FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008
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Análise estatística da quantidade de cálcio presente no leite em pó
Thiago Faria Tormin 1, Nahiara Mariê Lacerda1, Maísa Azevedo Beluomini1, Henrique de
Paula Rezende1, Aurélia Aparecida de Araújo Rodrigues2
Resumo
O cálcio é um elemento abundante no corpo humano e concentra-se principalmente
nos ossos e dentes. As necessidades de cálcio são geralmente supridas por laticínios,
especialmente leite. O objetivo deste trabalho é utilizar a técnica de titulação para obter a
quantidade de cálcio em nove amostras de leite em pó e verificar se a quantidade de cálcio
declarada pelo fabricante é estatisticamente verdadeira.
Palavras chave: cálcio, leite em pó, titulação, estatística descritiva e teste t de Student.
1. Introdução
Para o desenvolvimento deste trabalho os alunos do curso de graduação em Química
da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), matriculados na disciplina Estatística no
primeiro semestre de 2008, obtiveram a concentração de cálcio em leite em pó através de
experimentos químicos (titulação).
O cálcio é essencial para a transmissão nervosa, coagulação do sangue, contração
muscular, atua também na respiração celular, além de garantir uma boa formação e
manutenção de ossos e dentes. Por sua presença na formação óssea o cálcio é um dos
elementos mais abundantes no corpo humano. O cálcio é essencial para o funcionamento do
organismo, quando existe deficiência de cálcio na corrente sanguínea (por má alimentação,
questões hormonais ou outros motivos) o corpo tende a repor essa deficiência retirando cálcio
dos ossos. A deficiência de cálcio pode levar a osteopenia e osteoporose, na qual os ossos se
deterioram e há um aumento no risco de fraturas, especialmente nos ossos mais porosos. A
deficiência de cálcio pode causar também: agitação, unhas quebradiças, propensão à cáries,
depressão, hipertensão, insônia, irritabilidade, dormência no corpo e palpitações. O excesso
de cálcio pode ocasionar as conhecidas "pedras" no rim, que são na verdade pequenos
aglomerados de uma substância conhecida como oxalato de cálcio. Este tipo de formação é
mais comum em decorrência da ingestão de cálcio de origem mineral (presente no solo e
conseqüentemente na água de determinadas regiões) e também em alguns suplementos
alimentares, já que este tipo de cálcio não é muito bem absorvido pelo organismo. Consumir
cálcio em excesso também pode ocasionar a redução de outros minerais, como, por exemplo,
magnésio. Além disso, o excesso de cálcio pode causar anorexia, dificuldade de
memorização, depressão, irritabilidade e fraqueza muscular (WIKIPEDIA, 2008).
Alguns alimentos são fontes de cálcio: laticínios (leite e derivados, como iogurte e
queijo), hortaliças da espécie Brassica oleracea (brócolis, couve-flor, couve, repolho),
verduras verde escuras (com exceção do espinafre, devido ao alto teor de ácido oxálico),
algas marinhas, gergelim integral, amêndoas, feijões, etc.
A ingestão diária recomendada de cálcio varia com a idade, veja Tabela1.
1
Aluno(a) de graduação – Instituto de Química/UFU – [email protected][email protected] [email protected][email protected]
2
Professora orientadora – Faculdade de Matemática/UFU – [email protected]
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Tabela 1: Ingestão Diária Recomendada (IDR) de Cálcio
Faixa etária
Quantidade de cálcio
800 mg
Lactente (1 – 3 anos)
800 mg
Crianças (4 – 6 anos)
800 mg
Crianças (7 – 10 anos)
800 mg
Adultos
1200 mg
Gestantes
1200 mg
Lactantes
Fonte: Ministério da Saúde 1998, (base: RDA 1989.)
Neste trabalho, foram medidas as concentrações de cálcio em amostras de leite em pó
de uma determinada da marca A, produto amplamente disponível no mercado. Por motivos
éticos, a marca do leite em pó A não será identificada aqui. Foi utilizada a técnica de titulação
para medir a quantidade de cálcio em amostras contendo 2 g de leite em pó. A titulação é um
procedimento, empregado em experimentos químicos, para se determinar a quantidade de
uma substância particular, mediante a adição de uma solução com concentração e natureza
conhecidas. A titulação é bastante utilizada por apresentar as seguintes vantagens: reações
simples com estequiometria conhecida e apresenta mudanças químicas ou físicas (pH,
temperatura, condutividade), principalmente no ponto de equivalência.
O fabricante de leite em pó da marca A declara, no rótulo da embalagem, que 26g de
leite em pó (equivalente a duas colheres de sopa) possui 263mg de cálcio, o que equivale a
10,12 mg de cálcio/g.
O objetivo deste trabalho é utilizar a técnica de titulação para obter a quantidade de
cálcio em nove amostras de leite em pó e verificar se a quantidade de cálcio declarada pelo
fabricante é estatisticamente verdadeira.
2. Metodologia
2.1. Reagentes, soluções e instrumentos
Os reagentes químicos utilizados foram: água destilada, solução tampão ( NH3/NH4Cl)
de pH 10, cianeto de potássio ( KCN), solução MG-EDTA, solução EDTA 0,02 mol.L-1,
indicador Ério T, solução de FeSO4.
Os instrumentos utilizados foram: bureta, suporte com garra, agitador magnético
balança analítica, espátulas, béqueres, erlenmeyers, conta gotas.
2.2. Procedimento experimental
Para a titulação do leite em pó utilizou-se como titulante a solução de Mg- EDTA a
uma concentração de 2,00 mol/l ( fator de correção igual a 1). Para tanto:
1 - Pesou-se nove amostras de leite em pó (2,00 g) de cada lata e cada porção foi
transferida quantitativamente para um erlenmeyer correspondente de 250,00 ml;
2 - Dissolveu-se cada uma das amostras em aproximadamente 50 ml de água destilada,
enxaguando as laterais com o máximo cuidado para evitar que qualquer quantidade de leite
em pó ficasse aderida nas paredes do erlenmeyer sem ser dissolvida;
3 - Adicionou-se 15ml de solução tampão pH 10 (NH3/NH4Cl);
4 - Adicionou-se alguns cristais de KCN para mascarar íons como Zn2++, Cu2+ e Fe3+,que
interferem bloqueando o indicador.
5 - Adicionou-se vinte gotas de uma solução de MG-EDTA e também a ponta de uma
espátula de Erio-T como indicador;
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6 - Titulou-se até o aparecimento da cor azul, indicando o final da titulação. Anotou-se o
volume gasto do titulante;
7 - Adicionou-se FeSO4 nas amostras antes de serem descartadas na pia, para evitar
maiores contaminações.
8 – Procedeu-se os cálculos estequiométricos para obtenção da quantidade de cálcio.
Figura 1: Equipamentos utilizados para a titulação
2.3.Coleta de dados
Para simplificar o processo de amostragem, procurou-se ser aleatório sem, no entanto,
realizar propriamente o sorteio ou algum dispositivo aleatório. Para tal, procedeu-se à escolha
das 9 latas de leite em pó da marca A tomando-se a precaução de obter 9 latas de diferentes
lotes, em diferentes estabelecimentos.
Em uma titulação, as medidas podem apresentar erros de medição, por se tratar de um
experimento que é influenciado por fatores externos não-controláveis, tais como, umidade e
temperatura ambiente; e por fatores externos controláveis, tais como, manuseio inadequado de
instrumentos e falta de atenção do analista.
A partir de um único experimento não é possível obter informações sobre a
variabilidade dos resultados, devido à influência dos fatores externos controláveis e não
controláveis. Sendo assim, ao realizar um procedimento analítico completo, recomenda-se a
execução de dois a dez ensaios (réplicas) do experimento (SKOOG et al, 1981). Neste
trabalho, o experimento foi repetido dez vezes para cada lata de leite em pó.
Para cada uma dos dez ensaios das nove amostras de leite em pó, foram feitos os
cálculos estequiométricos para obtenção das quantidades de cálcio. Essas quantidades de
cálcio, em miligramas (mg), obtidas para um grama de leite em pó, estão apresentadas na
Tabela 2.
340
Tabela 2:
Ensaios
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
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Quantidade de cálcio, em mg/g de leite em pó
Leite 1 Leite 2 Leite 3 Leite 4 Leite 5 Leite 6
9.82
8.36
9.93
9.82
8.99
8.60
9.43
9.52
9.65
9.45
9.56
9.78
9.78
9.32
10.25 9.41
9.29
8.81
10.79 8.57
10.54 9.65
9.59
8.11
9.74
8.42
9.54
10.16 10.29 9.55
9.56
9.12
9.38
9.58
9.26
8.56
9.96
10.02 9.68
9.76
9.45
8.56
9.87
8.73
10.12 10.29 9.52
8.43
10.45 8.95
9.96
9.78
9.31
8.55
9.89
8.74
9.87
9.84
9.22
8.87
Leite 7
9.28
8.86
8.68
8.46
8.49
8.86
8.91
8.85
8.80
8.70
Leite 8
9.43
8.94
9.24
9.65
8.78
8.58
9.59
9.84
9.87
8.86
Leite 9
9.55
9.62
9.23
8.56
9.62
9.48
10.15
9.56
9.81
9.87
Para representar a quantidade de cálcio de cada lata de leite em pó foi utilizada a
média aritmética dos 10 ensaios.
3. Análise dos resultados
Neste trabalho, foi utilizado o software estatístico BIOESTAT (2008) para cálculo das
medidas descritivas e obtenção dos gráficos. O BioEstat é um software gratuito e pode ser
obtido na internet.
A Tabela 3 apresenta o resumo estatístico de cada lata de leite usada neste trabalho e a
Figura 2 apresenta os respectivos gráficos box-plots ( Mínimo, Primeiro Quartil, Mediana,
Terceiro Quartil, Máximo).
Na Tabela 3, observa-se que o Leite 7 apresentou o menor coeficiente de variação
(2,65%) e o Leite 2 apresentou o maior (5,87%).
Na Figura 3, os box-plots ilustram a variabilidade do resultado do experimento para
cada lata de leite, além de mostrar a variabilidade entre as latas de leite.
Para representar a quantidade de cálcio de cada lata de leite em pó foi utilizada a
média aritmética.
Tabela 3: Medidas descritivas para nove amostras de leite em pó
Tamanho da amostra
Mínimo
Máximo
Amplitude Total
Mediana
Primeiro Quartil (25%)
Terceiro Quartil (75%)
Desvio Interquartílico
Média Aritmética
Variância
Desvio Padrão
Erro Padrão
Coeficiente de Variação
Assimetria
Curtose
Leite 1
10
9.43
10.79
1.36
9.85
9.75
9.94
0.19
9.93
0.16
0.40
0.13
4.08%
1.24
1.41
Leite 2
10
8.36
10.02
1.66
8.85
8.61
9.27
0.66
8.98
0.28
0.53
0.17
5.87%
0.81
0.11
Leite 3
10
9.38
10.54
1.16
9.90
9.66
10.08
0.42
9.89
0.12
0.35
0.11
3.53%
0.42
-0.15
Leite 4
10
9.41
10.29
0.88
9.77
9.60
9.84
0.24
9.77
0.08
0.28
0.09
2.88%
0.65
-0.04
Leite 5
10
8.99
10.29
1.30
9.38
9.27
9.55
0.28
9.45
0.12
0.35
0.11
3.68%
1.59
3.91
Leite 6
10
8.11
9.78
1.67
8.58
8.55
8.86
0.30
8.78
0.26
0.51
0.16
5.83%
1.10
0.66
Leite 7
10
8.46
9.28
0.82
8.83
8.69
8.86
0.18
8.79
0.05
0.23
0.07
2.65%
0.63
1.50
Leite 8
10
8.58
9.87
1.29
9.34
8.88
9.64
0.76
9.28
0.22
0.47
0.15
5.02%
-0.14
-1.58
Leite 9
10
8.56
10.15
1.59
9.59
9.50
9.76
0.27
9.55
0.18
0.43
0.13
4.45%
-1.29
3.02
FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008
341
Gráfico 1: Box-plot para nove amostras de leite em pó
De acordo com as informações contidas no rótulo da embalagem de leite em pó da
marca A, o produto possui o equivalente a 10,12 mg de cálcio/g. Para verificar se esta
afirmação é estatisticamente verdadeira, foi realizado um teste t de Student
Inicialmente, foi feito um teste de normalidade para noventa valores de cálcio/g de
leite em pó. Do histograma (Gráfico 2) e do Teste Kolmogorov Smirnov (Tabela 4) tem-se
que a quantidade de cálcio/g de leite em pó da marca A segue uma distribuição
aproximadamente normal.
18
16
14
Frequência
12
10
8
6
4
2
0
8.0
8.4
8.8
9.2
9.6
10.0
cálcio em mg/g de leite em pó
10.4
10.8
Gráfico 2: Histograma para as quantidades de cálcio da Tabela 1
342
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Tabela 4: Teste Kolmogorov Smirnov para as quantidades de cálcio da Tabela 1
Tamanho da amostra
90
Desvio máximo
0.0954
Valor crítico unilateral (0.05) 0.1286
Valor crítico unilateral (0.01) 0.1602
p(valor) unilateral
ns
Valor crítico bilateral (0.05) 0.1434
Valor crítico bilateral (0.01) 0.1718
p(valor) bilateral
ns
Seja a hipótese nula H0: µ = 10,12 mg de cálcio/g de leite em pó (afirmação do
fabricante) e a hipótese alternativa H1: µ < 10,12 mg de cálcio/g de leite em pó.
Da Tabela 3, para as 9 latas de leite em pó: X = 9,38 ( média das médias) e s = 0,45
(desvio padrão das médias) . Logo, a estatística do teste é -4,92 (p-valor=0.0006).
Portanto, rejeita-se a hipótese nula, ao nível de significância de 5%. Ou seja, a
quantidade de cálcio/g de leite em pó é menor do que 10,12 mg.
4. Conclusão
Neste trabalho, foram analisadas nove amostras de leite em pó da marca A para
verificar se a quantidade de cálcio (10,12 mg/g de leite em pó) declarada no rótulo da
embalagem é estatisticamente verdadeira.
Foi aplicado o teste t de Student e concluiu-se que a quantidade de cálcio é menor do
10,12 mg/g de leite em pó, ao nível de significância de 5%.
5. Referências Bibliográficas
ARANGO, H.G. Bioestatística: teórica e computacional. Rio de janeiro: Guanabara koogan,
2001.
BACAN, N.; ANDRADE, J. C.; GODINHO, O. E. S.; BARONE, J. S. Química Analítica
Quantitativa Elementar. 2ª edição. São Paulo: Editora Blücher Ltda, 2001.
SKOOG, D. A.; WEST, D. M.; HOLLER; F. J. Fundamentos de Química Analítica. Tomo
2. Traduzido por F. B. Martínez. 8ª edição. Barcelona: Editorial Reverte S.A., 1981.
BIOESTAT. Software
BioEstat versão 5 (homepage na internet). Disponível em
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MAGALHÃES, M. N.; LIMA, A. C. P. Noções de Probabilidade e Estatística. 6ªedição.
São Paulo: EDUSP, 2007.
MORETTIN, P. A.; BUSSAB, W. O. Estatística Básica. 5ªedição. São Paulo: Saraiva, 2002.
WIKIPEDIA. Enciclopédia multilíngüe online (homepage na internet). Disponível em <
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A1lcio#cite_note-DietaryFactSheet-4>. Acessado ema
30 de setembro de 2008.
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