121, 2006. 8 Referência sobre a agência fundada por Schneider: MACHADO Maria Berenice e SANTOS, Marcelle. New PS, the oldest: a trajetória da mais antiga agência de publicidade e propaganda em atividade no estado do Rio Grande do Sul. In: Adolpho Queiroz. (Org.). Propaganda, Histó- 9 400 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Artes e estagiário da Standard Propaganda, em Porto Alegre, se lançassem em novos empreendimentos e abrissem suas próprias agências de publicidade para atender às demandas do mercado. A fundação e os primeiros anos da Jotabê Ao fundar a Jotabê, Jones Batista, então com 26 anos, trabalhava havia uma década como radialista e acumulava a função de corretor de anúncios, o que o aproximou da publicidade: “eu aprendi muito nesses dez anos de rádio, senti que realmente a propaganda dava um retorno extraordinário”. De acordo com Batista, os primeiros tempos não foram fáceis, mas os resultados foram gratificantes, parte deles devido aos funcionários que o ajudaram e aos clientes que o prestigiaram: “a Jotabê proporcionou muita coisa boa pra nossa região também, em termos de divulgação” (BATISTA, 2005). A agência não foi uma ideia exclusiva dele, mas foi ele quem lutou para estabilizá-la: a agência começou com o Jones, e o Jones começou a criar situações para que ela se desenvolvesse. Porque eu era radialista, trabalhei dez anos nas Emissoras Reunidas, no tempo do Sr. Arnaldo Balvé (...). Em determinado momento, o tio da minha esposa, Leopoldo Márcio Petry (filho de Leopoldo Petry, primeiro prefeito de NH) perguntou a ela ‘porque o Jones não põe uma agência de propaganda?’ E ela falou pra mim ‘porque você não monta uma agência de propaganda?’ Uma agência de propaganda... comecei a pensar (...) (BATISTA, 2005). Batista reconhece que foi um desafio: “eu não tinha muita noção, comecei a falar com pessoas de propaganda, que tinham agências de propaganda. Sabia que existia a MPM10, mas não sabia como funcionava uma agência”. Naquela ocasião valeu-lhe a experiência de radialista, pois realizava muitos contatos com o comércio quando era atendimento da rádio. O jovem resolveu abraçar a ideia e disse: “Quer saber uma coisa? Eu vou montar essa agência!”. Preparou ria e Modernidade. Piracicaba: Editora Degaspari, p. 101-120, 2005. 10 MPM – agência fundada em 1957, no RS, por Mafuz, Petrônio e Moreira, para atender a conta da Ipiranga, expandiu-se por todo o território nacional, tornando-se até a década de 1990 a maior agência brasileira. Posteriormente foi vendida para o Grupo Multinacional Lintas. Atualmente, a marca opera ligada ao grupo do publicitário Nizan Guanaes. 401 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas tudo, fez o coquetel de inauguração, convidou o prefeito, demais autoridades e os dois irmãos Gusmão, diretores do Jornal NH. O empresário observa que fez tudo sozinho e sem capital: o capital que eu tinha era da minha família (...) e eu jamais poderia imaginar o quanto eu precisaria para montar essa agência, pra fazer essa agência funcionar como agência mesmo. Eu levava a coisa muito a sério, assim como sempre foi minha vida particular, queria que a empresa seguisse o meu íntimo, aquilo que eu sempre imaginava, que eu acreditava ser em termos de empresa e família. Daí eu sai da rádio e montei a agência (BATISTA, 2005). Sobre a primeira localização da Jotabê, Batista recorda que Níveo Friederich, que era o prefeito de NH na época, tinha um escritório ao lado do antigo Café Avenida11 e que foi ele quem lhe cedeu a sala para a agência. Mas a maior dificuldade foi encontrada junto aos anunciantes, pois eles não tinham aquela visão ainda de propaganda. Publicidade para eles era gasto, não era investimento. Falava em propaganda, publicidade pra eles, eles corriam com a gente. Eu tinha que criar uma situação, na época, para capitalizar a agência e mostrar a essa gente da região que a propaganda é a alma do negócio, que eles precisavam aparecer para vender mais. Aí eu comecei a pensar... e sabe de uma coisa, eu vou fazer um concurso. E fiz o Concurso VRS [o Concurso Vale do Rio dos Sinos será detalhado mais adiante] para integrar a região, ofereci para o comércio, para indústria e para as prefeituras (BATISTA: 2005). A montagem da equipe Nos primeiros anos da Jotabê, Batista fazia tudo sozinho, desde o atendimento aos clientes, até a administração financeira da agência. Aproximadamente três anos depois, ele identificou o talento criativo de Clóvis Noschang12 quando ele era cartazista de uma loja no centro da cidade. Depois daquela loja, segundo Jones, ele foi traPonto no coração da cidade, onde se reuniam empresários e prefeitos da região para conversar e fazer negócios. 11 Clóvis Noschang – publicitário que atuou no mercado hamburguense e foi sócio de Batista na Jotabê, transformada, então, em Jotacê. Posteriormente, saiu e fundou as agências Proptop e Progesp onde trabalhou até falecer, em 1991. 12 402 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais balhar em uma agência de Porto Alegre: “Rapaz novo, inteligente e eu pensei: vou contratar esse rapaz, mas eu tenho que oferecer alguma coisa a ele, senão, ele não vem, pois estava bem em Porto Alegre” (BATISTA, 2005). O irmão de Clóvis, Abelar, recorda que em Porto Alegre o criativo esteve na Símbolo Propaganda, na Agência Um, de Jesus Iglesias, na Standard Propaganda e na revista Granja na área de programação e que teve um convite para ser diretor de arte da Standard de Curitiba: “Jones Batista, que farejava muito bem os bons profissionais, soube que o Clóvis estava para ir para Curitiba, o procurou e fez uma proposta muito boa para ele ser sócio e diretor de arte na Joba. Então ele veio para Novo Hamburgo e me chamou para ir trabalhar com ele, isso foi em 1971” (NOSCHANG, A.: 2007). Para atrair Noschang de volta a NH, Jones lhe propôs sociedade: “Como a agência era 100% minha, eu cheguei para ele e falei: olha Clóvis, eu te dou 20% da agência, mas eu não quero saber de mais nada. A responsabilidade da criação, da parte de arte, é contigo, e tu podes contratar quem tu quiseres (...) (BATISTA: 2005). Jones lembra que Clóvis tinha receio da mudança, mas que ele tinha certeza de que ia dar certo, pois já tinha alguma experiência na atividade e a sua agência, a Jotabê, já estava dando certo: havia sido realizado um concurso para capitalizar a empresa, e ele tinha capital de giro para propor alguma coisa concreta a uma pessoa que viesse incrementar o trabalho e o faturamento. Nasce, então, a sociedade de Jones Batista e Clóvis Noschang, que durou cerca de dez anos (BATISTA: 2005). Jotacê, a parceria entre Jones e Clóvis Jones observa que com a chegada de Clóvis ele transforma a Jotabê em Jotacê, o que deixa o novo sócio mais seguro. Sobre a divisão das tarefas, o empresário recorda que Noschang fazia a redação dos anúncios e às vezes a mídia, junto com ele. Em seguida, o novo sócio traz o irmão, Abelar Noschang, para a função de arte-finalista e ele assume a direção de arte. O empresário lembra o excelente ambiente de trabalho e lamenta a carga de obrigações e responsabilidades de uma agência, que é muito grande: “(...) o diretor têm que pensar em tudo, na administração, no cliente, no fornecedor, e os veículos pressionando para anunciar” (BATISTA: 2005). 403 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas A Jotacê atendia a diversas contas, entre elas Azaléia (esta indústria e um dos seus produtos, o tênis Olympikus, serão estudados em um tópico seguinte) e Ortopé13, que mais tarde tornaram-se grandes anunciantes. Mas naquela ocasião, as verbas eram reduzidas: “A gente tinha que pensar muito porque a verba na época era pequena, não existia uma verba definida do cliente. Simplesmente eles iam liberando, a gente ia apresentando custos, ou ele cortava, ou deixava aquele custo que a gente apresentava” (BATISTA, 2005). Começaram a vir outras contas e a Jotacê solidificou-se em termos de agência: Eu sempre tinha duas ou três duplas de criação, porque nós tínhamos muitas contas de calçado e para não se confrontar, porque a linha é praticamente a mesma de calçados de mulheres, eu tinha que ter duas ou três duplas de criação e dava uma conta para cada uma das nossas duplas de criação, e sempre deu certo. Eu sei que hoje é complicado e se tu quiseres uma conta expressiva, tem que trabalhar só com ela naquela linha. O cliente não vai aceitar um concorrente na mesma agência (BATISTA, 2005). Vera Adams é uma das jovens publicitárias que foi atraída pelas contas e pelos anúncios veiculados pela Jotacê. Ela foi até lá, em 1976, como ela mesma recorda, na “cara de pau”, e disse para Clóvis: Ó, eu quero trabalhar aqui (...) Clóvis era uma figura, né? Ele disse: ‘Tá’, não teve muito problema, aí eu comecei a trabalhar com ele. (...). Ele tinha uma dupla, ele era o criador e passava o texto e, mais ou menos o que ele achava para o Abelar. Clóvis trabalhava com simbiose, era muito legal de ver. Eles me aceitaram e começaram a me passar bastante trabalho, ele queria um sangue novo. Sei lá... foi muito bom. A gente atendeu a Azaléia, tênis Olympikus (ADAMS, 2006). Ações e peças promocionais para consolidar o empreendimento Jones Batista, mesmo sem formação específica em publicidade, incrementou os serviços da sua agência, recorrendo a diversas técnicas e estratégias de comunicação promocional. A primeira A Ortopé foi um dos maiores fabricantes nacionais de calçados infantis, liderou o mercado nas décadas de 70 a 90. Deixou de atuar por problemas com o fisco. 13 404 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais que abordaremos é a promoção de vendas, esta de acordo com Ferracciù, “não implica propriamente vender, mas diligenciar, esforçar, empenhar-se através de qualquer ideia ou ação para que isso aconteça”. O autor observa que a função básica da promoção de vendas é coordenar esforços para facilitar o trabalho do pessoal de vendas, em todos os níveis de sua atuação, qualquer que seja o segmento. Para tanto, recorre a múltiplas e diversificadas técnicas, “podendo associar-se, interrelacionar-se e interdepender de todas e quaisquer atividades de comunicação e vendas, com o objetivo de multiplicar resultados”. As premiações são importantes atividades da promoção de vendas, requerem um pouco de habilidade e qualificação dos participantes, e são conhecidas como concursos ou sorteios, devendo obedecer à legislação específica (FERRACCIÙ, 1997, p. 9, 13, 16, 31, 32). • O Concurso VRS (Vale do Rio dos Sinos) – promovido Batista, capitalizou a sua agência e fez o sorteio de muitos brindes: “eu queria fazer um concurso na época, muito grandioso” (BATISTA, 2005). Aquela ação promocional auxiliou a integração do comércio, indústria e prefeituras em uma região onde ninguém acreditava em publicidade. O esquema básico era concorrer e ganhar prêmios. A tarefa do concurso consistia em o industrial, que vendia os seus sapatos para os lojistas, agregar nas caixas de calçados “x” cautelas. Os prêmios que elas representavam poderiam estimular seus balconistas ou clientes: “Havia mídia no jornal, na televisão e na rádio local (...) então elas [as indústrias] inseriam-se na propaganda do concurso”. Os brindes sorteados eram automóveis, motos (naquele tempo era a Vespa) e bicicletas, obtidos através de trocas por cautelas e mídia, como observa Batista: “fui a revendas locais desses bens e propus a eles uma negociação; ‘vocês me compram “x” cautelas, no valor dos automóveis/ motos/ bicicletas e eu dou uma mídia pra vocês em rádio, televisão, folhetos, mala direta e ponto de venda”. Além dos resultados financeiros, a promoção contribuiu para educar os clientes sobre o valor da comunicação: “foi um sucesso esse concurso porque houve um envolvimento de empresas calçadistas, principalmente. O projeto do concurso, um excelente negócio pra todo mundo, 405 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas porque os meus clientes foram beneficiados com vendas e eu os eduquei pra fazer propaganda. Vamos falar a palavra educar, porque não deixa de ser uma educação” (BATISTA, 2005). • Os calendários turísticos – O fundador da Jotabê recorda que veio de Feijó a ideia dos calendários turísticos: “ele falou comigo no Café Avenida e disse ‘Jones, eu tenho uma ideia boa pro Clóvis, um calendário turístico’. O Feijó já era fotógrafo na época, um excelente fotógrafo, e eu pensei: ‘poxa eu tenho que abraçar essa oportunidade também”. Batista observa que anteriormente já havia ousado ao montar uma agência de publicidade. De imediato, aderiu à proposta de Feijó, chegou na agência e disse: “Pessoal, vamos bolar um calendário turístico pra região” (BATISTA, 2005). A peça promocional de Feijó foi um sucesso, segundo Batista: “a gente fez um calendário com fotos de cada município e houve a integração das prefeituras”. A Jotabê criava a arte do calendário e Feijó fazia as fotos: “e isso foi até 1969/70. Entraram as prefeituras e também as empresas de calçados que exportavam na época. Eles mandavam esses calendários, que eram impressos em três línguas - português, espanhol e inglês – para fora do Brasil”. As fotos, cerca de quinze, eram do município de Novo Hamburgo, do Santuário de Padre Réus, que é o símbolo de São Leopoldo, da Cascata do Caracol e de outros lugares típicos. Junto com as fotos, havia a assinatura da empresa ou da prefeitura. Se o anunciante quisesse mostrar a sua sede, eles tiravam uma das fotos do calendário e a substituíam pela da empresa, numa espécie de personalização (BATISTA, 2005). Batista credita aos bem sucedidos concursos e calendários a capitalização da Jotabê, no seu período inicial, quando o negócio da publicidade ainda não havia se consolidado: “E isso aí foi um sucesso, porque a gente até conseguir uma conta grande aqui ia demorar muito, até as pessoas entenderem que a propaganda dava resultados e tal, eles tinham medo de investir muito e nem existiam condições para isso” (BATISTA, 2005). 406 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais As contas da Jotabê/Jotacê Destacamos duas das muitas contas da Jotabê; a primeira representa uma experiência na área governamental, no município de São Leopoldo. A outra é da Calçados Azaléia, que deu seus primeiros passos na comunicação com Batista, para depois se transformar em um dos maiores anunciantes brasileiros, atendidos por outras agências do estado. • Governo municipal de São Leopoldo – Embora estabelecido em Novo Hamburgo, Batista teve a conta da prefeitura da vizinha São Leopoldo: “trabalhei três anos para o doutor Olímpio Albrecht, que foi prefeito em três gestões. Então eu fiz a campanha dele”. O empresário recorda a experiência com o político, considerando-o “um camarada de visão, médico e cirurgião que tinha tempo para tudo”. Batista credita ao prefeito a viabilidade do projeto do Jornal Vale do Sinos, do Grupo Sinos: “eu disse-lhe que o jornal só poderia sair se a prefeitura lhe desse cobertura financeira para seis meses”. A cobertura que Batista refere eram anúncios, e ele sabia que o doutor Olímpio era “aberto à propaganda, inteligentíssimo, e objetivo” e que aceitaria a proposta: o doutor Olímpio Albrecht foi uma das maiores pessoas, uma das maiores personalidades políticas da região que eu conheci. E me rendo a ele pela sua magnitude, de pensar em atrair empresas para São Leopoldo, divulgar São Leopoldo. Eu ficava lá no Hospital Centenário, esperando o doutor para sair com ele e visitar empresas. Nós fizemos um calendário exclusivo em São Leopoldo, também (...) foi a pessoa de maior visão de propaganda. Só pelo fato de eu ser de Novo Hamburgo e ele entregar a conta publicitária para a nossa agência, com a rivalidade que existia - foi uma coisa que também me gravou muito, o quanto ele confiou em mim (BATISTA, 2005). • - Calçados Azaléia – Um fato marcante para a Jotabê é a chegada de uma conta que, apesar de pequena, era muito cobiçada: (...) o pessoal de Porto Alegre cobiçava muito essa conta, porque esse cidadão, que eu vou citar a empresa para vocês, ele tinha 407 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas uma cabeça muito boa para a propaganda, para a publicidade. Valorizava muito, só que não tinha grana, não tinha dinheiro e eu apostei nele. Chama-se Calçados Azaléia, e o nome dele é Nestor de Paula, já falecido (BATISTA, 2005). Para se ter ideia da dimensão da conta que chegou à Jotabê, naqueles anos sessenta, trazemos informações sobre a Calçados Azaléia, que foi fundada em dezembro de 1958, a partir de uma ideia de Arnaldo Luiz de Paula, Nelson Lauck e Arnildo Lauck, sob o nome de Berlitz, Lauck e Cia. Ltda. Os sócios e suas esposas produziram dez pares de calçados femininos ao final do primeiro dia de trabalho, instalados em um barracão de madeira alugado. Passados mais de cinquenta anos, a empresa, agora propriedade do grupo Vulcabras, é uma das maiores indústrias do setor no mundo. Em 2007, fabricava cerca de 160mil pares de calçados por dia e contabilizando mais de 17 mil colaboradores. Sua sede fica em Parobé/ RS, a 80 quilômetros da capital gaúcha, e tem outras unidades de produção nos estados do RS, Bahia e Sergipe, unidades de representação comercial em todo o Brasil, nos Estados Unidos, na América Latina e na Europa, além de unidades comerciais próprias nos Estados Unidos, no Chile, na Colômbia e no Peru. A indústria exporta cerca de 18 % da sua produção para mais de 80 países e está presente em mais de 15 mil pontos-de-venda no Brasil e, aproximadamente, em 3 mil pontos-de-venda espalhados entre os cinco continentes. Atua no segmento feminino com as marcas Azaléia, A|Z, Dijean e Funny e no segmento esportivo com a marca Olympikus, além da marca de chinelos Opanka (disponível http://www.azaleia.com.br - acesso em 22/05/2007). Dadas as atuais dimensões da Azaléia, Batista orgulha-se do trabalho que realizou e de ter mostrado os caminhos da comunicação para a indústria calçadista: “o lançamento da Olympikus (tênis) fomos nós que fizemos. Parece que eu estou vendo hoje ele [Nestor de Paula] chegando na agência e dizendo ‘Jones (foi a primeira vez que a gente ouviu isso) eu tenho “x” pra investir - bem assim - investir no tênis Olympikus, agora escolhe o veículo” (BATISTA, 2005). O publicitário lembra que o tênis Olympikus não era muito sofisticado, mas, para a época, era bom. A verba para o lançamento era pequena e tinha que atingir o Brasil inteiro, então ele escolheu o canal e o programa do Silvio Santos, pois naquela época ele tinha 408 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais a maior audiência: “Eu escolhi esse veículo, pois o Silvio tinha um programa aos domingos e nós fizemos o lançamento para o Brasil inteiro, com uma verbinha desse tamanho [indica pequena] que, aliás, ficou de um tamanhão, coisa grandiosa e dando retorno para a gente” (BATISTA, 2005). Está registrado no livro de Sarlet (1999, p.72) que a Azaléia começou a apostar em propaganda, quando poucas empresas do ramo o faziam: “se assim não fosse, não teria experimentado o crescimento a que chegou. O Brasil, ‘país das telenovelas’ conheceu, também, com a empresa calçadista o merchandising. A Jotabê recorreu a esta técnica de comunicação para inserir aparições da marca Azaléia, de forma não-ostensiva e aparentemente casual, na novela das oito Dancing Day, na Rede Globo de Televisão, em 1978: até hoje tem aquela música [Frenéticas, Dance sem Parar] que quando toca num baile, em alguma festa, algum lugar, me dá uma saudade. Eu fui o primeiro a fazer merchandising em novela do Brasil e nem sabem disso, para o cliente Azaléia. Naquela novela tinha a Sônia Braga, que dançava e apareciam os luminosos lá na danceteria, com o logotipo da Azaléia, que nós criamos (BATISTA, 2005). O reconhecimento do valor da publicidade e a aposta na força da comunicação para a construção da marca Azaléia, fez com que ela se tornasse mais que um “nome, termo, sinal, símbolo ou desenho, ou uma combinação dos mesmos”, e passasse a identificar seus produtos e serviços, além de diferenciá-los dos seus concorrentes (PINHO, 1996, p. 14-15). A origem do nome da empresa, segundo Sarlet, deve-se a Antonio Costa Lopes, primeiro representante da empresa e um dos primeiros vendedores de sapatos no Brasil: “foi quem propôs ‘Azaléia’ como futura marca da indústria” (SARLET, 1999, p.30). Importa destacar que azaléia é um arbusto da família das Ericáceas, uma planta relativamente rústica e resistente: suporta com bravura certas condições bem adversas e, por isso, pode ser encontrada formando cercas-vivas em jardins e praças públicas ou mesmo plantada em vasos. Um dos segredos do seu sucesso é que a floração ocorre justamente nos meses de inverno e traz um pouco de colorido num período em que a maioria das plantas encontra-se em repouso (www.jardimdeflores.com.br/floresefolhas/azaleia.html - acesso em 22/5/2007). 409 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Elemento decisivo para a fixação de uma marca, o logotipo é “a parte da marca que é reconhecível, mas não é pronunciável, como um símbolo, desenho ou cores e formatos de letras distintivas” (PINHO, 1996, p. 14-15). O logotipo da Calçados Azaléia foi criado pela Jotabê, ideia que permanece por mais de quarenta anos: “Já tentaram mexer, a atual agência deles, mas houve um dedinho do Nestor que não deixava trocar, pois ele gostava muito” (BATISTA, 2005). A Jotacê foi a agência da Azaléia por quinze anos, permitindo que Batista conhecesse bem o cotidiano da empresa e a filosofia do diretor-presidente da Azaléia. O publicitário relembra aquele período e se emociona ao falar de Nestor de Paula/Azaléia/ Olympikus: ele sempre dizia ‘nós vamos ser muito grandes, ser grandes, muito grandes’. E ficou grande, a maior empresa calçadista do Brasil. E modéstia à parte, ele aprendeu a fazer propaganda conosco. Ele acreditou na propaganda com a Jotabê. Ele cresceu enquanto esteve conosco, com a Jotabê, e a Jotabê não cresceu tanto como ele cresceu (BATISTA, 2005). A força da publicidade e o seu efeito na construção da marca Azaléia são destacados por Batista, que usava o seguinte argumento nas suas prospecções, o mesmo que dizia para Clóvis e Abelar Noschang quando voltava do atendimento da Azaléia: “se não fosse a publicidade, Azaléia seria apenas uma flor”. Ele ainda explica: “E esse era o meu grande argumento: sem publicidade ela seria apenas uma flor, mas transformou-se em uma grande empresa” (BATISTA, 2005). O fundador da Jotabê lembra de um anúncio que veiculou no Jornal NH ou no Exclusivo sobre a associação flor/Azaléia: o jornal do Grupo Sinos chamava as agências para que cada uma fizesse um anúncio institucional sobre o seu cliente preferido (a região estava em crise e eles queriam alertar o pessoal que não deveriam parar de fazer propaganda). E foi aonde que surgiu, a chamada ‘se não fosse a publicidade, Azaléia seria apenas uma flor (BATISTA, 2005). Considerações Finais A Jotabê foi uma das agências pioneiras da publicidade hamburguense, estabelecida no início dos anos sessenta, centrada, inicialmente, na figura do fundador, Jones Batista. O radialista foi o mentor 410 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais e promotor de um sorteio que envolveu, além da agência, revendedores de automóveis, motos e bicicletas (doadores dos brindes), a indústria calçadista que ‘comprava’ um pacote: cartelas do sorteio para distribuir aos clientes, lojistas e funcionários, mais mídia (assinatura nos anúncios do sorteio). O resultado foi compensador: além de capitalizar financeiramente sua agência, Batista ensinou o valor da publicidade para aqueles potenciais anunciantes, que até então, não haviam experimentado a força estratégica da comunicação para alavancar os seus negócios. A Jotabê beneficiou-se também com a ação, pois captou novos anunciantes e começou a estruturar a sua carteira de clientes. O crescimento da Jotabê acelera-se no início dos anos 70: as estruturas física e de pessoal já não comportavam o volume de trabalho que a agência tinha pela frente. Batista amplia o quadro de funcionários, contrata novos auxiliares e depois associa-se a Clóvis e Abelar Noschang, profissionais de criação que abrem oportunidade para novos trabalhos da Jotabê, naquela ocasião transformada em Jotacê. Na concepção de Batista (2005), a propaganda tem dois componentes indissociáveis: “honestidade e resultados para o seu cliente. Mais nada”. Perguntado sobre o que entende por resultados ele os associa à imagem, que repercute sobre a credibilidade da empresa. O empresário considera que ainda hoje teria potencial para começar uma nova agência: “teria potencial, energia, tanto de cabeça quanto de corpo”. Só que ele iria amparar as negociações comerciais em relações e comunicação transparentes, selecionaria uma meia dúzia de clientes bons, que realmente entendessem de propaganda e iria fazer a agência e os clientes crescerem juntos. Tais condições são frutos das várias experiências negativas: Batista recorda empresas que conversam com ele e pediam ajuda. E ele as ajudava, criava logotipia de graça, e quando via os clientes estavam dando a conta para outro, muitas vezes para pessoas e agências de Porto Alegre. Outro exemplo citado pelo empresário é o da Calçados Azaléia, que aprendeu com ele o valor do investimento em publicidade, anunciou muito e cresceu mais ainda. No entanto, a sua agência não conseguiu acompanhar o crescimento do cliente e acabou não tendo mais condições de atendê-la. Para o fundador da Jotabê, o certo é a agência ganhar e crescer junto 411 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas com a conta, para dar a estrutura que ela precisará no processo de desenvolvimento. Da situação Batista tira um dos ensinamentos que passa para o filho, titular da agência Supernova: “faça o seu cliente ganhar, mas ganhe junto com ele, porque nada é eterno, nem nós e nem aquela negociação que tu fizeste com o teu cliente. Seja justo, seja honesto, dê tudo, tudo, tudo de ti, mas não deixe de ganhar, naquele momento, naquele instante” (BATISTA, 2005). Referências ADAMS, Vera. Entrevista concedida às autoras no dia 11/04/2006, na Feevale. BATISTA, Jones. Entrevista concedida às autoras no dia 28/09/2005, na sede da Supernova. CALÇADOS AZALÉIA – Disponível em www.azaleia.com.br, acesso em 22/05/2007. DIONÍSIO, Pedro; BROCHAND, Bernard; LENDREVIE, Jacques; RODRIGUES, Joaquim Vicente. Publicitor. Lisboa, Portugal: Dom Quixote, 1999. FEIJÓ, Alceu Mário. Entrevista concedida às autoras nos dias 21 e 27/7/2005, na sede do Jornal NH. FÉLIX, Loiva Otero. História e memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo: UPF Editora, 2004. FERRACCIÙ, João De Simoni Soderini. Promoção de Vendas. São Paulo: Makron Books, 1997. JARDIM DE FLORES – Disponível em www.jardimdeflores.com.br/floresefolhas/azaleia.html. Acesso em 22/05/2007. MACHADO Maria Berenice e SANTOS, Marcelle. Clóvis Noschang: um publicitário que fez escola e permanece na memória hamburguense. Trabalho apresentado ao GT de História da Publicidade e Propaganda, do V Congresso Nacional de História da Mídia. Facasper e Ciee, São Paulo, 2007. NOSCHANG, Abelar. Entrevista concedida às autoras no dia 4/01/2007, na residência de Maria Natalina Noschang/NH. 412 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais NOSCHANG, Daniel. Entrevista concedida às autoras no dia 11/ 01/ 2007, na sede do Jornal NH. PETRY, Leopoldo. O Município de Novo Hamburgo: monografia. São Leopoldo: Rotermund, 1959. PINHO, J.B. O poder das marcas. São Paulo, SP: Summus, 1996. RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. Rio de Janeiro: Ática, 2001. SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. Rio de Janeiro: Campus, 2003. SANT’ANNA, Armando. Propaganda: Teoria, Técnica e Prática. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2002. SANTOS, Gilmar. Princípios da Publicidade. Belo Horizonte: UFMG, 2005. 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Como testemunha desse período, vivendo uma situação dupla de profissional do mercado publicitário e professor universitário das primeiras disciplinas de Publicidade e Propaganda em cursos de Comunicação Social, este é meu depoimento sobre o que começava a ocorrer no Rio Grande do Sul. O novo contexto As agências de propaganda do Rio Grande do Sul, a partir da década de 70, no século passado, começaram a sofrer uma mudança gradual na forma como tratavam as contas publicitárias de seus clientes. Até então, o modelo vigente era aquele introduzido pelas agências norte-americanas no Brasil após a segunda guerra mundial, ou seja, agências de propaganda com departamentos praticamente estanques cuidando das áreas de atendimento, criação, mídia e serviços gerais. Afora a parte administrativa, fundamental para a continuidade do negócio, dois setores dividiam as tarefas mais específicas de uma agência de propaganda, cuidando de formatar as mensagens que chegavam aos consumidores. O atendimento, pouco técnico, mas com grandes possibilidades de relacionamento social e comercial, que fazia a ligação entre os anunciantes e agência e o departamento de criação. Cabia ao setor de atendimento fazer a transferência para a agência dos pedidos de trabalho do cliente-anunciante na forma 415 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas de um conjunto de informações que mais tarde todos chamariam de briefing, cada vez mais prestando tributo à influência norte-americana. A criação, isolada dentro da agência, transformava estes pedidos em anúncios gráficos, filmes, jingles e spots. Nas maiores agências de propaganda de Porto Alegre a criação, dividida, muitas vezes de forma estanque, em redatores e diretores de arte, usavam suas formações, poucas vezes acadêmicas – uns como jornalistas e outros como artistas plásticos – para produzir peças onde a criatividade estava no jogo de palavras ou numa bela ilustração. Nenhuma grande preocupação com o chamado consumidor final. Isso viria muitos anos depois. Quando se chegava a uma boa idéia, não importava se ela não era coerente com o briefing. Nesse caso, dizia-se de uma maneira jocosa; “troque-se o briefing”. Como a concorrência no mercado não era tão grande, quem aparecia na mídia, acabava vendendo seu peixe. O mercado publicitário de Porto Alegre era composto basicamente por contas de varejo e de alguns poucos produtos. Havia por parte dos criativos da época em Porto Alegre uma atitude quase de desprezo pelas tarefas publicitárias. Eram, quase todos, candidatos a grandes escritores e artistas, que ganhavam tempo enquanto a fama não chegava. Alguns acabariam mesmo famosos no Brasil inteiro e não como publicitários – caso de Luís Fernando Veríssimo e Josué Guimarães que passaram pelas salas de criação da MPM. Outros seriam reconhecidos como importantes intelectuais e artistas, pelo menos regionalmente, a exemplo de Vitório Gheno Henrique Fuhro e Flávio Teixeira, Barbosa Lessa e Hiron Goidanich, depois de terem sido publicitários um bom período suas vidas. Usando uma linguagem religiosa, o trabalho publicitário era o purgatório para alguns, que cumpriam suas penas enquanto não eram chamados para a glória do céu, representado quase sempre como um lugar de reconhecimento das suas qualidades como escritores ou artistas plásticos. Quem ficava, era candidato a descer aos infernos, ou na melhor das hipóteses, viver no limbo da mediocridade. Poucos imaginavam que poderiam desenvolver seus talentos criativos toda uma vida dentro de uma agência de propaganda, como hoje é tão comum. Estava-se numa agência de propaganda para ganhar dinheiro – os publicitários ganhavam mais dos que os jornalistas - e esperar que uma grande oportunidade surgisse no mundo das artes. 416 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Pelo menos era essa a visão dos que trabalhavam na criação publicitária. O pessoal do atendimento – olhado quase sempre com desdém pelos criativos – talvez já tivesse se antecipado e pressentido um futuro brilhante dentro das agências. Muitos, se não conseguiram isso, pelo menos ficaram bastante ricos, na medida em que foram usando suas relações com os clientes para formar novas agências, onde mais do que cuidarem do atendimento, se tornaram donos. Este talvez seja um fenômeno característico da propaganda feita no Sul: das grandes agências existentes na década de 70, nasceram dezenas de outras formadas em torno de um contato de propaganda que conseguia convencer seu cliente a financiar a sua ânsia de se tornar um novo empreendedor. Pessoas de atendimento, que se transformaram em donos de agência, seriam imitadas mais tarde, na década de 80, pelos responsáveis pela parte financeira das agências, que com a inflação descontrolada da época, se transformaram em homens extremamente poderosos. As agências nesse período ganhavam mais dinheiro com as operações financeiras do que com a sua atividade principal, a de produzir comunicação publicitária. Ainda nos anos 70, a Ogilvy and Mather começou um namoro com a Standard Propaganda, que viraria casamento mais tarde. Mas mesmo antes de consumada esta ligação, a influência das idéias de David Ogilvy - o famoso publicitário inglês que dava seu nome à agência - sobre o trabalho publicitário, começou a se fazer sentir no dia-a-dia da Standard. No escritório de Porto Alegre, Luís Augusto Cama, diretor de criação e homem também oriundo da área jornalística, cobrava uma maior coerência entre a idéia criativa e as expectativas dos consumidores sobre os produtos anunciados.. David Ogilvy dizia que se você quer vender um produto para mulheres que amamentam, deve dizer isso no título do seu anúncio. Então, Cama queria que, antes de fazer um título para vender o arroz Índio, por exemplo, você perguntasse em casa para sua mãe ou sua mulher, como elas escolhiam a marca de arroz em vez de fazer uma brincadeira com o nome do produto. É certo, que sempre havia a possibilidade de fazer primeiro o anúncio que desse na telha e depois escrever um texto apoiado em alguma coisa que você houvesse lido sobre preferências de consumidores, para justificar a idéia mais 417 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas estapafúrdia do mundo que lhe ocorrera em meio a discussões sobre a importância de ser torcedor do Internacional. Mesmo assim tinha sido dado o passo que faltava para que a palavra posicionamento ganhasse status de prima dona dentro das agências e dividisse o mundo dos publicitários em dois grupos quase sempre antagônicos: os criativos, para quem uma boa idéia resolvia tudo e os planejadores, para quem, posicionando corretamente um produto, qualquer título de anúncio servia. Um dado interessante para quem gosta de identificar as raízes de certos comportamentos, é que o surgimento do planejamento como uma ferramenta tecnologicamente correta em meio aos caos da criação, vai se dar no momento da consolidação dos planejadores econômicos (Delfim Neto e Mário Henrique Simonsen) como os grandes guias dos governos militares depois do golpe de 64, quando o governo de João Goulart foi posto abaixo por uma espúria aliança entre os interesses norte-americanos e as velhas elites brasileiras. Naqueles dias, parecia que tudo estava sendo planejado para criar um novo país, onde não haveria mais espaço para a divergência ou para a contestação. Usando de uma licença poética, talvez pouca eficiente nessa analogia, seria possível identificar o planejamento publicitário com o espírito autoritário e organizador da nova classe dirigente do Brasil, sobrando para a criação a semelhança com o confuso mundo libertário da esquerda derrotada politicamente em 64. Fiel ao lema positivista da nossa bandeira – Ordem e Progresso – os militares que durante 20 anos comandaram a vida do país, olhavam a propaganda apenas como um instrumento destinado a promover entre os brasileiros um sentimento permanente de ufanismo pelo que imaginavam ser o futuro de uma grande potência que nascia. Enquanto esse projeto não se transformou numa formidável crise econômica e social, a face imaginária de “uma ilha de prosperidade em meio a um mar de dificuldades”, foi “vendida” com sucesso aos brasileiros usando as armas da propaganda. Éramos “90 milhões em ação” e quem não concordasse com esta falsa euforia, a porta da rua estava aberta, como diziam aqueles slogans, copiados de um modelo norte-americano e exibidos nos automóveis da época; “Brasil – ame-o ou deixe-o”. Uma boa parte das modernas técnicas publicitárias foi usada pelos militares para uma verdadeira lavagem cerebral dos brasileiros, 418 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais criando um país de fantasia invejado no mundo inteiro. Mas que, depois se viu, foi incapaz de resistir à primeira crise econômica internacional, quando os árabes resolveram defender o preço do seu petróleo. Enquanto a discussão sobre temas muito mais sérios para o país era vetada pela censura, sobrava espaço para discutir quem tinha mais importância para o futuro das agências de propaganda: planejamento ou criação. A censura vetava filmes, livros e músicas, mas pouco interferia na propaganda. Anunciantes e agências, nesse período negro da vida brasileira, em momento algum contestaram o status-quo vigente, até porque eram beneficiários dele. A discussão sobre planejamento x criação não era prerrogativa apenas dos gaúchos. Em São Paulo, até seminário em hotel de luxo foi realizado colocando frente a frente os “inimigos” para debater a questão, obviamente com entrada paga para os interessados. Para posicionar um produto, ensinavam os planejadores, nada substituía uma boa pesquisa. A velha cartilha de Ogilvy, reunidas no seu livro “Confissões de um publicitário”, com todos os mandamentos de como fazer um bom anúncio – “não usar a negação num título”, “não ter medo de escrever laudas e laudas de texto se o produto exigir muitas informações”, “dirigir o produto para o consumidor identificado no título” – passava ser substituída pela informação que só a pesquisa – inicialmente apenas quantitativa, mas logo também qualitativa – poderia dar. A genial intuição de Ogilvy seria substituída pela técnica indiscutível da informação, pinçada numa pesquisa entre potenciais consumidores. Enquanto ainda se discutia quem deveria pagar a pesquisa – a agência ou o anunciante – outra mudança mais radical estava acontecendo nas agências gaúchas. Os cursos superiores de formação de publicitários, que no início apenas carimbavam os currículos dos práticos licenciados, começaram a lançar no mercado os verdadeiros profissionais da propaganda. Nada de escritores e artistas plásticos em gestação no grande útero dos departamentos de criação. A nova geração nem gostava muito de escrever ou desenhar. Eram apenas fazedores de títulos e ilustrações, que a introdução quase na mesma época dos computadores nas agências, tornava uma atividade fácil e rápida. Era uma geração descompromissada com os utópicos ideais 419 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas humanitários dos antigos publicitários e pronta para assumir, sem qualquer culpa, a face mais desumana da publicidade. Sobre este aspecto, ela era bem mais verdadeira que a geração anterior, sempre dividida entre um sentimento de culpa, por serem agentes de um consumismo nefasto para a maioria da população e as benesses que a profissão proporcionava. Na virada do século, essa geração, que já não era tão nova, vai dominar inteiramente o mercado publicitário do Rio Grande do Sul, empurrando os antigos profissionais para sessões de nostalgia com velhos camaradas, para lembrar “como era verde meu vale”, ou para artigos cheios de fel como este. O certo é que os novos criativos chegaram um acordo com os planejadores, até porque todos haviam nascido no mesmo berço acadêmico. Os planejadores poderiam encomendar suas pesquisas, transformadas depois em grandes calhamaços, vendidos com pompa e circunstância para os clientes, mesmo que eles se limitassem a ler, quando muito, uma conclusão com as recomendações finais, enquanto os criativos estavam autorizados a continuar fazendo seus anúncios, o mais parecido possível com o que viam na revista Archive, ou mais modestamente no anuário do Clube de Criação de São Paulo. Ninguém poderia, porém, dizer que o posicionamento não estava correto, mesmo que o produto não vendesse, pois ele tinha sido cientificamente comprovado por uma pesquisa. As empresas de pesquisa se transformaram num bom negócio atraindo até mesmo gente de competência não muito acadêmica. Hoje, nenhuma agência que se preze deixa de recomendar aos seus clientes uma pesquisa prévia antes de por a mão na massa e produzir aquilo que é sua finalidade maior, um anúncio. Nada melhor do que saber previamente o que está na moda,do que é politicamente correto e colocar no anúncio uma frase ou uma imagem que reforce estes sentimentos. O risco deve ser zero, ou próximo disso, embora a opinião pública seja mais volúvel que o coração de uma mulher - la donna é móbile - como diz a letra da ópera. Mas não se deve duvidar do que dizem essas pesquisas, ainda que muitos dos seus relatórios finais seja uma leitura direta das falas de alguns consumidores, incluídos na categoria de “heavy user” de um produto ou serviço. Mesmo que desvinculados do contexto onde foram ditos e sem uma maior avaliação psicológica, eles têm a força de uma verdade cientificamente comprovada, pelos menos para quem precisa acreditar neles. 420 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Quem pensa, todavia, que está tudo na mais santa paz, vai em breve ter uma boa surpresa. Um verdadeiro tsunami pode estar próximo a acontecer. Os anunciantes já perceberam que as frutas do quintal do vizinho são, às vezes, mais saborosas que as suas, mesmo que esteja usando o adubo certo e plantando de acordo com as boas normas e cobrarão de suas agências uma colheita mais abundante. Por que a gente não pode fazer um comercial igual aquele do garoto da Bombril, vão perguntar as suas agências? Talvez tenha sido pura sorte, muitas dirão em resposta, mas o certo é que quem fez o comercial acertou na mosca. Os instintos maternais das mulheres ficaram à flor da pele, loucas para proteger o garoto desamparado que fala das virtudes do Bombril, enquanto seus maridos, que pagavam a conta, não tiveram ciúmes. Então, vamos comprar a esponja de aço da Bombril. Qual foi a mágica? Quem deveria ter uma boa resposta seria a academia, que mal ou bem, existe para pensar a atividade publicitária, ao contrário da agência que está atrelada à sua função de fazer as coisas. A resposta, porém, não está nas disciplinas típicas da publicidade que dominam os currículos acadêmicos. Está mais na sociologia, na psicologia, na filosofia, banidas dos nossos cursos de propaganda em troca de um pratica que só repete o que já feito. Semestres inteiros são gastos para aulas de mídia e criação, que se repetem com nomes diferentes, mas sempre com os mesmos objetivos: repetir o que foi feito na prática das agências de propaganda, sem qualquer espírito crítico. O profissional do mercado publicitário, transformado em professor, repete para os alunos entediados as soluções que encontrou no dia-a-dia da sua profissão. Só quando, em vez disso, se der espaço para disciplinas que questionam o comportamento humano e por extensão dos consumidores, esse quadro sofrerá mudanças. Serão as pessoas que dominam matérias como a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia e a História, que estão mais preparados para dar as melhores respostas. Os publicitários poderão então, finalmente, irem para a casa, porque se tornaram tão obsoletos como aquele velho anúncio do Run Creosotado, na época em que os bondes ainda eram o melhor forma de se andar pelas cidades: “veja ilustra passageiro o belo tipo faceiro que você tem ao seu lado. No entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o, Run Creosotado”. Luís Augusto Cama, hoje vice-presidente Corporativo da Ogilvy Brasil, tem sobre isso uma posição bastante clara. “A fonte acadêmica 421 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas brasileira é a escola de comunicação que – com algumas notáveis exceções em alguns centros – privilegia o profissionalizante”, o “voltar-se para o mercado”, refletindo o status quo e o conhecimento da profissão quando deveria antecipar-se a ele e levá-lo para diante; ensinando a fazer quando deveria ensinar a pensar, a superar e a fazer. Comunicadores, publicitários não devem ser especialistas ou ter formação meramente especialista. Eles e elas devem ser generalistas, “o homem da Renascença”, que de tudo sabia e sabe, nas artes e nas ciências. Suas vidas diárias e a escola que frequentam precisam refletir isso. A arte e a técnica da comunicação em geral e da publicidade por qualquer meio clássico ou digital, devem obrigatoriamente alimentar-se na psicologia, que estuda os sentimentos, emoções, atitudes, comportamentos, as necessidades e desejos, as motivações que são o combustor e o motor dos comportamentos e das ações; da economia, porque lidamos com um bem econômico, com mercados, patrimônios, investimentos, retornos, preços; da semiótica, que estuda os significados aplicados na comunicação humana; da antropologia moderna, mesmo que elementar, para conhecer o ser humano físico e cultural em suas comunidades e comportamentos; sem esquecer o diariamente citado marketing, que estuda mercado, concorrência, consumidor e gerencia a definição e comunicação dos valores e significados da marca. A escola tem obrigação de proporcionar a abertura do estudante para todas estas áreas ou formará artesãos e técnicos-licenciados com diploma superior. O profissional, com ou sem a escola em sua base, deve ter vontade, curiosidade, iniciativa, ânimo e energia para absorver - através da leitura, da atenção analítica a tudo o que acontece ao seu redor, da especulação, da dúvida inteligente e do convívio intenso com as artes e com as pessoas comuns e incomuns - tudo o que interessará para seu trabalho e realização. Por natureza, descartará o secundário, conservará o que importa. E a partir daí, fará o melhor, será dos melhores. Aliás, os melhores, por inteligência inata, por instinto, são assim. Basta imitá-los”. Parodiando o serviço de alto falantes do Maracanã, que anunciava a substituição dos jogadores – “A ADEG informa: sai Zico, entra Pelé” - poderíamos também dizer: “A ADEG informa: sai um publicitário, entra um humanista (ou seja, lá que nome dar a este novo personagem)”. Nessa hora será bom lembrar a máxima de Napoleão Bona- 422 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais parte - “a guerra é um assunto muito sério para deixar aos cuidados dos generais” – que posteriormente, quando os doutos economistas estavam levando o mundo inteiro à destruição com seus dogmas, alguém aproveitou para lembrar que “a economia é um assunto muito sério para deixar nas mãos dos economistas”. Logo, não faltarão também anunciantes mais informados e inteligentes para darem uma nova versão para a máxima do “Pequeno Caporal”: “a publicidade é um assunto muito sério para entregar aos publicitários”. Será então a hora dos “humanistas” entrarem em campo oferecendo soluções mais inteligentes para vender produtos ou serviços. Talvez eles possam vir até mesmo dos cursos de Publicidade e Propaganda, que muitos deles já se deram conta que não é apenas repetindo a prática diária das agências de propaganda que formarão publicitários inteligentes e criativos, mas certamente essa não será uma exigência definitiva. A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, liberando o acesso de jornalistas não formados em cursos de Jornalismo aos meios de comunicação, é um sinal de que este processo de desregulamentação vai estender para todas as áreas afins. A Publicidade, onde a exigência de diploma universitário nunca foi muito rígida, certamente será bastante visada. Novos talentos, capazes de enxergar mais que as obviedades transmitidas em muitos cursos de Publicidade e Propaganda, estarão prontos para assumir os lugares antes reservados aos publicitários de carteirinha. Quem viver, verá! Referências CAMA, Luiz Augusto. Depoimento ao autor. São Paulo, junho de 2009. GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. OGILVY, David. Confissões de um publicitário. Rio de Janeiro: Ed. Referência, 1986. RAMOS, Ricardo. Do Reclame à Comunicação. São Paulo: Editora Atual, 1985. RIBEIRO, Júlio e outros. Tudo que você queria saber sobre propaganda e ninguém teve paciência para explicar. São Paulo: Editora Atlas, 1989. 423 Os loucos anos 70 - quando as minhocas cantoras e um cowboy renovaram a propaganda de varejo no Paraná Itanel Bastos de Quadros Junior Introdução No início da década de 70 o desenvolvimento brasileiro é acelerado, com o incremento da produção industrial de itens variados, de automóveis a eletrodomésticos. O país ainda experimenta o ciclo expansivo da economia brasileira denominado de “Milagre Econômico”, que se estendeu de 1968 a 1973 – quando foi encerrado pelo primeiro choque internacional do petróleo, ainda sob o regime militar. A base econômica do Paraná é agrícola, mas o Estado já experimenta a mecanização intensiva na lavoura e a agroindústria se instala, refletindo diretamente nos padrões socioeconômicos da população. Neste sentido Bastos (2006) destaca: “[...] observamos que o processo de modernização da agricultura paranaense foi fruto de um processo mais amplo encabeçado pela economia nacional na década de 70. O Brasil queria aumentar sua exportação de produtos agrícolas, dado os bons preços no mercado internacional e o Paraná queria se industrializar. Logo, como a infra-estrutura para o recebimento da indústria já havia sido implantada no Estado na década de 60, fruto do projeto desenvolvimentista do Governo Estadual, apenas aproveitou-se o momento propício para investir na implantação da indústria no Estado” 1. Curitiba é uma cidade bem estruturada, com uma população em torno de 600 mil habitantes. O setor comercial e de serviços é bastante desenvolvido. A capital do Estado atrai indústrias que desejam estabelecer um novo pólo de atividades fora do eixo paulista. Oliveira (apud Bonini, 2006, p. 14) destaca as transforma- BASTOS, Luciana Aparecida. Transformações sócio-econômicas redundantes da industrialização da agricultura paranaense na década de 1970. In: Rev. Perspec. Contemp. Campo Mourão, v.1, n.1, jan./jul., 2006. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/ perspectivascontemporaneas/article/viewFile/362/169>. Acesso em: 10 jul. 2009. 1 425 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas ções econômicas motivadas pela instalação da Cidade industrial de Curitiba – CIC, a partir de 1973: “um número muito substancial de indústria se deslocou para o pólo industrial, inclusive as tão cobiçadas empresas de bens de capital. Correspondentemente, alterou-se o perfil da economia urbana local, com significativo aumento da sua participação no PIB industrial do Estado e com o aumento do número de empregos gerados na indústria”2. A década de 70 marca também um período de profissionalização do mercado publicitário paranaense, especialmente em Curitiba, inclusive nas demandas específicas do comércio varejista, que experimentava um crescimento acelerado da concorrência e era desafiado em suas fórmulas tradicionais de comunicação pelos novos gostos de uma audiência pautada cada vez mais pela televisão. Souza (2006) assinala aspectos marcantes da propaganda paranaense e alguns protagonistas daquele período: “A década de 70 se caracterizou pela forma, com belos anúncios. Priorizando a mídia impressa, a propaganda dessa época teve o reforço do talento artístico de artistas plásticos ou escritores e poetas como Miran, Paulo Leminski, Luiz Antônio Solda, Luiz Rettamozo, Zeno José Otto, Gilberto Ricardo dos Santos, Desidério Máximo Pansera, Jamil Snege, entre outros, que atuavam na Exclam, Múltipla, Opus e P.A.Z”3. O presente trabalho aborda esse momento importante da publicidade no Paraná e destaca duas campanhas memoráveis feitas para grandes varejistas curitibanos atuantes em ramos bastante distintos. Elas exemplificam as transformações ocorridas na linguagem da criação e nos recursos utilizados na produção publicitária para o varejo, sempre buscando atingir um público urbano já afeito aos produtos culturais televisivos que haviam ampliado constantemente as audiências a partir da metade da década de sessenta, principalBONINI, Altair. Industrialização, urbanização e trabalho nas décadas de 1960 e 1970: a construção do Paraná moderno. In: anais 6º Seminário do trabalho. Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí, p. 14. Disponível em: <http//estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/altairbonini.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2009. 2 3 SOUZA, Sílvia Dias de. Prêmio Colunistas Paraná chega aos 30 anos. In: clickmarket.com. br. Disponível em: <http://www.clickmarket.com.br/portal/index.php?id=4905&cat=2&tipo=0>. Acesso em: 06 jul. 2009. 426 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais mente pelo barateamento dos receptores, a incorporação de novas tecnologias de transmissão (microondas e satélite) e com a chegada da televisão colorida em 1969. Minhocas mudam a imagem de tradicional loja curitibana A primeira campanha destacada nesse trabalho foi realizada em 1977 pela agência Exclam para as Lojas Prosdócimo – considerada a primeira “department store” paranaense, que desde 1945 vendia eletrodomésticos, móveis, roupas e outros produtos variados para casa e lazer - e visava inicialmente promover um espaço pouco nobre até então na imensa sede localizada no centro de Curitiba. O subsolo da loja, que já havia servido por longo tempo como depósito de mercadorias, depois (na década de 60) abrigou a seção de brinquedos – cuja principal atração era uma grande pista de autorama - e, no início dos anos setenta, acolhia a seção de materiais de pesca e ferramentas para uso doméstico, fora transformado em um espaço especialmente voltado ao público jovem, com oferta de vestuário e equipamentos para prática de esportes radicais. A nova seção da loja expunha as marcas então famosas, como Ellus (na época identificada com o mundo do surf), Gledson, Soft Machine, Waikiki, Kauai – e equipamentos para prática de esportes como o ciclismo, surf e o recém chegado skate (cuja primeira pista em concreto havia sido recém inaugurada pela Prefeitura de Curitiba, em uma praça ao lado do Cemitério Municipal). A agência Exclam era então uma “house” do grupo Prosdócimo - que incluía o ramo da família proprietário da Refrigeração Paraná, fabricante de freezers e refrigeradores e para o qual criou, em 1982, o filme “Esquimó” que foi destacado como uma das campanhas inesquecíveis no Brasil, em livro comemorativo aos 29 anos do jornal Meio & Mensagem, publicado em 2007 - propôs uma linguagem bastante contemporânea transformando o “porão” da loja no “underground”, em clara alusão à cultura pop tão cara ao público-alvo da campanha publicitária (utilizando até mesmo a marca do metrô de Londres como identidade visual). Para simbolizar o novo espaço foi criada uma minhoca (uma habitante “lógica” do subsolo), que aparecia nas peças gráficas da 427 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas campanha e cantava e dançava com “swing” jovem em animações veiculadas na televisão, acompanhada por outras minhocas em “back vocals”. Figura 1 – Destaque do personagem em anúncio veiculado na Revista Direta (1977). O personagem alcançou tamanho sucesso que acabou por identificar toda a loja (um novo slogan foi adotado: Prosdócimo, a loja da minhoca), estrelando várias ações promocionais (incluindo peças de decoração do ponto-de-venda, imagens sacolas de papel, papéis de presente, bandeirolas, indoors e displays). Em uma das peças da campanha do Natal, a simpática figura aparecia - com o indefectível boné vermelho com pompom branco - em um aplique com 15 metros de altura na fachada da sede principal, capturando automaticamente os olhares dos transeuntes que desembarcavam na Praça Tiradentes, então um dos principais terminais de ônibus urbanos de Curitiba. Um xerife renova a linguagem do varejo no Paraná A outra campanha destacada no trabalho foi criada em 1979 pela agência Opus Propaganda para a tradicional loja de materiais de construção Malucelli da Visconde (localizada na Rua Visconde de Guarapuava, daí o nome) e que passara a comercializar também outros artigos, como brinquedos e móveis. Em magistral criação de Ja- 428 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais mil Snege4 e Ubirajara (Bira) Menezes, ela introduziu o personagem Kid Malu - um xerife cowboy representado pelo ator Francisco Di Franco, que também interpretava o personagem título da novela “Jerônimo, o Herói do Sertão”, produzida pela TV Tupi - como paladino dos preços baixos, implacável inimigo do “sombra” (vilão interpretado pelo ator Paulo Domingues, que representava os preços altos, frutos do crescente processo inflacionário). As variadas ações de publicidade e/ou comunicação integrada incluíram teasers de pré-lançamento do personagem-conceito, happenings com a presença do cowboy a cavalo no ponto-de-venda e peças de decoração temáticas associadas às ofertas específicas de varejo. O sucesso da campanha inicial fez com que o personagem Kid Malu permanecesse em cena até 1981. Figura 2 – peça da campanha Kid Malu (1977). Ficha técnica da campanha: Cliente: Malucelli e Filhos Ltda. (Malucelli da Visconde), Criação – Jamil Snege; Direção de Arte - Ubirajara Menezes. Produção: Jamil Snege; Mônica Wolf e Jaime Brustolin [...] in: SOUZA, Ney Alves de - História e histórias da propaganda no Paraná, Curitiba: SINAPRO, 2001, p.71. 4 429 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Figura 3 – peça da campanha Kid Malu – bandeirola para decoração de PDV (1977). Ney Alves de Souza destaca no livro História e histórias da propaganda no Paraná (2001) os diferenciais da campanha do Kid Malu: “O tratamento da campanha não está só na apresentação do ‘herói’ (uma semana para avisar que ele chegou) e posteriormente na veiculação de ofertas (indispensável em campanhas de varejo), mas na integração de todos os canais promocionais disponíveis: ponto-de-venda (bandeirolas, etiquetas, displays), brindes, frota de veículos, pessoal interno, datas promocionais (Dia da Criança, por exemplo”5. A campanha é considerada um divisor de águas no tratamento da linguagem do varejo no Paraná, na época ainda muito calcada em “campanhas” realizadas muitas vezes diretamente pelo varejista nos espaços adquiridos dos meios de comunicação, principalmente na florescente mídia televisão. Até aquele momento a publicidade da loja Malucelli da Visconde se notabilizava pela extravagância dos coSOUZA, Ney Alves de. História e histórias da propaganda no Paraná. Curitiba: SINAPRO, 2001, p.71. 5 430 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais merciais que veiculavam o gosto pessoal do proprietário. Ele invariavelmente os estrelava tocando canções em seu acordeão e acionando, ao final das ofertas, a capota automática do seu Cadilac conversível, locado no meio do estúdio de gravação. Outras vezes o varejista se fazia acompanhar dos seus ruidosos cães de estimação (pequineses), enquanto as mensagens de varejo em “hard sell” eram literalmente declamadas em jogral ou cantadas em coral por funcionários da loja. Considerações finais O novo tratamento dado à comunicação publicitária do varejo curitibano na década 70, exemplificado nas duas campanhas destacadas neste trabalho, comprovou a eficácia da aplicação de recursos de planejamento, criação, produção e veiculação até então pouco utilizadas no Paraná, talvez por receio dos anunciantes em investirem mais ou mesmo pelas práticas ainda anacrônicas de agências locais, que não percebiam a evolução ocorrida no mercado e a influência crescente do meio televisão nos hábitos de consumo e, ainda, dos novos desafios que uma concorrência cada vez mais acirrada impunha. Na matéria “O que garante o sucesso das campanhas de varejo?”, publicada na revista CENP (março, 2009), diversos profissionais se pronunciam sobre o tema, entre eles Hiran Castello Branco (sócio-diretor da agência de publicidade Giacometti - São Paulo) e Carla Madeira (diretora de criação da agência Lápis Raro - Belo Horizonte). Nele é possível comprovar que, passadas três décadas da veiculação das campanhas paranaenses, as suas concepções ainda se alinham com as linguagens consideradas eficazes para a comunicação varejista em pleno século XXI: “Há uma premissa no inconsciente coletivo do mercado publicitário: o resultado nas campanhas de varejo estaria atrelado à agressividade da oferta e à frequência de exposição dos comerciais. É certo que muito do que vemos, seja na mídia convencional ou nas novas mídias, está em linha com esta premissa e gera resultados. Mas certamente este não é o único caminho possível. Muitos varejistas hoje trabalham com o conceito da “experiência a ser vivenciada” no ato da compra. É o que nos Estados Unidos denominou-se shopping experience, ideia bastante propalada a partir de meados dos anos 90. Dentro deste conceito, além da oferta, passou a ter valor a relação emocional 431 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas que o consumidor estabelece com a marca varejista. Para cultivar esta relação importam os serviços, o atendimento e tudo o mais que possa surpreender positivamente o consumidor, incluindo a linguagem adotada pela propaganda. O conjunto do trabalho que realizamos a quatro mãos com clientes de varejo como Marisa, Camisaria Colombo, Shopping Tabatinga, Shopping Continental, bem demonstra que há outras linguagens eficazes para comunicação varejista além de martelar ofertas de preço. [...] Mas o desafio é como construir marcas cujas oportunidades de comunicação se limitem a campanhas promocionais. Neste caso, o fundamental é desenvolver um universo conceitual e estético alinhado com o posicionamento desejado criando ganchos para o conteúdo promocional”6. Finalmente, gostaria de agradecer a Luiz Renato Ribas, Ernani Buchmann, Vera Bachmann, Sílvia Dias de Souza e Edson Perin o auxílio prestado na recuperação de referências e de documentação visual das campanhas destacadas neste trabalho. Os registros materiais desses tipos de eventos sempre se apresentam como dificuldade adicional ao levantamento da história da propaganda no Paraná - o que, de resto, confirma a efemeridade da atividade publicitária -, no entanto é certo que curitibanos na faixa dos 50 anos ainda retêm imagens vívidas dessas campanhas, porque elas marcaram mentes e corações como verdadeiros subprodutos da indústria cultural que se adensava no Brasil na década de 70. Referências BASTOS, Luciana Aparecida - Transformações sócio-econômicas redundantes da industrialização da agricultura paranaense na década de 1970, in Rev. Perspec. Contemp. Campo Mourão, jan./jul., 2006. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/>. Acesso em: 10 jul. 2009. BONINI, Altair - Industrialização, urbanização e trabalho nas décadas de 1960 e 1970: a construção do Paraná moderno. In: anais 6º Seminário do trabalho - Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/altairbonini.pdf>. Acesso em: 07 jul. 2009. 6 CASTELLO BRANCO, Hiran et al. O que garante o sucesso das campanhas de varejo? CENP em revista. São Paulo: publicação trimestral, editada pelo CENP – Conselho Executivo das Normas-Padrão, ano 5, nº 18, março 2009, p. 28 e 29. 432 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais CASTELLO BRANCO, Hiran et al. - O que garante o sucesso das campanhas de varejo? CENP em revista, São Paulo: publicação trimestral, editada pelo CENP – Conselho Executivo das Normas-Padrão, ano 5, nº 18, março 2009. CASTELO BRANCO, Renato; MARTENSEN, Rodolfo e REIS, Fernando (Orgs.). História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990. RIBAS, Luiz Renato et al. Revista Direta. Curitiba: Editora Digital Ltda., edição especial, 1977. SINAPRO – Sindicato das Agências de Propaganda do Paraná. História da Propaganda – coletânea de comerciais produzidos nas décadas 70, 80 e 90. Curitiba: Produtora Deiró CINE/TV. Diretor: Edson Perin, 2001. (DVD, 1.13 GB) SOUZA, Ney Alves de Souza. História e histórias da propaganda no Paraná. Curitiba: SINAPRO, 2001. SOUZA, Sílvia Dias de. Prêmio Colunistas Paraná chega aos 30 anos. In: clickmarket.com.br. Disponível em: <http://www.clickmarket.com.br/ portal/index.php?id=4905&cat=2&tipo=0>. Acesso em: 06 jul. 2009. 433 Sol e mar: sinta na pele esta magia Silvia Helena Belmino Introdução Na perspectiva da propaganda os produtos, as ideias e os serviços deixam de ser meros objetos de uso para se transformarem em veículos de informações sobre o que somos ou gostamos de ser. A mensagem publicitária turística apresenta a característica, em alguns anúncios acentuada, de criar um mundo perfeito e ideal, habitado por pessoas belas, cuja estrutura ancora-se em uma argumentação imagética e linguística. Também são fornecidos os caminhos para alcançar o que está sendo proposto - a idealização do lugar, o selvagem e o paradisíaco foram características presentes nas peças publicitárias analisadas sobre o turismo do Ceará. A propaganda turística contribuiu no processo de transformação da imagem do Ceará e sua divulgação para o restante do País. A transformação imagética do Estado fazia parte do projeto político intitulado “mudancista”, iniciado com a administração do empresário Tasso Jereissati em 1987. Este trabalho analisa a participação da propaganda turística na mudança da imagem do Ceará. Considerando-se a forte presença dos meios de comunicação de massa na vida social e cultural atribui-se à imagem um papel central na atualidade e, nesse sentido, as imagens produzidas pelos veículos de comunicação corroboram com o princípio da construção da imagem como mercadoria. Nessa perspectiva, os empreendimentos no setor de turismo utilizam a propaganda para divulgar as cidades como um produto turístico ao mostrar imagens atraentes e glamourosas de alguns locais. A utilização de campanhas de publicidade e de propaganda, assim como as estratégias de marketing, tem sido um fenômeno emblemático na contemporaneidade. O intuito de ambas é incentivar o fluxo receptivo de turistas ou a transformação imagética para a captação de recursos por parte dos gestores. Este tipo de iniciativa, ou seja, a protagonizacão das mensagens publicitárias sobre as cidades nos meios de comunicação, tornou-se uma forma eficiente na 435 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas transformação do imaginário da população em relação às cidades, principalmente quando as estratégias são direcionadas ao turismo. A imagem construída do Ceará para o turismo estava inicialmente relacionada às atividades político-administrativas do Projeto Mudancista. A organização e modernização do Estado eram o discurso da primeira campanha eleitoral para o governo do Estado de Tasso Jereissati. A comunicação trabalhou a ideia de ruptura entre o velho e o novo. O modelo político anterior, assim como os políticos, era caracterizado na propaganda como a representação do clientelismo, do atraso, da miséria, do analfabetismo e dos coronéis. O Ceará foi comercializado pelos agentes de viagens como um projeto político e econômico que deu certo. Percebe-se um aspecto interessante nas campanhas para “vender uma cidade”; a solicitação à população local de um engajamento no processo de mudança de imagem, que pode ser observado nos processos ocorridos em Barcelona, em Berlim e em Fortaleza. A rede de supermercados cearense Mercadinho São Luis, por exemplo, estimulou a população a ter orgulho do patrimônio arquitetônico da cidade ao veicular na Revista Veja1 a campanha cujo conceito era uma declaração de amor a Fortaleza: “Amar Fortaleza é um costume” de toda hora (utilizando como referência a Coluna da Hora da Praça do Ferreira) ou de fé (destacando a Catedral Metropolitana como cenário). Outro grupo de supermercados, o Hipermercantil, criou adesivos para carros com o slogan “Orgulho de ser cearense”, em sintonia com a campanha regional do “Orgulho de ser nordestino”. Desta forma, observam-se engajamentos de diversos setores, públicos e privados, na implementação de uma nova imagem do Ceará. Portanto, a criação desta nova imagem se funda discursivamente nos elementos do patrimônio cultural, em características climáticas e/ou geográficas e na diversidade humana. A propaganda turística procura mostrar a multiplicidade do Ceará - o mestiço, o moleque, o luminoso, o tradicional, o litorâneo e o sertanejo - para instaurar uma mudança na percepção de características naturais que são apresentadas como “exóticas”. A jangada é um exemplo dessa transformação: ela deixa de ser um instrumento de trabalho do 1 436 Revista Veja Fortaleza, de 25/11/1998, edição 1574. Suplemento Veja Fortaleza. Pág. 141. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais pescador e passa a ser transporte exótico para turistas no litoral cearense. Qual a imagem construída do Ceará é divulgada ao restante do País pela propaganda turística? A Cidade e a Imagem As imagens elaboradas das cidades, dos cearenses e, principalmente, das praias, são dirigidas aos potenciais compradores dos pacotes turísticos. Fortaleza é vendida como uma cidade moderna, desenvolvida, onde pontos selecionados são apresentados ao restante do País e do mundo. Este público é atraído pelas praias, sol e lazer que são anunciados em outros estados por meio de estratégias de comunicação e marketing do Governo do Estado, dos empresários do setor e dos municípios. Nas imagens veiculadas nas propagandas não são mostradas as desigualdades sociais e a pobreza, ou seja, a realidade social é silenciada no roteiro sugerido aos visitantes. A “Terra da Luz”2, como é denominada, vem favorecendo bons roteiros turísticos e também gera o crescimento da realização de eventos, congressos, encontros, exposições e seminários. Para Gastal (2005), embora existam diferentes tipos de deslocamentos, haverá em comum a presença de imagens e imaginários. Fato, este, estabelecido quando a pessoa entra em contato visualmente (fotos, cartões-postais, panfletos, cenas de filmes etc.) com o destino ao qual pretende se deslocar. Em termos de imaginário, a autora explica que são os sentimentos alimentados por uma rede de informações que levarão o consumidor a ter um conceito pré-estabelecido sobre determinado lugar. O uso da publicidade para criar novos imaginários sobre os ambientes urbanos suscitou mudanças de imagens em cidades como Barcelona, Berlim, Nova York e outras. Em março de 2009, a prefeitura de Berlim iniciou uma campanha para capitalizar recursos internacionais para a cidade e, principalmente, tentar atrair mais turistas. Com o slogan “Seja Berlin - Be Berlin”, por exemplo, o prefeito Klaus Wowereit procurou incentivar a população berlinense a se enO Ceará Terra da Luz refere-se, não somente, à grande quantidade de dias ensolarados, mas também remonta ao fato de o estado ter sido o primeiro da federação a abolir a escravidão, em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea. Devido a esse fato, o jornalista José do Patrocínio considerou o estado como “a terra da luz”. 2 437 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas gajar na campanha para mudar a imagem da cidade para o mundo. Veja um trecho do discurso do prefeito no lançamento da campanha: “Sei tolerant und weltoffen, sei kreativ und engagiert, sei unverwechselbar und voller Lebensfreude – wie Berlin selbst. Mit der Kampagne wollen wir Berlin international besser positionieren, wir wollen aber auch erreichen, dass die Berlinerinnen und Berliner ein wenig mehr Stolz empfinden über die großartige Entwicklung ihrer Stadt seit der Wiedervereinigung. Denn wer Stolz auf das Geleistete empfindet, ist der beste Botschafter in eigener Sache. Berlin braucht viele gute Botschafter, um sich im Wettbewerb mit den anderen Metropolen der Welt zu behaupt”3. Nas olimpíadas de 1992, em Barcelona, foi realizada uma campanha publicitária significativa para promover uma nova imagem da cidade. Segundo Bassat (2008), nesse projeto a cidade de Barcelona foi pensada como um produto a ser vendido para o restante do mundo e, como tal, deveria se estabelecer uma imagem que a cidade e o país gostariam de passar para o mundo. “Vender Barcelona, Cataluña y España significaba vender además el mediterrâneo, vender la simpatía del ‘Hola’, las flores de las Ramblas, El génio de Miró, Picaso y Velázquez, la sobriedad y perfección de la sardana, la pasión del flamenco, la vanguardia creativa y artística, las voces líricas catalanas y españolas que triunfan en todo el mundo, y el gusto por el riesgo calculado de una flecha destinada a encender corazones” (BASSAT, 2008: 309/310). E conforme o autor, que também é o responsável pela campanha, houve uma transformação significativa na imagem de Barcelona para o restante do mundo após os jogos olímpicos de 1992; essa experiência de reconhecido êxito o levou a desenvolver trabalhos semelhantes em Sevilha e na Guatemala. Seja tolerante e aberto para o mundo, seja criativo e engajado, seja inconfundível, cheio de alegria assim como Berlim. Com essa campanha visamos a um melhor posicionamento internacional, mas também pretendemos que o Berlinense e a Berlinense sintam um pouco mais de orgulho do incrível desenvolvimento da cidade deles desde a União (Berlin Ocidental e Oriental). Pois se orgulhar do que foi proporcionado é o melhor meio (na verdade Informante) de comunicação. Berlin necessita de muitos bons informantes, para concorrer com outras metrópoles do mundo. (www.berlin.de/attuell/08_01/editorial/) Acesso em 4 de abril de 2009. Tradução livre. 3 438 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais No caso do Ceará, as características climáticas foram os apelos mais frequentes no composto comunicacional para o turismo. Entende-se composto comunicacional ou promocional como ações de comunicação direcionadas para promover produtos/serviços/ideias. Essa estratégia foi elaborada por pesquisadores e estudiosos na área de marketing, sendo este um dos itens que formam o composto de marketing, apresentado de forma resumida pelos conhecidos 4Ps (Produto, Place, Price e Promotion), criados por Jerome McCarthey. A propaganda está inserida no composto promocional, assim como o merchandising, a assessoria de imprensa, a publicidade, a venda direta e as promoções de vendas. Como parte das ações promocionais realizadas nos primeiros investimentos turísticos do governo mudancista, foram entregues souvenires para os agentes de viagens, uma peça de artesanato com um termômetro marcando 28 graus e a proposta do Seguro Sol. Os 28 graus remetem à temperatura média cearense no mês de julho. No Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, visitantes e turistas recebiam da CODETUR (Coordenadoria de Desenvolvimento do Turismo) como souvenir chapéus de palha, representando uma proteção ao sol que estava presente diariamente na cidade. Na linguagem publicitária das campanhas turísticas, considerada uma linguagem social ou uma prática social (FAIRCLOUGH, 2001), foram utilizados elementos característicos da época ou do meio, como o sol, o mar e a jangada. Nesse sentido, a propaganda turística recortou a realidade cearense enfatizando aspectos do Estado que se quiseram “vender” ou pontos de vista que se desejavam construir. Assim, o pôr-do-sol e o nascer do sol, acompanhados de uma jangada e de um cenário de dunas favorecendo a representação idílica do Estado, foram as imagens trabalhadas no imaginário nacional e posteriormente internacional. O Ceará Terra da Luz é apresentado como Terra do Sol. No Ceará as mudanças não foram efetivadas somente com o discurso da propaganda, mas com a participação de produtos culturais como novelas, filmes, investimentos em infraestrutura e incentivos fiscais. As novelas da Rede Globo de Televisão Final Feliz (1982, Ivani Ribeiro), Tropicaliente (1994, Walter Negrão) e Meu Bem Querer (1998, 439 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Ricardo Linhares) realizadas no Ceará e os filmes Tigipió (1986, Pedro Jorge de Castro) e Bela Donna (1998, Fábio Barreto) tomaram o sertão e as praias cearenses cenários, mostrando ao restante do Brasil as belezas naturais e culturais. A realização, no local, do primeiro FestRio fora do Rio de Janeiro causou impacto na mídia nacional; aliado a outros eventos, empreendimentos culturais e empresariais do setor de turismo, foi-se estabelecendo também por essas vias, uma nova imagem. Este é o somatório discursivo e imagético através do qual se procurou entender essa construção histórico-político-social. Sinta na pele essa magia Nas primeiras campanhas publicitárias direcionadas ao turismo local observa-se o reposicionamento do antigo vilão, o sol. Ele que, ao longo da história cearense, aparece como grande responsável pela seca, fome, êxodo e miséria, ressurge como um forte atrativo para se desfrutar o Ceará. O slogan convidava os turistas para experimentá-lo: “Sinta na pele essa magia”. A presença do Ceará solar, de luz e logo iluminado nas peças publicitárias, torna-se frequente. Por vezes, aparece em um desenho de forma estilizada, uma carinha sorridente com óculos escuros; em outras, ele compõe o cenário de uma praia, de uma jangada ou do conhecido Parque Aquático Beach Park. O sol simpático mostra uma descontração de férias, o sol que o turista levava para casa, armazenado em uma latinha, a qual era entregue aos visitantes do Beach Park como souvenir. Entretanto, nem sempre ele teve esse significado. O sol da seca foi o que tornou o Nordeste brasileiro mais conhecido para o restante do Brasil. O Ceará é um dos estados Nordestinos mais atingidos pela estiagem. Eram famílias deixando suas casas e fugindo da fome e da sede. O êxodo rural levou muitos cearenses a tentar sobreviver em outros estados, principalmente em São Paulo. Meios de transporte precários, como os paus-de-arara, que levavam os retirantes da seca, caracterizaram durante anos a imagem de pobreza e atraso. A terra rachada com o sol forte era a imagem recorrente apresentada pela mídia, que dedicava um espaço significativo para mostrar a miséria vivenciada durante este período. O Ceará romanceado por Raquel de Queiroz, presente no cordel de Patativa do Assaré, nas composições de Ednardo e de Fagner, era es- 440 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais sencialmente o Ceará da seca, do êxodo rural, da pobreza, da fome, das desigualdades sociais, dos romeiros de Padre Cícero e do clientelismo político. Isso perdurou durante décadas no imaginário local e nacional. O Brasil via o Ceará dessa forma e assim o Ceará se via. Entretanto, a comunicação dos artistas também suscitara uma contradição; havia nas obras um Ceará bonito, exótico e com peculiaridades culturais. A descrição da beleza de Fortaleza na música Beira-Mar, de Ednardo, é um claro exemplo disso. Nela, Fortaleza é descrita no cenário urbano mais conhecido da cidade para o restante do País: a Beira-Mar. São mostradas as luzes e o movimento na orla marítima, algo comum nas cidades litorâneas. O lazer, os encontros e os desencontros se concentram na praia: “Meu amor na Beira-Mar entre luzes que lhe escondem. Só sorrisos me respondem e nada mais”. O Ceará tornou-se um local “da moda”, moderno, paradisíaco, uma atração para os flâneurs de Baudelaire, em uma comparação de Hall (1999) com os turistas na modernidade tardia. E dentro dessa modernidade tardia, com o suporte dos meios de comunicação de massa e estratégias de comunicação e marketing, principalmente, a propaganda direcionada para o turismo, é (re)inventado o Ceará. O que aconteceu com o sol do Ceará? No final dos anos 80 ele deixa de ser o representante do atraso e passa a ser o representante do moderno nas campanhas publicitárias voltadas para o turismo nacional e internacional. A propaganda transforma discursivamente o cenário cearense. As transformações imagéticas não ocorrem repentinamente; há um processo de construção e vários elementos são utilizados. Na contemporaneidade a propaganda se encontra inserida no contexto social, de forma que não há uma distinção clara entre o que é e o que não é comercializado, como assinala Baudrillard (1990:20): “Diz-se que o grande empreendimento do ocidente é a mercantilização do mundo, de tudo entregar ao destino da mercadoria. Parece que foi a estetização do mundo, sua encenação cosmopolita, suas transformações em imagens, sua organização semiológica. Estão assistindo, além de ao materialismo mercantil, a uma semi-orgia de cada coisa através da publicidade, da mídia e das imagens. Até o mais marginal, o mais banal, o mais obsceno, estetiza-se, culturaliza-se, ‘musealiza-se’. Tudo é dito, tudo se exprime, tudo toma força ou forma de signo. O sistema funciona não tanto pela mais-valia da mercadoria, mas pela mais-valia estética do signo”. 441 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas O sol tornou-se um produto com valores agregados e no reposicionamento passa-se a mostrar ao restante do País estes valores, ou seja, “que ele brilha o ano inteiro”. A propaganda atual não trabalha com o produto propriamente dito, porém com o simbolismo desse objeto no contexto social. O que é ofertado ao consumidor é o status, o prazer, a felicidade, a segurança e o bem-estar. A ansiedade do indivíduo é “satisfeita” com o consumo. As mensagens são direcionadas implicitamente para abrigar a necessidade da sociedade pós-industrial. Neste sentido, Eguizábal (2007) explica que, como modo comunicativo, a publicidade é uma forma de comunicação intencional, visando à manipulação ideológica do receptor. Já Perez (2004) chama atenção para o paradoxo da publicidade que, ao mesmo tempo em que comunica a perenidade, ela é fugidia, pois “Há, subjacente a todo anúncio, publicitário, a promessa de outro novo. Na base do prazer estético que nos proporciona (ou deve proporcionar) um determinado anúncio, da atualização de nosso desejo de posse que põe em marcha uma página publicitária de uma revista, um spot de rádio ou um cartaz, existe a consciência subjacente de que outra mensagem, igualmente sedutora, vai rapidamente ocupar seu lugar” (PEREZ, 2004:106 e 107). Se a efemeridade da propaganda, por um lado, gera uma rotatividade de produtos e serviços, por outro, ela estabelece um conceito do produto/serviço junto ao consumidor. Conceito esse, construído a partir de estratégias de marketing e comunicação. Neste sentido a (re)invenção do Ceará passa inicialmente pelo reposicionamento do sol, que se apresenta direta ou indiretamente em todos os anúncios veiculados pela Revista Veja de 1987 a 1994 (anos analisados pela pesquisa). A campanha intitulada “Aqui o sol brilha o ano inteiro” veiculada na televisão em 1992 - com a participação de cearenses nacionalmente conhecidos como Chico Anísio, Renato Aragão, Luiza Tomé, José Wilker e Fagner -, reforça o novo conceito atribuído ao sol. Entre a euforia e as incertezas “O Brasil mudou. Mude o Ceará”. Com esse slogan no ano de 1986, que pode ser considerado um marco na transformação da imagem do Ceará para o restante do Brasil, tem início o Governo das Mudanças, sob o comando do empresário e então eleito Governador do Estado, 442 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Tasso Ribeiro Jereissati. Ele foi candidato da coligação Pró-Mudanças, que reuniu o PMDB, PCB, PCdoB e o PDC. O grupo mudancista, como foi intitulada a equipe deste governo, era composto por jovens empresários filiados ao CIC 4 e a FIEC (Federação da Indústria do Ceará), duas entidades patronais. Esse grupo hegemônico conseguiu retirar do cenário político o grupo denominado dos coronéis (Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals) que, durante mais de 20 anos, esteve à frente da política local. O grupo mudancista propôs transformações políticas e econômicas para o Estado, as quais apoiavam-se nas mudanças em curso no cenário nacional para reforçar a luta contra os conservadores locais. A proposta de mudança do modelo de gestão denominado dos “tempos dos coronéis”5 para a “era Jereissati”6 foi objeto de estudos de pesquisadores cearenses no final do século XX e início do XXI. O discurso mudancista enfatizava a modernização como um modo de eliminar o atraso deixado pelos coronéis. A entrada dos jovens empresários na política ocorreu a partir de 1978, quando filhos de industriais e executivos recém-saídos de universidades passaram a se reunir, a conversar e a articular um projeto para mudar o Estado e a Região. Segundo Tasso Jereissati em entrevista a MARTAN (1993: 97), “A nossa preocupação era discutir o futuro da região Nordeste porque não víamos muita perspectiva, à medida que continuasse a maneira que estava. Então esse grupo foi informalmente se criando. Nessa ocasião em 1978, o velho CIC estava vazio, não tinha uma diretoria ativa e o presidente da Federação das Indústrias, o Zé Flávio Costa Lima, teve a iniciativa de convocar os jovens para assumir o Centro Industrial. Nós, que já vínhamos informalmente nos encontrando, topamos imediatamente e o Beni assumiu a liderança, num primeiro momento”. Os jovens empresários tinham menos de 40 anos e atuavam no mercado em atividades industriais tradicionais e de serviços no âmbito local e nacional. 4 O jornalista Álvaro da Cunha Mendes, em 27de junho de 1919, fundou o Centro Industrial do Ceará (CIC) com o objetivo de tratar de assuntos de interesses comuns aos industriais e estudar possibilidades de novos empreendimentos. 5 Um termo utilizado para denominar o grupo que se encontrava há vários anos na chefia política do Estado. No período ditatorial, o Ceará esteve dividido entre três representantes políticos, cuja condição de militares de carreira do Exército tornou-os conhecidos como os coronéis. 6 Como foi denominado por autores cearenses no livro organizado por Josênio Parente e José Maria Arruda. 443 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Oito anos após Benedito Clayton Veras Alcântara (Beni Veras) ter assumido o CIC, o empresário Tasso Jereissati foi eleito governador do Ceará. O CIC foi um espaço importante para a entrada de Tasso Jereissati na política cearense, e esse aspecto é confirmado no discurso de posse ao assumir a presidência da entidade em 1981. “O CIC tem um compromisso em nível estadual, regional e nacional com a formação, o mais rápido possível, de uma classe política competente e forte, capaz de influenciar e até assumir o poder”7. Em Fortaleza, o grupo de jovens empresários do CIC se engaja na luta pelas Diretas Já e formam um comitê pró-direta e em seguida pró-Tancredo. Em MARTIN (1993) Tasso Jereissati fala do engajamento político do CIC naquele momento e apresenta algumas das dificuldades encontradas para conseguir trazer alguns questionamentos para dentro da entidade. “(...) O CIC foi convocando para discussões nomes polêmicos. Gente como o Lula, naquela época era um absurdo, o Dom Helder Câmara, sociólogos; o Brizola, recém-chegado do exílio, isso tudo chocou muito a classe empresarial tradicional” (1993:98). Os empresários conservadores temiam as propostas inovadoras do grupo de jovens empresários e, principalmente a abertura de espaço dentro do CIC para comunistas, esquerdistas e outros, que anteriormente eram pessoas consideradas inimigas pelo regime militar. Em marco de 1987, toma posse no governo do Estado Tasso Jereissati. Já no discurso de posse afirma que “a partir de hoje, eu lhes prometo o Ceará vai mudar” e a imagem de miséria e pobreza acabará no Estado. “A miséria, praga que nos persegue há séculos, agravou-se dramaticamente nos últimos 20 anos, trazendo como conseqüência mais cruel a perda da dignidade do homem cearense, que teve que se humilhar, pedindo favores para sobreviver. Para vencê-la, temos que promover mudanças profundas na economia e nas relações sociais no Ceará em todo o País. Isto é tarefa para toda uma geração. Mas, exatamente por isso, ela precisa ser atacada já”8. E destaca: “Conquistamos o apoio da maioria dos cearenses em nome do combate sem tréguas a miséria e de uma mudança radical nos costumes políticos e na maneira de governar. O voto Discurso de posse do CIC, em 1981. http://www.institutoqueirozjereissati.org.br/. Acesso em 09/04/2010. 7 Discurso de posse na Assembléia Legislativa do Ceará, do governador Tasso Jereissati. http://www.institutoqueirozjereissati.org.br/. Acesso em abril de 2010. 8 444 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais foi a procuração que recebemos do povo para fazer as mudanças que ele precisa e quer. E é para cumprir estes compromissos que estamos hoje assumindo o Governo do Estado”9. Num ato simbólico de representação física do projeto mudancista, transferiu de lugar a sede do governo estadual. As decisões do executivo deixaram o Palácio da Abolição - espaço que era tratado como ponto turístico da cidade, como imagem de cartões-postais e capa do Guia de Fortaleza de 1976 e onde foi instalado o mausoléu do ex-presidente Castelo Branco – e foram deslocadas para o Centro Administrativo do Cambeba. A localização do centro administrativo gerou outra denominação para os jovens empresários: os homens da República do Cambeba, como ficou conhecido o grupo de empresários que compunha o staff do Governador. O centro administrativo abrigou a concepção e as prioridades dos projetos mudancistas. O primeiro Governo Tasso Jereissati priorizou a reforma administrativa com a dinamização da máquina e a modernização da área fiscal. O aspecto político ficou em segundo plano. A combinação de crescimento e adoção de programas sociais, na perspectiva de Tasso não tinha espaço para uma flexibilidade em termos político. O argumento do compromisso assumido com o povo cearense em campanha e na posse foi utilizado como justificativa para realizações de ações políticas e administrativas, muitas vezes, questionadas por políticos e movimentos sociais. Não há como negar as transformações ocorridas na administração pública, principalmente na arrecadação e no quadro enxuto de funcionários. O aumento do PIB estadual é outro mérito da proposta mudancista. Porém, como explica Gondim (2007), o modelo econômico e administrativo não conseguiu realizar a principal promessa da primeira campanha eleitoral de Tasso Jereissati, ou seja, acabar com a miséria. A afirmação da autora sustenta-se em uma avaliação do Banco Mundial, no final da década de 1990, onde concluiu que “a pobreza no Ceará continuava grave e profunda” (Banco Mundial, 1999:2). O modelo de gestão pública atraiu a atenção de observadores nacionais e internacionais. De acordo com Jawdat Abu-el-Haj (1999), Discurso de posse do CIC, em 1981. http://www.institutoqueirozjereissati.org.br. Acesso em abril de 2010. 9 445 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas revistas de renome internacional como The Economist, Newsweek, The Washington Post entre outras, descreveram o sucesso das mudanças administrativas nesse Estado Nordestino. “A recuperação das finanças públicas e o êxito do ajuste fiscal deram ao modelo administrativo cearense status paradigmático. A campanha presidencial do PSDB usou as realizações tucanas no Ceará como vitrine” (ABU-EL-HAJ 1999:19). Há uma expressividade dos governos mudancistas em termos mediáticos e isso é evidenciado no trabalho de Mamede (1996) sobre a diferenciação no tratamento discursivo pelas revistas Isto é e Veja para o Nordeste e, especificamente, ao Ceará Mudancista. A edição da Revista Veja de 1º de dezembro de 1993 traz na capa a imagem da Praia do Mucuripe, com o titulo: “O exemplo do Ceará” e relata como o Estado saiu da crise. “Diferente das matérias sobre turismo, que destacam a natureza, as semantizações sobre o Ceará alinham-se mais as imagens do progresso, da modernidade, da presença operante do homem e sua tecnologia” (MAMEDE, 1996:89). A modernização, como discurso político, sempre foi uma estratégia utilizada pela elite cearense ao procurar mudar o poder vigente. O trabalho de Josênio Parente (2002) traz os diferentes momentos históricos nos quais o discurso da modernidade foi utilizado para mudar o cenário político e econômico do Estado e, sobretudo, aproveitar as mudanças nacionais. Parente (2002) e Gondim (2007) compartilham da ideia que o discurso de modernização do Ceará antecede a concepção mudancista, pois foi proposto por Ernesto Geisel na década de 70 com a política de diversificação de desenvolvimento. Naquele contexto, foi delegada ao ex-governador, Virgilio Távora, a implantação dessa industrialização no Ceará. “Virgilio Távora consolidou o Ceará como o terceiro Pólo Industrial do Nordeste, tornando-se, assim, o grande estadista e estrategista político da transição da ideologia do conservadorismo para a ideologia da modernidade” (PARENTE, 2002:128). Para Barbalho (2005), ocorreu uma transição do poder de uma elite conservadora (mas já imbuída de ideais e ações modernizantes) para uma elite autodenominada moderna. “Isso não impediu que o marketing político da Geração das Mudanças fixasse eficazmente no senso comum a ideia de ruptura entre os dois grupos” (BARBALHO, 2005:38). O autor argumenta que Tasso Jereissati era o “candidato das mudanças”, que sinalizava a transferência do modelo administrativo 446 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais da iniciativa privada para a gestão pública. Aspecto também compartilhado por LEMENHE (1994), BONFIM (2002) e BARREIRA (2002) ao apontar a característica empresarial de Tasso Jereissati como sendo a primeira vez na história política do Ceará que um candidato a cargo de governador se apresentou como empresário e que os interesses estavam radicados no Estado. Uma característica relevante desse modelo administrativo é o critério não político partidário na escolha do secretariado de Tasso Jereissati e de Ciro Gomes. A preferência foi por pessoas ligadas ao ideário do CIC. Isso representaria, naquele momento, um avanço em termos de gestão pública, já que uma das características “dos coronéis” era o fato de serem políticos profissionais. Assim, as ações administrativas aliadas às estratégias comunicacionais no projeto mudancista geraram visibilidade ao Estado. Portanto, a comunicação elaborada pelo grupo iniciou, não somente a profissionalização na produção de campanhas políticas no Estado, mas uma abordagem de posicionamento da “marca mudancista”10 em âmbito local e nacional. Pode-se pensar, por exemplo, que a campanha de Maria Luiza à Prefeitura de Fortaleza em 1985 foi marcada por experimentações comunicacionais bem-sucedidas, onde pode-se dizer que o amadorismo deu certo. Já a campanha de Tasso Jereissati no ano de 1986 foi realizada com equipes e equipamentos modernos (CARVALHO, 1999). Era para mudar o Ceará. O objetivo do projeto era claro: “Tornava-se clara a concepção da campanha moderna como empreendimento empresarial, comportando cuidadoso planejamento, avaliação das perspectivas de sucesso e estabelecimento de um novo padrão de investimento financeiro e simbólico que centrado na publicidade contrapunha-se ao padrão tradicional de investimento político” (CARVALHO, 1999: 189). Os investimentos em marketing e comunicação institucional do “Governo das Mudanças” desde o início caracterizaram-se por um padrão de qualidade midiático caro e com uma estrutura profissional especializada. “A sofisticação da campanha incluía desde pesquisas sistemáticas de opinião para acompanhar o humor do eleitorado até a produção dos programas eleitorais gratuitos utilizando-se dos mais 10 Conceito trabalhado por Rejane Vasconcelos Carvalho (1999) para contemplar as ações de comunicação, dentre elas a publicidade e o marketing. Para a autora, o grupo dos jovens empresários criou uma marca mercadológica, a marca mudancista. 447 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas avançados recursos audiovisuais existentes” (BARBALHO, 2005:30). O padrão midiático publicitário dos Governos das Mudanças não ficou restrito ao período eleitoral, mas tornou-se um investimento recorrente, com o intuito de estabelecer o que Carvalho (1999) denomina de “imagem marca das mudanças”. Nas propagandas turísticas, a marca da mudança apresenta-se dissimulada, associada ao nome do anunciante, pois a consolidação imagética de modernização do Ceará na perspectiva mudancista ocorre com a visibilidade possibilitada pela inserção da política nacional e regional na era denominada por Carvalho (1999) da sociabilidade midiática e da estética publicitária. As estratégias de comunicação aliadas ao marketing tornam-se preponderantes na construção imagética do Ceará como destino turístico. O produto Ceará turístico é construído nas bases da marca mudancista. Considerações finais O processo de transformação do Ceará, por meio da propaganda, em um destino turístico e um lugar da moda pode ser compreendido a partir da concepção da comunicação mercadológica, que tem no marketing e na propaganda o suporte de elaboração de imagens. E também como parte de um projeto político do PSDB, que tem no empresário Tasso Jereissati o representante da proposta mudancista. No tocante à linguagem publicitária percebe-se, nas linhas e entrelinhas dos anúncios, uma imposição de valores, mitos, ideais e elaborações simbólicas. Como um discurso, a propaganda turística cearense é pensada como um texto dentro de uma prática social, em um contexto histórico específico, cujas ações discursivas, geraram mudanças sociais. O modelo de Análise de Discurso Crítica de Fairclough (2001) responde bem esta questão. Pode-se pensar que há uma prática que Carvalho (1999) conceitua de mostrabilidade, ou seja, o fato só adquire sentido político no campo da notícia. Portanto, colocando-se em posição de ser notado publicamente. O lugar privilegiado de registro dessa notoriedade é sem dúvida a mídia e, de modo especial, a televisão, que transforma em acontecimentos as ações cotidianas. A partir desse conceito é possível pensar que a visibilidade concedida pelos meios de comunicação das ações políticas, administrativas e econômicas do grupo mudancista favoreceu a mudança imagética do Ceará. 448 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais As ações de comunicação e marketing, por conseguinte, mostram-se cada vez mais presentes nas estratégias de transformar uma cidade ou um estado em produto de consumo, um objeto de desejo. Pode-se dizer que são sentimentos alimentados por uma rede de informações que levarão o consumidor a ter um conceito pré-estabelecido sobre determinado lugar. As estratégias comunicacionais direcionadas ao turismo se pautam, principalmente, em propagandas, imagens e textos que estimulam o imaginário, conforme mostrado nos exemplos recentes de Berlim e Barcelona. O Ceará como produto de consumo teve que reinterpretar alguns ícones para obter a condição de destino turístico. O sol, a jangada e o mar tiveram um tratamento de reposicionamento. O caso do sol do Ceará é emblemático. É importante assinalar que a imagem publicitária é tomada aqui como um elemento que reflete as transformações culturais da sociedade, como algo que revela hábitos, comportamentos, posições sociais e gostos de uma determinada época. Sua incorporação ocorre através dos discursos que a apreendem e a estruturam. A reflexão aqui é sobre a maneira como um determinado grupo tenta impor a sua concepção do mundo social, seus valores, seus domínios, e ainda como os receptores desses textos apropriam-se deles. Assim ocorreu com o Ceará do “Governo das Mudanças” ao criar uma nova estrutura turística ancorada na construção de uma nova representação identitária como marca e, assim, tornar o Ceará um roteiro da moda nacional e internacional. A cidade de Fortaleza, por ser a porta de entrada e a capital do Estado, foi onde o impacto do discurso da propaganda turística e dos produtos culturais obteve maior visibilidade. A cidade é bem mais que um pano de fundo para uma história de transformação. Ela é personagem. Não é qualquer beira de mar de qualquer cidade do Brasil, mas uma Beira-Mar localizada, a de Fortaleza, com seus bares, sua estátua de Iracema, suas jangadas do Mucuripe. Sem esquecer o artesanato da Avenida Monsenhor Tabosa e da Emcetur, o povo hospitaleiro e “gaiato” (como se referencia nacionalmente) e a cearensidade que, de certa forma, é reforçada pelo discurso da propaganda turística. 449 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Referências ABU-El-AJ, Jawdat. Mobilização do capital social no Brasil: o caso da reforma sanitária no Ceará. São Paulo: Annablume, 2000. ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 1999. ALENCAR, José. Iracema (lenda do Ceará). 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Acesso em 10/04/2010. http://www.institutoqueirozjereissati.org.br/. Acesso em 09/04/2010. 452 Publicidade e democracia: regulamentação versus censura Angela Lovato Dellazzana Resumo Entre os teóricos e profissionais da área de publicidade e propaganda, há certa concordância no sentido de que é preciso proteger a sociedade dos danos que alguns produtos anunciados podem causar. Contudo, o consenso está longe de ser alcançado quando o assunto é a regulamentação da publicidade. O tema é polêmico e gera discussões que permeiam as atribuições do Estado como interferente nos meios de comunicação. Enquanto a regulamentação atual é considerada insuficiente por uns, outros alegam que há um excesso de leis impedindo a liberdade comercial. Algumas leis são inclusive taxadas de censura, caracterizadas como ações antidemocráticas. Assim, o presente trabalho se propõe a resgatar historicamente a relação entre a publicidade e a democracia, buscando enriquecer o debate sobre a regulamentação da publicidade. Verificou-se que a accountability da publicidade surge como uma nova abordagem nesse cenário. Palavras-chave: regulamentação da publicidade; democracia; accountability Introdução A expressão accountability midiático é usada para designar o processo que evoca a responsabilidade objetiva e subjetiva dos veículos de comunicação e dos profissionais responsáveis pelo conteúdo veiculado, através da organização da sociedade e da constituição de espaços públicos democráticos de discussão. O uso do termo accountability relacionado à mídia pressupõe que os profissionais e os veículos de comunicação, as autoridades e os anunciantes sejam influenciados e pressionados pelo processo do accountability midiático de tal maneira que possam, reflexivamente, ponderar sobre os valores, os conflitos e os efeitos imediatos e transcendentais que provocam na sociedade (OLIVEIRA et al., 2006). 453 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas O debate sobre o tema, segundo Oliveira et al. (2006), foi incentivado pelo avanço da democracia no país, a partir dos anos 80 (século XX). A insatisfação com o poder autoritário, com a violação da liberdade de expressão e com a falta de compromisso social da mídia com valores éticos ganharam força neste período, propiciando o surgimento de organizações da sociedade civil preocupadas em criar mecanismos de controle democrático do conteúdo veiculado na mídia. Nessa época, com as perspectivas de retomada da democratização do país, a atenção da sociedade voltou-se ao papel dos meios de comunicação na preservação desse sistema de governo. Nesse sentido, a ANDI – Agência Nacional de Direitos da Infância (2007), identifica alguns elementos principais que caracterizam uma sociedade democrática contemporânea. Entre eles estão a divisão de poderes, a afirmação de direitos civis – como a liberdade de imprensa e expressão – e políticos, a realização de eleições regulares, o fortalecimento dos mecanismos de controle (accountability) do próprio Estado e a garantia da atuação plena de algumas instituições não estatais, sendo a mídia talvez uma das mais centrais. Com a consolidação da democracia, os processos de accountability transcenderam o domínio do Estado e foram aplicados no âmbito dos meios de comunicação, conforme aponta o relatório da ANDI: a idéia de accountability, caríssima às democracias tal como as conhecemos hoje, salienta que instituições nas quais a sociedade deposita elevada confiança – como os governos, por exemplo – devem estar sob constante vigilância e, como decorrência, necessitam continuamente prestar contas a essa mesma sociedade. Algo semelhante estaria em jogo quando a instituição em foco são os meios de comunicação. Depositária de uma elevada confiança das sociedades democráticas – por exemplo, na aposta de que colabora fortemente na garantia da accountability dos governos – a mídia também deve ser objeto de permanente vigilância (ANDI, 2007, p.161). Esta perspectiva está relacionada mais à atuação da atividade jornalística e ao papel da imprensa em sociedades democráticas. Entretanto, no que tange a atividade da publicidade e propaganda, entende-se que essa é uma prática que se utiliza da mídia para interferir na sociedade, sendo, portanto, passível de accountability. Nesse sentido, 454 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais legitima-se a preocupação de pesquisadores em estudar a relação da atividade de publicidade e propaganda com os processos democráticos. Da mesma forma, justifica-se a preocupação dos atores do setor publicitário em defender a liberdade dessa atividade como um processo necessário para a manutenção da sociedade democrática capitalista. Contudo, quando a questão é a regulamentação da prática publicitária, o debate se torna polêmico. Não existe um órgão público específico responsável pelos mecanismos regulatórios dos conteúdos veiculados na mídia pela publicidade, sendo que o Estado exerce essa função por meio de um conjunto bastante diversificado de procedimentos. Nesse sentido, Zylbersztajn (2008) alerta que a gestão da comunicação como um todo no país é feita de forma descentralizada e confusa, o que dificulta a implementação de mecanismos de regulação1 que assegurem os diversos direitos promulgados na Constituição de 1988. Quanto às outras possibilidades regulamentais desta atividade, destaca-se a constituição de modelos de autorregulação – iniciativas do próprio mercado para definir seus padrões de atuação – como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária - CONAR, relacionado especificamente com o conteúdo publicitário. Este modelo é defendido por profissionais do setor como suficiente para garantir a accountability da publicidade. No entanto, Zylbersztajn (2008) frisa que existem três outras formas de responsabilização que devem atuar em conjunto para caracterizar um processo de accountability democrático. A mesma autora destaca outro ponto problemático na regulamentação da mídia, que pode ser aplicado especificamente à publicidade: os empresários do setor denunciam como censura qualquer tentativa de regulamentação que não atenda aos seus interesses. A autora lembra ainda que, compete para a complexidade da questão a constatação de que as empresas do setor não apenas pertencem à parcela mais rica da população, mas também estão, muitas vezes, vinculadas a grupos políticos. Esse cenário propicia a investigação dos diversos interesses em jogo no debate pró e contra a regulamentação da publicidade. Segundo Zylbersztajn (2008), os termos regulação e regulamentação não se confundem. Para a autora, regulamentação refere-se à legislação, ao estabelecimento de leis e normas. Já a regulação é um conceito mais amplo, referente ao estabelecimento de políticas públicas. 1 455 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Assim, resgata-se a seguir a história da relação entre a publicidade e a democracia, partindo das definições de uma sociedade democrática e buscando apontar possíveis caminhos para uma regulamentação satisfatória da atividade publicitária. Democracia: a mídia a serviço da sociedade A sociedade democrática ativa baseia-se na promoção do desenvolvimento econômico e do bem-estar coletivo, que acontece de forma compartilhada pela ação do Estado e dos partidos, dos sindicatos, das organizações não-governamentais e da mídia (MELO NETO e FRÓES, 2001). Assim, a convivência numa democracia implica em interação contínua entre Estado e sociedade. O estado natural do regime democrático é dinâmico, estar em transformação é sua essência, diferentemente da inércia do despotismo. Bobbio (1986) define a democracia como um conjunto de regras que estipulam quem está autorizado a decidir pelo coletivo e quais os procedimentos a serem adotados nessas decisões. Sobre as decisões coletivas, o autor afirma que: Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas até mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos (BOBBIO, 1986, p. 18). O autor acrescenta ainda, no que diz respeito às modalidades de decisão, que a regra da maioria é a regra fundamental da democracia. Contudo, outro conceito é apontado pelo autor, além da existência de regras e do consenso da maioria, para caracterizar a democracia: a liberdade. Sobre esta questão, Bobbio (1986) estabelece a seguinte relação: há poucas chances de um estado não-democrático assegurar as liberdades fundamentais, ao mesmo tempo em que é pouco provável que um estado não-liberal possa garantir o correto funcionamento da democracia. 456 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Assim, surge o questionamento: quais seriam as responsabilidades, ou qual seria o comportamento ético da mídia numa democracia, no que tange o conteúdo veiculado? No Brasil, Bucci (2000) alerta que as faltas éticas na sociedade acabam por transformar o debate sobre o papel das empresas de comunicação em proselitismo. Para este autor, o único ator interessado na discussão ética é o cidadão e não os proprietários de empresas, profissionais de comunicação e governantes. Bucci (2000) deixa claro que a ética dos meios de comunicação não deve ser confundida com a ética da imprensa. A primeira, por ter entre suas funções o entretenimento, não tem compromissos com a informação da sociedade, já a segunda sim, e por isso, deve ser encarada como uma questão mais séria, seus fins estão ligados à própria definição de democracia que apregoara a imprensa imparcial e desvinculada do poder e a liberdade de expressão. Nesse sentido, Bertrand (1999) afirma que a mídia possui uma natureza tripla, envolvendo características tanto de indústria, quanto de serviço público e de instituição política, o que complexifica a questão das responsabilidades desta perante a sociedade. Como indústria, ela está nas mãos de grandes empresas privadas, cuja finalidade primeira não é o serviço público e sim o lucro. Assim, seus dirigentes não têm responsabilidades senão com seus acionistas e entram na “guerra de audiência” decidindo o que será transmitido em função da sua capacidade de gerar mais verbas publicitárias. Como serviço público, a mídia, apesar de não ter natureza estatal, exerce os direitos de liberdade de expressão em nome dos cidadãos e por isso, deve prestar contas a eles. A responsabilidade social da mídia surgiu nesta relação de cumplicidade e confiança que a sociedade deposita nos meios de comunicação, partindo do pressuposto que, sempre de forma idônea, estes representariam a vontade do povo numa sociedade democrática. Já como instituição política, a mídia, as ser considerada o “quarto poder”, tem a potencialidade de violar os princípios da democracia, já que os seus proprietários, os que desfrutam desse poder, não são nem eleitos pelo povo nem indicados por suas competências. Percebe-se assim, o caráter complexo, ambíguo e até mesmo contraditório do papel da mídia na sociedade, o que possibilita múlti- 457 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas plas leituras. O recorte deste estudo, contudo, reside no papel da mídia e dos profissionais de comunicação como produtores e difusores de conteúdo publicitário. Desta forma, as diferentes vertentes sobre o papel da publicidade na sociedade serão abordadas a seguir. A publicidade: espelho da sociedade A importância da publicidade pode ser percebida a partir da abordagem de Iasbeck (2002), para quem a linguagem publicitária extrapolou os limites dos meios de comunicação, e já é parte integrante dos diversos discursos da modernidade, emigrando, por exemplo, de jornais, revistas, cartazes e televisões para freqüentar o dia-a-dia de diversos profissionais, como executivos, políticos e até conversas pela Internet. Para o autor, a publicidade envolve por completo a sociedade, e está presente em quase tudo o que é consumido pelo homem moderno. Pinho (2001) afirma que a força da publicidade está na sua grande capacidade persuasiva e na sua efetiva contribuição para mudar hábitos, recuperar uma economia, criar imagem, promover o consumo, vender produtos e informar o consumidor. A mais conhecida função da publicidade é contribuir para o desenvolvimento econômico, ajudando a conquistar e manter mercados para um determinado produto ou serviço, e, no caso de novos produtos, a formar o mercado consumidor. Atualmente, a publicidade tem papel central na construção e manutenção de marcas fortes e duradouras, que estão se tornando o principal ativo das empresas. Romais (2004) constata que, há algum tempo, a publicidade pretendia apenas constituir discursos informando sobre os produtos que se ofereciam no mercado. Contudo, esta perspectiva deu lugar à construção de uma imagem sedutora desses produtos. O uso de testemunhas, as estrelas que ajudam a vender os materiais publicitários, reforça este sentido, pois segundo o autor, estas fazem com que se vendam roupas íntimas, sabonetes, geladeiras, bilhetes de loteria, impregnados de suas próprias virtudes. Nesse sentido, Morin (1989, p. 98) já afirmava que “a estrela publicitária não é apenas um anjo da guarda que nos garante a excelência de um produto. Ela convida eficazmente a adotar os seus cigarros, a sua pasta de dentes, o seu batom, o seu barbeador favorito, 458 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais ou seja, a identificarmo-nos parcialmente com ela [...] é um pouco da alma e do corpo das estrelas que o comprador irá apropriar para si, consumir e integrar em sua personalidade”. A publicidade, então, descaracteriza a noção original de uso do produto, incitando no indivíduo, através das associações imaginárias que ele estabelece entre o produto e o que representa a sua posse, uma idéia que não está relacionada ao uso e funcionalidade dos objetos, mas ao valor de troca simbólica, expressando a individualidade de cada um (MUNIZ, 2004). Este valor está presente na sedução da comunicação publicitária e na necessidade de personalização das marcas. Desta forma, a publicidade tem entre seus objetivos a criação da imagem da marca, o que é feito através da humanização desta. Segundo Lipovetsky (1989, p. 189), “a publicidade poetiza o produto e a marca, idealiza o trivial da mercadoria”. Baudrillard (1990, p. 11) já havia identificado esta característica do discurso publicitário: “Extasiado: assim está o objeto na publicidade, e o consumidor na contemplação publicitária – vertigem do valor de uso e do valor de troca, até a sua anulação na forma pura e vazia da marca”. Contudo, a crítica teórica da publicidade, segundo Carrascoza (2006), ainda é incipiente. Para o autor, as análises mais densas costumam versar sobre o caráter persuasivo da publicidade, a sua condição de metamercadoria, o seu sistema de significação ideológico. A grande maioria, continua o autor, “se prende em seu papel de ferramenta de marketing, de elemento mantenedor do status quo capitalista, ou às variadas e ricas nuanças de seu caleidoscópio retórico e, evidentemente, ao seu visível mas pouco discutido poder de manipulação” (CARRASCOZA, 2006, p. 185). Carrascoza conclui, no entanto, que a publicidade depende da adesão do consumidor para ser considerada eficaz. Por mais que lance mão de recursos persuasivos e sedutores, evolvendo o consumidor e simulando vantagens e benefícios, e projetando um mundo de sonhos, ela não é um fim em si mesma. Em defesa da publicidade estão as argumentações sobre sua importância na economia brasileira, uma vez que atua como instrumento de estímulo ao mercado consumidor. As justificativas nesse 459 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas sentido passam pela alavancagem da oferta de produtos e serviços, promoção da concorrência entre as empresas, informação ao consumidor sobre as vantagens e diferenciais dos produtos e serviços, geração de idéias e propostas de natureza política e social. O argumento que parece mais explícito no discurso dos profissionais da área ao defenderem a publicidade é que esta sustenta financeiramente os veículos de comunicação. No caso específico de emissoras de rádio e TV aberta, a publicidade é a única fonte de recursos. Já em veículos impressos como jornais e revistas, a publicidade representa mais da metade dos lucros. Assim, segundo o CENP – Conselho Executivo das Normas Padrão (2006), a publicidade “financia” a cultura nacional e a liberdade de expressão, dois dos valores mais caros à sociedade. A evolução do debate até chegar a este cenário pode ser entendida a partir do resgate histórico da relação entre os diferentes atores do setor publicitário brasileiro, abordagem que é apresentada a seguir. Resgate histórico: a regulamentação na Publicidade no Brasil Segundo Costa e Costa (2008), o mercado publicitário contemporâneo surgiu com o crescimento da participação da publicidade na receita dos jornais, os únicos meios de comunicação de massa da época em países industrializados. A relação entre os protagonistas desse setor econômico, os anunciantes e os veículos, foi se transformando até a instalação das primeiras agências de publicidade no país, a partir dos anos 1930. Os referidos autores afirmam que a profissionalização dos serviços de propaganda foi conseqüência do interesse dos anunciantes em não apenas informar, mas também em persuadir o consumidor, o que demandou campanhas publicitárias cada vez mais elaboradas e onerosas. Assim, definiram-se os protagonistas que até hoje se envolvem nesse processo: anunciantes, veículos, agências de publicidade e fornecedores. A primeira regulamentação relacionada à atividade do setor publicitário no Brasil remonta a fevereiro de 1949, quanto foi firmado um convênio entre as agências de propaganda, importando as regras norte-americanas. No mesmo ano, outro marco importante foi a fundação da ABAP – Associação Brasileira de Agências de Propa- 460 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais ganda. Contudo, as normas que até hoje organizam a publicidade foram estabelecidas durante o I Congresso Brasileiro de Propaganda, convocado pela ABAP em 1957. Nessa ocasião, foi redigido o Código de Ética dos Profissionais da Propaganda, e foram definidas as Normas-Padrão para o funcionamento das agências, estas últimas para substituir o convênio de 1949, estabelecendo novas formas de remuneração para o setor publicitário e definindo com minúcia as práticas consideradas condenáveis. Em ambos os casos, a competência para interpretar e executar essas normas foi conferida à ABAP. Assim, criou-se no Brasil um sistema peculiar, com regras detalhadas sobre a fixação dos preços e a remuneração das agências definido pelo próprio setor, sem intervenção do Estado. Em 1965, essas normas embasaram a Lei nº 4.680/65, que até hoje regula a atividade publicitária (COSTA e COSTA, 2008). O seu decreto regulamentador (Decreto nº 57.690/66), determinava no art. 7º a validade das Normas-Padrão instituídas em 1957. Uma nova versão das Normas Padrão da Atividade Publicitária foi instituída em 1998, para combater a tentativa de liberalizar o mercado durante o governo de Fernando Henrique. Hoje, existe o Conselho Executivo das Normas Padrão atuante, que confere um certificado de qualificação técnica às agências credenciadas. Contudo, estas regulamentações estavam ligadas à prática da publicidade e não ao conteúdo das mensagens veiculadas. Nesse sentido, foi apenas na década de 1970, quando o governo ameaçou criar uma regulamentação estatal do conteúdo das propagandas comerciais, que surgiu o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Em 1988, o CONAR, apesar de diversos esforços, não conseguiu impedir a inserção na Constituição de determinações restringindo legalmente a propaganda de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. No transcorrer desses 20 anos outras restrições forma impostas, mas num ritmo lento, uma vez que o mercado publicitário, cuja receita é diretamente afetada pela regulação estatal, sempre se posicionou contrário a tais leis. 461 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Accountability da mídia O conceito de accountability relaciona-se com o conceito de responsabilidade, uma vez que este define qual é a conduta esperada de uma pessoa ou instituição e aquele engloba os mecanismos de controle para que essa conduta seja cumprida. O termo accountability, que permanece sendo usado em inglês, ganhou destaque e transcendeu a esfera do Estado. Hoje, este conceito está relacionado também ao setor privado e às ONGs. No que tange às grandes empresas do setor de comunicação, os mecanismos de accountability encontram alguns entraves. No âmbito da accountability da mídia, é possível diferenciar mecanismos específicos na regulação relacionada ao jornalismo, à publicidade e ao entretenimento. No caso da publicidade, os mecanismos regulatórios visam principalmente proteger a sociedade dos danos que podem ser causados por alguns produtos. Como exemplo destaca-se a já citada restrição prevista na Constituição Federal à veiculação de publicidade de produtos como tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias – que pode ser encaixada no âmbito da regulação formal no Brasil. Outro exemplo é a propaganda de armas, expressamente proibida no país. O Código de Defesa do Consumidor também instituiu regulações em relação à publicidade. O relatório da ANDI (2007) aprofunda a questão e alega que a responsabilidade da mídia relaciona-se ao impacto dos meios de comunicação no comportamento de sociedades e indivíduos, debates que variam desde o princípio de que o público encontra-se em posição de completa submissão à mensagem dos meios, até abordagens que alegam sua total independência desta. Zylbersztajn (2008), que aborda a questão sob o âmbito do direito, considera o mercado e a sociedade insuficientes para garantir a accountability da mídia e defende a regulamentação do setor por parte do governo. A autora afirma que a própria constituição dispõe sobre os princípios básicos que devem reger os meios de comunicação social e a regulação incluiria a criação de mecanismos de proteção dessas normas constitucionais. 462 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais No entanto, a questão da regulação tem sido repudiada pelos empresários da mídia e taxada como sinônimo de censura. Neste ponto, Zylbersztajn (2008) alega que, no âmbito jurídico-legal, esta classificação não procede. Para a autora, no que tange a mídia, o conceito de censura é relacionado ao controle arbitrário dos meios de comunicação, que pode acontecer a priori ou a posteriori, sempre embasado em ideologias de cunho moral ou político. Característica em regimes de exceção, a censura visa impedir a livre circulação do pensamento, em detrimento de interesses dominantes. Desta forma, a censura não coexiste com o Estado Democrático de Direito, uma vez que a liberdade de expressão é condição fundamental para a manutenção da própria democracia. Entretanto, a liberdade de expressão não é garantida apenas pela ausência de interferência do Estado, pois a autora alerta que, para que tal liberdade seja efetiva, deve existir uma atuação positiva do Poder Público. Neste sentido, a regulação envolveria a atuação do Estado para garantir os direitos constitucionais, conforme aponta Barroso apud Zylbersztajn (2008, p. 29): “Com ela [censura] não se confunda a existência de mecanismos de controle, que é a verificação do cumprimento das normas gerais e abstratas preexistentes, constantes da constituição e dos atos normativos legitimamente editados, e eventual imposição de conseqüências jurídicas pelo seu descumprimento”. A autora acrescenta ainda três objetivos principais da accountability midiática: “proteger e promover a liberdade da mídia; prevenir ou limitar os danos que a mídia pode causar e; promover benefícios positivos da mídia para a sociedade” (MCQUAIL apud ZYLBERSZTAJN, 2008, p.59). Para atender a estes propósitos, os mecanismos utilizados devem ser diversificados, promovendo relações rotineiras de diálogo entre mídia e sociedade, reduzindo a necessidade de mediações arbitrárias e restritivas. Neste sentido, quatro categorias de accountability para a mídia, que devem atuar de forma combinada, são sugeridas pela autora, conforme o quadro 2: 463 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Categoria Característica Agente Exemplo 1) política regulação formal Governo ANATEL 2) mercado oferta e demanda Mercado 3) pública relação com os cidadãos Sociedade 4) profissional códigos de ética profissionais da mídia conselhos de imprensa CONAR Quadro 2 – Categorias de accountability da mídia Fonte: Elaborado a partir da dissertação de Zylbersztajn (2008) Já Bertrand (2002, p. 10), acredita que a accountability da mídia é papel da sociedade, pois “os veículos de comunicação constituem em si uma instituição política, que deve permanecer independente. A disciplina deve necessariamente ser aplicada por meios não-estatais. É o que eu chamo de MAS – Media Accountability Sistens”. Em seguida o autor define e elenca alguns exemplos desses mecanismos: um MAS é qualquer meio de incitar a mídia a cumprir adequadamente o seu papel: pode ser uma pessoa ou grupo, um texto ou um programa, um processo longo ou curto. Mediador, conselho de imprensa, código de deontologia, publicação regular de autocrítica, pesquisa de eleitorado, ensino superior de jornalismo – e muitos outros. Existem mais de sessenta (BERTRAND, 2002, p. 10). Para Bertrand (2002), a mídia deve ser controlada pelos processadores e consumidores de mensagens, pois nem o governo, nem o mercado, podem produzir mídia de qualidade. Contudo, o autor afirma que há certa hostilidade de empresários e profissionais do setor que acusam os MAS de representarem ameaças à liberdade, manobras de relações públicas para mascarar um desvio de conduta, ilegítimos, ineficazes, e caros. Nesse sentido, é pertinente destacar a falta de atenção que a própria mídia oferece ao assunto da regulamentação da publicidade. Em pesquisa realizada pela ANDI (2007) sobre a cobertura jornalística das Políticas Públicas de Comunicação, a publicidade representa 4,7% do total e 9,4% do material veiculado sobre questões de conteúdo2. Sobre este aspecto, o relatório da ANDI é enfático, mas não aprofunda a questão da publicidade, conforme segue: Segundo a ANDI (2007), 50,2% dos textos trabalham questões de conteúdo e, destes, 9,4% remetem a questões específicas da publicidade. 2 464 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais O tema é espinhoso para as empresas de comunicação, visto que a publicidade é a sua principal fonte de renda; logo, cobrir o setor é trabalhar com os interesses diretos de um de seus stakeholders mais relevantes. Mesmo assim, não se pode dizer que, isoladamente, a cobertura sobre o tema foi desprezível. O tratamento editorial dispensado à questão concentrou-se na proibição e/ou regulação da publicidade para um setor específico – a maioria das matérias se remeteu ao de bebidas alcoólicas. Vale destacar que discussões importantes – como a da publicidade infantil ou a da publicidade governamental – ficaram de fora ou tiveram cobertura menos expressiva. Dada a abrangência das temáticas abordadas por essa investigação, não aprofundaremos, ainda que minimamente, a discussão sobre a publicidade e sua regulação – o que, de forma nenhuma, indica que este é um tema de menor relevância, devendo figurar no rol de preocupações acerca das políticas de comunicação (ANDI, 2007, p. 151). Assim, apesar de pouco agendado pela mídia, o tema da regulamentação da publicidade permanece no interesse de pesquisadores e o principal objeto de estudo nesse sentido é o CONAR, que destaca-se como uma das formas de accountability da publicidade mais atuante. A autorregulamentação como accountability: o exemplo do CONAR O CONAR3 surgiu para evitar uma forma de intervenção estatal da publicidade. No final dos anos 70 (século XX), tramitava no poder um plano do governo militar para sancionar uma lei de censura prévia à propaganda. Diante desta ameaça, agências, anunciantes e veículos de comunicação uniram-se argumentando sobre os altos custos para implantar a censura através da contratação de muitos profissionais e o retrocesso em relação à luta pela liberdade de expressão, além da iminente queda do número de anunciantes. Assim, em 1977, é redigido o Código Brasileiro de Autorregulamentação publicitária, inspirado na experiência inglesa. Os seus idealistas conseguiram convencer o governo a cancelar o projeto, se comprometendo a cuidar da liberdade de expressão comercial, defender os interesses das partes envolvidas no mercado publicitário e do consumidor e efetivar os preceitos estabelecidos no Código de Ética As informações sobre o contexto histórico de surgimento do CONAR estão disponíveis em www.conar.org.br 3 465 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas da Propaganda, discutido, aprovado e criado em outubro de 1957 no 1º Congresso Brasileiro de Propaganda. Na medida em que disponibilizaria a participação de representantes da sociedade em seu conselho de ética e que receberia denúncias de qualquer cidadão, o CONAR considerou-se cumpridor do seu papel de proteção ao consumidor. O mercado aceitou se submeter ao código e a iniciativa pioneira do setor é citada como exemplo a ser seguido por outras áreas que não dispõem de uma autorregulamentação. Passados 30 anos da sua implementação, o CONAR é exaltado pelos empresários do setor, conforme discurso proferido por Civita (2008, p. 13): “a autorregulamentação publicitária é um desses casos de triunfo da cultura de boa-fé, (...) um brilhante exemplo de convivência pacífica e democrática de interlocutores que (...) resolvem suas pendências, em benefício de todos e da comunidade”. Apesar de ser favorável a eventuais restrições legais como aquelas impostas à publicidade de cigarros, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, Civita é contrário à regulamentação estatal, considerando-a uma ameaça às liberdades conquistadas e garantidas pela Constituição. O empresário alega que mais de 200 proposições tramitam no Congresso Nacional na tentativa de impor um excesso de legislação à publicidade e acrescentando que essas novas leis não seriam capazes de proteger as pessoas contra si mesmas ou de sanar todos os males da sociedade. Contudo, conforme exposto anteriormente, alguns teóricos consideram a legislação necessária, uma vez que o CONAR seria insuficiente para garantir a accountability da publicidade. Destaca-se a posição de Bucci4: Sem dúvida, a prática pioneira do CONAR tem muito a ensinar aos comunicadores, mas não se pode esperar que o órgão dê todas as respostas. Sendo uma entidade enraizada no mercado anunciante, representa os interesses desde mercado. É uma parte, portanto. Nesse sentido, quando combate desvios ou abusos de alguns anúncios – e efetivamente os combate -, ele o faz para proteger, mais do que a sociedade em geral, a credibilidade da propaganda, ou, em outras palavras, para proteger o negócio da propaganda contra seus abusos (2008, p. 1). 4 466 Disponivel em www.direitoaacomunicação.org.br/novo/. Acesso em 10 de outubro de 2008. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Para este autor, é legítimo que dirigentes do CONAR se revoltem contra tentativas de balizar a veiculação de anúncios, contudo, o argumento de que a restrição à publicidade agride, mesmo que indiretamente, o direito fundamental à informação não é válido. Para Buci (2008), ao ser um discurso interessado e parcial, a publicidade não se subordinaria ao direito fundamental de informação. Além disso, a ausência da capacidade de sanção, transforma o CONAR num mero conselheiro, sem o poder legal de punir aqueles que não cumprirem suas determinações. Nesse sentido, concorda-se com a ANDI quando esta afirma que, em regimes democráticos, as políticas públicas e os atores por elas responsáveis devem ser passíveis de accountability e “quão mais externos ao processo forem os atores responsáveis por exercer esse controle, maior credibilidade ganhará a iniciativa” (ANDI, 2008, p. 54). Esta perspectiva, voltada para o Estado, pode ser aplicada na accountability da publicidade. Assim, o CONAR, por ser formado por atores do mercado da propaganda, não seria suficiente para exercer o processo de accountability dessa. Outro questionamento da efetividade do CONAR é apresentado por Costa e Costa, que criticam o conteúdo da carta resultante do IV Congresso de Publicidade, realizado em junho de 2008. Para estes autores, a carta enaltece a publicidade brasileira, mas não reflete sobre ela, pois adota uma postura defensiva em relação às tentativas de regulação. A defesa presente no documento sustenta-se em dois argumentos: o primeiro alega que as regras impostas pelo CONAR são suficientes para a garantia da ética na publicidade, e o segundo defende que as restrições à propaganda afetam a liberdade de expressão, uma vez que a publicidade sustenta os veículos de comunicação. Contudo, os autores discordam: Nesse sentido, é bastante eloqüente o fato de que a tese geral do Congresso, aprovada por aclamação, é de repúdio a “todas as iniciativas de censura à liberdade de expressão comercial, inclusive as bem intencionadas”. Essa reação da indústria da comunicação revela várias coisas. A primeira é que ela se pauta pelo modo de pensar publicitário, que elege um slogan simples e de fácil assimilação, mas incapaz de expressar a complexidade envolvida nas questões mais delica- 467 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas das. Reduzir a defesa dos interesses dos consumidores a uma censura bem intencionada termina por distorcer o sentido das iniciativas que o Congresso visava combater. Esse repúdio radical termina por afastar qualquer escuta receptiva, abrindo um abismo entre o setor publicitário e a sociedade, indicando que os publicitários falaram para si próprios, sem se preocupar com o convencimento do restante da sociedade (COSTA e COSTA, 2008, p. 55). Assim, pretendeu-se mostrar que o debate sobre o tema é complexo e envolve diferentes aspectos. Contudo, a accountability da publicidade nas suas quatro formas parece ser um caminho a ser considerado. Considerações finais Foram apresentados alguns questionamentos sobre as opções que a sociedade dispõe de interferir nas mensagens publicitárias. Contudo, esta apresentação tem a pretensão de ser não mais do que um vislumbre das possibilidades de debate que o tema oferece5. Visto que a questão suscita calorosos posicionamentos, a problematização desta merece a atenção de uma pesquisa mais extensa. No que tange a accountability da publicidade, a questão da regulação envolve debates que giram principalmente em torno do CONAR, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que pode ser encaixado na categoria de accountability profissional, por estar embasado no código de ética da atividade publicitária. Embora se destaquem algumas iniciativas do CONAR em tornar mais rígidas suas normas, o órgão ainda não dá conta de equilibrar a demanda social por regulação. As regras de autorregulamentação costumam ser bem mais amenas do que as determinações legais e, por isso mesmo, o CONAR deve estar aberto a reflexões que busquem promover sua legitimidade perante a sociedade. Do contrário, posturas protecionistas como a expressa na carta-manifesto do IV Congresso ocorrido em 2008, serão aprovadas apenas em encontros da categoria e não terão o respaldo dos principais interessados, os cidadãos. 5 O tema é amplamente debatido na investigação de doutorado da autora, sob orientação da professora Beatriz Dornelles, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 468 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Além disso, a relação da publicidade com a democracia pode se tornar mais estreita na medida em que ocorrer a efetiva participação dos diversos atores da sociedade no debate sobre a prática desta atividade. Referências AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA – ANDI. Mídia e Políticas públicas de comunicação. Brasília: Andi, 2007. BAUDRILLARD, J. As estratégias fatais. Lisboa: Estampa, 1990. BERTRAND, C. J. A deontologia das mídias. Bauru: EDUSC, 1999. BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 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Regulação de mídia e colisão entre direitos fundamentais. Dissertação (Mestrado em Direito) – Departamento de Direito do Estado da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2008. 470 Comunicação Integrada de Marketing – aspectos históricos e teóricos sobre um pretenso novo conceito Luís Roberto Rossi Del Carratore Introdução O tema que ora vamos analisar – comunicação integrada de marketing – pode ser enquadrado em mais um desses tópicos que, a exemplo de inúmeros outros assuntos mercadológicos, são apresentados como grandes novidades teóricas ou inovações conceituais, mas que, no fundo, são meras atualizações de conceitos já existentes, só que revestidos de uma nova roupagem. O mais interessante é notar que, de um dia para o outro, o tema tomou conta das pautas de reuniões dos profissionais, tornando-se assunto imprescindível nas monografias acadêmicas, sugestionando título de livros, teses e artigos, virando tema de seminário e palestras e por aí vai. Mas, afinal de contas, por que podemos afirmar, com alguma segurança, que a noção de comunicação integrada de marketing (CIM) é supostamente uma novidade não tão nova assim? Parte da resposta está no próprio entendimento da função da publicidade e de sua natureza essencialmente comunicacional. Em outras palavras, lidar com comunicação mercadológica é reconhecer a importância da tarefa de adequação de linguagem em benefício da construção de marcas. Nisso, aliás, não há nada de novo. O que mudou, então, se os mesmos pressupostos da teoria já existiam e eram difundidos, aqui mesmo no Brasil, desde os anos 70? O que fizeram com os ensinamentos de experientes profissionais como Ricardo Ramos, Roberto Simões, Sérgio Dias, Ivan S. Pinto e tantos outros? Vamos tentar esclarecer estas e outras questões, por meio de uma exposição histórica do tema, na visão de importantes teóricos e especialistas da área, pois é inegável que os limites entre os campos da publicidade e do marketing estão ficando cada vez mais tênues, se é que ainda existem. 471 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Diversos são os teóricos que defendem uma aproximação entre as funções da propaganda e as ações de marketing. Nessa linha de pensamento, a propaganda não pode mais ser vista como um mero instrumento ou ferramenta de marketing, com seus planos e diretrizes subordinados às decisões mercadológicas. Apesar disso, a proclamação – há muitos anos atrás – da necessidade de interação entre o marketing e a propaganda, pouco conseguiu em termos de solucionar a questão na prática das organizações. O que se apresenta, agora, de forma mais consistente e elaborada, é a noção da comunicação integrada de marketing, na qual a publicidade assume uma nova função e se integra com outras tarefas no claro propósito de garantir a prioridade e a sustentação das organizações e, especialmente, de suas marcas. As discussões que se seguem apresentam um pouco da trajetória histórica da propaganda1 no contexto de comunicação de marketing. Percurso histórico da relação entre Marketing e a Publicidade Ainda no início dos anos 70, Robert Leduc (1972, p. 219) ensinava que a “prática da propaganda deve seguir um processo ordenado”, advertindo também que ela deveria se adaptar constantemente à realidade do mercado, uma vez que as situações não são nunca as mesmas. Conforme Leduc, a ação publicitária é estudada na elaboração do plano de propaganda, que orienta a elaboração da campanha publicitária integrada em um orçamento definido. O plano, no entanto, deve ser entendido como a apresentação por escrito das etapas do planejamento, isto é, o documento repositório das informações contidas no planejamento. A elaboração do plano de propaganda se opera, na opinião de Leduc (1972, p. 220-221), em quatro fases: A primeira fase é consagrada à análise da situação comercial; a segunda, à consecução da estratégia publicitária; a terceira fase é a de preparação do plano detalhado de ação; e a quarta se refere à execução e ao controle da propaganda. Uma das considerações mais relevantes feitas por Leduc, no entanto, é sobre a integração da propaganda ao marketing, segundo a qual esse plano de propaganda faz parte de um plano mais amplo, Para facilitar a compreensão do assunto, assumiremos os termos Publicidade e Propaganda como sinônimos, a despeito de suas diferenças etimológicas e conceituais. 1 472 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais o plano de marketing, que encerra ações comerciais como o programa de força de vendas, o de política de produtos, de preços, de distribuição, dentre outros. O livro “Comunicação Publicitária” (SIMÕES et al., 1972), um dos pioneiros no país e também um dos mais completos sobre propaganda, condensa de maneira organizada o pensamento e a experiência dos principais nomes da publicidade da época. É uma espécie de ‘radiografia’ da propaganda brasileira, do ponto de vista dos principais estudiosos e profissionais da área. Nele, encontramos capítulos específicos sobre cada etapa do trabalho de comunicação publicitária, sempre na visão de um especialista numa determinada área. Coube, assim, ao professor Francisco Gracioso a tarefa de comentar o planejamento de campanha, no qual procura elucidar as funções da propaganda no conjunto de esforços de marketing, acrescentando que os objetivos gerais de marketing jamais poderiam ser atingidos com o emprego unicamente da propaganda, pois “vendas e distribuição são fatores importantes, da mesma forma que a embalagem e as exposições no ponto de venda. O preço também é vital, sem falar naturalmente do próprio produto, do qual tudo depende, em última análise” (SIMÕES et al., 1972, p. 158). Mais adiante, Gracioso destaca a necessidade da integração das informações, comentando que o primeiro dado que o planejador de comunicação deve buscar são “os objetivos globais de mercado e a função reservada à propaganda, na estratégia de marketing do anunciante” (SIMÕES et al., 1972, p. 160). Noutro capítulo da mesma obra, temos Ivan S. Pinto abordando a propaganda como função de marketing, trazendo em seus comentários a relação entre ambos que, segundo ele, não é de subordinação direta no sentido de dependência, mas de integração. Para Pinto, “propaganda e marketing são atividades exercidas em benefício de empresas e custeadas pelas empresas. Assim como não há muito sentido em abordar a propaganda fora do controle de marketing, não tem significado examinar a idéia de marketing desligado da noção de empresa”. (SIMÕES et al., 1972, p. 67). Admitindo que o conjunto de informações provindas do próprio produto e das forças mercadológicas da empresa contribui para compor um ‘conceito de marca’, autor desloca o ângulo da aborda- 473 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas gem estratégica de marketing, enfocando-o como um problema de comunicação, do tipo comunicação persuasiva, que visa influenciar atitudes e mobilizar os comportamentos e condutas. Mas, segundo ele, se trata de comunicação e, portanto, tem também suas limitações: esbarra na afetividade e na complexidade de traços de personalidade que caracterizam cada consumidor e o torna ativo, a ponto de canalizar sua atenção para as informações que mais se ajustam à sua conveniência individual e interesses subjetivos. Além disso, Pinto reconhece que nem todas as informações formadoras da atitude mental para com a marca, ou conceito de marca, provêm da empresa. Ao contrário, sofrem incessantes influências do meio social mais amplo, onde o indivíduo constrói seu repertório, sua escala de valores, enfim, sua cultura. Somente após observar todos esses aspectos é que Pinto insere a propaganda no contexto de marketing, afirmando que o seu “papel no conjunto dos instrumentos estratégicos da empresa já pode ser isolado” (SIMÕES et al., 1972, p. 69), acrescentando que a eficiência da propaganda mede-se pela sua capacidade de conseguir um tipo de resultado; nesse sentido, não convém tentar relacioná-la diretamente com resultados de vendas. Finalizando suas considerações, Pinto concebe o marketing como a procura de oportunidades de comunicação e, especialmente no caso de bens de consumo indiferenciados, ou de qualidades equivalentes, a busca de oportunidades de propaganda, onde um produto de indústria passa a ser, inevitavelmente, um produto de comunicação publicitária. Nesse ponto, identifica-se a chave para o entendimento da relação entre marketing e propaganda: a integração. No início dos anos 80, outros profissionais e teóricos também discutiram a relação entre o plano de comunicação publicitária e o plano de marketing. Um deles é Plínio Cabral (1984), observando que o plano integrado de marketing se desdobra em plano de vendas, plano de propaganda, plano de promoções, dentre outros. Dessa forma, Cabral esclarece que a estratégia geral e as táticas de ações de comunicação decorrem das diretrizes do marketing. O planejamento publicitário deve, segundo ele, possuir as seguintes características; ser simples, sintético, ter objetividade, clareza e estruturação em etapas a serem cumpridas. 474 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Detalhando um pouco mais a questão, Cabral (1984, p. 36) explicita melhor a sua opinião sobre o assunto: Um plano de marketing deve ser objetivo, fixando metas a serem atingidas e meios para realizá-las. Pode ter cem páginas ou apenas uma página. Depende da empresa, depende do produto, depende do mercado. Na verdade, segundo conceito clássico, a função do marketing seria bastante simples: identificar as necessidades do cliente... O plano de propaganda decorre do plano de marketing e do plano de vendas. Do primeiro resulta a estratégia de comunicação; do segundo, as metas e objetivos [de mercado]... O planejamento publicitário não gravita propriamente em torno de anúncios. Ele é mais amplo, acompanhando o próprio planejamento da empresa. Cabral insere, portanto, a propaganda no plano de marketing e de vendas, considerando-a uma resposta aos problemas de comunicação mercadológica, reconhecendo que a característica essencial de uma campanha de propaganda não é a multiplicidade de peças ou anúncios ligados pelo mesmo tema, mas a “difusão de mensagens com o objetivo claro de alcançar determinadas metas, cumprindo as etapas do plano de vendas” (CABRAL, 1984, p. 38). Ele adota o conceito de ‘plataforma de comunicação’ para expressar sua noção de plano integrado que agrega os esforços de publicidade vinculados ao plano de marketing: Na propaganda não se vende nem se compra um anúncio, um comercial, uma campanha. Compra-se um conceito que será posto a funcionar e cujos resultados dependem de uma série de fatores que se devem conjugar (...) A propaganda, integrando o plano de marketing, faz a sua parte. Mas outros setores neste front devem, também, cumprir suas tarefas com eficiência no sentido de que a força de vendas atue como um todo (CABRAL, 1984, p. 38). Ricardo Ramos talvez seja um dos mais enfáticos ao tratar da questão da integração entre a propaganda e o marketing. Há quase três décadas, Ramos escreveu: (...) Sendo assim tão remota e dominante, por que alguns teimam em achar a propaganda um trecho do tão recente marketing e a ele atrelada? Ora, sabemos que o marketing, por definição, compreende “as atividades que encaminham o fluxo de mercadorias e serviços, partindo do produtor até os 475 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas consumidores finais”. Isso traz implícito o planejamento de ações, e nesse conjunto se insere naturalmente a propaganda. O fato dela ser parte do plano de marketing, entretanto, não a subordina. A propaganda é anterior, secularmente, a quaisquer formulações de marketing, aliás novíssimas, e se a elas preexiste independe. Pode inserir-se, obviamente, em dado esforço coordenado que se dirige ao mercado, como a ele correr paralela ou mesmo alheia. Para aceitarmos a procedência do marketing, seria preciso encará-lo não em seus limites reais de técnicas ou funções, mais no rumo da comercialização, e sim vermos nele uma verdadeira panacéia, admitir formulações tão abrangentes que chegam a ser ingênuas (RAMOS, 1985, p.13). Mais adiante, na mesma obra, o teórico volta a falar do assunto, mas agora do ponto de vista do planejamento de ações: (...) Certamente o plano de propaganda se inscreve no planejamento geral de marketing, já que a publicidade é um trecho dos esforços de comercialização de um determinado produto. Sob esse aspecto, não há dúvida de que não apenas ela não pode divergir da orientação mercadológica da empresa, como deve apoiá-la e, se possível, reforçá-la. De que modo? Aqui precisamos esclarecer alguns pontos controversos e mesmo antagônicos. Os homens de marketing sempre gostam de falar em subordinação da propaganda, em atrelamento dela ao marketing, que a moldaria em todos os seus passos. Do prisma de planejamento, seria compreensível e até aceitável. Mas, reconheçamos, é uma visão formal e mecanicista da propaganda (...) Quando falamos de marketing, falamos de funções e atividades. As decisões de propaganda, tomadas pela empresa na sua comunicação com o mercado, de referem a vozes e imagens. São naturezas diferentes. Mesmo que se tome o planejamento global, a publicidade aparecerá dentro dele (decerto que acorde, em perfeita sintonia), não como o ângulo da empresa, nas suas obras, mas como o do consumidor, nas suas palavras, feito o seu reconhecimento e a sua representação. Desse modo, será tão estranho falar em subordinação, em atrelamento, como na supremacia do marketing. Ainda que a ele associada, a propaganda tem uma visível independência (RAMOS, 1985, p.46). O fato é que Ramos, com sua postura crítica, traça um caminho daquilo que deveria ser prática comum no mercado profissional: a integração entre propaganda e marketing. O ideal por ele sugerido 476 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais seria o de uma relação sem barreiras nem divisas, sem brigas orçamentárias e, tampouco, subordinação ou dependência. Ao contrário, o propósito seria atender aos interesses comuns, com objetivos sintonizados, estratégias e táticas harmoniosas e, finalmente, com uma visão orquestrada de funcionamento em conjunto. A oportunidade que se abriu ao marketing, na ocasião, foi a diferenciação e o posicionamento dos produtos e serviços, via comunicação integrada. Apesar disso, não foram todas as organizações e profissionais que levaram tais ideias adiante. Já adentrando nos anos 90, Don Schultz, Stanley Tannenbaum e Robert Lauterborn, especialistas em comunicação integrada, afirmaram que, num mercado de paridades, a única característica diferenciadora que uma empresa podia oferecer aos consumidores é o que esses consumidores acreditam a respeito da empresa, do produto ou do serviço e o relacionamento deles com a marca. “O único lugar em que existe o valor real do produto ou marca é dentro da mente dos clientes ativos ou potenciais. Todas as outras variáveis de marketing, tais como projetos de produto, formação de preços, distribuição e disponibilidade, podem ser copiadas, duplicadas ou superadas pelos concorrentes.” (SCHULTZ et al., 1998, p.49). Schultz e seus parceiros ensinam que o valor real de marketing está percepção da chamada ‘rede mental’ dos consumidores sobre a marca. É o que esses consumidores, de fato, acreditam e sonham. Diante dessa realidade, entendem que a única vantagem competitiva sustentável das empresas, no século XXI, é a integração das comunicações de marketing, assim definido: “todo o conceito das comunicações integradas de marketing está baseado no modo como os consumidores armazenam informações de categoria, produto e marca” (SCHULTZ et al., 1998, p.53). Nas considerações dos especialistas norte-americanos, é muito importante o entendimento das ‘redes mentais’ que os consumidores constroem em suas cabeças, pois a tarefa da comunicação é estabelecer contatos – de mão dupla, no sentido de troca de informações – com o objetivo de alterar ou reforçar os conceitos favoráveis armazenados, combatendo as mensagens dos concorrentes. 477 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Eles sugerem que modelo para o planejamento de comunicações integradas de marketing seja diferente das abordagens tradicionais, a começar pelo foco: a nova abordagem propõe que o ponto de partida seja o consumidor, o cliente ativo ou potencial, e não as metas de vendas e de lucro. A partir da segmentação do consumidor – com base em aspectos demográficos, psicográficos, de histórico de compras e de rede de categorias – as etapas subseqüentes do planejamento de comunicação integrada seriam (SCHULTZ et al., 1998, p. 69-74): • Gestão de contatos: baseada na idéia da necessidade de se encontrar um período, um lugar ou uma situação em que seja possível a comunicação com o cliente ativo ou potencial; • Elaboração da estratégia de comunicação: que envolve a definição dos objetivos de marketing e de comunicação a ser distribuídos conforme o contexto (gestão do contato) na qual ela aparecerá; • Definição das ferramentas de marketing: que consiste na seleção das ferramentas de comunicação que melhor se propõem a atender aos objetivos de marketing estabelecidos; • Definição das táticas de marketing: que é a escolha das técnicas que auxiliarão a cumprir as metas preestabelecidas nos objetivos de comunicação. Como conclusão do processo, os autores explicam que o real valor de seu modelo reside no fato de ter uma natureza circular, isto é, a empresa anunciante desenvolve os programas de comunicações, o cliente responde e, novamente, a empresa reelabora novas informações baseadas na resposta, num processo de contínua adaptação e relacionamento. Ressaltam, também, que o elemento fundamental da comunicação integrada de marketing é o banco de dados e as informações nele contidas sobre os consumidores e seu comportamento. Ele explica que o comportamento, em termos de comunicação integrada, “é qualquer atividade mensurável pelo cliente ativo ou 478 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais potencial que: a) desloca essa pessoa para mais perto de uma decisão de compra a favor da marca visada ou; b) reforça os padrões de compra favoráveis existentes”. (SCHULTZ et al., 1998, p.119). “Deveria ficar claro, contudo, que o conceito de comunicação integrada de marketing está fundamentado num contínuo de formação de relacionamentos ao longo do qual clientes ativos e potenciais se movimentam à medida que os relacionamentos deles com as organizações se desenvolvem. E também deveria ser evidente que nessa abordagem deve ocorrer algum tipo de comportamento mensurável”, destacam Schultz, Tannenbaum e Lauterborn (1998, p.134), reconhecendo, finalmente, que cada organização deve construir a grade de medição ou o contínuo de medição que melhor se adapte a seu produto ou serviço e mercado. Nos EUA, aliás, a questão da comunicação integrada parece ter sido evidenciada há muito tempo, como pode ser observado nos comentários dos teóricos Lewis e Nelson (2001, p. 16): Um fato bastante agradável que vem ocorrendo desde 1985 é o desaparecimento da natureza competitiva que separava as várias disciplinas de propaganda e marketing. Não é preciso ter muita idade para lembrar o comportamento do tipo ‘não invada meu quintal’, as suspeitas e falatórios que surgiam quando um profissional de marketing resolvia utilizar anúncios veiculados na mídia, marketing direto, relações-públicas e promoções tais como em pontos de venda. Eles destacam que o fator determinante das mudanças nas relações entre a propaganda e o marketing foi a percepção de que as agências estavam perdendo o controle parcial ou total sobre campanhas de marketing. Como resultado do processo, houve as fusões entre agências de propaganda e empresas especializadas em outros aspectos de marketing, traduzindo-se em benefícios para todos os envolvidos - profissionais de marketing e publicitários. Nas palavras dos especialistas, “foi a integração incondicional das várias disciplinas sem animosidade, ciúme ou menosprezo por um caminho útil comum. No século XXI o termo agência de propaganda pode bem ser substituído por outro mais adequado e eficaz: agência de marketing”. (LEWIS e NELSON, 2001, p.17). 479 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Philip Kotler, por sua vez, reconhece que o marketing necessita de constantes atualizações. Dentre elas, destaca a importância do marketing holístico, em detrimento do marketing tático, conforme as seguintes orientações (KOTLER, 2000, p. 50): • Participação nos clientes: deixar de se concentrar no ganho de participação de mercado e passar a se concentrar no aumento da participação em cada cliente. As empresas oferecem uma varie dade maior de produtos aos clientes existentes. Elas treinam seus funcionários em vendas cruzadas (venda de produtos relacionados) e vendas de produtos mais sofisticados. • Marketing para mercados-alvo: deixar de tentar vender para todos e procurar se tornar a empresa que melhor atende mercados-alvo bem definidos. O marketing para mercados-alvo está sendo facilitado pela proliferação de revistas, canais de TV e grupos de discussão na Internet, todos voltados para interesses específicos. • Individualização: deixar de vender o mesmo produto da mesma maneira a todos no mercadoalvo e passar a individualizar e customizar mensagens e ofertas. Os clientes poderão escolher as características de seu produto nas páginas Web das empresas. • Banco de dados de clientes: deixar de coletar dados de vendas e passar a elaborar um data warehouse rico em informações sobre compras, preferências, demografia e lucratividade de clientes individuais. As empresas podem ‘garimpar dados’ em seus bancos de dados para detectar diferentes agrupamentos de necessidades de clientes e fazer ofertas diferenciadas a cada agrupamento. • Comunicação integrada de marketing: deixar de depender quase exclusivamente de uma só ferramenta de comunicação, como a publicidade ou a força de vendas, e passar a combinar várias ferramentas para proporcionar uma imagem de marca consistente aos clientes a cada contato que eles tiverem com a marca2. Grifo nosso, com o intuito de destacar a proposta de Kotler sobre comunicação integrada de marketing. 2 480 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais • Canais de distribuição como parceiros: deixar de tratar os intermediários como clientes e passar a tratá-los como parceiros na entrega de benefícios a clientes finais. • Todo funcionário é um profissional de marketing: deixar de pensar que o marketing é realizado apenas pelas equipes de marketing, vendas e atendimento ao cliente e passar a reconhecer que todos os funcionários devem se concentrar no cliente. • Tomada de decisões baseada em modelos: deixar de decidir com base em intuição ou a partir de dados inconsistentes e passar a embasar decisões em modelos e fatos relacionados ao modo como o mercado funciona. Kotler admite que, por meio da adoção dessas novas propostas, as empresas podem tornar-se mais competitivas. “Empresas bem-sucedidas serão as que puderem impor a suas estratégias de marketing o mesmo ritmo de mudança de seus mercados – e de seus espaços de mercado”. (KOTLER, 2000, p. 51). Comenta, também, que muitas empresas ainda confiam em apenas uma ou duas ferramentas para atingir seus objetivos de comunicação. Apesar da proliferação dos novos tipos de mídia, da crescente sofisticação tecnológica, do aumento das exigências dos consumidores e da segmentação dos mercados de massa em uma infinidade de micro-segmentos, cada um deles exigindo uma abordagem específica, a prática do isolamento e da fragmentação ainda persiste. Ainda segundo o renomado autor, a ampla gama de ferramentas de comunicação, mensagens e públicos torna obrigatório que as empresas se encaminhem para uma comunicação integrada de marketing que, conforme a definição da American Association of Advertising Agencies, é (KOTLER, 2000, p. 582): Um conceito de planejamento de comunicação de marketing que reconhece o valor agregado de um plano abrangente que avalie os papéis estratégicos de uma série de disciplinas da comunicação – por exemplo, propaganda geral, resposta direta, promoção de vendas e relações públicas – e combine-as para oferecer clareza, coerência e impacto máximo nas comunicações por meio de mensagens discretas integradas de maneira coesa. 481 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas A comunicação integrada de marketing, segundo Kotler, tem como benefício o fato de transmitir uma forte coerência da mensagem, que produz enorme impacto nas vendas. “Ela cria responsabilidades – onde antes não existiam – para unificar as mensagens e imagens de marca da empresa, à medida que liga milhares de atividades da empresa”, conclui Kotler (2000, p.589). Recorrendo novamente a Francisco Gracioso que escreveu, num artigo intitulado “A nova era da comunicação total”3 que, de fato “estamos apenas ingressando em uma nova era da comunicação com o mercado, que alguns chamam de comunicação total. Ela inclui a propaganda clássica, como é natural, mas vai muito além dela e poderá ter sérias conseqüências sobre a atual estrutura dos negócios publicitários” (GRACIOSO, 2003, p.42). Em síntese, Gracioso diz que a comunicação total ou comunicação integrada de marketing consiste no uso combinado de todas as formas de comunicação para atingir alvos de consumidores determinados. Destaca, inclusive, o uso combinado de mídia e entretenimento como forma de criar uma nova dimensão da comunicação. Entende que a propaganda, pouco a pouco, deixará de ser a principal forma de comunicação com o mercado. E as grandes decisões sobre o papel e forma de utilização da propaganda não serão mais tomadas nas agências de comunicação. Afirma, também, que as forças que interagem com o consumidor são, atualmente, mais difusas, variadas e sutis do que as técnicas promocionais do passado recente. A comunicação integrada, enfim, vai muito além das campanhas publicitárias e não se restringe às ações de promoção de vendas, de relações públicas ou de merchandising, pois seu escopo de atuação é mais abrangente e se apóia em dois recursos fundamentais: marcas globais e tecnologia de ponta. Atualmente, aceita-se que compete à comunicação integrada de marketing estudar o conceito do produto, compreender o que leva uma pessoa a comprá-lo e utilizar essas informações de forma coerente nas diversas ferramentas de comunicação. Esta seria, segundo o professor Gracioso, a maneira mais apropriada de espelhar na comunicação os desejos e necessidades do consumidor e obter eficácia no marketing para a organização. 3 482 Artigo publicado na Revista Marketing, nº 340, Maio 2003, p.39-46. Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Rafael Sampaio, analisando a propaganda em função do branding isto é, do enfoque da gestão da marca, afirma que a comunicação integrada de marketing tem importância fundamental na construção e manutenção das marcas e no processo de branding, mas “não a comunicação parcial de uma ou outra de suas ferramentas, mas a comunicação total do conjunto de suas disciplinas e mensagens.” (SAMPAIO, 2002, p.101). Sampaio se refere a uma comunicação que precisa estar integrada à nova dinâmica do mercado, do marketing e das mídias, além de seguir uma série de características gerais para poder realizar com eficácia as tarefas comunicacionais específicas que lhes cabe no contexto de marketing e das marcas. A nova dinâmica do processo de comunicação a que o teórico se refere, na sociedade contemporânea, envolve alguns pontos fundamentais do panorama da comunicação, conforme o seguinte (SAMPAIO, 2002, p.102-103): • Menor controle sobre a recepção: a segmentação e fragmentação das fontes emissoras da comunicação estão inviabilizando o controle da recepção pelos consumidores, ao contrário do que aconteceu durante quase todo o século passado; • Tendência à entropia é mais forte: a tendência natural de entropia da mensagem – segundo a lei da Física, que estabelece que todas as emissões de energia tendem a entrar em processo de desordem – aumenta ainda mais que o natural. Nesse sentido, Sampaio acredita que mensagens comerciais pensadas para trafegarem em certa ordenação lógica e, por sua vez, serem recebidas em determinado contexto e com certa predisposição do público, acabam chegando truncadas, sendo percebidas de forma distorcida e entendida em condições nem sempre favoráveis, quando não desfavoráveis, de exposição e entendimento; • Aumento do controle sobre a emissão: como única forma de reduzir um pouco a situação entrópica desfavorável para quem emite comunicação. Sampaio considera isto absolutamente lógico, pois, caso contrário, a comunicação resultaria 483 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas numa ‘balbúrdia’, posto que já é emitida de forma um tanto desordenada, e além disso, enfrenta a entropia do meio ambiente e os ruídos inerentes ao processo e, finalmente, é recebida de forma desorganizada e absorvida de qualquer jeito; • Uso da força centrípeta da integração e da ação holística para atuar contra a entropia do conjunto: considerando-se que existe uma situação de entropia no conjunto do transmissão, recepção e absorção das mensagens, o controle desse processo tem sérias limitações e é fundamental que a emissão seja muito bem ordenada, para que a desordem total não se estabeleça no final do processo. Para controlar a entropia, utiliza-se a força centrípeta que, no caso da comunicação, se revela em duas fontes: a) a integração sinergética de cada mensagem de comunicação que complementa e reforça todas as demais da mesma marca ou empresa; b) a ação holística, de caráter mais amplo e geral, encontrada nos elementos integradores das diversas mensagens que criam uma unidade de comunicação, mesmo quando se utilizam formatos diferentes e conteúdos diversos; • A imagem de marca é formada na mente de cada consumidor: outra particularidade da dinâmica da comunicação é que a comunicação não é aquilo que se emite, mas o que se recebe, entende e percebe. Na situação de mercado atual, porém, não é sempre que aquilo que a empresa ou marca comunica é o mesmo que o consumidor entende. Como a imagem de marca real é aquela que é efetivamente formada na cabeça de cada consumidor, e não a que se estabeleceu nas estratégias de comunicação, é fundamental que se faça uma comunicação adequada que contemple, ao mesmo tempo, a intenção do anunciante e a verdade do consumidor; • A comunicação mais forte é a da ação: é preciso considerar que as ações comunicam mais que as palavras. De nada adianta campanhas e mensgens persuasivas e encantatórias se isso não corresponder à verdade de seus atos, nem se traduzir nas suas relações com seus colaboradores e outros públicos de interesse. Qualquer aparente contradição, por menor que seja, pode afetar as percepções da imagem da marca que se procura construir; 484 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais • Segmentação e fragmentação: de um modo geral, a tendência que se observa é que a comunicação de massa segmenta-se e a comunicação segmentada fragmenta-se. Isso ocorre tanto no aspecto dos meios de comunicação em si e de seus veículos, como no caso da comunicação de marketing. Neste caso, o fenômeno atende duplamente ao movimento de segmentação e fragmentação do mercado (com reflexos diretos sobre os produtos, serviços e suas marcas) e das novas oportunidades de mídia. • Estas e outras circunstâncias estão envolvendo e intensificando decisivamente as relações entre organizações e seus mercados-alvo. Nesse sentido, Sampaio (2002, p. 108) expõe as cinco características fundamentais da comunicação integrada de marketing: • Aplicar a inteligência estratégica. É adotar o planejamento com base nos seguintes pontos: refletir a realidade da empresa, da marca, dos consumidores e do mercado; economia da criatividade; eficácia da interatividade; força da integração e prêmio da ousadia e inovação na comunicação. • Seguir os princípios básicos da comunicação. É utilizar os mesmos princípios gerais da comunicação aplicados ao branding, tais como: relevância do target; pertinência à marca; princípio da tarefa dupla, isto é, a comunicação precisa cumprir os seus objetivos e, ao mesmo tempo, desempenhar sua tarefa no branding em favor da imagem da marca e, por fim, adequação entre meio e mensagem. • Usar a linguagem do consumidor. Envolve, basicamente, questões como: considerar as variáveis pessoais e individuais dos segmentos; combinar razão e emoção e, finalmente, ouvir o consumidor. • Usar a ferramenta certa na hora certa. Significa adotar todas as ferramentas mercadológicas que, cada qual em seu papel, garantam a construção da franquia das marcas; estabeleçam relacionamentos e impulsionem os negócios. 485 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas • Ser mensurável com precisão. É usar a pesquisa com propriedade e eficácia, admitindo que para medir objetivos diferentes, é necessário empregar medidas e procedimentos diferentes. James R. Ogden, autor da obra “Comunicação Integrada de Marketing: modelo prático para um plano criativo e inovador” (2002), afirma que, no mercado competitivo de hoje, empresas e profissionais de marketing devem certificar-se de que as mensagens de suas comunicações, que chegam aos consumidores, sobre produtos e serviços sejam claras, concisas e integradas. Em outras palavras, cada membro da organização envolvido no marketing e na comercialização de um produto ou serviço deve transmitir ao consumidor a mesma mensagem. Essa consistência de informações a que o teórico se refere pode ser ilustrada no seguinte exemplo: Imagine-se em um supermercado, procurando uma marca específica de molho de tomate. Ao passar pelas prateleiras, você pode ver muitos rótulos. O que faz com que você escolha uma marca em especial entre tantas outras? É a embalagem? Ou talvez seja por causa do próprio nome da marca? Ou, ainda, será devido à posição do produto de tal marca na prateleira? Quem sabe você leu sobre o produto no jornal? Ou será que o viu na televisão? Afinal, não foi um amigo que o recomendou? Ou na verdade o que aconteceu foi que aquele seu amigo disse não ter gostado de uma ou duas das outras marcas? O supermercado tem a marca que você está procurando? O preço lhe parece atraente? Não há apenas uma resposta certa. Uma ou todas essas razões fizeram com que você escolhesse aquela lata específica de molho de tomate. Na verdade, muitas outras variáveis podem ter influenciado sua decisão. No final das contas, é sua percepção geral em relação ao produto que o impele à decisão de compra. (...) Na posição de consumidor, você pensa em todos os elementos envolvidos na produção do molho de tomate, desde o processamento até os recursos humanos? Do departamento jurídico ao de logística? Claro que não. Você não olha para aquela latinha e diz: ‘Uau, olha só que belo trabalho desses contadores!’, ou: ‘Rapaz, dessa vez o pessoal de treinamento pisou na bola!’. (OGDEN, 2002, p.10-11). Ogden entende que, quando os consumidores procuram um produto ou serviço, eles procuram apenas as qualidades que vão satisfazer uma necessidade ou um desejo que eles já sentiam. 486 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Todas as mensagens que eles receberam sobre o produto ou serviço, pelos veículos de comunicação ou por influência de terceiros, tornam-se importantes para a decisão de compra. Por essa razão, o teórico diz que “os empresários precisam ter certeza de que as mensagens que enviam a seus consumidores são precisas, concisas e consistentes. A mensagem enviada ao consumidor tem de ser uma comunicação integrada.” (OGDEN, 2002, p.11). Segundo ele, quando os consumidores recebem mensagens conflitantes, além de não ser fácil para eles escolher em qual acreditar, tem ainda mais dois problemas: ela custa tempo e dinheiro ao consumidor e, ainda, o deixa confuso, que é um tipo de custo psicológico. Recomenda, assim, que as empresas se conscientizem de que todas as suas variáveis de marketing e de comunicação afetam umas às outras, o consumidor e os comunicadores. Sendo assim, todas as variáveis de comunicação terão um efeito no marketing – é por esse motivo que todos os esforços de comunicação de uma organização devem ser integrados. O resultado da integração é a criação de uma sinergia. O conceito de sinergia, segundo ele, é que os esforços combinados de todas as unidades de negócios têm um efeito maior que a soma dos esforços individuais ou departamentais isoladamente. Ogden defende, então, a criação de um plano de comunicação integrada de marketing (CIM), reconhecendo que não existe uma única forma de estruturação, pois cada situação de mercado determina um modelo diferente para atingir os resultados desejados. A comunicação integrada de marketing seria, portanto, uma extensão do elemento ‘Promoção’ do composto mercadológico (também denominado ‘marketing-mix’ ou 4 Ps), que considera que todas as variáveis da CIM comunicam algo e que existe, também, uma sobreposição na comunicação que essas variáveis oferecem. As variáveis principais do planejamento da comunicação integrada de marketing, segundo Ogden, são a propaganda, a venda pessoal, as atividades de promoção de vendas, as ações de relações públicas e publicidade, o marketing direto e o marketing digital. 487 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas Na obra intitulada “Gestão de Marketing”4, a comunicação integrada de marketing, é definida “o conjunto de ações integradas de comunicação e promoção, que têm como objetivos: fixar o produto na mente do consumidor; criar uma mensagem única, consistente, compreensível e crível sobre o produto; construir uma imagem de marca diferenciada e sustentável na mente do consumidor; oferecer informações e incentivos para o consumidor adquirir o produto ou serviço da empresa; e gerar atitude favorável dos diversos segmentos de público para as iniciativas da empresa” (DIAS et al., 2003, p.272). O conceito de comunicação integrada, na opinião dos autores, resulta do reconhecimento de que os objetivos da comunicação de marketing só poderão ser eficazmente alcançados se todos os elementos do programa de comunicação forem coordenados e integrados, de modo a criarem uma posição, mensagem ou imagem únicas, diferenciadas e consistentes na mente do consumidor-alvo do produto. Eles reconhecem que o efeito da comunicação de marketing só poderá ser medido com base na impressão causada na mente do consumidor. Citando Al Ries e Jack Trout, criadores da teoria do posicionamento nos anos 80, relembram que “o posicionamento não é aquilo que você faz com um produto. Posicionamento é aquilo que você provoca na mente do cliente” (DIAS et al., 2003, p.272). Em outras palavras, o posicionamento é um conceito importante para formulação e operacionalização do plano estratégico de comunicação, tendo em vista que a função da comunicação integrada de marketing é criar imagem única e exclusiva para um produto ou marca na mente do consumidor, a fim de se criar e consolidar uma imagem diferenciada para a marca, que venha a representar uma vantagem competitiva sustentável. “A formação de imagem para a marca é uma das principais funções da comunicação de marketing. A imagem de marca pode ser entendida como o conjunto de percepções, crenças, idéias e associações cognitivas ou afetivas que uma pessoa tem sobre um produto e que condiciona suas atitudes e seu comportamento de consumo. A imagem de marca forte, consistente e favorável é uma força motivadora do comportamento de consumo”, (DIAS et al., 2003, p.273), afirmam os Desenvolvida por um grupo de docentes do Departamento de Mercadologia da Fundação Getúlio Vargas (FGV – EAESP), de São Paulo–SP. 4 488 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais docentes, sugerindo que, de acordo com uma teoria da psicologia, o consumidor tende a se manifestar mais favoravelmente em relação a um produto ou serviço quando a imagem percebida da marca corresponde à imagem que tem de si próprio ou, então, que aspira para si ou, ainda, que deseja transmitir aos outros sobre si mesmo. Nesse sentido, as marcas conferem aos produtos e serviços uma dimensão simbólica, na medida em que transmitem e evocam significados e participam da definição da identidade e personalidade das pessoas. Esse seria, enfim, o objetivo último a ser almejado pela comunicação integrada de marketing, por meio da integração de inúmeras atividades, dentre as quais os teóricos destacam a propaganda; promoção de vendas; vendas; marketing direto, relações públicas, publicidade ou assessoria de imprensa; promoção de eventos; merchandising e comunicação no ponto-de-venda; atendimento ao cliente; comunicação pela Internet; embalagem e design; dentre outras. Conforme apresentado pelos docentes pesquisadores da FGV-SP, mesmo que inserida num contexto mais amplo, o de comunicação integrada de marketing, a publicidade desempenha seu papel estratégico na veiculação de mensagens condizentes com o conjunto das outras ações, em sintonia e convergência de conceito para a marca. Numa das obras mais recentes sobre o assunto, “Comunicação Mercadológica: uma visão multidisciplinar” (GALINDO, 2008), Victor Hugo Lima Alves assevera que o conceito de comunicação integrada de marketing (CIM), de certa forma, já traz em si uma indeterminação – a questão da integração. Em paralelo, reforça sua ideia com as indagações propostas por Trevisan5: O questionamento da comunicação integrada vai além da definição do seu conceito e de como a agência executa as suas tarefas. É preciso perguntar-se: o que integra uma comunicação? Uma assinatura? Logotipo? Conjunto de cores? Rigidez nas diretrizes de uma marca global, que define um azul naquele tom específico? Exposição dos produtos naquela cor ou posição? Manual de identidade visual? Qual é o elemento integrador? É absolutamente discutível o que integra a comuArtigo de Nanci Maziero Trevisan, intitulado “O mito da comunicação integrada”, in XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2003, Belo Horizonte-MG. Disponível em <http://reposcom. portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4491/1/NP3TREVISAN.pdf> Acesso: 20.02.2008. 5 489 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas nicação de uma organização. Definir isto é papel do gestor da marca ou do dono da empresa. Alguns elementos podem ajudar: assinatura, embalagem, mas tudo é questionável. O que vai dar o traço de unicidade à comunicação da marca? Estas questões é que precisam ser estudadas e respondidas. Desse modo, as decisões relativas à comunicação integrada de marketing são coordenadas pelo composto de promoção do marketing-mix, por meio de decisões como: definição de objetivos promocionais; determinação dos tipos de ações promocionais a serem adotadas; criação dos temas e mensagens; mensuração da eficácia das campanhas de propaganda e a integração de todas as comunicações promocionais. É, portanto, inequívoca a subordinação dessa comunicação ao composto de promoção tendo em vista que o papel a ser cumprido por tal composto e, por conseqüência, pela comunicação, advém do ajustamento dos demais componentes do marketing-mix – os compostos de produto, preço e distribuição. Alves entende que o conceito de comunicação integrada de marketing tem sua gênese no mesmo prressuposto da comunicação mercadológica, quer seja, entender a comunicação pelos fatores do esforço promocional. A título de esclarecimento e reforço, recorre a Galindo (1986, p. 37), que afirma: Tal modalidade de comunicação compreenderia toda e qualquer manifestação comunicativa gerada a partir de um objetivo mercadológico, portanto, a comunicação mercadológica seria a produção simbólica resultante do plano mercadológico de uma empresa, constituindo-se em uma mensagem persuasiva elaborada a partir do quadro sócio-cultural do consumidor–alvo e dos canais que lhes servem de acesso, utilizando-se das mais variadas formas para atingir os objetivos sistematizados no plano. Após tal constatação, Alves (GALINDO, 2008) revela uma característica essencial que as diferencia: a unicidade da mensagem, salientando que o uso das várias competências ou recursos comunicacionais, por si só, não caracteriza a integração, mesmo considerando o objetivo comum de um plano mercadológico. Continuando as suas considerações, o autor denuncia uma inadequação quanto à nomenclatura ‘comunicação integrada de marketing’, pois esta seria apenas uma das modalidades de comunicação 490 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais vinculadas ao planejamento estratégico da empresa devendo, portanto, todas as demais modalidades (comunicação interna; comunicação administrativa; comunicação institucional) também serem denominadas integradas, pois no conceito defendido por Kunsch (2003) é justamente a noção de integração das quatro modalidades que caracteriza a filosofia inovadora por ela proposta. Desse modo, argumenta que é “a modalidade comunicacional que se apresenta integrada – como adjetivo – e não a comunicação integrada que se qualifica em modalidade comunicacional” (GALINDO, 2008, p. 26). Além disso, Alves finaliza seu pensamento lembrando que, muito provavelmente: O termo CIM seja remanescente do conturbado momento vivido nos anos 90 pelas agências de propaganda, quando da necessidade de resposta aos clientes sobre as restrições de eficácia e financeira da propaganda em meio à proliferação de pontos de contato e resultados inatingidos; e, nessas circunstâncias adotaram-se vários conceitos com o intuito de expressar que a comunicação com o mercado se produzia por outros canais, além da habitual propaganda (GALINDO, 2008, p.25-26). A publicidade, agora inserida no contexto da comunicação integrada de marketing, com funções, características e responsabilidades ampliadas e compartilhadas, tem de ser repensada desde o seu planejamento até nos seus mecanismos de mensuração de resultados, para acompanhar as novas tendências e propostas teóricas e práticas. Considerações finais Em termos conceituais, os aspectos inovadores, com algum impacto diferencial para o processo de comunicação mercadológica como um todo, são adaptações mínimas sobre os procedimentos, métodos e técnicas de pesquisa, criação, produção e mídia que se proclamava no passado. Fora isso, nada que se caracterize como uma verdadeira renovação de proposta. Em síntese, as discussões sobre a comunicação integrada de marketing, em geral, parecem não acompanhar as orientações mais amplas sobre o planejamento da comunicação no novo cenário mercadológico do branding. Dessas considerações decorrem, portanto, uma lógica que poderia ser assim sintetizada: 491 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas • A imagem de marca é formada na mente de cada consumidor: uma particularidade da dinâmica da comunicação é que a comunicação não é aquilo que se emite, mas o que se recebe, entende e percebe. Na situação de mercado atual, porém, não é sempre que aquilo que a empresa ou marca comunica é o mesmo que o consumidor entende. Como a imagem de marca é aquela efetivamente formada na cabeça do consumidor, e não a que se estabeleceu nas estratégias de comunicação, é fundamental que se faça uma comunicação adequada que contemple, ao mesmo tempo, a intenção do anunciante e a verdade do consumidor; • O conceito de comunicação integrada de marketing resulta do reconhecimento de que os objetivos da comunicação só poderão ser eficazmente alcançados se todas as modalidades de comunicação (interna, administrativa, institucional e mercadológica) forem efetivamente coordenadas e integradas, de modo a criarem uma posição, mensagem ou imagem únicas, diferenciadas e consistentes na mente do consumidor do produto ou serviço; • A formação da identidade de marca é a principal função da comunicação integrada de marketing. A identidade de marca envolve o conjunto de elementos tangíveis e intangíveis que se tenciona associar à marca, incluindo a imagem que pode ser entendida como o conjunto de percepções, crenças, valores e vínculos cognitivos ou afetivos que uma pessoa tem sobre um produto ou serviço e que condiciona suas atitudes e seu comportamento de consumo. A imagem de marca forte, consistente e favorável é uma força motivadora do comportamento de consumo; • As marcas, nesse sentido, conferem aos produtos e serviços uma dimensão simbólica, na medida em que transmitem e evocam significados e participam da definição da identidade e personalidade das pessoas. Esse seria, enfim, o objetivo último a ser almejado pela comunicação integrada de marketing: o alinhamento conceitual em torno de um conceito de marca, independentemente das atividades, recursos e instrumentos disponíveis a serem utilizados. 492 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Hoje, praticamente ninguém mais discorda de que as relações das pessoas com as marcas são sensoriais, são experiências vivencidas, muito mais afetivas do que, propriamente, racionais. As marcas, portanto, pertencem aos consumidores e aos mercados, são parte de conceitos e padrões não convencionais – intangíveis – de análise. Na maioria das vezes, a continuidade das marcas também depende muito do que pensam os sistemas de comunicação, que, afinal, sustentam a imagem das marcas no mercado. Seria, então, um equívoco pensarmos que a publicidade, sozinha, consiga construir uma marca, uma vez que as marcas são edificadas de maneira holística, a partir de uma proposta comum de valores com os consumidores, levadas adiante por meio da orquestração de um conjunto de instrumentos mercadológicos, internos e externo à organização. Gerenciar uma marca seria, enfim, monitorar todos os contatos que ela estabelece com os seus mercados consumidores, em todas as situações e relacionamentos da organização e de seus colaboradores. Como uma das principais conclusões, podemos afirmar que, em grande medida, a dimensão e importância que a comunicação integrada de marketing vem tendo nos âmbitos acadêmico e profissional tem profundas ligações com o desenvolvimento do branding e os propósitos de gestão de marcas, como os atuais modelos de sistema de identidade, as associações com a imagem corporativa, o posicionamento e os atributos de personalidade e caráter de marca. O que, num passado não muito distante, o tempo e a credibilidade dos produtos e serviços, bem como a reputação das organizações se encarregava de construir, atualmente, é preciso muito esforço e envolvimento para se atingir e, por vezes, não surte o efeito desejado. Finalizando e tentando responder às questões inicialmente propostas, é preciso ressaltar o seguinte: os pressupostos teóricos sobre a comunicação publicitária e mercadológica permaneceram os mesmos, sempre evidenciando a importância de pensá-la como algo integrado às ações de marketing, sem subordinação ou fragmentação, tendo como alvo e enfoque o fortalecimento de um claro conceito da marca. A interpretação dessas noções, no entanto, é que realmente se apresenta como novidade. Faz muito mais sentido, portanto, propor uma releitura e recolocação das teorias, con- 493 cAPITULO IV - Práticas Persuasivas e Mercadológicas ceitos, ideias e definições já defendidas no passado, pois se trata de um novo mundo dos negócios, cuja dinâmica e contexto – marcado por mais tecnologia, mais competitividade, mais agilidade e mais globalização – exigem constantes atualizações em busca da conquista dos mercados e perpetuação das marcas. Referências CABRAL, Plínio. Propaganda, técnica da comunicação industrial e comercial. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1984. DIAS, Sérgio Roberto (org.). Gestão de marketing. São Paulo: Saraiva, 2003. GALINDO, Daniel (org.). Comunicação mercadológica: uma visão multidisciplinar. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2008. GRACIOSO, Francisco. Revista Marketing. São Paulo: Meio & Mensagem, nº 340, Maio 2003. KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. KUNSCH, Margarida. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. Edição rev., atual. e ampliada. São Paulo: Summus, 2003. LEDUC, Robert. Propaganda: uma força a serviço da empresa. São Paulo: Atlas, 1972. LEWIS, H.G. e NELSON, Carol. Advertising Age. Publicidade: como criar uma campanha publicitária moderna. São Paulo: Nobel, 2001. OGDEN, James R. Comunicação Integrada de Marketing: modelo prático para um plano criativo e inovador. São Paulo: Prentice Hall, 2002. RAMOS, Ricardo. Propaganda. São Paulo: Global, 1985. (Coleção Contato Imediato). SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z: como usar a propaganda para criar marcas e empresas de sucesso. Rio de Janeiro: Campus, 1998. SAMPAIO, Rafael. Marcas de A a Z: como construir e manter marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Campus, 2002. 494 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais SCHULTZ, Don E.; TANNENBAUM, Stanley I.; LAUTERBORN, Robert F. O novo paradigma do marketing: como obter resultados mensuráveis através do uso do database e das comunicações integradas de marketing. São Paulo: Makron Books, 1998. SIMÕES, Roberto et al. Comunicação publicitária. São Paulo: Atlas, 1972. 495 cAPíTULO v Práticas Institucionais e de Relacionamento Vídeo corporativo como instrumento de comunicação interna Gilze Freitas Bara Resumo Defesa da elaboração de um vídeo corporativo que seja um instrumento favorável ao processo de comunicação interna de uma empresa/entidade, funcionando como um objeto de aproximação entre a diretoria e os funcionários. O vídeo proposto tem o formato de uma revista eletrônica, sendo composto de quadros elaborados de forma a prender a atenção do público-alvo e facilitar a transmissão das mensagens de maneira direta e eficiente. A duração indicada é de oito a dez minutos, já que a exibição sugerida seria durante as reuniões mensais de avaliação realizadas entre a diretoria e os funcionários da empresa/entidade. A fundamentação teórica do trabalho passa pela discussão da cultura organizacional, da comunicação empresarial – sobretudo a interna – e da sociedade da imagem. Palavras-chave: comunicação institucional; comunicação interna; cultura organizacional; vídeo corporativo. Introdução O presente artigo defende a elaboração de um vídeo corporativo que funcione como um instrumento que favoreça o processo da comunicação interna numa empresa/entidade. O trabalho está focado numa interface entre emissor, receptor, meio e mensagem. No emissor, porque o vídeo pretende atender às necessidades da empresa/entidade, levantadas após conversas com a direção e os responsáveis pelos setores. No receptor, porque o vídeo vai mostrar os funcionários (público-alvo), os trabalhos por eles desenvolvidos e os assuntos de interesse da categoria. No meio, devido à força da imagem e à facilidade de recepção. E na mensagem, porque o conteúdo a ser transmitido demanda formatos específicos que delineiam o trabalho final. 497 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento Cultura Organizacional As organizações existem desde o início da humanidade, uma vez que as origens e a própria evolução das organizações fundamentam-se na natureza humana. O termo organização expressa um agrupamento planejado de pessoas que se associam intencionalmente para trabalhar e desempenhar funções em conjunto, para atingir objetivos comuns, obter resultados e satisfazer necessidades da sociedade. “A organização é subsistema de um sistema maior, a sociedade. É uma microssociedade que opera nas mais diferentes dimensões sociais, econômicas, políticas e simbólicas” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 28). No mundo contemporâneo, há um aumento no número de organizações, para satisfazer às novas necessidades pessoais, sociais e mercadológicas. Assim, quanto mais desenvolvida a sociedade, mais ela se valerá das organizações. “A função das organizações é tornar produtivos os conhecimentos” (DRUCKER, Peter apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 20). Peter Drucker destaca o poder e as características da sociedade das organizações no contexto da sociedade do conhecimento e da informação. Ele enfatiza que, em todos os países desenvolvidos, a sociedade se transformou em uma sociedade de organizações, em que praticamente todas as tarefas são realizadas em e por uma organização. Ou seja, o conjunto diversificado de organizações viabilizaria todo o funcionamento da sociedade (1993). Vivemos, atualmente, um processo acelerado de transformações, pelo qual também passa o mundo das organizações. E é neste novo ambiente, marcado pela globalização, pelas mudanças tecnológicas, pela diversidade e pela reordenação do trabalho e o consequente aumento da informalidade, que está se criando um novo modelo de organização: A organização virtual, caracterizada como uma rede temporária de parceiros independentes – fornecedores, consumidores, e até mesmo concorrentes – ligados pela tecnologia da comunicação para dividir habilidades, custos e o acesso de cada um ao mercado. Seria uma organização sem níveis hierárquicos, sem integração vertical, com as relações baseadas na flexibilidade, na confiança, na sinergia e no trabalho em equipe. (DAVIDOW e MALONE apud CURVELLO, João José Azevedo, 2003, p. 125) 498 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Margarida Kunsch concorda que, mesmo virtualmente, o homem está em organizações. “Ainda que o homem moderno não precise mais passar a maior parte do seu tempo dentro das organizações, continuará dependendo delas para operacionalizar suas ações e se conectar com o mundo nas mais diferentes frentes” (2003, p. 21). Uma organização não pode ser considerada apenas em seu nível interno e de forma estática. Ao contrário, deve ser vista em relação à amplitude do contexto em que está. “Temos de considerá-la vinculada ao ambiente em que ela vive, incluindo os aspectos sociais, econômicos, políticos, tecnológicos, ecológicos e culturais, variáveis que interferem enormemente na vida organizacional” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 30). Também quando se olha para uma organização, é importante estar claro que ela é formada por pessoas que têm uma maneira própria de ver e agir. A comunicação é imprescindível para uma organização social. “O sistema organizacional se viabiliza graças ao sistema de comunicação nele existente, que permitirá sua contínua realimentação e sua sobrevivência. Caso contrário, entrará num processo de entropia e morte” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 69). Assim, o sistema comunicacional é essencial para o processamento das funções administrativas internas e o relacionamento das organizações com o meio externo. A comunicação organizacional analisa o sistema, o funcionamento e o processo de comunicação entre a organização e seus diversos públicos. Ela deve ser integrada, compreendendo as diferentes modalidades comunicacionais: a comunicação administrativa, a comunicação interna, a comunicação mercadológica e a comunicação institucional. Essas formas de comunicação permitem que a organização se relacione com seu universo de públicos e a sociedade em geral. A comunicação administrativa se dá dentro das organizações, no nível das funções administrativas, viabilizando o sistema organizacional. Administrar pressupõe um processo de comunicação continuado, para que os objetivos sejam alcançados. Desta maneira, a comunicação administrativa se relaciona com os níveis, os fluxos e as redes formal e informal de comunicação, permitindo o funcionamento do sistema organizacional. Ela é definida como o “intercâmbio de informações dentro de uma empresa ou repartição, tendo em vista sua maior 499 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento eficiência e o melhor atendimento ao público” (ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 153). A comunicação interna, por sua vez, deve viabilizar a interação entre a organização e seus empregados. O processo ocorre paralelamente à circulação normal da comunicação nos setores da organização, permitindo seu funcionamento. “A comunicação interna é uma ferramenta estratégica para compatibilização dos interesses dos empregados e da empresa, através do estímulo ao diálogo, à troca de informações e de experiências e à participação de todos os níveis” (Plano de Comunicação Social da Rhodia apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 154). Um pouco mais adiante, aprofundaremos a discussão sobre comunicação interna. Diretamente vinculada ao marketing de negócios, a comunicação mercadológica é responsável pela divulgação publicitária dos produtos ou serviços da empresa, devendo definir a utilização de todo o mix de comunicação que compõe o processo – propaganda, merchandising, promoção de vendas, eventos, etc. Com persuasão, deve conquistar o consumidor e os públicos-alvo determinados pela área de marketing. A modalidade “seria a produção simbólica resultante do plano mercadológico de uma empresa, constituindo-se em uma mensagem persuasiva elaborada a partir do quadro sociocultural do consumidor-alvo e dos canais que lhes servem de acesso” (GALINDO, Daniel dos Santos apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 163). À comunicação institucional cabe a gestão estratégica das relações públicas. Ela é a responsável direta pela construção e pela formatação da imagem e da identidade corporativas de uma organização. É um “conjunto de procedimentos destinados a difundir informações de interesse público sobre as filosofias, as políticas, as práticas e os objetivos das organizações, de modo a tornar compreensíveis essas propostas” (FONSECA, Abílio da apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 164). A comunicação institucional, portanto, enfatiza a missão, a visão, os valores e a filosofia da organização. A comunicação integrada deve direcionar a convergência dessas áreas, numa atuação sinérgica. “A convergência de todas as atividades, com base numa política global, claramente definida, e nos objetivos gerais da organização, possibilitará ações estratégicas e 500 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais táticas de comunicação mais pensadas e trabalhadas com vistas na eficácia” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 150). A evolução e a sofisticação da área de comunicação levaram a comunicação integrada a assumir um caráter estratégico dentro das organizações. Comunicação interna Como explicitado anteriormente, a comunicação interna deve promover a integração entre a organização e seus empregados. Mas para a implantação de uma comunicação interna efetiva, é essencial a coerência do discurso e da prática da organização. “De nada adiantarão programas maravilhosos de comunicação se os empregados não forem respeitados nos seus direitos de cidadãos e nem considerados o público número um, no conjunto de públicos de uma organização” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 157). Um projeto de comunicação interna deve, pois, compatibilizar os interesses dos empregados e da organização. Anos atrás, os investimentos na área de comunicação no país eram quase que na totalidade voltados para a comunicação externa. Os empregados eram os últimos a saber dos negócios e dos acontecimentos da empresa, e mesmo assim por meio de outras fontes. Não havia uma política e um compromisso de comunicação da cúpula com os funcionários. Era uma comunicação fria, alienada e verticalizada, representada, sobretudo pelos antigos house organs. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 158) Algumas mudanças comportamentais de dirigentes e trabalhadores se efetivaram com a abertura política e democrática brasileira. Também as inovações tecnológicas revolucionaram as comunicações, propiciando maior acesso à informação. A comunicação – considerada o quarto poder na República, devido à força da mídia sobre a sociedade – foi incorporada como poder também dentro das organizações. “Assim, a comunicação interna deixa de ser um fetiche para ocupar uma posição estratégica e pragmática” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 158). Margarida Kunsch defende que a comunicação interna deve contribuir para o exercício da cidadania e para a valorização do homem: Quantos valores poderão ser acentuados e descobertos mediante um programa comunicacional participativo! A oportu- 501 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento nidade de se manifestar e comunicar livremente canalizará energias para fins construtivos, tanto do ponto de vista pessoal quanto profissional. Se considerarmos que a pessoa passa a maior parte do seu dia dentro das organizações, os motivos são muitos para que o ambiente de trabalho seja o mais agradável possível. E um serviço de comunicação tem muito a ver com a integração entre os diferentes setores. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 159) É sabido que o público interno é multiplicador. No próprio âmbito profissional ou em outros cenários de seu convívio social, o funcionário é um porta-voz da organização, seja positiva ou negativamente. A comunicação interna permite que os colaboradores sejam bem informados sobre a organização, o que ajuda na imagem a ser construída por eles. “E será considerado não um mero número do cartão eletrônico que registra suas entradas e saídas, mas alguém que exerce suas funções em parceria com a organização e em sintonia com a realidade social vigente” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 159). O processo de comunicação interna estimula o diálogo e a troca de informações entre os gestores e a base operacional. A qualidade da comunicação interna passa pela disposição da direção em repassar as informações; pela autenticidade, usando a verdade como princípio; pela rapidez e competência; pelo respeito às diferenças individuais; pela implantação de uma gestão participativa, capaz de propiciar oportunidade para mudanças culturais necessárias, pela utilização das novas tecnologias; pelo gerenciamento de pessoal técnico especializado, que realize efetivamente a comunicação de ir-e-vir, numa simetria entre chefias e subordinados. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 160) Ainda hoje é comum uma organização não perceber a função estratégica da comunicação interna para a geração de resultados. Paulo Clemen defende que a comunicação interna, assim como a externa, deve ser atraente e impactante. Os produtos devem seduzir e encantar, para que os colaboradores sintam-se valorizados: As ações de comunicação interna têm o mesmo impacto que a comunicação global a que todos estamos submetidos no dia-a-dia, como, por exemplo, as notícias de um jornal de grande circulação, que permitem a formação de nossa opinião, ou as campanhas de produtos, que influenciam os nossos hábitos de consumo. (CLEMEN, Paulo, 2005, p.23) 502 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais A comunicação interna deve ser valorizada porque é a base de sustentação para qualquer processo bem sucedido de comunicação integrada. “Sem ela, falta sustentabilidade para qualquer outro processo de comunicação”. (CLEMEN, Paulo, 2005, p. 18) Sociedade da Imagem O termo imagem remete ao latim imago, que significa toda e qualquer visualização gerada pelo ser humano. “Mas o sentido que se impõe na contemporaneidade é o que evoca uma determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação simbólica. Produto da imaginação, consciente ou inconsciente; visão” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda apud BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno, 2003, p. 189). O teórico francês Regis Debray defende a idéia de três períodos de percepção da realidade: logosfera (ênfase na palavra), grafosfera (ênfase na escrita) e videosfera (ênfase no audiovisual). Na contemporaneidade, o predomínio é da videosfera – a sociedade pós-moderna idolatra a imagem. Mais do que a realidade transmitida pela imagem, adora-se a própria imagem. Assim, os materiais audiovisuais, sobretudo os televisivos, são produtos feitos para encantar. Debray faz uma comparação da imagem com a religiosidade. Segundo ele, ambas têm, como característica comum, a veneração. Como exemplo, o teórico cita os apresentadores de telejornais: “Esses homens-tronco não são o Verbo, mas o Real encarnado, isto é, o Acontecimento em sua luminosa Verdade” (DEBRAY, 1993, p. 297). Para o estudioso, “o visual funciona segundo o princípio de prazer. É para si mesmo a própria realidade” (DEBRAY, 1993, p. 294). Ou seja, o valor da sobrevivência simbólica está relacionado à exposição da imagem, sendo o efeito de realidade ainda mais eficaz se produzido pela televisão. Realidade e verdade formam um só todo. Notícia falsa, mas gratificante. Ilusão, mas que tem a força de nosso desejo. Que ver seja o suficiente para saber, não será esse nosso anseio mais antigo? Onde haverá mais bela promessa de felicidade, melhor garantia de menor esforço? (DEBRAY, 1993, p. 297) Na década de 90 teve início um movimento migratório da força da marca para a força da imagem institucional, com o desafio da uti- 503 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento lização de políticas socialmente responsáveis e não de meras jogadas de marketing como até então. A imagem institucional tornou-se tão valiosa quanto a marca, por agregar valores intangíveis e criar vínculos mais efetivos com o público, além de remeter-se a determinado produto ou serviço. “A imagem de empresa é a representação mental, no imaginário coletivo, de um conjunto de atributos e valores que funcionam como um estereótipo e determinam a conduta e opiniões desta coletividade” (COSTA, Joan apud KUNSCH, Margarida, 2003, p. 171). A imagem passa a ser considerada o maior patrimônio da organização. “Os autores em geral consignam que imagem é o grande patrimônio da empresa, algo que possui um valor superior até aos produtos ou serviços que ela oferece no mercado” (BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno, 2003, p. 190). Isso porque passou-se a perceber que a imagem de uma empresa, entidade ou órgão governamental junto à opinião pública influencia a compreensão e a receptividade da população para com as suas atividades e promoções. Apesar de se tratarem de temas distintos no universo corporativo, muitas vezes os conceitos de imagem e de identidade institucional são usados indistintamente, como se fossem sinônimos. Mas há diferença entre eles. “Imagem é o que passa na mente dos públicos, no seu imaginário, enquanto identidade é o que a organização é, faz e diz” (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 170). A identidade corporativa, portanto, projeta a real personalidade da organização, sendo, de acordo com Margarida Kunsch, “a manifestação tangível, o autorretrato da organização ou a soma total de seus atributos” (2003, p. 172). Imagem e identidade corporativas devem estar em consonância: A construção de uma imagem positiva e de uma identidade corporativa forte passa por uma coerência entre o comportamento institucional e a sua comunicação integrada, por meio de ações convergentes da comunicação institucional, mercadológica, interna e administrativa. Assim, enganam-se as organizações que acham que sua imagem e sua identidade se resumem à sua apresentação visual mediante seus logotipos, nomes criativos, luminosos em pontos estratégicos etc. Elas são muito mais complexas, decorrendo da junção de vários fatores e diversas percepções para a formatação de uma personalidade com diferencial e que seja reconhecida com verdadeira pelos públicos. (KUNSCH, Margarida, 2003, p. 174) 504 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Como salientam Elizabeth Brandão e Bruno Carvalho (2003, p.190), “a imagem institucional transforma-se em uma aura que recobre toda a empresa, e exala seus valores, seus princípios, sua filosofia”. A imagem influi positivamente ou negativamente na idéia e/ou opinião e nas perspectivas valorativas que um público possui sobre determinada empresa, instituição ou produto. Os compromissos sociais assumidos, desta forma, contribuem para a valorização da imagem da empresa perante a sociedade. Daí a crescente preocupação com a responsabilidade social. E na disputa pelo público-alvo e pelo mercado, as mudanças no modo de agir das empresas e nas suas exigências auxiliaram na evolução dos serviços oferecidos e na satisfação dos clientes e também dos funcionários. A imagem institucional é formada a partir da percepção unificada dos vários públicos. Uma empresa, para ser reconhecida pelo público como eficiente em sua relação com o cliente, necessita ser reconhecida internamente – a valorização interna reflete-se externamente. Com isso, a visão positiva do funcionário tem que ser a mesma do cliente final, pois ambos são de extrema importância para a organização, já que se constituem em fontes de propagação de serviços. “A imagem corporativa exige que os funcionários-parceiros espelhem a felicidade da empresa pelo testemunho individual, pois a imagem de sucesso e bem-estar de um deve ser a de outro” (BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno, 2003, p. 195). Uma das formas de estreitar a proximidade com os colaboradores é fazer com que se sintam valorizados e integrados ao grupo. Ao contrário, organizações que não têm os funcionários como plano de prioridade colhem baixa produtividade, pouco comprometimento e desmotivação, o que acaba por comprometer a qualidade de produtos e serviços e por propagar uma imagem negativa da corporação por meio do próprio quadro de pessoal. O discurso da comunicação empresarial a favor da imagem baseia-se nos seguintes princípios: (a) que a imagem/identidade da empresa é seu maior patrimônio, seu maior valor; (b) que é ela que representa a empresa junto a seus públicos e à opinião pública em geral; (c) que justamente por isso, é ela que realmente vende a empresa no mercado; (d) e, finalmente, que cabe à comunica- 505 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento ção construir e/ou manter esse que é o mais precioso bem da empresa: sua imagem. (BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno, 2003, p. 192) A imagem de uma empresa ou entidade é construída por mínimos detalhes. Cuidar da imagem de uma instituição é um trabalho abrangente, um desafio para os profissionais de comunicação e de relações públicas. As organizações inseridas em mercados competitivos precisam inovar sempre e produzir com alta qualidade. E, para isso, são fundamentais as iniciativas, a criatividade e o envolvimento do público interno. Descrição do vídeo corporativo proposto O vídeo corporativo proposto neste projeto tem o objetivo de ser um instrumento utilizado em prol da comunicação interna. Ele caracteriza-se não como uma forma de discurso da presidência, mas de aproximação da diretoria da empresa/entidade e os funcionários. O vídeo deve ser exibido durante a reunião mensal de avaliação do trabalho (no início ou no fim da mesma), realizada entre os diretores da empresa/entidade e o quadro de colaboradores. A idéia é que ele desempenhe o papel de um presente, que mostre o reconhecimento pelo empenho dos funcionários. Sendo assim, deve valorizar as funções exercidas por cada colaborador. Para testar a aplicabilidade do vídeo corporativo proposto, ele foi desenvolvido numa organização não-governamental (ONG). A entidade escolhida (Associação de Livre Apoio ao Excepcional de Juiz de Fora – Alae) promove reuniões de avaliação sempre no último sábado de cada mês. A Alae foi criada no dia 4 de dezembro de 1985, a partir de uma escola regular, o Centro Cultural Branca de Neve, fundado em 1979, e sediado na Rua Delorme de Carvalho, número 53, no Bairro Bom Pastor, em Juiz de Fora/MG. O que motivou a criação da Alae foi o nascimento de uma criança portadora de Síndrome de Down e o consequente questionamento de seus pais sobre as potencialidades do filho, o que deu origem a uma busca por novas oportunidades aos portadores de deficiência. 506 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Desde 1987, a Alae é considerada uma organização de Utilidade Pública Municipal, cadastrada no Conselho Municipal da Criança e no Conselho Municipal de Assistência Social. Em 2001, por ato da Secretaria Nacional da Justiça, a Alae adquiriu o título de Utilidade Pública Federal. A Alae é uma instituição civil sem fins lucrativos, que atende a portadores de Síndrome de Down e de outras deficiências. A entidade é mantida por meio de convênios, doações, promoção de eventos e ações filantrópicas. O projeto de inclusão social da Alae tem como bases a autonomia e a autoestima dos assistidos. Apóia-se na tríplice função de escola, centro de convivência e ponte para a inserção social. O foco é o aluno, mas a família e a realidade dele são peças fundamentais para a aplicação da metodologia estabelecida. As premissas básicas são: o aluno influencia, pelas suas peculiaridades, na escolha dos currículos; o profissional adapta-se, permanentemente, às novas dinâmicas do ensino e do trabalho; a família acompanha e conhece todo o desenvolvimento das atividades, avaliando os métodos e os processos educacionais. Entre as atividades desenvolvidas estão programas educacionais de acordo com os interesses e as faixas etárias dos alunos; oficinas de cozinha experimental, pintura, artes e corpo; atividades extramuros junto à comunidade (para desenvolver a independência e o relacionamento dos alunos, como idas a cinema, clubes, praças, academias de ginástica e outros locais); atendimento psicológico a alunos e familiares; e atenção à saúde e às potencialidades individuais. Na época de realização do vídeo corporativo (novembro de 2007), a Alae contava com 53 alunos, 23 funcionários e 35 voluntários com atuação permanente. Entre os alunos, 45 tinham os custos bancados por convênio da entidade com a Prefeitura de Juiz de Fora. Um recebia bolsa integral de educação e os sete demais pagavam mensalidade (valor não informado pela direção da ONG). Na estrutura organizacional da Alae, o cargo mais elevado é o de presidente, ainda ocupado por José Mauro Cupertino. Dois setores estão ligados diretamente à presidência: o administrativo, comandado por Márcia Sachetto Rocha, e o clínico, chefiado por 507 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento Chafi Hallack. Ao setor clínico está subordinada a Coordenadoria de projetos, a cargo de Janine Reis. Dadas informações sobre a entidade na qual o vídeo corporativo foi realizado, voltemos a tratar do mesmo. Características do vídeo corporativo O vídeo corporativo proposto teria periodicidade mensal – a cada reunião, seria exibido um material novo, com conteúdo planejado e elaborado para aquela ocasião. Tal conteúdo seria definido em conjunto pela direção da empresa/entidade e pelo(s) responsável(is) pela produção do vídeo (a Alae não possui assessoria de comunicação). Cada edição deve contemplar funcionários diferentes, para não se correr o risco de privilegiar determinados colaboradores. Para exemplificar a proposta deste projeto, foi elaborada uma edição – um vídeo piloto. Para que cumpra seu papel, o vídeo precisa ser dinâmico e variado. O formato indicado é uma revista eletrônica – programa que contém diferentes quadros. Deve ter uma linguagem simples e acessível à totalidade do quadro de funcionários, já que este é formado por profissionais de variados níveis educacionais – de pessoas com ensino fundamental a outras que possuem curso superior e até pós-graduação1. Não pode ser longo, para que não atrapalhe o andamento da reunião e não se torne uma “obrigação a ser assistida”. Ao contrário, deve despertar a alegria dos colaboradores, o desejo de ter o trabalho reconhecido e mostrado para os demais. E a vontade de querer que chegue a próxima reunião, para se conhecer o novo conteúdo. Considero apropriado o tempo de duração de oito a dez minutos. As etapas de elaboração do vídeo corporativo são: reunião com a diretoria para definir os conteúdos a serem mostrados, entrevistas com os responsáveis pelos temas escolhidos para a coleta de informações, gravações dos materiais (quadros e reportagens), elaboração dos textos, gravação da abertura e do encerramento, edição do vídeo Como orienta Paulo Clemen, “a partir da definição dos públicos-alvo, é preciso avaliar que linguagem deve ser utilizada. O nível sócio-econômico-cultural de cada Cidadão Corporativo sempre é bastante diversificado. Por este motivo, a utilização de uma linguagem concisa – o que significa clara, objetiva, curta e ilustrada – sempre é a melhor solução. Isto porque ela será capaz de atingir desde o importante ‘chão de fábrica’ até o mais alto escalão”. (2005, p. 53) 1 508 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais e cópia do vídeo em material adequado para a exibição durante a reunião mensal – o que vai depender do equipamento disponível na empresa/entidade (no caso da Alae, a cópia seria em DVD). Seria pertinente, também, o acompanhamento da exibição do vídeo durante a reunião mensal, para se poder perceber a receptividade dos funcionários ao vídeo como um todo e aos quadros propostos. Isso seria importante para se pensar adaptações e mudanças, em caso de necessidade. Quadros do vídeo corporativo Abertura e encerramento A participação de um(a) apresentador(a) é indicada na gravação da abertura e do encerramento do vídeo. O(A) apresentador(a) se portaria como um elo de ligação dos diferentes quadros do programa e também daria identidade ao vídeo. Considero importante que as gravações da abertura e do encerramento sejam feitas na sede da empresa/entidade, como uma forma de aproximação da realidade vivida pelo quadro de funcionários. A abertura deve conter uma saudação ao público-alvo (saudação esta que deve ser mantida em todas as edições, para criar a linguagem e a identidade do vídeo) e um resumo das atrações do vídeo a ser exibido, dando as “manchetes” da edição. Já no encerramento deve estar a despedida (também com uma saudação a ser mantida em todas as edições, igualmente para se ter uma linguagem própria e se manter a identidade) e uma chamada para o próximo encontro, ou seja, a próxima edição do vídeo corporativo. Reportagem A reportagem deve abordar um assunto de interesse da empresa/entidade, sem, contudo, se esquecer do público-alvo do vídeo corporativo, composto pelos funcionários. Assim, a angulação da reportagem precisa estar de acordo com os interesses dos colaboradores. 509 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento Palavra da presidência (ou da diretoria) Quadro dedicado ao presidente ou diretor (de acordo com a estrutura organizacional) da empresa/entidade. Aqui, o presidente ou diretor dá uma mensagem direta aos funcionários – um recado, em consonância com a demanda existente naquele momento. Deve-se ter atenção para que o quadro não seja longo, evitando que o público-alvo (funcionários) perca a atenção e o interesse pelo vídeo. Aniversariantes do mês Exibição de uma sequência de imagens gravadas ou fotografias dos aniversariantes do mês, com o nome de cada um. Essa sequência teria uma música ao fundo, para se criar um clima mais emotivo. É uma forma de homenagear e parabenizar os aniversariantes do mês de exibição do vídeo. Dicas Quadro dedicado a dar dicas variadas para os funcionários da empresa/entidade. Tais dicas podem ser de relacionamento, convivência, saúde, higiene ou quaisquer outros assuntos que tenham ligação com a área de atuação dos colaboradores. Outro lado Este quadro objetiva mostrar alguma atividade diferente realizada por um funcionário. Tal atividade pode ser desempenhada pelo colaborador fora do âmbito profissional ou mesmo dentro do ambiente profissional, desde que fuja à função primordial que o trabalhador exerce, caracterizando-se como uma atividade profissional diferenciada. Clip O objetivo do clip é encerrar o vídeo de forma leve e amena, proporcionando um clima de “quero mais” e “até a próxima” – dar um fecho emotivo ao vídeo. 510 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Espelho proposto para o vídeo corporativo • Abertura • VT Oficina de cozinha • Quadro “Palavra da presidência” • Quadro “Aniversariantes do mês” • Quadro “Dicas” • Quadro “Outro lado” • Encerramento • Clip Conclusão Concluímos que a produção de um vídeo corporativo voltado aos funcionários de uma empresa/entidade pode ser uma proposta eficiente no processo de comunicação interna. A idéia foi bem aceita pela presidência e pela direção da Associação de Livre Apoio ao Excepcional (Alae), na qual o vídeo foi desenvolvido, de maneira experimental. E apesar de não termos exibido o vídeo-piloto para os colaboradores, nossa presença na sede da associação e os processos de gravação de imagens e entrevistas, por si sós, provocaram um efeito que pode ser considerado favorável – os funcionários entrevistados mostraram-se valorizados e recompensados pelo fato de o trabalho realizado por eles ser apresentado ao demais. Também foi possível perceber a boa aceitação e a satisfação por parte da diretoria da entidade. Isso, graças à força da imagem – à idéia de que, filmada e tornada pública, a realidade (no caso, o trabalho) é valorizada e eternizada. Os colaboradores que foram enfocados no vídeo se mostraram encantados com a possibilidade de terem seus trabalhos apresentados a todo o grupo. Como salientamos neste projeto, o público interno tem participação efetiva na construção da imagem institucional. Os funcionários são multiplicadores no próprio cenário profissional e em outros. E a comuni- 511 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento cação interna permite que os colaboradores sejam bem informados sobre a organização e que ajudem na construção da imagem da instituição. Sendo a comunicação interna a base de sustentação para qualquer processo bem sucedido de comunicação integrada, torna-se crescente a preocupação, por parte dos responsáveis pela imagem institucional de uma organização, em desenvolver ferramentas eficazes que permitam atingir os objetivos propostos. E o vídeo corporativo pode ser visto como um instrumento eficaz nos processos de comunicação interna, de construção da imagem institucional e, enfim, de comunicação integrada. Referências BRANDÃO, Elizabeth e CARVALHO, Bruno. Imagem corporativa: marketing da ilusão. In: DUARTE, Jorge (org). Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia – Teoria e técnica. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 189-205. CLEMEN, Paulo. Como implantar uma área de comunicação interna – Nós, as Pessoas, fazemos a diferença. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. CURVELLO, João José Azevedo. Legitimação das assessorias de comunicação nas organizações. In: DUARTE, Jorge (org). Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia – Teoria e técnica. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 121-139. DEBRAY, Régis. Os paradoxos da videosfera. In: DEBRAY, Régis. Vida e Morte da Imagem, uma história do olhar no ocidente. Petrópolis: Editora Vozes, 1993. p. 293-323. GRACIOSO, Francisco. Propaganda institucional – Nova arma estratégica da empresa. São Paulo: Editora Atlas, 1995. HENRIQUES, Márcio Simeone. Comunicação e estratégias de mobilização social. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2004. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. São Paulo: Summus, 2003. 512 Conversando com o jovem universitário – o uso de jogos eletrônicos como estratégia de comunicação institucional Marcia Perencin Tondato Introdução1 Falar sobre comunicação mercadológica e institucional na sociedade contemporânea implica necessariamente falar em tecnologia, novas tecnologias, especialmente se esta comunicação tiver como público principal jovens. Em se tratando de jovens, implica ainda falar em formação para um futuro cada vez mais caracterizado por uma “cultura informatizada, com hábitos intelectuais de simbolização do conhecimento e manipulação de signos e de representações” (RIBEIRO, 2005, p. 86). Referindo-se a este cenário, Pierre Levy fala em “ecologia cognitiva” (1995, p. 135), ao lembrar que o sujeito é um ser pensante a partir da sua inserção em um grupo, do qual ‘toma emprestado’ a língua, “com toda uma herança de métodos e tecnologias intelectuais”, o que na linguagem de Bakhtin se traduz na equação enunciador-enunciatário, considerando que “qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata” (BAKHTIN, 1999, p. 112). A situação social mais imediata do jovem urbano contemporâneo é o ambiente das sociedades modernas, caracterizado por uma dinâmica de mudança nada comparável ao vivido até hoje. Autores, de linhas de pensamento semelhantes ou diversas, enfatizam as características de ruptura, descontinuidades, fluidez, descentramentos, fragmentação ao descrever uma época cuja própria denominação sofre questionamentos: pós-modernidade, modernidade tardia, alta modernidade (HALL, 2006; GIDDENS, 1999, 2002). O sujeito deste ambien1 Participou também da pesquisa que resultou neste artigo Denio Dias Arrais, mestrando do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas do Consumo (ESPM-SP). 513 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento te é um ser cujo “‘eu’ deve ser construído em meio a uma enigmática diversidade de opções de possibilidades” (GIDDENS, 2002, p. 11) e a “pergunta ‘como devo viver?’ tem tanto que ser respondida em decisões cotidianas sobre como comportar-se [...] quanto ser interpretada no desdobrar temporal da auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 20). O jovem, receptor da comunicação que analisamos neste artigo, vive em uma “sociedade de risco”, nas palavras de Giddens (2002, p. 33), onde devemos ter “uma atitude calculista em relação às possibilidades de ação, positivas e negativas, com que somos continuamente confrontados, como indivíduos e globalmente em nossa existência social”. Porém, em se tratando de jovens, em pleno estágio de formação, pessoal, intelectual, profissional, para o estabelecimento desta “atitude” concorrem elementos presentes e atuantes em cada um dos ambientes por eles freqüentados, no caso deste estudo em especial, o acadêmico-escolar. A formação universitária Este contexto nos leva à problematização da formação deste jovem, não só no aspecto humanístico, mas também, mais próximo do universo de preocupação do educador/professor, a formação acadêmica-profissional. O desafio da educação formal hoje é mais do que preparar o jovem para a prática profissional, ou mesmo, pensando no ideal universitário, fornecer as bases para a construção do conhecimento e formação do cidadão. O desafio hoje é fazer isso tendo como público um jovem bombardeado por informações, acostumado à segmentação, habituado à rapidez, porém, que não deixa de ser um indivíduo em formação, com receios, dúvidas e ansiedades. O professor universitário contemporâneo se vê frente a um cenário em que ele deve “ajudar os alunos a aplicar um paradigma de conhecimento a um domínio de problemas a ele relacionado” (TIFFIN, 2003, p. 70). Esta definição que deixa claro que o professor não é mais ‘a’ autoridade de transmissão do conhecimento, passando para categoria de “facilitador da aprendizagem, assessor do estudante, mentor, avaliador, agente de socialização, animador de grupos, coach, conselheiro” (GIL, 2006, p. 23-25), um perfil por demais complexo para ser levado a termo ‘sozinho’. 514 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Hoje mais do que nunca é preciso pensar a função do professor, não como dono do processo educativo, executando esquemas rígidos, tendo como objetivo o repasse de informações, mas como alguém que reconhece o aluno pela permanente expressão de sua história social e de sua cultura, numa ação constante de comunicação, entendendo que a produção social dos sentidos se constrói nas relações sócio-históricas da sociedade e que o indivíduo/aluno está “no mundo e com o mundo”2. Esta renovação do processo ensino-aprendizagem deve buscar romper com o que está sendo feito no sentido da promoção do desenvolvimento do raciocínio rápido necessário em uma sociedade em constante mutação. É preciso preparar os jovens para um mundo onde tudo está pronto, tudo é fast, ready-made, delivery, mas onde também as inovações surgem a todo instante. O professor-facilitador deve ajudar o indivíduo-aluno a entender uma dinâmica em que não há espaço para “errar e consertar”, que deve satisfazer necessidades, antes mesmo que elas aconteçam. Mais do que nunca nos é exigida a capacidade de re-formar, reformatar, rearticular informações, buscando o conhecimento, reforçando a diferença entre ‘informar’, em princípio, reproduzir uma informação, e ‘formar’, que pressupõe mudança ou adequação de comportamentos. O ensinar/aprender comunicação Transportando isso para a formação em Comunicação, lembramos que esta exige acompanhar a rapidez das transformações da sociedade, seja em termos tecnológicos ou estruturais, seja em vista das complexidades sociais que se estabelecem em função de desencontros cada vez mais marcantes entre desenvolvimento e inserção das diferentes camadas populacionais no contexto mundial. Formar um comunicador significa trabalhar com um objeto em construção, que influencia e é influenciado por áreas diversas, característica apontada por Issler (2002, p. 42) quando diz que “ a produção do conhecimento na Comunicação pode ocorrer tanto no interior do seu campo como em campos contíguos e produzir efeitos em todos eles”. Enquanto para algumas áreas de conhecimento, o O texto faz uma referência direta à frase “... o homem é um ser de relações e não só de contatos, não está apenas no mundo, mas com o mundo” (FREIRE, 1967:39). 2 515 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento desenvolvimento tecnológico, por exemplo, significa a ampliação da capacidade de manipulação de seus objetos, para a Comunicação, transformações na área tecnológica podem significar, e não raro significam, o surgimento de um novo objeto. Lopes (1997, p. 30) já nos lembra que a diversidade teórica e metodológica das Ciências Sociais é “resultado de uma relação dinâmica entre o estado do conhecimento de uma ciência e o seu contexto social”. Inserida no campo das Ciências Sociais, a formação em Comunicação trabalha com a complexidade do ser humano na sua característica racional e histórica; o objeto da área é ao mesmo tempo sujeito do estudo; teoria e prática estão juntas, num contexto ideológico (DEMO, 1985 apud RICHARDSON, 1999, p. 30). Portanto, formar um comunicador cada vez mais é capacitar o estudante a perceber o que são e como se dão as ações de comunicação no que se refere ao seu processo, aos conceitos (filosóficos, científicos, jurídicos e outros) em que se funda, bem como aos instrumentos utilizados e aos conteúdos envolvidos, que tais ações dinamizam. (POLISTCHUK e TRINTA, 2003, p. 16) O desenvolvimento da Comunicação, tanto em termos tecnológicos, como em termos conceituais ocorre na interação com os receptores de seus produtos, que ao mesmo tempo em que consomem os conteúdos comunicacionais, revisam e desenvolvem novos hábitos e formas de leitura do mundo, retro-alimentando a emissão. Isto resulta no destaque da Comunicação na sociedade, colocando o sujeito comunicador (BACCEGA, 1998) como formador de opinião, fazendo parte de um sistema tecnológico que “reduziu o diâmetro e a superfície do planeta, reformulando os conceitos tradicionais de tempo e espaço” (ISSLER, 2002, p. 40). Aparte as especificidades do campo, o ensino da Comunicação é também problematizado por características estruturais educacionais e mercadológicas, que, no Brasil, tornam-se cada vez mais norteadores de um ensino superior de graduação que se afasta dos princípios da universidade, tendo que suprir deficiências do ensino médio ao mesmo tempo em que deve habilitar os indivíduos para um mercado de trabalho altamente competitivo e dinâmico. Caldas e Schuch (2003; 2002), 516 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais entre outros, alertam para a necessidade da reflexão sobre o impasse entre a formação profissional e a capacitação crítica, com vistas à transformação da sociedade, situação que se agrava em decorrência de um regime professor-horista, com pouco espaço para o ‘fazer’ universitário, para a realização teórica e prática da pesquisa. Discursos sobre educação formal e práticas pedagógicas não raro enfrentam o embate do que seja mais importante: a teoria ou a prática, questão amplamente argumentada por nossos alunos que se ressentem desta ou daquela disciplina por ser “muito teórica, sem nada de aplicação prática”. Em um jogo de palavras, nesta mesma linha de pensamento, em teoria, esta dicotomia já está resolvida, visto que “teoria e prática são indissociáveis”, na medida em que “o ser humano teoriza porque busca encontrar sentidos para os fatos do mundo” e que “teorizar é uma forma de agir, unindo a experiência e o sentimento ao pensamento; assim, também, contemplar atentamente fundamenta um ato, traduz uma atitude” (POLISTCHUK e TRINTA, 2003, pp. 17-18). ‘Em teoria’ porque, no contexto sócio-econômico brasileiro, em que a preocupação maior é a colocação no mercado de trabalho, as expectativas dos estudantes acabam sendo focalizadas na obtenção de conhecimentos instrumentais, de aplicação imediata em atividades profissionais. Ao mesmo tempo, temos as necessidades impostas pela natureza do campo acadêmico, de contribuição à construção do conhecimento e desenvolvimento do corpus teórico das habilitações, que deve incluir tanto a pesquisa teórica quanto a empírica, tradicionalmente delegadas à pós-graduação. Como conciliar estas demandas, em um período de quatro anos, segmentados em disciplinas, cumpridas na maior parte das vezes no curso noturno, deixando o período diurno para atividades remuneradas que viabilizem o custeio dos estudos? O contexto do objeto de estudo: as demandas do ambiente profissional e o perfil do jovem universitário Responder a esta pergunta não é o objetivo deste artigo, nem seria possível em poucas páginas, mas tendo em vista o foco do estudo realizado, fazemos algumas considerações sobre as demandas do mundo do trabalho como espaço de desenvolvimento 517 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento profissional e crescimento intelectual e as características do jovem que se prepara para nele se inserir. Segundo De Masi (2003, p.69), a sociedade pós-industrial “inaugurou uma condição mais intelectualizada de vida, deslocando a exploração dos braços para o cérebro, cujas características valorizam e do qual está pronta a reproduzir alguns mecanismos através da inteligência artificial”. Tomamos esta referência entendendo-a como indicadora de um ponto de ruptura entre a “era industrial” e a “era digital”, o que fez, indo além, com que o mercado de trabalho exigisse profissionais melhores qualificados e entendedores das novas tecnologias para as atividades relacionadas ao labor. Na prática profissional, o indivíduo eventualmente se depara com duas situações: “problemas possíveis de serem administrados que se prestam a soluções através da aplicação de teorias e técnicas baseadas em pesquisa” e “problemas caóticos e confusos que desafiam as soluções técnicas”. Para solução, devem ser feitas escolhas entre a utilização de “um conhecimento profissional rigoroso, baseado na racionalidade técnica” ou, a utilização de práticas “pantanosas e indeterminadas, que estão além dos cânones do conhecimento racional” (SCHON, 2000, p. 16). Orientar para estas práticas “pantanosas e indeterminadas” é justamente um dos desafios a ser enfrentado por aquele professor-orientador-facilitador descrito anteriormente. Este professor tem diante de si, na maioria das vezes, um conjunto relativamente homogêneo de perfis de estudantes que deve receber o essencial das habilitações, além de ser capacitado intelectualmente para o uso das mesmas. Porém, nesta relativa homogeneidade, cabe ainda ao professor mais atento identificar, e incentivar, os alunos que buscam mais do que o essencial, que visam mais do que “serem empregados registrados” ou mesmo funcionários que “apenas obedecem a ordens”. Na linguagem mais atual, e no contexto de formação profissional-acadêmica, este perfil é resumido como sendo o “empreendedor”. Birley e Muzika (2001, p. 4) nos dão alguns indicadores que podem facilitar a identificação do perfil: “os empreendedores parecem ser orientados para realizações, gostam de assumir a responsabilidade por suas decisões e não gostam de trabalho repetitivo e rotineiro”. 518 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais Este perfil vai responder ao que Drucker (1994, p.199) define como “empreendedor”: uma empresa ou um indivíduo que se dispõe a iniciar um novo negócio sozinho. O jovem universitário provavelmente não se dê conta destas possibilidades pela pouca idade e pelo pouco contato, geralmente nenhum, com o ambiente empresarial. Mas é um jovem que tem mais informação, ou pelo menos mais acesso, pertencente a uma geração identificada e nomeada por Marc Prensky (2001) como “Nativos Digitais”, composta por jovens nascidos no início dos anos 1990. Esta geração tem acesso e relativo domínio das tecnologias digitais - games de computador e compartilhados online, e-mail, MSN e similares, celulares, mensagens instantâneas, blogs, Orkut - que influenciam em sua formação e na maneira como aprendem, como se comunicam e consomem. Neste sentido, está disponível na Web uma diversidade de jogos, denominados ‘educativos’, que têm definidos objetivos além do entretenimento: melhorar a escrita, exercitar as habilidades matemáticas, testar o conhecimento de idiomas, desenvolver o raciocínio para solução de problemas práticos, conscientizar sobre questões mundiais (poluição, preservação, saúde). Neste artigo damos destaque para um jogo direcionado aos jovens que se preparam para o ingresso no mundo empresarial, os simuladores empresariais, em específico o “Desafio” SEBRAE. O “Desafio” SEBRAE3 é um simulador empresarial projetado para incentivar o participante a desenvolver estratégias, para solução de situações que acontecem em ambientes simulados do dia a dia de uma empresa. A cada versão do jogo a temática muda, de forma a abranger diferentes segmentos, mas sempre com uma característica em comum: tratam de empresas manufatureiras que contemplam produção, comercialização, distribuição e suas interfaces do ambiente empresarial. Em 2009, por exemplo, ao completar dez anos de existência, o tema foi brinquedos. Na interface com o ensino, as circunstâncias apresentadas favorecem o trabalho do professor de graduação, que tem à sua disposição as práticas proporcionadas pelo jogo para relacionar com os conceitos teóricos às No caso analisado, estamos nos referindo ao jogo utilizado no Desafio SEBRAE, realizado anualmente pelo SEBRAE Nacional. 3 519 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento práticas empresariais. Quem sabe até de forma que as habilidades adquiridas ultrapassem a mera reprodução técnica, facilitando a compreensão e motivação dos alunos. Sendo um jogo empresarial, o “Desafio” deve ser realizado em equipe, o que complementa a formação do aluno, que se vê “forçado” a interagir com seus colegas, parceiros e oponentes. Os professores, por sua vez, são motivados à práticas multidisciplinares, e até transdisciplinares, tendo em vista a diversidade das situações que requerem habilidades que respondam às áreas de estratégias empresariais, finanças, cálculos, simulação de contratação de pessoal, liderança, etc. Análise do material de divulgação de um produto elaborado para fazer parte da formação do jovem universitário Neste artigo analisamos a comunicação do SEBRAE com seu público-alvo, o universitário, comunicação essa que busca incentivar a participação dos jovens no jogo que objetiva ser – institucionalmente - ferramenta de desenvolvimento de habilidades empreendedoras. Analisamos as peças publicitárias de divulgação do “Desafio” a partir do discurso e dos elementos gráficos explícitos, procurando entender os aspectos simbólicos que devem ser decodificados pelo jovem, motivando-o à participação. O SEBRAE, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, surgiu em 1972, como “resultado de iniciativas pioneiras de diversas entidades que estimularam o empreendedorismo no País”, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do Brasil, gerando novos empreendimentos e, conseqüentemente, emprego, renda e cidadania. Com atuação voltada aos micro e pequenos empresários o SEBRAE, com propósito de ampliar seu potencial de público-alvo, lançou em 1999, a primeira edição do “Desafio” SEBRAE – simulador empresarial e jogo educativo online -, que segundo o site oficial da instituição é um jogo de empresas voltado para estudantes de todo Brasil que estejam cursando o ensino superior [...] que acima de tudo, oferece uma oportunidade de contato com o ambiente e a dinâmica empreendedora. Em primeira instância apresentamos a logomarca do SEBRAE em comparação com a logomarca do “Desafio”. Nos aspectos gráficos, as diferenças são explícitas no uso de cores e formato. Na 520 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais logomarca do “Desafio” (figura 2), em duas cores, nota-se a preocupação em atrair a atenção do jovem. As variações de tonalidades, com efeitos de tridimensionalidade, e o formato arredondado, resulta em um conjunto mais dinâmico, completado com a chamada “O jogo que transforma universitário em empreendedor”. A marca SEBRAE, no entanto, continua em fonte sem serifa, nos mesmos padrões da logomarca institucional, fazendo com que se mantenha a identidade visual da instituição. Figura 1 - Logomarca do SEBRAE Nacional – as outras unidades da federação adotam logomarcas similares com acréscimo da sigla do Estado. Figura 2 - Logomarca do “Desafio SEBRAE”. 521 cAPITULO V - Práticas Institucionais e de Relacionamento Na sequencia apresentamos a análise das peças principais do “Desafio”, de 2007 a 2009, no formato cartaz, distribuído nas instituições de ensino superior e divulgado no site do SEBRAE, que condensa a temática da campanha de cada ano, veiculada também na televisão, em canais abertos e fechados, versão que não se constituiu foco deste estudo. O interesse maior aqui é o discurso dirigido ao jovem, com ênfase nas formações ideológicas e discursivas, entendendo que os significados são produtos da interação social que se concretiza na palavra e que o homem só será capaz de pensar aquilo que estiver ao alcance de sua cognição e reconhecimento, ou seja, dentro da sua cultura, esta vista como o conjunto de elementos simbólicos e concretos representativos de uma determinada rede de interação social. (BAKHTIN, 1999). Nesta análise, primeiramente detalhamos aspectos discursivos de cada um e a seguir trabalhamos as questões ideológicas. Figura 3 - Cartaz da Campanha veiculada em 2007, de 13/03 a 27/04 522 Memórias da Comunicação: Práticas Persuasivas e Institucionais A temática da campanha