A RELAÇÃO NA PERSPECTIVA
EXISTENCIAL DE LUIGI DE
MARCHI
“O indomável otimismo da
célula
e
a
insuportável
necessidade humana de verdade
são as duas realidades inegáveis,
os dois pilares sobre os quais se
apoia a aventura cósmica do
macaco humano.”
De Marchi in
Scimmietta Ti Amo,
psicologia, cultura, esistenza: da
Neabderthal agli scenari atomici
(Longanesi & C.)
Milano 1984
A teoria da personalidade delineada
por De Marchi
É estreitamente ligada à teoria existencial da
cultura, da neurose e da conflitualidade
humana que emerge de suas obras.
A teoria existencial da personalidade se
diferencia:
 das teorias
ambientalistas, que
vêem na personalidade
o produto dos
condicionamentos
familiares e sociais
 das teorias inatistas,
que vêem na
personalidade o
produto de fatores
biológicos e
hereditários
Na visão existencial de Luigi De Marchi a
personalidade se forma:
 Fatores genéticos e ambientais
 Dinâmicas intra-psíquicas inerentes ao
choque existencial
 Dimensões conscientes e inconscientes,
pessoais e participativas.
A hipótese de Otto Rank e De Marchi é que
o ser humano seja uma criatura
intrinsecamente angustiada.
Para Rank, a fonte
principal desta
angústia seria o
trauma do
nascimento
Para De Marchi
seria o choque
existencial, isto é, a
morte
Esta angústia se manifesta na maior parte
das crianças por volta dos três anos de idade
e constitui “o específico humano”
do medo da morte.
Este específico consciente e afetivo,
diferentemente do trauma do nascimento,
explica a escala e a complexidade
infinitamente maiores da angústia de morte
nos seres humanos.
Ao choque existencial, o indivíduo pode
reagir de acordo com duas modalidades
fundamentais:
 uma culpabilizante
 outra agressiva
Tanto a primeira quanto a segunda
modalidade podem sofrer uma evolução
patológica de tipo depressivo ou paranóico.
Mas também existem duas preciosas
“endorfinas psíquicas” que possuem um
efeito anestésico e terapêutico:
a criatividade
 a afetividade
A criatividade
 Pode dar significado e esperança a uma condição
existencial completamente absurda, através do
envolvimento em atividades criativas que transcendam
a finitude da existência.
 De Marchi se identifica plenamente com a famosa
definição de Otto Rank “O neurótico é um artista que
não deu certo” e também vê uma finalidade essencial
da psicoterapia exatamente na liberação das
potencialidades criativas que não eram expressas pelo
paciente.
A afetividade
 Esta dimensão da psique humana tão
fortemente dilatada em comparação com o
mundo animal pode ser explicada, segundo
De Marchi, não apenas como conseqüência
do prolongado período neotêmico dos bebês
humanos, mas também, e talvez sobretudo,
como "resposta específica" dos seres
humanos à sua gigantesca angústia de
morte.

É nesse quadro que se coloca a particular
qualidade humanista do existencialismo de De
Marchi, se comparada com outras teorias
psicológicas
existenciais
de
derivação
heideggeriana:
A afetividade nas suas mais variadas formas
constitui, junto com a criatividade, a outra
resposta humana basilar à angústia primária e à
condição dispersiva e absurda da existência.
“Sinteticamente – declarou De Marchi
– pode-se dizer que a personalidade se
define e se articula ao longo de duas
vertentes fundamentais, que são
interligadas entre si, mas ao mesmo
tempo bem distintas, ao menos na
maior parte dos casos: a vertente
patológico-destrutiva e a vertente
afetivo-criativa”.

Depois de remeter os aspectos patológicos
(destrutivos e auto-destrutivos) da resposta humana à
angústia primária, à sua teoria da neurose e da psicose
exposta nos escritos da última década, De Marchi
afirma:
 “Gostaria de acenar aqui, antes, à modalidade afetivo-
criativa da reação à angústia existencial, que
caracterizam as personalidades mais ricas em
humanidade e vitalidade”.
 “É com a descoberta da alegria de doar e de doar-se
(uma descoberta que se inicia com os grandes
impulsos amorosos e criativos da adolescência e
que marca o nascimento da pessoa adulta) que o
ser humano começa a explorar a alegria de
transcender o seu Eu através da experiência afetiva
e criativa.
 Nos seres humanos amar e criar são as duas
experiências fundamentais de transcendência do
Eu.
 Este processo de maturação interior através
da afetividade e da criatividade pode:
 continuar ininterruptamente até a morte
 ser bloqueado desde o começo
 declinar nesta ou naquela fase da existência.
 No primeiro caso, a pessoa desenvolve uma personalidade
bem equilibrada e auto-realizada.
 No segundo, se desenvolve uma personalidade psicótica
que, não por acaso é caracterizada sempre por uma
verdadeira forma de “egoísmo cósmico” ou então neurótico,
bloqueado na sua expressão afetiva e criativa.
 No terceiro caso, sobrevêm no indivíduo crises existenciais
mais ou menos graves e mais ou menos superáveis, ou com
o ritmo de novas experiências criativas e afetivas ou com
um oportuno suporte psicoterapêutico que tal retorno
prepara e promove.
No campo clínico
A teoria de Luigi De marchi se desenvolve em um
modelo de intervenção psicoterapêutica, caracterizado
pela integração de três dimensões:
 1) A dimensão empática
 2) A dimensão corpórea
 3) A dimensão existencial
Dimensão empática
Reconhecida por C. Rogers como o modo pelo
qual o terapeuta soube “descer do próprio
pedestal” e abandonar os estereótipos de certas
posturas profissionais rígidas, presunçosas e
taumatúrgicas, procurando no contato com o
paciente o pré-requisito essencial de um
relacionamento terapêutico eficaz.
Dimensão corpórea
Permitiu através da terapia Reichiana e da
bioenergética de detectar e relaxar as
tensões musculares, viscerais e respiratórias
nas quais se exprimem, se enraízam e se
perpetuam tantas tensões psicológicas.
Dimensão existencial
 Permitiu
reconhecer as raízes intrapsíquicas e
existenciais do sofrimento psíquico humano,
superando os fáceis reducionismos com os quais tantas
correntes psicoterapêuticas pretenderam identificar
seja em uma sociedade doentia, seja em uma suposta
destrutividade inata do homem as fontes de tal
sofrimento.
 Uma dimensão reconhecida pela psicanálise e pela
fenomenologia existencial européia (especialmente
Biswanger, Boss, Jaspers, Minkowski).
Mesmo reconhecendo estas três dimensões,
De Marchi tenta ir além, seja acrescentando
uma ulterior visão existencial, seja
projetando também “o que fazer”, isto é, um
componente de ação.
Tal componente se funda na exaltação dos
aspectos afetivos e abre a perspectiva para
uma intervenção solidária de um
existencialismo autêntico.
Trata-se de um existencialismo que,
valendo-se das corajosas intuições de Otto
Rank, da fé apaixonada no homem das
melhores obras de Albert Camus (de A peste
ao Mito de Sísifo, do Homem em Revolta aos
Discursos da Suécia) desenvolve uma visão,
ao mesmo tempo dramática e solidária da
condição humana.
No plano terapêutico
O nosso modelo deseja, portanto, não apenas
reconhecer e enfrentar o último tabu da
psicologia, ou seja, a angústia de morte, mas
também oferecer a possibilidade de elaborar e
enfrentar as tremendas tensões existenciais de
cada ser humano no clima de contato empático,
de solidariedade e de criatividade que o
espírito humano pode assegurar.
É um existencialismo humanista, escreve De
Marchi em "Lo shock Primario" que não pretende
negar ou silenciar o aspecto trágico da existência,
que se recusa a sacrificar o homem a velhos e novos
dogmatismos de caráter religioso, político e
filosofico e, em vez disso, se concentra em
desenvolver a solidariedade e a criatividade dos
seres humanos.
Heróis desaventurados e entusiastas que desafiam,
com os próprios sonhos de Amor, Justiça, Beleza,
Imortalidade, as leis monótonas e cruéis da
natureza e do cosmos.
Gostaria de concluir com as palavras de
Bergson que retratam perfeitamente a visão
de homem no pensamento de De Marchi:
" Vejo a humanidade como um grande
exército a cavalo que galopa em uma
corrida heróica, capaz de superar
qualquer obstáculo, quem sabe até
mesmo a morte”.
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