FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 337 Análise estatística da quantidade de cálcio presente no leite em pó Thiago Faria Tormin 1, Nahiara Mariê Lacerda1, Maísa Azevedo Beluomini1, Henrique de Paula Rezende1, Aurélia Aparecida de Araújo Rodrigues2 Resumo O cálcio é um elemento abundante no corpo humano e concentra-se principalmente nos ossos e dentes. As necessidades de cálcio são geralmente supridas por laticínios, especialmente leite. O objetivo deste trabalho é utilizar a técnica de titulação para obter a quantidade de cálcio em nove amostras de leite em pó e verificar se a quantidade de cálcio declarada pelo fabricante é estatisticamente verdadeira. Palavras chave: cálcio, leite em pó, titulação, estatística descritiva e teste t de Student. 1. Introdução Para o desenvolvimento deste trabalho os alunos do curso de graduação em Química da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), matriculados na disciplina Estatística no primeiro semestre de 2008, obtiveram a concentração de cálcio em leite em pó através de experimentos químicos (titulação). O cálcio é essencial para a transmissão nervosa, coagulação do sangue, contração muscular, atua também na respiração celular, além de garantir uma boa formação e manutenção de ossos e dentes. Por sua presença na formação óssea o cálcio é um dos elementos mais abundantes no corpo humano. O cálcio é essencial para o funcionamento do organismo, quando existe deficiência de cálcio na corrente sanguínea (por má alimentação, questões hormonais ou outros motivos) o corpo tende a repor essa deficiência retirando cálcio dos ossos. A deficiência de cálcio pode levar a osteopenia e osteoporose, na qual os ossos se deterioram e há um aumento no risco de fraturas, especialmente nos ossos mais porosos. A deficiência de cálcio pode causar também: agitação, unhas quebradiças, propensão à cáries, depressão, hipertensão, insônia, irritabilidade, dormência no corpo e palpitações. O excesso de cálcio pode ocasionar as conhecidas "pedras" no rim, que são na verdade pequenos aglomerados de uma substância conhecida como oxalato de cálcio. Este tipo de formação é mais comum em decorrência da ingestão de cálcio de origem mineral (presente no solo e conseqüentemente na água de determinadas regiões) e também em alguns suplementos alimentares, já que este tipo de cálcio não é muito bem absorvido pelo organismo. Consumir cálcio em excesso também pode ocasionar a redução de outros minerais, como, por exemplo, magnésio. Além disso, o excesso de cálcio pode causar anorexia, dificuldade de memorização, depressão, irritabilidade e fraqueza muscular (WIKIPEDIA, 2008). Alguns alimentos são fontes de cálcio: laticínios (leite e derivados, como iogurte e queijo), hortaliças da espécie Brassica oleracea (brócolis, couve-flor, couve, repolho), verduras verde escuras (com exceção do espinafre, devido ao alto teor de ácido oxálico), algas marinhas, gergelim integral, amêndoas, feijões, etc. A ingestão diária recomendada de cálcio varia com a idade, veja Tabela1. 1 Aluno(a) de graduação – Instituto de Química/UFU – [email protected] – [email protected] [email protected] – [email protected] 2 Professora orientadora – Faculdade de Matemática/UFU – [email protected] 338 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 Tabela 1: Ingestão Diária Recomendada (IDR) de Cálcio Faixa etária Quantidade de cálcio 800 mg Lactente (1 – 3 anos) 800 mg Crianças (4 – 6 anos) 800 mg Crianças (7 – 10 anos) 800 mg Adultos 1200 mg Gestantes 1200 mg Lactantes Fonte: Ministério da Saúde 1998, (base: RDA 1989.) Neste trabalho, foram medidas as concentrações de cálcio em amostras de leite em pó de uma determinada da marca A, produto amplamente disponível no mercado. Por motivos éticos, a marca do leite em pó A não será identificada aqui. Foi utilizada a técnica de titulação para medir a quantidade de cálcio em amostras contendo 2 g de leite em pó. A titulação é um procedimento, empregado em experimentos químicos, para se determinar a quantidade de uma substância particular, mediante a adição de uma solução com concentração e natureza conhecidas. A titulação é bastante utilizada por apresentar as seguintes vantagens: reações simples com estequiometria conhecida e apresenta mudanças químicas ou físicas (pH, temperatura, condutividade), principalmente no ponto de equivalência. O fabricante de leite em pó da marca A declara, no rótulo da embalagem, que 26g de leite em pó (equivalente a duas colheres de sopa) possui 263mg de cálcio, o que equivale a 10,12 mg de cálcio/g. O objetivo deste trabalho é utilizar a técnica de titulação para obter a quantidade de cálcio em nove amostras de leite em pó e verificar se a quantidade de cálcio declarada pelo fabricante é estatisticamente verdadeira. 2. Metodologia 2.1. Reagentes, soluções e instrumentos Os reagentes químicos utilizados foram: água destilada, solução tampão ( NH3/NH4Cl) de pH 10, cianeto de potássio ( KCN), solução MG-EDTA, solução EDTA 0,02 mol.L-1, indicador Ério T, solução de FeSO4. Os instrumentos utilizados foram: bureta, suporte com garra, agitador magnético balança analítica, espátulas, béqueres, erlenmeyers, conta gotas. 2.2. Procedimento experimental Para a titulação do leite em pó utilizou-se como titulante a solução de Mg- EDTA a uma concentração de 2,00 mol/l ( fator de correção igual a 1). Para tanto: 1 - Pesou-se nove amostras de leite em pó (2,00 g) de cada lata e cada porção foi transferida quantitativamente para um erlenmeyer correspondente de 250,00 ml; 2 - Dissolveu-se cada uma das amostras em aproximadamente 50 ml de água destilada, enxaguando as laterais com o máximo cuidado para evitar que qualquer quantidade de leite em pó ficasse aderida nas paredes do erlenmeyer sem ser dissolvida; 3 - Adicionou-se 15ml de solução tampão pH 10 (NH3/NH4Cl); 4 - Adicionou-se alguns cristais de KCN para mascarar íons como Zn2++, Cu2+ e Fe3+,que interferem bloqueando o indicador. 5 - Adicionou-se vinte gotas de uma solução de MG-EDTA e também a ponta de uma espátula de Erio-T como indicador; FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 339 6 - Titulou-se até o aparecimento da cor azul, indicando o final da titulação. Anotou-se o volume gasto do titulante; 7 - Adicionou-se FeSO4 nas amostras antes de serem descartadas na pia, para evitar maiores contaminações. 8 – Procedeu-se os cálculos estequiométricos para obtenção da quantidade de cálcio. Figura 1: Equipamentos utilizados para a titulação 2.3.Coleta de dados Para simplificar o processo de amostragem, procurou-se ser aleatório sem, no entanto, realizar propriamente o sorteio ou algum dispositivo aleatório. Para tal, procedeu-se à escolha das 9 latas de leite em pó da marca A tomando-se a precaução de obter 9 latas de diferentes lotes, em diferentes estabelecimentos. Em uma titulação, as medidas podem apresentar erros de medição, por se tratar de um experimento que é influenciado por fatores externos não-controláveis, tais como, umidade e temperatura ambiente; e por fatores externos controláveis, tais como, manuseio inadequado de instrumentos e falta de atenção do analista. A partir de um único experimento não é possível obter informações sobre a variabilidade dos resultados, devido à influência dos fatores externos controláveis e não controláveis. Sendo assim, ao realizar um procedimento analítico completo, recomenda-se a execução de dois a dez ensaios (réplicas) do experimento (SKOOG et al, 1981). Neste trabalho, o experimento foi repetido dez vezes para cada lata de leite em pó. Para cada uma dos dez ensaios das nove amostras de leite em pó, foram feitos os cálculos estequiométricos para obtenção das quantidades de cálcio. Essas quantidades de cálcio, em miligramas (mg), obtidas para um grama de leite em pó, estão apresentadas na Tabela 2. 340 Tabela 2: Ensaios 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 Quantidade de cálcio, em mg/g de leite em pó Leite 1 Leite 2 Leite 3 Leite 4 Leite 5 Leite 6 9.82 8.36 9.93 9.82 8.99 8.60 9.43 9.52 9.65 9.45 9.56 9.78 9.78 9.32 10.25 9.41 9.29 8.81 10.79 8.57 10.54 9.65 9.59 8.11 9.74 8.42 9.54 10.16 10.29 9.55 9.56 9.12 9.38 9.58 9.26 8.56 9.96 10.02 9.68 9.76 9.45 8.56 9.87 8.73 10.12 10.29 9.52 8.43 10.45 8.95 9.96 9.78 9.31 8.55 9.89 8.74 9.87 9.84 9.22 8.87 Leite 7 9.28 8.86 8.68 8.46 8.49 8.86 8.91 8.85 8.80 8.70 Leite 8 9.43 8.94 9.24 9.65 8.78 8.58 9.59 9.84 9.87 8.86 Leite 9 9.55 9.62 9.23 8.56 9.62 9.48 10.15 9.56 9.81 9.87 Para representar a quantidade de cálcio de cada lata de leite em pó foi utilizada a média aritmética dos 10 ensaios. 3. Análise dos resultados Neste trabalho, foi utilizado o software estatístico BIOESTAT (2008) para cálculo das medidas descritivas e obtenção dos gráficos. O BioEstat é um software gratuito e pode ser obtido na internet. A Tabela 3 apresenta o resumo estatístico de cada lata de leite usada neste trabalho e a Figura 2 apresenta os respectivos gráficos box-plots ( Mínimo, Primeiro Quartil, Mediana, Terceiro Quartil, Máximo). Na Tabela 3, observa-se que o Leite 7 apresentou o menor coeficiente de variação (2,65%) e o Leite 2 apresentou o maior (5,87%). Na Figura 3, os box-plots ilustram a variabilidade do resultado do experimento para cada lata de leite, além de mostrar a variabilidade entre as latas de leite. Para representar a quantidade de cálcio de cada lata de leite em pó foi utilizada a média aritmética. Tabela 3: Medidas descritivas para nove amostras de leite em pó Tamanho da amostra Mínimo Máximo Amplitude Total Mediana Primeiro Quartil (25%) Terceiro Quartil (75%) Desvio Interquartílico Média Aritmética Variância Desvio Padrão Erro Padrão Coeficiente de Variação Assimetria Curtose Leite 1 10 9.43 10.79 1.36 9.85 9.75 9.94 0.19 9.93 0.16 0.40 0.13 4.08% 1.24 1.41 Leite 2 10 8.36 10.02 1.66 8.85 8.61 9.27 0.66 8.98 0.28 0.53 0.17 5.87% 0.81 0.11 Leite 3 10 9.38 10.54 1.16 9.90 9.66 10.08 0.42 9.89 0.12 0.35 0.11 3.53% 0.42 -0.15 Leite 4 10 9.41 10.29 0.88 9.77 9.60 9.84 0.24 9.77 0.08 0.28 0.09 2.88% 0.65 -0.04 Leite 5 10 8.99 10.29 1.30 9.38 9.27 9.55 0.28 9.45 0.12 0.35 0.11 3.68% 1.59 3.91 Leite 6 10 8.11 9.78 1.67 8.58 8.55 8.86 0.30 8.78 0.26 0.51 0.16 5.83% 1.10 0.66 Leite 7 10 8.46 9.28 0.82 8.83 8.69 8.86 0.18 8.79 0.05 0.23 0.07 2.65% 0.63 1.50 Leite 8 10 8.58 9.87 1.29 9.34 8.88 9.64 0.76 9.28 0.22 0.47 0.15 5.02% -0.14 -1.58 Leite 9 10 8.56 10.15 1.59 9.59 9.50 9.76 0.27 9.55 0.18 0.43 0.13 4.45% -1.29 3.02 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 341 Gráfico 1: Box-plot para nove amostras de leite em pó De acordo com as informações contidas no rótulo da embalagem de leite em pó da marca A, o produto possui o equivalente a 10,12 mg de cálcio/g. Para verificar se esta afirmação é estatisticamente verdadeira, foi realizado um teste t de Student Inicialmente, foi feito um teste de normalidade para noventa valores de cálcio/g de leite em pó. Do histograma (Gráfico 2) e do Teste Kolmogorov Smirnov (Tabela 4) tem-se que a quantidade de cálcio/g de leite em pó da marca A segue uma distribuição aproximadamente normal. 18 16 14 Frequência 12 10 8 6 4 2 0 8.0 8.4 8.8 9.2 9.6 10.0 cálcio em mg/g de leite em pó 10.4 10.8 Gráfico 2: Histograma para as quantidades de cálcio da Tabela 1 342 FAMAT em Revista - Número 11 - Outubro de 2008 Tabela 4: Teste Kolmogorov Smirnov para as quantidades de cálcio da Tabela 1 Tamanho da amostra 90 Desvio máximo 0.0954 Valor crítico unilateral (0.05) 0.1286 Valor crítico unilateral (0.01) 0.1602 p(valor) unilateral ns Valor crítico bilateral (0.05) 0.1434 Valor crítico bilateral (0.01) 0.1718 p(valor) bilateral ns Seja a hipótese nula H0: µ = 10,12 mg de cálcio/g de leite em pó (afirmação do fabricante) e a hipótese alternativa H1: µ < 10,12 mg de cálcio/g de leite em pó. Da Tabela 3, para as 9 latas de leite em pó: X = 9,38 ( média das médias) e s = 0,45 (desvio padrão das médias) . Logo, a estatística do teste é -4,92 (p-valor=0.0006). Portanto, rejeita-se a hipótese nula, ao nível de significância de 5%. Ou seja, a quantidade de cálcio/g de leite em pó é menor do que 10,12 mg. 4. Conclusão Neste trabalho, foram analisadas nove amostras de leite em pó da marca A para verificar se a quantidade de cálcio (10,12 mg/g de leite em pó) declarada no rótulo da embalagem é estatisticamente verdadeira. Foi aplicado o teste t de Student e concluiu-se que a quantidade de cálcio é menor do 10,12 mg/g de leite em pó, ao nível de significância de 5%. 5. Referências Bibliográficas ARANGO, H.G. Bioestatística: teórica e computacional. Rio de janeiro: Guanabara koogan, 2001. BACAN, N.; ANDRADE, J. C.; GODINHO, O. E. S.; BARONE, J. S. Química Analítica Quantitativa Elementar. 2ª edição. São Paulo: Editora Blücher Ltda, 2001. SKOOG, D. A.; WEST, D. M.; HOLLER; F. J. Fundamentos de Química Analítica. Tomo 2. Traduzido por F. B. Martínez. 8ª edição. 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