O uso compartilhado da água – a necessidade de integração operacional1 Afrânio Benjoíno Gavião*, Andréa Campos Reis**, Bruno Jardim da Silva*** Resumo Abstract Considerando o princípio do uso múltiplo das águas, entre eles a geração de energia elétrica e as competências da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, e da Agência Nacional de Águas – ANA, este trabalho pretende colocar em destaque a evolução pretendida para os sistemas regulatórios, que atuam sobre os recursos hídricos e a energia elétrica, demandam, com relativa urgência, de uma integração operacional capaz de promover o uso eficiente das disponibilidades hídricas, considerando conjuntamente os enfoques econômicos, sociais, culturais e ambientais, trazendo como exemplo ilustrador a bacia do Rio Grande, afluente do Rio São Francisco, no estado da Bahia. The analysis presented here is based on the principle of multi-use of water, and the roles of ANEEL, Electrical Energy National Agency, and ANA, Water National Agency, in the regulation of electrical energy production and water use, respectively. Our objective is to show that an urgent operational integration of these regulatory systems is necessary to promote an efficient use of water resources. Economical, social, cultural and environmental aspects were considered. As an example, it is shown a case study of the basin of Rio Grande, an affluent of Rio São Francisco, in the State of Bahia. Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, geração de energia, gestão integrada, recursos hídricos, agências reguladoras. ASPECTOS INSTITUCIONAIS Os recursos hídricos brasileiros são reconhecidamente abundantes. De fato, nosso país detém a confortável posição de possuir 16% da água doce do planeta (BRAGA, 2002). Com tamanha potencialidade hídrica, já em 1934 – inclusive para fazer frente ao ciclo de industrialização iniciado no começo do século XX – o governo editou o Decreto nº 24.643, criando o Código de Águas. 1 Artigo apresentado parcialmente no 3º Congresso Brasileiro das Agências Reguladoras – ABAR e versão publicada nos Anais em CD-Rom. * Engenheiro eletricista pela UFBA, mestrando em Regulação na Indústria de Energia pela UNIFACS, diretor de Controle de Gestão e Meio Ambiente da Itapebi Geração de Energia S/A. [email protected] ** Bel. Direito pela UFBA, mestranda em Regulação da Indústria da Energia – UNIFACS. [email protected] *** Engenheiro civil pela UFBa, mestrando em Regulação da Indústria da Energia, pela UNIFACS, professor de Hidrologia dos cursos de Engenharia da UFBA, UCSAL e UNIFACS e consultor em Engenharia de Recursos Hídricos. [email protected] BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 403-409, 2003 Key words: sustainable development, energy production, integrated management, water resources, regulatory agencies. Com esse código, o Brasil, passou a dispor de uma legislação adequada, que permitia ao poder público controlar e incentivar o aproveitamento das águas, sob a ótica das necessidades e interesses da coletividade nacional, do uso industrial desse recurso ou, ainda, e em particular, da garantia do aproveitamento racional da energia hidráulica. Naquela oportunidade, as demandas do setor elétrico não encontravam concorrentes entre os demais usuários da água, e o mais expressivo era o abastecimento das populações. Desde então, o setor de energia elétrica passou a ser privilegiado pela administração pública federal como usuário prioritário dos recursos hídricos, sem que houvesse demonstração de qualquer preocupação com os outros segmentos usuários da água. O Código de Águas estabelecia o que seriam as águas públicas de domínio federal ou estadual e a necessidade de outorga para uso da água, feita 403 O USO COMPARTILHADO DA ÁGUA – A NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO OPERACIONAL mediante os instrumentos da concessão ou autori- gradação da qualidade das águas, promoveu a dezação e permissão, com limite de prazo de trinta sarticulação entre a gestão da quantidade e da anos. qualidade. Com a evolução organizativa do poder público O DNAEE era não só o órgão responsável pelo federal, as atribuições de regulamentação e fiscali- setor de energia elétrica como, também, pela geszação do uso das águas federais passaram do então tão dos recursos hídricos federais quanto aos seus Ministério da Agricultura para o de Minas e Energia, aspectos quantitativos, cabendo ao Ministério de primeiro a cargo do Departamento Nacional da Pro- Meio Ambiente a responsabilidade pelos aspectos dução Mineral – DNPM e, posteriormente, para o qualitativos do uso da água. DNAEE – Departamento Nacional Já nos Estados da Federação, de Águas e Energia Elétrica, óra solução institucional adotada No Nordeste brasileiro, gão criado em 1965. para a gestão das águas sob seu onde as disponibilidades O DNAEE concentrou, então, hídricas são limitadas e as domínio foi, basicamente, espelhao poder de outorga para o uso da da no modelo federal, e a gestão demandas de água para água com fins de geração de enerda quantidade e da qualidade se irrigação são gia, independente do seu domínio manteve também desassociada. significativas, áreas de ser da União ou de qualquer UniEssa situação, com setores distensão por conflito dade Federativa. Como os outros tintos e independentes, inteiramende interesse começaram usuários da água não se enconte desprovidos de quaisquer intea surgir travam ainda em um estágio de derações e decidindo sobre o uso da senvolvimento que demandasse exigência hídrica, água, impunha ao país a pronta necessidade de reo setor elétrico acabou usufruindo de uma priorida- formular sua política de recursos hídricos. de, até certo ponto absoluta, na utilização dos reO primeiro passo dessa reformulação veio com cursos hídricos, por ser o seu maior usuário. a criação da ANEEL, em 1996 (Lei 9.427, de 26/12/ O cenário estabelecido a partir da implantação 96) – e conseqüente extinção do DNAEE –, e em do Código de Águas e do desenvolvimento da ge- 1997 com a edição da Política Nacional de Recurração hidrelétrica começou a mudar de feição com sos Hídricos (Lei 9.433, de 08/01/97, intitulada Lei a criação de incentivos para a implantação de áre- das Águas), permitindo ao país dar um grande pasas irrigadas, a partir do Programa Nacional de Irri- so na gestão de suas águas. gação. A ANEEL, diferentemente do DNAEE, passou a No Nordeste brasileiro, onde as disponibilida- ser responsável, exclusivamente, pelas determinades hídricas são limitadas e as demandas de água ções do setor elétrico brasileiro, disciplinando o repara irrigação são significativas, áreas de tensão por gime das concessões desses serviços públicos e conflito de interesse começaram a surgir. abstendo-se de decidir sobre aspectos do uso das Por outro lado, no Sul e no Sudeste, o desenvol- águas. vimento industrial e o crescimento do consumo huEstabelece a legislação que a ANEEL deve remano, realizados conjuntamente às margens de di- gular e fiscalizar a produção de energia elétrica, versos mananciais de importância regional, come- promovendo a articulação com os poderes estaduçaram a apontar a demanda de uma gestão das ais para o aproveitamento energético dos cursos águas que envolvesse, de forma mais articulada, d’água, em consonância com a política nacional de aspectos quantitativos e qualitativos. recursos hídricos, definida pela Lei 9.433/97. Simultaneamente começaram a aparecer, na Por sua vez, essa lei estabelece, como fundamenestrutura das entidades públicas, os órgãos de ges- tos para a política nacional de recursos hídricos, ser a tão ambiental para fazer frente aos problemas de água um bem de domínio público, de natureza limitapoluição e de degradação da natureza. da, dotada de valor econômico e que a prioridade de Em um primeiro momento, a solução encontra- seu uso, na presença de escassez, é para o consuda, para enfrentar os problemas associados à de- mo humano e para a dessedentação dos animais. 404 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 403-409, 2003 AFRÂNIO BENJOÍNO GAVIÃO, ANDRÉA CAMPOS REIS, BRUNO JARDIM DA SILVA Esses requisitos foram a base para o surgimento da Agência Nacional de Águas – ANA, criada pela Lei 9.984, de 17/07/2000. A ANA é uma autarquia instituída sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério de Meio Ambiente. Além de responsável pela execução da política nacional de recursos hídricos, a ANA deve implantar a chamada Lei das Águas, de 1997, que disciplina o uso dos recursos hídricos no Brasil, modelo ambicioso de gestão do uso dos rios em que as decisões serão tomadas pelos comitês de bacias. Esses comitês serão integrados pelas entidades públicas envolvidas com o uso e a preservação das águas, representantes dos diversos segmentos usuários e outros representantes da sociedade civil organizada. A referida lei dispõe que cabe à ANA outorgar, via autorização, o direito de uso dos recursos hídricos em corpos d’água de domínio da União – águas superficiais que, devido à sua localização, banhem mais de um estado ou país, assim como aqueles represados por obras da União. Também é de competência dessa agência implementar, em entendimento com os comitês de bacias hidrográficas, a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União. A legislação também remete à ANA a responsabilidade para definir – em articulação com o ONS – Operador Nacional do Sistema, órgão responsável pela operação do sistema elétrico brasileiro – e fiscalizar as condições de operação dos reservatórios, por agentes públicos e privados, visando a assegurar o uso múltiplo dos recursos hídricos. Por fim, determina a lei que o setor de energia elétrica, no que se refere ao uso da água, deve requerer junto à ANA, ou ao órgão estadual competente, a prévia obtenção de declaração de reserva de disponibilidade desse recurso natural. Isso evidencia a subordinação da ANEEL, quanto à utilização da água, ao setor de recursos hídricos, o que representa uma grande mudança no modelo de gestão adotado pelo Brasil. USO MÚLTIPLO DA ÁGUA O princípio do uso múltiplo da água é aquele que assegura o direito de utilizar os recursos hídriBAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 403-409, 2003 cos em todos os fins para os quais são necessários, em igualdade de condição. A forma de utilização dos recursos hídricos é classificada como consuntiva e não consuntiva. É consuntiva quando a água é captada do seu curso natural e apenas parte dela retorna (SETTI, 2001). A utilização não consuntiva ocorre quando não existe perda de água após o uso do recurso hídrico. Dentre a utilização consuntiva encontram-se o abastecimento humano, a irrigação e a dessedentação dos animais. Na utilização não consuntiva, encontram-se a geração de energia elétrica, a navegação fluvial, a pesca, a diluição, a assimilação e o transporte de esgoto e resíduos, a recreação e a harmonia paisagística. Apesar de serem consideradas não consuntivas, muitos dos usos assim classificados são formas de utilização que afetam ou são afetadas por outros usos consuntivos ou não. A geração de energia elétrica altera o regime das águas: existem perdas por evaporação nos reservatórios formados pelas grandes e médias usinas geradoras e é necessária uma vazão mínima fixa que interfere em outro uso consuntivo. A navegação fluvial também necessita de um nível de água mínimo que influencia outros usos consuntivos. A diluição, assimilação e transporte de esgoto e resíduos altera a qualidade de água, podendo prejudicar usos como o abastecimento e a pesca, entre outros. A necessidade de utilização da água varia conforme a região. Se na área rural o abastecimento humano pode ser de pouca monta, em virtude da baixa concentração populacional, por outro lado, a irrigação, nessa mesma região, pode ser um uso consuntivo de grande porte. A outorga Estabelece a Constituição Federal que cabe à União instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos e definir os critérios de outorga de direito de uso da água. Outorga do direito de uso da água é o ato administrativo por meio do qual o poder público faculta ao outorgado o direito de utilizar esse recurso. Na 405 O USO COMPARTILHADO DA ÁGUA – A NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO OPERACIONAL outorga são determinados: o manancial e a quanti- proposta para os sistemas regulatórios, que atuam dade de água que pode ser usada pelo outorgado, sobre os recursos hídricos e a energia elétrica, deo fim a que se destina e o período de tempo duran- manda, com relativa urgência, de uma integração te o qual o recurso será utilizado. A outorga asse- operacional capaz de promover o uso eficiente das gura ao outorgado, salvo em ocasiões atípicas, a disponibilidades hídricas, considerando conjuntadisponibilidade do recurso, bem como o uso ade- mente enfoques econômicos, sociais, culturais e quado do mesmo. ambientais. Determina a Política Nacional de Recursos HídriPor terem passado, tanto o setor elétrico como cos, estabelecida em lei, que a gestão deve propor- o de recursos hídricos, por reformas institucionais cionar o uso múltiplo das águas e recentes que, de fato, ainda não se que sua utilização seja racional e completaram, é um desafio superar Cenários atuais integrada, visando sempre o deos atuais obstáculos que se apredemandam a estratégica senvolvimento sustentável. Podesentam. necessidade de uma se afirmar, portanto, que a outorga eficiente articulação entre Cenários atuais demandam a deve considerar o uso mais ade- as instituições definidoras estratégica necessidade de uma quado da água em função da neeficiente articulação entre as instide política e os agentes cessidade da região, da disponibireguladores de ambos os tuições definidoras de política e os lidade e qualidade do recurso dis- setores, para que se possa agentes reguladores de ambos os ponível. setores, para que se possa criar criar condições de Em razão dos diversos usos, condições de desenvolvimento susdesenvolvimento consuntivos ou não, da forma como tentável, economicamente eficiensustentável, interferem uns nos outros e das ca- economicamente eficiente, te, socialmente justo e ambientalracterísticas regionais diferenciamente equilibrado. socialmente justo e das – regime dos corpos d’água e A geração de energia elétrica ambientalmente disponibilidades –, é fundamental no Brasil é, basicamente, oriunda equilibrado um gerenciamento criterioso e inde aproveitamento de potencial hitegrado nacionalmente, como estabelecido em lei, dráulico e, portanto, utilizador de recursos hídricos. para a utilização mais adequada dos recursos. Algumas áreas do território nacional ainda possuem Para tanto, a Política Nacional de Recursos Hí- grande potencial a ser explorado – outras, como o dricos, além da emissão de outorgas do direito de caso da bacia do Rio São Francisco, o potencial reuso, dispõe de instrumentos de gestão de enqua- manescente está associado à exploração de pequedramento dos corpos d’água em classes, cobrança nas e médias usinas geradoras, uma alternativa pelo uso da água, elaboração de Planos Diretores que pode vir a interessar investimentos privados. de Recursos Hídricos e sistema de informações e A expansão de novas fronteiras agrícolas, em de compensação financeira aos Municípios, no caso regiões altamente demandantes de irrigação, o cresde obras de regularização. cimento industrial, a preservação de potenciais tuA garantia do uso múltiplo da água por meio do rísticos explorando a beleza natural encontrada em Sistema Nacional de Recursos Hídricos e dos ins- diversas bacias hidrográficas, muitas delas explotrumentos de gestão representa uma evolução na rando quedas d’água, apresentam-se como conutilização desses recursos, assegurando o desen- correntes com o setor de geração a partir de fonte volvimento nacional integrado ao desenvolvimento hídrica. sustentável nas diversas regiões do país. BACIA DO RIO GRANDE, NA BAHIA – INTEGRAÇÃO OPERACIONAL UM CASO PARA REFLEXÃO Posto esses antecedentes, o que este trabalho pretende é colocar em destaque que a evolução 406 Para servir de ponto de referência para a discussão proposta será tomada a bacia do Rio GranBAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 403-409, 2003 AFRÂNIO BENJOÍNO GAVIÃO, ANDRÉA CAMPOS REIS, BRUNO JARDIM DA SILVA de, afluente do Rio São Francisco, pela margem esquerda, no estado da Bahia, que banha diversos municípios do oeste baiano. Todavia a discussão proposta aborda problemas que são vivenciados na parte alta do Rio Grande, à montante da cidade de Barreiras e atinge mais diretamente os municípios de São Desidério, Luis Eduardo Magalhães, Barreiras, Catolândia, Baianópolis, Cristópolis, Riachão das Neves e Tabocas do Brejo Velho. Um primeiro esforço para ordenar o uso dos recursos hídricos regional foi realizado em 1993, com o Plano Diretor da Bacia do Rio Grande (PDRH Rio Grande), abrangendo parte da bacia até o ponto de confluência dos rios Grande e Branco, um de seus principais afluentes à margem esquerda. Esse estudo foi efetuado pela então Coordenação de Recursos Hídricos (CRH) da Secretaria do Estado da Bahia, hoje Superintendência de Recursos Hídricos (SRH), ligada à mesma pasta, porém integrada com Meio Ambiente. Deste PDRH, alguns indicadores podem ser destacados com o objetivo de se trazer para a discussão a necessidade de permanente atenção com a gestão dos recursos hídricos. A vazão média estimada, a partir dos dados fluviométricos disponíveis, para a bacia do Rio Grande até seu entroncamento com o Rio Branco era de 206,0 m3/s. Segundo o critério adotado naquela época, a vazão de referência para liberação entre os diversos usos potenciais seria de 147,5 m3/s, correspondendo à vazão com 95 % de permanência. Os consumos totais, de acordo com os usos potenciais, foram estimados segundo os valores apresentados na tabela 1. dia para o valor de 193,4 m3/s. Estudos realizados em 2001, para a implementação de usina hidrelétrica em Santa Luzia, no Rio Grande, fazem referência a um total de vazão licenciado que corresponde à vazão média diária de 11,6 m3/s. Vale salientar que a área da bacia de contribuição de Santa Luzia corresponde apenas a 5.027,3 km2, cerca de 15% da área de estudo do PDRH. Comparando as estimativas de vazão para atendimento de áreas irrigadas previstas pelo Plano Diretor e a vazão licenciada apenas para a montante de Santa Luzia, este último valor corresponde a 62 % do previsto. Esses indicadores fazem crer que as estimativas do PDRH dificilmente não estão superadas. Por sua vez, não se tem notícia de implantação de hidrelétricas na bacia, ao longo desse período subseqüente ao PDRH. Sabe-se que o prolongado processo de estruturação do setor elétrico, caracterizado por incertezas regulatórias, tem sido pouco atraente para a aplicação de recursos da iniciativa privada. Dentro desse quadro, a falta de investimentos na geração não corresponde às demandas do mercado e, uma vez sanado o conjunto de problemas conjunturais, é de se esperar uma retomada na construção de usinas. Outro fato de natureza ambiental que deve ser considerado é que as mudanças de uso do solo, implementadas nos últimos vinte anos, e o crescimento dos usos consuntivos têm sido expressivos, promovendo alterações quantitativas significativas no regime, conforme pode ser observado no gráfico 1, onde o declínio das vazões médias anuais, ano após ano, é destacado. Pode ser observado Tabela 1 Consumo total estimado, por tipo de uso Tipo de uso Irrigação Vaz ão demandada (m3/s) 18,745 Geração de energia 52,5 Navegação 65,0 Abastecimento humano 0,173 Abastecimento animal 0,061 Abastecimento industrial 0,235 Passados cerca de dez anos de publicado o referido Plano Diretor, os dados atualizados, para a mesma bacia, apontam uma queda na vazão méBAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 403-409, 2003 407 O USO COMPARTILHADO DA ÁGUA – A NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO OPERACIONAL que as vazões médias anuais variavam na faixa de 100 m3/s a 160 m3/s até o fim da década de 70. Nas décadas de 80 e 90, as médias anuais se limitaram a valores na faixa de 70 m3/s a 120 m3/s. É de se esperar que o cenário atual, no que se refere ao uso dos recursos hídricos superficiais da bacia, esteja bastante distinto daquele previsto no PDRH. Não se tem notícias de eventuais atualizações do referido plano, como prega o texto constitucional do estado da Bahia. Por se desenvolver totalmente em território baiano, o Rio Grande é de domínio estadual, inserido, por sua vez, na bacia do Rio São Francisco, de domínio federal. Portanto, as liberações de concessões de uso para fins de irrigação e de geração de energia encontram-se em esferas distintas de poder. A diminuição das vazões disponíveis para a geração de energia afeta a atratividade de investimentos no setor e cria pressões para que a matriz energética se expanda na direção de outras fontes. O aumento dos percentuais de energia gerada a partir de outras fontes significa elevar o preço do kWh no mercado. Compete à ANEEL garantir, junto ao sistema gestor dos recursos hídricos, a disponibilidade de reservas para o setor elétrico, visando a, entre outras coisas, cumprir uma de suas funções básicas, que é a de promover meios para minimizar os custos da energia. É evidente que sob o enfoque dos recursos hídricos, a questão da repartição das disponibilidades deve levar em conta a maximização dos benefícios sociais a partir dos diversos usos da água. Na bacia trazida para reflexão, a atividade agrícola, produzindo soja, café e fruticultura, entre outras, tem crescido em grande ritmo. O sucesso de boa parte desse desenvolvimento agrícola tem forte dependência da irrigação e os níveis de produção são atraentes para a implantação de agroindústrias. Também a navegação fluvial se apresenta como alternativa que não pode ser deixada de lado como parte da solução multimodal de transportes, planejada para ao escoamento da produção dessa mesma área do estado da Bahia, problema que também está vinculado a uma política de racionalidade do uso da energia para esta finalidade, uma vez que o 408 escoamento da produção por via rodoviária consome grande quantidade de energia. Essas atividades competem com a geração, pois os locais favoráveis à implantação de usinas estão situados à jusante das áreas onde as outras atividades são desenvolvidas e à montante dos trechos navegáveis do rio. Outros fatores que deverão ser levados em consideração é que os investimentos na produção agrícola já são vultosos, que a capacidade de atuação política dos empresários é elevada e seu nível de organização é expressivo. Em cenários como esses, os conflitos de interesse são demandantes de clara política de exploração e conservação das águas e uma ação eficiente por parte dos agentes reguladores de cada setor. Nesta bacia, as demandas de água já se aproximam do nível de oferta segura e fundamentos microeconômicos podem vir respaldar uma política energética que incentive uma maior responsabilidade de outras fontes energéticas regionais. Essa é uma decisão que somente deverá ser tomada com evidências bem claras de que, no conjunto de interesses da sociedade, o caminho mais eficiente passa por essa correção de rumo. CONCLUSÕES: AS QUESTÕES QUE SE APRESENTAM Os contornos ambientais que se apresentarão com a implantação de fontes térmicas ou outras fontes alternativas de energia são fundamentais na adoção da política de infraestrutura para o desenvolvimento regional. Entretanto, a aferição das externalidades ambientais ainda é matéria em aperfeiçoamento, todavia determinante na busca da eficiência econômica. Algumas questões se apresentam para a região em apreço: • Em que ponto deve se limitar o uso das águas para a irrigação? • Deve-se estabelecer uma reserva de vazão para aproveitamentos energéticos? Em caso afirmativo, por quanto tempo e como se determinar esse valor? • Sobre que fundamentos a cobrança pelo uso da BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 403-409, 2003 AFRÂNIO BENJOÍNO GAVIÃO, ANDRÉA CAMPOS REIS, BRUNO JARDIM DA SILVA • água pode vir a representar um eficiente instrumento de gestão das águas? Sobre que fundamentos a cobrança pelo uso da água permite o funcionamento economicamente eficiente do potencial mercado das águas da bacia? A busca das respostas a essas perguntas não pode mais esperar, sob o risco de se perder a oportunidade adequada de se aproximar do ótimo, levando em conta todos os contornos que devem ser considerados. O momento atual vivido pelo setor elétrico possui grande tendência de desviar a atenção dos seus técnicos para a montagem do modelo institucional que deve operar. Por sua vez, os técnicos do setor de recursos hídricos estão envolvidos com a montagem dos comitês e agências de bacias, figuras com papéis definidos no sistema gerencial proposto e que têm interferência nas respostas das questões destacadas. Deve-se lembrar que no caso dos recursos hídricos, a engrenagem do sistema gerencial envolvendo Estados e a União também se encontra em processo de implantação e deverá requerer certo tempo para apresentar sinais de eficiência operacional. O processo gerencial participativo é, na opinião dos autores, altamente desejável, mas há de se ter clareza suficiente para se prever que, para que isso ocorra, é necessário que haja vontade política por parte do governo, que deverá levar ainda em consideração que a eficiente institucionalização e funcionamento da gestão integrada demanda tempo, ainda que não possa mais ser adiada, sobretudo para que as respostas das questões destacadas acima possam ainda encontrar viabilidade de implantação em cenários favoráveis. Há de se ter extrema habilidade para que a inclusão da sociedade civil nos processos decisórios possa se dar de forma efetiva e em tempo hábil. Para tanto, há necessidade de que estudos técnicos possam ser realizados levando em conta esta nova perspectiva de trabalho, divulgando seus resultados, mas, antes de tudo, envolvendo os diversos interessados na busca de soluções e nas suas implementações. BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 403-409, 2003 A participação de entidades de pesquisa é uma opção estratégica para a montagem do modelo uma vez que este exige o desenvolvimento de novas tecnologias, adaptadas ao cenário institucional e funcional vivenciado neste momento. A urgência das respostas requer que vários pequenos produtos possam ser obtidos de forma efetiva e que a aplicação dos modelos propostos seja monitorada de forma permanente e eficiente, permitindo as correções de rumo que se mostrarem oportunas. Desta forma, é imprescindível que as autoridades e técnicos dos setores envolvidos possam promover os meios que viabilizem encontrar as respostas das questões formuladas em tempo hábil e de acordo com processos que respeitem os mecanismos institucionais estabelecidos, levando em conta todos os contornos que envolvem a problemática apontada. REFERÊNCIAS BRAGA, B. Redefinindo prioridades no uso da água. Gazeta Mercantil, São Paulo, 05 fev. 2002. BRASIL. Constituição. Atualizada até a emenda constitucional nº 31, de 14/12/2000. 27. ed. atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2001. BRASIL. Decreto 24.643, de 10/07/1934. BRASIL. Lei 9.427, de 26 de dez. 1996. Disponível em: <http:// www.aneel.gov.br>. BRASIL. Lei 9.433, de 08 de jan. 1997. In: SETTI, A. A. et al. Introdução ao Gerenciamento dos Recursos Hídricos. 3. ed. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica; Agência Nacional de Águas, 2001. BRASIL. Lei 9.984, de 17de jul. 2000. In: SETTI, A. A. et al. Introdução ao Gerenciamento dos Recursos Hídricos. 3. ed. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica; Agência Nacional de Águas, 2001. FERNANDEZ, J. C.; GARRIDO, R. J. Economia dos recursos hídricos. Salvador: Edufba, 2002. SETTI, A. A. et al. Introdução ao gerenciamento dos recursos hídricos. 3. ed. Brasília: Agência Nacional de Energia Elétrica; Agência Nacional de Águas, 2001. 409