Revista Baiana de Saúde Pública REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA Órgão Oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia EXPEDIENTE Jacques Wagner – Governador do Estado da Bahia Jorge José Santos Pereira Sola – Secretário da Saúde Isabela Cardoso de Matos Pinto – Superintendente da SHRS Gesilda Meira Lessa – Diretor da Escola Estadual de Saúde Pública ENDEREÇO EDITORA GERAL Rua Conselheiro Pedro Luiz, 171 - Rio Vermelho Caixa Postal 631 CEP 41950-610 Salvador - Bahia - Brasil Tels: 71 3116-5313 - Fax: 71 3334-0428 E-mail: [email protected] Disponível no site: www.saude.ba.gov/rbsp/ Lorene Louise Silva Pinto – SESAB / UFBA EDITORES ASSOCIADOS Álvaro Cruz – UFBA Carmen Fontes Teixeira – UFBA Joana Oliveira Molesini – SESAB/UCSAL José Carlos Barboza Filho – SESAB/UCSAL Luis Eugênio Portela Fernandes de Souza – UFBA Marco Antônio Vasconcelos Rego – UFBA CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Fernandes Pitta –USP Cristina Maria Meira de Melo – UFBA Eliane Elisa de Souza Azevedo – UEFS-BA Eliane Santos Souza – UFBA Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho – UFPE Fernando Martins Carvalho – UFBA Heraldo Peixoto da Silva – UFBA Jacy Amaral Freire de Andrade – UFBA Jaime Breilh – CEAS – EQUADOR Jiuseppe Benitivoglio Greco – EBMSP – BA José Tavares Neto – UFBA Luis Roberto Santos Moraes – UFBA Maria do Carmo Soares Freitas – UFBA Maria do Carmo Guimarães – UFBA Maria Conceição Oliveira Costa – UEFS Maria Isabel Pereira Viana – UFBA Marina Peduzzi – UNICAMP-SP Mitermayer Galvão dos Reis – FIOCRUZ-BA/ UFBA Paulo Augusto Moreira Camargos – UFMG Paulo Gilvane Lopes Pena – UFBA Rafael Stelmach – HC – SP Raimundo Paraná – UFBA Reinaldo Martinelli – UFBA Ricardo Carlos Cordeiro – UNESP Ronaldo Ribeiro Jacobina – UFBA Rosa Garcia – UFBA Sérgio Koifman – ENSP/FIOCRUZ Vera Lúcia Almeida Formigli – UFBA SECRETÁRIA EXECUTIVA Lucitânia Rocha de Aleluia ASSISTENTE BIBLIOTECÁRIA PROJETO GRÁFICO REVISÃO E NORMALIZAÇÃO DE ORIGINAIS TRADUÇÃO/REVISÃO INGLÊS EDITORAÇÃO IMPRESSÃO Bárbara Dias Ivone Silva Figueredo Pamdesign Maria José Bacelar Guimarães Elisabeth Reis Teixeira Jean Beligardi EGBA Periodicidade - Semestral Tiragem - 1.500 exemplares Distribuição gratuita 205 revista_V30.pmd 205 5/3/2007, 16:49 ISSN: 0100-0233 Governo do Estado da Bahia Secretaria da Saúde do Estado da Bahia INDEXAÇÃO Periódica: Índice de Revistas Latinoamericanas en Ciências (México) Sumário Actual da Revista, Madrid LILACS - SP - Literatura Latinoamericana en Ciências de La Salud - Salud Pública, São Paulo Capa: detalhe do portal da antiga Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Solar do séculoXVIII). Fotos: Paulo Carvalho e Rodrigo Andrade (detalhes do portal e azulejos). Revista Baiana de Saúde Pública é associada à Associação Brasielira de Editores Científicos Revista Baiana de Saúde Pública / Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. v.30, n.2, jul./dez., 2006. Salvador: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, 2006. Semestral. ISSN 0100-0233 1. Saúde Pública - Bahia - Periódico. I. Título CDU 614 (813.8) (05) 206 revista_V30.pmd 206 5/3/2007, 16:49 Revista Baiana de Saúde Pública S U M Á R I O EDITORIAL ................................................................................................................................................................................ 209 ARTIGOS ORIGINAIS PREVALÊNCIA DE ANSIEDADE, DEPRESSÃO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICO – EPIDEMIOLÓGICAS EM PACIENTES COM DOR CRÔNICA ........................................................................................................ 211 Martha Castro, Lucas Quarantini, Carla Daltro, Durval Kraychette, Ângela Miranda-Scippa INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA MULTIPROFISSIONAL EM UM GRUPO DE GESTANTES NUM BAIRRO DE PERIFERIA DA CIDADE DE SALVADOR, BAHIA .................................................................................................... 224 Ignês Beatriz Lopes Helena Fraga Maia QUALIDADE DO DADO REFERENTE À IDADE GESTACIONAL NO SISTEMA DE INFORMAÇÃO SOBRE NASCIDOS VIVOS (SINASC) EM TERESINA-PI ................................................................................................................... 238 Keila R. O. Gomes, Elda S. Santos, Grazyella P. Santos, Márcio D. M. Mascarenhas EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE: O CASO DE LAFAYETE COUTINHO (BA) ................................................................................................................................... 248 José Patrício Bispo Júnior, Kelly Leite Maia de Messias, José Jackson Coelho Sampaio CUSTOS DE CONSULTAS MÉDICAS EM PESSOAS COM DIABETES MELLITUS DURANTE UM PROGRAMA EDUCATIVO ............................. 261 Carla Regina de Souza Teixeira, Maria Lúcia Zanetti QUEIXAS VOCAIS EM LOCUTORES DE RÁDIO DA CIDADE DO SALVADOR-BAHIA ........................................................................... 272 Carla Lima de Souza, Célia Regina Thomé USO DE CONTRACEPTIVOS E ABORTAMENTO ENTRE ADOLESCENTES ......................................................................................... 284 Bruno Gil de Carvalho Lima, Cleuza Maria Santos de Matos, Eliana Ferraz Melo TENDÊNCIA DA MORBIMORTALIDADE POR PNEUMONIA NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR - 1980 A 2004 ........................... 294 Bruno Mendonça Protásio da Silva, Diógenes Diego de Carvalho Bispo, Dulceane Natyara Rocha Cardoso, Mateus Teixeira do Amaral Rocha, Mauro de Araújo Ferreira, Natalia Santana Andrade Barretto, Marco Antônio Vasconcelos Rêgo IMPACTOS DE PESTICIDAS NA ATIVIDADE MICROBIANA DO SOLO E NA SAÚDE DOS AGRICULTORES ................................................. 309 Aldo Pacheco Ferreira, Cynara de Lourdes Nóbrega da Cunha, Eduardo Dias Wermelinger, Marcos Barbosa de Souza, Márcia de Freitas Lenzi, Cláudio Márcio de Mesquita, Leila Cristina Jorge ENSAIOS INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE: OPERACIONALIZANDO O CONCEITO DE RISCO NO ÂMBITO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA ................................................................................................ 322 Maria Ligia Rangel AVANÇOS E LIMITES DA DESCENTRALIZAÇÃO NO SUS E O "PACTO DE GESTÃO" ............................................................................ 332 Jorge José Santos Pereira Solla ARTIGO DE REVISÃO SÍNDROME METABÓLICA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. UM FATOR MAIOR DE RISCO CARDIOVASCULAR ...................................... 349 Isabel C.B.Guimarães, Armênio C.Guimarães RESUMO DE TESE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM SAÚDE: O ENSINO DE BIOSSEGURANÇA EM CURSOS DE NÍVEL MÉDIO NA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ................................................................................................ 363 Marco Antonio Ferreira da Costa RESUMO DE DISSERTAÇÃO EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A NÉVOAS ÁCIDAS E ALTERAÇÕES SALIVARES .................................................................................... 365 Carlos Alberto Lima da Silva AVALIAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA DE ATENÇÃO INTEGRADA ÀS DOENÇAS PREVALENTES NA INFÂNCIA (AIDPI) NO ESTADO DA BAHIA ...................................................................................... 367 Cristina Campos dos Santos 207 revista_V30.pmd 207 5/3/2007, 16:50 208 revista_V30.pmd 208 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública E D I T O R I A L Ao finalizar mais um ano de publicação da Revista Baiana de Saúde Pública, reafirmamos o nosso compromisso com a divulgação de informações e do conhecimento produzido por técnicos, docentes e acadêmicos comprometidos com a saúde, nos vários aspectos e abrangência que o termo nos remete. Neste número, os autores apresentam estudos que abordam aspectos variados do processo saúde-doença, formas de intervenção sobre problemas de saúde, qualidade das informações produzidas nos serviços, relevância das questões ambientais e também um ensaio sobre a gestão do Sistema Único de Saúde. alência de Ansiedade, Depressão e Características ClínicoO estudo Prev Prevalência epidemiológicas em Pacientes com Dor Crônica apresenta resultados da aplicação de método para avaliação da presença desses fatores em pacientes atendidos no Hospital Universitário. O estudo sobre os efeitos da Intervenção Comunitária Multiprofissional em um Grupo de Gestantes num Bairro da Periferia de Salv ador Salvador ador,, Bahia e o artigo sobre o Uso de Contraceptivos e Abortamento entre Adolescentes evidenciam como acolher, escutar e orientar se traduzem em benefícios à saúde das mulheres. Avaliar a Qualidade do Dado Referente à Idade Gestacional no Sistema de Informação de Nascidos Vivos-SINASC em T eresina-PI é o objetivo do estudo Teresina-PI realizado na maternidade escola dessa cidade, para mostrar a importância da alimentação responsável dos sistemas oficiais de informação. Exercício do Controle Social em Municípios de Pequeno Porte: o Caso de Lafayete Coutinho, Bahia analisa e aponta questões limitantes para esta função no âmbito do SUS em municípios desse porte. Custos de consultas Médicas em Pessoas com Diabetes Melittus Durante um Programa Educativo objetiva comparar e analisar o número e os custos de consultas médicas, consultas médicas de urgência e procedimentos médicos um ano antes e um ano depois da implementação de um Serviço de Medicina Preventiva (SEMPRE) durante a vigência de um programa educativo em diabetes mellitus. ocais em Locutores de Rádio da Cidade do Salv ador Os estudos Queixas V Vocais Salvador ador,, Bahia e Impacto de Pesticidas na Atividade Microbiana do Solo e na Saúde dos Agricultores avaliam a exposição dos trabalhadores a situações e ambientes de risco para à saúde no exercício de ocupações. O estudo Tendência da Morbimortalidade por Pneumonia na Região Metropolitana de Salvador - 1980 a 2004 analisa a tendência da morbidade e da mortalidade por 209 revista_V30.pmd 209 5/3/2007, 16:50 pneumonia na Região Metropolitana de Salvador, com base em dados de mortalidade e hospitalização disponibilizados no Sistema de Informação em Saúde do DATASUS. Discutir os desafios para a operacionalização do conceito de risco no âmbito da ransversalidade: vigilância sanitária é o propósito do ensaio Interdisciplinaridade e T Transversalidade: Operacionalizando o Conceito de Risco no Âmbito da Vigilância Sanitária. O ensaio Avanços e Limites da Descentralização no SUS e o Pacto de Gestão recupera a construção, identifica avanços, limites e contradições desse processo, apontando a necessidade de superação das lacunas existentes. O artigo de revisão Síndrome Metabólica na Infância e Adolescência: um Fator Maior de Risco Cardiov ascular mostra como as intervenções Cardiovascular sobre estilo de vida de crianças e adolescentes são fundamentais para prevenir complicações na vida adulta. Com o objetivo de investigar a situação do ensino de biossegurança em cursos de nível médio, a tese de doutorado Construção do Conhecimento em Saúde: O Ensaio de aldo Cruz aponta a necessidade de Oswaldo Biossegurança em Cursos de Nível Médio na Fundação Osw aprimoramento nos referidos processos. As dissertações de mestrado Avaliação da Implementação da Estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) no Estado da Bahia, e Exposição Ocupacional a Névoas Ácidas e Alterações Salivares tiveram como objetivo avaliar a implementação da AIDPI em 67 municípios do Estado da Bahia e identificar e descrever alterações salivares frente à exposição ocupacional ao produto, respectivamente. Com a publicação desses trabalhos, a Revista Baiana de Saúde Pública coloca-se como um espaço de divulgação das pesquisas produzidas por profissionais da área de Saúde e possibilita ao público não apenas o acesso a essa produção como também a discussão e reflexão sobre os diversos temas abordados. Ser uma publicação do Sistema Único de Saúde financiada com recursos públicos e disponível para o público, preservando princípios éticos, técnicos e científicos, coloca a Revista no ambiente das publicações da área de saúde pública / saúde coletiva, como um promissor veículo de divulgação. Torna-se necessário o seu fortalecimento e a sua consolidação com a sempre estimada colaboração de todos. Lorene Pinto Editora Geral 210 revista_V30.pmd 210 5/3/2007, 16:50 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública PREV ALÊNCIA DE ANSIEDADE, DEPRESSÃO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICO – PREVALÊNCIA EPIDEMIOLÓGICAS EM P ACIENTES COM DOR CRÔNICAa PACIENTES Martha Castrob, Lucas Quarantini c Carla Daltro d, Durval Kraychette e Ângela Miranda-Scippaf Resumo A dor crônica é definida na literatura como experiência sensorial e emotiva desagradável descrita ou associada a lesões teciduais. A despeito das inúmeras publicações sugerindo a presença de ansiedade e depressão em pacientes com dor crônica, poucos são os estudos com metodologia adequada que referem uma associação entre dor, transtornos ansiosos e/ ou depressivos. O objetivo deste estudo é determinar a prevalência dos transtornos de ansiedade e depressão em pacientes com dor crônica, atendidos no Centro de Dor do Hospital das Clínicas em Salvador (BA). Trata-se de estudo descritivo transversal de 91 pacientes com aplicação da escala visual analógica numérica para dor (EVA); escala HAD para Ansiedade e Depressão e Mini International Neuropsychiatric Interview Brazilian Version 5.0.0 (MINI-PLUS), no período de março de 2002 a julho de 2003. A idade dos pacientes em média foi de 42,8 ± 7,7 anos, com prevalência de pacientes casadas, com religião católica e 2º grau completo. Pacientes ansiosos com sintomas depressivos e deprimidos com sintomas ansiosos foi uma relação estatisticamente significante, o que pode ser atribuído a co-morbidade entre ansiedade e depressão em pacientes com dor crônica. O MINI-plus revelou transtorno do humor atual (depressão, distimia, episódio maníaco e hipomaníaco) e transtorno de ansiedade. Conclusivamente, constatou-se que os dados sócio-demográficos da população estudada são compatíveis com os achados da literatura, entretanto observou-se maior freqüência de transtorno de ansiedade, contrariando os relatos da literatura sobre dor crônica. Palavras-chave: Dor Crônica. Depressão. Ansiedade. a b c d e f Este artigo foi baseado na Monografia intitulada Pacientes com dor crônica: prevalência de ansiedade e depressão e características clínico-epidemiológicas apresentada ao Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia, em abril de 2004. Centro de Dor do Hospital Universitário da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário da UFBA. Mestre. Professora Assistente da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Pós-graduação em Medicina e Saúde – FAMED - UFBA Departamento de Neuropsiquiatria da FAMED – UFBA Endereço para correspondência: Marta Castro. Av. Juracy Magalhães Jr, 2426, ed. Mansão Principado de Mônaco, apto 103, Rio Vermelho, Salvador, Bahia, Brasil. Cep: 41940-060. e-mail: [email protected] ou [email protected]. v.30 n.2, p.211-223 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 211 211 5/3/2007, 16:50 ANXIETY, DEPRESSION AND CLINICAL – EPIDEMIOLOGICAL PREVALENCE CHARACTERISTICS IN CHRONIC PAIN PATIENTS Abstract Chronic pain is defined as an unpleasant sensorial an emotional experience, which is associated or described in terms of tissue injury. Despite the large number of publications, suggesting the presence of anxiety and depression among chronic pain patients, few studies follow a proper methodology that refer to an association between pain, and anxiety and / or depressive disorders. To determine the prevalence of anxiety and depressive disorders and describe the clinical – epidemiological characteristics of chronic pain patients seen at the Pain Center of Professor Edgard Santos University Hospital (HUPES), in Salvador, Bahia. A cross-sectional study including 91 patients using the following instruments: Visual Analogical Scale (VAS) for pain converted to numeric scale; Hospital Anxiety and Depression HAD Scale, the Mini International Neuropsychiatric Interview - Brazilian Version 5.0.0 (M.I.N.I. PLUS), within the period of March 2002 to July 2003. The patients’ age was in average 42.8 ± 7.7 years, being female and male. We observed a prevalence of married catholic patients, which had completed high school. The occurrence of anxious patients with depressive symptoms and depressed patients with anxious symptoms was statistically meaningful, which is attributed to the association between these symptoms and the co-morbidity between anxiety and depression in chronic pain patients. After using the MINI – plus, we observed derangement of the present emotional state in of the sample, being depression, dysthymia, maniac and hippomaniac episode, and anxiety derangement. The socio-demographic data of the studied population, as well as the high frequency of mental symptoms are compatible with literature findings, although a higher incidence of anxiety was observed, contradicting the chronic pain literature. Keywords: Chronic Pain. Depression. Anxiety. INTRODUÇÃO Desde os primórdios da História da humanidade, compreender o fenômeno doloroso vem sendo uma das grandes preocupações do ser humano, pelo fato da dor acompanhar sua trajetória evolutiva desde os primeiros momentos de sua existência1. Sua expressão apresenta-se de forma muito diferente entre os indivíduos e em cada cultura e seu conceito passou por várias mudanças ao longo do tempo(1,2). O sistema nervoso percebe as variações do ambiente e organiza as respostas. No tálamo, a informação dolorosa é localizada espacialmente e projetada em estruturas do sistema 212 revista_V30.pmd 212 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública límbico, motor e cortical. Das conexões do impulso doloroso com as estruturas do sistema límbico define-se o caráter desagradável e emocional da dor. Esta ampla representação em áreas corticais e subcorticais resulta na interpretação do fenômeno doloroso em todos os seus domínios sensitivo-discriminativo, afetivo-motivacional, cognitivo-avaliativo e na ampla gama de respostas envolvidas neste processo3. Por resultar de complexos mecanismos envolvidos em seu aparecimento, a dor pode ser classificada, de acordo com a duração, em aguda e crônica. Enquanto a dor aguda é um sintoma de alerta e está relacionada a afecções traumáticas, infecciosas ou inflamatórias, sendo bem definida e transitória, a dor crônica é caracterizada como aquela que persiste além do tempo necessário para a cura da lesão, com um processo de longa duração e limites mal definidos. Desse modo, tem se configurado em uma importante causa de incapacitação humana4. A literatura tem evidenciado que, mesmo em quadros eminentemente orgânicos, a influência dos aspectos psicológicos têm sido relevantes na queixa de dor. Estudos mostram que há uma significativa associação entre dor crônica e depressão, podendo a depressão crônica e recorrente preceder e predispor as pessoas a desenvolverem queixas dolorosas crônicas, assim como as patologias dolorosas crônicas favorecerem a depressão5. Outro transtorno psiquiátrico associado a pacientes com dor crônica é o transtorno de ansiedade. Caracterizado como um estado emocional vivenciado com a qualidade subjetiva do medo ou de emoção a ela relacionada6, pode ser considerado normal ou patológico. Para tal diferenciação e para determinar se as manifestações são desproporcionais em intensidade, duração, interferência com o desempenho e freqüência com que ocorrem, é necessário levar em conta o contexto no qual a emoção ocorreu, assim como os possíveis fatores desencadeantes, além das características individuais do sujeito. A ansiedade pode ser situacional (quando está associada a determinadas circunstâncias) ou constante na vida do indivíduo. Caracteriza-se como um traço de sua personalidade ou se transforma em doença, gerando prejuízos funcionais7. Uma pesquisa, utilizando o Mini International Neuropsychiatric Interview Brazilian (MINI-plus), avaliou a presença de transtornos de ansiedade e depressão em pacientes com cefaléia e enxaqueca crônica diária. Revelou que 78% daqueles que sofriam de enxaqueca apresentavam alguma co-morbidade psiquiátrica, sendo 57% depressão, 30% pânico, 11% distimia, 8% transtorno de ansiedade, 68% tinha depressão e 38% transtornos de ansiedade. Dos que sofriam de cefaléia, 74% apresentavam depressão, 51% pânico, 22% distimia e 8% transtorno de ansiedade generalizada. Este resultado revela a presença de co-morbidade psiquiátrica (principalmente depressão e transtornos do pânico) em mulheres que sofrem de cefaléia e enxaqueca8. v.30 n.2, p.211-223 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 213 213 5/3/2007, 16:50 O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência dos transtornos de ansiedade e depressão em pacientes portadores de dor crônica atendidos no Centro de Dor do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), Salvador, Bahia. MA TERIAL E MÉTODOS MATERIAL Estudo descritivo do tipo transversal, com amostra de 91 pacientes que procuraram voluntariamente o Centro de Dor do HUPES em Salvador, Bahia, Brasil, no período de março de 2002 a julho de 2003. A definição da amostra baseou-se em um estudo piloto neste mesmo Centro, utilizando a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD), que encontrou uma proporção de 61,8% de ansiedade e 81,6% de depressão nos pacientes portadores de dor crônica. No presente estudo, foi determinado o tamanho da amostra, considerando um erro de até 10% e um nível de significância alfa de 0,05%. Desta forma, o tamanho amostral para ansiedade foi equivalente a 91 e o de depressão equivaleu a 58. Como foi utilizada uma única amostra para os itens ansiedade e depressão, o tamanho amostral considerado foi de 91 pacientes. Para garantir a aleatoriedade desta amostra, foram encaminhados para avaliação todos os pacientes do Centro, desde os recém-ingressos até os que faziam parte do serviço em qualquer momento. Estes encaminhamentos foram feitos por todos os profissionais do serviço. Para avaliação dos pacientes, foram usados os seguintes instrumentos: formulário contendo itens para caracterização dos sujeitos – idade, gênero, estado civil, escolaridade, religião, profissão, ocupação atual (ativos, afastados ou aposentados) – e questões referentes à dor – diagnóstico médico, duração, freqüência, tempo de tratamento neste Centro e resposta ao tratamento instituído; Escala Visual Analógica (EVA) – utilizando como pontos 0-1 = sem dor; 2-3 = dor leve; 4-5 = dor moderada; 6-7 = dor intensa ou severa e 8-10 = dor insuportável 9,10 –; HAD, que possui 14 itens, sendo 7 para ansiedade e 7 para depressão, tendo como ponto de corte 8 para ansiedade e 9 para depressão – desenvolvida por Zigmond e Snaith, em 1983, e validada por Botega em 1998 11 –; e Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-PLUS), entrevista diagnóstica padronizada, breve, compatível com os critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Fourth Edition (DSM-IV) e Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), para obtenção de diagnósticos de transtornos psiquiátricos no momento da aplicação, assim como no passado12. Para a utilização desse instrumento, foi realizada consulta prévia com Dra. Patrícia Amorim (tradutora do instrumento para o Português) e realizado um treinamento prévio com uma equipe de 3 entrevistadores. Para obtenção da concordância, foi calculado o Índice Kappa. Foram registrados todos os transtornos para os quais os pacientes preencheram critérios, de acordo com esse instrumento, e excluído 214 revista_V30.pmd 214 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública transtorno de personalidade anti-social e transtorno de conduta, em razão do MINI-plus não incluir outros transtornos de personalidade e por existirem questionamentos sobre a validade dos diagnósticos realizados por meio de entrevistas individuais3. Para a construção do banco de dados e cálculos estatísticos, foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences 13. Os resultados das variáveis contínuas foram apresentados sob a forma de média ± desvio padrão ou mediana e amplitude interquartil, de acordo com a distribuição. As variáveis categóricas foram expressas como proporções. Para correlação das variáveis ordinais, foi utilizado o teste de correlação de Spearman. Para testar a associação entre as variáveis categóricas, foi utilizado o teste do Qui-quadrado. Todos os testes foram bicaudais e aplicados após verificação das premissas para sua utilização. Consideraram-se como significativos valores de p < 0,05. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira, da UFBA, por meio da Resolução 18-2002, de 28 de agosto de 2002. RESUL TADOS RESULT Dos 91 pacientes estudados, a idade variou de 18 a 50 anos, média ± DP 42,8 ± 7,7 anos. Destes, 87,9% eram do gênero feminino e 12,1% do gênero masculino. Observou-se a prevalência de pacientes casadas (46,2%), com religião católica (60,4%) e escolaridade de 2º grau completo (63,7%). A proporção dos pacientes que estão exercendo suas atividades profissionais Tabela 1 (36,3%) é muito próxima daqueles afastados pelo processo doloroso (34,1%) (T 1). A dor tinha como características: amplitude variada, média de duração de até 4 anos, freqüência diária e de grave intensidade, tempo de tratamento neste centro de menos de 3 meses. O diagnóstico mais freqüente de dor foi LER/DORT, hérnia de disco e tendinite. Com relação ao tempo que cursam com dor, 39 (42,9%) referiram-na por até 4 anos, 23 (25,3%) referiram de 5 a 9 anos, 17 (18,7%) de 10 a 14 anos e 12 pacientes (13,2%) sentem dor há mais de 15 anos. Quanto à freqüência de dor, a maior parte dos pacientes 66 (72,5%) sente dor diariamente, 13 (14,3%) pelo menos 3 vezes por semana e 3 (3,3%) referem dor a partir de uma vez por semana. No tocante ao Tempo de Tratamento no HUPES, 52 (57,1%) referiram estar em tratamento por até 3 meses, 22 (24,2%) de 3 a 6 meses, 9 (9,9%) de 6 meses a 1 ano, 6 (6,6%) de 1 a 3 anos e apenas 2 (2,2%) tinham mais de 3 anos de tratamento no Centro. Não houve uma correlação estatisticamente significante entre o tempo que cursa com dor e a intensidade da dor (p =0,38). v.30 n.2, p.211-223 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 215 215 5/3/2007, 16:50 Tabela 1. Dados sócio-demográficos dos pacientes atendidos no Centro de Dor do HUPES, de março de 2002 a julho de 2003. Quanto ao nível de resposta do tratamento obtido desde a entrada neste centro, 36 pacientes (39,6%) revelaram alívio moderado, 32 (35,2%) nenhum alívio, 18 (19,8%) referiram pouco alívio e 5 (5,5%) relataram alívio total. Esses dados podem ser compreendidos quando se analisa a variável Tempo de tratamento no HUPES, visto que a maior parte dos pacientes estava em tratamento por um período de até 6 meses, tempo insuficiente, na maior parte das vezes, para a adequada resposta ao tratamento. Após a aplicação da HAD, detectou-se que 61 (67%) pacientes apresentaram ansiedade. Destes, 55 (90,2%) eram do gênero feminino e 6 (9,8%) do gênero masculino. Dentre os pacientes avaliados, 42 (46,2%) apresentaram depressão, dos quais 39 (92,9%) eram do gênero feminino, enquanto 3 (7,1%) do gênero masculino. Quando comparados os diagnósticos pela HAD, obteve-se que, dos pacientes deprimidos, 38 (90,5%) eram ansiosos, enquanto 4 (9,5%) não apresentavam ansiedade. Já entre os pacientes com ansiedade, observou-se que 38 (62,3%) também estavam deprimidos, sendo esta uma associação estatisticamente significante, enquanto Tabela 2 23 (37,7%) não eram deprimidos (T 2). A análise do índice kappa no MINI-plus, entre os observados, foi de 1,0. Dos 91 pacientes avaliados pelo MINI-plus, encontrou-se 22 (24,1%) que não apresentaram diagnóstico de nenhum transtorno, 15 (16,4%) apresentaram apenas 1 tipo de transtorno e a maioria 54 (59,3%) apresentaram 2 ou mais tipos diferentes de transtornos. 216 revista_V30.pmd 216 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública Tabela 2. Comparação de ansiedade e depressão com base na HAD em pacientes do Centro de Dor do HUPES, de março de 2002 a julho de 2003. * p < 0,001 Os transtornos psiquiátricos encontrados nesta amostra demonstram que 37 (40,7%) pacientes apresentam transtornos do humor no momento atual e 25 (27,5%) apresentaram transtornos de humor no passado. Este dado, no entanto, não corresponde à soma de freqüências desses diagnósticos, por causa da ocorrência do transtorno, no mesmo indivíduo, atualmente e no passado. Apresentaram transtornos de ansiedade 43 (47,3%) participantes da amostra, enquanto apenas 3 (3,3%) apresentaram transtorno misto de ansiedade e depressão. Entre estes, o diagnóstico mais freqüente foi o de fobia social (n = 12). Na análise da relação entre os transtornos do humor, obtidos a partir da aplicação do MINI-plus com depressão, encontrados a partir da HAD, foi encontrado: dos 25 pacientes com episódio depressivo pelo MINI, em apenas 19 (76%) encontrou-se depressão; dos 10 (100%) pacientes com distimia pelo MINI, apenas em 9 deles foi encontrado depressão pela escala; em apenas 1 (100%) paciente com episódio maníaco pelo MINI, foi encontrado depressão pela HAD; e de 1 paciente com episódio hipomaníaco não se encontrou relação com Tabela 3 depressão pela escala (T 3). Tabela 3. Freqüência atual dos transtornos do humor pelo Mini-plus nos pacientes com depressão pela HAD. Números expressos em valores absolutos e percentuais. v.30 n.2, p.211-223 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 217 217 5/3/2007, 16:50 A análise da relação entre os transtornos de ansiedade obtidos a partir do MINI-plus e ansiedade encontrada pela HAD revelou, quanto à fobia social, agorafobia e fobia específica, que apenas 1 de cada um destes diagnósticos não evidenciaram ansiedade pela HAD. Para os transtornos de pânico, ansiedade generalizada, obsessivo-compulsivo e estresse pós-traumático, Tabela 4 todos os resultados foram equivalentes em ambos os instrumentos (T 4). Tabela 4. Freqüência dos transtornos de ansiedade pelo MINI-plus nos pacientes com ansiedade pela HAD. Números expressos em valores absolutos e percentuais. Na avaliação da freqüência dos outros transtornos mentais, divididos por categorias diagnósticas, observou-se que o transtorno doloroso foi o mais prevalente (n = 15). Além disso, foi encontrada uma alta taxa de risco de suicídio (n = 29, 31,9%). DISCUSSÃO: Este é o primeiro estudo realizado no Centro de Dor do HUPES, desde sua fundação, há 6 anos. Com ele, pôde-se ter uma idéia geral do perfil dos pacientes com dor crônica que fazem parte do cotidiano do Centro e averiguar qual a prevalência de depressão e ansiedade nesta população. A utilização de instrumentos como a HAD pode sugerir a presença de transtornos de humor que poderiam passar despercebidos, pois nesta escala não estão presentes sintomas confundidores comuns em doenças clínicas e depressão, tais como: fadiga, perda do apetite, alterações do sono, entre outras. Este instrumento ainda tem a vantagem de rastrear sintomas subjetivos mais específicos para a depressão, demonstrando, em seu resultado final, a necessidade ou não do uso de instrumentos diagnósticos adequados na identificação e condução do tratamento 218 revista_V30.pmd 218 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública desses pacientes. Por se tratar de um instrumento de auto-avaliação, o indivíduo, de forma deliberada, pode exacerbar ou negar sintomas, enfatizando apenas os traços socialmente aceitos, o que pode favorecer a obtenção de respostas que não correspondam à realidade apresentada pela população estudada. Além disso, fatores culturais e sociais podem contribuir para a compreensão e o significado, tendo em vista os termos que a compõem 14. A descrição da amostra neste estudo foi compatível com os dados apresentados pela literatura com relação à faixa etária tardia, maior prevalência no gênero feminino e tendo como causas mais comuns de queixa álgica LER/DORT, artrite reumatóide e osteoartrite15. Quanto à procedência, religiosidade e grau de instrução, os dados encontrados neste estudo revelam que estas variáveis não foram relevantes para a análise global destes pacientes, o que corrobora a idéia de que, se a amostra fosse maior, poder-se-ia obter resultados diferenciados. Quando, na Tabela 1, foi descrito o perfil dos pacientes, observou-se a prevalência de gênero feminino, escolaridade até o segundo grau e estado civil casada. Este revelou-se o perfil dos pacientes com dor crônica atendidos neste Centro. Como estes são também os dados encontrados na literatura, pode-se supor que esta parcela da população é a que mais se queixa de dor e aquela que vai mais em busca de tratamento. Contudo, uma análise mais aprofundada destes dados e a obtenção de resultados mais conclusivos exigiria uma comparação entre estas características nos pacientes com dor e a população sadia. Contudo este não foi o objeto deste estudo. Com relação à freqüência e intensidade da dor, observa-se também concordância com os resultados mostrados pela literatura. Dos pacientes estudados, a maior parte não está em pleno gozo de suas atividades profissionais, o que corrobora a ênfase do caráter limitante da dor15. A não correlação entre o tempo que o paciente cursa com dor e sua intensidade pode ser analisada a partir da compreensão clínica de que, à medida que o paciente persiste no quadro álgico, maiores poderiam ser os repertórios de comportamentos aprendidos por estes para lidar com a condição dolorosa. Este fato poderia ser mais bem esclarecido, se pudéssemos avaliar o nível de enfrentamento e a qualidade de vida destes pacientes, a fim de que pudessem dar suporte às queixas subjetivas inerentes a seu processo doloroso. Com relação à resposta ao tratamento, houve semelhança entre o alívio moderado da dor (39,6%) e nenhum alívio da dor (35,2%). Isto decorre do fato desta amostra ter sido aleatória e, em sua maior parte (57,1%), serem pacientes que estão realizando tratamento neste Centro há menos de 3 meses. Este tempo de tratamento não é o esperado para uma boa resposta de alívio em dor crônica. O que poderia justificar o alto índice do alívio moderado, conforme já citado, é a presença de uma equipe interdisciplinar que intervenha nos múltiplos fatores envolvidos neste processo. v.30 n.2, p.211-223 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 219 219 5/3/2007, 16:50 A análise dos resultados obtidos a partir do uso de escalas para ansiedade e depressão em pacientes com dor crônica evidenciou uma estreita associação com os achados da literatura em relação à idade 16. Quanto ao alto percentual de pacientes ansiosos, isto pode ter sido ressaltado pelo fato desta ser uma amostra aleatória, na qual os pacientes foram encaminhados em diversos momentos de seu atendimento no Centro, culminando com uma população, cujo tempo de tratamento prevalente tenha ocorrido na faixa de menos de 3 meses e de 3 a 6 meses de tratamento neste Centro. Logo, percebe-se que o nível de expectativa frente a uma resposta de alívio é muito grande, e isto de dá por vários motivos: a busca deste tratamento como “último recurso”, já que são pacientes que percorreram inúmeros profissionais e técnicas terapêuticas, sem alívio de seu quadro; e por este ser o primeiro Centro de referência para dor crônica na Bahia, sendo composto por uma equipe multiprofissional interdisciplinar. Ao se comparar ansiedade e depressão pela HAD, ficou evidenciado, entre os pacientes que apresentavam depressão, que a maioria (n =38, 90,5%) estavam também ansiosos; dentre os ansiosos, muitos (n = 38, 62,3%) mostraram-se deprimidos também. Isto torna evidente a alta significância dos sintomas de ansiedade e depressão que podem apresentar-se em um mesmo indivíduo. A falta de associação estatisticamente significante entre ansiedade e depressão pela HAD e intensidade de dor não evidenciaria a proposição de que quanto maior dor o indivíduo sente, maiores poderiam ser suas respostas ansiosas e depressivas. Este é um dado que parece corresponder, conforme referido pela literatura, ao episódio de dor aguda, mas não de dor crônica. A não significância entre o tempo que o paciente está se tratando neste centro e a intensidade de dor sentida parece evidenciar o que os achados da literatura apontam. Por ser esta uma amostra de pacientes com dor crônica, o indivíduo, independentemente do tempo em que está se tratando, busca uma resposta para seu quadro álgico, sendo, por isso mesmo, significante quando se investiga a resposta ao tratamento e à intensidade de dor. Assim, isto significa que, quanto maior a intensidade de dor referida pelo paciente, mais difícil é seu controle. Ao se investigar os transtornos psíquicos nesta população, foi relevante o resultado de que a maioria (n = 54, 59,3%) apresentou dois ou mais diagnósticos, quando investigados a partir da entrevista diagnóstica do MINI–plus. Isto sugere não apenas que esta é uma população pouco investigada do ponto de vista psíquico, como também aponta para a relevância de mais estudos diagnósticos, pois este parece ser um dado que interfere no adequado controle do quadro de dor. Quando submetidos à aplicação do MINI-plus, o resultado contradiz os achados da literatura, que mostra uma maior associação entre dor crônica e depressão. Nesta amostra, verificou-se uma prevalência de 43 pacientes (47,3%) que apresentavam ansiedade, em 220 revista_V30.pmd 220 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública contrapartida a 37 pacientes (40,7%) que apresentavam depressão. Isto pode ter ocorrido devido ao caráter aleatório da amostra, conforme citado anteriormente, em que os pacientes foram encaminhados para avaliação em diferentes momentos de acompanhamento neste centro. Além disto, este resultado pode ressaltar que estes pacientes, conforme foi evidenciado na revisão de literatura, estão sendo submetidos à avaliação do humor a partir de escalas. Estas escalas, no entanto, apenas identificam a intensidade de sintomas e não evidenciam um diagnóstico psiquiátrico adequado, o que pode ainda favorecer, nesta população, um falso-negativo quanto aos aspectos psíquicos. Por isto, é necessária a realização de um diagnóstico, a fim de que seja possível o sucesso terapêutico dos pacientes com dor. Ao se comparar a freqüência de depressão pelo MINI-plus com a presença de depressão pela HAD, pôde-se verificar, entre os 25 pacientes com episódio depressivo, que apenas 19 apresentaram depressão pelo HAD; dos 10 pacientes com distimia pelo MINI, 9 apresentaram depressão pela HAD; 1 paciente que apresentou episódio maníaco pelo MINI, apresentou depressão pela HAD; enquanto 1 que apresentou episódio hipomaníaco não foi evidenciado como depressivo pela HAD. Portanto, pode-se supor que o uso da escala evidencia indícios de depressão nesta população, assim como, por ser um instrumento simples e de autopreenchimento, pode fazer parte do protocolo de qualquer profissional clínico, para que sejam evidenciadas respostas depressivas e Tabela 3 realizado encaminhamento adequado para um profissional da área de saúde mental (T 3). A análise dos pacientes que apresentaram ansiedade pelo MINI-plus (fobia social, específica e agorafobia), quando comparada à ansiedade pela HAD evidenciou que, dentre estes transtornos, apenas 1 paciente de cada diagnóstico não apresentou ansiedade pela HAD; todo o restante (pânico, Transtorno de Ansiedade Generalizada e Transtorno Obsessivo Compulsivo) apresentou um resultado equivalente entre os dois instrumentos, o que, mais uma vez, evidencia a Tabela 4 sensibilidade da escala para este item (T 4). Com relação ao alto índice de suicídio nesta amostra (n= 29; 31,9%), pode-se entender que, por se tratar de uma população que sofre de dor há muitos anos e vem buscando, com apoio de inúmeros instrumentos e técnicas terapêuticas, o alívio de seu quadro álgico, quando isto não é alcançado, apresenta resposta de “pouca vontade de viver”, o que corrobora estudos de baixa qualidade de vida nesta população. Além do mais, por ser esta uma população que apresenta uma concomitância de diagnósticos psiquiátricos, este é um dado que pode ser evidenciado em um ou em vários destes transtornos (7, 8, 9). Como o resultado obtido com o MINI-plus equivale ao diagnóstico e à Escala HAD, apenas a presença de sintomas permite compreender a ausência do diagnóstico e a presença dos sintomas e vice-versa em um mesmo indivíduo. v.30 n.2, p.211-223 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 221 221 5/3/2007, 16:50 CONCLUSÃO Este estudo transversal foi o primeiro a ser realizado na população atendida no ambulatório de dor do HUPES, com a proposta de caracterizar e diagnosticar melhor os pacientes atendidos. Os dados sócio-demográficos dos pacientes, assim como as respostas obtidas com base na avaliação de dor, intensidade de sintomas ansiosos e depressivos foram compatíveis com os referidos pela literatura. Nesta amostra, mesmo tendo sido uma diferença pequena, foi encontrada uma prevalência de transtornos de ansiedade, contrariando os relatos da literatura da evidência de maior prevalência de transtornos depressivos em pacientes com dor crônica. Ao analisar a relação HAD e MINI-plus, pôde-se perceber que os resultados advindos da aplicação de escalas apontam a necessidade da aplicação de instrumentos diagnósticos, para que se possa conhecer o perfil psíquico da população atendida e tratá-la adequadamente. REFERÊNCIAS 1. Teixeira MJ, Okada M. Dor: evolução histórica dos conhecimentos. In: Teixeira MJ et al. Dor: contexto multidisciplinar. Curitiba: Maio; 2003. Cap. 1, p.15-51. 2. Pimenta CAM, Teixeira MJ. Questionário de dor McGill: proposta de adaptação para a língua portuguesa, Rev. Bras Anestesiologia 1997;47(2):177-86. 3. Pimenta CAM. Dor: manual clínico de enfermagem. São Paulo: [s.n]; 2000. 4. Ferreira PEMS. Dor crônica - avaliação e tratamento psicológico. In: Andrade Filho ACC. Dor: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Roca; 2001. p.43-52. 5. Aguiar RW, Caleffi L. Dor crônica. In: Fráguas Junior R. Depressões em medicina interna e em outras condições médicas: depressões secundárias São Paulo: Atheneu; 2000. p.407-18. 6. DSM-IV-TR – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Claudia Dornelles. 4a. ed. rev. Porto Alegre: Artmed; 2002. 7. Takei EH, Schivoletto S. Ansiedade: como diagnosticar e tratar. Revista Brasileira de Medicina 2000;57(7):67-78. 8. Juang KD, Wang SJ, Fuh JL, Lu SR, SuTP. Comorbidity of depressive and anxiety disorders in chronic daily headache and its subtypes. Headache 2000;40(10):818-23. 222 revista_V30.pmd 222 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública 9. Huskisson EC. Measurement of pain – Department of Reumatology. London: The Lancet; 1974. 10. Pimenta CAM, Cruz DALM, Santos JLF. Instrumentos para avaliação da dor: o que há de novo em nosso meio. Arquivo Brasileiro de Neurocirurgia 1998;17(1):15-24. 11. Botega NJ, Pondé MP, Medeiros P, Lima MG, Guerreiro CAM. Validação da escala hospitalar de ansiedade e depressão (HAD) em pacientes epilépticos ambulatoriais. Jornal Brasileiro de Psiquiatria 1998;47(6):285-89. 12. Amorim P. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): validação de entrevista breve para diagnóstico de transtornos mentais. Revista Brasileira de Psiquiatria 2000;22(3):106-15. 13. Norusis MJ. Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Chicago (IL), versão 9.0; 1998. 14. Botega NJ, Bio MR, Zomignani A, Garcia Jr. C, Pereira WAB. Transtornos do humor em enfermaria de clínica médica e validação de escala de medida (HAD) de ansiedade e depressão. Revista de Saúde Pública, 1995;29(5):355-63. 15. Teixeira MJ, Teixeira WGJ, Kraychete DC. Epidemiologia geral da dor. In: Teixeira MJ et al. Dor: contexto multidisciplinar, Curitiba: Maio; 2003. p.53-66. 16 France RD. Psychiatric aspects of pain. The clinical journal of pain 1989;5(2): S 35-S 42. Recebido em 03.10.2005. Aprovado em 27.07.2006. v.30 n.2, p.211-223 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 223 223 5/3/2007, 16:50 ARTIGO ORIGINAL INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA MUL MULTIPROFISSIONAL TIPROFISSIONAL EM UM GRUPO DE ANTES NUM BAIRRO DE PERIFERIA DA CIDADE DE SAL GESTANTES SALV GEST VADOR, BAHIA Ignês Beatriz Lopesa Helena Fraga Maia b Resumo No transcorrer da Especialização em Medicina Social com ênfase em Saúde da Família (ISC/UFBA/SESAB/CCVP), foi observado o despreparo das mulheres para a maternidade. Considerando a importância da assistência integral para a manutenção da saúde materno-infantil, este trabalho foi realizado com objetivo de avaliar o efeito de uma intervenção multiprofissional sobre a saúde das gestantes atendidas em uma unidade de saúde. Trata-se de um estudo qualitativo com gestantes que moravam no Distrito Sanitário de Pau da Lima, Salvador, Bahia. A seleção das informantes-chave ocorreu por meio de convite pessoal nas visitas domiciliares e na sala de espera, respeitando os critérios de inclusão: ser moradora da área de abrangência, realizar acompanhamento pré-natal na unidade e desejar participar. Inicialmente, foram submetidas à avaliação fisioterapêutica, responderam a um instrumento elaborado por diversos profissionais e dados foram coletados em prontuários. Os encontros ocorreram, semanalmente, entre julho e novembro de 2003, com duração de três horas divididas em duas atividades: abordagem fisioterapêutica e educação em saúde. Através da comparação das entrevistas iniciais e finais e da observação contínua do grupo, conclui-se que a intervenção proporcionou melhora na aceitação da gravidez, no desenvolvimento de hábitos saudáveis, no controle da ansiedade durante o parto e na adesão ao aleitamento materno. Palavras-chave: Cuidados Integrais de Saúde. Fisioterapia. Gravidez. A COMMUNITY-BASED, MULTIPROFESSIONAL INTERVENTION IN A GROUP OF PREGNANT WOMEN IN AN UNDERPRIVILEGED DISTRICT IN THE OUTSKIRTS OF THE CITY OF SALVADOR (BAHIA, BRAZIL) Abstract Activities related to First Level Post-Graduate Course in Social Medicine with a focus on Family Health (ISC/UFBA/SESAB/CCVP) allowed for realizing the women's lack of preparation a b Fisioterapeuta, Especialista em Medicina Social com ênfase em Saúde da Família. Fisioterapeuta, Mestre em Saúde Comunitária, Professora Adjunta da Universidade Católica do Salvador-BA. Endereço para Correspondência: Ignês Beatriz Lopes. Av. Ulisses Guimarães, 2954, Cd. Central Park II, Ed. Jacarandá, aptº 001, Sussuarana / CAB, Salvador, Bahia. CEP 41213-000 E-mail: [email protected] 224 revista_V30.pmd 224 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública for motherhood. Given the importance of integral care for mother-child health, this qualitative study aimed at assessing the impact of a multiprofessional intervention on the health of pregnant women covered by the Sanitary District of Pau da Lima (Salvador, Bahia, Brazil). The key subjects were invited to participate during household visits and in the health unit waiting room, according to the following inclusion criteria: to be dwelling within the health team working area, to receive pre-natal care in the health unit and to be willing to take part in the study. Subjects had physiotherapy evaluation, were requested to answer a structured tool devised by professionals from several fields, and data were collected from their medical records. From July to November, 2003, three-hour meetings were weekly held comprising two basic activities, namely physiotherapeutic counseling and health education. Continuous observation and the comparison of interview data at baseline with those at the end of the study showed that the intervention improved pregnancy acceptance, the development of healthy habits, anxiety control during childbirth and the compliance with breast-feeding practices. Keywords: Integral health care. Physiotherapy. Pregnancy. INTRODUÇÃO No período gestacional, o organismo da mulher sofre diversas modificações que o tornam susceptível a riscos. Deste modo, a assistência ao pré-natal e ao parto é fundamental à saúde materno-infantil, pois é reconhecido que a qualidade desta assistência está associada à taxa de mortalidade perinatal1,2,3. Em países em desenvolvimento, como o Brasil, pode-se observar a ocorrência de agravos à saúde materno-infantil evitáveis por meio de adequada assistência pré-natal, o que não ocorre em países desenvolvidos, que enfrentam problemas de difícil prevenção4,5,6. A gravidez caracteriza-se por um período de grandes mudanças físicas e emocionais1 e requer da mulher um preparo para vivenciar a maternidade de forma tranqüila, equilibrada e sem maiores complicações. Isto, muitas vezes, não ocorre devido a diversos fatores, como a superficialidade e inadequação da informação oferecida pela mídia sobre saúde sexual7, a falta de condicionamento físico prévio e as próprias condições sócio-econômicas em que vivem. Sabe-se que a assistência fisioterapêutica pré-natal, por meio de orientações posturais e exercícios terapêuticos específicos, pode prevenir e/ou minimizar lombalgias associadas às alterações decorrentes do período gestacional8,9,10; elevar a auto-estima; fortalecer a musculatura pélvica e promover maior tolerância à dor, favorecendo o parto, inclusive com redução da ocorrência de partos prematuros e cesáreas11. No desenvolvimento das atividades inerentes à Especialização em Medicina Social com ênfase em Saúde da Família, a equipe de residentes alocados na unidade de saúde Complexo v.30 n.2, p.224-237 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 225 225 5/3/2007, 16:50 Comunitário Vida Plena (CCVP) observou o despreparo das mulheres para o exercício da maternidade, fato evidenciado especialmente nas visitas domiciliares, nas quais se tornava clara a fragilidade do vínculo mãe-filho. A maioria das mulheres residentes em comunidades como a do bairro de Pau da Lima, com alto índice de violência e baixa escolaridade, parece possuir prioridades emergentes, como a fome e o desemprego em detrimento do cuidado consigo mesma e com seus filhos. A referida unidade trabalha sob a lógica da saúde da família em parceria com instituições universitárias, funcionando como campo de estágio para estudantes de graduação e pós-graduação. O papel do profissional de saúde dentro do contexto familiar envolve ações de colaboração à reestruturação das famílias, visando promover relações saudáveis e, conseqüentemente, aprimorar a qualidade de vida destes indivíduos. A gestação mostrou-se um período propício para interagir com as famílias de modo eficaz, pois a expectativa criada em torno do novo integrante da família proporciona maior integração entre os parentes, aumenta o interesse destes por uma vida mais equilibrada, tornando-os mais receptíveis às informações e propostas de mudanças nos hábitos do cotidiano. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito de uma intervenção multiprofissional sobre a saúde das gestantes, moradoras de um bairro de periferia, que participaram de um grupo de atenção à saúde materno-infantil. MA TERIAL E MÉTODOS MATERIAL Trata-se de um estudo de cunho qualitativo, realizado com gestantes moradoras do bairro de Pau da Lima, localizado na periferia da cidade de Salvador, Bahia. Em virtude da abordagem metodológica, a seleção das informantes-chave foi proposital. As mulheres foram convidadas nas visitas domiciliares e na sala de espera nos turnos de atendimento pré-natal do CCVP para participar de um grupo, considerando os seguintes critérios de inclusão: ser moradora do bairro de Pau da Lima na área de abrangência da equipe, realizar acompanhamento pré-natal com os profissionais da unidade/CCVP e desejar participar do programa. Para iniciar o trabalho com este grupo, as gestantes foram submetidas a uma avaliação fisioterapêutica, responderam a um instrumento previamente estruturado e elaborado por profissionais de diversas categorias e tiveram dados sobre sua saúde coletados nos prontuários da unidade. Questionários foram aplicados nas entrevistas iniciais e finais para avaliar conhecimentos específicos sobre o período gestacional e identificar as expectativas das gestantes sobre o grupo. Utilizou-se também a técnica de observação participante para captar a experiência vivenciada e expressa pela fala das gestantes. Em um diário de campo, procurou-se registrar, ao final de cada encontro, o desenvolvimento das atividades propostas. 226 revista_V30.pmd 226 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública Foram realizados encontros semanais em um salão cedido pela Igreja Católica situada em frente ao posto de atendimento, no período de julho a novembro de 2003. No primeiro destes, foram levantados temas de interesse das gestantes que auxiliaram na adequação do cronograma previamente planejado. Cada encontro teve duração de, aproximadamente, três horas e foi composto por duas atividades básicas: abordagem fisioterapêutica e educação em saúde. Ao final do trabalho, vinte encontros haviam sido conduzidos com o grupo. A abordagem fisioterapêutica foi constituída por orientações posturais para o período gestacional e de amamentação, exercícios respiratórios, de relaxamento e de fortalecimento muscular, além da orientação sobre o desenvolvimento neuropsicomotor normal, para que as mães observassem o desenvolvimento de seus filhos e soubessem identificar a necessidade de uma intervenção precoce e, potencialmente, evitar maiores limitações. Para seleção dos exercícios pré-natais foi utilizado principalmente o Guia Oficial da Young Men’s Christian Association (YMCA). Todas as atividades foram planejadas, considerando previamente a estrutura local e os recursos disponíveis. As atividades educativas foram realizadas com a colaboração multiprofissional de uma psicóloga, uma nutricionista, dois médicos, duas enfermeiras, uma assistente social e uma odontóloga, todos discentes da especialização em Medicina Social. Deste modo, foi possível abordar no grupo temas como: vida intrauterina; saúde oral; alimentação pré-natal; higiene; amamentação; cuidados com o bebê; shantala ou massagem para bebês; direitos do pai, da mãe e do bebê; e tipos de parto. A gravidez indesejada, a importância dos serviços de saúde na captação das gestantes para o pré-natal, a expectativa de dor no parto e a importância do preparo para o sucesso do aleitamento materno constituíram as principais categorias de análise deste estudo. A análise do material coletado foi feita com base no discurso dos sujeitos coletivos, uma vez que a fala é reveladora de representações sociais a respeito de significados e práticas extraídas das relações dialéticas estabelecidas entre os atores sociais envolvidos. RESUL TADOS RESULT O grupo teve início com seis gestantes. No decorrer das atividades, estas convidaram outras que não freqüentaram assiduamente as reuniões. Por esta razão, não foram incluídas na análise dos resultados. Houve a participação de uma Agente Comunitária de Saúde (ACS) responsável pela microárea 1 da área de abrangência da equipe, que engravidou durante o desenvolvimento do grupo gestante, porém suas faltas constantes para atender às solicitações da v.30 n.2, p.224-237 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 227 227 5/3/2007, 16:50 enfermeira coordenadora do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) impediram-na de freqüentar assiduamente o grupo, por isto também não foi incluída. Deste modo, os resultados aqui considerados se referem às seis gestantes com maior adesão ao grupo. Destas, cinco eram primigestas, uma estava na segunda gestação, e as idades variavam de 15 a 26 anos. Eram predominantemente negras, nível sócio-econômico baixo e escolaridade baixa, com 1º grau incompleto. Três gestantes relataram, no início do trabalho, não aceitar a gestação; duas delas não faziam pré-natal e, ao ingressarem no grupo, sentiram-se motivadas para o acompanhamento com a equipe da unidade. Houve relatos de preocupação com o concepto entre as que, inicialmente, não aceitavam a gravidez, sugerindo estabelecimento de vínculo com o bebê. Outros resultados detectados através das falas das informantes chaves foram a aquisição de conhecimentos que podem ajudar na promoção da saúde infantil, como higiene oral do bebê, como dar banho e cuidar do umbigo, e também a importância da amamentação exclusiva até os seis meses. Quando da última reunião do grupo, as mulheres já se encontravam no terceiro trimestre da gravidez. Procurou-se, estabelecer contato com elas após o parto, para avaliações do impacto da intervenção. Cinco das seis gestantes puderam ser contactadas e houve referência à supervalorização da expectativa da dor, à importância do preparo para a participação ativa no parto e controle da ansiedade. DISCUSSÃO A assistência pré-natal multiprofissional, no modelo de vigilância à saúde, com especial enfoque nas atividades educativas, demonstrou ser um meio bastante eficiente na promoção da saúde materno-infantil. As gestantes, antes com dificuldades em aceitar a gestação, reconheceram este trabalho como fator de transformação da postura diante da maternidade. A intervenção favoreceu a aceitação da gestação, proporcionou o desenvolvimento do sentimento responsabilidade e vínculo com seus bebês, propiciou a participação ativa no trabalho de parto e controle da ansiedade, promoveu a reflexão e o desenvolvimento de conhecimentos e, provavelmente, contribuiu para prevenção e redução de desconfortos músculo-esqueléticos comuns na gestação e no pós-parto. Os conteúdos emergentes dos relatos de campo foram reveladores das expressões culturais a respeito do período gestacional e da maternidade. Entre estes, os que surgiram com maior força são apresentados e discutidos na seqüência; outros que não figuraram nos relatos espontâneos, mas foram captados pela observação, são posteriormente incluídos, com o intuito de evocar a necessidade de futuras intervenções. 228 revista_V30.pmd 228 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública Gravidez indesejada A gravidez indesejada está relacionada à adolescência ou, em menor proporção, à mulheres acima dos quarenta anos; apresenta dimensões biológicas, econômicas, educacionais, sócio-culturais, além de envolver aspectos de anticoncepção, da relação com o parceiro e de construção da identidade feminina12,13,14. No grupo estudado, três gestantes relataram dificuldades em aceitar a gravidez, e alguns dos motivos para justificar o fato coincidem com os observados na literatura, a exemplo da relação com o parceiro, questões financeiras e familiares. “Tive medo do bebê não ser perfeito. Chorei muito quando fui fazer a primeira ultrasonografia, porque eu não queria aceitar a gravidez.” (SJN, 26 anos). “Ainda não estou bem com o bebê. Penso que seria melhor se eu não estivesse grávida. Espero que no grupo eu possa me apegar ao bebê, ser como todas as mães.” (LMS, 19 anos). “Fiquei preocupada com meu pai. Eu sou filha adotiva, minha mãe e meu pai são na verdade meus tios. Minha mãe ficou insistindo junto com Daniel (o namorado) para eu tirar o bebê, eu usei Citotec. Agora estou bem com todos. Estou muito ansiosa, me sentindo muito sozinha, só gosto de ficar com ele (o namorado). Espero que meu filho me faça companhia.” ( MJS,15 anos.). A não aceitação da gravidez tem como grave conseqüência o retardo da procura de assistência pré-natal. Estudos indicam que a inadequação desta assistência pode advir em função da baixa escolaridade materna, da baixa renda familiar e da ausência de companheiro2,4,6. A importância dos serviços de saúde para o início precoce do pré-natal O sucesso do acompanhamento pré-natal está associado ao início precoce, ao número de consultas realizadas em todo o período gestacional e à integralidade das ações desenvolvidas com o objetivo de promover a saúde materno-infantil6,15. Daí a importância dos serviços de saúde se anteciparem à chegada da cliente ao posto de saúde, iniciando o processo educativo na comunidade2, como foi realizado neste grupo, tendo sua importância salientada pelas próprias gestantes: “A idéia do grupo foi maravilhosa, eu não fazia nada, não aceitava a gestação, não ia fazer pré-natal, se vocês não me visitassem [...] para mim o grupo chegou em boa hora.” (SJN, 26 anos). v.30 n.2, p.224-237 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 229 229 5/3/2007, 16:50 “Eu agradeço tanto! Quando eu penso que vocês foram a primeira vez lá em casa, eu estava tão fria...” (SJN, 26 anos). Foi possível notar mudanças na forma de vivenciar a gravidez, com relatos de que não apenas passaram a aceitar a gestação, como também tinham receio de perder o bebê; estavam felizes em poder compartilhar essa fase com outras gestantes, e mostraram-se ansiosas para verem seus bebês. Também pareciam mais seguras, como se estivessem preparadas para cuidar de seus filhos, embora a maioria estivesse grávida pela primeira vez. Expectativa da dor no parto e a importância da assistência pré-natal multiprofissional As dimensões biológicas, psíquicas e culturais do ritual do parto são indissociáveis16 e a dor não é apenas a expressão do sofrimento do corpo, mas a combinação deste com os valores sócio-culturais e individuais17. Segundo Fontes18, o medo da dor do parto tornou-se um fenômeno de ação social. Atualmente, observa-se uma crença popular de que o parto é um processo doloroso, isto é, o parto não é considerado como uma experiência individual, que pode ser vivida de forma diferente. No grupo estudado, apesar da maioria das gestantes serem primigestas, a crença na dor do parto era marcante e atribuída às informações obtidas com outras mulheres que já tinham experimentado a dita “dor do parto” ou pelas cenas de parto na televisão. Numa pesquisa realizada em 2002, acerca das expectativas de usuárias do SUS sobre o parto, foi evidenciada a insuficiência de informações sobre o trabalho de parto, tais como: contrações, dilatação, entre outros; a inadequação do atual modelo de assistência, que não orienta sobre o processo reprodutivo; a influência do modelo médico hegemônico sobre a concepção patológica da fisiologia do parto vaginal; e a valorização da dor do parto como ritual de passagem para o status de adulta e mãe19. No grupo estudado, observou-se a falta de conhecimento da fisiologia do parto, a influência social na crença individual e a valorização da dor, como se verifica a seguir: “As contrações devem ser terríveis. Eu não sei se é por causa da televisão... eu sei que minha mãe sofreu muito por ter tido três cesarianas.” (ACSM, 22 anos). “Porque vai passar um nenê, um negocinho pequenininho passar um nenezão!” (SJN, 26 anos). “Por causa das contrações e o espaço é muito pequeno, mas depende da pessoa, tem gente que sente, outras não.” (RSP, 23 anos). 230 revista_V30.pmd 230 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública “Não sei, porque as pessoas dizem.” (MJS, 15 anos). “Você sente prazer e sente dor, tudo que é bom tem que ter um pouquinho de dor.” (LMS, 19 anos). Após vivenciarem o parto, as gestantes relataram suas experiências, permitindo constatar a importância do preparo obtido na participação no grupo. Segundo as participantes, o grupo lhes proporcionou as informações necessárias à manutenção da calma e as orientou quanto à melhor forma de agir no momento do parto, especialmente, sobre a respiração. Consonni20, em 2002, relatou que o programa multidisciplinar de preparo para o parto e maternidade pode controlar a ansiedade materna e favorecer o parto vaginal. Para Fontes18, em 1994, as vantagens sobre o curso da gestação e trabalho de parto são indiscutíveis e envolvem a diminuição da duração, redução das complicações e de intervenções obstétricas. No grupo em estudo, as gestantes revelaram: manutenção da calma, com redução da ansiedade; pequena duração do parto; e que haviam superestimado a dor. As falas são ilustrativas: “Eu não sabia o que era dor de parir. Fui acompanhar RSP [outra gestante do grupo, que foi à maternidade] e fiquei lá. RSP veio para casa e eu fiquei! Eu senti aquela pontadazinha. Eu disse não é isso não, o pessoal fala que é uma dor do outro mundo. Isso não é dor de parir. O médico estranhou. Ele me perguntou se era a primeira vez e eu disse que sim. Ele perguntou: E você tá assim calma? Com o aumento das contrações, sentia uma dorzinha. Quando eu fiz a força, eu senti um negócio estranho, aí eu gritei: Vai nascer enfermeira! O parto foi maravilhoso, não senti dor nenhuma. Eu ficava lembrando do curso, como eu tinha que respirar. Eu lembrei de você o tempo todo. A única dor foi dos pontos.” (SJN, 26 anos). “Não cheguei a sentir dor nenhuma, só as contrações. Quando tinha a contração, tinha um pouquiiiiiiiiiinho de dor, dor mesmo eu não senti não. Sua imagem não saía da minha cabeça; eu respirava e chamava por Deus.” (RSP, 23 anos). “Não demorou muito não. Quando eu comecei a respirar ela desceu. Eu não senti dor, só senti quando a médica pocou a bolsa.” (LMS, 19 anos). “Foi maravilhoso! A contração é terrível, mas é suportável, eu já estava acostumada [com a idéia de parir, de sentir dor]. De vez em quando eu dava um grito, mas nada de escandaloso. No parto eu não senti dor, é instantâneo, tomei anestesia só para os pontos.” (ACSM, 22 anos). v.30 n.2, p.224-237 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 231 231 5/3/2007, 16:50 “[...] se eu não participasse, eu não sabia o que fazer na hora, só gritar mesmo!” (RSP, 23 anos). “Para mim ia ser tudo ao contrário, modo de respirar, ia fazer escândalo [...] a pessoa nunca pariu, não fez um curso, quando chega lá [...] ia fazer vergonha [...]” (SJN, 26 anos). Preparo para o aleitamento materno O aleitamento materno é essencial à manutenção da saúde das crianças, pois além de ser o alimento mais adequado, promove o estreitamento da relação mãe-filho. Apesar disso, o desmame precoce é uma realidade preocupante, especialmente no Brasil, que apresenta uma grande população de baixa renda, o que expõe as crianças a vários riscos, como infecções e desnutrição21 . O desconhecimento sobre aleitamento materno por parte das mães é um fator importante para o desmame precoce22. Preconiza-se amamentação exclusiva por seis meses e acrescida de alimentos complementares até os dois anos de vida23,24. As gestantes do grupo estudado desconheciam o tempo adequado para a amamentação e a importância de não incluir outros alimentos na dieta de crianças até seis meses. Durante os encontros, as gestantes demonstraram que haviam compreendido esses conceitos e pareciam estar dispostas a colocá-los em prática. Entretanto, após o parto, duas gestantes do grupo introduziram alimentos na dieta do filho, uma delas argumentou: “Eu dou mama o dia todo, à noite eu não agüento mais, aí dou mamadeira.” (LMS, 19 anos). Em estudo de intervenção, Barros, Halpern e Victora25, em 1994, demonstraram que visitas domiciliares pós-parto podem ter um grande impacto nos padrões de aleitamento materno nos primeiros meses de vida, pois é neste momento que as mães se deparam com as dificuldades para amamentar e não encontram auxílio profissional, o que pode culminar no desmame precoce, devido à falta de orientação adequada. As outras gestantes do grupo mantiveram o aleitamento materno exclusivo e destacaram a importância do preparo das mamas realizado sob orientação dos profissionais atuantes no grupo. “[...] o exercício no seio. Eu comprei a bucha, todo o dia eu esfregava, tanto que ela não feriu meu peito.” (RSP, 23 anos). 232 revista_V30.pmd 232 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública “Se eu não tivesse aprendido a coisa do mamilo, da bucha, eu acho que hoje eu não daria mama com essa tranqüilidade de hoje não.” (ACSM, 22 anos). Questões relacionadas com a saúde oral, desenvolvimento neuropsicomotor e modificações físicas comuns ao período gestacional não se constituíram como categorias emergentes, mas foram objeto de intervenções realizadas no grupo e constituem temas importantes para a promoção da saúde materno-infantil. Em respeito à saúde oral, Ramos e Maia26, em 1999, defenderam a educação materna como a forma efetiva de promover a saúde infantil, através da mudança de valores e adequação dos hábitos. A promoção da saúde tem como obstáculo a necessidade de promover mudanças nos hábitos cotidianos. Deste modo, a gestação mostrou-se um período adequado à promoção de saúde, pois os indivíduos nascem dependentes dos cuidados familiares e, principalmente, sem hábitos pré-estabelecidos. As gestantes do grupo possuíam hábitos de higiene oral inadequados e desconheciam condutas necessárias à promoção da saúde oral infantil. A intervenção proporcionou a reflexão sobre esses hábitos e informou os cuidados necessários à higiene oral infantil. Alvarez e Wurgaft27, em 1992, estudando o estado de saúde da família de nível socioeconômico baixo, concluíram que a saúde é amplamente controlada pelas mães. Ao nascer, o indivíduo é bastante dependente e a mãe tem papel importante, pois é a primeira a estabelecer uma relação de cuidado e a qualidade desta interação determinará a condição de saúde deste bebê. Mondardo e Valentina28, em 1998, ilustraram a importância do vínculo mãe-filho no desenvolvimento infantil e sua contribuição para a estruturação sadia do aparelho psíquico da criança. A despeito do desenvolvimento neuropsicomotor, sabe-se que a instalação e evolução das deficiências poderiam ser retardadas se os atrasos fossem rapidamente identificados e encaminhados para adequada assistência. A intervenção precoce é fundamental para assegurar a qualidade de vida de crianças com deficiência29, 30. Deste modo, é de extrema importância educar as mães para que saibam identificar possíveis atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor e percebam a necessidade de buscar auxílio profissional. As gestantes deste grupo expressaram a preocupação em saber se os filhos seriam normais e demonstraram muito interesse em aprender sobre o desenvolvimento neuropsicomotor normal, o que facilitou o trabalho educativo e a aprendizagem. Quanto às modificações físicas determinadas pela gestação, os dados provenientes do instrumento de coleta apontaram para a crença de que na gestação é normal a mulher v.30 n.2, p.224-237 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 233 233 5/3/2007, 16:50 apresentar lombalgia, edema e dificuldade respiratória. É possível que tais representações tenham surgido em função de informações obtidas com outras mulheres da comunidade. Sabe-se que a atividade física regular, moderada e orientada durante o período gestacional, promove benefícios para a saúde de mãe e filho como o controle de desconfortos músculo-esqueléticos 8,9,10, a melhora do condicionamento para o parto, aumento da tolerância à dor, controle do ganho ponderal e elevação da auto-estima11 . Portanto não se trata de alterações esperadas e normais do período gestacional para todas as mulheres e são passíveis de intervenção fisioterapêutica pré-natal. A intervenção fisioterapêutica, no grupo estudado, foi composta por cinesioterapia e orientações posturais. Tais abordagens podem ter propiciado diminuição da intensidade de possíveis desconfortos musculoesqueléticos, já que não foram relatadas dores lombares, edema ou dor em extremidades. Constatou-se também que não houve parto prematuro no grupo; que as gestantes tiveram pequena duração do parto; e que apenas uma precisou realizar cesárea, por falta de dilatação. Em síntese, observou-se que esta intervenção proporcionou melhora na aceitação da gestação; o desenvolvimento do vínculo mãe-filho; fomentou a responsabilidade com o desenvolvimento de hábitos saudáveis; ampliou os conhecimentos necessários ao desempenho dos cuidados consigo e com seus filhos; promoveu a manutenção da calma, controle da ansiedade e participação ativa no momento do parto; proporcionou o preparo para a amamentação, além de poder ter contribuído para o bem-estar das gestantes, por meio da redução dos possíveis desconfortos músculo-esqueléticos comuns no período gestacional. Os resultados alcançados demonstram a importância de implementar a assistência pré-natal, visando promover a saúde de forma integral, especialmente em comunidades carentes, onde prevalecem fatores de risco como a baixa escolaridade, a baixa renda e a desestruturação das relações familiares. REFERÊNCIAS 1. Gazaneo MM, Oliveira LF. Alterações posturais durante a gestação. 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Revista de Saúde Pública 2003;37(4):456-62. 7. Rios LF, Pimenta C, Brito, I. Rumo à adultez: oportunidades e barreiras para a saúde sexual dos jovens brasileiros. Cadernos CEDES 2002;22(57):45-61. 8. Conti MHS. Repercussões de técnicas fisioterápicas aplicadas no Programa Multidisciplinar de Preparo para o Parto e Maternidade sobre os desconfortos músculo-esqueléticos da gestação. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 2002;24(4):278. 9. De Conti MHS, Calderon IMP, Consonni EB. Efeito de técnicas fisioterápicas sobre os desconfortos músculo-esqueléticos da gestação. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 2003;25(9):647-54. 10. Polden M, Mantle J. O alívio para o incômodo da gravidez. In: Polden M, Mantle J. Fisioterapia em ginecologia e obstetrícia. São Paulo (SP): Santos; 1993. p. 133-51. 11. Batista DC, Chiara VL, Gugelmin SA. Atividade física e gestação: saúde da gestante não atleta e crescimento fetal. 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In: Fontes JA. Assistência materno-infantil. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1984. 19. Hotimsky SN, Rattner D, Venancio SI. O parto como eu vejo... ou como eu o desejo?: expectativas de gestantes, usuárias do SUS, acerca do parto e da assistência obstétrica. Cadernos de Saúde Pública 2002;18(5):130311. 20. Consonni EB. Repercussões de um Programa Multidisciplinar de Preparo para o Parto e Maternidade: ansiedade materna e resultados perinatais. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 2002;24(3):205. 21. Percegoni N, Araujo RMA, Silva MMS. Conhecimento sobre aleitamento materno de puérperas atendidas em dois hospitais de Viçosa, Minas Gerais. Revista de Nutrição 2002;15(1):29-35. 22. Giugliani ERJ, Rocha VLL, Neves JM, Polanczyk CA, Seffin CF, Susin LO. Conhecimentos maternos em amamentação e fatores associados. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro 1995;71(2):77-81. 23. Kummer SC, Giugliani ERJ, Susin LO. Evolução do padrão de aleitamento materno. 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Figueiras ACM, Puccini RF, Silva EMK. Avaliação das práticas e conhecimentos de profissionais da atenção primária à saúde sobre 236 revista_V30.pmd 236 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública vigilância do desenvolvimento infantil. Cadernos de Saúde Pública 2003;19(6):1691-9. 30. Simeonsson RJ, Cooper DH, Schheiner AP. A review and analysis of the effectiveness of early intervention programs. Pediatrics 1982;69:635-41. Recebido em 03.10.2005. Aprovado em 11.09.2006. v.30 n.2, p.224-237 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 237 237 5/3/2007, 16:50 ARTIGO ORIGINAL QUALIDADE DO DADO REFERENTE À IDADE GEST ACIONAL NO SISTEMA DE GESTACIONAL INFORMAÇÃO SOBRE NASCIDOS VIVOS (SINASC) EM TERESINA-PI Keila R. O. Gomes a, Elda S. Santos b Grazyella P. Santosb, Márcio D. M. Mascarenhasc Resumo O objetivo deste estudo é avaliar a qualidade do dado referente à variável idade gestacional (IG) no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), fornecido por maternidade-escola de referência. Trata-se de estudo em maternidade-escola de Teresina (PI), que notificou ao SINASC 56,43% dos nascidos vivos hospitalares de mães residentes no município em 2002. Para a coleta de dados nas possíveis fontes de registros hospitalares, utilizou-se formulário (DN-pesquisa) elaborado a partir da Declaração de Nascidos Vivos (DN) oficial, acrescentando-se campos como concordância da IG oficial e dos registros hospitalares, e possível método de obtenção da IG selecionado para o SINASC. O registro da variável IG no SINASC foi de 100% e em nenhuma vez considerou-se este campo como informação ignorada, apesar de em cerca de 7% dos casos não se ter localizado registro deste dado em qualquer fonte hospitalar, sendo que 95% destes foram registrados no sistema como recém-nascido (RN) de termo. A concordância entre a IG procedente do SINASC e a do registro hospitalar foi de 92%. Métodos de avaliação da IG com valor coincidente ao informado no SINASC foram constatados em 61% dos casos. O método de Capurro, de escolha para RNs de termo no hospital, foi selecionado para informação da variável ao sistema em menos de 2/3 destes casos. Concluiu-se que a qualidade do dado referente à IG no SINASC foi avaliada como excelente e confiável, apesar da necessidade de algumas melhorias. Palavras-chave: Informação em saúde. Idade gestacional. SINASC. Declaração de nascido vivo. a b c Departamento de Enfermagem e Programa de Mestrado em Ciências e Saúde do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Piauí. Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Curso de Mestrado em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Piauí. Endereço para correspondência: Rua Magalhães Filho, 575/sul, Teresina, Piauí. CEP-64001-350. Fone: (086) 222-7943. Email: [email protected] 238 revista_V30.pmd 238 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública QUALITY OF THE DATA REFERRING TO THE GESTATIONAL AGE IN THE INFORMATION SYSTEM OF LIVE BIRTHS (SINASC), IN TERESINA-BRAZIL Abstract This paper aims at evaluating the quality of the data in reference to the gestational age variable (IG) in the Information System of Live Births (SINASC), provided by a hospital maternity school. This hospital maternity, in Teresina, Piauí, Brazil, reported SINASC a 56.4% of live hospital births of resident mothers in the municipality in 2002. To collect the data from possible sources in the hospital records, a form (DN-research) that was prepared from the standard DN was used. Spaces such as concordance with the standard IG and the hospital records were added to the possible method of acquisition of the IG selected for SINASC. The registration of the IG variable in SINASC was 100% and there was no case in which this space was ignored, even though in around 7% of the cases theses data were not localized on any hospital source. 95% of these births were registered in the system as full term newborns. The concordance between the IG from SINASC and the hospital records was 92%, but there was concordance among all source data just in 16.5% of cases. Evaluation methods of IG with values concurrent to those registered in SINASC were verified in 61% of the cases. The Capurro method, the choice for term newborns in the hospital, was selected as the variable information for the system in less than 2/3 of the cases. The quality of the referred IG data at SINASC was evaluated as excellent and secure, even though there is a need for some improvement. Keywords: Health information. Gestational age. SINASC. Live birth report. INTRODUÇÃO A tomada de decisão tem como ferramenta essencial a informação, que possibilita desde o atendimento individual à abordagem das questões coletivas. Logo, conhecer a situação de saúde requer dados fundamentais ao planejamento, à organização e à avaliação de ações e serviços1. No Brasil, há os sistemas nacionais de informação em saúde, gerenciados pelo Ministério da Saúde e mantidos de forma a cumprirem-se dispositivos legais que regulamentam o Sistema Único de Saúde (SUS)1. O Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), implantado em 1990, tem como instrumento de coleta de dados a declaração de nascido vivo (DN), que registra as principais características da mãe e do recém-nascido e deve ser preenchida para todos os nascidos vivos no país2. O SINASC encontra-se numa fase em que apresenta ainda alguns problemas relacionados à qualidade e quantidade das informações, o que traz prejuízos à determinação de indicadores de saúde, tais como a taxa de mortalidade infantil, e à razão de mortalidade materna3,4. v.30 n.2, p.238-247 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 239 239 5/3/2007, 16:50 A idade gestacional (IG) é uma variável contida na DN que merece muita atenção e é considerada uma das mais estudadas na epidemiologia perinatal5. De acordo com Whaley e Wong6, a maioria das crianças de alto risco nasce antes da data provável do parto. A incidência de complicações neonatais é mais alta no RN pré-termo, além disso, a prematuridade é geralmente aceita como principal fator isolado na taxa de mortalidade infantil. As informações contidas na DN são essenciais para a identificação do perfil do recém-nascido e da mãe. Fornecem tanto informações epidemiológicas, como subsídio para a avaliação e o planejamento das políticas de saúde da mulher e da criança. A carência de informações fiéis pode comprometer, além da formulação de indicadores materno-infantis, a implementação de medidas que assegurem melhor nível de vida dessa população. Por isso, propõese, neste estudo, a avaliação da qualidade do dado referente à idade gestacional no SINASC, oriundo de declarações de nascidos vivos preenchidas em maternidade-escola de Teresina (PI). MÉTODOS No censo demográfico de 2000, Teresina possuía uma população residente de 714.583 habitantes, dos quais 94,7% residiam na zona urbana7. Em 2002, notificaram-se 14.416 nascidos vivos de mães residentes em Teresina, nos estabelecimentos de saúde existentes no municípiod. Optou-se por incluir apenas dados de residentes, por este estudo fazer parte de outro maior que inclui o perfil do RN deste grupo de mães, haja vista esta ser uma maneira indireta de se avaliar a qualidade da assistência à gestante. Nesse ano, quase 93,0% dos nascimentos ocorreram em apenas cinco das onze instituições hospitalares de Teresina que notificam ao SINASC. Dentre estes estabelecimentos, optou-se pelo de maior demanda, no qual foram notificados 56,4% dos nascidos vivos no município em 2002 e média superior a 60,0% dos nascimentos notificados em outros anos, o que faz a qualidade dos dados desta maternidade ser de extrema importância para sistemas de informação com dados do município, além do fato de ser uma instituição formadora de recursos humanos para a área da saúde. A população do estudo foi composta por todos os nascidos vivos de partos não gemelares, ocorridos no ano de 2002 na maternidade selecionada, com mãe residente no município de Teresina. Dentre os meses deste ano, sorteou-se um para a coleta dos dados, excetuando-se fevereiro, por apresentar somente 28 dias. Excluíram-se os gêmeos, em razão do teste piloto ter mostrado que, em muitos casos, seria impossível identificá-los. d Segundo informações obtidas junto à Gerência de Informação em Saúde da Fundação Municipal de Saúde de Teresina, a partir de relatório emitido pelo SINASC/2002. 240 revista_V30.pmd 240 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública Após o sorteio, foi emitido relatório completo do SINASC (banco de dados oficial) para listar os nomes das mães que deram à luz no período de 1° a 31/08/2002 na instituição, onde constavam 660 nascidos vivos. Este relatório foi o ponto de partida para obtenção de dados do Livro de Registro do RN, Prontuário da mãe e Prontuário do recém-nascido. Antes do início da coleta dos dados, solicitou-se o consentimento do gestor da maternidade e o do SINASC, garantindo-lhes o anonimato das mães. O projeto de pesquisa do qual este estudo faz parte foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPI. O instrumento de coleta dos dados utilizado nesta pesquisa foi o mesmo do estudo intitulado Avaliação da Qualidade dos Dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos em Teresina, Piauí 8. Ao formulário e à DN-pesquisa, instrumento padronizado e pré-testado, elaborado a partir da DN oficial, acrescentaram-se campos tais como os relativos à IG segundo o método de avaliação; concordância entre o dado referente à IG constante no SINASC e o obtido de registros hospitalares e a presumida fonte original do dado coletado para o sistema. Inicialmente, foram identificados os casos de interesse para o estudo por meio do Livro de Registro do RN. A seguir, preencheram-se, na DN-pesquisa, a data da última menstruação (DUM) que constava no prontuário materno e a IG calculada pela DUM, pelo método Capurro9 e pela ultra-sonografia gestacional (USG). A IG seria considerada não localizada quando esses dados não fossem localizados nos prontuários maternos ou do RN. O método de avaliação da IG foi escolhido pelo profissional que atendeu à mãe ou ao RN. Ao pesquisador coube anotar o valor registrado na fonte de dados ou recalculá-lo quando possível, pois, no caso do método Capurro, não havia como certificar-se do valor, haja vista que o estudo trabalha com informação secundária, tendo sido coletada para a pesquisa meses após o nascimento da criança. Posteriormente, os dados coletados nos registros hospitalares sobre a IG foram confrontados com o informado no SINASC. Quando houve coincidência no valor da IG, procedeuse à identificação dos métodos utilizados para o seu cálculo (DUM, Capurro ou USG), especificando-os no campo correspondente do formulário. Assim, presumidamente, identificou-se a fonte selecionada do dado referente à variável IG informada ao SINASC. Quando a IG calculada pela DUM era localizada nos registros hospitalares, realizava-se o cálculo da IG a partir da DUM coletada, utilizando-se gestograma distribuído pelo Projeto Nascer, do Ministério da Saúde. Segundo o critério utilizado por Silva et al4, para a realização do cálculo da IG pela DUM, quando não se obtivesse o dia, mas apenas o mês em que ocorreu a última menstruação, imputar-se-ia o dia 15. Quando não fosse possível obter dia e mês da última menstruação, a DUM e, conseqüentemente, a IG seriam consideradas ignoradas. 241 v.30 n.2, p.238-247 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 241 5/3/2007, 16:50 O cálculo da IG pela USG foi feito tomando-se como base a IG na referida data em que o exame realizou-se, ao qual acrescentou-se o número de dias ou semanas seguintes até a data do nascimento. As definições utilizadas para nascido-vivo quanto à IG foram as da Organização Mundial de Saúde10, que o classifica como pré-termo quando nasce com IG menor que 37 semanas; de termo quando a IG é de 37 semanas a 41 semanas e seis dias; pós-termo quando nascem com 42 semanas ou mais de gestação. Após a coleta dos dados, as informações oficiais dos nascimentos vivos, ocorridos no mês sorteado, foram importadas para o aplicativo software Epi Info, versão 6.0111. Realizou-se, então, a seleção destes casos, utilizando-se os dados relativos à idade da mãe, gestação, consultas de pré-natal, data e hora do nascimento, sexo e peso do RN, para a localização dos casos, por meio de busca manual, sendo a data do nascimento considerada o melhor identificador para o pareamento dos casos. A adoção desse critério permitiu a identificação de 84% dos casos. Utilizou-se ainda o nome da mãe para os casos não localizados com o identificador data do nascimento, mas obteve-se apenas mais 13 casos. Este procedimento foi necessário, haja vista o SINASC ter como bom identificador o número da DN, dado inexistente nos registros hospitalares. Realizadas a codificação e a conferência manual dos formulários, procedeu-se a formação do banco de dados, processo realizado no Epi Info. Para avaliação da freqüência de registro da variável que permite identificar a idade gestacional do RN no SINASC, utilizou-se a classificação definida por Mello Jorge et al 12: excelente, quando o percentual de ignorado/ branco era menor que 10%; bom, entre 10% e 29,9%, e mau, quando igual ou superior a 30%. RESULTADOS Verificou-se que dos 660 casos apontados pelo SINASC como de mães residentes, 15 eram de mães que não residiam em Teresina, sendo, portanto, excluídos da pesquisa. Além disso, houve perda de 79 casos (12,2% do total) não localizados nas fontes de registro hospitalar. Assim, foram viáveis para a pesquisa 566 casos. O registro da variável relativa à IG no sistema de informação foi de 100%, sem nenhum caso de registro do dado como informação ignorada e sendo de 92,0% a concordância da IG proveniente do SINASC em relação à IG oriunda do registro hospitalar. Quanto aos métodos de avaliação utilizados, em cerca de 40% dos casos houve coincidência de apenas um dentre os localizados nos registros hospitalares com o valor referente à IG no sistema. Os valores registrados pelos três métodos utilizados no hospital coincidiram entre si e com o valor do SINASC em apenas 16,5% dos casos. A USG foi o método menos utilizado Tabela 1 como fonte do dado IG para o sistema (T 1). 242 revista_V30.pmd 242 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública Tabela 1. Distribuição das freqüências de nascidos vivos na maternidade-escola de Teresina, em agosto de 2002, segundo os métodos de avaliação das idades gestacionais (IG) com valor coincidente com o registrado na Declaração de Nascido Vivo (DN). *IG=idade gestacional; DUM=data da última menstruação; USG=ultra sonografia gestacional. ** Excluídos 82 casos em que ou o valor não coincidiu com o da DN ou não havia registro hospitalar. Os achados revelaram que, em 93,1% dos casos, foi localizado algum registro hospitalar da IG. Mas, ao se correlacionar a IG destes registros, segundo as três categorias consideradas pela OMS e a que constava no SINASC, verificou-se que 37 dos 39 casos em que a IG Tabela 2 não foi localizada nos registros hospitalares constavam no sistema como RN de termo (T 2). Tabela 2. Distribuição das freqüências de nascidos vivos na maternidade-escola de Teresina, em agosto de 2002, segundo a duração da gestação informada no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e a localização deste dado em registros hospitalares. IG=idade gestacional. v.30 n.2, p.238-247 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 243 243 5/3/2007, 16:50 Ao analisar-se o método anotado nos registros hospitalares para avaliação da IG, em alguns prontuários havia concomitância de métodos nas anotações; observou-se que os métodos Tabela 3 mais utilizados foram o da DUM e o de Capurro (T 3). Tabela 3. Freqüência dos métodos de avaliação da idade gestacional (IG) localizados nos registros hospitalares na maternidade-escola de Teresina, em agosto de 2002. IG=idade gestacional; DUM=data da última menstruação; USG=ultrasonografia gestacional. DISCUSSÃO DOS RESUL TADOS RESULT Em pesquisa realizada em maternidades maranhenses por Silva et al4, que avaliou a qualidade dos dados do SINASC, verificou-se que o percentual de informações ignoradas ou em branco para a variável IG, utilizando-se esta classificação, foi considerado bom. Na presente pesquisa, detectou-se que a freqüência de registro no sistema foi excelente para a mesma variável, visto que, para todos os casos registrados no SINASC, este campo foi preenchido. Embora vários estudos tenham sido realizados, a partir da utilização das informações do SINASC, para descrever o perfil das mães, dos neonatos e das condições de parto, ou justificar o uso dessas informações no planejamento das ações na área da saúde materno-infantil, outras investigações epidemiológicas questionam a qualidade dessas informações no sentido de identificar inconsistências nos dados de natalidade13,14. Mesmo com estes questionamentos sobre qualidade, os achados deste estudo revelaram que as informações sobre a IG obtidas a partir do SINASC são de boa qualidade, quando se toma como referência os dados do hospital em que se avaliou o dado fornecido, haja vista a elevada coincidência entre o dado do sistema de informação e o contido nos registros hospitalares. Entretanto há elevada variação entre os valores encontrados nos registros institucionais, o que denota a falta de padronização no método de escolha para o cálculo da IG. Na prática, um mesmo Rn pode ser avaliado por todos os métodos disponíveis e dificultar a identificação mais adequada do valor atribuído à variável a ser informada na DN, o que pode levar à formação de falsos indicadores que utilizam esta medida. 244 revista_V30.pmd 244 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública Apesar da controvérsia a respeito do melhor método para se estimar a IG5,15,16,17,18,19, para Moraes e Reichenheim20, o exame clínico do RN logo após seu nascimento, em algumas situações, é o único meio disponível, tanto para pediatras, como para pesquisadores na área de saúde perinatal. A falta de acesso ao pré-natal, ou seu início tardio por grande parte das mulheres brasileiras, impossibilita a realização da USG nos períodos gestacionais de maior capacidade diagnóstica deste método. Além disso, a DUM é desconhecida em algumas situações. Nessas circunstâncias, a utilização do exame clínico do recém-nascido apresenta-se como a única estratégia para estimar a IG da criança. Dentre os métodos de avaliação da IG por meio de métodos clínicos pós-natais destaca-se o de Capurro, recomendado na maternidade onde se realizou este estudo. Neste método, características físicas e respostas a testes neurológicos são utilizados para estimar-se a idade gestacional do RN. Apesar da importância da variável em estudo, nem todos os nascidos vivos de termo foram avaliados pelo método de Capurro e estes foram quase na totalidade considerados de termo. Portanto, pondera-se que houve tendência em se considerar RN de termo os casos em que não se obteve registro hospitalar sobre a IG. Este fato pode ter levado à subestimação dos prematuros, tendo em vista que se trata de hospital de referência para gestação de alto risco e que não era rotina a DN ser preenchida por neonatologista. Assim, presume-se que na DN constava a IG estimada por pessoas não qualificadas para tal procedimento ou que os registros hospitalares não eram adequadamente feitos. Silva et al4 verificaram que há subestimação muito grande na taxa de prematuridade calculada pelo SINASC em maternidades do Maranhão, onde identificaram cerca de sete vezes mais prematuros que o SINASC. Em suma, percebem-se problemas na qualidade do dado referente à variável IG contida no sistema de informação, principalmente no que diz respeito a dados em que não havia registro hospitalar sobre a IG, com conseqüente possibilidade de subestimação da prematuridade. Isto requer melhor supervisão e controle da qualidade na coleta de dados para o SINASC, além da capacitação dos recursos humanos envolvidos na geração de dados. Em virtude da significância destes dados para o SINASC no município de Teresina, eles podem distorcer as informações utilizadas na gestão da saúde materno-infantil. No geral, os dados sobre duração da gestação, informados pelo SINASC na referida maternidade, são confiáveis, quando se tem como base o dado referente à IG contido nos registros hospitalares. Entretanto alguma melhoria deve ser implementada para uniformizar os dados registrados, haja vista que houve baixo nível de coincidência dos dados hospitalares entre si. v.30 n.2, p.238-247 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 245 245 5/3/2007, 16:50 AGRADECIMENTOS Nossos agradecimentos aos formandos do Curso de Graduação em Enfermagem da UFPI, Ketiana Melo Guimarães e Tiago de Sousa Macedo, pelo auxílio na coleta de dados. REFERÊNCIAS 1. Mota E, Carvalho DM. Sistemas de informação em saúde. In: Rouquayrol MZ, Almeida Filho N. Epidemiologia & Saúde. 5a ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 1999. p. 505-21. 2. Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. 3. Carvalho DM. Grandes sistemas nacionais de informação em saúde: revisão e discussão da situação atual. IESUS 1997;6(4):7-46. 4. Silva AAM, Ribeiro VS, Borba Júnior AF, Coimbra LC, Silva RA. Avaliação da qualidade dos dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos em 1997-1998. Rev Saúde Pública 2001;35:508-14. 5. Gjessing HK, Skjaerven R, Wilcox AJ. Error in gestational age: evidence of bleeding early in pregnancy. Am J Public Health 1999;89:213-8. 6. Whaley LF, Wong DL. Enfermagem pediátrica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1989. 7. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE; 2000. 8. Mascarenhas MDM. Avaliação da qualidade dos dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos Hospitalares ocorridos no município de Teresina-PI. Projeto de Pesquisa de Mestrado em Ciências e Saúde – Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Piauí. Teresina; 2003. 9. Capurro H, Konichezky S, Fonseca D, Caldeyro-Barcia R. A simplified method for diagnosis of gestational age in the newborn infant. J Pediatr 1978;93(1):120-2. 10. OMS - Organização Mundial de Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: 10ª rev. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português; 5a ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 1997. v. 1. 11. CDC - Center for Disease Control and Prevention. Epi Info, Versão 6.01 [programa de computador]. Atlanta, Geórgia: CDC; 1994. 246 revista_V30.pmd 246 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública 12. Mello Jorge MHP, Gotlieb SLD, Oliveira H. O sistema de informações sobre nascidos vivos: primeira avaliação dos dados brasileiros. IESUS 1996;5(2):15-48. 13. Rodrigues CS, Magalhães Júnior HM, Evangelista PA, Ladeira RM, Laudares S. Perfil dos nascidos vivos no município de Belo Horizonte, 1992-1994. Cad Saúde Pública 1997;13(1):53-7. 14. Mello Jorge MHP, Gotlieb SLD. Sistema de informação de atenção básica como fonte de dados para os sistemas de informações sobre mortalidade e sobre nascidos vivos. IESUS 2001;10(1):7-18. 15. Gabbe SG, Niebyl JR, Simpson JL. Obstetrícia: gestações normais e patológicas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. 16. Kramer MS, McLean FH, Boyd ME, Usher RH. The validity of gestational age estimation by menstrual dating in term, preterm and postterm gestations. JAMA 1988;260:3306-08. 17. Mongelli M, Wilcox M, Gordosi J. Estimating the date of confinement: Ultrasonographic biometry versus certain menstrual dates. Am J Obstet Gynecol 1996;174(1):278-81. 18. Rezende J, Montenegro CAB. Obstetrícia fundamental. 8 a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. 19. Yang H, Kramer MS, Platt RW, Blondel B, Bréart G, Morin I, et al. How does early ultrasound scan estimation of gestational age lead to higher rates of preterm birth? Am J Obstet Gynecol 2002;186(3):433-7. 20. Moraes CL, Reichecheim ME. Validade do exame clínico do recémnascido para a estimação da idade gestacional: uma comparação do escore New Ballard com a data da última menstruação e ultra-sonografia. Cad Saúde Pública 2000; 16(1):1-19. Recebido em 31.01.2006. Aprovado em 03.07.2006. v.30 n.2, p.238-247 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 247 247 5/3/2007, 16:50 ARTIGO ORIGINAL EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE: O CASO DE LAF AYETE COUTINHO (BA) LAFA José Patrício Bispo Júniora Kelly Leite Maia de Messias a José Jackson Coelho Sampaio a Resumo Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) a participação popular foi institucionalizada na gestão da saúde. Foram estabelecidas como instâncias para o exercício do controle social as conferências e os conselhos de saúde. Neste artigo analisa-se o exercício do Controle Social em Lafayete Coutinho (BA). Trata-se de um estudo exploratório de natureza qualitativa. Os dados e informações foram obtidos por meio de análise documental e entrevistas semi-estruturadas. O conselho apresenta irregularidades em sua composição e irregularidades na freqüência das reuniões. Delibera por políticas que apontam em direção à reversão da situação sanitária do município, porém com dificuldade em fazer cumprir tais deliberações. Demonstra preocupação com o funcionamento dos serviços de saúde municipais, todavia pouco delibera sobre tal problemática. E apresenta desempenho inadequado no acompanhamento da gestão financeira. Desta forma, identifica-se que o conselho apresenta limitações no exercício do Controle Social, atuando mais como homologador das decisões proferidas pelo gestor, do que como foro de construção e acompanhamento das políticas de saúde municipais. As principais questões apontadas pelos conselheiros como limitantes para o exercício do Controle Social foram a rivalidade política local, a capacitação inadequada de conselheiros e a existência de policonselheiros. Palavras-chave: Participação Comunitária. Políticas de controle social. Organização social. SUS. Política de saúde. a Universidade Estadual do Ceará (UECE) Entidade Financiadora - Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP. Endereço para correspondência: José Patrício Bispo Júnior, Av. José Moreira Sobrinho, 815, Jequiezinho, Jequié-BA. CEP: 45206-190. E-mail: [email protected] 248 revista_V30.pmd 248 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública THE EXERCISE OF SOCIAL CONTROL IN SMALL MUNICIPALITIES: THE CASE OF LAFAYETE COUTINHO-BA Abstract Popular participation has been established in Brazil under the creation of Unified Health System-SUS, as an instance for social control by means of health conferences and councils. This paper aims at assessing the exercise of social control in Lafayete Coutinho, in the state of Bahia. It is an exploratory qualitative study. The data and information were obtained by analyzing documents and interviews. The Council has irregularities in its composition, and its meetings have no regularity. The Council deliberates policies aiming at reverting the sanitary situation, however it has found difficulties in terms of their implementation. The Council shows concern with the functioning of local health services, although it does not take action with reference to this issue. Furthermore, the council demonstrates inadequate performance in terms of financial management. Thus, we identify a Council facing limitations in exercising Social Control, its actions mainly corroborating the decisions taken by the mayoral office, rater than being a locus for the construction and follow-up of local health policies. The main problems reported by counselors as limiting factors were local political rivalries, the lack of training on the part of counselors themselves, and the non-existence of poly-counselors. Keywords: Community participation. Social control policies. Social organization. SUS. Health policy. INTRODUÇÃO Com a Constituição de 19881, a participação da comunidade passa a ser um dos requisitos fundamentais para a implantação e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 1990, são publicadas as Leis 8080/902 e 8142/903 que institucionalizam e regulamentam a participação popular e o Controle Social na gestão da saúde, tendo como instâncias legalmente instituídas as conferências e os conselhos de saúde. No que se refere aos conselhos, a Lei 8142/90 define que esses são de caráter permanente e deliberativo e sua função é atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. Mas o que se pode entender por Controle Social? De acordo com a sistematização do entendimento de diversos autores4-9, Controle Social pode ser entendido como a articulação, a mobilização e a interferência da Sociedade Civil sobre o planejamento, a implementação, a avaliação e o controle das ações do Estado. Esse controle somente é exercido por meio da participação popular, entendida por Misoczky10 como processo de envolvimento dos cidadãos v.30 n.2, p.248-260 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 249 249 5/3/2007, 16:50 com o intuito de redistribuir poder na sociedade, na perspectiva de se atingir maior equidade e justiça social. A participação popular e o Controle Social, portanto, muito mais do que a finalidade de vigiar, controlar e até mesmo punir, como é entendido por alguns, têm o propósito do exercício da democracia, da cidadania e da realização do homem como construtor de sua sociabilidade. O ser humano é um ser participativo e a prática da participação facilita o crescimento da consciência crítica, fortalece o poder de mobilização e interação para o entendimento e condução de sua vida social. A concepção de gestão do SUS é essencialmente participativa e democrática. Nenhum gestor é senhor absoluto da decisão; ele deve ouvir a população e submeter suas intenções e ações à análise da sociedade para que, com base em uma avaliação coletiva, o conselho de saúde possa decidir qual a melhor política a ser implementada. O planejamento e as ações de saúde devem ser construídos coletivamente, levando-se em consideração as ponderações do poder executivo, as necessidades dos usuários e as experiências dos profissionais de saúde e dos prestadores. A existência de leis e a simples implantação dos conselhos de saúde, no entanto, não garantem uma gestão democrática e participativa no SUS11. Alguns fatores, por sua presença ou ausência, em maior ou menor intensidade, podem ser decisivos para o pleno funcionamento dos conselhos de saúde. Segundo Cortes7, dentre os fatores determinantes do processo participativo destacam-se: a organização da população local; e a disposição das autoridades em respeitar e incentivar as decisões coletivas. O pleno exercício do Controle Social e a democratização do poder, por meio dos conselhos de saúde, serão sempre facilitados na presença de um território comprometido com a ampliação dos canais de participação, em reforço ao processo de descentralização das ações de saúde. Todavia, sendo intenção do gestor desenvolver práticas de centralização, autoritarismo e descompromisso social, quanto menor o município mais fácil de tornar-se despótico12. Clientelismo e paternalismo ainda são características marcantes nas relações entre governo e grupos de interesse no Brasil, especialmente nas cidades pequenas e nas áreas rurais menos industrializadas do país. Embora a existência dos conselhos de saúde possa colaborar para a consolidação de formas mais democráticas na representação de interesses, eles têm seu funcionamento limitado e condicionado pela realidade concreta das instâncias e da cultura política dos municípios brasileiros7. O poder local não é intrinsecamente o mais democrático e pode ser autoritário como qualquer outro. Inclusive é nele que mais proximamente se dão as relações de 250 revista_V30.pmd 250 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública apadrinhamento, de personalismo, de fisiologia política. Evidentemente, quando não assegurados o respeito à participação livre do cidadão e à impessoalidade, o gestor de municípios pequenos pode tornar-se poderoso e opressor com o munícipe, pois o conhece pelo nome, família, religião, ideologia e partido político11. Desta forma, a realização de estudos que abordem as questões referentes a real situação da participação popular e do funcionamento dos Conselhos Municipais de Saúde em municípios de pequeno porte emerge como necessidade premente para uma reflexão mais cuidadosa acerca do exercício do Controle Social. Essa necessidade torna-se ainda mais evidente ao se constatar, na Bahia e no Brasil, a grande quantidade de municípios com população até 10.000 habitantes. Na Bahia, dos 417 municípios do estado, 76 encontram-se nessa faixa populacional, perfazendo um total de 18% dos municípios baianos. No Brasil, dos 5.507 municípios, quase metade 2.727 (49,5%) possui população de até 10.000 habitantes13. O presente artigo tem por objetivo analisar o exercício do Controle Social no município de Lafayete Coutinho (BA), averiguando a efetividade do Conselho Municipal de Saúde (CMS) enquanto espaço da construção coletiva das políticas de saúde municipais, e se as ações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) estão pautadas nas deliberações do Conselho. Por fim, são apontados alguns aspectos identificados como impeditivos para o pleno exercício do Controle Social no município. Tais reflexões visam contribuir com a efetivação do Controle Social e a consolidação do sistema de saúde brasileiro, na perspectiva de construção de um SUS resolutivo, democrático, humanizado e participativo. MA TERIAL E MÉTODOS MATERIAL Considerando que os CMS são espaços de conflito, caracteristicamente heterogêneos, com atores pertencentes a classes sociais diversas, representando, muitas vezes, interesses contrários e correlação de forças também desigual, optou-se pelo método dialético, por ser capaz de desvelar os fenômenos sociais como resultado da convivência de contrários e contradições que se harmonizam14. Trata-se de um estudo exploratório de natureza qualitativa, para o qual foi escolhido como campo da pesquisa o CMS de Lafayete Coutinho (BA). Os dados e informações foram obtidos por meio de Análise Documental e de Entrevistas semi-estruturadas, tendo a fase de campo ocorrida entre fevereiro e abril de 2005. Os documentos analisados foram: decretos, leis e portarias municipais; relatórios anuais de gestão da SMS; planos municipais de saúde; e relatórios das Conferências Municipais de Saúde. Além desses documentos, foram analisadas as atas do conselho do período de 1997, ano de sua criação, até 2004, período em que se finda esta pesquisa. Perfazendo um total de oito anos de atas analisadas. v.30 n.2, p.248-260 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 251 251 5/3/2007, 16:50 Foram entrevistados oito conselheiros de saúde, sendo cinco usuários e três prestadores. O processo de seleção dos entrevistados fundamentou-se no protagonismo dos atores, que foram identificados e selecionados, de acordo ao conteúdo das atas, por seu desempenho nas atividades do conselho. Para a realização das entrevistas, foi estabelecido contato prévio com os sujeitos, quando foram esclarecidas as finalidades, os procedimentos para sua realização e agendada a data de sua efetivação. As entrevistas foram gravadas em aparelho cassete de áudio, transcritas pelo próprio entrevistador e, posteriormente, submetidas ao processo de análise. Para a análise das entrevistas, optou-se pela técnica de Análise do Discurso, por ser capaz de tratar o discurso como elemento de mediação necessária entre o homem e sua realidade e como forma de engajá-lo na própria realidade, que é lugar de conflito e de confronto ideológico. A utilização dessa técnica subentende que o homem não pode ser estudado fora da sociedade, uma vez que os processos que o constituem são histórico-sociais15. Assim, essa técnica que dispõe dos recursos necessários para captar, de forma profunda, a subjetividade dos significados dos discursos, possibilitou desvelar, nos discursos dos sujeitos, o lugar da estrutura social de onde falam, a representação do sentido coletivo da classe a que pertencem e o processo de determinação histórica das posições ocupadas. O projeto da pesquisa que deu origem a esse artigo foi submetido ao crivo do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), sendo concedido parecer favorável a sua realização. Foram respeitadas as exigências éticas estabelecidas pela Resolução 196/9616 do Conselho Nacional de Saúde, sendo esclarecidos aos entrevistados o objetivo da pesquisa, a garantia do anonimato e o direito de desistir de participar da mesma. Antes da realização da entrevista, foram procedidas leitura e assinatura do Terno de Consentimento Livre e Esclarecido, ficando uma cópia com o entrevistador e uma com o entrevistado. RESUL TADOS E DISCUSSÃO RESULT Localizado na Região Sudoeste da Bahia, o município de Lafayete Coutinho foi criado no ano de 1962, por desmembramento do município de Maracás. Possui uma população de 4.102 mil habitantes13 . O município integra a região do semi-árido nordestino, apresentando opções restritas de economia e renda. Sua agricultura caracteriza-se por ser de natureza familiar e de subsistência e a prefeitura constitui-se como principal pólo empregador. Os principais indicadores econômicos e sociais demonstram a condição adversa a que está submetida sua população. A taxa de analfabetismo do município é de 37,5%, a mortalidade infantil alcança 49,2% e a proporção de pobres chega a 70,50%17. 252 revista_V30.pmd 252 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública O CMS de Lafayete Coutinho foi criado em junho de 199718 como exigência para o processo habilitação do município na gestão plena da atenção básica. Já em sua formação inicial, o Conselho apresenta uma série de irregularidades, indo de encontro ao preconizado pela Lei 8142/90 e pela Resolução 33/92d do Conselho Nacional de Saúde. Dentre essas irregularidades iniciais, destaca-se o fato do conselho ser composto apenas por representantes dos prestadores e dos usuários, com a exclusão dos profissionais de saúde; e pelo fato do prefeito municipal ter sido empossado como conselheiro municipal de saúde. Esta última condição evidencia uma atitude de desrespeito, inibição e enfraquecimento do espaço de exercício do Controle Social, ocupando o prefeito, indevidamente, um espaço de debate e de construção coletiva, em que sua simples presença pode ser capaz de inibir a manifestação de alguns conselheiros e impedir posicionamentos mais críticos sobre a saúde do município. Deve-se destacar que as irregularidades quanto à composição do CMS e posse dos conselheiros não são características exclusivas de sua formação inicial. No decorrer de sua história, o CMS de Lafayete Coutinho sofreu diversas alterações, com frequentes quebras da paridade e exclusão de segmentos que deveriam compor o conselho. No que se refere à freqüência das reuniões, observa-se uma grande irregularidade (Quadro 1). Das 96 reuniões que deveriam ocorrer no período em estudo, 1997-2004, foram Quadro 1 realizadas 37, correspondendo a apenas 38,5% do total previsto. Fonte- Lafayete Coutinho/Livro de Ata do CMS. 1997-200419. Quadro 1. Reuniões realizadas pelo CMS de Lafayete Coutinho. 1997-2004. Independente de uma avaliação qualitativa em relação às discussões do conselho e ao desempenho de suas atribuições, uma frequência tão reduzida de reuniões comprova um d Resolução vigente quando da criação do CMS de Lafayete Coutinho. v.30 n.2, p.248-260 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 253 253 5/3/2007, 16:50 funcionamento precário e pode sugerir um inadequado exercício do Controle Social no município. As demandas em saúde e o debate sobre as políticas públicas não teriam espaço suficiente para serem definidas em tão poucas reuniões. De acordo com as análises do livro de atas19 e os discursos dos conselheiros, a escassez de reuniões ocorria em virtude da não convocação regular por parte da presidência do conselho, a convocação em período de tempo demasiadamente curto e o desinteresse de alguns conselheiros. Em algumas ocasiões, o conselho deixou de se reunir por falta de quorum e em muitas ocasiões reuniu-se com quorum mínimo. No que se refere ao processo de convocação das reuniões, os discursos evidenciam a forma irregular de convocação e a consequente dificuldade de comparecimento dos conselheiros às reuniões. “Às vezes, as reuniões eram de última hora, que eu acho que uma reunião onde tem entidade da zona rural participando, no mínimo, no mínimo, o ofício tem que chegar lá dois dias antes, no mínimo.” (Entrevistado 4). “Muito curto o tempo da convocação [...] Inclusive eu mesmo já falhei por contra disso, de última hora, às vezes até em prestação de conta, eu tava indo almoçar. Ah! Vai ser agora duas horas. Eu não tenho condição. Eu sempre reclamei disso, mas nunca mudou, né?” (Entrevistado 6). A desmotivação dos conselheiros é considerada uma causa básica para debilidade do processo participativo 20. Em Lafayete Coutinho, dentre os motivos desencadeadores da desmotivação em participar, os discursos apontam a própria irregularidade no processo de convocação e realização das reuniões. Quanto ao desempenho do CMS, foi realizado um levantamento de suas principais deliberações, que foram agrupadas em três categorias: estado de saúde da população e as políticas públicas de saúde; organização e funcionamento dos serviços de saúde; e, por fim, gestão financeira e prestação de contas dos recursos da saúde do município. Os assuntos referentes ao estado de saúde e às políticas públicas estiveram, em regular freqüência, na pauta de discussão do conselho e as condições de vida e saúde da população lafayetense foram objeto de seguidos debates no conselho. O CMS, por vezes, deliberou por ações, condições de gestão e programas que apontavam em direção à reversão das condições de saúde da população. Todavia, deve ser destacado que a maioria das deliberações referentes às políticas de saúde e à mudança do modelo de gestão foram por iniciativa da SMS, da Secretaria de Saúde do 254 revista_V30.pmd 254 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública Estado da Bahia (SESAB) ou do Ministério da Saúde. Essas proposições, muitas vezes, eram impostas ao conselho como única e melhor alternativa para a saúde do município, conforme desvela o discurso a seguir: “Às vezes, às vezes a diretoria do próprio conselho já chegava com o pacote feito, chegava com o pacote feito, né?! E a gente tinha só que cumprir. Quer dizer, a gente não podia escolher.” (Entrevistado 4). Tal situação demonstra uma fragilidade técnica e política dos conselheiros municipais, que, referente a essa questão, atuavam muito mais como homologadores das proposições do gestor, abstendo-se de seus papéis de propositores e formuladores das políticas locais de saúde. Ainda que a maioria das ações fossem propostas pela SMS, o Conselho de Saúde encontrava dificuldade no cumprimento das deliberações. A análise dos Relatórios de Gestão da SMS21-22 em confronto com as deliberações do conselho comprova o cumprimento parcial ou o não cumprimento de boa parte das deliberações do conselho. Tal condição desvela a fragilidade no exercício do Controle Social no município e uma afronta às legislações nacional e municipal, que atribuem ao conselho caráter deliberativo, devendo o chefe do poder executivo implementar as deliberações da plenária do conselho. As categorias organização e funcionamento dos serviços de saúde foram as que mais se fizeram presentes na pauta do CMS de Lafayete Coutinho. No entanto, a maioria destes assuntos ficou apenas no nível da discussão, ou apenas da comunicação pela SMS da implantação ou mudança do funcionamento dos serviços de saúde. As deliberações todo conselho para a melhoria ou ampliação dos serviços de saúde do município foram escassas. Tal situação reflete uma atitude de impotência do conselho frente aos problemas de saúde que afetam a população lafayetense, que, no entanto, eram constantemente debatidos no conselho. Na análise das categorias prestação de contas e gestão financeira, pôde-se comprovar que a SMS não era a responsável pela gestão dos recursos financeiros da saúde, visto que, em muitos momentos, a prestação de contas, bem como o Relatório de Gestão foram apresentados pelo secretário municipal de administração e não pelo secretário municipal de saúde. No que se refere à atuação do conselho frente à gestão financeira da saúde do município, pôde-se concluir que o CMS de Lafayete Coutinho não exercia, de forma efetiva, uma atitude fiscalizadora e de acompanhamento e controle dos recursos destinados à saúde municipal. Tal afirmação fundamenta-se no fato do conselho não exigir da SMS uma prestação de contas regular. Ainda que o conselho tenha deliberado que as prestações de contas deveriam ocorrer v.30 n.2, p.248-260 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 255 255 5/3/2007, 16:50 trimestralmente, raramente ocorreram nesse espaço de tempo, sendo, na maioria das vezes realizadas semestral ou anualmente. E como agravante dessa situação, os exercícios financeiros de muitos períodos não foram em nenhum momento apresentados, apreciados ou aprovados pelo conselho. A forma como se dava o processo de prestação de contas também comprova a inefetividade do conselho no acompanhamento da gestão financeira. As apresentações dos balancetes aconteciam de forma superficial e sucinta, sem a possibilidade de uma análise aprofundada por parte dos conselheiros. “Eles traziam na hora da aprovação, não era debatido com o tempo adequado. Tal dia prestação de contas, e aí chegava na hora, passava a pasta pra gente ler, tudo, tava tudo certinho, entendeu? Gastou tanto com isso, tanto com aquilo. Mas a gente não sabia como era na realidade.” (Entrevistado 6). Além da forma como se dava o processo de prestação de contas, um outro ponto a ser destacado, sobre a ineficácia do conselho no acompanhamento da gestão financeira do município, foi a aprovação de alguns exercícios financeiros, mesmo diante de denúncias e comprovações de irregularidades. Mediante esse cenário, três questões principais foram apontadas pelos conselheiros como contribuintes para dificultar o exercício do Controle Social em Lafayete Coutinho: a rivalidade política local; a capacitação inadequada; e a questão dos policonselheirose. A rivalidade dos grupos político-eleitorais interfere direta e substancialmente no desempenho do conselho. Todos os conselheiros entrevistados foram unânimes em afirmar a prejudicial interferência das disputas locais no desenrolar das atividades do conselho. “Geralmente, a questão política, né?! Por que eu votei no ‘candidato A’, mas quem ganhou foi ‘candidato B’, então não tenho interesse de participar.” (Entrevistado 1). “Infelizmente, acontecem questões políticas. Porque se foi contra o prefeito, eles não participam, porque vão dizer, ah! Eu vou beneficiar o prefeito, eu não gosto dele. Mas esquece que não tão beneficiando o prefeito, tão beneficiando o município, então, tem que saber distinguir uma coisa da outra. Muitas pessoas deixam de participar por pura e Neologismo utilizado para se referir aos cidadãos que participavam de vários conselhos. 256 revista_V30.pmd 256 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública política [...] As pessoas, mais que a preocupação com a saúde do município, estão preocupadas com a rixa política.” (Entrevistado 2). “[...] mas também tinha da parte dos conselheiros alguns que misturavam a questão política, a política partidária. Aí muitos não participavam justamente por isso, ah! Eu sou da oposição, o prefeito, o secretário que chamou, eu não vou lá, né?” (Entrevistado 4). Essa situação demonstra a existência de uma cultura política primitiva e coronelista, que ainda se faz presente em áreas rurais e cidades pequenas7 , obstacularizando o processo de democratização da sociedade. Atkinson, Fernandes, Caprara e Gideon 23 apontam a dificuldade nas relações de poder e a cultura de dominação e apropriação do espaço público, desenvolvidas em áreas rurais do nordeste do Brasil. Práticas como essas tornam evidente a necessidade de se repensar o exercício no Controle Social no Brasil, na perspectiva de se desenvolver práticas sociais de amadurecimento político e elevação da consciência cidadã, com vistas a que os fóruns de participação social possam ser utilizados como verdadeiros instrumentos na construção de uma sociedade democrática. A debilidade da capacitação dos conselheiros de saúde também se constitui em obstáculo para o pleno exercício do Controle Social em Lafayete Coutinho. Durante os oito anos de existência do conselho de saúde, apenas um único curso de capacitação, no período de sua fundação, foi realizado no município. Após esse período, o conselho, por duas vezes, renovou seu quadro de conselheiros, sem que esses tivessem acesso a qualquer tipo capacitação ou treinamento. Vázquez, Siqueira, Kruze, Da Silva e Leite24, estudando os processos de participação em saúde na América Latina, apontam que o acesso à informação e à capacitação continuada dos participantes é elemento chave para o bom desempenho das instâncias participativas. Atividades de educação e atualização de conselheiros devem acontecer de maneira periódica e continuada, com vistas a proporcionar aos conselheiros uma adequada consciência de seu papel e uma competente qualificação para exercê-lo. Uma outra questão apontada por alguns conselheiros como capaz de influenciar no funcionamento do conselho é a existência dos policonselheiros. O modelo de gestão adotado no país, após a Constituição de 19881, com forte ênfase na descentralização e na democratização, preconiza a criação de conselhos, em vários setores, nos três níveis de governo, tais como: saúde, educação e bem-estar social. No entanto, o processo de formação dos conselhos parece ter desencadeado uma particularidade inerente aos municípios de pequeno porte: conselhos de vários segmentos são compostos, basicamente, pelos mesmos cidadãos. v.30 n.2, p.248-260 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 257 257 5/3/2007, 16:50 Em virtude de sua pequena população, nos municípios de pequeno porte, poucos são os cidadão com maior escolaridade, maior capacidade de retórica ou maior consciência do próprio protagonismo político, que assumem o desafio de participar. Dessa forma, alguns cidadãos acabam fazendo parte de muitos conselhos, conforme destacam os discursos a seguir. “[...] poderia ser feito assim a convocação de pessoas que tivesse mais disponibilidade de participar das reuniões, que às vezes o conselheiro de saúde é conselheiro do bemestar social, é conselheiro da merenda... aí sempre tá tendo reuniões [...] Têm pessoas que acumulam muitas funções, alguns reclamavam. Ah! Tenho reunião, sair de uma reunião agora do conselho da merenda, sair de uma reunião do conselho do bemestar, e já vai ter reunião do conselho de saúde.” (Entrevistado 1). “[...] Porque as mesmas pessoas que participam do conselho de saúde, participam do Faz-Cidadão, participam do Fórum dos Usuários da Água, participam de uma série de coisa [...] Então o que nos deixa de uma certa forma triste no caminhar de tudo isso, é que infelizmente acabava nas mãos das mesmas pessoas [...] Porque são os únicos que querem compromisso, que querem ver a coisa fluir, querem ver melhor.” (Entrevistado 4). Essa situação, de poucos cidadãos participando de muitos conselhos do município, coloca duas questões que precisam ser debatidas e enfrentadas pela sociedade: Quais os motivos que levam ao desinteresse de grandes parcelas da população sobre a questão da participação? Quais as estratégias necessárias e adequadas para despertar maior interesse da população pela participação? Essas são questões essenciais que precisam ser encaradas e cuja solução precisa ser buscada, a fim de se avançar no processo de democratização da sociedade e envolvimento dos cidadãos nos assuntos referentes a sua saúde e à saúde da coletividade. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988. 2. Brasil. Lei 8080/90. Diário Oficial da União de 19 de Setembro de 1990. Brasília; 1990. 3. Brasil. Lei 8142/90. Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 1990. Brasília; 1990. 4. Bourdon R. Dicionário crítico de Sociologia. Tradução Maria Alcoforada. São Paulo: Ática; 1993. 258 revista_V30.pmd 258 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública 5. Carvalho AI. Conselhos de Saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. São Paulo: Fase; 1995. 6. Correia MVC. Que Controle Social? Os conselhos de saúde como instrumento. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2000. 7. Cortes MVC. Construindo a possibilidade de participação dos usuários: conselhos e conferências no Sistema Único de Saúde. Sociologias 2002;7:18-49. 8. Ribeiro JM. Conselhos de saúde, comissões intergestoras e grupos de interesse no Sistema Único de Saúde (SUS). Cadernos de Saúde Pública 1997;13:181-92. 9. Santos L, Carvalho GI. Das formas de controle social sobre as ações e os serviços de saúde. Saúde em Debate 1992;34:60-6. 10. Misoczky MC. Gestão participativa em saúde: potencialidades e desafios para o aprofundamento da democracia. Saúde em Debate 2003;27(65):336-47. 11. Lima JC. Representatividade e participação das bases na categoria dos usuários de um Conselho Municipal de Saúde. Saúde em Debate 2001;25(59):29-39. 12. Paim JS. Saúde: Política e reforma sanitária. Salvador: ISC/CEPS; 2002. 13. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE; 2001. 14. Demo P. Metodologia científica em Ciências Sociais. 3ª. ed. São Paulo: Atlas; 1981. 15. 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Prevetion and promotion in decentralized rural health systems: a comparative study from northeast Brazil. Health Policy and Planning 2005;20(22):69-79. 24. Vázquez ML, Siqueira E, Kruze I, Da Silva A, Leite IC. Los processos de reforma e la participacion social em salud em América Latina. Gaceta Sanitaria 2002;16(1):30-8. Recebido em 15.02.2006. Aprovado em 03.07.2006. 260 revista_V30.pmd 260 5/3/2007, 16:50 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública CUSTOS DE CONSUL TAS MÉDICAS EM PESSOAS COM DIABETES MELLITUS CONSULT DURANTE UM PROGRAMA EDUCA TIVOa EDUCATIVO Carla Regina de Souza Teixeira b Maria Lúcia Zanetti c Resumo Este estudo objetiva comparar e analisar o número e os custos de consultas médicas, consultas médicas de urgência e procedimentos médicos, um ano antes e um ano depois da implementação de um Serviço de Medicina Preventiva (SEMPRE) durante a participação de um programa educativo em diabetes mellitus. Na coleta de dados, do sistema informatizado SEMPREqualidade de vida, foram obtidos os dados sócio-demográficos; do sistema Serious-Unimed Ribeirão Preto, extraiu-se as variáveis relacionadas aos custos da assistência médica. Para a análise estatística, utilizou-se o teste t-student. Dos 42 sujeitos investigados, 36 possuem o diabetes tipo 2; e 6 o tipo 1. Em relação aos gastos em urgência, houve redução de 74,91% com as pessoas com diabetes mellitus tipo 1 e 40,4% no tipo 2. No tocante aos gastos com procedimentos médicos em geral, houve redução de 11,1% no tipo 2 e 3,8% no tipo 1, comparando-se um ano antes e um ano depois da participação no SEMPRE. Quanto às consultas médicas, não houve diferença durante a participação do programa educativo no SEMPRE, mantendo-se a média de uma consulta por mês, por pessoa. Contudo reforça-se a necessidade dos sistemas de informação constituírem-se em prérequisito para um serviço de atenção à saúde coordenado, integrado e orientado por evidências científicas. Palavras-chave: Diabetes melittus. Gastos em saúde. Enfermagem. a b c Extraído da tese A atenção em diabetes mellitus no serviço de medicina preventiva-SEMPRE: um estudo de caso apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Enfermagem, em 03 de dezembro de 2003. Professor Doutor junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professor Associado junto ao Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência correspondência: Av. Bandeirantes, 3900, Ribeirão Preto, São Paulo. Cep: 14.040-902. E-mail:[email protected] v.30 n.2, p.261-271 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 261 261 5/3/2007, 16:50 COSTS OF MEDICAL APPOINTMENTS DURING PARTICIPATION IN A DIABETES MELLITUS EDUCATION PROGRAM Abstract This study aimed to compare and evaluate the number and costs of medical appointments, urgent medical appointments and medical procedures one year before and one year the implementation of a Preventive Medicine Service (SEMPRE), during participation in a diabetes mellitus education program. Sociodemographic data were obtained from the information system SEMPRE-quality of life, while variables related to the direct costs of medical care were taken from Serious-Unimed RP. Student’s t-test was used for statistical analysis. Study subjects were 42 persons, 36 of whom were type 2 diabetes patients and 6 type 1. We found a 74.9% decrease in expenditures on urgent medical procedures for type 1 patients and 40.4% for type 2 between the two moments of study. Expenditures on medical procedures in general decreased by 11.1% for type 2 patients and 3.8% for type 1. What the number of medical appointments is concerned, the average of one appointment per month per patient was found for both patient categories before and after their participation in the education program. We highlight the need for information systems as a prerequisite for a coordinated and integrated diabetes mellitus health care service that is guided by scientific evidence. Keywords: Diabetes mellitus. Health costs. Nursing. INTRODUÇÃO A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta, no Relatório Mundial sobre doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) e saúde mental, que as condições crônicas constituem problemas de saúde que persistem e requerem gerenciamento contínuo e permanente1. A rápida ascensão das DCNTs representa um grande desafio para o setor saúde no tocante ao desenvolvimento global. Pesquisadores, formuladores de políticas e defensores da saúde pública nas Américas reconhecem, cada vez mais, a necessidade de apoiar a luta contra as DCNTs. Nesse sentido, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) identificou objetivos programáticos e políticas que buscam efetivar a prevenção e controle das DCNTs nas Américas2. As DCNTs de maior importância para a saúde pública na América Latina e Caribe são as doenças cardiovasculares, câncer e diabetes mellitus. Dentre essas, o diabetes mellitus (DM) é considerado um fardo econômico, social e pessoal para as instituições e famílias. Na década de 1990, o DM afetou a saúde de 110 milhões de indivíduos, mas esse número poderá dobrar para 221 milhões até 20103. Há, na literatura, estudos que demonstram a redução e prevenção das complicações crônicas do DM, reforçando a importância da educação em diabetes como o caminho para o 262 revista_V30.pmd 262 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública alcance desses objetivos3. Essa estratégia educacional tem um impacto impressionante sobre o comportamento das pessoas com DM, sua evolução de saúde, assim como nos custos de atendimento à saúde em diabetes. Estudos mostraram que as mudanças no estilo de vida, por meio da educação continuada das pessoas com diabetes mellitus, resultam em redução de peso, melhor controle glicêmico, da pressão arterial e lipídeos e, conseqüentemente, reduzem os riscos cardiovasculares3. No sistema de saúde americano, usa-se o termo atenção gerenciada para descrever uma variedade de mecanismos pelos quais as operadoras de planos de saúde buscam conter os custos e/ou racionalizar a utilização de serviços e insumos incorporados em cada tratamento. Tais planos e produtos fazem parte de um sistema que integra financiamento e prestação de assistência à saúde, bem como as organizações que oferecem tal cobertura – health maintenance organizations/HMOs, preferred provider organizations/PPOs – e planos denominados point-ofservice/POS – ponto de serviço –, consideradas formas mais atualizadas de prestação de serviços a oferecerem maior poder de escolha aos beneficiários3. Nesse sentido, os planos de saúde buscam conter os custos e oferecer o maior número de benefícios para diferenciar-se no mercado. Os problemas de saúde, em sua grande maioria, não necessitam de grandes recursos técnicos no estabelecimento de diagnóstico e podem ser resolvidos por medidas e condutas clínicas e terapêuticas simples, realizadas pelo médico e pela equipe de saúde capacitada4. A complexidade do DM, seu caráter crônico e suas complicações crônicas e agudas exigem freqüentes períodos de atenção, supervisão médica e acompanhamento pela equipe de saúde. Para atender a estes aspectos, surgem os serviços de medicina preventiva nos planos de saúde, oferecendo o apoio contínuo da equipe multiprofissional para complementar o atendimento do médico, principalmente, nas doenças crônico-degenerativas. Nessa perspectiva, a medicina preventiva constitui-se um espaço de mudanças nas práticas de saúde e contribui para a organização dos sistemas de saúde público e privado, sendo fundamental para o atendimento eficaz em DM. Por outro lado, cabe ressaltar a preocupação das cooperativas médicas com a redução dos riscos de complicações importantes e, conseqüentemente, dos custos da assistência médica. Desta maneira, constitui-se em objeto da presente investigação comparar e analisar o número e os custos de consultas médicas, de consultas médicas de urgência e procedimentos médicos, um ano antes e um ano depois de participação no Serviço de Medicina Preventiva em diabetes mellitus. v.30 n.2, p.261-271 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 263 263 5/3/2007, 16:50 MA TERIAL E MÉTODOS MATERIAL Trata-se de um estudo descritivo e observacional, no qual dois pontos foram analisados: um ano antes e um ano depois de participação no Serviço de Medicina Preventiva em diabetes mellitus. O trabalho no SEMPRE é multiprofissional, realizado por meio de encontros grupais. Atende pessoas com doenças crônicas. Para o estudo foram eleitas pessoas adultas e crianças com diabetes mellitus. Das 86 pessoas com DM, cadastradas na implementação do SEMPRE, no período de junho a novembro de 2001, 44 foram excluídas por descontinuidade no atendimento. Deste modo, a população do estudo foi constituída por 42 pessoas com DM tipos 1 e 2 que participaram do programa educativo em DM por um ano. A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2002 a abril de 2003. Nessa etapa, utilizou-se o sistema informatizado denominado SEMPRE-Qualidade de vida. O acesso foi realizado por meio do nome do usuário do SEMPRE, sendo extraídas as informações sobre as variáveis sociodemográficas (data de cadastro, sexo, idade, estado civil e escolaridade). Os dados mais expressivos indicaram que 69,1% dos sujeitos do estudo são do sexo feminino, 47,6% possuíam o primeiro grau incompleto, 54,7% são casados e 35,7% estão na faixa etária de 70 a 79 anos de idade. No segundo sistema, denominado Serious-Unimed-RP, o acesso foi realizado por meio do código do usuário na cooperativa, registrado na ficha cadastral de cada usuário. Nesse sistema, foram obtidas as informações sobre as variáveis relacionadas aos custos diretos da assistência médica (número e valor em reais de consultas médicas, procedimentos médicos, número e valor em reais de consultas de urgências). Buscou-se as informações referentes a um ano antes e um ano depois da participação do programa educativo no SEMPRE. Para a criação do banco de dados, as informações obtidas nos arquivos dos sistemas informatizados Serious e Qualidade de Vida foram registradas nas planilhas previamente elaboradas e digitadas no Microsoft Excel-1997. Para a análise estatística, utilizaram-se os testes para dados pareados (o teste t- student para diferença entre médias), uma vez que as variáveis foram observadas em tempos diferentes com os mesmos indivíduos. O estudo foi realizado após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética e Pesquisa do local de estudo, em março de 2002, atendendo à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. RESULTADOS Dos 42 (100%) sujeitos investigados, 36 (85,7%) possuíam o diabetes tipo 2 e 6 (14,3%), o tipo 1. O valor pago pela cooperativa foi de R$ 46.723,00 em um ano antes da participação no SEMPRE, variando de R$ 2.394,30 a R$ 8.610,83 por mês e média de R$ 108,11 por pessoa/mês. Durante o primeiro ano no SEMPRE, o valor total foi de R$ 41.510,16, variando 264 revista_V30.pmd 264 5/3/2007, 16:50 Revista Baiana de Saúde Pública de R$ 1.926,14 a R$ 6.007,96 por mês e média de R$ 96,08/mês, com redução de 11,1% durante o programa educativo no SEMPRE. Em relação ao número de consultas médicas realizadas, as pessoas com DM tipo 2 totalizaram 445 consultas em um ano antes do SEMPRE, sendo a média de 37 consultas por mês e 1 consulta por pessoa mensal. Durante o ano no SEMPRE, foram realizadas 412 consultas, sendo a Gráfico 1 média de 34 consultas por mês e 0,95 consulta por pessoa no mês (Gráfico 1). Fonte: Programa Serious-Unimed de Ribeirão Preto, 2002 Gráfico 1. Distribuição numérica das consultas médicas realizadas pela população estudada segundo o tipo de diabetes e o tempo de participação no SEMPRE, Ribeirão Preto, 2002. Quanto aos gastos em urgência, as pessoas com DM tipo 2 totalizaram, em um ano antes do SEMPRE, R$ 2.149,60 e durante o ano no SEMPRE, R$ 1.279,28, com redução de 40,4% (T 1). Em relação às consultas médicas de urgência, as pessoas com DM tipo 2 realizaram, em Tabela 1 um ano antes do SEMPRE, 44 consultas e durante o ano no SEMPRE, 23 consultas, com redução de Gráfico 2 21 consultas, representando 47,7% (Gráfico 2). Realizados os testes estatísticos, considerando o total do ano anterior e o total do ano posterior para cada pessoa com Diabetes tipo 2, verifica-se que, para a variável gasto em urgência, consultas de urgência, gasto em procedimentos médicos e consultas médicas a hipótese de igualdade não é rejeitada, ou seja, não existe diferença significativa a um nível de significância de 5% entre as médias observadas, ou seja, estatisticamente não existe diferença entre as médias dos anos antes e após o SEMPRE. v.30 n.2, p.261-271 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 265 265 5/3/2007, 16:50 Tabela 1. Custos em urgência e procedimentos médicos em reais das pessoas diabéticas tipos 1 e 2, em um ano antes e um ano durante a participação no SEMPRE, Ribeirão Preto, SP, 2002. Fonte: Programa Serious-Unimed de Ribeirão Preto, 2002 Fonte: Programa Serious-Unimed de Ribeirão Preto, 2002. Gráfico 2. Distribuição numérica das consultas médicas de urgência realizadas pela população estudada segundo o tipo de diabetes e o tempo de participação no SEMPRE, Ribeirão Preto, 2002. Em relação às pessoas com DM tipo 1, estas gastaram, em urgências, R$ 1.457,03 em um ano antes do SEMPRE e R$ 365,52 durante o primeiro ano no SEMPRE, variando de 266 revista_V30.pmd 266 5/3/2007, 16:51 Revista Baiana de Saúde Pública R$ 58,72 a R$ 651,52 antes do SEMPRE e de R$ 40,80 a R$ 539,58, por mês, durante o SEMPRE, Tabela 1). 1 Quanto ao valor gasto no diabetes tipo 1 apresentando a redução de 74,91% nos gastos (T em procedimentos médicos, o valor foi de R$ 3.254,47 um ano antes do SEMPRE e R$ 3.128,74 depois do SEMPRE, com redução de 3,8% (T 1). As pessoas com DM tipo 1 realizaram 9 Tabela 1 consultas médicas/mês antes, sendo a média de 1,5 consulta/pessoa/mês e 7 por mês em um ano Gráfico 1 no SEMPRE, sendo a média de 1,1 consulta/pessoa/mês (Gráfico 1). Realizados os testes estatísticos, considerando o total do ano anterior e o total do ano posterior para cada diabético tipo 1, verifica-se que, para a variável gasto em urgência, consultas de urgência e consultas médicas, a hipótese de igualdade não é rejeitada, ou seja, não existe diferença significativa a um nível de significância de 5%. Já para a variável gasto com procedimentos médicos, a hipótese de igualdade é rejeitada, ou seja, existe diferença significativa entre as duas médias, antes e após o SEMPRE. DISCUSSÃO Verificou-se a ocorrência de apenas uma mudança significativa com a inclusão do SEMPRE, observada para a variável gasto com procedimentos médicos. No entanto a não rejeição da hipótese de igualdade para os outros casos foi determinada pelos valores altos do desvio padrão, ou seja, devido à grande variabilidade existente entre os indivíduos. As pessoas com doença crônica, que possuem planos de saúde, realizaram maior número de consultas médicas em 12 meses em relação ao serviço público. A média de consultas médicas foi de 5,6/mês para aqueles com plano de saúde e 4,7/mês para os demais. Embora a aquisição de um plano de saúde tenha possibilitado maior utilização de consultas médicas, a diferença foi apenas de uma consulta, mostrando que a cobertura oferecida pelo Sistema Único de Saúde tem sido próxima àquela oferecida pela aquisição de um plano particular, empresarial5. Em países desenvolvidos, a taxa de utilização de consultas médicas é mais elevada. No Japão, 92% dos indivíduos adultos utilizam, em média, 2 a 2,5 consultas médicas/mês6. Em um inquérito de saúde norte-americano, observou-se, em 1995, a média de 5,8 consultas médicas por mês, nos últimos 12 meses, para a população total. Esse valor aumenta com a idade, chegando a 11,1/mês consultas para os indivíduos com 65 anos ou mais. A taxa de utilização é maior entre as mulheres e entre os mais pobres (renda familiar abaixo de 15 mil dólares anuais) e sem diferenças entre brancos e negros5. Em 1996, aproximadamente 14% das pessoas com diabetes relataram ter freqüentado a sala de urgência7. Na Califórnia, entre os indivíduos adultos, maiores de 40 anos de idade, em um estudo de intervenção, há o relato de 5,86 visitas ao médico ou a um serviço de emergência nos últimos 6 meses8. v.30 n.2, p.261-271 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 267 267 5/3/2007, 16:51 A utilização de serviços de saúde pelas pessoas que apresentam problemas crônicos de saúde é consideravelmente maior do que a observada entre a população em geral. Ao analisar os gastos em saúde efetuados pelas organizações administradoras de saúde norte-americanas, verifica-se que 84% dos recursos são direcionados para o tratamento e a recuperação e apenas 16% para prevenção dos agravos à saúde9. As pessoas com doenças crônicas, embora correspondam a 20% dos clientes, consomem em torno de 80% dos recursos dos serviços de saúde. As pessoas com diabetes mellitus perfazem 8% dos gastos totais com internações hospitalares; as complicações crônicas de diabetes são os principais gastos com internação hospitalar10. Em cada 1.000 pessoas com diabetes mellitus, 135 hospitalizam-se em comparação a 95 por 1.000 pessoas sem diabetes. As pessoas com diabetes mellitus são hospitalizadas quatro dias a mais do que as pessoas sem diabetes mellitus, concluindo-se que a utilização do hospital contribui com uma carga econômica desproporcional entre as pessoas11. As pessoas que possuem planos de saúde apresentam maior facilidade de internação, quando comparados aos que não o possuem5. Dessa maneira, ressalta-se que outros estudos devem ser conduzidos, identificando-se atividades preventivas para diminuir as internações hospitalares. Consideramos que a evolução, principalmente do DM tipo 2 para o tratamento insulínico, e as complicações crônicas constituem-se em indicadores de avaliação em saúde e incrementam o impacto sobre os custos diretos da assistência12. A avaliação dos benefícios deve levar em consideração não apenas o impacto sobre a doença e os custos de seu manejo, mas também a extensão na qual afeta todos os outros aspectos de atenção à saúde dos usuários. Os encargos de saúde tornam-se excessivos quando as condições crônicas são mal gerenciadas. O impacto dos problemas crônicos em saúde vai além dos gastos normais relacionados ao tratamento médico1. Nesse contexto, torna-se difícil implementar modelos de planejamento ou controle de desempenho que abranjam todo o sistema cooperativista médico. Mesmo em relação a procedimentos de controle de custo e inflação médica, observa-se grande variabilidade entre as singulares da Unimed, tanto nos mecanismos implementados, como nos resultados obtidos, sem que se realize qualquer tipo de monitoramento sistemático destas experiências13. Uma dualidade permanente é identificada no interior do sistema cooperativo, marcado pela competição entre os objetivos da organização, quando explicitados – diminuir o grau de utilização dos serviços, para otimizar a relação receita/despesa –, e os objetivos dos profissionais em aumentar seus ganhos com o aumento da produtividade. Tal situação permeia, de maneira clara, os interesses e as demandas dos usuários13. Acredita-se, contudo, que os conhecimentos sobre estratégias e práticas de promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida contribuirão na formação de novos sujeitos 268 revista_V30.pmd 268 5/3/2007, 16:51 Revista Baiana de Saúde Pública das práticas de saúde. Se, por um lado, há o investimento por parte de serviços de saúde em prevenção de doenças e agravos à saúde, por outro há a necessidade de investir-se em esforços coletivos pela socialização da promoção à saúde e na formação de novos sujeitos políticos coletivos que se mobilizem pela transformação do novo pensar e fazer em saúde. A experiência, como enfermeira, de participar do planejamento e implementação do SEMPRE e a reflexão durante o processo de construção desta investigação permitem tecer algumas reflexões sobre a atenção em diabetes mellitus nos serviços de saúde. Acredita-se que essas informações poderiam constituir-se em fontes de evidências importantes para o desenvolvimento de estudos futuros. Porém, reforça-se a necessidade dos sistemas de informação tornarem-se pré-requisito para um serviço de atenção à saúde coordenado, integrado e orientado por evidências científicas. Este estudo, por traduzir uma dinâmica de trabalho multiprofissional em diabetes mellitus, implementado na iniciativa privada, aponta uma proposta inovadora dentro das atuais mudanças nos serviços de saúde no Brasil. Na realização deste estudo, percebeu-se que, se os serviços de saúde apresentarem uma estrutura adequada, há probabilidade de um processo eficaz e, conseqüentemente, melhores resultados. Acredita-se que as características dentro de cada componente (estrutura-processoresultado) diferem de lugar para lugar e de época para época e são determinadas pelo ambiente social, político, econômico e físico em que se insere o serviço de saúde. Os projetos de reorganização das práticas de saúde necessitam de definição de estratégias para a avaliação, sintonizadas com as modificações propostas em um novo modelo assistencial, que ultrapassem o atendimento à demanda espontânea, centrada no cuidado médico individual. O tratamento em condições crônicas requer um tipo diferente de serviço de saúde e exige mudanças no estilo de vida e gerenciamento da saúde por período extenso. Enfrentar esses desafios implica em decisão política de aceitar e incorporar, como um problema a ser solucionado, a reorientação dos serviços de saúde para as condições crônicas. Até mesmo porque, educar em diabetes mellitus, como doença crônica não-transmissível é um processo que deve ser avaliado continuamente, encarando-se, inclusive, os resultados negativos de um processo avaliativo. Acredita-se que os serviços de saúde devem enfatizar o tratamento do usuário que tem diabetes e não o diabetes em si. Os serviços de saúde deveriam redirecionar o enfoque do tratamento para programas de prevenção e as necessidades das pessoas que apresentam condições crônicas. A promoção da saúde, a prevenção e a assistência são elementos fundamentais para o alcance de serviços efetivos. v.30 n.2, p.261-271 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 269 269 5/3/2007, 16:51 CONCLUSÕES Pôde-se concluir que dos 42 (100%) sujeitos investigados, 36 (85,7%) possuíam o diabetes tipo 2 e 6 (14,3%), o tipo 1. Quanto aos custos diretos da assistência médica, nos gastos em urgência, houve redução de 74,91% nos casos de diabetes mellitus tipo 1 e 40,4% no tipo 2. Já em relação aos gastos com procedimentos médicos em geral, houve redução de 11,1% no tipo 2 e 3,8% no tipo 1, comparando um ano antes e um ano depois da participação no SEMPRE. Quanto às consultas médicas, não houve diferença durante a participação do programa educativo no SEMPRE, mantendo-se a média de uma consulta por mês por pessoa, tanto para o diabético tipo 1 como para o do tipo 2. A análise estatística demonstrou que há diferença significativa entre a média antes e depois da participação no SEMPRE na variável gasto com procedimentos médicos para os diabéticos tipo 1. No entanto a não rejeição da hipótese de igualdade para as outras variáveis foi determinada pelos valores altos do desvio padrão, ou seja, devido à grande variabilidade existente entre os indivíduos. Ressalta-se que estudos sobre medicina preventiva podem subsidiar o planejamento de ações efetivas, bem como servir de base para avaliar o impacto de futuras intervenções. REFERÊNCIAS 1. Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação: relatório mundial. Brasília; 2003. 105 p. 2. Organização Pan-Americana da Saúde. Carmen - Iniciativa para a prevenção integrada de doenças não-transmissíveis nas Américas. Brasília; 2003. 32 p. 3. International Diabetes Federation. Complicações do diabetes e educação. Diab. Clín. 2002 maio/jun.;6(3):217-20. 4. 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Aprovado em 04.07.2006. v.30 n.2, p.261-271 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 271 271 5/3/2007, 16:51 ARTIGO ORIGINAL QUEIXAS VOCAIS EM LOCUTORES DE RÁDIO DA CIDADE DO SAL VADOR-BAHIA SALV Carla Lima de Souza a Célia Regina Thomé b Resumo O locutor de rádio atrai a atenção do público unicamente por sua voz. Sendo assim, é indispensável a adoção de cuidados a fim de preservar seu instrumento de trabalho. O objetivo deste estudo foi determinar a prevalência de sintomas vocais e fatores de risco associados nesses profissionais da radiodifusão. A pesquisa foi desenvolvida com locutores de emissoras de rádio em AM e em FM da Cidade do Salvador, segundo relação fornecida pelo Sindicato dos RadialistasBahia. Participaram da pesquisa 52 locutores, sendo 25 deles profissionais de emissoras com modo de transmissão em AM e 27 de emissoras em FM. Os dados foram coletados por meio de questionário fechado. A prevalência de sintomas vocais foi de 21%. Encontrou-se associação com fatores relativos ao perfil do profissional e hábitos de saúde vocal. Pôde-se concluir que estes profissionais necessitam de orientações quanto ao uso e cuidados com a voz. Palavras-chave: Voz. Sintomas. Saúde ocupacional. VOCAL COMPLAINTS BY CASTING PROFESSIONALS Abstract Casting professionals attract the attention of the audience exclusively through their voices. Therefore, specific care is essential for preserving their main tool. The Study aimed at determining the prevalence of vocal symptoms in these casting professionals, as well as investigating possible risk factors. The research was developed in AM and FM radio stations in the city of Salvador, based on a list provided by the Bahia Radio Worker’s Union. 52 speakers took part in the research, being 27 from FM stations and 25 from AM. Data were collected through a multiple-choice questionnaire. According to the results, the prevalence of vocal symptoms a b Mestranda em Saúde Coletiva (ISC/ UFBA), Especialização em Audiologia - saúde do trabalhador (CEFAC), Docente da Universidade Federal da Bahia. Mestranda em Fonoaudiologia (PUC/ UNIME), Especialização em Voz (CEFAC), Docente da Universidade Federal da Bahia. Endereço para Correspondência: Carla Lima de Souza. Instituto de Ciências da Saúde - Departamento de Fonoaudiologia, Av. Reitor Miguel Calmon, s/n, 1º andar, Vale do Canela - Salvador, Bahia, Brasil. CEP 40110-100. Tel: (71) 245-8339 (71) 2458602 / (71) 9167-2297. E-mail: [email protected] 272 revista_V30.pmd 272 5/3/2007, 16:51 Revista Baiana de Saúde Pública corresponds to 21%. Association was found with factors related to the professional’s profile and vocal health habits. It was possible to conclude that such professionals need to be oriented regarding voice care. Keywords: Voice. Symptoms. Occupational health. INTRODUÇÃO Entre os meios de comunicação de massa, o rádio é o mais popular e o de maior alcance, no Brasil e no Mundo1. O locutor de rádio atrai a atenção do público unicamente por sua voz. Sendo assim, é indispensável a adoção de cuidados, a fim de preservar seu instrumento de trabalho. Considerando-se a incidência de alterações vocais e o impacto em suas carreiras, os profissionais da voz poderiam ser comparados aos atletas, os quais, pela demanda física, estão mais sujeitos a lesões do que a população geral. Enquanto o atleta toma medidas corretivas ao menor sinal de alteração, o profissional da voz assume uma atitude de risco, adiando o diagnóstico e o tratamento até o momento em que é praticamente impedido de atuar2. O uso da voz em caráter profissional, sem o necessário preparo específico, pode sobrecarregar o aparelho fonador e gerar adaptações deficientes que se refletem numa disfonia, ou seja, numa dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural da voz3. O primeiro passo na identificação de alterações vocais é conhecer a queixa ou sintoma de um indivíduo. Sintoma “[...] é o que o paciente relata sobre seu problema e suas características.” 4: 22 Os principais sintomas de distúrbios vocais envolvem: rouquidão; fadiga vocal ou cansaço após a fala prolongada; soprosidade ou constante necessidade de reabastecer o suprimento de ar somado a dificuldade em fazer-se ouvir; extensão fonatória reduzida, em geral associada a cantores com dificuldades em alcançar algumas notas; afonia ou ausência de voz; quebras de freqüência ou dificuldade de controlar a freqüência da voz; voz tensa/comprimida ou necessidade de esforço ao falar; e, por último, tremor ou incapacidade de produzir um som estável sustentado4. Uma série de sintomas podem ser relacionados ao abuso agudo ou crônico, ou mau uso do mecanismo vocal: pigarro; rouquidão; cansaço ao falar; falhas na voz; ardor; ressecamento da boca ou garganta; dificuldade para engolir; perda da voz; sensação de aperto ou corpo estranho; sensação de pescoço inchado; dor5. Muitos destes sintomas podem resultar de não adoção de medidas de higiene vocal. “Higiene vocal consiste de normas básicas que auxiliam a preservar a saúde vocal e prevenir o aparecimento de alterações e doenças” 6. Fazem parte destas normas básicas atitudes como: cuidar em manter postura corporal ereta e pés apoiados no chão; realizar v.30 n.2, p.272-283 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 273 273 5/3/2007, 16:51 aquecimento vocal antes do uso profissional da voz; realizar desaquecimento e repouso vocal após o uso profissional da voz; manter hidratação adequada, ingerindo 2 litros de água por dia ou de 8 a 10 copos; ingerir líquidos na temperatura ambiente; evitar uso indiscriminado de medicamentos; evitar uso de soluções caseiras; evitar falar em intensidade excessiva, tossir e pigarrear freqüentemente; não fazer uso de drogas, álcool ou fumo, entre outros cuidados6. Com relação ao tipo de emissora de rádio, afirma-se que existe diferença significativa entre a forma de atuação dos locutores de AM e FM7,8,9. De modo geral, os locutores de rádio em AM dispõe de mais tempo para falar, o que exige um maior preparo, pois necessitam freqüentemente improvisar8. Durante suas apresentações, conversam com os ouvintes de forma mais direta, discutindo sobre as tarefas da vida diária, acontecimentos e fazem chamadas musicais. Na maior parte das rádios em FM, os locutores buscam, por meio da voz, transmitir a idéia de dinamismo, agitação, um estilo jovem7. A característica fundamental da emissora em FM é a transmissão de música e entretenimento. “Fala-se menos e de uma maneira mais rápida e objetiva.” 8:97 Esta pesquisa teve por objetivos determinar a prevalência de sintomas vocais e fatores de risco associados nesses profissionais da radiodifusão. MATERIAL MA TERIAL E MÉTODOS Realizou-se um estudo transversal com locutores de rádios comerciais da cidade de Salvador, com modo de transmissão em AM e FM. Para estimar a população de estudo, foi utilizada a base de dados do Sindicato dos Radialistas (SINTERP-Ba), cujo universo de locutores radialistas era de 132 profissionais, distribuídos em 17 emissoras de rádio, sendo 7 em AM e 10 em FM. Os dados foram coletados por meio de questionário fechado, auto-aplicado. Este instrumento buscou conhecer as características do profissional que indicariam a possibilidade de presença ou predisposição a alterações vocais. Queixa vocal foi definida como variável dependente. As variáveis independentes formam cinco categorias, a saber: características gerais (sexo, idade); características inerentes à profissão (tempo de profissão, tipo de emissora, formação preparatória, atividade paralela, distúrbio vocal ao longo da carreira); hábitos potencialmente maléficos à saúde vocal (uso de fumo, uso de bebida alcoólica, beber líquidos gelados durante a locução, falar sempre em forte intensidade, trabalhar em ambiente com ar-condicionado, ingerir café durante a locução, pigarrear, uso de sprays, pastilhas e semelhantes); e hábitos potencialmente benéficos à saúde vocal (beber no mínimo 8 copos de água por dia, beber água na temperatura ambiente, postura ereta e pés 274 revista_V30.pmd 274 5/3/2007, 16:51 Revista Baiana de Saúde Pública apoiados no chão, realizar aquecimento vocal, realizar desaquecimento vocal, fazer repouso vocal após a locução). A participação de cada indivíduo esteve subordinada à assinatura prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo assegurado aos participantes o anonimato. O instrumento da pesquisa foi adaptado do protocolo desenvolvido por Navarro e Behlau5. Do total de 132 locutores de rádios comerciais da Cidade do Salvador, não foi possível acesso a 7 emissoras, onde trabalhavam 33 locutores. Dos 99 locutores restantes, distribuídos entre 10 emissoras, 52 devolveram os questionários devidamente preenchidos. A pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, sob número de protocolo 008-02. RESUL TADOS RESULT A idade dos locutores variou entre 23 e 68 anos, sendo a média 36,5 anos. Quanto ao sexo, 43 (82,7%) são do sexo masculino. O tempo de profissão variou entre 3 meses e 52 anos, com média de 15,5 anos. Há uma maior concentração de profissionais na faixa entre 11 e 20 anos, com 22 (42,3%). Quanto à formação preparatória para o exercício da profissão, 32 (61,5%) locutores responderam afirmativamente. Além da locução de programas de rádio, 32 (61,5%) dos indivíduos exercem alguma atividade paralela, em que também é necessário utilizar a voz. Destas, a atividade mais freqüentemente citada foi a locução de comerciais 14 (43,8%). Do total de indivíduos, 45 (86,5%) afirmaram ter procurado um ou mais tipos de trabalho vocal para aperfeiçoar a voz, sendo mencionados com maior freqüência dicção 36 (80%), impostação 20 (44,5%) e preparação vocal 19 (42,2%). A fonoterapia foi citada como recurso utilizado para aprimoramento vocal por 5 (11%) locutores. Verificou-se que 7 (13,5%) profissionais afirmaram ter sofrido algum distúrbio vocal ao longo da carreira, sendo as fendas glóticas a alteração mais citada. No momento da coleta de dados 11 (21%) locutores afirmaram apresentar uma ou mais queixas vocais. Houve uma grande variabilidade quanto ao tipo de queixa mencionada; dor na garganta 3 (5,8%) foi a mais frequentemente citada, conforme demonstra a Tabela 1 1. Com relação à adoção de hábitos adequados de cuidado com a voz, bem como aos hábitos prejudiciais ao bom desempenho vocal, encontram-se demonstrados nas Tabelas 2 e 3 3. Verificou-se associação entre ter queixas vocais e: ser do sexo feminino (RP=1,19); ter maior tempo de profissão (11 a 20 anos, RP=1,27; 21 a 30 anos, RP=1,16); atuar em emissora com modo de transmissão em AM (RP=1,29); não ter formação preparatória para o exercício da v.30 n.2, p.272-283 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 275 275 5/3/2007, 16:51 profissão (RP=1,56); desenvolver atividade paralela que requeira o uso da voz (RP=1,09); ter tido distúrbio vocal ao longo da carreira (RP=1,43). Tabela 1. Distribuição numérica e percentual das queixas vocais referidas pelos locutores. Tabela 2. Freqüência de adoção de hábitos de cuidado com a voz pelos locutores. Tabela 3. Freqüência de adoção de hábitos prejudiciais à voz pelos locutores. Quanto aos chamados hábitos maléficos ou benéficos à saúde vocal, encontrou-se associação com presença de queixa vocal e: beber líquidos gelados durante a locução (RP=1,28); 276 revista_V30.pmd 276 5/3/2007, 16:51 Revista Baiana de Saúde Pública ingerir café durante a locução (RP=2,2); ingerir chocolate, leite ou derivados antes ou durante a locução (RP=1,69); uso de sprays, pastilhas ou semelhantes (RP=1,25); e não realizar aquecimento vocal (RP=1,53). Os valores encontrados estão descritos nas Tabelas 4, 5 e 6 6. Tabela 4. Associação entre queixa vocal e características gerais e inerentes à ocupação. *grupo de referência DISCUSSÃO Os resultados obtidos evidenciam a importância de conhecer as características do locutor de rádio, no que se refere às queixas e aos cuidados com a voz, a fim de que se desenvolvam abordagens específicas de intervenção, seja de caráter reabilitativo, sejam ações preventivas. Estudos epidemiológicos com esta categoria profissional ainda são escassos e devem ser ampliados. O desenvolvimento do distúrbio de voz relacionado ao trabalho é multicausal, podendo estar associado a diversos fatores, que podem desencadear ou agravar o quadro de v.30 n.2, p.272-283 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 277 277 5/3/2007, 16:52 alteração vocal do trabalhador, de forma direta ou indireta10. Neste estudo, as associações encontradas com a presença de queixas vocais apresentam plausibilidade científica. Tabela 5. Associação entre queixa vocal e hábitos potencialmente maléficos à saúde vocal. *grupo de referência Estudos descrevem maior suscetibilidade das laringes femininas ao impacto vocal, justificando a ocorrência maior de lesões nas pregas vocais, como nódulos, entre as mulheres. Isto ocorre devido a fatores como a proporção glótica feminina, que favorece o fechamento incompleto à fonação11; a quantidade menor de ácido hialurônico nas pregas vocais, que tem o papel de resistir a forças de compressão, o que torna o sexo feminino mais sensível aos efeitos do fonotrauma12. Embora o fator tempo no estudo das disfonias seja relacionado primariamente com demanda vocal diária, é importante considerar também o efeito do uso excessivo ao longo dos 278 revista_V30.pmd 278 5/3/2007, 16:52 Revista Baiana de Saúde Pública anos. O tempo de profissão é um dado que se associa com a maior prevalência de sintomas vocais. Tabela 6. Associação entre queixa vocal e hábitos potencialmente benéficos à saúde vocal. *grupo de referência Num estudo com professores, o sintoma vocal apareceu nos primeiros anos de profissão, com aumento da prevalência desses sintomas quanto maior o tempo de docência13. Um estudo semelhante encontrou associação estatística entre diagnóstico referido de “calo nas cordas vocais” e tempo de trabalho como docente maior que oito anos14. Com relação ao tipo de emissora, afirma-se que locutores de rádios em AM têm alta demanda vocal devido à característica dos programas que apresentam, noticiário com comentários. Os locutores de FM, por outro lado, têm demanda vocal menor, visto que intervém no decorrer da programação musical somente para informar o nome da rádio, da música e a hora9. v.30 n.2, p.272-283 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 279 279 5/3/2007, 16:53 O uso da voz em caráter profissional, sem o necessário preparo específico, pode sobrecarregar o aparelho fonador e gerar adaptações deficientes que se refletem numa disfonia³. Este dado justifica maior prevalência de sintomas vocais entre indivíduos que não tiveram formação preparatória para exercer a profissão. Para muitos locutores, a prática é sua própria escola. No princípio da carreira, entretanto, procuram imitar um profissional consagrado, o que, às vezes, gera adaptações prejudiciais15,16. Na população estudada, 32 (61,5%) indivíduos passaram por curso preparatório, a fim de obterem o registro profissional. Estes correspondem aos locutores mais jovens. Este dado indica a modificação na regulamentação da profissão de radialista, que passou a requerer formação específica. Legalmente, o locutor pode trabalhar no máximo cinco horas diárias17 . Porém, é muito comum que os profissionais desempenhem atividades paralelas que requeiram uso intensivo da voz. O emprego da voz deve ser caracterizado pelo tempo e intensidade de uso vocal no desempenho da atividade profissional e, neste caso, deve ser considerado o tempo total despendido. O fato de o profissional ter desenvolvido um distúrbio vocal ao logo da carreira indica uma predisposição a distúrbios vocais. A referência freqüente a sintomas neste grupo pode ser sinal de que os indivíduos estão mais atentos a seus sintomas. Os locutores de rádio, embora reconheçam a voz como instrumento de trabalho e demonstrem interesse em preservá-la, deixam de adotar medidas importantes para manutenção da saúde vocal, possuindo conhecimento insuficiente sobre os cuidados com a voz. Um estudo realizado com locutores de rádio encontrou que estes profissionais não detinham conhecimento quanto à higiene vocal, não adotavam cuidados especiais com a voz ou o faziam de forma inadequada15. Sabe-se que alimentos e bebidas gelados são potencialmente nocivos, pois o choque térmico causa uma descarga imediata de muco e edema nas pregas vocais6. O café favorece a desidratação do organismo e, consequentemente, da mucosa das pregas vocais. Além disso, aumenta o nível de acidez, podendo induzir o refluxo gastroesofágico18. Chocolate, leite e derivados aumentam a secreção do muco no trato vocal, prejudicando a ressonância, além de induzirem a produção de pigarro6. Balas, pastilhas e sprays locais podem atenuar sensações desagradáveis durante a emissão da voz, porém acabam por mascarar a dor do esforço vocal, prejudicando ainda mais as mucosas6. 280 revista_V30.pmd 280 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública O condicionamento vocal é uma estratégia útil na prevenção de problemas vocais e na manutenção da qualidade vocal adequada ao uso profissional da voz. O aquecimento vocal envolve exercícios de resistência e flexibilidade vocais, devendo ser realizado imediatamente antes do início da atividade vocal16. Os achados deste estudo confirmam que os locutores de rádio, embora reconheçam a voz como instrumento de trabalho e demonstrem interesse em preservá-la, deixam de adotar medidas importantes para manutenção da saúde vocal, possuindo conhecimento insuficiente sobre os cuidados com a voz5,9,15,16,. Como limitações deste estudo têm-se o número pequeno de participantes, o que compromete seu poder de generalização. Além disso, não foram avaliados em profundidade aspectos relacionados ao ambiente de trabalho. Sabe-se que, em geral, as condições de trabalho dos locutores em estúdio são mais favoráveis, com amplificação e retorno adequados, sendo fatores nocivos ar-condicionado e presença de ácaros. Já a locução em ambiente externo, como em reportagens ou narrativa de futebol, pode levar ao desgaste vocal pela exposição ao ruído competitivo, retorno ausente ou inadequado, uso prolongado da voz em forte intensidade2. Estes dados reforçam a importância da orientação a estes profissionais sobre a saúde vocal, o que pode ocorrer durante os cursos de formação. CONCLUSÃO A prevalência de sintomas vocais nesta população de locutores de rádio é de 21%, associando-se a este dado fatores relativos ao perfil do profissional e hábitos de saúde vocal. Os sintomas vocais são mais prevalentes nos profissionais do sexo feminino, com maior tempo de profissão, que atuam em emissoras em AM, não tiveram formação preparatória para o exercício da profissão, desenvolvem outras atividades que requeiram o uso da voz e tenham desenvolvido distúrbio vocal ao longo da carreira. Além disso, não realizar aquecimento vocal e manter hábitos como beber líquidos gelados ou ingerir café durante a locução, ingerir chocolate, leite ou derivados antes ou durante a locução e uso de sprays, pastilhas ou semelhantes estão relacionados às queixas vocais. É de suma importância que estes profissionais recebam orientações adequadas sobre uso profissional da voz e hábitos de higiene vocal, visando a prevenção de alterações, o que deveria ocorrer durante os cursos de formação. v.30 n.2, p.272-283 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 281 281 5/3/2007, 16:53 REFERÊNCIAS 1. Ortriwano GS. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 3 a. ed. 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Foi realizado um estudo seccional entre adolescentes internadas para assistência ao parto ou pós-abortamento numa maternidade pública de Salvador. Calcularam-se razões de prevalência de abortamento segundo uso ou não de contraceptivos ao engravidar. Foi realizada análise estratificada e de regressão logística dessa associação por grupos de idade, escolaridade, estado civil e gestação prévia. A prevalência de abortamento entre as usuárias de anticoncepcionais foi 2,3 vezes maior que entre não usuárias. Escolaridade foi um confundidor desta associação. Encontrou-se interação entre contracepção, gestação anterior e estado civil. A razão de odds ajustada por anos de estudo foi maior em estratos de adolescentes sem história de gestação prévia e solteiras. Conclui-se que é preciso aumentar a efetividade dos serviços de saúde voltados para o planejamento familiar, melhorando a informação das adolescentes sobre a correta aplicação dos anticoncepcionais e assegurando a continuidade do uso dos métodos. Palavras-Chave: Contracepção. Abortamento. Planejamento familiar. Adolescentes. Prevalência. CONTRACEPTIVES USE AND ABORTION AMONG TEENAGERS Abstract Abortion is a cause of mother morbi-mortality and its prevalence in Brazil remains high, mainly among youngsters. This study aimed at testing the association between failure in a b c Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Hospital Ana Néri, Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Maternidade Tsylla Balbino. Secretaria da Saúde do Estado da Bahia Endereço para correspondência: Bruno Gil de Carvalho Lima. Rua Basílio da Gama, s/n, Campus do Canela Salvador-BA CEP 40110-040. E-mail: [email protected] 284 revista_V30.pmd 284 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública contraceptive use and abortion among teenagers. A sectional study was developed, including teenagers assisted in a public maternity in Salvador during delivery or after an abortion. Prevalence ratios of abortion according to use of contraceptives before pregnancy were calculated. Stratified and logistic regression analysis was conducted of such association by groups of age, years of education, marital status and previous pregnancies. The prevalence of abortion among teenagers using contraceptives was 2,3 times greater than that of non-users. Educational level was a confounder of such association. Interaction between contraception, previous pregnancy and marital status was found. The odds ratio adjusted by years of education was greater in strata of teenagers with no previous gestation and single ones. We concluded it is necessary to improve the effectiveness of family planning health services, with more information to teenagers regarding the correct application of contraceptive methods and reassuring the continuity of their use. Keywords: Contraception. Abortion. Family Planning. Teenagers. Prevalence. INTRODUÇÃO O abortamento e complicações secundárias à interrupção da gestação, como hemorragias e infecções, encontram-se entre as causas mais prevalentes de mortalidade materna no mundo1,2,3,4,5,6. Tem-se verificado o declínio da letalidade associada a práticas abortivas, provavelmente em decorrência da preferência por métodos não invasivos, como o uso de misoprostol, em lugar das sondas uterinas, mais utilizadas no passado3,7,8. Um fator determinante do risco de submeter-se a tais procedimentos é a sua legalidade, já que países onde a prática é proibida apresentam maiores taxas de mortalidade por abortamento, devido às precárias condições de realização em situação de clandestinidade1,9,10, além do risco de seqüelas, como problemas ginecológicos e infertilidade, e maior chance de complicações em gestações subseqüentes11. Entretanto o decréscimo da mortalidade por causas relacionadas ao abortamento é provavelmente conseqüência apenas da diminuição da letalidade, pois a sua prevalência permanece elevada. Em alguns países, como Brasil e Bolívia, registram-se taxas progressivamente maiores de utilização do sistema de saúde para curetagens uterinas motivadas por interrupções gestacionais, indicando o aumento da freqüência de abortamentos7,12 , sobretudo entre adolescentes13,14,15. Em Salvador (BA), até um terço dos internamentos de mulheres entre 13 e 20 anos em maternidade pública foram secundários a aborto16. A taxa de fecundidade no Brasil tem diminuído de forma constante nas últimas décadas, exceto entre adolescentes13,17. A precocidade do início da atividade sexual e a falha em iniciar e manter a utilização de métodos contraceptivos têm sido apontadas como possíveis causas v.30 n.2, p.284-293 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 285 285 5/3/2007, 16:53 do aumento do número de gestações indesejadas na adolescência, verificando-se que os jovens conhecem os anticoncepcionais, mas a irregularidade e a falta de planejamento das relações sexuais e mitos em relação à performance sexual, entre outros fatores, contribuem para a descontinuação dos métodos14,17. Essa situação associa-se à baixa escolaridade e à dificuldade de acesso a serviços específicos para essa faixa etária, bem como à representação da gravidez por algumas adolescentes como uma oportunidade de realizar o sonho do casamento e alcançar a autonomia econômica e emocional em relação à família de origem15,17. Um inquérito populacional detectou, em Salvador (BA), que 37,8% das mulheres sexualmente ativas já haviam vivenciado uma gestação antes dos 20 anos, proporção maior que no Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS)18. Levinson, Sadigursky e Erchak19, observaram que, a despeito dos níveis elevados de informação sobre métodos anticoncepcionais, as adolescentes, no município de Salvador, apresentavam dificuldades em transpor tais conhecimentos para uma prática contraceptiva continuada e adequada19. É possível que, em nosso meio, iniciativas anticoncepcionais inadequadas entre as adolescentes sejam um dos fatores associados à elevada freqüência de abortamento neste grupo populacional. Este trabalho tem como objetivo investigar a existência de associação entre a falha no uso de contraceptivos e a prática do abortamento entre adolescentes. MA TERIAL E MÉTODOS MATERIAL Realizou-se um estudo observacional de corte transversal, incluindo-se na amostra todas as gestantes adolescentes, de 13 a 20 anos de idade, internadas no período de agosto a novembro de 1996, na Maternidade Tsylla Balbino, localizada em Salvador (BA). Para o cálculo do tamanho da amostra, considerou-se a estimativa de prevalência de abortamento de 30% em população adolescente atendida em unidade de emergência obstétrica do município20,21, admitindo-se uma precisão absoluta de 5%, a um nível de confiança de 95%. Com base nesses parâmetros, observou-se que seria necessária uma amostra de, no mínimo, 323 pacientes22. Prevendo-se perdas no processo de coleta, optou-se por entrevistar 433 pacientes. Para testar a associação entre falha no uso de contraceptivos e abortamento, com nível de confiança de 95% e poder de 80%, para uma proporção de não expostas para expostas de 2:3 em Salvador16 e prevendo proporção de 23% de abortamento entre as não expostas, seria necessário incluir 383 pacientes para detectar uma razão de prevalência de, pelo menos, 1,6, segundo o programa Statcalc do freeware EpiInfo, versão 6, condição preenchida pela amostra estudada. As participantes foram entrevistadas por uma assistente social e uma enfermeira, depois de assegurados o anonimato e a impessoalidade das informações coletadas. As pacientes 286 revista_V30.pmd 286 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública internadas para assistência ao parto foram abordadas durante o período puerperal, antes da alta hospitalar, enquanto aquelas internadas por abortamento responderam às questões passado o efeito da indução anestésica necessária ao procedimento realizado (curetagem uterina). Não foram convidadas a participar da investigação puérperas no período de pós-parto imediato, recémchegadas do Centro Obstétrico, em consideração ao provável cansaço apresentado imediatamente após os procedimentos relacionados à parturição/curetagem, nem as que se encontravam repousando, mas apenas aquelas que estavam descansadas, despertas, aptas a serem abordadas. Foram assim consideradas as pacientes que já estivessem respondendo às solicitações inerentes à própria assistência numa maternidade pública, ou seja, avaliação por obstetra da unidade em visita diária à enfermaria, avaliação do recém-nascido por pediatra da unidade, visita da nutricionista, orientação para o aleitamento materno, cuidados com a higiene do recém-nascido e orientação sobre calendário vacinal e contracepção. A variável dependente foi o motivo do internamento obstétrico, podendo ser assistência ao parto ou após abortamento. Uso de contraceptivo foi a variável independente, enquanto idade maior ou menor que 18 anos, escolaridade (menos ou mais de 6 anos de estudo), estado civil e gestação prévia foram as covariáveis estudadas, que, segundo o modelo preditivo elaborado, seriam possíveis variáveis modificadoras de efeito ou confundidoras. Para a análise dos dados, empregou-se o programa SPSS for Windows 11.0, estimando-se razões de prevalência (RP). Como medidas de precisão, utilizaram-se os intervalos de confiança de 95% (IC95%). Além da medida de associação bruta, foi realizada uma análise estratificada para identificação de interação e confundimento, estimando-se as medidas estratoespecíficas para cada covariável com respectivos intervalos de confiança. Também foram utilizados modelos de regressão logística para estimar medidas de associação (no caso, a odds ratio ou razão de odds – OR), testar interação e confundimento. O teste da razão de verossimilhança (LRT) foi utilizado para avaliar interação. Aceitaram-se como confundidoras as covariáveis que inserissem uma diferença maior que 5% entre a medida de associação bruta e a ajustada. O projeto de pesquisa não foi submetido a um Comitê de Ética em Pesquisa porque, à época da realização do estudo, ainda não estavam disponíveis tais fóruns nem a estrutura institucional para garantir a adequação à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, publicada em outubro daquele ano, portanto, depois de iniciada a coleta de dados. Foi dada às pacientes a opção de não participar do estudo, sendo incluídas aquelas que deram seu consentimento oral depois de informadas sobre os objetivos da pesquisa. v.30 n.2, p.284-293 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 287 287 5/3/2007, 16:53 RESULTADOS Características da Amostra A distribuição das adolescentes segundo as duas variáveis quantitativas contínuas foi assimétrica, uma vez que as idades se concentraram entre os valores de 18-19 anos, e os anos de estudo tenderam a valores mais elevados, de 5 a 9, com poucos indivíduos de 1 a 3 anos. Foi observado afastamento de ambas as variáveis da normalidade. A mediana de idade foi 18 e a de escolaridade, 6 anos de estudo. A Tabela 1 demonstra que as adolescentes, de acordo com a exposição (uso de contraceptivos), não eram comparáveis quanto à idade, aos anos de estudo e gestação prévia. As usuárias de contraceptivos apresentavam menor proporção de gestação prévia, de escolaridade maior que seis anos de estudo e de idade maior que 18 anos, ou seja, a maioria das adolescentes que não usavam métodos anticoncepcionais eram mais velhas, mais instruídas e já tinham vivenciado outra gravidez, diferenças que se mostraram estatisticamente significantes a 5%. A distribuição segundo estado civil, entretanto, foi semelhante entre as usuárias e não-usuárias de contraceptivos. Tabela 1. Características da população do estudo de acordo com a exposição. Valor p pelo teste do qui-quadrado de Pearson. Análise estratificada da associação entre Uso de Contraceptivos e Abortamento Conforme a Tabela 2 2, a razão de prevalência para a associação principal foi de 2,3, sugerindo associação estatisticamente significante entre uso de contraceptivos e abortamento entre adolescentes. Houve diferenças da medida de associação entre os estratos por gestação prévia e estado civil, indicando que tais variáveis modificaram o efeito do uso de contraceptivo sobre a 288 revista_V30.pmd 288 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública interrupção gestacional. Já as RP estrato-específicas para anos de estudo e idade demonstraram que essas variáveis não se encontram em interação; para anos de estudo, isso se deu de forma limítrofe, ou seja, poder-se-ia esperar resultado diferente, caso a amostra tivesse maior poder pelo aumento do n. Tabela 2. Análise estratificada da associação entre uso de contraceptivo e abortamento para as covariáveis gestação prévia, estado civil, anos de estudo e idade. N= número, RP= razão de prevalência, IC 95%= intervalo de confiança de 95%. A grande diferença observada na distribuição das medidas de associação das covariáveis anos de estudo e idade entre as adolescentes usuárias e não-usuárias de anticoncepcionais sugeriu a possibilidade de serem confundidoras da associação principal. Embora não fosse observada diferença relevante entre os valores da RP bruta – 2,30 [1,76;2,99] – e ajustada por idade – 2,24 [1,71;2,94] – e anos de estudo – 2,11 [1,58;2,81] –, esta última covariável mostrou-se associada negativamente com a exposição entre os não-casos (RP=0,55 [0,35;0,87]) e com o desfecho entre os não-expostos (RP=0,61 [0,38;0,98]), de forma significante a 5%, indicando ser confundidora, o que não ocorreu para a covariável idade. A Tabela 3 apresenta a análise da associação entre o uso de contraceptivos e abortamento, controlada por gestação prévia e estado civil e ajustada por anos de estudo, observandose que existe associação positiva para adolescentes casadas ou não e com ou sem gestação anterior, com significância estatística a 5%, exceto para aquelas com história de gestação prévia. Análise de regressão logística da associação entre Uso de Contraceptivos e Abortamento O teste da razão de verossimilhança indicou existência de interação entre contracepção e gestação prévia (p=0,001) e entre contracepção e estado civil (p<0,001), verificada pela exclusão dos respectivos termos-produto do modelo saturado. v.30 n.2, p.284-293 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 289 289 5/3/2007, 16:53 Tabela 3. Razão de prevalência da associação entre uso de contraceptivos e abortamento controlada por estado civil e gestação prévia e ajustada por anos de estudo pela análise estratificada. RPaj. = razão de prevalência ajustada, IC 95%= intervalo de confiança de 95%. A avaliação de confundimento mostra que o modelo reduzido sem a covariável anos de estudo gerou um odds ratio (OR) 9,55% maior que o indicado pelo modelo saturado, portanto ajustado para aquela covariável, o que indica ser confundidora. O mesmo não ocorreu para idade. A Tabela 4 é semelhante à terceira, trazendo, entretanto, as medidas de associação (OR) do modelo final da regressão logística, que confirmou os achados da análise estratificada. Tabela 4. Odds ratio da associação entre uso de contraceptivos e abortamento controlada por estado civil e gestação prévia e ajustada por anos de estudo pela regressão logística. OR aj.= razão de odds ajustada, IC 95%= intervalo de confiança de 95%. DISCUSSÃO Os resultados do presente estudo indicam que o uso inadequado de contraceptivos é um fator de risco para abortamento em adolescentes. Tais achados estão de acordo com os de outras pesquisas. Na Bolívia, detectou-se taxa de utilização de anticoncepcionais maior que o dobro entre pacientes que provocaram um abortamento 12. É possível que isso ocorra porque adolescentes que usam contraceptivos já têm uma decisão tomada para não ter uma gestação, tendo optado por postergar a maternidade, portanto podem decidir pela interrupção de uma gravidez acidental mais freqüentemente do que não-usuárias de anticoncepcionais. Em Campinas 290 revista_V30.pmd 290 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública (SP), constatou-se que 88,9% das adolescentes com repetição da gravidez haviam usado contraceptivos no intervalo entre a gestação prévia e a atual, e que 77,8% não tinham planejado esta última14, o que sugere descontinuação ou uso inadequado. A ocorrência de abortamento entre adolescentes usuárias de métodos contraceptivos apresentou variações na amostra estudada, com força de associação variável, segundo apresentassem história de gravidez anterior ou de acordo com o estado civil e nível de instrução. Em São Paulo (SP), também ficou demonstrado que a utilização de anticoncepcionais está associada ao nível de instrução, e a taxa de fecundidade é maior entre jovens com menor escolaridade e que não exercem atividade econômica17. Naquele estudo, 12% dos jovens afirmavam combinar métodos de alta eficácia (pílula, preservativo) com outros de baixa eficácia (comportamentais), o que pode indicar uso inconstante dos primeiros. Este aspecto não foi avaliado no presente trabalho, mas é possível que também ocorra em Salvador. A associação com estado civil também foi verificada no Rio de Janeiro (RJ), onde a contracepção foi mais comum entre as adolescentes casadas15. Portanto, faz-se necessário melhorar o desempenho do nosso sistema de saúde no que se refere à informação das adolescentes sobre o uso correto de contraceptivos e à ênfase na continuidade da aplicação do método ativado. Em toda a América Latina, percebe-se que o problema não é o desconhecimento das práticas de planejamento familiar, mas a utilização de métodos de menor efetividade, inclusive com altas proporções de usuárias que têm como fonte de informação a este respeito amigas e familiares (34%), o mesmo percentual das que recebem orientação de profissionais de saúde1 . Mecanismos de busca ativa de adolescentes nas comunidades, inclusive aquelas que nunca tiveram uma gestação e solteiras, por meio das equipes dos Programas de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, levando-as para os ambulatórios de planejamento familiar e acompanhando a adesão ao método contraceptivo, poderiam contribuir para a diminuição da incidência de abortamentos e das suas complicações na nossa população. REFERÊNCIAS 1. Andrade RP, Andrade CP, Armendaris MP, Carneiro R, Piazzetta RCPS, Ambrosewicz RL. Anticoncepção na América Latina. Femina 2005;8(33):595-601. 2. Elizalde EG. Análisis de la ocurrencia de la mortalidad materna en la Provincia de Santa Fe – Argentina, a propósito de una intervención. Revista Brasileira de Epidemiologia 2004;7(4):435-47. v.30 n.2, p.284-293 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 291 291 5/3/2007, 16:53 3. Donoso E. Reducción de la mortalidad materna en Chile de 1990 a 2000. Revista Panamericana de Salud Pública 2004;15(5):326-30. 4. 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Aprovado em 19.06.2006. v.30 n.2, p.284-293 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 293 293 5/3/2007, 16:53 ARTIGO ORIGINAL TENDÊNCIA DA MORBIMORT ALIDADE POR PNEUMONIA NA REGIÃO MORBIMORTALIDADE METROPOLIT ANA DE SAL VADOR – 1980 A 2004 METROPOLITANA SALV Bruno Mendonça Protásio da Silva a, Diógenes Diego de Carvalho Bispo a Dulceane Natyara Rocha Cardoso a, Mateus Teixeira do Amaral Rochaa Mauro de Araújo Ferreiraa, Natalia Santana Andrade Barretto a Marco Antônio Vasconcelos Rêgo b Resumo A pneumonia é um problema de saúde pública responsável por óbitos, principalmente entre pacientes idosos e crianças internados por causas respiratórias. Este estudo analisou a tendência da morbidade e da mortalidade por pneumonia na Região Metropolitana de Salvador, Brasil. Realizou-se um estudo de agregados de séries temporais, com base em dados de mortalidade e hospitalização disponibilizados no Sistema de Informação em Saúde do DATASUS do Ministério da Saúde. Calcularam-se coeficientes padronizados de mortalidade e de morbidade por sexo e faixa etária e utilizou-se a regressão linear simples, o coeficiente de correlação de Pearson e o coeficiente de determinação. As proporções de óbito e de internação foram sempre mais altas para o sexo masculino, para as crianças menores de um ano e para os indivíduos acima de 60 anos de idade. Observou-se uma redução nos coeficientes de mortalidade e de morbidade por pneumonia, mas notou-se uma tendência crescente da morbidade nos últimos três anos. Além disso, observou-se uma correlação positiva entre os coeficientes de morbidade e os índices pluviométricos e uma correlação negativa entre cobertura vacinal contra Haemophilus influenzae tipo b nas crianças menores de um ano e coeficientes de morbidade. Recomenda-se a intensificação de ações voltadas para os mais susceptíveis, para ampliar os programas educacionais e as coberturas vacinais nos extremos etários, especialmente antes dos períodos chuvosos. Palavras-chave: Pneumonia. Mortalidade. Morbidade. Hospitalização. Série temporal. Vacina. a b Acadêmicos do 6o semestre de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Professor Adjunto Doutor / Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço para correspondência: Pavilhão de Aulas da Faculdade de Medicina da Bahia da UFBA - Departamento de Medicina Preventiva. Av. Reitor Miguel Calmon, s/n, Vale do Canela, CEP: 40.110-100, Salvador, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected] 294 revista_V30.pmd 294 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública MORBIDITY AND MORTALITY TRENDS DUE TO PNEUMONIA IN THE METROPOLITAN REGION OF SALVADOR, BRAZIL, 1980 TO 2004 Abstract This study analyzed morbidity and mortality trends due to pneumonia in the Metropolitan Region of Salvador, Brazil. An aggregate study of time series was carried out from secondary data, available in the Health Information System (DATASUS) of the Ministry of Health. Data analysis ware based on the calculation of mortality and morbidity standardized coefficients by sex and age, on simple linear regression, on Pearson’s correlation coefficient and on determination coefficient. The proportions of death and hospitalization were always higher for male, for those under one year, and for individuals over sixty years of age. In general, reductions in mortality and morbidity coefficients were found, but it was observed an increasing trend of mortality coefficient in the past three years. In addition, a positive correlation between morbidity coefficients and pluvial intensity was described. A negative correlation between the vaccine coverage against type b Haemophilus influenza and morbidity coefficients was found for children less than one year of age. Public health actions, as health education and vaccine coverage, should be intensified among the more susceptible people, especially before the rainy season. Keywords: Pneumonia. Mortality. Morbidity. Hospitalization. Time series. Vaccine. INTRODUÇÃO A pneumonia é uma doença inflamatória das vias aéreas que atinge o parênquima 1 pulmonar , envolvendo os bronquíolos, os brônquios e, ocasionalmente, a pleura2. É possível classificá-la em comunitária e nosocomial, a depender do local de adoecimento. O risco estimado de adquiri-la é cinco vezes superior para os casos hospitalares. Destaca-se, entre esses, a alta incidência nos indivíduos internados em UTI1. As taxas de incidência de pneumonia são consideravelmente mais altas em países em desenvolvimento, onde uma larga proporção da doença deve-se a causas bacterianas2,3. A principal bactéria implicada na etiologia da pneumonia é o Streptococcus pneumoniae, embora também se destaquem outras gram-positivas (Staphylococcus aureus) e gram-negativas (Haemophilus influenzae), além de bactérias anaeróbicas4,5. Os vírus também participam como agentes etiológicos da pneumonia, com destaque para o vírus da Influenza3,4,5. Dados do Brasil, de 2002, revelam que a pneumonia é responsável por 14,2% dos óbitos e por 36,3% dos pacientes internados por causas respiratórias. Tais valores correspondem a 1,6% de todas as causas de morte e a 2,5% de todas as causas de internação para o mesmo período6. v.30 n.2, p.294-308 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 295 295 5/3/2007, 16:53 Atualmente, muitas evidências demonstram forte influência exercida pelos extremos etários nos indicadores de pneumonia1, especialmente na população menor de dois anos2 e maior de 65 anos de idade3. Dessa forma, vale ressaltar a importância da cobertura das ações de saúde pública e assistência médica, sobretudo para crianças e idosos. Destaca-se nesse contexto a imunização por Streptococcus pneumoniae2,3,7, Haemophilus influenzae tipo b2,8 e vírus da Influenza2,3. Diante disso, o presente estudo tem o objetivo de analisar a tendência de morbimortalidade por pneumonia na Região Metropolitana de Salvador (RMS) no período de 1980 a 2004, destacando a estratificação por sexo e faixa etária, a abordagem sazonal de sua ocorrência e a avaliação do impacto das intervenções. MA TERIAL E MÉTODOS MATERIAL Realizou-se um estudo de agregados de séries temporais com dados de óbito no período de 1980 a 2002 e de internações e óbitos hospitalares por local de residência, no período de 1995 a 2004, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Para permitir alguma comparação, foram coletados dados de mesma natureza para as regiões metropolitanas de Recife e de São Paulo e para o Brasil. Além disso, coletaram-se informações de dados referentes à cobertura vacinal contra Haemophilus influenzae do tipo b (vacina anti-Hib introduzida em 1999 e a vacina tetravalente, em 2002) e contra o vírus da Influenza na RMS. Estes dados foram obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Sistema de Informações Hospitalares do SUS e do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunização (MS/DATASUS). A causa básica do óbito foi definida conforme a nona revisão da Classificação Internacional das Doenças (CID BR-9) para o período de 1980 a 1995 e a décima revisão (CID BR10) para 1996 a 2002. Por sua vez, no que se refere aos indicadores de morbidade, utilizaram-se a nona revisão para 1995 a 1997 e a décima revisão para 1998 a 2004. Os dados de morbimortalidade seguiram o capítulo de causa doenças respiratórias da CID (capítulo VIII da CID BR-9 e capítulo X da CID BR-10). Os dados relativos à população foram obtidos junto à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para os anos censitários (1980, 1991 e 2000), contagem da população (1996) e projeções intercensitárias. Todos os dados do estudo referentes à população com sexo e faixa etária ignorados foram desprezados. Informações referentes às médias mensais dos índices de precipitação pluviométrica, no período de 1980 a 1998, da RMS, foram obtidas junto à Diretoria de Vigilância Epidemiológica (DIVEP) – Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB). O banco de dados foi elaborado utilizando o software Microsoft Excel 2000. Foram construídos os seguintes indicadores: coeficiente de mortalidade (óbitos por 10 mil habitantes), 296 revista_V30.pmd 296 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública coeficiente de morbidade (internações hospitalares por 10 mil habitantes), coeficiente de letalidade hospitalar (óbitos por 100 internações hospitalares), cobertura vacinal contra Haemophilus influenzae tipo b e vírus da Influenza (doses aplicadas por 100 habitantes). Procedeu-se a padronização dos coeficientes de mortalidade e morbidade por faixa etária, pelo método direto, adotando-se como padrão a população do Brasil de 1980. Na avaliação da distribuição sazonal das pneumonias, calcularam-se as médias mensais com seus respectivos desvios-padrão no período de 1995 a 2004, para a construção do diagrama de controle, com base nos coeficientes de morbidade. Foi verificada grande variação das freqüências e, dessa forma, optou-se pela utilização das medianas dos coeficientes de morbidade. Com o objetivo de evitar o uso de um ano epidêmico no diagrama de controle, decidiu-se eliminar os valores extremos, de modo a utilizar o inframáximo e o supramínimo como limites superior e inferior, respectivamente. A análise da tendência temporal foi realizada por meio da regressão linear simples. A análise de correlação foi feita com o apoio do cálculo do coeficiente de correlação de Pearson (R) e do coeficiente de determinação (R2), verificando associação entre as variações sazonais das precipitações e as medianas referentes aos coeficientes de morbidade, além da associação entre vacinações e morbidade hospitalar. RESUL TADOS RESULT MORTALIDADE Observou-se uma tendência geral de queda nos coeficientes de mortalidade por pneumonia no Brasil e em três de suas principais regiões metropolitanas: São Paulo, Salvador e Recife. De 1980 a 2002, verificou-se um declínio total de 53,7% no coeficiente nacional, tendo a RMS uma queda ainda mais expressiva: de 85,3%. Nas regiões metropolitanas de Recife e São Paulo, o declínio foi de 66,1% e 63,2%, respectivamente. A RMS apresentou ainda, nesse período, o maior declínio anual médio: de 0,25 óbito por pneumonia por 10 mil habitantes; que foi 3,5 vezes maior que o do Brasil, 2,0 vezes maior que o da Região Metropolitana de Recife e 1,2 vez maior que o da Região Metropolitana de São Paulo (Gráfico 1) 1). Notou-se também que, ao longo desses 23 anos, a RMS apresentou seis picos no coeficiente de mortalidade (anos de 1980, 1983, 1986, 1992, 1998 e 2000), tendo, em 1983, seu valor mais alto dentre todos estudados (5,7 óbitos por pneumonia por 10 mil habitantes). Somente no período de 1986 a 1989, a RMS registrou um declínio total de 59,6% no coeficiente, representando a variação mais acentuada no estudo. Além disso, foi também na década de 80 (1980 a 1989) que se verificou a maior redução total (queda de 63,5% no coeficiente de v.30 n.2, p.294-308 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 297 297 5/3/2007, 16:53 mortalidade), quando comparada com a década de 90 (1990 a 1999) e com o período de 2000 a 2002, com 47,7% e 27,3%, respectivamente. Gráfico 1. Coeficientes de mortalidade por pneumonia (por 10.000 habitantes), padronizados por idade. Regiões Metropolitanas e Brasil, 1980 a 2002 Observou-se uma redução dos óbitos por pneumonia na ordem de 86,3% para o sexo feminino e de 84,5% para o sexo masculino, o que significou uma redução anual média de 0,26 e 0,23 óbitos por pneumonia por 10 mil habitantes para o sexo masculino e feminino, respectivamente, nesses 23 anos. Já com relação à variável faixa etária, destacaramse as faixas de 0 a 4 anos e a de 80 anos e mais. A primeira apresentou uma redução de 91,9% (de 30,8 em 1980 para 2,5 óbitos por 10 mil habitantes em 2002), representando a maior queda total dentre todas as faixas etárias. Entretanto foi na faixa etária de 80 anos e mais que se verificou a redução anual média mais importante (2,5 óbitos por pneumonia por 10 mil habitantes), que, comparativamente, foi 1,7 vez maior que a da faixa de 0 a 4 anos. Verificou-se ainda que o coeficiente de mortalidade da faixa de 80 anos e mais atingiu seu maior valor no ano de 1984, registrando-se 78,4 óbitos por pneumonia por 10 mil habitantes. Além disso, obteve-se uma redução total de 55,0% do coeficiente dessa faixa para o período de 1986 a 1989. Desde então, houve um comportamento oscilante ao redor de 30,0 óbitos por pneumonia por 10 mil habitantes (Gráfico 2) 2). 298 revista_V30.pmd 298 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública NOTA: As faixas etárias que compõem o intervalo de idade de cinco a 49 anos não estão sendo mostradas, pois possuem valores muito pequenos para serem analisados neste gráfico. Gráfico 2. Coeficientes de mortalidade por pneumonia (por 10.000 habitantes), segundo a faixa etária. Região Metropolitana de Salvador, 1980 a 2002. INTERNAÇÕES HOSPITALARES Observou-se uma tendência geral de declínio nos coeficientes, no período de 1995 a 2004, de 36,9 internações por 10 mil habitantes em 1995 para 26,9 em 2004. Esta redução foi de 27,0%, associada a uma queda anual média de 2,0 internações por pneumonia por 10 mil habitantes. Tais declínios foram semelhantes para os sexos masculino e feminino, tanto considerando os extremos da série (27,2% e 26,7%, respectivamente), quanto a redução média anual de 2,2 e 1,8 internações por pneumonia por 10 mil habitantes, respectivamente. Além disso, destacaram-se, no período estudado, os anos de 1996 e de 1999 com os mais altos coeficientes de morbidade (41,5 e 37,7 internações por pneumonia por 10 mil habitantes, respectivamente), e o ano de 2002, com o menor valor registrado (19,1 internações por pneumonia por 10 mil habitantes). Por fim, notou-se que, embora tenha havido um declínio significativo no coeficiente de morbidade no período de 1999 a 2002 (49,4%), presenciou-se, ao final dos últimos três anos estudados (2002 a 2004), um aumento de 41,3% nesse mesmo coeficiente. A análise por faixa etária evidenciou uma redução de 28,8% em menores de um ano, 26,7% em crianças de 1 a 4 anos, 30,9% em idosos de 70 a 79 anos e 30,3% em idosos de 80 anos e mais. Dentre essas, notou-se que, embora a queda total, no período de 1995 a 2004, v.30 n.2, p.294-308 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 299 299 5/3/2007, 16:53 tenha sido aproximadamente homogênea, as quedas anuais médias foram bastante diferentes: a faixa de menores de um ano apresentou a maior redução anual média de 30,5 internações por pneumonia por 10 mil habitantes, sendo 117,8 vezes maior que a da faixa de 1 a 4 anos; 13,9 vezes maior que a de 70 a 79 anos; e 7,4 vezes maior que a de 80 anos e mais. Verificou-se ainda que o coeficiente de morbidade da faixa de menores de um ano atingiu seus maiores valores nos anos de 1996 e 1999 (553,8 e 516,1 internações por pneumonia por 10 mil habitantes respectivamente), tendo, em 2002, seu valor mais baixo (211,2 internações por pneumonia por 10 mil habitantes). Essa mesma faixa etária registrou, no período de 1999 a 2002, um declínio de 59,1% no valor do coeficiente de morbidade, tendo apresentado, ao final dos últimos três anos do estudo (2002 a 2004), uma elevação de 63,9% nesse indicador (Gráfico 3) 3). NOTA: Deve-se ressaltar que as outras faixas etárias dentro de 10 a 59 anos não estão sendo representadas neste gráfico, pois possuem coeficientes menores que cinco internações por 10 mil habitantes. Gráfico 3. Coeficientes de morbidade por pneumonia (por 10.000 habitantes), segundo a faixa etária. Região Metropolitana de Salvador, 1995 a 2004. LETALIDADE HOSPITALAR A despeito das variações, observou-se leve tendência de queda do coeficiente de letalidade na RMS. No período de 1995 a 2004, percebeu-se um declínio total de 4,9% e declínio 300 revista_V30.pmd 300 5/3/2007, 16:53 Revista Baiana de Saúde Pública médio anual de 0,1 óbito por pneumonia por 100 internações. Em 1998, o coeficiente de letalidade assumiu seu maior valor, equivalente a 4,5 óbitos por pneumonia por 100 internações. Em 2002, observou-se o menor coeficiente de letalidade: 2,2 óbitos por pneumonia por 100 internações. SAZONALIDADE A análise sazonal das internações permitiu constatar que a mediana dos coeficientes de morbidade, no período de 1995 a 2004, foi menor em fevereiro (1,2 internação por pneumonia por 10 mil habitantes), alcançando valores muito altos em maio e junho (respectivamente 2,4 e 2,3 internações por pneumonia por 10 mil habitantes). A partir de julho, as medianas voltaram a cair. Observou-se que nos meses de abril e junho ocorreu uma maior dispersão dos dados, com amplitude de, respectivamente, 1,9 e 1,8 internação por pneumonia por 10 mil habitantes; enquanto o mês de novembro apresentou a menor dispersão (amplitude de 0,9 internação por pneumonia por 10 mil habitantes). Observou-se uma correlação positiva muito forte entre pluviosidade e internações por pneumonia no período de 1980 a 1998 (r= 0,950). Partindo-se do cálculo do coeficiente de determinação (r2= 0,903), pode-se afirmar que 90,3% da variabilidade do coeficiente de morbidade pode ser explicada pela variabilidade na distribuição pluviométrica sazonal. Dados recentes de 2005 mostraram coeficientes de morbidade abaixo do limite inferior nos meses de março e abril (Gráfico 4) 4). Gráfico 4. Coeficiente de morbidade por pneumonia (por 10.000 habitantes), no período de 1995 a 2004 e índice pluviométrico no período de 1980 a 1998. Região Metropolitana de Salvador. v.30 n.2, p.294-308 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 301 301 5/3/2007, 16:54 VACINAÇÃO Em 1999, a vacina anti-Hib foi introduzida no calendário de vacinação básica dos indivíduos menores de um ano, correspondendo a uma cobertura de apenas 0,7%. Entretanto a imunização por essa vacina, em 2000, foi aproximadamente 106 vezes maior do que em 1999. A cobertura oscilou em torno de 75,0% para essa mesma faixa etária no período de 2000 a 2004. Vale ressaltar que, em 2002, a quantidade de doses aplicadas da vacina anti-Hib correspondeu a 54,5% do total de vacinas aplicadas contra Haemophilus influenzae do tipo b, enquanto 45,5% destas equivaleram à vacina tetravalente (DPT + Hib). Em 2003, a vacina tetravalente correspondeu a 97,0% do total das vacinas contra Haemophilus influenzae do tipo b e 99,9% em 2004 (Gráfico 5) 5). Gráfico 5. Coeficiente de morbidade <1 ano por pneumonia (por 10.000 habitantes) e cobertura vacinal contra Haemophilus influenzae tipo b (por 100 habitantes). Região Metropolitana de Salvador, 1995 a 2004. A partir do cálculo do coeficiente de correlação, constatou-se uma correlação negativa forte (r= -0,798) entre o coeficiente de morbidade infantil e a cobertura vacinal contra Haemophilus influenzae do tipo b. Com apoio do cálculo do coeficiente de determinação (r2= 0,637), pode-se afirmar que quase 63,7% da variabilidade do coeficiente de morbidade infantil pode ser explicada pela variabilidade na cobertura de imunização contra Haemophilus influenzae do tipo b. 302 revista_V30.pmd 302 5/3/2007, 16:54 Revista Baiana de Saúde Pública Em 1999, o Ministério da Saúde introduziu a vacina contra o vírus da Influenza no calendário de imunização. Nesse ano, a cobertura foi de 69,2% na população com idade de 60 anos e mais. Desde então, tem-se verificado um aumento anual médio de 6,3% da cobertura vacinal dessa faixa etária, alcançando 96,2% em 2004. Notou-se que, após a introdução da vacina, tem ocorrido uma redução anual média de 0,9 internação por pneumonia por 10 mil habitantes. Verificou-se uma correlação positiva fraca entre a cobertura vacinal contra o vírus da Influenza e o coeficiente de morbidade para indivíduos maiores de 60 anos (r= 0,170). DISCUSSÃO A análise da tendência histórica da pneumonia permite não só estabelecer hipóteses sobre os fatores envolvidos no processo de adoecimento e óbito, mas também avaliar as medidas e as ações de saúde pública e evidenciar a melhoria da qualidade de vida na saúde da população9. Diante disso, percebe-se a grande relevância em se conhecer a evolução da morbimortalidade por pneumonia na RMS e suas particularidades. Ao longo das duas últimas décadas, observou-se uma redução importante dos indicadores de morbimortalidade em ambos os sexos e em todas as faixas etárias na RMS. Essa redução ocorreu concomitantemente a um período de expansão do acesso aos serviços de saúde, especialmente na Região Nordeste, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)10 , e de ampliação das ações preventivas, sobretudo com o aumento da cobertura vacinal contra Haemophilus influenzae do tipo b e vírus da Influenza6. Notou-se que o risco de internamento e de morte por pneumonia foi sempre mais elevado na população masculina. Verificou-se também que o risco de morte por pneumonia foi sempre maior para idosos na faixa etária de 80 anos e mais, enquanto o risco de internamento foi sempre superior para as crianças menores de um ano. Além disso, constatou-se que o maior risco de internamento por pneumonia ocorreu nos meses mais chuvosos (maio e junho) e o menor risco de internamento, no mês menos chuvoso (fevereiro). Há inúmeros fatores predisponentes para adoecimento e morte por pneumonia. Sabe-se que muitos desses fatores estão presentes em todos os estratos etários, a exemplo de fatores sócio-demográficos (maior número de pessoas co-habitando a mesma casa, tabagismo e pobreza) e fatores ambientais (poluição atmosférica, amplitude térmica e umidade)3,11. Algumas evidências, entretanto, mostram que vários fatores estão associados intimamente a determinadas faixas etárias. Nos idosos, destacam-se os efeitos provocados pelo envelhecimento, pela freqüência elevada de co-morbidades (doenças crônicas debilitantes, doenças cardiopulmonares, diabetes mellitus) e pela maior freqüência de micro e macroaspiração3,12. Nas crianças, por sua vez, destacam-se as v.30 n.2, p.294-308 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 303 303 5/3/2007, 16:54 complicações decorrentes do baixo peso ao nascer3,11,13, de deficiências no aleitamento materno, da desnutrição2,3, além de variáveis demográficas como menor escolaridade materna11,13. Portanto, supõe-se que esses fatores predisponentes possam estar associados à distribuição diferenciada dos riscos de adoecimento (internações) e óbito nos diversos grupos etários verificados neste estudo. Acredita-se também que a distribuição sazonal das internações hospitalares esteja relacionada à variação cíclica da presença da maioria dos agentes patógenos causadores de pneumonia. De fato, sabe-se que tal padrão é mais proeminente para os agentes virais, muito embora também se verifique em patógenos bacterianos2. Além disso, supõe-se que a forte correlação vista entre a distribuição sazonal das internações por pneumonia e os índices pluviométricos se devam provavelmente à tendência à aglomeração das pessoas em períodos mais chuvosos. A análise da gravidade permitiu a constatação de que a letalidade hospitalar se manteve praticamente constante ao final do período estudado, com redução proporcional das internações e dos óbitos hospitalares. Diante da importância atribuída às medidas profiláticas no âmbito dos agravos da saúde, avaliou-se o papel das imunizações sobre os grupos etários mais susceptíveis: indivíduos menores de um ano e com sessenta anos e mais. Assim, as vacinas contra Haemophilus influenzae do tipo b e vírus da Influenza foram analisadas com o propósito de avaliar sua efetividade. Além disso, é válido ressaltar que, embora o uso recentemente licenciado da vacina conjugada pneumocócica aponte para a prevenção da maioria dos casos de pneumonia pneumocócica nos EUA14, a cobertura vacinal contra Streptococcus pneumoniae é muito deficiente na RMS e, por isso, os dados obtidos não são satisfatórios para análise de sua efetividade6. Dados finlandeses têm mostrado uma eficácia da vacina capsular polissacarídica (PRP) de 95% (55 a 98%) contra o Haemophilus influenzae do tipo b8, um importante causador de pneumonia infantil em locais restritos do mundo, bem documentado em várias pesquisas14. Na RMS, essa vacina foi introduzida em 1999 e causou forte impacto nas internações por pneumonia na faixa etária de menores de um ano. Em 2002, foi introduzida a vacina tetravalente (DPT + Hib), prevalecendo seu uso em 2003 e 2004 sobre a antiga. Esse período coincide com o aumento significativo das internações por pneumonia, revertendo a tendência de queda iniciada em 1999. Isso sugere que algum fator relacionado à nova vacina possa estar interferindo na efetividade da imunização. A análise da imunização contra o vírus da Influenza também foi abordada neste estudo. Sabe-se que o vírus da Influenza acomete mais freqüentemente crianças e adolescentes, embora a taxa de morbimortalidade por pneumonia associada à infecção pelo vírus da Influenza 304 revista_V30.pmd 304 5/3/2007, 16:54 Revista Baiana de Saúde Pública seja maior nos pacientes idosos. Destaca-se o vírus da Influenza A, com papel importante na gênese de epidemias, pandemias e mortes3. Além disso, sabe-se que o vírus da Influenza pode atuar de maneira primária (diretamente) e secundária (aumentando a susceptibilidade do indivíduo a outros patógenos) na etiologia da pneumonia7. Nos Estados Unidos, recomenda-se a vacinação contra o vírus da Influenza não apenas para prevenir surtos de sua doença, mas também para evitar conseqüências sérias desse vírus, tais como hospitalização e morte. A vacinação é recomendada para quase metade da população desse país. Dentre as recentes inclusões para o grupo de vacinados estão pessoas com 50 anos ou mais, mulheres que estarão no segundo ou terceiro trimestre de gravidez durante o período de maior incidência do vírus da Influenza, e pacientes com imunossupressão causada pela infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Na população mais velha, a proteção contra pneumonia, hospitalização e morte permanece alta, não obstante a eficácia da vacina entre os mais velhos estar entre 30% a 60%, proporção menor do que nos adultos (70% a 100%). A vacina inativada do vírus da Influenza também pode reduzir a incidência de otite média em crianças durante os períodos de pico de incidência do vírus da Influenza15. Estudos realizados nos Estados Unidos mostraram que na população idosa vacinada contra o vírus da Influenza, houve uma redução consistente das freqüências de hospitalização por doença respiratória, doença cardíaca e morte por todas as causas, quando comparado com os idosos não-vacinados15,16. Entretanto uma metanálise recente encontrou que a efetividade da vacinação contra o vírus da Influenza na população idosa é apenas modesta17. Dados da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) mostram que o vírus da Influenza tem maior freqüência no período de março a agosto, quando ocorre sua maior circulação3. Na RMS, verificou-se que esse período coincide com índices pluviométricos mais altos. Mesmo com o aumento da cobertura vacinal e uma tendência de queda nas internações por pneumonia nos idosos com sessenta anos e mais, constatou-se uma correlação positiva, ainda que fraca, inesperada entre essas variáveis. De fato, isso põe em dúvida a efetividade dessa vacina na prevenção de internações por pneumonia para essa faixa etária. LIMIT AÇÕES LIMITAÇÕES Por se tratar de um estudo que utiliza dados históricos e de diferentes fontes, diversas limitações podem interferir na interpretação dos resultados. A limitação principal deste estudo é a deficiência na abrangência e qualidade dos dados, que foram obtidos de um sistema de informações que ainda apresenta muitas subnotificações. Além disso, é possível que tenha havido v.30 n.2, p.294-308 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 305 305 5/3/2007, 16:54 mudanças nos critérios de internação que possam explicar parte da variabilidade das freqüências ocorridas nas duas últimas décadas. Muitas são as limitações intrínsecas do estudo ecológico. Destaca-se o fato deste estudo não ser controlado nem randomizado, implicando na dificuldade de se controlar os fatores de confundimento. Além disso, a presença de vieses, sobretudo o viés de admissão para a análise da morbidade, pode comprometer a validade interna e dificultar a extrapolação dos resultados. Diante disso, é possível que os eventos e as intervenções propostas como fatores influenciadores possam estar associados apenas indiretamente com as variações demonstradas neste estudo. Por fim, é importante estar atento à possibilidade de se incorrer em “falácia ecológica” ao se tentar extrapolar os resultados de base populacional para um nível individual18. Não obstante essas limitações, deve-se valorizar a redução expressiva dos coeficientes de morbidade e mortalidade por pneumonia na RMS em ambos os sexos. Entretanto, deve-se dirigir maior atenção às faixas etárias de maior risco. Enquanto crianças menores de um ano apresentam maior risco de se internar, idosos com 80 anos e mais apresentam risco maior de morrer. Desta forma, recomendam-se ações de saúde pública direcionadas tanto para prevenção primária quanto secundária, destacando-se programas educacionais e ampliação das coberturas vacinais. O presente trabalho identificou uma correlação negativa entre imunização contra Haemophilus influenzae tipo b e o coeficiente de morbidade por pneumonia em menores de um ano no período de 1999 a 2004, demonstrando efetividade dessa vacina no contexto de saúde pública. Ao contrário, a vacina contra o vírus da Influenza mostrou mínima correlação com o coeficiente de internação por pneumonia, colocando em dúvida sua efetividade na prevenção da pneumonia entre os indivíduos com 60 anos e mais. As ações de prevenção e assistência médica devem ser priorizadas nos períodos chuvosos, pois há uma correlação positiva entre o índice de precipitação pluviométrica e a morbidade por pneumonia na RMS. Para finalizar, necessita-se de novos estudos no intuito de reavaliar essas associações e de esclarecer possíveis fatores causais, visando melhor planejar e intervir com ações integradas de saúde. AGRADECIMENTOS Aos professores Annibal Muniz Silvany Neto, Fernando Martins Carvalho e José Henrique Silva Barreto da disciplina Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Bahia (UFBA) e ao médico Juarez Pereira Dias da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB) pela colaboração e pelo acesso a dados usados neste trabalho. 306 revista_V30.pmd 306 5/3/2007, 16:54 Revista Baiana de Saúde Pública REFERÊNCIAS 1. Palombini BC, Silva LCC, Porto NS, Gastal OL. Pneumonias comunitárias e complicações cirúrgicas. In: Veronesi R, Focaccia R. Tratado de infectologia. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 1731-44. 2. Scauchat A, Dowell SF. Pneumonia in children in the developing world: new challenges, new solutions. Semin Pediatr Infect Dis. 2004;15(3):181-9. 3. Gomes L. 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Aprovado em 13.07.2006. 308 revista_V30.pmd 308 5/3/2007, 16:54 ARTIGO ORIGINAL Revista Baiana de Saúde Pública IMP ACTOS DE PESTICIDAS NA ATIVIDADE MICROBIANA DO SOLO E SOBRE A IMPACTOS SAÚDE DOS AGRICULTORES Aldo Pacheco Ferreiraa, Cynara de Lourdes Nóbrega da Cunha b Eduardo Dias Wermelinger a, Marcos Barbosa de Souza a Márcia de Freitas Lenzia , Cláudio Márcio de Mesquita a Leila Cristina Jorge a Resumo Os pesticidas figuram atualmente como um dos principais poluidores e agentes causadores de impacto nos agroecossistemas, sendo responsáveis pelos mais diversos tipos de interações, que podem levar à degradação dos recursos naturais fundamentais para a fertilidade do solo e, principalmente, à diminuição da diversidade. O objetivo deste estudo é encontrar evidências do impacto dos agrotóxicos na saúde do trabalhador rural e, subseqüentemente, avaliar a atividade microbiana mediante o uso dos indicadores biomassa microbiana do solo (BMS), respiração basal do solo (RBS) e quociente metabólico (qCO2), para checar e discutir o nível de impacto provocado ao ambiente e à saúde pública pela ação de pesticidas. Os resultados obtidos nas análises do solo de Paty do Alferes evidenciaram o uso indiscriminado de pesticidas no processo produtivo da agricultura local e seu impacto para a saúde e o meio ambiente. Por outro lado, a exposição continuada a pesticidas comprometeu a saúde de vários agricultores, levando a casos crônicos, mal definidos, e outros extremamente graves. Palavras-chave: Biomassa microbiana. Respiração basal. Quociente metabólico. Pesticidas. Colinesterase. Saúde pública. Ambiente. PESTICIDE IMPACTS IN THE MICROBIAL SOIL ACTIVITY AND ON FARMERS HEALTH Abstract Pesticides represent, at present, one of the main pollutant impact causative agents in agroecossistems, being responsible for the most several types of interactions, with many of these a b Departamento de Ciências Biológicas, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fiocruz. Laboratório de Estudos em Monitoramento e Modelagem Ambiental, UFPR/IAPAR/SIMEPAR/LEMMA. Endereço para correspondência correspondência: Aldo Pacheco Ferreira. Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos, Rio de Janeiro, CEP 21 041-210. E-mail: [email protected] v.30 n.2, p.309-321 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 309 309 5/3/2007, 16:54 provoking fundamental natural resources soil fertility degradation and, mainly, decrease in terms of the diversity. The objective of this study is to find evidences of the impact of pesticides in rural workers’ health and, subsequently, to evaluate the microbial activity by means of using soil microbial biomass indicators (SMB), soil basal respiration (SBR) and metabolic quotient (qCO2), to check and to discuss the impact level provoked to atmosphere and public health by pesticides action. The results obtained in the analyses at Paty do Alferes evidenced the indiscriminate use of pesticides in the productive process of local agriculture and their impact to both health and environment. Furthermore, the continued exposure to pesticides impaired several farmers’ health, leading either to chronic deseases, not well defined, or to extremely severe cases. Keywords: Microbial biomass. Basal respiration. Metabolic quotient. Pesticides. Cholinesterase. Public health. Environment. INTRODUÇÃO As ações antropogênicas são responsáveis por uma série de impactos provocados ao meio ambiente. Dentre estas, a utilização indiscriminada e abusiva de pesticidas para controle dos mais diversos tipos de pragas que assolam as plantações destaca-se como bastante predatória para o meio ambiente e traz sérios prejuízos à saúde da população. Os prejuízos dos agrotóxicos causados pelo uso inadequado extrapolam o campo econômico e ganham uma dimensão social, pois, ao prejudicar a saúde humana, demandam verbas públicas e privadas para o atendimento médico e hospitalar. Somam-se a isso os dias de confinamento e tratamento da doença. Pode-se, portanto, inferir os impactos causados na produtividade agrícola e, conseqüentemente, no processo de geração de renda no campo. Sabe-se que o grau de eficiência dos agrotóxicos diminui à medida que o número de aplicações aumenta. Isso porque, ao fazer uso dos agrotóxicos, o agricultor, além de erradicar as pragas, também elimina seus inimigos naturais, ou seja, seus predadores e competidores. Acrescenta-se o fato de que alguns indivíduos são mais resistentes, o que faz com que, na maior parte das vezes, as pragas não sejam completamente dizimadas, restando indivíduos com genótipo mais forte e resistente. O cruzamento desses indivíduos, em adição a uma menor competição por alimento, espaço e abrigo promove aumentos substanciais na população, fazendo com que a praga volte mais resistente e a níveis populacionais maiores do que antes da aplicação química. Além de doses cada vez mais fortes, novos produtos vêm surgindo no mercado com princípios ativos mais letais e cada vez mais tóxicos à saúde humana. Esse processo inerente à natureza dos agrotóxicos, além de contribuir para o aumento de suas vendas, é responsável pelo impacto nocivo na saúde humana e no meio ambiente. O trabalhador rural, ao aplicar doses 310 revista_V30.pmd 310 5/3/2007, 16:54 Revista Baiana de Saúde Pública altamente tóxicas, quase sempre sem o devido equipamento de proteção, intoxica-se, podendo, em alguns casos, morrer prematuramente 1. Vários fatores contribuem para que os diversos sistemas de produção comportem-se diferentemente nos ecossistemas. Sem dúvida, o mais importante é o fator solo, com suas características físicas, químicas e biológicas. O Brasil atua no mercado de agrotóxicos como um dos principais consumidores do mundo e o maior da América do Sul. Seu consumo é estimado em mais de 1,5 bilhão de dólares ao ano. Esse quadro tem preocupado bastante os órgãos de saúde pública, em virtude do grande número de casos de intoxicações e patologias associadas à exposição de pessoas aos pesticidas. Dados recentes estimam que cerca de três milhões de pessoas são contaminadas por agrotóxicos em todo o mundo por ano, sendo 70% desses casos nos países em desenvolvimento1. Somado a isso, existe ainda toda uma preocupação com os efeitos destas substâncias sobre o meio ambiente e sua relação com o esgotamento dos recursos naturais, principalmente a água e o solo. Especificamente na agricultura, na pós-revolução-verde, passou-se a adotar mundialmente parâmetros para avaliação da sustentabilidade dos agroecossistemas mediante a utilização de indicadores mensuráveis que pudessem, por exemplo, avaliar a fertilidade do solo2. Um indicador fornece informações sobre uma dada realidade, podendo sintetizar um conjunto complexo de informações e servir como um instrumento de previsão. No presente estudo, entendese indicador como um instrumento que permite a avaliação de um sistema e que determina o nível ou a condição em que esse sistema deve ser mantido para que seja sustentável. Seguindo esta linha, os indicadores biológicos são parâmetros que têm a capacidade de medir o nível de desequilíbrio ao qual um determinado ambiente está sujeito. Assim, os indicadores microbiológicos devem regular os processos ecológicos do solo e refletir as condições dos manejos atuais, sendo úteis para determinar os efeitos positivos e negativos sobre a qualidade do solo e a sustentabilidade das práticas agrícolas. Indicadores como a biomassa microbiana do solo (BMS), a respiração basal do solo (RBS) e o quociente metabólico (qCO2) vão dar informações que servirão de subsídios para uma avaliação da qualidade do solo3,4,5. Os microrganismos estão diretamente envolvidos nos ciclos dos nutrientes no solo; a quantificação de grupos importantes dá indicação de como os processos estão ocorrendo. A fertilidade natural do solo depende, portanto, da dinâmica de matéria orgânica e ciclagem de nutrientes, os quais são catalizados pela biomassa microbiana do solo6. A BMS é o principal componente do subsistema de decompositores que regula a ciclagem de nutrientes, o fluxo de energia, a produtividade das plantas e dos ecossistemas. Portanto a medição deste compartimento e sua atividade são relevantes para a conservação dos solos. Assim, o declínio da atividade v.30 n.2, p.309-321 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 311 311 5/3/2007, 16:54 microbiana tem grande impacto na fertilidade natural do solo, com grandes efeitos nos ecossistemas naturais. Além de atuar como agente da transformação bioquímica dos compostos orgânicos, os microorganismos são reservatórios de Nitrogênio (N), Fósforo (P) e Enxofre (S). A estimativa da biomassa microbiana pode fornecer dados úteis sobre modificações nas propriedades biológicas dos solos decorrentes dos tipos de manejo aplicados e de diferentes culturas. É um parâmetro muito dinâmico e, segundo Gonçalves, Monteiro, Guerra e De Polli7, deve ser avaliada juntamente com a atividade agrícola, em face da extrema heterogeneidade do ambiente natural da microbiota e de sua diversidade no solo. Além desses indicadores, os quocientes metabólicos, como o qCO2, razão entre C-CO 2 da atividade microbiana e C de sua biomassa, tornam-se ferramentas fundamentais na elucidação de fluxos de entrada de elementos ou energia por meio da biomassa microbiana8. O objetivo deste estudo é encontrar evidências do impacto dos agrotóxicos na saúde do trabalhador rural e, subseqüentemente, avaliar a atividade microbiana mediante indicadores biomassa microbiana do solo (BMS), respiração basal do solo (RBS) e quociente metabólico (qCO2), para checar e discutir o nível de impacto provocado ao ambiente e à saúde pública pela ação de pesticidas. MATERIAL MA TERIAL E MÉTODOS ÁREA DE ESTUDO A área de estudo localiza-se em Caetés, distrito do município de Paty do Alferes. Localizado na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, esse município tem a agricultura como exclusiva atividade econômica (cerca de 40% do total dessa atividade é destinada ao cultivo de tomate e de um grande número de outras olerícolas, tais como: repolho, pimentão, vagem, pepino etc.)9,10. PESTICIDAS USADOS NA REGIÃO Os pesticidas encontrados nas visitas feitas aos locais de armazenamento nas 43 lavouras de tomate estão listados no Quadro 1 1. Foram encontrados, entre inseticidas, fungicidas e acaricidas, 14 produtos comerciais: 4 da classe I (extremamente tóxico), 6 da classe II (altamente tóxico), 2 da classe III (medianamente tóxico) e 2 da classe IV (pouco tóxico), segundo a classificação toxicológica do Ministério da Agricultura/Ministério da Saúde, baseada no Decreto no. 98.816/90, de 11 de janeiro de 1990, que regulamenta a Lei no. 7.802/89. A pesquisa foi realizada com o intuito de, por meio de alguns parâmetros de qualidade do solo, avaliar o impacto provocado pela utilização de pesticidas na qualidade do 312 revista_V30.pmd 312 5/3/2007, 16:54 Revista Baiana de Saúde Pública ambiente e a repercussão deste impacto na saúde da população rural exposta diretamente. O estudo tem um caráter explicativo, pois visa apresentar as causas que levam a uma situação de impacto do solo na área de estudo, e um caráter exploratório, em razão da carência de estudos que abordem o impacto provocado por pesticidas a microbiota do solo e sua relação com a saúde ambiental e da população. Quadro 1. Inseticidas, fungicidas e acaricidas utilizados nas 43 lavouras pesquisadas na área de estudo. AMOSTRAS Para cada experimento foram coletadas nove amostras simples de solo de uma área delimitada de 200 m2 , 20 metros morro acima da plantação de tomate e 10 metros lateralmente, enumeradas seqüencialmente de 1 a 9, na profundidade de 0-10 cm, utilizando trado tipo copo junto aos pés de tomate. As amostras foram armazenadas em sacos plásticos devidamente fechados e levadas, no mesmo dia, ao laboratório de solos da Embrapa (Agrobiologia-UFRRJ). Após 24 horas as amostras foram destorroadas e peneiradas a uma granulometria de dois mm e pesadas em balança analítica com precisão de centésimo de grama11. Para esta pesquisa foram feitas duas coletas em 2005. A primeira no mês de março, em virtude de a plantação estar na fase de desenvolvimento dos frutos, momento que se caracteriza pelo uso de uma grande variedade e quantidade de pesticidas nas plantações. A segunda coleta ocorreu no mês de agosto, na mesma área, após 20 dias do término do ciclo de cultivo do tomate. Os tomateiros deram lugar à vegetação de pastagem, quase sem nenhum tipo de manejo e sem aplicação de agrotóxicos. v.30 n.2, p.309-321 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 313 313 5/3/2007, 16:54 DETERMINAÇÃO DE BIOMASSA MICROBIANA E RESPIRAÇÃO DO SOLO Para a determinação de biomassa microbiana e respiração do solo, foi adotado o método de fumigação-extração11,12. Três sub-amostras de cada amostra de solo rizosférico foram fumigadas em dessecador com clorofórmio por 24 horas. Outras três sub-amostras foram deixadas sem fumigação. A umidade do solo foi determinada secando-se outra sub-amostra numa estufa a 105oC por 24 h. A extração foi feita com K2SO4 0,5 mol L-1, procedendo-se conforme previamente descrito para a determinação de C orgânico. A determinação do nitrogênio da biomassa microbiana foi realizada dosando-se NH4+ e NO3- extraídos em K2SO4 0,5 mol L-1 de sub-amostras de solo fumigadas e não fumigadas. A respiração do solo foi estimada após cinco dias de incubação. O CO2 produzido pela respiração do solo foi capturado em frascos contendo 20 ml de NaOH 1 mol L-1, procedendo-se a titulação do excesso de hidróxido de sódio com HCl. O cálculo do quociente metabólico (qCO2) foi feito por meio da divisão da quantidade de CO2 liberado por hora pelo C da biomassa microbiana. A análise de BMS quantifica a parte viva da matéria orgânica do solo, excluindo-se as raízes e animais maiores que aproximadamente 5x103 µm3 e, funcionalmente, atua como agente de transformação da matéria orgânica no ciclo de nutrientes e no fluxo de energia13,14. A BMS representa também a reserva de nutrientes existente no solo que será assimilada nos ciclos de crescimento dos organismos que compõem o ecossistema 15. Dessa forma, pode-se entender que, quanto maior for a quantidade de BMS em um determinado solo, maior será sua capacidade de estocar e processar nutrientes, permitindo que organismos vivos possam fazer uso destes e tenham facilidade em realizar seus ciclos de desenvolvimento normalmente. DETERMINAÇÃO DA RESPIRAÇÃO BASAL DO SOLO A respiração basal do solo (RBS) é a absorção de O2 e/ou liberação de CO2 pelas entidades vivas e metabolizantes do solo; ela reflete a atividade da microbiota responsável pela degradação de compostos orgânicos16. O quociente metabólico (qCO2) é outro valioso indicador de estresse, perturbação ou estabilidade do ecossistema. Ele indica o estado metabólico dos microrganismos e a quantidade de energia necessária para a manutenção da atividade metabólica em relação à energia necessária para a síntese da biomassa17,18. COLINESTERASE A classificação dos 106 agricultores que permitiram coleta de sangue para análise da colinesterase, segundo a faixa etária foi a seguinte: 10,38% têm até 20 anos de idade, 50% entre 314 revista_V30.pmd 314 5/3/2007, 16:54 Revista Baiana de Saúde Pública 21 e 45 anos, 31,12% entre 46 e 65 anos e 8,5% mais de 65 anos. Dos agricultores, 22% nunca freqüentaram a escola. Dentre aqueles que a freqüentaram 38% concluíram o primeiro grau. A escolaridade máxima dos entrevistados foi o segundo grau incompleto (5%). Dentre o grupo pesquisado, 34 são meeiros, ou seja, indivíduos que plantam em terreno alheio, repartindo o resultado das plantações com o proprietário, 16 são donos da terra em que trabalham, 31 são arrendatários, 11 trabalham em terra emprestada, 6 são empregados e 8 são sócios da lavoura. A classificação de acordo com o tempo de trabalho na lavoura foi a seguinte: 15,1% até 5 anos, 36,79% entre 6 e 15 anos, 43,39% entre 16 e 25 anos e 4,72% acima de 26 anos. A variável nível de colinesterase divide-se em classes que seriam percentuais do nível da enzima no sangue. Níveis iguais ou abaixo de 75% indicam intoxicação por agrotóxicos. Dessa forma, essa variável foi dicotomizada como “intoxicados” e “não intoxicados”, segundo o valor limite de 75% da enzima na atividade sangüínea. O nível da enzima colinesterase no sangue é um excelente indicador da relação entre exposição a agrotóxicos e problemas na saúde. Esta enzima tem como função destruir a acetilcolina que serve como mediadora das transmissões nervosas no sistema nervoso central, parassimpático, ortossimpático e nas junções mioneurais. Em excesso, a acetilcolina é prejudicial. A função da colinesterase é destruir a acetilcolina, dando origem à colina e ao ácido acético, ambos inofensivos ao organismo humano. A inibição da colinesterase por meio dos compostos fosforados provoca o acúmulo de acetilcolina e o organismo passa a sofrer uma série de manifestações, entre as quais estão as seguintes: a) efeitos muscarínicos – brandicardia, miose, espasmos intestinais e brônquicos, estimulação das glândulas salivares e lacrimais; b) efeitos nicotínicos – fibrilações musculares e convulsões; e c) efeitos centrais – sonolência, letargia, fadiga, cefaléia, perda de concentração, confusão mental e problemas cardiovasculares19. ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de ética, parecer 41/04, com base nas normas estabelecidas pela Resolução 196/96, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos. RESULTADOS As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados das análises de BMS, RBS e qCO2 obtidos das amostras coletadas no primeiro e segundo experimento, respectivamente. Esses resultados dão uma idéia do estado do solo em relação a sua fertilidade e a sua qualidade em duas épocas distintas, em que ocorreram práticas diferenciadas de manejo. v.30 n.2, p.309-321 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 315 315 5/3/2007, 16:54 Tabela 1. Resultados das análises de BMS, RBS e qCO2 das amostras coletadas no primeiro experimento. Tabela 2. Resultados das análises de BMS, RBS e qCO2 das amostras coletadas no segundo experimento. 316 revista_V30.pmd 316 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública Quanto aos resultados da BMS, comparando-se os resultados do primeiro Tabela 1 Tabela 2 experimento (T 1) com os do segundo experimento (T 2), pôde-se observar que a média dos valores da primeira coleta é inferior (157,96 µgC/g solo) ao da segunda (206,12 µgC/g solo). A variação dos resultados trabalhada estatisticamente pelo desvio padrão (DP), a amplitude de variação (AV) e o coeficiente de variação (CV) mostraram uma diferença entre os valores das duas coletas. Pela análise do desvio padrão, pôde-se observar que as amostras coletadas em março apresentaram uma variação de resultados de BMS bem mais acentuada em torno da média do que as amostras coletadas em agosto. Isso foi ratificado pelo coeficiente de variação das amostras de março que se apresentou bem superior ao das amostras de agosto, refletindo maior dispersão dos valores individuais das amostras em torno do valor da média dos resultados. Um outro dado de confirmação é a amplitude de variação nas amostras; na de março, os valores máximos e mínimos estavam muito mais distanciados que nas amostras da segunda coleta. Numa análise comparativa entre amostras do primeiro e segundo experimentos, pôde-se observar que o valor médio da primeira coleta era ligeiramente inferior (1,02 µgC.gP1 Psolo/hora) ao da segunda (1,17 µgC.gP-1Psolo/hora). Os valores de RBS das amostras referentes às duas coletas, trabalhados estatisticamente, comprovam a alta variação dos resultados obtidos. As amostras das duas coletas apresentaram variações semelhantes. Os valores das amostras oriundas da segunda coleta apresentaram-se ligeiramente maiores que os valores das amostras da primeira coleta. Os valores individuais das amostras de agosto, além de apresentarem uma variação maior em torno da média aritmética (DP= 0,63) desses valores, apresentaram também uma amplitude de variação e uma dispersão dos valores em relação à média ligeiramente maior do que os valores das amostras de março. Quanto aos resultados do qCO2 na comparação entre os valores médios das amostras da primeira com as da segunda coleta, pôde-se observar que o valor médio da primeira coleta foi superior (12,02 µgC-CO2 h-1 x 103 µgC.biom g-1solo) ao da segunda (5,59 µgC-CO2 h-1 x 103 µgC biom g-1solo). O estudo estatístico feito com os valores das amostras da primeira coleta e da segunda, mostrou que os valores das amostras de março apresentaram uma dispersão em relação à média bastante elevada se comparado às amostras de agosto. Isso foi ratificado pelos resultados do C.V. que comprovaram, percentualmente, que a dispersão dos valores das amostras da primeira coleta foi mais de duas vezes maior do que a dispersão da segunda coleta. Deve-se considerar também que os valores de qCO2 das amostras de março apresentaram uma amplitude de variação alta comparados aos valores das amostras de agosto. Na pesquisa com os 106 agricultores, encontrou-se 64 agricultores com nível de colinesterase de até 75%, 32 com nível de colinesterase de 76 a 85% e com 10 com nível de v.30 n.2, p.309-321 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 317 317 5/3/2007, 16:55 3 Ficou evidente o quadro tóxico grave em 60,37% dos colinesterase de 86 a 100% (T Tabela 3). pesquisados. A convivência com os agrotóxicos e a falta de informação da população têm gerado um quadro dramático de intoxicações agudas, além de não existirem informações acerca da morbidade resultante do uso desses produtos. Tabela 3. Resultados dos exames de colinesterase sangüínea em agricultores no Município de Paty do Alferes. DISCUSSÃO Os resultados obtidos mostraram que os valores menores de BMS e maiores de qCO2, para as amostras de março, evidenciaram que o solo encontrava-se mais impactado no período em que ocorreu o plantio e que esse impacto já era menos acentuado no período em que o solo se encontrava em uma fase não agricultável e sob vegetação de pastagem, como em agosto. Indicam também que nesse período o solo apresentava alterações em suas propriedades biológicas, possuindo um menor potencial produtivo decorrente do manejo ao qual é submetido. Isso, além de gerar um estresse a este ecossistema, repercute na queda de produtividade do solo pelo uso de pesticidas. Comparando-se ainda os resultados das análises, tanto de março quanto de agosto, fica evidenciado que há uma situação de estresse no solo estudado em Paty do Alferes. Essa situação é traduzida em perda de fertilidade do solo, logo, perda de produtividade das plantações e aumento do problema com pragas. Como forma de remediar esta situação, o agricultor vê como solução a utilização de pesticidas com mais freqüência e em maior quantidade. A maior parte dos pesticidas utilizados acaba atingindo o solo e as águas, principalmente pela deriva na aplicação, controle de ervas daninhas, lavagem das folhas tratadas, lixiviação, erosão, aplicação direta em águas para controles de vetores de doenças, resíduos de embalagens vazias, lavagens de equipamentos de aplicação e efluentes de indústrias de agrotóxicos. Hoje, o foco de atenção é a conservação da diversidade de microrganismos. A 318 revista_V30.pmd 318 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública importância destes organismos reside no papel ecológico chave que desempenham no funcionamento dos ecossistemas, destacando-se, entre outras, as atividades microbianas de decomposição. Considera-se também que os microrganismos são responsáveis primários pela degradação e desintoxicação de muitos contaminantes ambientais. A utilização de pesticidas e a mecanização da lavoura promovem o aumento da degradação do solo, a diminuição da fertilidade e o aumento da infestação por pragas, gerando um círculo vicioso: uso de pesticidas, aumento de pragas, aumento do uso de pesticidas. A preocupação com este tema resultou na comparação dos resultados dos índices de qualidade do solo com os números de casos clínicos de intoxicação crônica de agricultores revelados por levantamentos feitos em literatura. Este quadro leva à busca de um indício, de um nexo associativo entre a degradação do ambiente, em decorrência do uso abusivo de pesticidas, e os casos de intoxicação ocorridos na região, decorrentes da exposição aos pesticidas. Os pesticidas figuram atualmente como um dos principais poluidores e agentes causadores de impacto nos agroecossistemas, sendo responsáveis pelos mais diversos tipos de interações que, em muitos casos, levam à degradação dos recursos naturais fundamentais para fertilidade do solo, a alterações em sua estruturação, ciclagem de nutrientes e, principalmente, na diminuição da diversidade8. Desta forma, mudanças na composição ou atividade da comunidade microbiana podem levar a efeitos imediatos e permanentes no funcionamento do ecossistema. Casos de intoxicações por agrotóxicos são freqüentemente observados e relatados pelos trabalhadores. O uso desordenado e excessivo desses produtos acarreta também impacto econômico negativo nos agricultores, com nítidas repercussões sociais. Os prejuízos causados pelo uso inadequado dos agrotóxicos extrapolam o campo econômico e ganham uma dimensão social, pois, ao prejudicar a saúde humana, demandam verbas públicas e privadas para o atendimento médico e hospitalar. Somam-se a isso os dias de confinamento e tratamento da doença, que causam impactos na produtividade agrícola e, conseqüentemente, no processo de geração de renda no campo. É importante ressaltar que, embora com riscos direto e indireto para os agricultores, formuladores ou comerciantes, os agrotóxicos estão presentes no dia-a-dia da população, por meio dos resíduos nos alimentos. Por outro lado, dados de estudos locais mostraram que, na cultura de tomate, 17% das amostras provenientes da produção industrial estavam impróprias para consumo, em virtude dos níveis de metamidofós encontrados; a situação da produção de tomate de mesa foi mais grave, visto que 58,6% das amostras de tomate violaram o estabelecido pela legislação brasileira com respeito a resíduos tóxicos, com valores acima do permitido para o inseticida organofosforado metamidofós e a presença ilegal do organoclorado endosulfan9,10. v.30 n.2, p.309-321 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 319 319 5/3/2007, 16:55 Neste sentido, a identificação e implementação de práticas agrícolas que minimizem a perda de energia e que mantenham a produtividade em níveis satisfatórios é um desafio para produtores e pesquisadores. É importante ressaltar que a diversidade é a questão chave no fluxo de energia do sistema. O solo é o maior reservatório de C da Terra, sob a forma de matéria orgânica. A busca da sustentabilidade é, portanto, crucial, pois possibilitará, em longo prazo, a manutenção da capacidade produtiva, a viabilidade e a qualidade da vida, a conservação do ambiente e a minimização dos agravos à saúde pública. REFERÊNCIAS 1. Peres F, Rozemberg B, Alves SR, Moreira JC, Silva JJO. Comunicação relacionada ao uso de agrotóxicos em região agrícola do Estado do Rio de Janeiro. Rev Saúde Pública 2001;35(6):564-70. 2. Kim KY, Cacnio VN. Evaluation of microbial methods as potential indicators of soil quality in historical agricultural fields. Biology and Fertility of Soils 1995;19(4):297-302. 3. Cattelan AJ, Vidor C. Flutuações na biomassa, atividade e população microbiana do solo em função de variações ambientais. Revista Brasileira de Ciência do Solo 1990;14(2):133-42. 4. Alvarez R, Doaz RA, Barbero N, Santanatoglia OJ, Blotta L. Soil organic carbon, microbial biomass and CO2 -C production from three tillage system. Soil & Tillage Research 1995;33(1):17-28. 5. 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Aprovado em 24.07.2006. v.30 n.2, p.309-321 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 321 321 5/3/2007, 16:55 ENSAIO INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE: OPERACIONALIZANDO O CONCEITO DE RISCO NO ÂMBITO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA a Maria Ligia Rangel-S b Resumo O artigo discute os desafios para a operacionalizaão do conceito de risco no âmbito da vigilância sanitária, com o objetivo de contribuir com a formulação de estratégias nesse campo. Apresenta alguns argumentos que sustentam o debate para o desenvolvimento de práticas interdisciplinares e transversais no controle de risco no âmbito dessas vigilâncias. Consideram-se as abordagens do risco em diversas disciplinas que fragmentam o olhar sobre esse objeto complexo, ao longo do processo de desenvolvimento científico e tecnológico. Consideram-se também as principais características dos riscos na sociedade contemporânea, em suas dimensões econômica, política e ideológica, e as formas de atuação do Estado, em especial das ações de vigilância sanitária. Finalmente, alguns desafios referentes à recomposição do olhar e à reconstrução de práticas são destacados, para estimular o debate sobre o desafio de operacionalizar o conceito de risco nas vigilâncias, na proteção e promoção da saúde. Palavras-chave: Risco. Interdisciplinaridade. Vigilância sanitária. INTERDISCIPLINARY AND TRANSVERSALLY FOCUSED ACTIONS: OPERATING THE CONCEPT OF RISK AT SURVEILLANCE ACTIVITIES Abstract The article discusses some challenges in operating with risk concept in health surveillance activities, in order to contribute to the formulation of practices in this field. Some arguments are presented to support the debate for the development of interdisciplinary and transversally focused actions for the risk control at surveillance activities. Risk approaches are considered in different disciplines that fragment the vision over this complex object, along scientific and technologic development. They are also considered the main characteristics of risk in a b Texto apresentado, em síntese, na Mesa Redonda Interdisciplinaridade e Transversalidade: Operacionalizando o Conceito de Risco no Âmbito das Vigilâncias, na I Jornada Norte-Nordeste de Vigilância Sanitária e III Semana de Vigilância Sanitária de Natal, realizadas em Natal, de 22 a 25 de novembro de 2005. Instituto de Saúde Coletiva (ISC), Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço para correspondência: [email protected] 322 revista_V30.pmd 322 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública contemporary society, including the economic, political and ideological dimensions and State actions, mainly for surveillance activities. Finally, some challenges are pointed out that refer to the reconstruction of view and practices, in order to stimulate the debate on challenges for operating the concept of risk in health protection and promotion. Keywords: Risk. Interdisciplinary. Health surveillance. INTRODUÇÃO O presente artigo propõe-se a refletir sobre o desafio de operacionalizar a interdisciplinaridade no olhar em torno do risco à saúde, e a transversalidade nas ações de Vigilância Sanitária (VISA). Esses temas impõem-se na sociedade contemporânea, dada a grande relevância dos riscos nessa sociedade, desafiando a operacionalização do seu controle, tornandose, por esta razão, eixo temático em diversos fóruns voltados para a vigilância, a exemplo das últimas conferências de saúde. A interdisciplinaridade convoca a integralização do olhar sobre o objeto do conhecimento e da ação, que ao longo da história da modernidade, nos três últimos séculos, em decorrência do desenvolvimento científico e tecnológico, foi fragmentado em diversas disciplinas, levando à especialização, ou seja, à delimitação de campos cada vez mais específicos para se abordar aspectos particulares da realidade. Na segunda metade do século XX, impõe-se a busca pela comunicação entre as especialidades e pela recomposição da organização do trabalho fragmentado e alienante. Esse fenômeno é também observado no trabalho em saúde1, cuja recomposição se tenta realizar mediante o trabalho em equipe multiprofissional2. A noção de transversalidade surge para tentar superar a hierarquização de saberes disciplinares que, no processo referido, gerou concentração de valores em torno de uns, em detrimento de outros. Assim, essa noção sugere que o conhecimento atravesse as estruturas, rompendo hierarquias de conteúdos, de disciplinas, de instituições e organizações. Isso implica em questões organizacionais de como as práticas se estruturam, e em questões políticas de desconcentração de poder. Na transversalidade, todos os conhecimentos e idéias são válidos e todas as ações são importantes, embora algumas possam ser mais complexas do que outras. Portanto esse tipo de ação facilita a descentralização e a horizontalização; possibilita a conexão/ confronto interinstitucional ou intra-institucional; permite o aumento de comunicação entre os diferentes membros de cada grupo e entre os diferentes grupos; facilita a produção de conhecimento compartilhado e a solidariedade entre os grupos. A noção de transversalidade remete à noção de Rede, cujo conceito, de acordo com 3 Rovere , traz uma mensagem de cooperação e articulação e não incorpora contradições difíceis de v.30 n.2, p.322-331 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 323 323 5/3/2007, 16:55 conciliar, como ocorre com outros conceitos de circulação freqüente no setor saúde. Contudo, para o autor, democratizar, articular, conectar, coordenar podem se expressar melhor com o uso do conceito no plural: redes. Pode denominar, por exemplo, toda a infraestrutura de uma instituição, como uma rede de redes, conformando uma unidade. Alguns pontos precisam ser aprofundados, para compreender-se o desafio da interdisciplinaridade e da transversalidade no âmbito das vigilâncias, destacando-se, neste artigo, os seguintes aspectos: o conceito de risco no senso comum e na ciência; o controle do risco e vigilância sanitária na sociedade contemporânea. RISCO NO SENSO COMUM E NA CIÊNCIA O termo risco é considerado polissêmico, por ter diferentes significados, seja no senso comum, seja no campo científico. No senso comum, o risco é tomado como perigo, expectativa de um evento desagradável, ruim ou indesejado. No campo científico, são diversos os significados, mesmo em uma única disciplina, embora, em muitas delas, encontre-se subjacente a idéia de incerteza ou de dimensionamento da incerteza, tendo como base o conceito estatístico de probabilidade. Na engenharia de segurança, o risco é concebido como probabilidade de ocorrência de dano em certo tempo ou número de ciclos operacionais de um processo produtivo, que pode acarretar dano ou azar. No campo da saúde, o conceito de risco fundamenta as práticas da clínica e da saúde pública, cujos significados desdobram-se da definição de risco utilizada na epidemiologia. Nesta, o risco corresponde a uma probabilidade de ocorrência de um evento, em um determinado período de observação, e à incidência cumulativa4. Na saúde pública, a aplicação do conceito é também probabilística, mas utilizada para a identificação de grupos populacionais que diferem entre si em relação à probabilidade de desenvolver eventos relativos à saúde. Aplicado para a planificação e gestão, permite a identificação de grupos de maior risco, para os quais se deveriam voltar as prioridades da atenção à saúde. Vale ressaltar que esta é uma lógica implícita na vigilância à saúde, que, orientada pelo princípio da eqüidade, precisa identificar as desigualdades do adoecer e morrer. Neste caso, o risco se situa para além e para fora dos sujeitos, no âmbito da população, e é produzido ou atribuído a coletivos humanos. O risco visto assim, objetivamente, em fatores identificáveis na coletivdade, torna possível seu controle e redução, a partir de intervenções programadas sobre as condições objetivas. Essa noção, contudo, não fica isenta de derivações de ordem econômica, política e ideológica. Segundo Duclos5, ela se filia a uma concepção que Short chama de uma verdadeira indústria de análise do risco. Desenvolvida especialmente nos Estados Unidos, para ela são constituídos quadros comparativos de avaliação social dos riscos, que buscam exprimir a variação em termos 324 revista_V30.pmd 324 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública monetários e propiciam o desenvolvimento de estratégias de gerenciamento do risco. Isso, segundo o autor, tem influenciado o modo de pensar dos atores em corpos profissionais distintos. O risco tem sido objeto de estudos diversos, desde a década de 1960, nas abordagens quantitativas e nas qualitativas, nos mais variados campos de conhecimento. Estudos recentes em torno do risco reconhecem as significativas contribuições de Beck e Giddens, como principais autores/leitores do risco na sociedade contemporânea a partir da década de 19806,7, 8, 9,10. Estes estudos oferecem trajetórias e especificidades dos modos como o risco vem sendo abordado na sociedade e em diversas disciplinas acadêmicas. As contribuições de Beck e Giddens são referidas na literatura recente sobre o risco, especialmente reconhecendo-se a centralidade conferida por estes autores ao risco, particularmente o ambiental e tecnológico, na teoria social, para entender o projeto histórico da modernidade reflexiva. Contudo, são os estudos realizados por Douglas11 que inauguram a análise cultural do risco nas Ciências Sociais, ainda na década de 1960, identificando a diversidade de racionalidades leigas e peritas em torno do risco. Com Wildasky12, é desenvolvida a idéia de escolhas sociais de riscos aos quais os indivíduos ou grupos se submetem, relacionadas a valores éticos e morais conformados em culturas particulares. Mas são Beck e Giddens que relacionam o risco às profundas mudanças da sociedade globalizada. Em sua análise sociológica, Beck13:21 define o risco como “[...] um modo sistemático de lidar com o perigo e incertezas induzido e introduzido pela modernização em si. Risco, em oposição aos velhos perigos, são conseqüências relacionadas com a força ameaçadora da modernização e com a globalização da dúvida.” Beck13 enuncia cinco teses sobre a distribuição do risco na sociedade: 1) o risco produzido na modernidade tardia, caracterizado por sua diversidade extrema e por sua capacidade de escapar da habilidade perceptiva humana; 2) a distribuição dos riscos é assimétrica, variando com a posição de classe social; 3) a difusão e comercialização dos riscos levam a lógica do capitalismo a um outro estágio, havendo sempre perdedores e vencedores nas definições de risco; 4) na sociedade de risco, a consciência determina o ser, de modo que o conhecimento ganha um significado político; 5) a catástrofe emerge com um potencial político, implicando na reorganização do poder e da autoridade. A leitura de Beck13 e Giddens14 mostra os limites da racionalidade instrumental para assegurar certezas, o que significa a limitação da própria ciência para controlar riscos na sociedade pós-industrial, em face das evidências históricas das grandes catástrofes de origem tecnológica. Segundo Guivant15, Beck entende esses fenômenos não como efeitos, mas como parte intrínseca de um modo de organizar e produzir na sociedade, quando o progresso conduz à autodestruição da mesma. Beck13 destaca três planos, nos quais as transformações se processam: 1) as relações da sociedade da indústria moderna com os recursos naturais e culturais; 2) as relações da sociedade com os perigos e problemas que produz; e 3) as fontes de significado, como consciência de classe ou confiança no progresso. v.30 n.2, p.322-331 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 325 325 5/3/2007, 16:55 Os autores convergem na constatação de que há múltiplas racionalidades em torno do risco, o que, por vezes, gera conflitos, especialmente na relação entre cientistas/peritos e leigos. Experiências de situações concretas de risco têm levado a julgamentos de risco por parte de peritos, fundados em lógicas das diversas disciplinas e, ainda, em variáveis de cunho econômico, político e moral, podendo conduzir à perda da confiança e credibilidade de leigos em instituições supostamente responsáveis por assegurar a proteção, sejam elas empresas, hospitais, agências regulatórias dos riscos ou outras. Observando as relações sociais em torno dos riscos, Beck13 afirma que cientistas determinam riscos enquanto populações os percebem, e este é um ponto de divergência em um suposto diálogo sobre os riscos. Por sua vez, Douglas12 observa que valores sócio-culturais estão implicados nas escolhas de grupos sociais para se submeterem a determinados fatores de risco, de modo que, na sociedade, idéias de justiça influenciam a aceitação de grupos sociais a se submeterem a determinados fatores de risco. Ainda observa que alguns eventos de grande monta, que afetaram grande contingente populacional e produziram extensos danos à vida e à saúde humana, acabaram ligando, de forma consistente, o risco à religião. Também pesquisadores da área da engenharia como Duclos5, Lagadec16 e Sevá Filho 17, e ergonomistas como Wisner18, têm mostrado que os riscos existem em meio a relações sociais complexas. Duclos5 destaca que a prevenção dos riscos nos espaços produtivos é ao mesmo tempo simbólica e prática; ou seja, é possível identificar que estratégias de prevenção se destinam a um certo funcionamento de relações sociais nos locais de trabalho, mais do que propriamente à redução do risco técnico em si. Assim, o discurso normativo de saúde e segurança imposto a trabalhadores parece cumprir mais uma função ideológica de controle e disciplinamento da força de trabalho, que de proteção contra eventos mórbidos, como o acidente e a doença do trabalho, obscurecendo-se alguns fatos da realidade e favorecendo o controle de modos de apreensão social do fenômeno19. Duclos5 enfatiza que fatores psicológicos, cognitivos e defensivos da relação do trabalhador com os fatores de risco no trabalho se articulam com as relações políticas e ideológicas dentro das empresas. Vê-se então o risco, esse objeto complexo que a vigilância sanitária se propõe a controlar, representado mediante múltiplas abordagens nas diversas disciplinas que conformam o referencial da ação dos diferentes sujeitos da vigilância sanitária: farmacêuticos, médicos, veterinários, engenheiros, educadores etc. Estes enfrentam o desafio de construir um olhar integralizador do conhecimento e da ação, no contexto de uma sociedade em que o controle de riscos assume especificidades que lhe são próprias e que diferem do controle de riscos na sociedade disciplinar7. 326 revista_V30.pmd 326 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública CONTROLE DE RISCOS E VIGILÂNCIA SANITÁRIA A sociedade atual gera incessantemente novos riscos e cria paralelamente tecnologias de controle. Em face da emergência de numerosos fatores e situações de risco à saúde nessa sociedade, a vigilância sanitária passou a operar em uma densa gama de competências, ampliando cada vez mais sua abrangência e densidade para o controle de riscos em áreas de interesse da saúde, tais como: tecnologias médicas; serviços direta ou indiretamente relacionados com a saúde; portos; aeroportos; fronteiras; saúde dos viajantes; aspectos do ambiente e da saúde do trabalhador20 . Assim, a diversidade de ações se impõe ao campo de atuação da vigilância sanitária, envolvendo vários setores, para tratar de fenômenos sociais complexos, dirigindo-se para o controle de riscos oriundos da produção, circulação e consumo de bens e serviços de saúde. Essa mesma sociedade, marcada por um intenso e acelerado desenvolvimento tecnológico, deu lugar ao discurso do risco, que passou a desempenhar papel fundamental na estruturação, reprodução e reparo do projeto histórico da modernidade13, em função da crise de legitimação resultante de eventos de grande monta que afetaram amplos contingentes populacionais e produziram extensos danos ao ambiente, à vida e à saúde humana. São exemplos: o acidente nuclear de Three Mile Island (TMI), em 1979, e, no Brasil, o acidente radioativo de Goiânia, em 1987, o de Vila Socó (Cubatão, SP), em 1984, um dos 13 acidentes dessa natureza, ligados à indústria, ocorridos no mundo inteiro entre 1974 e 198717. Nesse país, mais diretamente vinculados ao âmbito da ação da vigilância sanitária, destacam-se a implantação de próteses de silicone, que se disseminou e contagiou a população como uma epidemia, desconhecendo-se os riscos implicados nesse procedimento21; as 94 mortes de velhinhos na Clínica Genoveva no Rio de Janeiro, em 1996; a tragédia do Instituto de Doenças Renais (IDR) de Caruaru (PE), em 1996, causando a morte de 71 pacientes; as 22 mortes causadas pelo Celobar, em 2003, em Goiás; entre outras. São escândalos e tragédias que se repetem, levando ao rebaixamento da já problemática confiança da população nos órgãos regulatórios, abalando a credibilidade em serviços de saúde e de tecnologias biomédicas. A despeito dessa complexidade, a VISA no Brasil ainda se caracteriza por um papel eminentemente normativo e fiscalizador; a decisão e organização das ações de VISA possuem tradição centralizadora e vertical; as ações são desarticuladas e fragmentadas em setores. A vigilância sanitária, no Brasil, enfrenta uma luta incessante entre o econômico e o social e necessita transmitir para a população idéias sobre os riscos na perspectiva da proteção e promoção da saúde. De todo modo, vem desenvolvendo, ao longo dos últimos anos, um profundo trabalho de reflexão crítica do seu modus operandi, buscando romper com a tradição predominantemente normativa e fiscalizadora, para se ver comprometida com um papel social de regulador abrangente, que a vincula, definitivamente, ao núcleo central das relações de poder da sociedade industrial. v.30 n.2, p.322-331 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 327 327 5/3/2007, 16:55 Nesse contexto, a análise de risco, que envolve a triangulação entre cálculo, percepção e gerenciamento do risco, converte-se, nos anos 80, conforme Porto e Freitas20, tanto em uma resposta política à formação de consenso social nos processos decisórios, como em uma resposta técnica às preocupações coletivas, embora, como entendem os autores, seu caráter político se sobreponha à dimensão técnica. Deste modo, a complexidade que envolve o risco na sociedade atual torna impossível compreendê-lo apenas na perspectiva da análise do risco, uma vez que o controle é mediado por um conjunto de valores de natureza econômica, a exemplo do adicional de insalubridade e periculosidade; políticas/normas que regulam relações em torno dos riscos e fundamenta lutas econômicas e políticas de trabalhadores e lutas sociais para proteção da saúde; e ideológica, como a confiança e a credibilidade14. Desse modo, mostra-se a complexidade do controle do risco na sociedade contemporânea, impondo-se a necessidade da comunicação entre as diversas disciplinas e a organização da ação, de modo a integrá-las. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dessa reflexão, a interdisciplinaridade e a transversalidade no âmbito das vigilâncias enfrentam vários desafios. Os sujeitos da ação estão imersos em culturas das diversas instituições e organizações, formados com diferentes visões das diversas disciplinas, portanto, sujeitos com visões disciplinares fragmentadas em relação ao objeto da ação. Esta é segmentada em setores, de modo que os agentes das vigilâncias deixam escapar de seu olhar a profunda interação entre produção, circulação e consumo e a saúde do trabalhador e do ambiente, ao lado da salubridade dos produtos e processos. As instituições governamentais, organizadas para exercer o controle disciplinar sobre o risco, possuem forte tradição de concentração de poder e de ação fiscalizadora, com caráter inspirado na polícia médica do início do século passado. Contudo, o controle de riscos na sociedade atual requer, em primeiro lugar, a ruptura com a visão e a prática fiscalizadoras realizadas pela vigilância sanitária, para por em ação um projeto que evidencie a prática de proteção e promoção da saúde, frente à verdadeira avalanche de produtos e serviços despejados no mercado cotidianamente, acometendo o ambiente e a saúde de trabalhadores e de consumidores. Em segundo lugar, cabe refletir quanto à conformação de novos sujeitos da ação: que sujeitos são necessários? Com que olhares, para que ação sobre objeto tão complexo? Qual a formação necessária? Como incorporar o olhar das diversas disciplinas ao controle de risco no âmbito das Visas? Em terceiro lugar, é necessário pensar o desafio do diálogo, da comunicação entre atores sociais em meio a relações de conflito, especialmente entre leigos e experts; as relações de poder 328 revista_V30.pmd 328 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública entre Estado e sociedade e as múltiplas dimensões sociais e culturais que envolvem o fenômeno risco. O principal desafio, portanto, não parece ser a articulação formal, mas o encontro político e cultural, o diálogo e a participação, considerando-se que a adesão a práticas saudáveis, seja pelo setor regulado, seja pelos demais grupos sociais, pode ser uma questão de negociação não só econômica e política, mas também de entendimentos. Nesse sentido, ganha relevância a construção de redes, pelo seu potencial de democratização, horizontalização e abertura para a criação de novas formas de construir e compartilhar o conhecimento e a ação. Em torno das redes poder-se-ia representar as expectativas e a articulação das pessoas de uma instituição, podendo-se abrir e articular-se com outras que possuam interesses comuns. Pressupõe-se, em todo caso, a existência de um diálogo implícito ou explícito e da mútua influência entre as noções de redes e o planejamento estratégico, o que permite enriquecer os instrumentos teórico-metodológicos. REFERÊNCIAS 1. Schraiber LB. O trabalho médico e a clínica na medicina moderna. São Paulo: Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo; 1992. (Cadernos CEFOR, Série Textos 4). 2. Pedduzzi M, Palma JJL. A equipe de saúde. In: Schraiber LB (org). Saúde do Adulto. Programas e ações na unidade básica. São Paulo: Hucitec; 1996. p. 234-250. 3. Rovere M. Redes nómades, algunas reflexiones desde una práctica de intervención institucional. In: Wolfberg E. (Comp.) Prevención en Salud Mental. Buenos Aires: Ed Lugar; 2002. 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Identifica seus avanços, inclusive aqueles realizados nos últimos anos, realiza um diagnóstico dos principais limites, contradições e obstáculos existentes e discute a proposta recentemente aprovada de “Pacto de Gestão”; identifica suas insuficiências e problemas e aponta a necessidade de superar lacunas existentes. Palavras-chave: Descentralização. Sistema de Saúde – SUS. Sistema Único de Saúde. Administração de Serviços de Saúde. ADVANCES AND LIMITATIONS IN THE SUS´ DESCENTRALIZATION AND THE “MANAGEMENT PACT” Abstract The Brazilian Unified Health System (SUS) is one of the largest public health systems in the world and has in management decentralization of one of its more important principles. The present article reviews the construction of SUS decentralization process from the constitutional definitions, going through the many normatization initiatives. It identifies its advances, including those carried through in recent years, develops a diagnosis of the main limitatons, contradictions and obstacles and argues in favor of the recently approved proposal of the “Management Pact”, at the same time it identifies its insufficiencies and problems, by pointing the necessity to surpass the existing gaps. Keywords: Decentralization. Health System. SUS (BR). Health Services Administration. a Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Endereço para correspondência: Rua Basílio da Gama, s/n - Campus Universitário Canela - Cep: 40.110-040 - Salvador – BA. E-mail: [email protected] 332 revista_V30.pmd 332 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública INTRODUÇÃO O presente estudo tem como objetivo realizar uma breve sistematização do processo de descentralização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Destaca seus principais avanços e limitações e desenvolve uma análise preliminar do mais recente instrumento introduzido, o “Pacto de Gestão”. Para tanto, é desenvolvida uma análise de referências bibliográficas, documentos normatizadores do processo de descentralização, aprovados pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e sancionados pelo Ministério da Saúde, e de bases de dados do Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS), Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIH/SUS), dados das Programações Pactuadas Integradas (PPI), do Sistema de Informação sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) e de transferências de recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde. Todos estes dados estão disponíveis na Internet, nos sítios do Ministério da Saúde – área da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) – e no Departamento de Informática do SUS (DATASUS). CONSTRUÇÃO DA DESCENTRALIZAÇÃO NO SUS O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, propondo-se a garantir assistência integral e gratuita para a totalidade da população brasileira. Mesmo os 40.281.718 beneficiários de operadoras da saúde suplementar (21,6% da população, conforme dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar), utilizam pelo menos uma parte das ações e serviços pelo SUS: vigilância sanitária, vigilância epidemiológica e controle de doenças e vetores, imunização e, muitas vezes, procedimentos de alta complexidade e maior custo, que nem sempre são cobertos pelos planos privados de saúde. A rede de serviços do SUS possui 63.662 unidades ambulatoriais e 5.864 hospitais, com 441.591 leitos, responsáveis por cerca de 12 milhões de internações por ano. Em 2005, o SUS realizou mais de 1,1 bilhão de procedimentos de Atenção Básica e pela primeira vez superou a marca de 1 bilhão de procedimentos ambulatoriais especializados. São 2,3 milhões de partos por ano, mais de 100 mil procedimentos de hemodinâmica, mais de 14 mil transplantes de órgãos e 97% da oferta de terapia renal substitutiva (8,9 milhões de procedimentos realizados em 2005) – dados do Sistema de Informação Ambulatorial e do Sistema de Informação Hospitalar do SUS – SIA/SUS e SIH/SUS. O Brasil é um país complexo, com dimensão geográfica continental e marcado por uma estrutura econômico-social bastante heterogênea, com grandes diferenças regionais e distribuição profundamente desigual de serviços e de profissionais de saúde. Tal quadro aponta a importância da descentralização das políticas públicas, inclusive na área de saúde. Além disso, v.30 n.2, p.332-348 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 333 333 5/3/2007, 16:55 trata-se de um sistema federativo especial, em que os municípios são entes federativos, dotados de autonomia política, administrativa e financeira, com um papel de protagonista da gestão do sistema de saúde em seu território, definido constitucionalmente. Acrescenta-se que o desafio de construir o SUS se dá em um contexto extremamente complexo e adverso, com um quadro de morbi-mortalidade em que se observa a convivência de doenças típicas do subdesenvolvimento, com alta prevalência de doenças crônicas, alta incidência de agravos devidos a causas externas, progressivo envelhecimento populacional e demandas crescentes por serviços de alta complexidade. Além disso, observa-se um quadro de incorporação tecnológica intensa, acrítica e abusiva no setor saúde, uma cultura política conservadora, clientelista e fisiológica hegemônica, fortes pressões corporativas e empresariais, relação públicoprivada fortemente marcada pela privatização da coisa pública e baixos níveis de financiamento do sistema. Na Constituição de 1988, a saúde passou a ser entendida como direito social universal, direito de cidadania e as ações e serviços de saúde caracterizados como de relevância pública. Este direito social (direito à saúde) deve ser assegurado pelo Estado1. A saúde vai se inserir em um conjunto de direitos sociais (dos trabalhadores, à saúde, à segurança social etc.) que necessitam do papel do Estado para sua garantia; ou seja, são direitos a serem assegurados pelo Estado. Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder –, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal a sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. 2:72 Cabe lembrar que as proposições da reforma sanitária se deram em direção contrária às propostas de reforma do Estado, hegemônicas na década de 1980, e a implantação do SUS, nos anos 1990, se deu em uma conjuntura desfavorável, sofrendo os efeitos das medidas voltadas para o desmantelamento do aparelho de Estado durante os governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso3, 4. Após a nova Constituição da República5, foram diversas as iniciativas institucionais e legais voltadas para criar as condições de viabilização plena do direito à saúde, destacando-se, no âmbito jurídico institucional, as chamadas Leis Orgânicas da Saúde – nº. 8.080/906 e nº 8.142/907 – e as Normas Operacionais Básicas (NOB). As leis orgânicas regulamentaram o SUS, agregando todos os serviços estatais – federal, estadual e municipal – e os serviços privados contratados/ conveniados. As normas operacionais básicas têm sido instrumentos de regulamentação que, 334 revista_V30.pmd 334 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública progressivamente, têm aprofundado o processo de descentralização da gestão do sistema de saúde e definido as relações entre as três esferas de governo. A NOB 01/91, ainda editada pela presidência do INAMPS, estabeleceu a transferência de recursos para estados e municípios, por meio de convênios, considerando estes entes federativos como prestadores de serviços. A NOB/SUS 01/93 criou três alternativas de gestão para as instâncias subnacionais, expressando graus crescentes de descentralização: incipiente e parcial, na qual continuavam apenas como prestadores de serviços ao SUS; e a gestão semi-plena, na qual, pela primeira vez, alguns municípios passaram efetivamente a assumir a gestão do sistema de saúde. Esta NOB estabeleceu o funcionamento de instâncias colegiadas de gestão do SUS: as Comissões Intergestores Tripartite (CIT – nacional) e Bipartites (CIB – estaduais). A Lei nº 8.689, de 27 de julho de 1993, extinguiu o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), transferiu para estados e municípios atribuições, pessoal, equipamentos e imóveis, criou o Sistema Nacional de Auditoria e estabeleceu que os recursos de custeio dos serviços fossem repassados de forma regular e automática do Fundo Nacional de Saúde para os fundos estaduais e municipais de saúde7. O peso do INAMPS era tão intenso na assistência à saúde que, no momento de sua extinção, o órgão ainda tinha sob sua gestão o contrato de 6.500 hospitais e 40.000 outros serviços (clínicas, laboratórios etc.) e contava com 96.913 servidores9. Em 1994, um decreto presidencial (Decreto nº 1.232, de 30 de agosto de 199410) autorizou o repasse financeiro direto do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Municipais de Saúde, viabilizando o mecanismo necessário para operacionalizar a gestão semiplena11. Três anos após a edição da NOB/SUS – 01/93, ou seja, ao final de 1996, existiam 3.078 municípios habilitados, sendo 2.323 em gestão incipiente, 618 em gestão parcial e 137 em gestão semi-plena, com a descentralização sendo polarizada especialmente entre o governo federal (poder financeiro e normatizador) e os municípios, que surgiram com força e capacidade de resposta na cena político-sanitária12. O acúmulo obtido pelas experiências de gestão semi-plena de alguns municípios serviu como referência para um amplo processo de discussão e de negociação política, resultando na aprovação da NOB/SUS - 01/96, redefinindo responsabilidades e prerrogativas de municípios, estados e União e impulsionando nova onda descentralizadora, ainda mais forte que a possibilitada pela NOB anterior, com dois níveis de gestão possíveis para os municípios (gestão plena da atenção básica e gestão plena do sistema municipal de saúde). A NOB/SUS – 01/96 teve como um dos avanços indiscutíveis a criação do Piso Assistencial Básico (PAB), encerrando o v.30 n.2, p.332-348 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 335 335 5/3/2007, 16:55 repasse por produção de serviços de atenção básica para municípios habilitados, passando a fazê-lo por critérios populacionais e criando incentivos para implantação e funcionamento de ações prioritárias13. Dos 5.506 municípios existentes em junho de 2000, no país, 5.426 (98,5%) estavam habilitados pela NOB/SUS - 01/96, sendo 4.906 (89,1%) em gestão plena da atenção básica e 520 (9,4%) em gestão plena do sistema municipal de saúde. Ao assumirem a gestão semi-plena pela NOB 93, ou a gestão plena pela NOB 96, muitos municípios avançaram na gestão do SUS: reorganizaram a oferta e redimensionaram a rede de serviços; ampliaram o acesso da população às ações e serviços de saúde; aumentaram a capacidade instalada pública; criaram capacidade de regulação, serviços de controle, avaliação e auditoria, sistemas informatizados de marcação de consultas, procedimentos especializados e internações hospitalares; desenvolveram a participação dos conselhos de saúde (municipais e locais); aumentaram a participação relativa dos gastos ambulatoriais em relação aos hospitalares; e reduziram internações desnecessárias11, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23. Não obstante todas as dificuldades, o processo de descentralização tem transferido responsabilidades, prerrogativas e recursos para os governos municipais, ocorrendo ampla descentralização dos recursos e das responsabilidades de gestão sobre os serviços24. Coloca-se como desafio dos municípios, além de assumir o conjunto de responsabilidades expressas pelas normas operacionais, avançar na implementação de mudanças nos modelos de atenção e gestão, inclusive ampliando os espaços de controle social, e superar os riscos de reproduzir, no âmbito municipal, os processos clientelistas e cartoriais entre Estado e Sociedade que tornaram o antigo INAMPS um exemplo de privatização do Estado e foram repassados às Secretarias Estaduais de Saúde, em maior ou menor grau, junto com todo o espólio da atenção médica previdenciária. Diversos esforços foram feitos para aperfeiçoar o processo de descentralização do SUS, que culminaram com a aprovação da Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS 01/ 2001)25, a qual não chegou a ser implantada, e da Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS 01/2002)26. Como saldos positivos do processo de implantação da NOAS, a despeito de suas limitações, fragilidades e inadequações metodológicas frente aos desafios da gestão descentralizada do sistema de saúde, destacam-se: o fortalecimento das ações de regulação, controle e avaliação da regionalização na pauta prioritária dos gestores do SUS nas três esferas de governo e a ampliação do emprego da Programação Pactuada Integrada (PPI). É importante lembrar que a descentralização da assistência, da vigilância sanitária e da vigilância em saúde tem sido efetivada em tempos e formatos diferentes. No âmbito da NOAS, houve completo descompasso entre estes processos. 336 revista_V30.pmd 336 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública Avanços recentes no processo de descentralização do SUS A partir de 2003, observa-se a implantação de um conjunto de ações visando à intensificação e qualificação do processo de descentralização no SUS. Em janeiro de 2003, apenas 13 estados estavam em gestão plena. Mediante um forte mecanismo de indução financeira e cooperação técnica intensa foi possível chegar a outubro de 2004 com todos os estados em gestão plena. O reajuste dos valores das consultas médicas especializadas, aprovado em 2002 apenas para os prestadores privados contratados pelo SUS (Portaria GM/MS nº 1.188, de 26/02/2002), foi, em 2003, estendido aos prestadores públicos, condicionado ao fato de que as unidades públicas estivessem sob gestão plena do sistema estadual ou gestão plena do sistema municipal de saúde (Portaria GM/MS nº 654 de 28/05/2003). Cerca de 80% destes procedimentos são feitos em serviços públicos e o volume de recursos alocado correspondeu a um aumento superior a R$ 422,5 milhões por ano. Esta indução estimulou, em especial, os estados que ainda não tinham sido habilitados a assumirem a gestão plena, de forma que, em outubro de 2004, todos já se encontravam habilitados 27. Assim, desde novembro de 2004, o Ministério da Saúde não realiza pagamento direto para prestadores de serviços do SUS. Todos os recursos são repassados para fundos estaduais e municipais de saúde. A exceção ainda existente situa-se nos repasses de incentivos, para os quais já estão sendo trabalhadas políticas que irão incorporá-los nos tetos financeiros estaduais e municipais, mediante processo de contratualização com hospitais universitários, hospitais de pequeno porte e hospitais filantrópicos – o Incentivo de Integração ao Sistema Único de Saúde (INTEGRASUS), distribuído para os hospitais filantrópicos, o incentivo à assistência ambulatorial e hospitalar à população indígena e o fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e Pesquisa Universitária em Saúde (FIDEPS), repassado para hospitais universitários. Ocorreu também um aumento do número de municípios em gestão plena do sistema municipal, chegando, em outubro de 2005, a um total de 657, com 429 habilitados pela NOB 01/96 e 228 pela NOAS 01/02. Outro avanço a ser destacado encontra-se no âmbito da gestão da atenção básica. Em setembro de 2004, apenas 15 municípios não estavam habilitados em alguma forma de gestão. Após diversos debates e aprovação pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Portaria Ministerial nº 2.023, de 23 de setembro de 2004, estabeleceu que todos os municípios e o Distrito Federal são responsáveis pela gestão do sistema municipal de saúde na organização e na execução das ações de atenção básica. Cessava o processo de habilitação de municípios em Gestão Plena de Atenção Básica, passando a vigorar como única modalidade de habilitação a Gestão Plena de Sistema Municipal. Em seu anexo, a referida portaria estabeleceu o conjunto de responsabilidades dos municípios e do distrito federal na gestão e execução da atenção básica à saúde. v.30 n.2, p.332-348 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 337 337 5/3/2007, 16:55 Chama atenção o importante aumento nos repasses de recursos federais para estados e municípios b. Entre dezembro/02 e julho/05, tiveram uma ampliação da ordem de R$ 5.385.972.327,00 por ano, significando 1/3 a mais no financiamento. Saíram de R$ 1.361.679.173,67 por mês (dezembro/02) – deste total R$ 370.116.019,62 referentes a remuneração por prestação de serviços e R$ 991.563.154,05 relativos a transferências para fundos estaduais e municipais de saúde – para R$ 1.810.510.200,92 mensais (julho/05)27. Este aumento se deu por meio dos seguintes mecanismos: reajustes importantes nas tabelas SUS (ambulatorial e hospitalar), priorizando procedimentos de média complexidade com maiores diferenças entre o valor de tabela e o custo do procedimento; aumento de valores de incentivos existentes (especialmente para Saúde da Família); implantação de novas políticas estratégicas com financiamento global – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Centros de Especialidade Odontológica (CEO) etc.; criação de novos mecanismos de financiamento para rede hospitalar no SUS – contratualização dos hospitais universitários, iniciada em 2003, dos hospitais filantrópicos (2005), implantação da política de hospitais de pequeno porte; expansão da rede de alta complexidade, principalmente leitos de UTI, serviços de diálise, centros de alta complexidade em oncologia e cardiologia; e ainda aumento de valores dos tetos estaduais, inclusive incorporando critérios de redução da desigualdade regional27. Em 2003 e 2004, ocorreram ampliações de tetos superiores a aumentos aprovados em períodos anteriores, privilegiando estados com per capita mais baixos – inferiores à média nacional (todos da Região Norte e alguns da Região Nordeste). Os tetos financeiros dos estados para ações de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar (MAC)c – não incluindo medicamentos excepcionais e Fundo de Ações Estratégicas e de Compensação (FAEC) – que haviam aumentado apenas 9% entre 2000 e 2002, foram ampliados em 21% em 2003-2004, com maiores variações para Amazonas e Acre (40 a 45%) e Amapá e Tocantins (respectivamente 52,3% e 57,6%)27. O valor médio das internações pelo SUS obteve reajustes em 2003 e 2004 que, somados, corresponderam a um aumento médio de 24,58%, variando entre 24,03% na clínica médica, 28,56% na pediatria e 33,02% na obstetrícia. Em 2001-2002, o valor médio das internações tinha aumentado em 3,8% na clínica médica, 5,67% na pediatria e 7,42% na b c Dados dos repasses financeiros do Ministério da Saúde para estados e municípios encontram-se disponíveis no sítio do DATASUS na internet – http://www.datasus.gov.br. Dados dos Limites Financeiros da Assistência de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar de Estados e Municípios estão disponíveis no portal do Ministério da Saúde -http://dtr2001.saude.gov.br/sas/CPA/tetos/tetos.htm. 338 revista_V30.pmd 338 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública obstetrícia. O valor médio dos procedimentos ambulatoriais especializados aumentou em 2,31%, comparando-se o de 2002 com o de 2000, e em 14,36%, comparando-se o valor médio em 2004 com o de 2002; os de média complexidade tiveram reajuste do valor médio de 5,51% em 20012002 e 18,96% em 2003-2004. O valor médio neste último período chegou a aumentar em 67,8% no grupo das consultas médicas especializadas, 66,7% para ultra-sonografias, 25,6% na traumato-ortopedia e 23,3% em anátomo e citopatologia28. Conforme dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), a evolução dos gastos públicos federais para a saúde no Brasil caiu, entre 1997 e 2002, de U$ 89 (oitenta e nove dólares) para US$ 48 (quarenta e oito dólares) per capita. A partir de 2003 houve uma mudança importante, passando a aumentar para US$ 50,1 naquele ano, US$ 62,4 em 2004 e, pelo orçamento de 2005, uma aplicação de US$ 62,729. Entre outras iniciativas recentes que contribuíram para o fortalecimento da gestão descentralizada do SUS destacam-se: o Projeto de Apoio à Expansão da Estratégia de Saúde da Família (PROESF) – para municípios com mais de 100 mil habitantes –; o Projeto de Qualificação da Saúde da Família; a acelerada implantação de Centros de Atenção Psico-Social (CAPS); a implementação do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES); o Programa Nacional de Avaliação de Serviços de Saúde; a descentralização do processamento das autorizações de internações hospitalares (AIH); e o projeto de capacitação das equipes estaduais e municipais em regulação, controle, avaliação e auditoria. Limites e contradições da descentralização no SUS Um primeiro aspecto a ser ressaltado é que, não obstante o processo de descentralização no setor saúde apresentar potencialmente diversas vantagens, nos âmbitos administrativo, político e econômico, ele não é um fim em si mesmo. Tampouco temos a garantia a priori de que todas as gestões descentralizadas irão assegurar a realização deste potencial. Pelo contrário, muitas delas irão desempenhar um exercício da gestão do sistema de saúde com características semelhantes ao observado pela gestão anteriormente centralizada de cunho político conservador. No entanto é evidente que um sistema de saúde descentralizado, com um processo eficiente de transferência de recursos e autoridade às instâncias subnacionais (estados e municípios, no caso brasileiro), gera maiores possibilidades de impactos positivos na gestão e na atenção à saúde29, 30, 31, 32. A despeito dos marcantes avanços, a cultura política hegemônica conservadora aponta em direção oposta, contribuindo para a fragilidade da política de saúde como política de Estado, com papel muito forte do ideário político na condução de seus rumos. Neste sentido, o v.30 n.2, p.332-348 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 339 339 5/3/2007, 16:55 programa de governo e a direção vigente na gestão têm peso intenso e preponderante na definição dos destinos, ritmo e intensidade do processo de descentralização. Cabe ressaltar ainda que os avanços obtidos no processo de descentralização do SUS não devem ser atribuídos exclusivamente a um dos níveis de gestão do sistema. São, portanto, resultado de uma somatória de esforços e de um processo decisório que soube construir pactuações entre os três níveis. Muitas das políticas, hoje assumidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, decorreram de iniciativas inovadoras locais, que foram progressivamente se multiplicando, ao ponto de criarem referência para a construção de uma política nacional. Como exemplo, podese citar a estratégia de Saúde da Família, o SAMU e o processo de contratualização da rede hospitalar do SUS. Contudo são evidentes ainda fortes resistências à efetiva e ampla descentralização, especialmente originária do poder político hegemônico conservador que tem o fisiologismo, o assistencialismo e o clientelismo como características marcantes e o exerce no setor saúde, por meio do binômio constituído pela execução direta das ações e serviços de saúde e pela contratação de serviços privados. No primeiro caso, a persistência da ação assistencial sendo vista pela maioria da população ainda como um “favor” e não como um direito social, permite que a execução destas ações seja traduzida como um “valor de troca” e “moeda” eleitoral. No segundo, a maioria absoluta dos estados e municípios contrata serviços privados sem cumprir a legislação vigente, não realiza efetivamente procedimentos licitatórios e não formaliza contratos com os prestadores, configurando a contratação destes como um favor dos governantes e, assim, podendo receber retribuições destes contratados por este “privilégio”. Nesta relação irregular, os prestadores de serviços, em geral, terminam por definir a oferta a ser paga pelo SUS, privilegiando procedimentos considerados mais lucrativos e selecionando a clientela a ser atendida, com prejuízos no atendimento às necessidades da população. Como exemplo, com base em dados do Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS), pode-se destacar que, no primeiro semestre de 2005, dos 323 municípios com realização de hemodiálise e diálise (terapia renal substitutiva), em 101 (31,3%) deles não eram oferecidas consultas médicas em nefrologia pelo SUS; e em 155 (48%), a relação entre estas consultas e o número de procedimentos de diálise realizados pelo SUS variou de 1/100 a 9/100. Em muitas situações, agrava-se este quadro pela existência de fraudes ao sistema, não detectadas nem corrigidas em face da inexistência de mecanismos efetivos de gestão (regulação, controle, avaliação e auditoria). O levantamento feito pelo Ministério da Saúde, em 2005, identificou a operação de apenas 69 Centrais de Marcação de Consultas e Procedimentos Ambulatoriais Especializados, sendo 1 no Norte, 20 no Nordeste, 41 no Sudeste, 5 no Sul e 2 no Centro-Oeste. Em 1996, havia somente uma central no país. 340 revista_V30.pmd 340 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública Associam-se a estas dificuldades as limitações observadas na democratização da gestão pelos espaços de controle social. A despeito de existirem conselhos de saúde em todos os estados e na quase totalidade dos municípios, a heterogeneidade da situação destes é marcante. Existem desde conselhos com atuação expressiva no controle social sobre as ações e serviços de saúde, até aqueles que só têm existência formalizada em uma ata conformada pela gestão local para cumprir burocraticamente exigências cartoriais de habilitação. Assim, não é automático o ganho de autonomia pelos atores locais. O exercício do controle social depende do fortalecimento prévio desses atores e da condução da gestão local. Da mesma forma, a condução das instâncias intergestoras é também heterogênea, com uma relação desigual entre os gestores nessas comissões. Em muitas situações, a desigualdade do poder entre as esferas de gestão induz fortemente a decisões que privilegiam interesses dos gestores estaduais sobre os municipais, com resultados por vezes inadequados ao processo de descentralização. A ausência de gestão mais solidária do sistema, com a devida co-responsabilização entre as esferas de governo, é outra limitação verificada. De forma geral, a competição é mais intensa que a cooperação entre os gestores. Em vários estados, o processo de municipalização tem se dado de forma “solitária” sem a devida cooperação técnica e financeira dos estados, ou ocorre de forma “incompleta”, com o Estado mantendo sob sua gestão uma parte da rede de serviços. Observa-se também resistência e despreparo das Secretarias Estaduais de Saúde em assumir o novo papel a elas atribuído pela Constituição e pela Lei Orgânica da Saúde. Um grave problema é a inexistência de medidas efetivas para superar impasses frente ao não cumprimento de responsabilidades de gestão. Mesmo as resoluções das comissões intergestoras e dos conselhos de saúde são traduzidas em portarias das respectivas esferas de governo, não tendo força jurídica para a cobrança efetiva de seu cumprimento. A desabilitação de entes federados ou suspensão de repasses financeiros são medidas ineficientes, já que penalizam mais a própria população do que os respectivos gestores. Outro aspecto vital está relacionado com a ausência de indução suficiente para o desenvolvimento efetivo das capacidades gestoras. Além da insuficiência de cooperação por parte dos estados e da esfera federal, o financiamento federal é programado “exclusivamente” (direcionado e em função de) para a oferta de serviços e pagamento de procedimentos. Não são programados recursos para financiar as ações de regulação, controle, avaliação e auditoria, como se estas não fossem imprescindíveis ao adequado funcionamento do sistema de saúde, não necessitassem de recursos financeiros e seu financiamento fosse atribuição exclusiva das outras esferas de governo. Na maioria dos estados e municípios, estas funções de gestão não são realizadas ou são exercidas de forma precária, reproduzindo o modelo de forte autonomia dos prestadores com a oferta fortemente determinada pela rede assistencial. v.30 n.2, p.332-348 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 341 341 5/3/2007, 16:55 Mesmo com algumas iniciativas recentes e louváveis, como regra geral os estados não repassam recursos para custeio das ações e serviços de saúde aos municípios no formato regular e automático (fundo-a-fundo), optando, quando o fazem, por mecanismos conveniais, em que o “quanto”, “para que”, “para quem”, “quando” e “como” são definidos pelo gestor detentor dos recursos. Os recursos federais, diferentemente, são totalmente repassados para fundos estaduais e municipais de forma regular e automática, com critérios pactuados na CIT (exceto recursos de investimento que são, em geral, repassados por convênios). Chama atenção o formato de alocação dos recursos federais ao interior de cada estado. A distribuição dos valores dos tetos estaduais entre os municípios, dentro de cada estado, e o montante que fica sob gestão estadual é aprovada na respectiva Comissão Intergestores Bipartite (CIB) sem participação do Ministério da Saúde. Em última instância, o Ministério da Saúde não tem poder de decisão sobre o volume de recursos financeiros federais que chega a cada município para custeio do SUS. Em algumas situações, tem se observado expressivo desfinanciamento de municípios com papel importante de pólo regional de oferta de serviços pelo SUS, sem mecanismos que permitam ao governo federal corrigir este problema, por meio dos repasses financeiros, a não ser que rompa com esta lógica atualmente vigente. A despeito de todos os estados e cerca de 10% dos municípios estarem atualmente em gestão plena, ainda existem muitos municípios com mais de 100 mil habitantes com responsabilização apenas sobre a atenção básica. Como o processo de habilitação é proposto por decisão do gestor local, se este não tiver interesse em assumir esta responsabilidade, não existe mecanismo que o obrigue a tomar tal decisão. Como exemplo, temos o caso de Salvador (3ª maior cidade do país), que somente em 2006 veio a ser habilitada em gestão plena do sistema municipal. Por outro lado, em determinadas situações, observa-se que a decisão do gestor municipal não é tomada em função do desinteresse, falta de apoio ou mesmo resistência da gestão estadual, para que a municipalização plena venha a ocorrer. Em função das questões acima especificadas, pode-se levantar a hipótese de existir, nos marcos atuais, certo esgotamento do processo de descentralização por habilitação (comprovação cartorial de requisitos e capacidades) feita por adesão (vontade política do gestor local) e concordância das outras esferas, tendo a indução financeira, por meio de recursos federais, como seu grande motor. PROPOST A DE “P ACTO DE GESTÃO” PROPOSTA “PACTO A identificação dessas questões tem motivado o debate sobre a necessidade de uma reformulação em aspectos substanciais do processo de descentralização e de criação de legislação 342 revista_V30.pmd 342 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública que faça frente a estas dificuldades. Tal debate ganhou corpo a partir de 2004, com a elaboração, pelo Ministério da Saúde, de um projeto de “Lei de Responsabilidade Sanitária”,, encaminhado pelo ex-Ministro Humberto Costa para consulta pública, e na construção de uma proposta denominada de “Pacto de Gestão”. A proposta construída pelo Ministério apontava na direção da saída do processo de habilitação por adesão para um modelo de contratualização entre gestores (federal, estadual e municipal). A responsabilização efetiva, deixaria de ser uma decisão do gestor local com a concordância dos demais, passando a ser assumida de modo negociado, com a criação de capacidade progressiva de gestão, pela efetiva cooperação técnica e financeira e negociação de metas (assistenciais e gestoras) e compromissos entre as três esferas de governo sobre o SUS. A Lei de Responsabilidade Sanitária daria a base legal para que tais pactos tivessem caráter e respaldo jurídico. Com as mudanças no governo federal, saída do Ministro Humberto Costa e entrada do Ministro Saraiva Felipe, a proposta de Lei de Responsabilidade Sanitária foi abortada e o anteprojeto do Ministério da Saúde retirado do debate. Em relação ao “Pacto de Gestão”, o debate continuou junto à Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e uma proposta foi aprovada ao final da gestão de Saraiva Felipe no Ministério da Saúde, que durou menos de nove meses, sendo publicada pelas Portarias nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006, e nº 699/GM, de 30 de março de 2006. As mudanças apresentadas nessas portarias podem ser situadas em cinco grandes âmbitos: substituir o processo de habilitação pela formalização de termos de compromisso de gestão; apontar a regionalização solidária como eixo da descentralização; aprovar proposta de integração de várias formas de repasse de recursos federais para estados e municípios em blocos de financiamento; cobrar a explicitação dos recursos de custeio próprios das esferas municipal e estadual; e unificar os processos de pactuação de indicadores a partir de 2007. Sem querer fazer uma avaliação precoce destas proposições, até pelo fato de ainda não ter sido efetivamente iniciada sua implantação neste momento em que este artigo está sendo elaborado, e considerando ainda que muitas normativas podem vir a ser aprovadas para dar conta de lacunas evidenciadas, gostaríamos de apontar algumas questões centrais que merecem ser debatidas. Entre as mudanças significativas aprovadas, destaca-se o fim do processo cartorial de habilitação e sua substituição pela formalização de termos de compromisso de gestão que definam a responsabilidade sanitária e os compromissos de cada esfera de governo. Contudo esta proposta prevê uma adesão voluntária, o que pode, em última instância, não incorporar os municípios e estados, em que os gestores não optarem por aderir ao processo. Torna-se imprescindível a criação de mecanismos de indução que incentivem a adesão ao Pacto de Gestão e construir um processo de monitoramento e avaliação que possa contribuir para evitar que a saída do processo cartorial de v.30 n.2, p.332-348 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 343 343 5/3/2007, 16:55 habilitação não seja efetivada, por meio de processos cartoriais de pactuação e formalização de termos de compromisso burocráticos. Ainda que a regionalização solidária seja apontada como eixo estruturante da descentralização, a proposta aprovada não consegue ir além do já definido pela NOAS, apenas criando um mecanismo de gestão regional, com os gestores municipais e o gestor estadual. Na verdade, uma CIB regional ampliada, com todas as secretarias municipais da região de saúde. Com o importante objetivo de reduzir o grande número de rubricas diferentes para repasses de recursos federais aos fundos municipais e estaduais (as famosas “caixinhas”), foram criados 5 blocos de financiamento (“caixotes”): atenção básica; atenção de média e alta complexidade; vigilância em saúde; assistência farmacêutica e gestão do SUS. A criação deste último bloco (gestão do SUS) foi extremamente importante e é a primeira iniciativa concreta aprovada, estabelecendo financiamento destinado ao custeio de ações relacionadas com a organização do sistema de saúde: regulação, controle, avaliação e auditoria; planejamento e orçamento; programação; regionalização; participação e controle social; gestão do trabalho; educação em saúde e implementação de políticas específicas. No entanto, até o momento, fica no plano das intenções, pois ainda não foram aprovados repasses com tal finalidade. A criação dos blocos de financiamento não elimina as rubricas anteriores para fins de programação e cálculo dos repasses federais. Esta medida, ao invés de dar maior flexibilidade à aplicação dos recursos por parte dos gestores locais, criou limitações, na medida em que o uso dos recursos federais para o custeio fica restrito a cada bloco, só podendo ser aplicados nas finalidades previstas dentro de cada um dos blocos. Assim, se antes a única restrição efetivamente estabelecida era a de não ser possível aplicar recursos da atenção básica em ações e serviços de média e alta complexidade, agora o financiamento ficou efetivamente “amarrado” dentro de cada bloco, ampliando em muito as restrições à utilização dos recursos federais pela gestão local. Ao invés de integrar as várias formas de repasses de recursos financeiros, o que se alcançou foi uma limitação no âmbito da aplicação destes recursos. Um resultado muito positivo alcançado foi a cobrança de que o Termo do Limite Financeiro Global do Município deverá explicitar também os recursos de custeio próprios das esferas municipal e estadual – caso não seja possível explicitá-los por blocos, deverá ser informado apenas o total do recurso. Esta medida é um passo fundamental para garantir a efetiva aplicação dos recursos próprios de municípios e, em especial, dos estados, nas ações e serviços de saúde em cada território municipal. Outra preocupação sobre as proposições aprovadas para o Pacto de Gestão está relacionada à baixa permeabilidade dos pactos ao controle social. Além da fragilidade de grande 344 revista_V30.pmd 344 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública parte dos conselhos de saúde para efetivamente conseguirem influir neste processo, o fato de que a aprovação nos respectivos conselhos de saúde (municipal, estadual e nacional) é o ponto de partida para a homologação não garante por si só um envolvimento mais amplo em seu acompanhamento e fiscalização. Uma questão extremamente relevante diz respeito à operacionalização do comando único, ou seja, da efetivação de um único gestor com o controle de todos os prestadores de serviço do SUS em um dado território. As portarias aprovadas reafirmam a necessidade do comando único, inclusive colocando como anexo do termo de compromisso de gestão uma declaração da CIB de comando único do sistema pelo gestor municipal. Contudo o modelo definido para esta declaração, mais do que declarar a existência de comando único, cumpre principalmente outros dois objetivos: identificar quais são as unidades de saúde que o município ainda não está assumindo a gestão, mas para as quais existe um cronograma pactuado para a gestão das mesmas passar para o município; e declarar quais são as unidades de saúde que continuarão sob a gestão do estado, conforme pactuação estabelecida. Por incrível que possa parecer, a declaração da CIB de comando único do sistema pelo gestor municipal, na verdade, é a declaração da CIB de não existência de comando único. Ressalta-se a preocupação com o risco de esta proposta aprovada em um ano eleitoral vir a imobilizar o ritmo do processo de descentralização. Por fim, cabe ainda registrar que todo o esforço para firmar divisão de responsabilidades claramente definidas e pactos de gestão estabelecidos em termos de compromisso intergestores perde muito da efetividade com o abortamento da proposta de criação de uma Lei de Responsabilidade Sanitária. Esta lei poderia dar base jurídica legal e estabelecer penalidades para o não cumprimento, por parte de qualquer gestor, de questões indispensáveis ao funcionamento do sistema de saúde e imprescindíveis de ser viabilizadas pelos respectivos gestores do SUS em um dado território. REFERÊNCIAS 1. Weichert MA. Saúde e federação na Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris; 2004. 2. Bobbio N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus; 1992. 3. Coelho TCB, Paim JS. Processo decisório e práticas de gestão: dirigindo a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública 2005;21(5):1373-82. v.30 n.2, p.332-348 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 345 345 5/3/2007, 16:55 4. 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Aprovado em 07.08.2006. 348 revista_V30.pmd 348 5/3/2007, 16:55 ARTIGO DE REVISÃO Revista Baiana de Saúde Pública SÍNDROME MET ABÓLICA NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. METABÓLICA UM FFA ATOR MAIOR DE RISCO CARDIOV ASCULAR CARDIOVASCULAR Isabel C.B.Guimarães a Armênio C.Guimarãesb Resumo A Síndrome Metabólica (SM), transtorno complexo representado por um conjunto de fatores de risco de doença cardiovascular aterosclerótica com elevada incidência e prevalência no adulto, tem início na infância e a sua evolução clínica no adulto é modulada por fatores hereditários e ambientais. O objetivo deste artigo é rever os principais aspectos etiopatogênicos, epidemiológicos, clínicos, terapêuticos e preventivos da síndrome metabólica, com enfoque na infância e adolescência. Os dados foram coletados no Medline, período de 1988 a 2005 – seleção de estudos anátomopatológicos, epidemiológicos, clínicos e de diretrizes, e permitiram a seguinte síntese: o conhecimento da síndrome metabólica na população pediátrica está em evolução; o sobrepeso/ obesidade na infância e adolescência é o principal fator de risco predisponente para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares na vida adulta, por facilitar o aparecimento de hiperinsulinemia, dislipidemia e hipertensão arterial; a identificação precoce e a implementação de medidas para o controle do sobrepeso/obesidade deve representar a principal forma de atuação do pediatra. Concluiu-se que a intervenção precoce sobre o estilo de vida de crianças e adolescentes é fundamental para prevenir complicações metabólicas e cardiovasculares na vida adulta. Palavras-chave: Síndrome metabólica. Dislipidemia. Resistência à insulina. Sobrepeso/obesidade. Criança. Adolescente. METABOLIC SYNDROME IN CHILDREN AND ADOLESCENTS: A MAJOR CARDIOVASCULAR RISK FACTOR Abstract The metabolic syndrome can be defined as a complex clinical condition represented by a number of cardiovascular risk factors, with high incidence and prevalence in adulthood. More a b Cardiologista Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Mestre em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Doutoranda do Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Faculdade Medicina (FAMED), UFBA. Professor Titular de Cardiologia da FAMED, UFBA. Endereço para correspondência: Isabel Cristina Britto Guimarães. Rua do Ebano, Edf. Colina do Ébano, 251, apto. 501, Caminho das Árvores Salvador, Bahia, Brasil. CEP: 41810.430. E-mail: [email protected] . v.30 n.2, p.349-362 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 349 349 5/3/2007, 16:55 recently, it has been shown to start in childhood and adolescence. The main objetive of this paper is to review the main aspects of the pathogenesis, epidemiology, diagnosis, treatment and prevention of the metabolic syndrome in children and adolescents. Data were collected from Medline review between 1988 and 2005 – a selection of articles on pathology, epidemiology, clinic and guidelines – and point to the following results: the knowledge on metabolic syndrome is evolving; overweight/obesity in infancy and childhood is the main predisposing risk factor to the development of cardiovascular disease in adulthood, being associated with the development of hyperinsulinemia, dyslipidemia and hypertension. Early diagnosis and intervention regarding life style modifications by the pediatrician are imperative. Early prevention and/or control of overweight/obesity in children and adolescents should be the main target to be pursued in order to reduce the incidence and prevalence of cardiovascular risk factors in adulthood. Keywords: Overweight/obesity. Children. Adolescents. Insulin resistance. Hyperlipidaemia. Metabolic syndrome. INTRODUÇÃO A Síndrome Metabólica (SM), inicialmente descrita em adultos, inclui obesidade central, hipertensão arterial, dislipidemia e intolerância à glicose ou diabetes melito tipo 2. Constitui-se em fator de risco de doença cardiovascular aterosclerótica1, com elevada incidência e prevalência no adulto2. A presença da SM aumenta a mortalidade geral em 1,5 vezes e a mortalidade cardiovascular em 2,5vezes3. Não existe ainda consenso na sua definição. Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS)4 preconiza, como ponto principal, na sua caracterização, a resistência à insulina ou a presença de distúrbio do metabolismo da glicose, o mesmo não é exigido pelos critérios do National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII)5. Em paralelo, estudos da história natural da aterosclerose evidenciaram que a mesma se inicia na infância, tendo a sua evolução clínica no adulto, modulada por fatores hereditários e ambientais 6. Dentre estes últimos, destaca-se o estilo de vida caracterizado por alimentação inadequada e sedentarismo, ambos responsáveis pela epidemia de sobrepeso/obesidade que ocorre na infância e adolescência e principais fatores predisponentes da SM, a qual tende a agregar fatores causais maiores de aterosclerose, como hipertensão, dislipidemia e intolerância à glicose ou diabetes melito tipo 27. Assim sendo, o combate ao sobrepeso/obesidade nessas faixas etárias passa a ser mandatório para a prevenção da doença aterosclerótica, principalmente prematura no adulto. Diante da magnitude do problema, o objetivo desta revisão é abordar os principais aspectos etiopatogênicos, epidemiológicos, clínicos, terapêuticos e preventivos da SM, na infância e adolescência. 350 revista_V30.pmd 350 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública METODOLOGIA Utilizando os bancos de dados MEDLINE e LILACS-BIREME, foram selecionados artigos publicados nos últimos oito anos, abordando a resistência à insulina e a obesidade na população pediátrica. Os seguintes termos de pesquisa (palavras-chaves e delimitadores) foram utilizados em várias combinações: 1) overweight/obesity; 2) children; 3) adolescents; 4) insulin resistance; 5) hyperlipidemia; 6) metabolic syndrome. A pesquisa bibliográfica incluiu artigos originais, artigos de revisão, editoriais e diretrizes escritos nas línguas inglesa e portuguesa, sendo selecionados 55 artigos. ETIOLOGIA E FISIOP ATOLOGIA FISIOPA RESISTÊNCIA À INSULINA A SM tem relação com fatores hereditários e adquiridos, alguns não totalmente esclarecidos, tendo como elo comum o desenvolvimento de resistência à insulina. A hiperinsulinemia conseqüente seria, então, responsável pela elevação da pressão arterial, intolerância à glicose e pela dislipidemia que caracterizam a síndrome. Por sua vez, tudo indica que a resistência à insulina tem como principal fator predisponente a presença de obesidade central, na qual a gordura visceral é mais sensível aos efeitos lipolíticos das catecolaminas do que aos efeitos antilipolíticos da insulina, comparativamente à gordura subcutânea8. Os adipócitos desses pacientes, além do número excessivo, proporcional ao grau de adiposidade, são capazes de manter elevada a atividade da lípase hormônio sensível (LHS), mesmo na presença da ação antagônica da hiperinsulinemia. Nessas circunstâncias, o excesso de tecido adiposo e a atividade da LHS concorrem para um aumento considerável de ácidos graxos livres, acarretando menor sensibilidade dos tecidos periféricos à ação da insulina, principalmente na musculatura esquelética, com conseqüente desenvolvimento de hiperinsulinemia compensatória a fim de manter a homeostase da glicemia. Esse excesso de ácidos graxos que chega ao fígado via circulação porta, reduz também a ação inibitória da insulina na gliconeogênese hepática, com aumento da produção de glicose. Esta, associada à redução simultânea na utilização periférica de glicose, poderá, após um determinado período, não ser mais compensada pela hiperinsulinemia, resultando em hiperglicemia, caracterizando, de acordo com a sua intensidade, os estágios de intolerância à glicose ou diabetes tipo 2, respectivamente. Esta associação entre nível elevado de insulina sérica e acúmulo central de gordura (obesidade central), também tem sido descrita em crianças e adolescentes9. Na puberdade, a distribuição da gordura corporal entre os sexos é diferente. Nos meninos, ocorre um acúmulo de gordura das extremidades para o tronco; nas meninas, dá-se o v.30 n.2, p.349-362 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 351 351 5/3/2007, 16:55 inverso. Esta diferença decorre de modificações hormonais relacionadas aos níveis de estrógeno e testosterona, respectivamente. Contudo, para Moreno10, o excesso de gordura em adolescentes é preferencialmente central e independe do gênero. HIPERTENSÃO ARTERIAL A elevação da pressão arterial na SM teria relação com a resistência à insulina. Ela resultaria da estimulação pela hiperinsulinemia do sistema nervoso simpático, com aumento da reabsorção tubular de sódio e água e antagonismo à ação vasodilatadora do óxido nítrico11 . No estudo Bogalusa, por exemplo, demonstrou-se uma correlação positiva entre pressão arterial e nível de insulina sérica de jejum, mesmo após ajuste para o índice de massa corporal, já aos 5 anos de idade12. Outrossim, estudo de Grunfeld, Balzareti, Romo, Gimenez, Gutman13 observou, em adolescentes filhos de pais hipertensos, níveis elevados de insulina sérica após uma carga de glicose endovenosa, sugerindo que a resistência à insulina precede o aumento da pressão arterial em indivíduos com hereditariedade de hipertensão. Embora a prevalência de hipertensão arterial seja baixa na população pediátrica, os seus precursores estão presentes muitos anos antes da sua manifestação clínica. Aproximadamente 20 a 30% das crianças obesas têm pressão arterial mais elevada do que crianças eutróficas e um risco 2,4 vezes maior de desenvolverem hipertensão quando adultos14. Estudos epidemiológicos e genéticos confirmam o efeito tracking dos níveis pressóricos, sugerindo que as raízes da hipertensão primária têm a sua origem nas duas primeiras décadas de vida15,16. DISLIPIDEMIA A dislipidemia da SM caracteriza-se por hipertrigliceridemia, HDL-C diminuído e valores do LDL-C entre a normalidade e leve a moderada elevação. A hipertrigliceridemia tem relação com a excessiva oferta de ácidos graxos livres ao fígado e conseqüente superprodução de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL), as quais são ricas em triglicérides. A diminuição da concentração do HDL-C decorre do aumento da atividade da CETP (proteína de transferência de ésteres de colesterol), intensificando, no plasma, a troca de ésteres de colesterol das HDL pelas triglicérides das VLDL, reduzindo assim o conteúdo de colesterol das partículas de HDL e, conseqüentemente, a concentração plasmática do HDL-C. Quanto ao valor do LDL-C, é modulado também pela ação da CEPT, com aumento da troca de ésteres de colesterol pelas triglicérides das VLDL, o que diminui o conteúdo de colesterol das LDL e, portanto, a concentração plasmática do LDL-C. Por sua vez, a ação das lípases hepática e lipoprotéica sobre as partículas das LDL, hidrolisando as triglicérides, as transforma em partículas pequenas e mais densas de colesterol, ricas em apoproteína B (partículas do tipo B). 352 revista_V30.pmd 352 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública Diante do exposto, entendemos porque este tipo de dislipidemia é chamado de aterogênica. Na cascata do metabolismo endógeno das lipoproteínas, a ação das lípases, também sobre as VLDL, cria remanescentes mais enriquecidos em ésteres de colesterol e, portanto, mais aterogênicos. As partículas de LDL tipo B, pelo seu menor tamanho e maior densidade, atravessam mais facilmente a barreira endotelial e são mais facilmente oxidáveis, o que as tornam também mais aterogênicas. Por último, a redução do desempenho das HDL no metabolismo reverso do colesterol diminui o retorno ao fígado de ésteres do colesterol que, sendo cedidos em maior quantidade às VLDL, aumentam a aterogenicidade do plasma. INFLAMAÇÃO As células gordurosas concentradas na região abdominal estimulam um estado inflamatório crônico pela secreção de uma variedade de moléculas biologicamente ativas, conhecidas como adipocitocinas: resistina, leptina e adiponectina17,18,19. Esse processo inflamatório pode ser identificado por níveis elevados de interleucina 6 (IL-6), fator de necrose tumoral alfa (TNF-a) e proteína C reativa (PCR). Além disso, encontram-se aumentadas as concentrações de fibrinogênio e do inibidor do ativador do plasminogênio tecidual (PAI 1)20,21, caracterizando a tendência prótrombótica desse processo. Essas moléculas são determinantes da evolução do processo de aterogênese, atualmente aceito como um processo inflamatório crônico. Neste particular, é importante conhecer que a presença desses indicadores já pode ser detectada em crianças e adolescentes com sobrepeso/obesidade. Assim, Ford, Galuska, Gillespie, Wiil, Giles e Dietz22 , avaliando 5305 crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos, no NHANES III, observaram níveis elevados de PCR em 24,2% dos meninos e 31,9% das meninas com IMC acima do percentil 95. EPIDEMIOLOGIA A prevalência e incidência da SM acompanham a de sobrepeso/obesidade em todas as idades. Nos EUA, há um aumento na prevalência de sobrepeso em 21,5% das crianças negras, 21,8% nas de origem hispânica e 12,3% entre as brancas23. No Brasil, estudos em cidades diversas encontraram sobrepeso/obesidade em 20% de crianças e adolescentes24. A relação etiopatogênica entre sobrepeso/obesidade e SM tem sido estabelecida pela determinação da resistência à insulina. A prevalência de resistência à insulina é maior em crianças e adolescentes obesos, situando-se entre 25% a 49%25 em casos de obesidade grave, com o grau da resistência apresentando variação linear com o grau de adiposidade26,27. Contudo, em amostras incluindo sobrepeso, as cifras de resistência à insulina ficam entre 3,6% a 4,5%28 . No Brasil, v.30 n.2, p.349-362 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 353 353 5/3/2007, 16:55 faltam estudos semelhantes. Considerando que em populações selecionadas de escolares a prevalência de sobrepeso/obesidade pode chegar a 38,7%, com 17% de obesos29, é provável que encontremos percentuais elevados de resistência à insulina nesse tipo de amostra. Estudos nesse sentido estão em andamento. Quanto ao gênero, os estudos apontam desde maior prevalência masculina (6,1% versus 2,1% em mulheres) até ausência de diferença30,31. Em relação à etnia, a distribuição depende muito da população amostrada e dos diferentes estratos sociais. Em amostras da população americana, tendem a predominar brancos (4,5%) e hispânicos (5,6%) em relação aos negros (2,0%)30 ou não há diferença25. No estudo que reuniu crianças de escola particular e pública, em Salvador, a presença de sobrepeso/obesidade e de hipercolesterolemia associou-se significativamente à cor branca e ao fato de pertencer à escola particular29. Vale salientar que 77,5% dos alunos da escola particular tinham cor branca contra 13,4% dos alunos da escola pública, caracterizando também a influência do estrato social. DIAGNÓSTICO CLÍNICO E LABORATORIAL As definições da OMS e do ATP III para adultos diferem4,5. Como já mencionamos, a definição da OMS requer o diagnóstico de resistência à insulina, hiperglicemia ou diabetes melito4. Já a definição do ATP III inclui apenas 3 dos 5 componentes clínicos e laboratoriais comuns a ambas e de fácil obtenção: PA>140/90mmHg, aumento da circunferência abdominal (>102cm para os homens e >88cm para as mulheres)5, HDL-C baixo (<40mg/dl para os homens e <50mg/dl para as mulheres), hipertrigliceridemia (>150mg/dl) e glicemia de jejum >110mg/dl, atualmente modificada para >100mg/dl32 . Pela sua praticidade, a primeira diretriz brasileira no assunto adota os critérios do ATP III 33, o que deve incluir, naturalmente, a recente modificação32. Ainda não existe unanimidade para o diagnóstico da SM em crianças e adolescentes. Alguns autores têm sugerido o uso da definição do ATP III modificado 34 enquanto outros preconizam a presença de resistência à insulina como critério básico35,25. Todavia, quaisquer que sejam os critérios adotados, existem dados clínicos que permitem inferir a presença de resistência à insulina na criança e no adolescente com sobrepeso/obesidade, os quais estão também relacionados ao risco do desenvolvimento de diabetes melito tipo 2. São eles: história familiar de diabetes melito tipo 2; presença de hipertensão; sobrepeso/obesidade central; dislipidemia; acantose nigricans; e ovário policístico. Na presença de qualquer destes indicadores clínicos estaria indicada a comprovação laboratorial da existência de resistência à insulina36. O método padrão ouro para a investigação de resistência à insulina é o clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico35. Contudo representa técnica complexa, dispendiosa e invasiva, 354 revista_V30.pmd 354 5/3/2007, 16:55 Revista Baiana de Saúde Pública inadequada para estudos epidemiológicos. Por isto, o teste oral de tolerância à glicose (TOTG) vem sendo utilizado. Todavia, como tende a ser normal nos estágios iniciais da síndrome da resistência à insulina (SRI), foram desenvolvidas outras técnicas que mostram excelente correlação com a técnica do clamp37,38. O homeostatic model assessment (HOMA) é o mais utilizado39, medindo a sensibilidade à insulina por meio da fórmula: glicemia (mmol) x insulina (mU/ml) de jejum/22,5, com ponto de corte para o seu diagnóstico >3,16 em crianças e adolescentes, superior ao dos adultos, >2,540,41. O sobrepeso/obesidade constitui também, na criança e no adolescente, o principal componente da SM, o qual é avaliado pelo o índice de massa corporal (IMC) (peso em Kg/ altura ao quadrado2) normatizado para a idade (2 a 20 anos) e o gênero pelas tabelas de crescimento do National Center for Health Statistics (CDC growth charts) 42: sobrepeso, IMC > percentil 85 e < percentil 95, e obesidade, IMC> percentil 95. Alguns pesquisadores têm utilizado o escore Z do IMC (escore z > 2,0) como maneira de corrigir diferenças quanto à distribuição da gordura corporal25. Mais recentemente, a utilização da circunferência abdominal vem sendo preconizada como método mais simples e prático, que expressa melhor a concentração abdominal de gordura, fenótipo da SM43. Esta deve ser medida no ponto médio entre o rebordo costal inferior e a crista ilíaca, tomando como ponto de corte para a anormalidade valores acima do percentil 90, de acordo com idade e gênero44. Ferranti, Gauvreau, Ludwig, Neufeld, Newburger e Rifai34, contudo, consideram como marcador de risco cardiovascular futuro valores acima do percentil 75, para idade e gênero. Crianças com história familiar de doença cardiovascular prematura, dislipidemia, hipertensão e diabetes e com sobrepeso/obesidade devem ser avaliadas para hipertensão e dislipidemia45,46. O National High Blood Pressure Education Program (NHBPEP) recomenda que toda criança a partir dos 3 anos de idade deva ter a pressão arterial aferida. Para firmar o diagnóstico de pré-hipertensão ou de hipertensão são necessárias três aferições em ocasiões distintas47. Os componentes da síndrome metabólica com os seus respectivos níveis de risco estão descritos no Quadro 1 1. IMPORTÂNCIA COMO FATOR DE RISCO CARDIOVASCULAR A presença de SM na idade pediátrica, em decorrência dos múltiplos fatores de risco cardiovascular que a compõem, está associada a um maior risco de aterosclerose com início na infância e adolescência e manifestações prematuras no adulto45,48,49,50,51,52. Dentre esses fatores de risco, aquele com maior valor preditivo é o sobrepeso/obesidade46,48. v.30 n.2, p.349-362 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 355 355 5/3/2007, 16:55 *Todos os percentuais são específicos para idade e gênero 42,47. IMC= índice de massa corporal; PAS= pressão arterial sistólica; PAD= pressão arterial diastólica. Quadro 1. Componentes da síndrome metabólica com os seus respectivos níveis de risco. Tratamento O tratamento da SM é dirigido para os seus componentes metabólicos básicos, tendo como alvo principal o controle do sobrepeso/obesidade, maior responsável pela expressão da resistência à insulina com as suas conseqüências sobre o metabolismo glicídico, lipídico e o valor da pressão arterial. Neste particular, a recomendação da Academia Americana de Pediatria é que a manutenção ou perda de peso da criança dependerá da idade, do peso e da presença de complicações secundárias. Assim, para crianças menores de 7 anos, com IMC > percentil 95, o peso deve ser mantido a não ser que haja hipertensão, dislipidemia ou intolerância à glicose. Nesse caso, reduzir o IMC abaixo do percentil 85. Crianças com 7 anos ou mais, com IMC acima do percentil 85 devem perder peso45,53. Dieta e exercício diário regular devem ser escolhidos como terapia para reduzir o peso. O apoio familiar é fundamental para que as mudanças nos hábitos alimentares ocorram. A 356 revista_V30.pmd 356 5/3/2007, 16:56 Revista Baiana de Saúde Pública dieta deve incluir o ajuste do VET (valor energético total) para a redução do peso com manutenção do crescimento. A distribuição dos macro e micronutrientes é a recomendada pela American Heart Association: gordura total < 30% do VET, com <10% de gordura saturada e relação de gorduras mono para poliinsaturadas de 2/1, 55% a 60% de carboidratos, variando inversamente ao valor do IMC e evitando carboidratos simples, 10% a 15% de proteínas, <300mg de colesterol e < 2,4g de sódio por dia, incluindo no cálculo o sódio natural dos alimentos45,46. A estruturação da dieta deve garantir a palatabilidade e a riqueza diversificada em frutas e vegetais. A prática regular de atividade física aeróbica (caminhada, corrida, natação, ciclismo) e de atividades lúdicas deve ser estimulada, ocupando cerca de 60 minutos por dia e, no mínimo, 5 dias por semana. É importante também reduzir o tempo gasto com assistência à televisão e prática de videogames. O aumento da atividade física está associado a menores níveis e maior sensibilidade à insulina54 e a menores níveis de pressão arterial55. Nos casos das crianças e adolescentes que mantenham a pressão arterial acima do percentil 95 após a adoção das medidas não farmacológicas, durante 6 meses, o tratamento farmacológico com um inibidor da enzima conversora da angiotensina deve ser iniciado47. Quanto à dislipidemia, além da dieta e do exercício, o tratamento farmacológico é recomendado para crianças maiores de 10 anos com LDL-C >190mg/dl ou >160mg/dl se associado a 2 ou mais outros fatores de risco cardiovascular46. Nesses casos, as estatinas são a primeira escolha. No caso de HDL-C baixo e TG elevados a principal abordagem se baseia na perda de peso (dieta e exercício) já que os fibratos não são utilizados nesta faixa etária e a niacina, única medicação liberada para o uso, é pouco tolerada. As resinas não são indicadas por elevarem as TG e diminuir o HDL-C. O ezetimibe poderá ser uma alternativa para uma estatina, mas são necessárias evidências que não traz prejuízo à absorção de macro e micronutrientes, necessários para um desenvolvimento saudável. Por tudo isto, fica patente a necessidade de se investir intensamente nas mudanças no estilo de vida como arma principal no controle da dislipidemia desses pacientes45,46. Crianças e adolescentes com SM serão melhor orientadas e tratadas por especialista com experiência no manejo dos seus diversos componentes, principalmente na eventualidade do emprego de ações farmacológicas. CONCLUSÃO O conhecimento sobre SM na população pediátrica está em evolução, necessitando de critérios diagnósticos mais bem definidos. A AHA alerta os pediatras para a freqüência crescente de fatores de risco cardiovascular na faixa pediátrica ligados ao sobrepeso/obesidade, os quais necessitam de intervenção precoce. v.30 n.2, p.349-362 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 357 357 5/3/2007, 16:56 É evidente que o ponto chave da questão é a prevenção do sobrepeso/obesidade, fruto de um estilo de vida que privilegia o binômio alimentação inadequada e inatividade física. Esta não é, portanto, uma tarefa apenas para o médico. Ela deve incluir a sociedade civil organizada tendo como núcleos de atuação direta a família e a escola. No âmbito maior, de um lado está o estado que pode criar, pelo seu poder normativo e executivo, condições para a educação e execução de hábitos saudáveis por parte do estudante e dos seus familiares e para a produção e comercialização de alimentos dentro dos padrões hoje exigidos para a prevenção das doenças crônico-degenerativas, com destaque para as doenças cardiovasculares, diabetes e vários tipos de câncer. Do outro lado, estão os setores produtivo e de comercialização de alimentos que precisam se conscientizar do seu importante papel para a saúde pública e no particular da prevenção dessas doenças. Nesse contexto também se incluem os meios de comunicação, peça fundamental para a veiculação das estratégias necessárias para o combate ao mal. REFERÊNCIAS 1. Reaven GM. Role of insulin in human disease. Diabetes 1988;37:1595-1607. 2. Isomaa B, Almgren P, Tuomi T, Forsen B, Lahti K, Nissen M, et al. Cardiovascular morbidity and mortality associated with the metabolic syndrome. 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Esta investigação justificou-se pela defasagem da biossegurança em relação ao mundo do trabalho, ao mundo da escola, às demandas decorrentes do progresso técnicocientífico e da própria evolução social, no que se refere a biossegurança em espaços da saúde. Os resultados obtidos apontaram para uma necessidade de aprimoramento dos processos de ensino em biossegurança em cursos de nível médio da área de saúde na Fundação Oswaldo Cruz. O estudo, inserido no processo educação-trabalho-saúde, poderá suportar ações pedagógicas no campo da educação profissional, especificamente no que se refere ao ensino da biossegurança em cursos de nível médio da Fundação Oswaldo Cruz, na área de saúde, e também atuar como instrumento de apoio para a elaboração de políticas públicas no âmbito do SUS e de sistemas de ensino em geral, principalmente aos relacionados às Escolas Técnicas do SUS (ETSUS). Palavras-chave: Ensino de Biossegurança. Educação Profissional em Saúde. KNOWLEDGE CONSTRUCTION IN HEALTH: BIOSAFETY TEACHING IN SECONDARY LEVEL COURSES IN OSWALDO CRUZ FOUNDATION This study, undertaken from 2004 to 2005 intended to investigate the present situation of biosafety teaching in secondary level courses in health. Data collection focused on 6 1 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Biociências e Saúde Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro. Orientador Prof. Dra. Maria de Fátima Barrozo da Costa (ENSP/FIOCRUZ – RJ) e Dr. Sidnei Quezada Meireles Leite (CEFET-QUÍMICA – RJ). Defendida e aprovada em 17 de dezembro de 2005. v.30 n.2, p.363-364 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 363 363 5/3/2007, 16:56 secondary level courses in Rio de Janeiro’s Oswaldo Cruz Foundation. Overall, 97 students, 12 instructors and 3 local area supervisors took part in the study. This was a theoretical empirical research, with qualitative approach and using quantitative data emerging during data collection. Data were analyzed according to multireferenciality. This investigation is justified by means of the lack of biosafety updating as regards work and school scenarios, and in face of demands from technological and scientific progress and social development itself, as far as health spaces are concerned. Results point out to the experienced demand in terms of the improvement of biosafety teaching processes in secondary level course in Oswaldo Cruz Foundation’s health area. The study, part of the education-work-health process, will be able to support pedagogical actions in terms of professional education, particularly in terms of Oswaldo Cruz Foundation’s health area secondary level biosafety courses, as well as serve as a supporting instrument for the creation of public policies within SUS and teaching systems in general, particularly those associated with SUS Technical Schools (ETSUS). Keywords: Biosafety Teaching. Professional Health EducationKey words: Biosafety Teaching. Professional Health Education. Recebido em 09.01.2006. Aprovado em 09.01.2006. 364 revista_V30.pmd 364 5/3/2007, 16:56 RESUMO DE DISSERTAÇÃO Revista Baiana de Saúde Pública EXPOSIÇÃO OCUP ACIONAL A NÉVOAS ÁCIDAS E AL TERAÇÕES SALIV ARES 1 OCUPACIONAL ALTERAÇÕES SALIVARES Carlos Alberto Lima da Silva Objetivos Objetivos: identificar e descrever alterações salivares frente à exposição ocupacional a névoas ácidas. Métodos Métodos: trata-se de um estudo de corte transversal conduzido com 65 trabalhadores de uma indústria química que produz ácido clorídrico. Os dados foram obtidos através de um programa piloto de promoção em saúde bucal, realizado nessa empresa. Antes do exame oral, foram coletados dados sócio-demográficos e de estilo de vida. Medidas do pH da saliva estimulada e não estimulada, capacidade tampão, taxa de fluxo salivar e concentração de imunoglobulinas A e G foram mensuradas. A medida da exposição foi baseada em auto-relato dos trabalhadores e no inventário de monitoramento de agentes químicos; este último foi conduzido por higienistas ocupacionais dessa empresa. Trabalhadores somente foram considerados expostos a névoas ácidas quando houve concordância para ambas as fontes de informação. Resultados Resultados: a taxa de fluxo salivar foi maior no grupo exposto (Média=3,04 versus 2,57 ml/min, p<0,10), enquanto a capacidade tampão foi menor entre trabalhadores expostos (Média=6,58 versus 6,88 pH, p<0,10), mesmo quando a exposição ocorreu em níveis baixos, como foi observado neste estudo. Regressão linear múltipla, método dos mínimos quadrados, foi empregado para todas as co-variáveis, sendo observada associação positiva com taxa de fluxo salivar para idade, consumo de alimentos ácidos, hipertensão arterial e uso de próteses. Foram verificadas, para capacidade tampão, associação negativa para escolaridade e positiva com consumo de álcool. Conclusões Conclusões: exposição a névoas ácidas, conhecida pelo seu efeito sobre os tecidos dentais e trato respiratório superior, pode causar alterações salivares, desestabilizando mecanismos protetores para a saúde bucal. Palavras-chaves: Riscos ocupacionais. Névoas ácidas. Erosão dental. Saliva. OCCUPATIONAL EXPOSURE TO ACID MIST AND SALIVA CHANGES Objectives Objectives: to identify and to describe saliva changes associated with occupational exposures to acid mists. Methods Methods: this is a cross-sectional study conducted with 65 workers of a 1 Dissertação apresentada ao Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Orientadora: Prof. Dra. Vilma Sousa Santana. Defendida e aprovada em 18 de março de 2002. Biblioteca depositária: Biblioteca do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Rua Padre Feijó, 29, 4º andar. Salvador, Bahia, Brasil. v.30 n.2, p.365-366 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 365 365 5/3/2007, 16:56 hydrochloric acid industry. Data were obtained from the initial phase of an oral exam, sociodemographic and life style data were collected using individual questionnaires. pH in stimulated and non-stimulated saliva, buffer capacity, saliva flow rate and immunoglobuline A, IgA, and G, IgG concentration were all measured. Exposure assessment was based on both workers self-report and measurements from the chemical substances monitoring conducted by industrial hygienists in this plant. Acid mists exposed workers were those who scored positive in both registers. Results Results: Saliva flow rate was higher in the exposed group (Mean=3.04 vs 2.57 ml/min, p<0.10), while buffer capacity was lower among exposed workers (Mean=6.58 vs 6.68 pH, p<0.10), even when exposure occured at small levels, as observed in this study site. Using ordinary least square linear regression, associated factors to saliva flow rate were age, acid food, high blood pressure and oral prothesis. For buffer capacity, a negative association with education and positive with alcohol consumption were also found. Conclusions Conclusions: acid mists exposure besides their known effect on dental tissues and other upper respiratory and digestive trait, may also cause saliva changes that can undermine its protective effects for oral health. Keywords: Occupational risks. Acid mists. Dental erosion. Saliva. Salivary. Recebido em 21.06.2006. Aprovado em 03.07.2006. 366 revista_V30.pmd 366 5/3/2007, 16:56 RESUMO DE DISSERTAÇÃO Revista Baiana de Saúde Pública AVALIAÇÃO DA IMPLEMENT AÇÃO DA ESTRA TÉGIA DE A TENÇÃO INTEGRADA ÀS IMPLEMENTAÇÃO ESTRATÉGIA ATENÇÃO DOENÇAS PREV ALENTES NA INFÂNCIA (AIDPI) NO EST PREVALENTES ESTADO ADO DA BAHIA 1 Cristina Campos dos Santos Trata-se de um estudo exploratório e descritivo sobre a avaliação da implementação da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) no estado da Bahia, no período de 1998-2002. Na avaliação, consideram-se os eixos da implementação da AIDPI: capacitação de recursos humanos, metodologia da assistência e infra-estrutura dos serviços. O objetivo geral é avaliar a implementação da AIDPI na Bahia. Como objetivos específicos, adotaram-se: a) descrever o processo de implementação da AIDPI; b) avaliar a implementação da AIDPI com base nos indicadores de processos selecionados; c) analisar os limites e as possibilidades relativos à implementação da AIDPI. Adota-se no estudo uma abordagem quantitativa/qualitativa e os elementos de uma pesquisa interessada. Foram selecionados como amostra os 67 municípios com AIDPI implantada. Os dados quantitativos foram coletados nos registros em relatórios técnicos da Secretaria Estadual de Saúde (SESAB), e os qualitativos em documentos e entrevistas semiestruturadas com técnicos do âmbito central da SESAB que atuam direta e/ou indiretamente no gerenciamento da AIDPI. Para a análise das entrevistas, utiliza-se a técnica de análise de enunciação; e dos dados quantitativos, técnicas estatísticas simples. Identifica-se que a implementação da AIDPI no estado da Bahia resultou na capacitação de 562 profissionais nas três modalidades de curso, sendo as enfermeiras a categoria com maior número de profissionais capacitados. O eixo da capacitação é o foco priorizado pela SESAB, dado que permite uma visibilidade política da estratégia, por possuir uma estruturação e organização prévia que facilitam, em parte, a implementação. Em relação ao eixo da assistência identifica-se que o percentual de crianças classificadas e tratadas corretamente, bem como as orientações adequadas sobre alimentação estão mantidas em média num patamar de 70%, com um decréscimo no ano 2000, o que se caracteriza como um desempenho satisfatório. Quanto à infra-estrutura dos serviços, a despeito da falta de alguns medicamentos, este eixo não foi identificado como um obstáculo significativo para a implementação da estratégia. Quanto à inserção da enfermeira na AIDPI, torna- 1 Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia - Salvador. Orientadora: Profa. Dra. Climene Laura de Camargo. Defendida e aprovada em 07 de novembro de 2003. Biblioteca depositária: Biblioteca da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. v.30 n.2, p.367-369 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 367 367 5/3/2007, 16:56 se visível que ela possui competência técnica reconhecida pelos informantes, além de estar presente de forma continuada e por maior tempo nos serviços. Deste modo, esta profissional é reconhecida pelos entrevistados como imprescindível na implementação da AIDPI. Como conclusão, ressalta-se que a maioria dos municípios com AIDPI implantada não se enquadra nos critérios mais importantes exigidos pela estratégia. A avaliação aponta para uma necessidade urgente de re-direcionamento da implantação/implementação da AIDPI no estado da Bahia, bem como melhor alocação dos recursos financeiros e a urgente descentralização de todo o processo para os municípios interessados. Deste modo, poderá contribuir com as ações de atenção à saúde da criança e ser parte essencial na construção de um novo modelo de atenção à saúde na Bahia e no Brasil. Palavras-chave: Processo de Avaliação. Programa de Saúde. Atenção à saúde da criança EVALUATING THE IMPLEMENTATION OF INTEGRATED HEALTH CARE STRATEGY TO FACE PREVALENT DISEASES IN CHILDHOOD (AIDPI) IN THE STATE OF BAHIA, BRAZIL This is an exploratory and descriptive investigation to evaluate the implementation of Integrated Health Care Strategy to Face Childhood Prevalent Diseases (AIDPI) in the state of Bahia, Brazil, in the 1998-2002 period. With a quantitative/qualitative approach theoretically supported by the concepts of policy oriented investigation, it aims at attaining specific objectives: a) describing the process of AIDPI implementation; b) evaluating the process based on this strategy´s selected indicators; c) to analyze constrains and possibilities of the implementation through the evaluation of three axes of the AIDPI strategy: personnel training, care methodology and health services infrastructure. The universe of the research was a sample of 67 municipalities where the AIDPI strategy has been implemented. Quantitative data were collected from State Health Office’s (SESAB) reports, whereas qualitative data from program documents and keyinformants with the support of semi-structured interviews. Qualitative data were conducted by means of content analysis technique, whereas quantitative data by simple statistical analysis. The results showed that there are 562 health professionals trained to develop AIDPI in health services, nurses being the majority of those professionals. Training is the best organized of the three axes, showing the priority with which it is treated by SESAB, due to its potential to give the strategy political visibility. Related with the methodology of care, 70% of overall children have been treated correctly, with a little drop in 2000, which is characterized as a satisfactory result. As to health services infrastructure, the evaluation detected the lack of some standardized medicines, 368 revista_V30.pmd 368 5/3/2007, 16:56 Revista Baiana de Saúde Pública which is not considered a problem for the strategy implementation. Key informants considered the nurse’s performance as being technically competent and most relevant to the strategy. By way of conclusion, the investigation shows that the majority of municipalities do not respond to the most important criteria to organize the AIDPI, that is, to have high infant mortality rates. The evaluation points out to the need of a re-directioning of the strategy as well as to the necessity of performing a better distribution of funds as well as urgent decentralization of the organization, settlement and implementation of AIDPI by the municipalities. Only then AIDPI strategy could contribute to change the health care model in Bahia and Brazil. Keywords: Process evaluation. Health program. Children’s Health Care. Recebida em 09.03.2006. Aprovada em 04.07.2006. v.30 n.2, p.367-369 jul./dez. 2006 revista_V30.pmd 369 369 5/3/2007, 16:56 INDICE POR AUTOR (número da página) A F ALELUIA, L.R. de A. p.105 FERREIRA, A.P. p.309 ANDRADE, M.L.B. p.141 FERREIRA, M. de A. p.294 ARAUJO, T.M. p.59 G B GOMES, ACMG p.169 BARREIROS, M. F. p.77 GOMES, KRO p.238 BARRETTO, N.S.A. p.294 GOMES, MAM p.169 BASTOS, L. p.179 GOMES JUNIOR, RS p.141 BISPO, D.D.de C. p.294 GUIMARÃES, AC p.349 BISPO JÚNIOR, J.P. p.248 GUIMARÃES, ICB p.349 GRAÇA, CC p.59 C CANGUÇU, S. p.154 J CARDOSO, D.N. R. p.294 JACOBINA, R.R. p.19 CARDOSO, E. p.50 JORGE, L.C. p.309 CASTRO, M. p.211 COELHO, S.M.P.S. p. 90 K COUTO, O.K. p.105 KRAYCHETTE, D. p.211 COSTA, M.A.F. da p.363 COSTA, M.R.A. p.90 L CUNHA, C.L.N.da p.309 LENZI, M.F. p.309 CUNHA, M. S.de C. p.90 LIMA, B.G. de C. p.284 CRUZ, M.F. de A. p.189 LOPES, I.B. p.224 D M DALTRO, C. p.211 MAGALHÃES, L.B.N.C. p.169 DANTAS, N . p.154 MAIA, H.F. p.224 MAIA, M.G. de M. p.129 E MARTINS, I. p.179 ELOY, L. p.154 MATOS, C.M.S. de p.284 370 revista_V30.pmd 370 5/3/2007, 16:56 Revista Baiana de Saúde Pública MATOS, Cleuza Maria Santos de (284) REIS, Francisco (154) MASCARENHAS, Márcio D. M. (238) RIOS, Carolina (154) MEIRA, Marluce de Oliveira Brito (161) RIOS, Maria Helena (90) MELO, Ailton (50) ROCHA, Emilia (179) MELO, Eliana Ferraz (284) ROCHA, Mateus Teixeira do Amaral (294) MENEZES, Nívia Martins (90) ROCHA, Tânia Margarida de Novaes (141) MESQUITA, Cláudio Márcio de (309) RODRIGUES, Bernardo (50) MESSIAS, Kelly Leite Maia de (248) MOLESINI, Joana Angélica Oliveira (141) MUNIZ, Pascoal Torres (129) S SACRAMENTO, Mariana (179) SAMPAIO, José Jackson Coelho (248) SANTOS, Cristina Campos dos (367) N NUNES, João Luiz Barbosa (39) SANTOS, Elda S. (238) SANTOS, Grazyella P.(238) SANTOS, Josenaide Engrácia dos (161) O OLIVEIRA, Manoela (154) OLIVEIRA, Telma Dantas Teixeira de (105) SCIPPA, Ângela Miranda (211) SERVO, Maria Lúcia Silva (7) SILVA, Bruno Mendonça Potásio da (294) SILVA, Carlos Alberto Lima da (365) P SILVA, Cátia Andrade (179) PARANÁ, Raymundo (154) SILVA, Cruiff Emerson Pinto (59) PEREIRA, Ana Paula Chsncharulo de Morais SILVA, Sônia de Moura (169) (7) SILVANY NETTO, Annibal Muniz (39) PORTINHO, Bartira Gomes (77) SOLLA, Jorge José Santos Pereira (332) PREARO, Alice Yamashita (191) SOUZA, Carla Lima de (272) SOUZA, Marcos Barbosa de (309) Q SOUZA, Norma Suely Souto (77) QUADROS, Rachel Silvany (39) QUARANTINI, Lucas (211) T TAVARES – NETO, José (129) R TEIXEIRA, Carla Regina de Souza (261) RABELO, Antônio Reinaldo (50) THOMÉ, Célia Regina (272) RABELO, Mina Modesto (50) RANGEL, Maria Lígia (322) V REGO, Marco Antônio Vasconcelos (294) VASCONCELOS S, José Narciso Gonçalves de REGO, Rita de Cássia Franco (129) (169) 371 revista_V30.pmd 371 5/3/2007, 16:56 W WANDERLEY, Camila (179) WERMELINGER, Eduardo Dias (309) Z ZANETTI, Maria Lúcia (261) 372 revista_V30.pmd 372 5/3/2007, 16:56 NORMAS P ARA PUBLICAÇÃO PARA Revista Baiana de Saúde Pública A Revista Baiana de Saúde Pública (RBSP), publicação oficial da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), de periodicidade semestral, dedica-se a publicar contribuições sobre aspectos relacionados aos problemas de saúde da população e à organização dos serviços e sistemas de saúde e áreas correlatas. Serão aceitas para publicação as contribuições escritas preferencialmente em português, de acordo com as normas da RBSP publicadas, obedecendo a ordem de aprovação pelos editores. CA TEGORIAS ACEIT AS: CATEGORIAS ACEITAS: 1. Artigos originais 1.1 Pesquisa: artigos apresentando resultados finais de pesquisas científicas (10 a 15 laudas). 1.2 Ensaios: artigos com análise crítica sobre um tema específico (5 a 8 laudas). 1.3 Revisão: artigos com revisão crítica de literatura sobre tema específico, solicitados pelos editores (8 a 10 laudas). 2. Comunicações: informes de pesquisas em andamento, programas e relatórios técnicos (5 a 8 laudas). 3. Teses e dissertações: resumos de dissertações de mestrado e de teses de doutorado/livre docência defendidas e aprovadas em universidades brasileiras (máximo 2 laudas). Os resumos devem ser encaminhados com o título oficial da tese, dia e local da defesa, nome do orientador e local disponível para consulta. 4. Resenha de livros: resenhas de livros publicados sobre temas de interesse, solicitados pelos editores (1 a 4 laudas). 5. Relato de experiências: apresentando experiências inovadoras (8 a 10 laudas). 6. Carta ao editor: carta contendo comentários sobre material publicado (2 laudas). 7. Editorial: de responsabilidade do editor, podendo ser redigido por convidado por solicitação deste. 8. Documentos: de órgãos oficiais sobre temas relevantes (8 a 10 laudas). 373 revista_V30.pmd 373 5/3/2007, 16:56 ORIENT AÇÕES AOS AUTORES ORIENTAÇÕES INSTRUÇÕES GERAIS PARA ENVIO Os trabalhos a serem apreciados pelos editores e revisores seguirão a ordem de recebimento e deverão obedecer aos seguintes critérios de apresentação. Devem ser encaminhadas à secretaria executiva da revista três cópias impressas. As páginas devem ser formatas em espaço duplo com margem de 3cm à esquerda, fonte Times New Roman, tamanho 12, página padrão A4, numeradas no canto superior direito (não numerar as páginas contendo tabela, gráfico,desenho ou figura). Podem também ser enviados para o e-mail da revista, desde que não contenham desenhos ou fotografias digitalizadas. Uma cópia em disquete deverá ser entregue com a versão final aceita para publicação. ARTIGOS Folha de rosto: deve constar, o título (com versão em inglês), nome(s) do(s) autor(es), principal vinculação institucional de cada autor, orgão(s) financiador(es) e endereço postal e eletrônico de um dos autores para correspondência. Segunda folha: iniciar com o título do trabalho sem referência à autoria e acrescentar abstract). Trabalhos um resumo de no máximo 200 palavras, com versão em inglês (abstract). em espanhol ou inglês devem também ter acrescido o resumo em português. Palavras-chave (3 a 8) extraídas do vocabulário DECS (Descritores em Ciências da Saúde/ www.decs.bvs.br) para os resumos em português e do MESH (Medical Subject Headings / www.nlm.nih.gov/mesh) para os resumos em inglês. Terceira folha: Título do trabalho sem referência à autoria e início do texto com parágrafos alinhados nas margens direita e esquerda (justificados), observando a seqüência: introdução introdução, incluindo justificativas, citando os objetivos no último parágrafo; material e métodos; resultados; discussão; e referências referências. Digitar em página independente os agradecimentos, quando necessário. 374 revista_V30.pmd 374 5/3/2007, 16:56 Revista Baiana de Saúde Pública TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS Obrigatoriamente, os arquivos das tabelas, gráficos e figuras devem ser digitados em arquivos independentes e impressos em folhas separadas. Estes arquivos devem ser compatíveis com processador de texto “Word for Windows” (formatos: PICT, TIFF, GIF, BMP). O número de tabelas, gráficos e, especialmente, ilustrações deve ser o menor possível. As ilustrações, figuras e gráficos coloridos somente serão publicados se a fonte de financiamento for especificada pelo autor. No texto do item resultados, as tabelas, gráficos e figuras devem ser numeradas por ordem de aparecimento no texto, com algarismos arábicos e citadas em negrito (e.g. “... na Tabela 2 as medidas ..) Tabela (não utilizar linhas verticais), Quadro (fechar com linhas verticais as laterais). O título deve ser objetivo e situar o leitor sobre o conteúdo, digitado após o número da Tabela, Gráfico, etc., e.g.: Gráfico 2. Número de casos de AIDS no Brasil de 1986 a 1997, distribuído conforme a região geográfica geográfica. Figuras reproduzidas de outras fontes já publicadas devem indicar esta condição na legenda. ÉTICA EM PESQUISA Trabalho que tenha implicado em pesquisa envolvendo seres humanos ou outros animais deve vir acompanhado de cópia de documento que atesta sua aprovação prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), além da referência em material e métodos. REFERÊNCIAS Preferencialmente, qualquer tipo de trabalho encaminhado (exceto artigo de revisão), deverá ter até 30 referências. As referências no corpo do texto deverão ser numeradas em sobrescrito, consecutivamente, na ordem em que forem mencionadas a primeira vez no texto. As notas explicativas e/ou de rodapé são permitidas e devem ser ordenadas por letras minúsculas em sobrescrito. As referências devem aparecer no final do trabalho, listadas pela ordem de citação, seguindo as regras propostas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas, disponíveis em: http://www.icmje.org ou www.abec-editores.com.br (Requisitos uniformes para manuscritos apresentados a periódicos biomédicos/ Vancouver). 375 revista_V30.pmd 375 5/3/2007, 16:56 Exemplos: a) LIVRO Acha PN, Szyfres B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2ª. ed. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud; 1989. b) CAPÍTULO DE LIVRO Almeida JP, Rodriguez TM, Arellano JLP. Exantemas infecciosos infantiles. In: Arellano JLP, Blasco AC, Sánchez MC, García JEL, Rodríguez FM, Álvarez AM, editores. Guía de autoformación en enfermedades infecciosas. Madrid: Panamericana; 1996. p. 1155-68. c) ARTIGO Azevêdo ES, Fortuna CMM, Silva KMC, Sousa MGF, Machado MA, Lima AMVMD, et al. Spread and diversity of human populations in Bahia, Brazil. Human Biology 1982;54: 329-41. d) TESE E DISSERTAÇÃO Britto APCR. Infecção pelo HTLV-I/II no Estado da Bahia [Dissertação]. Salvador (BA): Univ. Federal da Bahia; 1997. e) RESUMO PUBLICADO EM ANAIS DE CONGRESSO Santos-Neto L, Muniz-Junqueira I, Tosta CE. Infecção por Plasmodium vivax não apresenta disfunção endotelial e aumento de fator de necrose tumoral-a (FNT-a) e interleucina-1b (IL-1b). In: Anais do 30o. Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Salvador, Bahia; 1994. p.272. f) DOCUMENTO EXTRAÍDO DE ENDEREÇO DA INTERNET [autores ou sigla e/ou nome da instituição principal]. [Título do documento ou artigo] Extraído de [endereço eletrônico], acesso em [data]. Exemplo: COREME, Comissão de Residência Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Regimento Interno da COREME. Extraído de [http://www.hupes.ufba.br/coreme], acesso em [20 de setembro de 2001]. Não incluir nas “Referências” material não-publicado ou informação pessoal. Nestes casos, assinalar no texto: (i) FF Antunes Filho, Costa SD: dados não-publicados; ou 376 revista_V30.pmd 376 5/3/2007, 16:56 Revista Baiana de Saúde Pública (ii) JA Silva: comunicação pessoal, 1997. Todavia, se o trabalho citado foi aceito para publicação, incluí-lo entre as referências, citando os registros de identificação necessários (autores, título do trabalho ou livro e periódico ou editora), seguido da expressão latina In press e o ano. Quando o trabalho encaminhado para publicação tiver a forma de relato de investigação epidemiológica, relato de fato histórico, comunicação, resumo de trabalho final de curso de pós-graduação, relatórios técnicos, resenha bibliográfica e carta ao editor, o(s) autor(es) deve(m) utilizar linguagem objetiva e concisa, com informações introdutórias curtas e precisas, delimitando o problema ou a questão objeto da investigação. Seguir as orientações para referências, gráficos, tabelas e figuras. As contribuições encaminhadas só serão aceitas para apreciação pelos editores e revisores se atenderem às normas da revista. Endereço para remessa de trabalho Revista Baiana de Saúde Pública Escola da Saúde Pública Prof° Francisco Peixoto de Magalhães Netto Rua Conselheiro Pedro Luiz nº 171 Rio Vermelho – Salvador – Bahia CEP 41950-610 TEL/FAX 0XX71 3116-5313/3334-0428 [email protected] 377 revista_V30.pmd 377 5/3/2007, 16:56 AGRADECIMENTOS ESPECIAIS AOS COLABORADORES, PELAS A VALIAÇÕES AV NO ANO 2006 E ESPERAMOS CONT AR COM O APOIO NO ANO 2007. CONTAR Alcina Andrade Ana Maria Fernandes Pitta Augusto César Cardoso Carlito Nascimento Sobrinho Carmen Fontes Teixeira Ceuci Nunes Fernando Martins Carvalho Helma Cotrim Isabela Sales Junqueira Ayres Jacy Amaral Freire de Andrade Giuseppe Benitivoglio Greco Joana Oliveira Molesini Jorge José Santos Pereira Solla José Carlos Barboza Filho José Henrique Barreto José Tavares Neto Juarez Pereira Dias Lauro Antônio Porto Lígia Rangel Luiz Carlos Passos Marco Antônio Rego Maria de Lourdes Lima Maria Izabel Pereira Viana Marilia Fontoura Marlene B. Carvalho Mônica Angelim Rosanita Baptista Roseli Carvalho Tânia Maria Araújo Telma Dantas Oliveira Vera Lúcia Almeida Formigli 378 revista_V30.pmd 378 5/3/2007, 16:56 Revista Baiana de Saúde Pública SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA - SESAB SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE SUPECS ESCOLA ESTADUAL DE SAÚDE PÚBLICA PROF. FRANCISCO PEIXOTO DE MAGALHÃES NETTO - EESP REVISTA BAIANA DE SAÚDE PÚBLICA - RBSP Rua Conselheiro Pedro Luiz, 171 - Rio Vermelho CEP 41950-610 Caixa Postal 631 Tel 71 3334-1888 Fax 71 3334-0428 Recebemos e agradecemos Nous avons reçu We have received _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Desejamos receber Il nous manque We are in want of _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Enviamos em troca Nou envoyons en echange We send you in exchange _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________ Favor devolver este formulário para assegurar a remessa das próximas publicações. Please fill blank and retourn it to us in order to assure the receiving of the next issues. On prie da dévolution de ce formulaire pour étre assuré lenvoi des prochaines publications. 379 1 Rua Mello Moraes Filho, nº 189, Fazenda Grande do Retiro CEP 40352-000 Tels.: (71) 3116-2850/2806 Fax: (71) 3116-2902 Salvador-Bahia E-mail: [email protected]