Carina Berta Moljo e Maria Lúcia Duriguetto (Organizadoras) Sistema Único de Assistência Social, Organizações da SociedadeCivileServiçoSocial Uma análise da realidade de Juiz de Fora 25 ANOS Juiz de Fora 2012 © Editora UFJF, 2010 Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa da editora. 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Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS.................................................. 13 Rodrigo de Souza Filho; Cássia Pacheco Golvea Antinareli; Carla Alves de Paula; Wesley Helker Felício Silva Capítulo 2. Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática......................................................................................... 45 Rodrigo de Souza Filho e Ester de Almeida Oliveira Capítulo 3. Apontamentos acerca do associativismo brasileiro e de sua relação com as políticas sociais...................................................... 71 Cristina Simões Bezerra; Maria Lúcia Duriguetto Capítulo 4. Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais............................................................ Cristina Simões Bezerra; Maria Lúcia Duriguetto; Maria Zilda F. Martins; Mariana de Almeida P. Maddalena 85 Capítulo 5. O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional........ 103 Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras; Carina Berta Moljo; Cláudia Mônica dos Santos APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO APLICADO AOS REPRESENTANTES DAS ORGANIZAÇÕES/MOVIMENTOS/INSTITUIÇÕES................ .... 145 APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS E DA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NA IMPLANTAÇÃO DO SUAS EM JUIZ DE FORA. APLICADO AOS ASSISTENTES SOCIAIS........................ 153 ultura Profissional: resentação Nacional de Cooperação Acadêmica de pesquisa das Universidades Federais o e Juiz de Fora na área do Serviço Social e estudos e pesquisas que privilegiam a erviço Social e os processos de produção om destaque para as políticas sociais, as o Estado. uisadores do grupo de pesquisa “Serviço s Públicas”, vinculado ao Programa de pelas Professoras Carina Berta Moljo este processo e revela a importância do conhecimento da realidade, razão do os para a realidade das políticas sociais o integra tem como eixo articulador década do Séc. XXI cuja principal s sociais, é a expansão da Política de primeiro bloco de discussões do livro Assistência Social, no Sistema Único de des da sua gestão no município de Juiz m se referencia na realidade juizforana, uisa junto a instituições, organizações b) a relação entre Estado e Sociedade uação do terceiro setor. Finaliza este o sobre a experiência profissional de 37 tica de Assistência Social, abordando o a prática analisada sob a perspectiva do Serviço Social brasileiro. de trabalho, merecem ser ressaltadas afirma que uma política social voltada as classes subalternas exige uma política Prefácio 6 econômica que privilegie as demandas pela universalização e aprofundamento de direitos, se se pretende que seu desenvolvimento obtenha êxito no enfrentamento das desigualdades sociais. De outra forma, a política social enfrentará entraves estruturais vinculados à política econômica, não viabilizando a expansão de direitos sociais, independentemente de sua configuração institucional. A articulação entre as dinâmicas da economia e da política é uma referência obrigatória para aqueles que adotam uma perspectiva de totalidade no exame da realidade. É neste sentido que a Política Nacional de Assistência Social e o seu modelo gerencial e organizativo – o SUAS – embora contenham inegáveis avanços democráticos, incorporando reivindicações que superam o modelo meritocrático-particularista que sempre marcou esta política no Brasil, conforme indicam os autores do ensaio, esse avanço parece estar subordinado à lógica da política econômica. Neste sentido, como demonstram os dados empíricos expostos em alguns ensaios, a expansão da política de Assistência Social vem se dando através dos programas de transferência de rendas, tais como o BPC e o Bolsa Família. Seu principal componente político-estratégico é ter se transformado num insumo imprescindível para a expansão do consumo e formação de um mercado interno, resultando na emergência do que a grande imprensa vem denominando de “a nova classe média”. Nestes termos, embora os beneficiários e usuários da Assistência Social possam “estar ocupando um lugar “cidadão”, não estamos seguras de que esta situação avance para o estabelecimento do exercício real dos direitos sociais. Menos pela positividade ou avanço que venha a ter a política de Assistência Social e mais pela sua orgânica vinculação com as necessidades da economia. É inegável que no Brasil do Séc. XXI convivem as sequelas da ortodoxia neoliberal, o neodesenvolvimentismo, a financeirização da economia e a expansão da assistência social. Assim, como afirmam os Autores, faz-se essencial a retomada do papel dos movimentos sociais e da participação das organizações democráticas da sociedade civil na luta pela defesa da democracia e da cidadania, de uma forma geral, e, especificamente, no campo da defesa de políticas sociais públicas universalistas, se se pretende algum avanço democrático neste cenário. Como parte do segundo bloco de textos, mas situado no mesmo chão histórico e na mesma direção de apreensão da totalidade, emerge a hipótese de que, sob o ideário neoliberal, o terceiro setor opera uma ressignificação do conceito de sociedade civil, tanto por parte dos setores supostamente progressistas quanto pelos defensores do projeto neoliberal, Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Ana Elizabete Motta | Yolanda Guerra cumprindo funções econômicas, políticas e ideológicas. A faticidade desta hipótese é apreendida nas lógicas que sustentam o “novo” trato dado à questão social, em que se combinam e se complementam: a lógica corporativa no sistema de representação de interesses e a lógica da solidariedade e da concessão no que tange aos direitos. Como parte de um mesmo movimento, esta lógica desencadeia e reforça sentimentos e comportamentos de autoajuda, ajuda-mútua ou da ajuda divina voltando-se para a auto-responsabilização dos sujeitos. Além de outras funções, destaca-se a de justificar e legitimar o processo de desestruturação da Seguridade Social, desresponsabilizando o Estado e desonerando o capital de cofinanciar as respostas às refrações da “questão social”, escamoteando os interesses contraditórios das classes sociais no capitalismo e ocultando a luta de classes. Esta discussão coloca premissas para pensar a intervenção sócio-política e profissional do Serviço Social na implementação da Política Nacional de Assistência Social e do SUAS, e a sua relação entre os elementos da cultura profissional que têm referencia no projeto ético político-profissional . O capítulo intitulado O exercício profissional na implementação do Sistema Único da Assistência Social: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional expõe dados de pesquisa realizada em Juiz de Fora, em 2009, sobre as condições sociais, políticas e culturais e da intervenção profissional do Assistente Social na implantação do SUAS naquele município. A análise dos dados transita por três vetores descritivos e analíticos: 1) a apreensão da Política de Assistência Social no campo da Seguridade Social brasileira, especialmente, no Governo Lula; 2) a inserção sócio-ocupacional do Serviço Social no âmbito da assistência social em Juiz de Fora, particularizada na Associação Municipal de Apoio Comunitário – AMAC; 3) o projeto profissional hegemônico do Serviço Social brasileiro. Consideramos que a abordagem da cultura profissional como resultado das objetivações construídas pela profissão ao longo da sua trajetória incorpora as suas diversas dimensões – teórico-metodológica, ético-política e técnicooperativa como produto histórico das intencionalidades dos sujeitos orientados frente a realidade da cultura profissional, como resultado das causalidades postas pela profissão se expressa em objetos (de conhecimento e de intervenção), objetivos profissionais, referências teórico-metodológicas, princípios éticos e políticos, valores e racionalidades (a lógica constitutiva destas práticas), como resultante das dimensões objetivas e subjetivas que informam a constituição do sujeito profissional e constitui-se em meio de socialização das conquistas e do acervo cultural produzido pelo Serviço Social. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 7 Prefácio 8 Contudo, os profissionais não constroem este processo de maneira autônoma, posto que a profissão é socialmente determinada. Note-se que a prática do Serviço Social sofre as determinações da divisão social e técnica do trabalho e se insere no conjunto das relações sociais que particularizam cada sociedade. Por isso mesmo, a profissão recebe as determinidades da dinâmica macroeconômica, social e cultural prevalecente na realidade mais ampla. Como exposto em um dos capítulos, esta cultura profissional, a despeito das particularidades profissionais e, mesmo em contextos por vezes adversos, vem afirmando a necessidade da efetivação dos direitos sociais conquistados pelas classes subalternas, reafirmando a necessidade de construção de uma cultura política democrática. Segundo os autores, uma cultura profissional que converge com os valores do projeto ético político do Serviço Social, o que não a exime de ser uma cultura profissional plural, como espaço de luta, de tensões. Em resumo, o livro SUAS, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social: Uma análise da realidade de Juiz de Fora é uma iniciativa das mais relevantes para a produção e divulgação do conhecimento na área do Serviço Social e afins, oferecendo à comunidade acadêmica e profissional um conjunto de informações e reflexões que terão incidência no exercício profissional e na construção de uma cultura política e profissional democrática e comprometida com as necessidades das classes subalternas no âmbito das contradições da sociedade capitalista contemporânea. Aos autores e autoras o nosso reconhecimento pela originalidade e qualidade dos textos e aos leitores e leitoras o desejo de uma leitura gratificante e profícua. Recife/Rio de Janeiro, agosto de 2011. Ana Elizabete Mota (Universidade Federal de Pernambuco) Yolanda Guerra (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Introdução O presente Livro apresenta os resultados da pesquisa Análise das condições sociais, políticas e culturais e da intervenção profissional do Assistente Social na implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em Juiz de Fora (período 2005-2009), realizada pelo Grupo de Pesquisa Serviço Social, Movimentos Sociais e Políticas Públicas da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (FSS/UFJF)1. A Constituição de 1988 apresentou grandes avanços em relação aos direitos sociais. Particularmente em relação à assistência social, pela primeira vez, ela é concebida como política pública, dever do Estado e direito de cidadania, compondo o campo da seguridade social. Esta concepção da política apontava para a construção de um Estado de Bem-Estar social pautado na concepção de seguridade social e cidadania universal. Os movimentos sociais organizados, que participaram ativamente do processo constituinte, continuaram, após a aprovação da Constituição de 1988, a atuar politicamente em questões específicas, visando a interferir na elaboração das leis complementares que viessem a consolidar, institucionalmente, os avanços conquistados em suas áreas. Essa ação ocorreu de forma emblemática nas áreas da saúde (elaboração e aprovação da Lei Orgânica da Saúde — LOS), assistência social (elaboração e aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS) e infância e adolescência (elaboração e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA), e tinha por finalidade consolidar os dispositivos constitucionais referentes às respectivas áreas de atuação. Apesar de todas as dificuldades, a Lei Orgânica da Saúde, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Orgânica da Assistência Social foram aprovados pelo Congresso e sancionados pelo presidente da República até 1993. 1 A pesquisa foi financiada pela FAPEMIG, PROPESQ (com bolsas de Iniciação Científica e Bolsa Apoio ao Recém-Doutor – 2010 - e Enxoval – Bolsa de apoio a consolidação de grupos de pesquisa 2009/2010) e pelo Programa de Cooperação Acadêmica – PROCAD, que envolve a Faculdade de Serviço Social da UFJF (Coordenado pela Profa. Maria Lúcia Duriguetto; a Escola de Serviço Social da UFRJ (Coordenado pela Profa. Yolanda Guerra); o Depto. de Serviço Social da UFAL (Coordenado pela Profa. Cristina Paniago) e da UFPE ( Coordenado pela Profa. Ana Elizabete Mota – Coordenadora geral do PROCAD). Introdução 10 O reflexo desse processo na assistência social é inequívoco. A Lei Orgânica da Assistência Social apresenta a assistência social como política pública, direito de cidadania e dever do Estado numa perspectiva de universalização dos direitos sociais. Além dessa concepção, a legislação propõe a descentralização e a participação como elementos democratizadores para a implementação dos serviços sociais, projetando uma organicidade da política através da articulação Estado-sociedade civil, União-estado-município e entre os diferentes setores que compõem a política. A partir da década de 1990, o Brasil adota as políticas de ajustes neoliberais. Tendo em vista a relação entre a política econômica e a política social, e considerando a orientação neoliberal de ambas, podemos afirmar que o cenário global no campo das políticas sociais no Brasil, apesar da coexistência de diferentes padrões e referências para a estruturação das políticas sociais, é constituído, indubitavelmente, pelo padrão neoliberal. Do ponto de vista da política social, o padrão neoliberal tem como características a subordinação do social a uma política econômica monetarista e ortodoxa, pautada pela estabilização monetária, pela abertura comercial e pela privatização. No campo próprio da política social, esse padrão se expressa por meio de uma política de desresponsabilização do Estado no trato das expressões da “questão social” através de ações focalizadas, fragmentadas e privatizadas, depositando a maior parte da responsabilidade no sucesso das ações na própria sociedade, apelando, assim, para a solidariedade social - no que a mídia colabora fazendo um apelo à sociedade civil para o desenvolvimento de medidas de caráter assistencialista, voluntário e filantrópico. Corroborando com esse processo, os programas de renda mínima têm sido implementados sob uma nítida concepção liberal de focalização e pobreza absoluta, o que contribui para a redução de gastos sociais. Independentemente dos constrangimentos que a ordem econômica do último decênio tem imposto ao desenvolvimento da política de assistência social numa perspectiva de universalização de direitos e a priorização quase que absoluta em programas de transferência de renda, hoje, do ponto de vista da engenharia institucional e da concepção expressa na Política Nacional de Assistência Social (2004), conseguimos vislumbrar avanços importantes nesta área. Os aspectos mais importantes que ocorreram na área da assistência foram o fim da Comunidade Solidária, uma estrutura paralela, criada no Governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), que fragilizava substantivamente a organização da política assistência nos moldes proposto pela LOAS; a unificação das ações da política no atual Ministério de Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Introdução Desenvolvimento Social e Combate à Fome e, como conclusão do processo, a aprovação da Política Nacional de Assistência Social que se estrutura na perspectiva de construção do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). No entanto, a análise realizada compreende que o Governo Lula (2002 -2010), ao manter a política econômica neoliberal e estruturar uma política de assistência social fundada em programas focalizados de transferência de renda, inviabiliza a democratização da assistência social prevista no SUAS. Na trajetória da constituição e do desenvolvimento da política de assistência social no Brasil, os assistentes sociais foram protagonistas centrais desse processo, muitas vezes, inclusive, confundindo a profissão com a própria política e incorporando dela seus traços conservadores. Porém, no processo de mobilização dos anos 80, na dinâmica de renovação da profissão, os profissionais do Serviço Social reorientaram sua intervenção numa perspectiva afinada com os movimentos democráticos na defesa da ampliação de direitos sociais, no caráter público estatal das políticas sociais, na democratização dos espaços públicos, na constituição de uma cultura democrática e de participação e controle social. Nesse sentido, os assistentes sociais, desde a luta pela incorporação da assistência social como política de seguridade social, vêm se destacando, individual e coletivamente, como lideranças dos processos de formulação, implementação e avaliação da política em sua proposição pública e estatal e como direito de cidadania. Assim, a estruturação dessa política vem contando intensivamente com a participação desses profissionais tanto no nível federal quanto estadual e municipal. Atualmente, a categoria dos assistentes sociais tem assumido funções de formulação, execução e controle da implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Nesse quadro, apresenta-se como necessário analisar as condições econômicas, sócio-políticas e culturais para a implementação do SUAS e verificar que características vem assumindo a intervenção profissional dos Assistentes Sociais no processo de efetivação da política. Analisar estes elementos no município de Juiz de Fora, bem como identificar as bases do associativismo e dos processos de participação existentes, verificando suas potencialidades e limites para a implementação do SUAS, constituem os objetivos dos conteúdos dos capítulos que compõem o presente livro. A pesquisa de campo que substantivou as análises aqui desenvolvidas foi realizada por meio da técnica de entrevista com responsáveis pela formulação e execução da política de assistência social no município; pela Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 11 Introdução 12 aplicação de questionário aos representantes das organizações/movimentos/ instituições existentes nas Regiões Administrativas do município e aos profissionais de Serviço Social dos CRAS e rede conveniada2. Também, junto aos profissionais, foram realizados laboratórios, grupo focal e um Simpósio. Agradecemos a todos que contribuíram para a realização e conclusão desta pesquisa: assistentes sociais, representantes das instituições/movimentos/ organizações, gestores, discentes da graduação e da pós-graduação, agências de fomento (FAPEMIG, Capes/PROCAD) e UFJF/PROPESQ. 2 Os questionários estão em Anexo. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Capítulo 1 Políticadeassistênciasocialno contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 1Introdução Rodrigo de Souza Filho1 Cássia Pacheco Gouvea Antinareli2 Carla Alves de Paula3 Wesley Helker Felício Silva4 No marco do capitalismo monopolista, as políticas sociais, a partir de seu objetivo imediato de garantir a reprodução da força de trabalho, atuam Professor Adjunto da Faculdade de Serviço Social/UFJF, Doutor em Serviço Social/UFRJ. Assistente Social da Prefeitura Municipal de Cataguases/MG. Assistente Social da prefeitura de Teixeiras/MG e Especialista em Gestão da Política de Assistência Social e SUAS/Pitágoras. Assistente Social, Mestre em Serviço Social/UFJF e Doutorando em Serviço Social/UFRJ 1 2 3 4 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 14 em determinadas expressões da “questão social”5 como forma de construir uma base ampla de legitimidade e consenso social, através do atendimento concreto de demandas e necessidades da classe trabalhadora. No entanto, elas encontram-se intrinsecamente relacionadas às políticas econômicas como estratégia de intervenção do Estado, visando à realização da lógica monopólica de maximização dos lucros pelo controle dos mercados. A forma e o conteúdo das políticas econômicas e sociais, por conseguinte, dependerão das lutas sociais concretas - dos processos de organização e de luta dos trabalhadores - que produzirão a morfologia do Estado interventor e de sua política social, num determinado contexto histórico (NETTO, 1992). Nesse sentido, entendemos a política social como estratégia permanente e contínua da intervenção do estado na área social (NETTO, 1992). Assim, se por um lado o Estado interventor e a política social apresentam-se como funcionais ao capital, por outro eles também atendem a interesses da classe trabalhadora. Esse movimento contraditório processa o limite e a possibilidade da ação política junto ao Estado, no aspecto geral, e à política social, especificamente, numa perspectiva de reformas no campo estatal. Outro aspecto que expressa o limite e a possibilidade da intervenção junto à política social diz respeito à sua relação com a política econômica. Nesse sentido, para um enfrentamento das expressões da “questão social” que venha a atender de forma mais ampla os interesses da classe trabalhadora, exige-se uma política econômica também com este objetivo. Portanto, uma política econômica que reforça as desigualdades sociais determina as (im) possibilidades de construção de uma política social voltada para os interesses das classes subalternas. Nesses termos, as políticas sociais públicas, por mais 5 Entendemos “questão social”, conforme destaca Iamamoto, como o “conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana - o trabalho -, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos [...] A questão social expressa, portanto, disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal” (IAMAMOTO, 2001, p. 16-17). Para um mapeamento das determinações teóricas e históricas da categoria “questão social” no marco da tradição marxista, ver, também, Netto (2001). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva que sejam orientadas para a efetivação de objetivos democráticos6 e de um processo de reformas no âmbito estatal, não viabilizarão um enfrentamento mais amplo das expressões da “questão social”. Assim posta, uma política social voltada para o atendimento das necessidades das classes subalternas exige uma política econômica que privilegie as demandas pela universalização e aprofundamento de direitos, se se pretende que seu desenvolvimento obtenha êxitos no enfrentamento das desigualdades sociais. De outra forma, a política social enfrentará entraves estruturais vinculados à política econômica, não viabilizando a expansão de direitos sociais, independentemente de sua configuração institucional. Essas características mostram as articulações necessárias que devem existir entre a política social e a política econômica, no marco do capitalismo, para produzir ampliação de direitos. Dessa forma, para analisarmos estruturalmente a tendência da implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)7 do Governo Lula, mostra-se essencial identificarmos que tipo de vinculação a política social de assistência, de uma forma geral, estabelece com a política econômica implementada, para avaliarmos sua potencialidade enquanto política social orientada para a expansão de direitos. Nossos estudos indicam que a estrutura geral da política de assistência social do governo Lula apresenta-se como a contra-face social da política econômica neoliberal. Esse entendimento será tratado na primeira parte do artigo. Após desvelar a relação existente entre a política econômica e a política de assistência social, apresenta-se como necessário explicitar a dinâmica da própria política de assistência para verificar sua orientação geral e avaliar aspectos que possam fortalecer uma perspectiva democrática. Dessa forma, identificamos aspectos - do ponto de vista geral da política de assistência social e na particularidade do SUAS - que podem ser reconhecidos como Para efeito desse trabalho estaremos qualificando como democrática a política social de “padrão institucional, redistributivista”. É o padrão que se orienta pelo universalismo de direitos, a ampliação e a garantia, por parte do Estado, da proteção e da promoção social, através da organicidade das políticas sociais de caráter público. Conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios no âmbito da assistência social prestados diretamente – ou por meio de convênios com organizações sem fins lucrativos -, por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público. É modo de gestão compartilhada que divide responsabilidades para instalar, regular, manter e expandir as ações da assistência social (SPOSATI, 2006, p. 130). 6 7 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 15 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 16 avanços para a efetivação de uma política de assistência social de corte democrático. Na segunda parte do artigo desenvolvemos esta análise. Para concluir, explicitaremos a situação estrutural do SUAS na sua potencialidade, contradição e adversidade e os rebatimentos destas configurações para a implementação do sistema e suas possíveis consequências para a política de assistência social brasileira. 2 A Política de Assistência Social do Governo Lula 2.1Antecedentes A década de 1990 apresentou uma conjuntura desfavorável para a implementação do projeto democrático de política social previsto na Constituição Federal de 1988 e em suas leis orgânicas (Lei Orgânica da Saúde, Lei Orgânica da Assistência Social e Estatuto da Criança e do Adolescente). A partir dos anos de 1990 e, de forma mais consistente, de 1994, o governo brasileiro (governos Collor de Mello e FHC, respectivamente) assume como orientação para as políticas econômicas e sociais os ditames neoliberais fundados na lógica proposta pelo Consenso de Washington (estabilização monetária, abertura comercial e privatização) e nos preceitos de um “social-liberalismo” que não se distingue concretamente das experiências neoliberais de redução do Estado na área social. Em termos gerais, a Política Social desencadeada pelo governo FHC seguiu os passos neoliberais de reestruturações social-democratas, num país que não constituiu um padrão de intervenção do Estado na área social do porte de tais experiências. Portanto, diminuiu o que não existia e redefiniu o que não foi construído. Sendo assim, assistencialização, mercantilização, re-filantropização e focalização das políticas sociais formaram a tendência de tal proposição (MOTA, 1995; YASBECK, 1995; SOARES, 2000). A conjuntura hegemônica do governo FHC apresentou, portanto, um modelo econômico e social (ajuste neoliberal que aposta numa política econômica ortodoxo-monetarista, supervalorizando a estabilização e o controle inflacionário e a redução do papel do Estado na área social) incompatível com a universalização e aprofundamento de direitos sociais (FIORI, 1995; SOARES, 2001). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva No âmbito da assistência social, o governo FHC pautava-se em duas frentes: o apelo à solidariedade e os programas de transferência de renda. Pelo lado da “solidariedade”, o exemplo emblemático dessa política neoliberal de assistência social foi o Programa Comunidade Solidária (PCS), que desconheceu a LOAS e a legitimidade do Conselho Nacional de Assistência Social e desenvolveu uma política de desresponsabilização do Estado no trato das expressões da “questão social”, através de ações focalizadas, fragmentadas e privatizadas. Outro aspecto a destacar, ainda nesse campo, refere-se à “descentralização destrutiva” (SOARES, 2000) operada pelo desmonte de instituições nacionais (Legião Brasileira de Assistência/LBA e Fundação Centro Brasileiro para Infância e Adolescência/FCBIA), sem planejamento prévio, combinada com a transferência das ações para os municípios, sem o devido apoio técnico e financeiro para que os mesmos fossem capazes de assumir as ações. A outra matriz da “era” Fernando Henrique Cardoso acerca da Política de Assistência Social, diz respeito à implantação de programas de transferências de renda com condicionalidades (como Bolsa-Escola, BolsaAlimentação, Vale-Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil etc.), através de critérios restritos de elegibilidade e de distribuição de benefícios ínfimos. A partir desta estratégia, foi estruturada a Rede de Proteção Social, com prevalência para os programas de transferência de renda, que foram criados numa conjuntura sócio-econômica marcada pelo crescimento acentuado do desemprego, acompanhado do acréscimo de formas de ocupações precárias e instáveis, sem a proteção social garantida pela previdência social; rebaixamento do rendimento da renda proveniente do trabalho; crescimento da violência; ampliação dos índices de pobreza e da desigualdade social. Enfim, os programas de renda mínima foram implementados sob uma nítida concepção liberal de focalização e pobreza absoluta, o que contribuiu para a redução de gastos sociais (SILVA, YASBECK e GIOVANNI, 2004). Nesse quadro, as estratégias de focalização - via programas de combate à pobreza - e descentralização/apelo à solidariedade voluntária contribuem, como sinalizam Laurell (1995) e Soares (2000), para a manutenção de mecanismos clientelistas na área social. Esse aspecto parece bem razoável em se tratando de um governo fundado num pacto conservador, que precisa articular politicamente apoio para a direção estratégica maior: a transnacionalização radical da economia (FIORI, 2001). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 17 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 18 2.2 A conjuntura dos governos Lula Devido ao quadro político instaurado, a sociedade brasileira elege Lula para a Presidência da República em 2002, e o reelege em 2006. A eleição de Lula significava, para todos aqueles que votaram nele, uma possibilidade de ruptura com o neoliberalismo e uma esperança de expansão dos direitos sociais. Porém, o que se verificou foi a manutenção, no geral, da política econômica e social do governo Cardoso (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007; DRUCK; FILGUEIRAS, 2007). Assim, através das metas de inflação, do ajuste fiscal permanente e do câmbio flutuante, o Brasil passou durante o governo Lula, devido ao contexto internacional favorável, por mudanças no desempenho da economia com melhora da situação das contas externas. O crescimento dos superávits na balança comercial, mesmo com o mercado interno medíocre, possibilitou ao governo Lula a manutenção do modelo econômico do governo FHC, conservando suas características fundamentais (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). A partir da dominação da lógica financeira, a inserção internacional do Brasil, conduzida de forma passiva, tornou sua política macroeconômica mais dependente dos ciclos do comércio internacional e dos movimentos de curto prazo do capital financeiro. Desse modo, apoiada, sobretudo, em commodities e produtos industriais com baixo e médio-baixo conteúdo tecnológico, a gestão do governo Lula promoveu um aumento das exportações concorrendo para um importante saldo comercial externo (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Mas, vale lembrar que tal sucesso apresenta algumas particularidades: primeiro, como indicado, encontrou campo fértil no cenário internacional com o crescimento da economia global e do comércio internacional, concomitante à elevação dos preços internacionais e da demanda das commodities; em segundo, a relevante contribuição de uma taxa de câmbio favorável aos exportadores brasileiros; além, claro, da implementação de políticas governamentais específicas, como crédito e incentivos fiscais. Neste cenário, a inserção internacional, iniciada pelos governos de FHC, apoia-se na exportação de produtos primários, responsáveis por promover uma melhora conjuntural no balanço de pagamentos do país e nos indicadores de vulnerabilidade financeira externa. Todavia, do ponto de vista estrutural, essa política econômica distancia o país dos países desenvolvidos Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva na produção e exportação de produtos de alta tecnologia, significando um aumento da vulnerabilidade externa do ponto de vista estrutural. Como destacou Filgueiras e Gonçalves (2007), com a consolidação do neoliberalismo no Brasil a estrutura industrial sofreu um retrocesso impulsionado pela abertura comercial, pelas privatizações e pelo processo de desnacionalização da economia. Nesse sentido, devido à presença dominante de produtos intensivos em recursos naturais e pelo baixo conteúdo tecnológico dos produtos industrializados, as exportações do país passaram por um processo de reprimarização que diminuiu o dinamismo industrial do Brasil. No que tange ao plano interno, verifica-se a perda tendencial do poder aquisitivo dos salários com redução da participação destes na renda nacional, com intuito de canalizar para os donos do capital uma parcela desta renda maior do que a parte atribuída aos rendimentos ao trabalho. A reconcentração da renda nacional tem nas elevadas taxas de desemprego sua principal razão: os rendimentos do capital têm sido favorecidos por um sistema tributário regressivo que reduz os impostos sobre a produção e sobre aplicações financeiras, e até desonera integralmente os setores mais lucrativos voltados para a exportação e para os segmentos de tecnologia avançada e dinâmica. O enfrentamento dos compromissos da dívida externa, bem como a garantia de acesso das empresas aos bens e serviços importados necessários à continuidade das atividades, marcam o ajuste externo a que o Brasil vem se submetendo, visando à recomposição da relação entre dívida externa e exportações. Neste campo, o governo foi bem sucedido: reduziu a dívida externa e obteve excelente saldo na conta de comércio de mercadorias. Contudo, embora houve essa melhora na trajetória da dívida pública externa devido aos grandes saldos da balança comercial, o país implementou uma política de troca da dívida pública externa pela dívida pública interna. Por conseguinte, a redução da dívida externa, por um lado, e aumento da dívida interna em relação ao PIB, por outro, concorreram para flexibilizar as restrições externas. Isso serviu fundamentalmente para viabilizar os objetivos centrais da política econômica do governo Lula, visto que, buscaram reduzir gradualmente a dívida pública por meio da obtenção de elevados superávits primários e taxas de inflação cada vez menores, de acordo com o regime de metas de inflação, por meio de taxas de juros elevadas. Essas diretrizes essenciais da política econômica do governo Lula contribuíram, então, para Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 19 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 20 reduzir o risco-país e elevar o Brasil como uma nação capaz de honrar suas obrigações com o capital financeiro (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Assim sendo, esse conjunto de fatores tem sido utilizado para justificar o aumento do superávit primário do orçamento público, paralisando recursos que poderiam ser destinados aos gastos sociais ou a investimentos em infraestrutura. A análise dos gastos públicos, no período 2001/2005, não deixa dúvidas sobre a manutenção da lógica neoliberal do governo Lula: a) manutenção do gasto com pessoal, educação e previdência dos servidores em relação ao PIB (2,3%; 0,2%; 2,2%, respectivamente); b) redução das despesas correntes e investimento (em 0,4p.p e 0,3p.p); c) crescimento dos gastos com programas sociais e previdência (0,7p.p e 1,1p.p); d) elevação do superávit primário em 1,05 p.p. (ALMEIDA; GIAMBIAGI; PESSOA, 2006). Além disso, os superávits obtidos no governo Lula vieram acompanhados por uma elevação da carga tributária que, por sua vez, vem aumentando sucessivamente desde a adoção do Plano Real e, sobretudo, após o acordo com o FMI visando promover um ajuste fiscal permanente. A análise da evolução da carga tributária brasileira, conforme o Tribunal de Contas da União –TCU – (2010)8, indica que houve no período de 1995 a 2007 um aumento de 20,57%, correspondendo a um salto de cerca de 29% em 1995 para cerca 35% em 2007 na composição do PIB. Essa evolução diminuiu apenas no ano de 2009, com uma retração de 1,29%, devido ao contexto de crise econômica. Todavia, o sistema tributário brasileiro não obedece ao princípio da equidade ou de capacidade contributiva compatível com a capacidade econômica dos seus cidadãos, o que acaba por onerar aqueles com menor nível de renda, exigindo deles um esforço tributário maior do que dos cidadãos mais ricos. Por esse aspecto, o sistema tributário brasileiro penaliza mais os contribuintes mais pobres, constituindo uma relação inversa entre os tributos pagos e o nível de renda deste cidadão. Esse quadro regressivo da carga tributária brasileira é composto pela incidência indireta dos tributos sobre o consumo, constituído em 43% da carga tributária, possuindo um peso maior do que os tributos diretos, incidentes na renda e na propriedade, que constitui um percentual de cerca de 28% (BRASIL, 2007). Por conseguinte, no Brasil, os tributos sobre o consumo possuem maior peso que aqueles sobre a renda. Com isso, a população de baixa 8 Conforme Relatório e parecer prévio sobre as contas do Governo da República: exercício de 2009, do Tribunal de Contas da União, disponível em www.tcu.gov.br. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva renda é responsável por financiar o Estado e carregar, sobretudo após acordo do “pacote fiscal” com o FMI, o peso do aumento da carga tributária ao longo dos últimos anos, já que esta possui quase metade de sua composição proveniente dos impostos incididos sobre o consumo (SALVADOR, 2010). Isso significa que há “uma brutal transferência de renda do conjunto da sociedade para o capital financeiro e os rentistas” (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007, p. 29). Em 2006, os serviços da dívida consumiram 34,1% do orçamento federal, enquanto a previdência 26,6% e a assistência social, apenas, 2,7% (BEHRING, 2007). Em relação ao PIB, entre 2008 e 2009 a dívida pública chegou a aumentar R$191,7 bilhões, marcando um crescimento em 5,62% do PIB, que saltou de 37,34% em dezembro de 2008 para 42,96% no final de 2009. A previdência contou com uma variação de 8,6% do PIB para 9,3%, entre os anos de 2008 e 2009, respectivamente. Já a política de assistência social passou por uma evolução no orçamento da União ao longo do período 2005-2009, representando uma evolução de 15,8 a 33,3 bilhões de reais, correspondendo a uma evolução de 0,7% do PIB em 2005 para 1,1% em 2009 (BRASIL, 2010). A tabela abaixo vem ilustrar este contexto, mostrando a tendência no destino dos recursos da Seguridade Social desde o período de 2000 a 2007, para cada uma das políticas. Tabela 1 - Orçamento da Seguridade Social: distribuição de recursos entre as políticas sociais (2000-2007) R$ milhões Políticas de Seguridade social 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Previdência Social 93.407,56 107.544,25 123.218,08 154.477,54 165.509,44 187.799,51 212.965.46 234.374,19 Saúde 20.207,12 23.633,85 25.434,63 27.171,84 32.972,89 36.483,27 40.577,22 45.713,13 Assistência Social 4.442 5.289 6.513 8.416 13.863 15.806 21.555 24.714 Total em R$ milhões correntes 118.120 136.476 155.166 181.066 212.345 240.089 275.097 304.801 Participação em % 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Previdência Social 79,08% 78,80% 79,41% 80,35% 77,94% 78,22% 77,41% 76,89% Saúde 17,16% 17,32% 16,39% 15,01% 15,53% 15,20% 14,75% 15,00% Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 21 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 22 Políticas de Seguridade social 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Assistência Social 3,76% 3,88% 4,20% 4,65% 6,53% 6,58% 7,84% 8,11% Total em % 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% Políticas em % PIB 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Previdência Social 7,92% 8,26% 8,34% 8,53% 8,52% 8,74% 8,99% 9,16% Saúde 1,72% 1,82% 1,72% 1,60% 1,70% 1,70% 1,71% 1,79% Assistência Social 0,38% 0,41% 0,44% 0,50% 0,71% 0,74% 0,91% 0,97% Total em % do PIB 10,01% 10,48% 10,50% 10,65% 10,94% 11,18% 11,61% 11,91% PIB em R$ milhões 1.179.482 1.302.136 1.477.822 1.699.948 1.941.498 2.147.944 2.369.797 2.558.821 Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: Salvador (2010) Os dados apontados revelam que dentro do período abordado, a previdência recebeu a maior parcela de recursos em todos os anos. Entretanto, vale destacar que a maior parte dos gastos com a previdência social é custeada pelas receitas provenientes dos trabalhadores e empresários. Em outro diapasão, percebe-se que ocorre uma redução na participação relativa da saúde no total deste quadro orçamentário, ao passo que a política de assistência social passa por uma ampliação de gastos. Isso ocorre sobretudo a partir de 2004, devido à redução de idade da população idosa (de 67 para 65 anos) para acesso ao Benefício de Prestação Continuada – BPC, e ao aumento de recursos para o principal programa de transferência de renda do governo federal, o Bolsa Família, que tinha no ano de 2005 uma despesa equivalente a 0,21% do PIB, aumentando para 0,36% em 2007 e 0,4% em 2008. Nesse sentido, Druck e Filgueiras assinalaram (2007, p.30) que os gastos sociais que têm maior capacidade de impacto no combate às desigualdades e à pobreza, como saúde, educação, habitação e saneamento, perdem participação relativa no orçamento social. A saúde, por exemplo, obteve certa estabilidade em proporção ao PIB, com uma média de 2% desde o ano de 2005. Apenas no ano de 2009 contou com uma participação de 2,2% do PIB, o que, em parte, pode ser atribuído à estagnação do crescimento do PIB devido ao contexto de crise. Já a habitação e o saneamento contaram com um crescimento pouco expressivo, entre os anos de 2005 e 2009, na Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva ordem de 0,07% para 0,08% em relação ao PIB na habitação, e 0,0% para 0,1 % no saneamento. Contudo, como acima demonstrado, os gastos com a assistência social neste período dobraram, tendo um crescimento considerável em relação ao PIB (BRASIL, 2010). Ainda que se constate a ampliação dos montantes de recursos para o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) desde a sua criação em 1996, este tem tido uma participação tímida no orçamento da seguridade social. Dessa forma, se em 1996 os recursos executados via FNAS correspondiam a apenas 25,7% do total dispendido na função assistência social, no orçamento previsto para 2010 corresponde a cerca de 62% do orçamento previsto para a mesma função, de acordo com a Lei Orçamentária Anual de 2010. Todavia, diante do orçamento previsto para a Seguridade Social, neste mesmo ano, a função Assistência Social corresponde a apenas 9,1%, já o FNAS a 5,5% diante do orçamento previsto para a Seguridade Social em 2010. Cabe lembrar que esta evolução dos recursos destinados ao FNAS tem como responsáveis os programas de transferência de renda, expressados BPC e na Renda Mensal Vitalícia - RMV, executados pelos recursos aportados na Unidade Orçamentária FNAS. Quando se procede a comparação entre os recursos destinados aos principais programas de transferência de renda e às demais ações sociais do MDS, verifica-se que o BPC consome cerca de 52% dos recursos, seguido pelo Bolsa-Família com cerca de 35%. Estes dois programas de transferência de renda concentram 87% dos recursos destinados à população. Os outros 13% dos recursos estão distribuídos entre a RMV, com 4,6%, a proteção social básica e a proteção social especial com 2,3%, PROJOVEM com 0,9%, o PETI com, aproximadamente, 0,7%, no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes com 0,1% e as outras ações do MDS que somadas ficam com somente 4,4%, conforme indica a Lei Orçamentária Anual de 2010. Como se percebe, os gastos com a política de assistência social revelam a consolidação da tendência dos mesmos constituir-se predominantemente nos programas de transferência de renda. Somados os valores destinados a esses programas, constata-se que são responsáveis pela execução de 91,6% do valor total de recursos orçamentados para o MDS. Desse modo, o MDS vem priorizando claramente os programas de transferência de renda para categorias e/ou segmentos em situação de pobreza absoluta, o que lhes atribui o caráter de programas altamente restritos e focalizados. Tal fato torna-se ainda mais grave diante do reduzido investimento nos serviços, programas Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 23 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 24 e projetos de assistência social, o que atribui à política de assistência social caráter residual e de manipulação política. Conforme analisam Filgueiras e Golçalves (2007, p.163): Mais do que o governo Cardoso, que deu início a esse tipo de política, Lula levou a sério a importância política e social dessas despesas, compreendendo sua função amortecedora de tensões no interior do projeto liberal. Este é o objetivo essencial de um programa que não tem capacidade de desarmar os mecanismos estruturais de reprodução da pobreza. Apenas maneja a pobreza, pois mantém em permanente estado de insegurança, indigência e dependência o seu público alvo, permitindo assim, a sua manipulação política. A política social do governo Lula, tal como sua política econômica, é também de natureza neoliberal, coerente com o modelo econômico vigente e serve de instrumento poderoso de manipulação política de uma parcela significativa da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que permite um discurso “politicamente correto” (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007, p. 32). No governo Lula foram combinadas flexibilização e precarização do trabalho e políticas focalizadas e flexíveis de combate à pobreza. Ambas conduzidas pela mesma lógica, qual seja, do curto prazo, do imediatismo inconsequente, de intervenções pontuais e precárias que, para não se contrapor ‘à ordem econômica neoliberal’ e às determinações do Banco Mundial, subordinam-se ao reino da volatilidade, sem mudar e intervir sobre as causas estruturais dos problemas fundamentais da sociedade brasileira” (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007, p. 32). O atual governo brasileiro optou pela continuidade deste modelo econômico de estabilidade monetária e adotou uma política de severidade fiscal que significam um verdadeiro sacrifício social, pois enquanto o gasto social de 2004, por exemplo, foi de R$68,3 bilhões (BOSCHETTI, 2004, p. 3), o superávit primário foi de R$70 bilhões (BOSCHETTI, 2004, p. 3). Ou seja, o governo investiu menos em políticas sociais do que poupou recursos para pagamento dos juros da dívida. Para gerar esta economia, o governo ampliou receitas por meio do aumento de impostos e das reformas tributárias e da previdência, e ainda, por meio do corte de gastos, com a redução de investimentos em políticas e programas sociais. Tal postura ratifica o compromisso com o ajuste fiscal e a manutenção do superávit primário, posicionando-se contra o princípio da universalidade, Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva destacando a focalização nos grupos de menor renda como norteador das políticas sociais. As consequências desse quadro são o baixo crescimento econômico e a continuidade da concentração de renda e riqueza (apesar de alguma distribuição proporcionada principalmente pelo aumento real do salário mínimo e pela influência dos programas sociais que proporcionaram um crescimento da renda mensal do trabalhador de 20% em cinco anos). Essa situação impede a possibilidade de existência da “porta de saída” para a pobreza, visto que a política de assistência social garante direitos socioassistenciais, mas ela não é capaz de construir saídas estruturais para a condição de pobreza. Nesse quadro, efetiva-se a tendência à privatização e assistencialização das políticas sociais, já esboçada por Mota (1995), no início da década de 1990, e atualizada para a conjuntura atual (MOTA, 2008). Esse processo de assistencialização da proteção social brasileira é, então, determinado pela tendência à expansão da política de assistência social, se tornando a principal política de proteção social brasileira, ao passo de um processo de restrição e orientação privatizante das políticas de saúde, previdência e educação. Como se percebe, iniciou-se uma expansão da assistência social como principal política de combate aos agravos cometido pelas medidas neoliberais adotadas no país. Por isso, “se antes a centralidade da seguridade girava em torno da previdência, ela agora gira em torno da assistência, que assume a condição de uma política estruturadora e não como mediadora de acesso a outras políticas e a outros direitos, como é o caso do trabalho” (MOTA, 2008, p. 138). Portanto, a assistência como uma política não contributiva adquire um lugar privilegiado na proteção social brasileira, se tornando a principal política de proteção social do país, denotando um movimento responsável por criar uma nova engenharia da Seguridade Social brasileira (MOTA, 2008). Instala-se uma fase na qual a Assistência Social, mais do que uma política de proteção social, se constitui num mito social. Menos pela sua capacidade de intervenção direta e imediata, (...), e mais pela sua condição de ideologia e prática política, robustecidas no plano superestrutural pelo apagamento do lugar que a precarização do trabalho e o aumento da superpopulação relativa tem no processo de reprodução social. Na impossibilidade de garantir o direito ao trabalho (postulado inexistente na sociedade regida pelo capital), seja pelas condições que ele assume contemporaneamente, seja pelo nível de desemprego, Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 25 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 26 ou pelas orientações macroeconômicas vigentes, o Estado capitalista amplia o campo de ação da Assistência Social ao mesmo tempo em que limita o acesso à saúde e à previdência social públicas (MOTA, 2008, p. 141). Dito de outro modo, há uma nova maneira de tratar a questão social na sociedade brasileira, focando-a enquanto objeto de programas e ações socioassistenciais de combate à pobreza, como orienta os organismos financeiros internacionais. A assistência social se torna, então, o principal mecanismo de enfrentamento da questão social. Devido às mudanças no mundo do trabalho, responsável por modificar o padrão de acumulação capitalista e transformar em números exorbitantes a massa de trabalhadores sem emprego, esta política é revalidada e colocada no centro da proteção social como proposta de combate às expressões da questão social. Assim, a parcela da população que não consegue atender suas necessidades por meio do mercado, torna-se público-alvo da assistência social. Portanto, nitidamente há uma expansão de programas de transferência de renda no Brasil, inscrita no contexto das transformações econômicas, políticas e sociais em curso, que foram responsáveis por engendrar uma ampliação da mercantilização dos serviços sociais, caracterizando numa nova forma de enfrentamento da questão social. Para Pastorini e Galizia (2006), essa expansão dos programas de transferência de renda, pautados na lógica da focalização, é uma das faces do processo de “assistencialização” da proteção social, que tem a privatização da previdência social, saúde e educação como par dialético no processo de inflexão dessa relação entre as políticas permanentes de proteção social e os programas e ações assistenciais. Portanto, como se infere no padrão de proteção social que está constituindo-se, esses programas passaram a receber um aumento de recursos destinados a sua execução, enquanto as políticas permanentes (saúde e educação) passam por estratégias diversas de privatização, redução e desresponsabilidade do Estado, resultando no seu enfraquecimento político e social. Neste contexto, cabe, então, destacar que o Programa Bolsa-Família é a principal estratégia do governo Lula para combater a pobreza e a desigualdade social. Sua proposta de unificação dos programas de transferência de renda, inicialmente restrita à unificação de quatro programas federais: BolsaEscola, Bolsa-Alimentação, Vale-Gás e Cartão-Alimentação, foi lançada pelo Governo Federal no dia 20 de outubro de 2003. Apresentou-se como um programa inovador por se propor a proteger o grupo familiar como um todo Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva e elevar o valor monetário do benefício, além de desconsiderar a hipótese de diminuição da transferência monetária. No entanto, é necessário ter em mente que junto a tal política, precisa-se pensar em uma articulação da transferência monetária com outros programas sociais e com uma política econômica de geração de emprego e renda, de valorização da renda do trabalho e de desconcentração da renda e da riqueza socialmente produzida, o que não se fará sob a orientação neoliberal que continua marcando o desenvolvimento da economia brasileira. Desse modo, o Bolsa Família destina-se a famílias indigentes, com renda per capita familiar de até R$70,00 e a famílias consideradas pobres, com renda per capita familiar de R$70,01 até R$140,00, de modo que o primeiro grupo familiar recebe um benefício fixo de R$68,00, podendo receber mais R$22,00 por cada filho de até 15 anos de idade, no máximo de três filhos, e se tiver filhos adolescentes de até 17 anos, sendo no máximo dois, poderá receber mais R$66,00, podendo atingir o valor de R$200,00 por família. As famílias classificadas como pobres recebem uma transferência monetária variável de até R$66,00, sendo R$22,00 por cada filho de até 15 anos de idade, podendo receber mais R$ 66,00 do benefício variável vinculado ao adolescente. Portanto, o valor total do Programa Bolsa Família pode variar de R$ 22,00 a R$ 200,00, sendo que as famílias têm toda liberdade na aplicação do dinheiro recebido. A unidade beneficiária do Programa é o grupo familiar, preferencialmente representado pela mãe. Nota-se que a fixação da linha de pobreza reduziu de meio salário mínimo per capita para um valor entre R$70,00 e R$140,00. Essa desvinculação da referência ao salário mínimo pode acarretar uma crescente desvalorização do valor adotado para classificação da indigência e da pobreza. Sendo assim, devido à ênfase dada nas relações de mercado, o reconhecimento da pobreza passou a ser representado por uma noção minimalista, resumindo-se apenas na averiguação da renda familiar, objetando seu entendimento como aspecto essencialmente estrutural, complexo e multidimensional (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004; SILVA, 2008). O corte de renda proposto, não representa nem de longe o número real de pobres que existem no país, e promove uma eleição dos mais pobres entre os pobres, estipulado por uma chamada linha de pobreza que compara os pobres, discriminando os que são miseráveis e os que são considerados pobres. Para Yazbek (2004) esse corte do público beneficiário pela linha de pobreza tem conotação discriminativa e fragmentada, levando a uma exclusão de famílias e pessoas que também estão em condições de pobreza e vulnerabilidade. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 27 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 28 Dito de outro modo, a linha de pobreza estipulada pelo Bolsa Família representa uma maneira de reduzir o número real de pobres, visto que definese como critério de acesso um corte de renda minimalista que visa atender prioritariamente àquelas pessoas em condições de extremas carências. Por isso, os critérios de elegibilidade do Programa utilizam-se dos famosos testes de meios para classificar a população pobre, forçando-a a comprovar sua pobreza para ter acesso a esse tipo de assistência do Estado. Pereira (1998) afirma que esta estratégia é marcada por um vício do passado na política de assistência social, quando houve a incorporação do princípio de menor elegibilidade criado no século XIX pelos liberais. Para tanto, de acordo com este princípio, a prestação de um serviço ou o acesso a um benefício guia-se por uma “linha achatadíssima de pobreza”, primando pela focalização extrema e reduzindo a demanda ao benefício, impossibilitando, então, o acesso dos assalariados pobres a ele. Portanto, constata-se que os maiores limites quanto a esta política de assistência social pautada nos programas de transferência de renda caracterizados acima são: o baixo montante das transferências monetárias a famílias vivendo em extrema pobreza; a fragmentação de programas de iniciativa municipal, estadual e federal; a não vigência destes programas com uma política macroeconômica de distribuição de riqueza socialmente produzida9 e de geração de emprego e renda faz com que esses programas cumpram uma função meramente compensatória. Assim, “os programas de transferência de renda precisam ser, sobretudo, articulados a uma política econômica superadora do modelo de concentração de renda e desvinculada de um esforço de geração de emprego e renda adotada ao longo da história brasileira” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004: 216). Além disso, deve-se considerar também a articulação dessa política com as demais políticas sociais básicas (saúde, trabalho, educação), o que na maioria dos casos, não ocorre. Para que esse quadro possa ser revertido, devem-se apresentar propostas que priorizem e democratizem os programas e serviços sociais básicos, o que significa alterar o quadro conjuntural contemporâneo, dando lugar a uma política de crescimento econômico, de geração de emprego e de distribuição de renda. Assim, no quadro de crescimento econômico, ainda reduzido, precarização e instabilidade do trabalho, desemprego, rebaixamento do valor 9 (...) há de se considerar que a causa fundamental da pobreza no Brasil é a desigualdade na distribuição da renda e da riqueza socialmente produzida mais do que a incapacidade de geração de renda (SILVA et alii, 2004: 202). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva da renda e do trabalho, não enfrentamento das causas da desigualdade, frutos do ajuste econômico preconizado pelo ideário neoliberal, a grande questão que se coloca é: quais as potencialidades da Política Nacional de Assistência Social? Quais seus principais entraves e consequências? São estas questões a serem abordadas nas próximas seções. 3 Contratendências da Política de Assistência Social do Governo Lula Apesar da política de assistência social do Governo Lula se estruturar como contraface da política econômica neoliberal implementada, não podemos perder de vista que o processo de assistencialização, no que se refere à expansão da política de assistência social, permitiu que forças democráticas interviessem nesse contexto e elaborassem uma proposta que incorporava elementos democráticos previstos na Constituição Federal de 1988 (CF-1988) e na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Nesse sentido, consideramos que os aspectos mais significativos implementados pelo Governo Lula no campo da assistência social foram: o fim do Programa Comunidade Solidária e a rearticulação do Conselho Nacional de Assistência Social; a unificação dos programas de transferência de renda no denominado Bolsa Família, que em maio de 2006 “estava implantado em 99,9% dos municípios brasileiros, beneficiando 11,118 milhões de famílias, atingindo, portanto, quase 47 milhões de brasileiros” (MARQUES; MENDES, 2007, p. 20); a centralização das ações da política de assistência social no Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome; e, por fim, a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em setembro de 2004, consubstanciando as diretrizes da IV Conferência de Assistência Social (PNAS), que teve como principal deliberação a implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Conforme destacam Almeida et alli (2008, p. 69): Sem dúvida alguma, estes avanços foram conquistados pela luta infatigável das organizações democráticas da sociedade civil - que, desde a era FHC, vêm criticando a condução da política de assistência social -, aliada às ações de gestores [...] que se encontravam comprometidos com a implementação da Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 29 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 30 LOAS e não com o desenvolvimento de uma política focalista, fragmentada e “filantropizada”, características típicas da orientação no período 1994-2002. Desses aspectos que consideramos efetivos avanços na área da assistência social, sem dúvida alguma, a PNAS, na perspectiva do SUAS e, em seguida, a aprovação de suas normas operacionais básicas (NOB-SUAS e NOB-RH), realizadas após um amplo processo de debate, via conselhos, definindo, como destaca Sposati (2006), uma nova ordenação da gestão da assistência social como política pública, configuram-se como a expressão mais avançada da política de assistência social hoje em voga. O SUAS implanta uma lógica de organização das ações sócioassistenciais. Seu foco de atendimento é a família, seus membros e indivíduos em seu território de organização. Além disso, ele é estruturado, de acordo com a complexidade, em serviços de proteção social básica ou especial. Os serviços de proteção social especial têm como função prioritária proteger as famílias, seus membros e indivíduos onde seus direitos fundamentais se encontrem violados, mantendo, ou não, os vínculos e/ou laços de pertencimento. Já os serviços de proteção social básica têm como função prioritária [...] promover atenção às situações de vulnerabilidade apresentadas e prevenir situações de potencial risco pessoal ou social, contribuindo para a inclusão social e a autonomia das famílias, seus membros e indivíduos, bem como para a redução dos índices de eventos (BRASIL, 2004, p. 12). O equipamento que organiza, coordena e executa os serviços de proteção social básica da política de assistência social é o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS. Conforme destaca Sposati (2006), o SUAS reforça alguns preceitos contidos na LOAS, tais como: universalização do sistema com fixação de níveis básicos; territorialização de rede de assistência social, através da oferta de serviços baseada na proximidade e necessidades locais; além da descentralização político-administrativa com comando único. Em suas diretrizes de implementação, o referido sistema padroniza os serviços (nomenclatura, conteúdo, padrão de funcionamento), define e reconhece a competência de cada ente federado (co-gestão das ações), integra os objetivos, ações, serviços, benefícios, programas e projetos por meio de organização em rede; substitui o paradigma assistencialista pelo de proteção social; Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva estabelece pisos de financiamento para proteção social básica e especial; além de respeitar a transferência via fundos, com aplicação autônoma de recursos nos municípios. A PNAS aponta ainda alguns instrumentos democratizadores de gestão, como o caráter democrático da constituição e avaliação do plano; o caráter democrático de construção, aprovação e gestão do orçamento, a publicização da informação; a proporcionalidade de recursos no fundo e no órgão gestor da função programática 8 (assistência social); a dispersão/concentração dos recursos desta função entre os órgãos que compõem a gestão municipal ou estadual e o exercício do comando único por órgão gestor. A tecnologia de informação constituída pela Rede SUAS também é um dos avanços advindos com a atual PNAS, pois nos possibilita fazer uma leitura das ações federais na área de assistência social, até então inexistente, permitindo uma melhor apreensão a respeito de sua gerência. A PNAS, ao destacar a participação da sociedade civil tanto na execução dos programas através das entidades beneficentes e de assistência social, como na participação, formulação e controle das ações em todos os níveis, reforça que a perspectiva democrática, com centralidade no papel do Estado, deve orientar a relação entre o poder público e as organizações da sociedade civil que atuam no campo da assistência, evitando a manutenção de uma articulação de cunho neoliberal que promove a desresponsabilização do Estado na área social. No entanto, como verificamos na seção anterior, a pedra angular da política de assistência social do governo Lula é a política de transferência de renda, principalmente a desenvolvida através do Programa Bolsa Família, que apesar de ter tido o mérito de unificar e racionalizar as ações dispersas nessa área o fez a partir de uma orientação tipicamente focalista, conformando um conteúdo classicamente neoliberal. Nesse sentido, se por um lado a PNAS/SUAS representa um avanço democrático da concepção e do desenho institucional para a operacionalização da política de assistência social brasileira, por outro lado, esse avanço está subordinado à lógica neoliberal da política econômica e da estrutura efetiva da política de assistência social do Governo Lula. Dessa forma, a PNAS/SUAS não possui condições objetivas para sua efetivação, podendo, inclusive, servir à proposta antagônica de política de assistência social, fundada na perspectiva neoliberal. Analisar esse processo é tarefa da última seção do presente trabalho. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 31 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 32 4 Contradições e Adversidades na implementação do SUAS Como vimos anteriormente, os gastos com a política de assistência social revelam a consolidação da tendência da mesma constituir-se predominantemente nos programas de transferência de renda. Segundo dados apresentados por Behring (2009), entre 2006 e 2008, dos recursos do MDS, aproximadamente 90% foram destinados a esses programas. Se levarmos em conta, a partir dos dados orçamentários já explicitados, que o Programa Bolsa-Família atende a 13 milhões de famílias aproximadamente. Considerando que cada família seja constituída por cerca de quatro pessoas e que este público (52 milhões de pessoas) será atendido nos Centros de Referência de Assistência Social - CRAS, somado ao fato de que a verba disponibilizada para a implantação do SUAS é cerca de R$3.177.100.02310, teremos um valor em torno de R$61,00 para atendimento per capta por ano. Ou seja, cerca de R$5,00 per capta/mês para implementação do SUAS. O que ratifica a informação da então Secretária Nacional de Assistência Social11 de que a cobertura do SUAS significa, apenas, 5% da cobertura atingida pelo programa bolsa família. Nesse sentido, a PNAS/SUAS pode reforçar a tendência de assistencialização e re-filantropização da assistência social. Assim sendo, consideramos que a expressão da assistencialização das políticas sociais no campo assistencial realiza-se através dos Programas de Transferência de Renda, em especial do Programa Bolsa Família. Ou seja, a PNAS/SUAS sofre os mesmos constrangimentos relacionados à assistencialização e privatização que as demais políticas sociais sofrem, podendo, inclusive, servir a uma proposta antagônica à sua concepção. Até o presente momento, pode-se constatar que historicamente a assistência social foi marcada por características como: assistencialismo, Dado obtido a partir do cálculo da verba total destinada ao MDS/FNAS em 2010 de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA, nº 12.214/2010) (Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Legislacao/Leis/100126_ lei_12214.pdf ) que, somados, dão um montante de R$38.926.287.018, sendo que cerca 91,6% deste montante (R$35.749.187.195) destinam-se aos Programas de Transferência de Renda. Assim, supõe-se que o restante, 8,4% dos recursos, sejam destinados a todos os programas sociais e à implementação do SUAS. Palestra proferida na FSS/UFJF. 10 11 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva filantropia, descontinuidade, pulverização, financiamento ineficiente, inexistência de critérios impessoais e racionais, com gestão e controle fragmentados etc (MESTRINER, 2001; OLIVEIRA, 2003). A partir da regulamentação da Lei Orgânica de Assistência Social, algumas concepções ganharam relevância no debate acerca dessa política, tais como: a prioridade no atendimento, universalidade, definição de fontes, critérios de aplicação de recursos, descentralização, controle, dentre outros. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é o responsável, na atualidade, pela articulação em todo território nacional das responsabilidades, vínculos e hierarquia do sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério de universalidade e de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil. No entanto, as condições objetivas para a implementação do SUAS estão postas: prioridade ao pagamento dos juros e serviços da dívida, com elevação do superávit primário; foco no controle da inflação (conseguido através do aumento dos juros); redução dos gastos públicos da área social; pouco investimento em infraestrutura, saneamento básico, saúde, educação; programas sociais altamente focalizados e excludentes; altas taxas de desemprego; índices elevados de violências; dentre tantos outros fatores. Então, levando-se em consideração este conjunto de dados, quais as principais consequências para a implementação da PNAS/SUAS? E qual seu significado para o desenvolvimento da política pública de assistência social? Em primeiro lugar, cabe destacar que sendo a preocupação estrutural da PNAS/SUAS a sustentabilidade da família para que ela possa “prevenir, proteger, promover e incluir seus membros”, a política econômica atual vai de encontro a esta formulação, na medida em que seu foco privilegiado tem sido a manutenção da hegemonia do capital financeiro expressa através da política macroeconômica de elevação de juros, câmbio flutuante e controle inflacionário ortodoxo, não priorizando a geração estrutural de emprego e renda, numa perspectiva de distribuição de riqueza. Conforme destacam Almeida, Giambiagi e Pessoa (2008, p. 73) Garantir a sustentabilidade da família é o grande desafio para a implantação e consolidação do SUAS. No entanto, esta garantia não depende da política de assistência, mas, sim, das condições econômicas que possam vir a possibilitar Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 33 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 34 ou não a sustentabilidade dessas famílias. Uma política econômica que não privilegia essa sustentabilidade para que a família tenha condições de desempenhar suas funções, impõe limites para a efetividade da Política de Assistência Social. Este é o quadro atual. Nesse quadro, onde não se efetiva a sustentabilidade da família para viabilizar a proteção de seus entes e os recursos para os serviços socioassistenciais são extremamente restritos, a tendência é de se desenvolver no país, a partir da estruturação dos Centros de Referência de Assistência Social, uma dinâmica de política social que a literatura tem descrito como “pluralismo de bem-estar”. Segundo Abrahamson (2004, p. 111), pluralismo de bem-estar ou economia mista de bem-estar consiste em um novo consenso em torno da política social alcançado na maioria da Europa e na sociedade moderna. Pereira (2004, p. 136-137) sintetiza com propriedade a configuração desse sistema: “em vez da prevalência de relações hierárquicas, em que o Estado assumia o protagonismo, seriam instituídas relações horizontais em que esse Estado passaria a fazer parte de um esquema plural ou misto na condição de co-responsável ou parceiro”. O pluralismo de bem-estar expressa, na verdade, o processo de desresponsabilização do Estado que tem ocorrido na área social. Conforme desenvolvem diferentes analistas, o pluralismo “é tratado como modo específico de implementação da privatização de medidas de bem-estar público, antes estabelecidas, com efeitos negativos em termos de redistribuição e qualidade” (ABRAHAMSON, 2004, p. 112). Ou seja, no pluralismo de bem-estar, o Estado tem um menor domínio da política social, reduzindo seu papel e incentivando outros setores para o provimento da política. Com isso, a responsabilidade pelo bem-estar é dividida em quatro setores-chave: o informal, que é entendido pelos pluralistas como o setor que provê “assistência por parte dos grupos primários de pertença dos indivíduos, como a família, os amigos próximos e os vizinhos”); o voluntário, que se distingue do informal pelo fato de “apresentar maior organização e formalidade, embora não seja homogêneo”; o comercial ou mercantil, que “é o único lócus onde todos podem livremente expressar suas preferências na condição de consumidores”; e o oficial, que é “identificado com o Estado, ou mais especificamente com os governos (PEREIRA, 2004, p. 139-140). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva No quadro de restrições de recursos para a implementação/expansão dos serviços previstos na PNAS, porém, com a pressão para os municípios constituírem os Centros de Referência de Assistência Social, visando estruturar a “porta de entrada” do sistema e mapear os diferentes tipos de serviços existentes na territorialidade de sua abrangência, podemos vislumbrar que os profissionais localizados no CRAS terão conhecimento da gama de ações “informais” e “voluntárias” que, na ausência de serviços “oficiais”, servirão para atender as demandas que chegarão ao sistema de assistência social. Dessa forma, a ausência de retaguarda institucional de serviços de assistência social possibilita a estruturação do “pluralismo de bem-estar”, na medida em que serão incorporadas a rede informal e a rede voluntária como provedores de serviços. Essa situação ratificará a precariedade da infraestrutura dos serviços de assistência social e manterá a precariedade das condições de trabalho dos profissionais da área. Assim, a política de assistência social segue cada vez mais para o caminho do pluralismo de bem-estar. O Estado faz parcerias com outros setores para atender as necessidades dos seus usuários, na medida em que ocorre uma prioridade de investimento nas políticas de transferência de renda e, por conseguinte, um insignificante financiamento no restante da política de assistência. A focalização é outro fator preocupante da política de assistência social na atualidade, uma vez que o público alvo do atendimento deve estar dentro dos critérios de vulnerabilidade apresentados na NOB/SUAS. Esses critérios podem levar a política de assistência social a ser minimalista, onde são atendidos apenas os que se encontram em situação de extrema pobreza, o que seria um retrocesso da assistência e não um avanço (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007). Ademais, o público alvo prioritário de atendimento são aquelas famílias que pertencem ao Programa Bolsa Família e/ou ao BPC. E, como se viu, estes programas apresentam critérios de elegibilidade restritos e focalizados. Isso faz com que se elejam os mais pobres dos pobres para serem atendidos, colocando aqueles “quase-pobres”, ou pouco pobres, fora da proteção social, o que pode acabar fazendo com que mais adiante esse grupo venha a trocar de papéis com os que foram atendidos, tornando a política social cada vez mais perversa (THEODORO; DELGADO apud DRUCK; FILGUEIRAS, 2007, p. 33). Outra questão que merece destaque diz respeito ao foco do atendimento na família, pois as políticas sociais sempre foram desenvolvidas de forma Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 35 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 36 setorizada: criança, adolescente, adulto, idoso etc. Embora esse foco possa ser considerado um avanço, na perspectiva da não fragmentação da política, temos que atentar para a seguinte questão: [...] se essa centralidade da família vem ao encontro da perspectiva neoliberal de elegê-la para que essa possa assumir o papel de provedora do bem-estar de seus membros, como fonte privada de proteção social, ao mesmo tempo em que se constitui como instrumento de controle social, ou se vem dentro da perspectiva de estruturação das ações a partir da ótica da articulação e integração das políticas públicas (CAVALCANTI, 2007, p. 66). Deve-se alertar também para o modo como a família está sendo focada nesses programas, se estão considerando as particularidades de cada grupo familiar, viabilizando igualdade de acesso aos benefícios das políticas públicas a todos os cidadãos. Já que o que se tem visto nos programas são ofertas de pacote de serviços e benefícios pré-estabelecidos que são implantados por todo país sem levar em consideração “as diferenças regionais, locais e as reais necessidades dos diferentes grupos familiares e que dependem ainda da capacidade instalada em cada localidade para garantir de fato a oferta dos serviços e benefícios previamente propostos” (CAVALCANTI, 2007, p. 67). Alguns organismos internacionais, como ressalta Mioto (2004, p. 44), destacam a necessidade da importância da família como um lugar onde o indivíduo busca condições materiais de vida, de pertencimento na sociedade, de construção de identidade etc. Diante de tal perspectiva, percebe-se que foi instaurada uma cultura “assistencialista no âmbito das políticas e dos serviços destinados a dar sustentabilidade à família como unidade”, em que tais políticas se fundam na premissa da existência de dois canais para satisfação das necessidades dos cidadãos: o mercado (via trabalho) e a família. Somente quando esses canais falham é que o Estado intervém. Na medida em que for reforçada a concepção de que a família deve assumir provimento de bem-estar em detrimento de uma estrutura pública-estatal, estará sendo fortalecido o setor “informal” do “pluralismo de bem-estar”. A diretriz que utiliza a PNAS/2004 com centralidade na família para concepção e implementação de projetos, serviços e benefícios, visando através da assistência social garantir a convivência familiar e comunitária, pode, portanto, convergir com a desresponsabilização do Estado conforme a estratégia do pluralismo de bem-estar. Embora, como acima apontado, possa ser considerado um avanço a perspectiva matricial da família presente na política de assistência social, é Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva importante destacar que sua incorporação não está alheia a projetos distintos de proteção social, e mesmo societário. Por isso, a NOB/SUAS, diante das condições objetivas postas pela dinâmica socioeconômica brasileira, ao incorporar a família como primazia das ações da assistência social parte de uma concepção “familista” coerente com o modelo neoliberal (CAMPOS; MIOTO, 2003). Portanto, cria-se uma expectativa da capacidade protetora da família com caráter substitutivo e decisivo para acesso aos direitos sociais em lugar da obrigação do Estado. Diante do ocultamento dos determinantes sóciohistóricos, das determinações da contradição de classe, e das expressões da desigualdade na demanda da assistência social, a atenção à família, de certa forma, passa a ser entendida como uma via de superação das expressões da questão social, podendo despolitizar o debate sobre as categorias centrais do capitalismo (TEIXEIRA, 2009). Portanto, como demonstrado neste trabalho, infere-se que o pouco investimento nos serviços deixa o atendimento social às famílias dependente do trabalho voluntário e do setor informal do pluralismo de bem-estar, como já destacado. Tal fato ratifica o caráter privatista, coerente com a estratégia da assistencialização, da proteção social brasileira. Por este prisma, como concluiu Paiva et al. (2009), essa matricialidade sociofamiliar, formulada de maneira quase mágica na política de assistência social brasileira busca reconhecer o grupo familiar como referência afetiva e moral. No entanto, extrai as relações sociais do contexto histórico, contraditório e dialético no qual se inserem os sujeitos, e resulta num comportamento conservador da política social, que deve servir para trabalhar a conduta das famílias. Assim sendo, para que se constitua uma política social que fortaleça a família, é necessário que se ofereça serviços sociais universais, em quantidade e qualidade, sistemáticos e continuados, que garantam direitos. Isso requer uma requalificação dos recursos dirigidos à oferta dos serviços propostos pela política de assistência social. Portanto, a família deve ser focada no sentido do potencial que ela apresenta na “construção de um sistema de proteção social propriamente dito e para que a assistência, em particular, possa assumir efetivamente seu caráter transversal e sua função agregadora às demais políticas sociais” (CAVALCANTI, 2007, p. 69) e não como forma de desresponsabilizar o Estado, tornando a proteção social privada e/ou de responsabilidade exclusiva da família. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 37 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 38 Outro desafio na implementação do SUAS está calcado na cultura política do país fortemente centralizadora, confirmada pela NOB/2005. Em outros termos, uma restrição para a implementação efetiva do SUAS está na invasão da autonomia dos entes federados representados pelos estados e municípios, devido ao caráter centralizador na proposta do SUAS ao recomendar uma padronização e regulação dos serviços socioassistenciais em todo o território nacional sem favorecer o pacto federativo na direção de uma gestão pautada na autonomia partilhada entre as esferas do governo. Portanto, as ações propostas pelo SUAS constituem relações hierarquizadas, cuja finalização da política fica restrita ao âmbito municipal. Isso impede a real descentralização e municipalização da política de assistência social, conduzindo os municípios a, na prática, não conseguir converter os programas e recursos federais em políticas municipais de acordo com as prioridades e demandas locais. Portanto, o SUAS com sua normatização atual não oferece condições para inovação na cultura política centralizadora do país com vistas ao protagonismo dos entes federados. Por isso, o papel dos estados acaba sendo esvaziado na sua responsabilidade social, se tornando segundo plano no SUAS. Conforme Carvalho (2006), sem uma explicitação do papel do estado na condução da política de assistência social não há descentralização, nem fortalecimento do pacto federativo. Por isso, ao estado é delegado funções secundárias que ora assume o papel de operar serviços de alta complexidade, ora atua apenas como capacitador de recursos humanos. Outra dimensão a ser destacada em relação à efetivação da PNAS/ SUAS numa perspectiva democrática, refere-se, conforme Sposati (2006, p. 115) sublinha, à exigência de requisitos que o ingresso da assistência social na condição de política pública demanda: • • • • ser planejada – o que exige o conhecimento prévio da realidade através da função de vigilância social, conhecendo demandas e necessidades, construindo metas; ser orçamentada – o que supõe o desenvolvimento da tecnologia de orçamentação na assistência social o que é muito mais do que definir percentuais de gastos anuais; dispor de um quadro de trabalhadores permanentes e capacitados para o exercício de suas funções; desenvolver tecnologia de gestão democrática e participativa; Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Cássia Pacheco Golvea Antinareli | Carla Alves de Paula | Wesley Helker Felício Silva • ser avaliada – o que indica a necessidade da discussão dos resultados e de seus indicadores, o que é muito mais do que constatar o número de atendimentos dia, mês ou ano sem avaliação do conteúdo desses atendimentos e da qualidade de respostas que contêm. No entanto, cabe ressaltar que para a implementação da política de assistência social publica e democrática, o principal empecilho a ser enfrentado é a política econômica desfavorável ao financiamento das políticas sociais, na medida em que prioriza o pagamento de juros da dívida visando o atendimento das necessidades do capital financeiro. Podemos concluir que a busca pela efetivação e a reafirmação da assistência social como política pública de responsabilidade estatal e direito de cidadania é um dos desafios a ser enfrentado para o processo de democratização. Neste aspecto, faz--se essencial a retomada do papel dos movimentos sociais e da participação das organizações democráticas da sociedade civil na luta pela defesa da democracia e da cidadania, de uma forma geral, e, especificamente, no campo da defesa de políticas sociais públicas universalistas, se se pretende algum avanço democrático neste cenário. 5Conclusão Conforme vimos, se por um lado a PNAS/SUAS representa um avanço democrático da concepção e do desenho institucional para a operacionalização da política de assistência social brasileira, por outro lado, esse avanço está subordinado à lógica neoliberal da política econômica e da estrutura efetiva da política de assistência social do Governo Lula, baseada nos programas de transferência de renda. Dessa forma, a PNAS/SUAS não possui condições objetivas para sua efetivação. Assim sendo, consideramos que a expressão da assistencialização das políticas sociais realiza-se através do Programa Bolsa Família. Nesse quadro, a implementação do SUAS nos estados/municípios pode, de forma geral, caminhar em, pelo menos, dois sentidos, opostos entre si: reforço da dimensão democrática prevista na PNAS/SUAS ou, então, seguir como estratégia de controle e fiscalização dos critérios de elegibilidade e das condicionalidades previstas no PBF e consolidar o “pluralismo de bemestar” na área, reiterando a assistencialização da assistência social. Tanto uma possibilidade quanto a outra sofrerão com a ausência de recursos, ratificando a precarização da política de assistência social. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 39 Política de Assistência Social no contexto neoliberal: desafios da implementação do SUAS 40 Podemos, então, afirmar sintetizamente, que os desafios para a efetivação do SUAS se apresentam em três principais dimensões: a) combinar a luta imediata de implementação do SUAS (consolidação do desenho e expansão dos serviços) com a luta por uma política econômica voltada para o desenvolvimento econômico com distribuição de renda e riqueza (luta a ser desencadeada na sociedade civil e nos espaços públicos; conferências, conselhos...); b) qualificar, do ponto de vista técnico e político os atores para enfrentar o desafio da luta pela implementação SUAS, através do reforço de seus aspectos democráticos; e, por fim, mas não menos importante, c) criar metodologias de trabalho socioassistencial, conforme destaca Paiva (2006), que promovam a efetiva participação da população no campo da assistência, especificamente, mas que propicie o engajamento da população na luta política mais ampla. Só assim poderemos contribuir para que a implementação da PNAS/SUAS caminhe na perspectiva de seu desenho democrático e numa efetiva política redistributiva. Nesse quadro, o processo social, político e cultural de implementação do SUAS nos municípios, a gestão pública efetivada e a intervenção do assistente social nesse contexto, passam a ter um grande significado na medida em que, dependendo das condições existentes e da orientação desenvolvida na intervenção social, pode-se tensionar a implementação da política de assistência social no sentido de contribuir com a luta pela ampliação das condições para que ela se efetive no sentido democrático preconizado pelos parâmetros presentes na PNAS/2004. Assim, a questão que se coloca é: quais as potencialidades da implementação do SUAS nos municípios em termos de sua gestão, da mobilização das organizações da sociedade civil e da intervenção profissional do assistente social? São estas questões que serão abordadas nas próximas seções. 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Assim, a administração pública, para implementar políticas públicas, no geral, e políticas sociais, especificamente, orientadas para a finalidade de ampliação de direitos, necessita estar estruturada de forma adequada para atingir o fim proposto. Professor Adjunto da Faculdade de Serviço Social/UFJF, Doutor em Serviço Social/UFRJ Graduanda em Serviço Social/UFJF, Bolsista de Iniciação Científica. 1 2 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 46 Portanto, considerando essa perspectiva, cabe indicar que a possibilidade de pensarmos a ampliação de direitos sociais, via políticas sociais, inserida no processo de acúmulo de forças para construção de uma sociedade emancipada, implica, também, a possibilidade de concebermos a questão da administração de tais políticas no campo do fortalecimento do processo de democratização. Dessa forma, partimos da concepção que para desenvolver uma “gestão pública” voltada para efetivar a expansão de direitos sociais, apesar de não ser suficiente, não podemos prescindir de um Estado forte na área social e burocracia estruturada, principalmente na dimensão de sua racionalidade (SOUZA FILHO, 2011). No entanto, a estruturação de um Estado com fim voltado para a universalização de direitos e, em consequência, uma ordem administrativa burocrática que efetive essa finalidade, depende da existência, na sociedade, de uma hegemonia nessa direção. Sendo assim, em última instância, as determinações para uma efetiva reforma democrática da administração estão localizadas no tipo de formação social do capitalismo brasileiro e em nossa estrutura de dominação, portanto, não serão medidas técnicas que irão transformar a ordem administrativa brasileira. E, na medida em que não foi gestada uma saída democrática para a crise dos anos 1980, a reforma administrativa sofre os constrangimentos da opção neoliberal da política econômica e social adotada a partir da década de 1990. Assim, a possibilidade de atuação, visando mudanças administrativas numa perspectiva democrática, restringe-se. Antes de concluirmos a perspectiva de análise proposta, convém explicitarmos, brevemente, como interpretamos a dinâmica de desenvolvimento da administração pública brasileira. 1.2 Gênese e desenvolvimento da administração pública brasileira O patrimonialismo, a partir da origem ibérica e centralizadora (FAORO, 2004), combina-se com a estrutura “patriarcal” colonial (PRADO JÚNIOR, 1981), fortalecendo essa lógica de dominação tanto a partir da superestrutura estatal, quanto da organização do poder local. A neófita burocracia brasileira será desenvolvida a partir da necessidade de especialização e racionalidade instrumental capitalista, porém, evitando a impessoalidade Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira como critério para a composição de seus quadros, reforçando, dessa feita, a lógica patrimonialista de recrutamento baseada na lealdade pessoal. Esse amálgama é consolidado na República Velha, através da organização política descentralizada e da ausência de participação das classes subalternas na estrutura de poder, para viabilizar o projeto nacional da economia agroexportadora capitalista, conduzido pelas oligarquias agrárias, sob hegemonia da oligarquia cafeeira paulista. Esse é o cenário que se inicia na Independência, consolida-se com a Proclamação da República e encontra seu esgotamento no final da República Velha, quando entra em crise a economia exportadora capitalista e a hegemonia da oligarquia cafeeira, o que projeta um novo objetivo político: a industrialização e urbanização do país. Assim sendo, no contexto do projeto desenvolvimentista de expansão capitalista, Fiori (1995, p. 27) apresenta uma síntese consistente sobre o ordenamento estatal e sua ordem administrativa: O Estado, mormente o seu setor produtivo e financeiro, estabelece uma relação corporativa com o empresariado nacional, protegendo seu lucro relativo, aumentando o potencial de acumulação e absorvendo o custo desta expansão. A administração pública, através de suas agências previdenciárias e múltiplas instâncias administrativas, dispensa serviços sociais e cria vínculos empregatícios absorvendo, na dinâmica estatal, parcelas cada vez maiores da população economicamente ativa. Com a negociação salarial dos pólos mais dinâmicos da indústria, processava-se, de forma individualizada em acordos de empresas, os conflitos salariais e redistributivos, que perdiam seu potencial político; ou melhor: tinham limitado o potencial de difusão, o que, por sua vez, permitia que as atividades de bem-estar do Estado se processassem clientelisticamente, embora sem o vigor das negociações corporativas. Para completar esse quadro, lembremos que o projeto de expansão capitalista, de sua fase restringida até a consolidação monopólica, orientou-se sob o signo da “dupla articulação” (FERNANDES, 1981) e da incorporação seletiva e parcial das camadas populares. Portanto, a relação arcaico-moderno aparece também na configuração do Estado brasileiro e da sua direção política, assim como na estruturação de sua máquina estatal. Sendo assim, a configuração do Estado e de sua máquina pública vão expressar essa hegemonia. Do ponto de vista do Estado, as classes dominantes (agrário e industrial) garantirão a reprodução da ordem, incorporando Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 47 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 48 setores populares de acordo com a pressão existente e com a importância para a acumulação. Para implementar as ações do Estado, combinam-se, dessa forma, elementos “novos” (burocráticos) e “arcaicos” (patrimonialistas) como forma de garantir a estrutura de dominação existente. Portanto, a ordem administrativa é composta de uma imbricação entre a dimensão patrimonialista e a burocrática que, dialeticamente, são funcionais, do ponto de vista estrutural, para a operação de dominação presente. Por um lado, é necessário planejar a industrialização desde sua fase restringida até a consolidação monopólica. Para isso, necessita-se de um quadro administrativo especializado e profissional, assim como certas regras e normas bem definidas, ou seja, necessita-se de burocracia. No entanto, esse planejamento deve garantir a manutenção da concentração de renda, propriedade e poder das elites dominantes, por isso essa burocracia deve criar canais de comunicação com as elites empresariais. Tal planejamento, portanto, não deve incorporar, substantivamente, os interesses das classes trabalhadoras. Simultaneamente a esses mecanismos, a máquina estatal também abrigará um espaço para a continuidade da influência da elite tradicional nas diferentes questões a serem debatidas e na garantia da reprodução de sua fatia de domínio político. Dessa maneira, a lógica patrimonialista se apresenta como necessária – todavia deixando de ser hegemônica - para a manutenção da estrutura de dominação da sociedade brasileira. Desse modo, o patrimonialismo não se apresenta como um elemento de atraso que deve ser superado para o desenvolvimento do país. Ele é uma determinação central do nosso modelo de desenvolvimento capitalista, não sendo um obstáculo para tal. A lógica dialética de Oliveira (2003) e Cardoso de Mello (1998) ajudam a desvelar a não dualidade da ordem administrativa. Patrimonialismo e burocracia se imbricam como estruturas de poder e estilos de dominação necessários para a particularidade do desenvolvimento capitalista brasileiro. A manutenção do processo de relações de produção não-capitalista (na agricultura e no setor terciário) se desenvolve sob uma estrutura de poder tradicional que exige uma ordem administrativa tradicional não-capitalista, ou seja, patrimonialista. No entanto, como a manutenção dessas relações de produção são necessárias para a acumulação capitalista brasileira, a estrutura global de poder deve incorporar as classes dominantes tradicionais. O Estado, então, ao expressar essa coalizão de classes para conduzir a Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira expansão e consolidação capitalista, precisa contemplar os diferentes tipos de dominação e as diferentes lógicas administrativas (dominação racional e burocracia e dominação tradicional e patrimonialismo) que compõem essa estrutura de poder. Dessa forma, a ordem administrativa brasileira vai ser uma imbricação de patrimonialismo e burocracia, não por uma dualidade entre o “arcaico” e o “novo”, mas sim pela necessidade de ter uma ordem administrativa adequada à lógica de dominação e à estrutura de poder forjada por nossa “revolução burguesa”. 1.3 Neoliberalismoecontrarreformaadministrativa No contexto da redemocratização brasileira, abre-se pela primeira vez no cenário nacional a possibilidade de maior incorporação dos interesses da classe trabalhadora na estrutura de poder. Os anos de 1980 e início dos anos 1990 se apresentam como um período de forte disputa hegemônica entre dois projetos: liberal-corporativismo e democracia de massa (COUTINHO, 1992). Mesmo sofrendo as influências internacionais, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista político – em um contexto hegemonizado pelo pensamento neoliberal direcionado para a programática de apoio à internacionalização da economia e para a crítica à intervenção do Estado na área social – a década de 1980, no Brasil, expressou a resistência ao alinhamento imediato a esse ideário. Essa resistência contou efetivamente não apenas com o fortalecimento dos setores democráticos da sociedade civil, mas também com certo receio das classes dominantes em abrir mão do apoio do aparato público estatal para a manutenção de seus privilégios, que poderia advir de uma política pautada na refuncionalização do Estado, e sua consequente redução, para efetivar um projeto radical de transnacionalização econômica. A Constituição Federal de 1988 é o exemplo material emblemático de resistência nacional aos preceitos neoliberais in toten. A área social e a questão da administração pública foram os aspectos centrais que expressaram a influência das forças democráticas e populares no destino do país. A universalização e o aprofundamento de direitos de cidadania como dever do Estado e a estruturação de uma ordem classicamente burocrática, no sentido do fortalecimento das dimensões de formalidade, mérito e impessoalidade da administração pública, previstos na carta magna de 1988, mostram um caminho democrático a ser seguido do ponto de vista político e institucional, portanto, antagônico à hegemonia internacional da Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 49 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 50 época e à história de desenvolvimento do Estado brasileiro e de sua ordem administrativa. Dessa forma, buscava-se articular um projeto para o país baseado na incorporação substantiva da classe trabalhadora no desenvolvimento econômico e social, a ser conduzido por uma coalizão de classes que excluísse os setores tradicionais. Por isso, a necessidade de um Estado forte na área social e o consequente fortalecimento da estrutura da burocracia nas dimensões de impessoalidade e formalidade. Nessa configuração, abre-se a possibilidade teórica e política para romper com a imbricação da burocracia com o patrimonialismo que marcou a origem e o desenvolvimento da ordem administrativa brasileira. No entanto, essa possibilidade teórico-política não se efetivou. A situação econômica do país não melhora e, a partir do início dos anos 1990, um novo consenso entre as forças conservadoras foi se constituindo em torno da idéia da inexorabilidade de, mais uma vez, o Brasil inserir-se de forma subordinada ao capital internacional, porém, agora, no contexto capitalista hegemonizado pelo mundo das finanças. As forças tradicionais foram rearticuladas e convencidas de que, nas novas condições da economia internacional, era necessário, para manter o pacto de dominação conservador, que houvesse uma mudança de estratégia em relação ao papel do Estado na sociedade. A negação do papel do Estado como agente produtivo direto e como provedor de políticas sociais seria o cerne das mudanças que se faziam necessárias para a manutenção do pacto conservador de dominação (FIORI, 1998). Dessa forma, o ideário neoliberal, e suas consequências políticas, econômicas e sociais, foi introduzido no Brasil a partir da manutenção de nosso tradicional pacto conservador. Assim, implementa-se uma verdadeira “contrarreforma” do Estado brasileiro (BEHRING, 2003). A consequência administrativa do projeto de transnacionalização radical, que implica uma forte coordenação das ações e a redução da intervenção do Estado na sociedade, tanto como setor produtivo quanto como provedor de políticas sociais, é, por um lado, a concentração de poder burocrático e, por outro, a diminuição da burocracia estatal. Entretanto, a dimensão administrativa sofre também as consequências do pacto de dominação estabelecido, que incorpora os setores tradicionais da sociedade e que, por isso, exige a manutenção de mecanismos patrimonialistas na ordem administrativa. Para realizar essas mudanças administrativas, será efetivada a contrarreforma administrativa, fundamentada nos pressupostos da teoria da escolha pública (ANDREWS; KOUZMIN, 1998). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira Nesse sentido, a proposta da “Administração Pública Gerencial”, conforme denomina Bresser Pereira (1996), pauta-se na centralização burocrática, via núcleos estratégicos do governo, combinada com a descentralização e flexibilização burocrática, via agências executivas/reguladoras, organizações sociais e o processo de terceirização de serviços e parcerias. Através da centralização burocrática, que se configura como a estruturação de uma burocracia monocrática, viabiliza-se a coordenação das ações necessárias para o projeto de transnacionalização. Por intermédio da flexibilização da burocracia, alcançam-se três objetivos: diminuição de gastos públicos para contribuir com o ajuste fiscal, redução do poder da burocracia permanente e manutenção de traços patrimonialistas na administração pública para propiciar a participação dos setores tradicionais da estrutura de dominação. Nessa perspectiva, a flexibilização da burocracia se apresenta como a mediação necessária para a manutenção do patrimonialismo na ordem administrativa brasileira, que precisa se efetivar para viabilizar a participação dos setores tradicionais na estrutura de dominação. Tal mediação provocará mudanças na fundamentação do patrimonialismo brasileiro que passará da utilização dos elementos tradicionais de garantia de lealdade entre o senhor e o servidor para a estruturação de determinações racional-legais voltadas para viabilizar a lealdade, baseadas na difusão ideológica do pensamento único da racionalidade economicista e no poder coercitivo e discricionário da burocracia monocratizada, que definirá padrões formais para repasse de recursos públicos. Portanto, a contrarreforma administrativa efetiva um transformismo do patrimonialismo brasileiro. 1.4 Gestãopúblicademocrática:aburocraciaemquestão Nesse quadro, reforçar, do ponto de vista administrativo, a estruturação da burocracia é uma tarefa central na luta por uma gestão de políticas sociais pautada na ampliação de direitos. O reforço da lógica burocrática, principalmente o fortalecimento da dimensão formal e impessoal de sua estrutura, assim como a construção de mecanismos democratizadores, no contexto em que nos encontramos, é a possibilidade administrativa de ampliarmos a capacidade de intervenção do Estado no atendimento aos interesses das classes trabalhadoras. Desta forma, concordamos com Nogueira (1998) quando afirma que, no atual contexto, do ponto de vista da gestão e de seus operadores, o essencial Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 51 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 52 numa proposta de construção contra-hegemônica ao neoliberalismo não está na apreensão de tecnologias gerenciais, mas sim na qualificação das pessoas para atuar na fronteira entre a técnica e a política. Embora as sugestões possíveis de serem implementadas na gestão pública de forma imediata sejam encontradas no campo das vertentes democráticas, o que se percebe é que as propostas tendem a enfatizar os instrumentos de democratização e de controle da administração pública que precisam ser desenvolvidos; com algumas exceções (EVANS, 1993; NOGUEIRA, 1998), pouco, ou quase nunca, destacam a importância do fortalecimento da dimensão racional da estrutura burocrática. Em nossa concepção, os instrumentos de democratização que precisam ser fortalecidos e ampliados devem ser pensados, no campo da administração pública brasileira, a partir da construção de uma espinha dorsal burocrática. Dessa forma, a estruturação de uma burocracia com sentido “universalista”, além de depender da existência de um Estado forte na área social que desenvolva políticas públicas voltadas para a distribuição de renda e riqueza, precisa ser constituída de forma a potencializar aspectos de sua racionalidade, como por exemplo: a) garantia de um certo nível de “mecanização”; b) o “direito ao cargo”; c) existência dos princípios das competência fixas, mediante regras, leis ou regulamentos administrativos; d) realização da administração dos funcionários de acordo com regras gerais, mais ou menos fixas e mais ou menos abrangentes, que podem ser aprendidas; e) existência de regras impessoais como estrutura central do poder de mando e obediência, que envolva tanto o senhor legal típico quanto o corpo burocrático. A questão da organização de elementos democratizadores para permear a ordem administrativa burocrática requer compreender que se propõe incluir uma dimensão contraditória à própria lógica burocrática, visando um processo de superação de seus fundamentos. Por isso, é fundamental, simultaneamente ao fortalecimento da dimensão racional da burocracia, propor o aprofundamento de mecanismos de democratização para viabilizar maior controle social e público da ordem administrativa burocrática, como forma de propiciar transparência e possibilitar maior participação das classes subalternas na definição e acompanhamento das políticas públicas. Dessa forma, as tecnologias de gestão pública empregadas devem favorecer essas construções. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira Neste sentido, o foco da análise da gestão da política de assistência social em Juiz de Fora se concentrou na identificação e crítica da estrutura burocrática desenvolvida, visando desvelar em que medida a administração da referida política tem percorrido, ou não, uma construção democrática. 2 A DIMENSÃO BUROCRÁTICA DA GESTÃO PÚBLICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL EM JUIZ DE FORA 2.1 Breve caracterização do município O município de Juiz de fora, localizado na Zona da Zata mineira, está localizado a 255 Km da capital Belo Horizonte, 180 Km da cidade do Rio de Janeiro e 480 Km da cidade de São Paulo. A área da unidade territorial é de 1.437 km² (município mais extenso da Zona da Mata) para uma população de 516.247 habitantes, segundo o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo IBGE (2011a). De acordo com o Atlas Social do Município (TAVARES, 2006), a expectativa de vida na cidade é de 72,3 anos, superior à do estado (70,55 anos) e a do país (67,7 anos). Esta fonte assegura também que a taxa de urbanização do município é de 99,17%, superior a de Minas Gerais que é de 82% e a do Brasil, que é de 81,25%. O seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,828, considerado como elevado em relação ao estado, sendo o nono maior de Minas Gerais, o quadragésimo nono de toda a Região Sudeste e o 145° do Brasil . No que se refere à economia, a agricultura não possui muita relevância em Juiz de Fora, até por sua alta taxa de urbanização. A indústria atualmente é o segundo setor mais relevante para a economia do município. Em 2008, do PIB (Produto Interno Bruto) de Juiz de Fora, 1.716.450 reais foram do valor adicionado bruto da indústria. A cidade conta com um Distrito Industrial em operação sob administração da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, sendo as principais atividades industriais do município a fabricação de alimentos e bebidas, produtos têxteis, artigos de vestuário, produtos de metal, metalurgia, mobiliário e montagem de veículos. No mesmo período, do PIB municipal, 4.375.627 milhões reais Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 53 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 54 foram de prestações de serviços (setor terciário). Este setor é a maior fonte geradora do PIB de Juiz de Fora (IBGE, 2011b). Esse quadro configurou, em 2008, um Produto Interno Bruto per capita de 13.715,11 reais. A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2010 estimava uma receita e despesa do município em R$1.045.660.677,95 (um bilhão, quarenta e cinco milhões, seiscentos e sessenta mil, seiscentos e setenta e sete reais, e noventa e cinco centavos). O Orçamento Fiscal aliado ao da Seguridade Social indicava um montante de receita no valor de R$1.002.716.162,95, sendo que a despesa com a Secretaria de Assistência Social seria de R$ 36.767.885,00, com a Secretaria de Saúde de R$ 302.474.345,20 e com a Secretaria de Educação o investimento seria de 84.546.316,00. Para o fundo municipal de assistência social seria repassado um montante de R$ 7.984.691,48 . É válido dispor, também, sobre os resultados presentes no quadro referido, que retratam o rendimento nominal mensal domiciliar per capita. O IBGE (2011a) contabilizou um total de 170.535 domicílios em Juiz de Fora. Destes, 3.333 famílias não possuem rendimento algum; o rendimento per capita de até ¼ de salário mínimo fazia-se presente em 4.218 domicílios e 21.862 domicílios contam com um rendimento nominal mensal domiciliar per capita entre ¼ e ½ de salário mínimo. Na outra ponta, os domicílios que contam com mais de 3 a 5 salários mínimos per capita são de 14.293, aqueles que possuem um rendimento mensal per capita de mais de 5 salários mínimos são de 13.475. Segundo o Mapa de Pobreza e Desigualdades dos Municípios Brasileiros de 2003 (IBGE, 2011b), a incidência da pobreza no município de Juiz de Fora é de 12,86%; a incidência da pobreza subjetiva é de 9,45 e o índice de Gini, que mede a taxa de desigualdade e de renda, é de 0,41%. Enfim, essas são as características básicas do município que o configuram como uma cidade de grande porte, urbana e pólo central da região da zona da mata mineira. 2.2 A implementação do SUAS em Juiz de Fora A Prefeitura de Juiz de Fora iniciou em 2005 uma série de atividades voltadas para a implementação do SUAS. Certamente, a existência de uma ampla rede de atendimento socioassistencial no município, liderada pelo conjunto de programas, projetos e serviços desenvolvidos pela Associação Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira Municipal de Apoio Comunitário (AMAC), possibilitou o desencadeamento de tais atividades3. A AMAC, criada pelo governo municipal em novembro de 1984, conforme análise de Toledo (2010, p. 81), “formou-se a partir de uma conotação híbrida”, visto que, juridicamente, se constituiu como uma associação civil sem fins lucrativos, embora seu financiamento e sua direção estivessem diretamente vinculados à Prefeitura Municipal (Lei nº 6624 de 01/11/1984). Dessa forma, a instituição tem atuado, desde a sua criação, na coordenação e execução de ações, programas e projetos na assistência social do município. Ao longo de sua existência, a AMAC, a partir principalmente do investimento de recursos públicos municipais, ampliou significativamente o seu leque de programas, projetos e serviços socioassistenciais. Assim sendo, no período em análise (2005-2008), esta organização híbrida já estava estabelecida no cenário municipal como a referência central para as questões da política pública de assistência social. A análise do balanço financeiro da função assistência social do município e do Balanço Social da AMAC, do ano de 2005, não deixa dúvidas sobre esta centralidade. O balanço financeiro referido acima apresenta uma despesa da ordem de R$24.572.437,63, enquanto o Balanço Social – 2005 da AMAC apresenta uma despesa de R$31.459.579,72. Destas despesas, R$29.388.783,39 foram realizadas a partir de receitas oriundas de recursos governamentais, conforme indica o Balanço Social. Certamente, a maioria dos recursos utilizados pela AMAC foi disponibilizada pela Prefeitura Municipal. A título de ilustração4, podemos visualizar – com os dados disponíveis de 2010, a respeito das despesas realizadas através de contratos e convênios pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) e Secretaria Municipal de Saúde (SMS), de janeiro a agosto, e pelo Fundo Municipal de De acordo com Anuário Estatístico de Juiz de Fora - 2006 (base de dados 2005), a AMC, através de programas, projetos e serviços de assistência social, realizou um total de 129.944 atendimentos. Este Anuário não apresenta atendimento na área da assistência social realizado pela Prefeitura. Ou seja, a AMAC era a instituição oficialmente responsável pelo atendimento socioassistencial realizado no município. Consideramos que os dados de 2010 servem para ilustrar a relação de dependência orçamentária e financeira da AMAC com a Prefeitura de Juiz de Fora e explicitar a centralidade política da instituição na área da assistência social e comprovar nossa hipótese de que a maioria dos recursos utilizados pela AMAC são oriundos da Prefeitura de Juiz de Fora. 3 4 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 55 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 56 Assistência Social (FUMAS) e Secretaria Municipal de Educação (SME), de janeiro a julho – os seguintes resultados: Tabela 1- Gastos realizados através de contratos e convênios com AMAC - 2010 Órgãos da Prefeitura Contratos e convênios com AMAC (abs) Percentual de gastos de contratos/ convênios, por órgão da Prefeitura, com a AMAC (%) SMAS 10.591.952,88 47,6% FUMAS 1.856.352,48 8,3% SMS 6.427.295,24 28,9% SME 3.374.446,71 15,2% Total 22.250.047,31 100% Fonte: Fonte: Disponível em: http://www.pjf.mg.gov.br/transparencia/despesas . Acesso em: 07 out. 2010. Elaboração própria. Dessa forma, considerando a média mensal das despesas acima relacionadas, podemos estimar um gasto anual da Prefeitura de Juiz de Fora, através de contrato e convênios realizados pela SMAS, FUMAS, SMS e SME com a AMAC, de, aproximadamente, 29 milhões de reais. Valor próximo ao relatado no Balanço Social da instituição, o que comprova que os recursos que a mantém são oriundos da Prefeitura de Juiz de Fora através de suas secretarias da área social. Outro aspecto importante a destacar, refere-se ao fato de que 55,9% dos recursos de manutenção da AMAC advêm da área da assistência social. Em relação à centralidade da AMAC na área da assistência social, podemos indicar que do total de recursos utilizados pela SMAS e FUMAS para contratos e convênios, em 2010, 72,77% foram destinados à instituição acima mencionada. Tabela 2 - Contratos e convênios realizados pela área da assistência social com AMAC – 2010 (R$) Total dos Gastos Gastos com AMAC (abs) Gastos com AMAC (%) SMAS 13.302.005,61 10.591.952,88 79,63% FUMAS 3.803.226,30 1.856.352,48 48,81% Total 17.105.231,91 22.250.047,31 72,77% Fonte: Disponível em: http://www.pjf.mg.gov.br/transparencia/despesas. Acesso em: 7 out. 2010. Elaboração própria. Neste sentido, embora a gestão da Política de Assistência Social de Juiz de Fora, no período 2005-2008, fosse, formalmente, de responsabilidade da Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira Secretaria de Política Social (SPS), a coordenação e execução das ações foram realizadas pela Associação Municipal de Apoio Comunitário - AMAC. Na gestão 2005-2008, a AMAC coordenou e executou a política de assistência social de Juiz de Fora, oferecendo serviços de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade. As competências da referida instituição são definidas em torno da promoção e proteção da família, da maternidade, da infância, da adolescência, da juventude, da pessoa adulta e da pessoa idosa. A partir dessas competências, o trabalho da AMAC, conforme site oficial, deve ser desenvolvido para: “cooperar” com o município na implantação, ampliação, manutenção e execução de programas e projetos de atenção à população vulnerabilizada e em risco pessoal e/ou social; atuar em harmonia com os órgãos da administração direta e indireta do município; captar recursos públicos e privados para o custeio de suas atividades; desenvolver programas que visem a geração de ocupação e renda; promover programas de treinamento e capacitação para jovens e adultos; planejar, coordenar, supervisionar, executar, acompanhar, monitorar e avaliar as ações das unidades operacionais a seu cargo, em consonância com os objetivos da Administração Municipal e de forma a assegurar o desenvolvimento social e aspirações das comunidades onde estão inseridas. (Disponível em: http://www. amac.pjf.mg.gov.br. Acesso em: 27 jun. 2008) De acordo com documento da Prefeitura de Juiz de Fora (TAVARES, 2006, p. 25), a AMAC tinha como objetivo “executar a Política de Assistência Social no município em consonância com os princípios da Lei Orgânica de Assistência Social, da Norma Operacional Básica e da Política Nacional de Assistência Social, oferecendo serviços de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade”. Ao observar as competências, a missão e o objetivo da AMAC, podemos verificar e confirmar a natureza contraditória da mesma. Pois, ao mesmo tempo em que é uma associação sem fins lucrativos é ela que teve a função de executar e coordenar a Política de Assistência Social no município. Essa estrutura montada no município para efetivar a gestão da política de assistência social, no primeiro momento da implantação do SUAS, foi extremamente frágil, na medida em que não se encontrava sob responsabilidade direta do poder público, não efetivando uma estrutura burocrática estatal, visto que a institucionalidade organizada constituiu um Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 57 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 58 mix público-privado, representado pela relação SPS-AMAC na condução do processo de implantação do SUAS no município, onde a expressão institucional mais significativa estava localizada na organização da sociedade civil. Esta configuração compromete, sobremaneira, a gestão da política de assistência social, enquanto política pública democrática. A não estruturação do poder público para conduzir políticas sociais enfraquece a possibilidade de permanência e expansão das ações realizadas, debilitando a efetivação de tais políticas enquanto direito de cidadania e dever do Estado. Corroborando com essa fragilidade da gestão, temos a seguinte configuração do gasto público para a área: Tabela 3 - Gasto Público – Função Assistência Social (2003-2008) Gasto Público (Função Assistência Social) Gasto Público Total % do Gasto Público (Função Assistência Social) em relação ao Gasto Público Total 2003 19.689.869,34 962.946.623,84 2,04% 2004 25.284.765,50 1.091.590.581,34 2,32% 2005 24.572.437,63 1.297.417.711,86 1,89% 2006 30.998.947,03 1.559.899.946,65 1,99% 2007 32.173.148,49 1.756.030.381,52 1,83% 2008 40.138.342,32 2.148.196.991,58 1,87% Fonte: Disponível em: http://www.pjf.mg.gov.br/transparencia/prestacao. Acesso em: 07 out. 2010. Elaboração própria. Os gastos públicos do município de Juiz de Fora na função assistência social em relação ao gasto público total, no período 2003-2008, não indicam a ampliação significativa de aportes de recursos na área, a partir de 2005, ano de implantação do SUAS. Ou seja, do ponto de vista do gasto público municipal na função assistência social, a implementação do SUAS não implicou em elevação substantiva de recursos para a política de assistência social. Muito pelo contrário, encontramos uma redução relativa dos gastos na área frente ao total do gasto público municipal. Além disso, verificamos uma redução do valor absoluto utilizado na função assistência na passagem do ano de 2004 para o de 2005, o que, se considerarmos a inflação do período, significa um impacto negativo ainda maior. O aumento dos valores absolutos do gasto público na área da assistência, no período compreendido entre 2005 e 2008, foi, aproximadamente, de 63%. No entanto, se descontarmos a recomposição dos gastos em relação a 2004 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira e à inflação do período 2004-2008, o aumento detectado corresponderá, basicamente, ao crescimento vegetativo dos custos com as ações no campo da assistência social. Esta situação reflete nos atendimentos socioassistencias desenvolvidos no município. De acordo com o Anuário Estatístico de Juiz de Fora/2009, em 2008 a AMAC realizou 194.992 atendimentos, enquanto a Secretaria de Política Social efetivou, diretamente, 43.462 atendimentos e, indiretamente, através de convênios com 20 organizações da sociedade civil, 2.872 atendimentos, além de ter operacionalizado o Programa Bolsa Família, atingindo 2.800 beneficiários. Sendo assim, do total de atendimentos socioassistenciais do município em 2008, 81% foram realizados pela AMAC e outras organizações da sociedade civil. Outro aspecto que merece destaque, de acordo com os anuários estatísticos da cidade, refere-se à ampliação do atendimento socioassistencial registrado entre 2005 e 2008. Nesse período, o atendimento saltou de 129.944 para 244.126, ou seja, uma ampliação da ordem de 88%. Aqui encontramos uma situação que merece outros levantamentos de dados para melhor entendimento da questão, pois, se o aumento do orçamento da função assistência social não foi expressivo, durante o período tratado, como foi possível a ampliação do atendimento, neste mesmo período, em quase 90%? A ampliação foi realizada reduzindo a qualidade? Ou a AMAC conseguiu recursos de outras fontes para a ampliação de suas ações? De qualquer forma, os dados apresentados reforçam a centralidade das organizações da sociedade civil, em especial da AMAC, no campo da assistência social em Juiz de Fora e, em contrapartida, indica a fragilidade da estrutura pública para a efetivação da política de assistência social como direito de cidadania e dever do Estado. Sem dúvida alguma, esta configuração remete à efetivação do “pluralismo de bem-estar” no campo da assistência social em Juiz de Fora, típico da dinâmica neoliberal de realização de políticas sociais, como vimos no capítulo anterior. Em relação ao processo de estruturação dos componentes institucionais (organização do órgão gestor, estabelecimento das proteções sociais básica e especial, implantação de Centros de Referência de Assistência Social - CRAS e de Centros de Referência Especializados de Assistência Social - CREAS) necessários para a implementação do SUAS em Juiz de Fora, podemos problematizar alguns aspectos. O município de Juiz de Fora iniciou a implementação do SUAS em 2005. Podemos indicar, como a primeira iniciativa significativa neste sentido, Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 59 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 60 a proposta de implementação dos Centros de Referência de Assistência Social elaborada pela SPS e pela AMAC. Esta proposta foi apresentada durante a 88ª Reunião Ordinária do Conselho Municipal de Assistência Social, realizada no dia 04/08/2005, e foi aprovada por unanimidade. Também se discutiu, nesta reunião, o Plano Municipal de Assistência Social e a habilitação do município na gestão plena5 da assistência social, ambas as questões também foram aprovadas por unanimidade. Assim, em agosto de 2006, foi inaugurado o primeiro CRAS de Juiz de Fora, na região leste da cidade. Em 2008, foram implementados mais três Centros de Referência de Assistência Social nas regiões norte, sul e sudeste. Ainda em 2008, foram inaugurados três CREAS, dois CREAS Infância e Juventude, nas regiões centro e norte6, e o CREAS Idoso/Mulher que era centralizado. É importante destacar que a lógica dos CREAS em Juiz de Fora está vinculada à concepção de atendimento por segmento (infância, mulher e idoso) e não a uma perspectiva generalista (articulação de ações de proteção social especial) e territorializada. Esta mesma lógica se reflete na organização institucional dos programas e projetos da AMAC. Apesar destes programas e projetos constituírem uma rede da instituição e corresponderem aos níveis de proteção social previstos na NOB/SUAS, a organização institucional da entidade era departamentalizada por faixa etária. Portanto, do ponto de vista da gestão, a organização da AMAC não potencializava a lógica da proteção social prevista no SUAS, a qual possui uma perspectiva orientada pelas particularidades das necessidades sociais e não pelo corte etário ou de gênero. Neste sentido, cabe destacar que os CRAS e os CREAS, do ponto de vista da organização institucional, estavam inseridos como um programa “Nível em que o município tem a gestão total das ações de Assistência Social, sejam elas financiadas pelo Fundo Nacional de Assistência Social, mediante repasse fundo a fundo, ou que cheguem diretamente aos usuários, ou, ainda, as que sejam provenientes de isenção de tributos, em razão do Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social – CEAS” (BRASIL, 2005, p.101). O município de Juiz de Fora está habilitado no nível de gestão plena do SUAS desde 2005, devido à existência de uma ampla rede socioassistencial, conselhos e fundos funcionando, aporte de recursos do tesouro para a área da assistência social, dentre outros critérios atendidos. É importante ressaltar que, formalmente, também foi criado o CREAS sul. No entanto, por falta de estrutura física, este CREAS funcionava no espaço do centro. Assim, de fato, o CREAS sul, em nosso entendimento, não foi implantado. 5 6 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira de atendimento da AMAC, na medida em que eles estavam subordinados à Coordenação Socioeducativa, no caso dos CRAS, ou à Coordenação da Proteção Especial, no caso dos CREAS, ambas as Coordenações eram vinculadas ao Departamento da Infância/Adolescente. Portanto, os CRAS e os CREAS foram classificados e implementados como programas/projetos socioassistenciais e não como um equipamento cuja função primordial deveria ser a coordenação das ações assistenciais de um determinado território. Dessa forma, a função do CRAS/CREAS na organização da gestão da política de assistência social, preconizada pelo SUAS, foi esvaziada. Essa inserção institucional inadequada inviabilizou a articulação entre as outras coordenações e departamentos existentes, além de inviabilizar a articulação entre os serviços. Essa configuração dos CRAS/CREAS em Juiz de Fora mostra que a implantação destes institutos, além de não estruturar uma ordem administrativa pública de corte burocrático, não contribuiu para o reordenamento da lógica da política de assistência social, no sentido das orientações presentes na PNAS/2004. Sendo assim, a implementação dos CRAS/CREAS em Juiz de Fora não viabilizou um novo conteúdo para a política municipal de assistência social, nem contribuiu para a estruturação de uma ordem administrativa pública de caráter racional-legal para operacionalizar tal política. Outro aspecto a considerar refere-se ao quadro funcional. A Secretaria de Política Social, em 2008, possuía 133 funcionários efetivos, sendo 16 administrativos lotados na SPS, 33 administrativos cedidos pela Secretaria de Educação e 84 profissionais do quadro do magistério cedidos, também, pela referida secretaria. Além disso, estavam vinculados à SPS 15 conselheiros tutelares, 9 funcionários comissionados e 193 estagiários. E, ainda, 137 professores temporários (término de contrato em 31/12/2008) e 07 adolescentes/aprendiz do Programa Municipal de Atendimento ao Adolescente (JUIZ DE FORA, 2008a). Por outro lado, a AMAC possuía (até julho de 2008) 2.389 funcionários contratados pela CLT, para atuar em 42 serviços, 8 ações e 69 unidades vinculadas à assistência social (JUIZ DE FORA, 2008b). Desses funcionários da AMAC, aproximadamente 10% passaram por algum tipo de processo seletivo (TOLEDO, 2010). Podemos considerar que esse formato de enfraquecimento/ flexibilização da burocracia, principalmente através da estruturação do quadro administrativo por vias não burocráticas, pode assumir uma feição Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 61 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 62 que se assemelha ao que Weber define como “burocracia patrimonial”. De acordo com o autor: Quando trabalham funcionários não-livres [...] dentro de estruturas hierárquicas, com competências objetivas, portanto de modo burocrático formal, falamos de ‘burocracia patrimonial’ (WEBER, 1999, p. 145). Assim, na medida em que parte do quadro administrativo passa a ser composto de funcionários que não passam por uma seleção de competência impessoal, via concurso público, mas através de uma relação direta com o dirigente/senhor, forja-se uma situação típica de dominação tradicional, pois, conforme ressalta Weber: [...] seu quadro administrativo não se compõe primariamente de ‘funcionários’ mas de ‘servidores pessoais’ [...]. Não são os deveres objetivos do cargo que determinam as relações entre o quadro administrativo e o senhor: decisiva é a fidelidade pessoal do servidor (WEBER, 1999, p. 148). Em outras palavras, podemos afirmar que o quadro administrativo responsável pela política de assistência social em Juiz de Fora se aproxima da situação de recrutamento na dominação tradicional definida por Weber como recrutamento extrapatrimonial. Ou seja, um recrutamento em virtude de um pacto de fidelidade com o senhor (WEBER, 1999). Merece destaque, também, o fato de ter ocorrido uma dissonância entre as discussões sobre a implementação do SUAS no Conselho Municipal de Assistência Social e a realidade da implantação. Esta situação fica evidente a partir da análise das atas do referido Conselho, durante os anos de 2005-2008. Dentre as discussões e deliberações do Conselho, em 2005, podemos destacar a aprovação de requerimento solicitando a classificação dos atendimentos prestados pelas entidades da rede socioassistencial nos níveis previstos pelo SUAS (Proteção Social Básica, Proteção Especial de média e alta complexidade); a palestra ministrada pelo presidente do Conselho sobre a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS e a PNAS/SUAS; aprovação do projeto de implantação dos CRAS; aprovação do Plano Municipal de Assistência Social; informação sobre o cadastro da cidade de Juiz de Fora no Sistema Único de Assistência Social e sobre a aprovação Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira da gestão plena para o município e esclarecimentos acerca das mudanças sobre o financiamento das ações da política de assistência social. Ou seja, o Conselho aprovou o Plano Municipal e o projeto de implantação dos CRAS. As outras questões tratadas sobre a implementação do SUAS tiveram caráter de socialização de informação. Dessa forma, podemos considerar que o Conselho participou da formulação/deliberação das estratégias de implementação do SUAS em Juiz de Fora. No ano de 2006, não houve discussões sobre o processo de implementação do SUAS em Juiz de Fora. O Sistema foi apenas citado como informe, lembrado como perspectiva para que não fossem implementadas ações dissonantes às orientações existentes e no momento de qualificação dos serviços em termos da proteção social realizada (básica, especial de média complexidade ou especial de alta complexidade). Entretanto, no dia 26 de janeiro, houve uma reunião extraordinária do CMAS, pois o mesmo recebeu um oficio do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) exigindo a aprovação, até dia 28 de janeiro, do Plano de Ação para 2006, juntamente com o demonstrativo físico financeiro, relativo ao Plano de 2005. Ou seja, a análise da execução física-financeira de 2005 e o Plano de Ação 2006 foram apreciados pelo CMAS de forma aligeirada e sobre pressão do MDS. Ainda em 2006 cabe destacar a participação do Conselho na elaboração da LDO 2007. Porém, podemos perceber que não ocorreu um acompanhamento sistemático do Conselho em relação à implementação do SUAS em Juiz de Fora. Em 2007, foram aprovados o Plano de Ação 2007, que tinha como objetivo regular e nortear a política de Assistência Social na perspectiva do SUAS, contendo as metas previstas, e recursos a serem aplicados no âmbito municipal, de acordo com as diretrizes da PNAS (JUIZ DE FORA, 2007a); o Demonstrativo Sintético Anual da Execução Físico-Financeira do Sistema Único da Assistência Social - SUAS do Ano de 2006, referente à prestação de contas dos repasses de recursos do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS (JUIZ DE FORA, 2007b); o orçamento 2008 do FMAS, contendo as metas previstas e os recursos a serem aplicados no âmbito municipal, ou seja, a execução da política e seu financiamento (JUIZ DE FORA, 2007c); e os convênios para o ano de 2008, referentes a Recursos Municipais – FUMAS (JUIZ DE FORA, 2007d e 2007e). Cabe destacar, também, que em 2007 foi realizada a IV Conferência Municipal de Assistência Social que teve como objetivo avaliar a Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 63 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 64 implementação do SUAS a partir das metas aprovadas na III Conferência de Assistência Social. A IV Conferência aprovou as seguintes metas prioritárias para o município: implantação do CRAS e CREAS, garantindo a efetivação dos direitos com estabelecimento de um sistema de monitoramento, acompanhamento e avaliação, garantindo a intersetorialidade das Políticas Públicas e Investimento no efetivo controle social através da implantação da Ouvidoria Municipal de Assistência Social, capacitações e viabilização do acesso aos trabalhos e deliberações do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS, via implementação dos Conselhos Locais e Regionais de Assistência Social. É importante sinalizar ainda, que, pela primeira vez, ocorreram duas reuniões onde foram discutidas questões relativas à dinâmica de funcionamento do CRAS. Uma por ocasião do debate sobre o relatório circunstanciado referente ao custeio do CRAS (Reunião de 09/2007) e outra a partir da visita de um conselheiro ao CRAS para conhecer e monitorar a proposta de trabalho e o funcionamento do mesmo, tendo como base e orientação do MDS (Reunião de 10/2007). Entretanto, não houve desdobramentos destas ações. No ano de 2008 o CMAS fez quatorze reuniões, sendo quatro delas reuniões extraordinárias. Percebe-se que no início daquele ano houve uma preocupação maior com a questão do orçamento. A Resolução 10/2008 aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentária 2009, conforme Sistema Único de Assistência Social- SUAS. Assim como ocorreu em 2007, quando a Resolução 31/2008 aprovou os convênios para o ano de 2009, referentes a Recursos Municipais – FUMAS. Apesar de ter ocorrido, excetuando o ano de 2006, a participação do Conselho na definição de estratégias para a implantação do SUAS em Juiz de Fora e seu respectivo acompanhamento, as fragilidades indicadas anteriormente, em relação à institucionalidade da gestão da política, não foram objeto de discussão e análise do mesmo. Em nenhuma ata foi verificada alguma problematização a respeito da estrutura organizativa que estava sendo montada para a operacionalização da política de assistência social. Neste sentido, no acompanhamento do CMAS do processo de implementação do SUAS em Juiz de Fora se resumiu as ações formais necessárias parta garantir o fluxo de recursos para a cidade (aprovação da execução físicofinanceira, aprovação do Plano de Ação e dos relatórios circunstanciados dos CRAS e registros das entidades). Em relação ao acompanhamento da estruturação da assistência social no município, não houve uma preocupação Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira dos conselheiros em avaliar esta questão, desconsiderando a importância da existência de uma estrutura administrativa pública-estatal para viabilizar a consolidação e expansão da política de assistência social. Mesmo quando o debate referia-se ao orçamento, parecia ocorrer uma discussão meramente formal sobre o tema ou, então, uma preocupação restrita com a partilha dos recursos entre as entidades da área. O não acompanhamento do processo de implantação da estrutura do SUAS, por parte do CMAS, pode ter sido ocasionado, como bem registrado pelos três conselheiros entrevistados7, pelo fato de desconhecimento da PNAS/ SUAS, por parte do CMAS e dos órgãos gestores da Prefeitura. Pois, ao mesmo tempo que havia uma nova proposta de reorganização da Assistência Social, havia uma preocupação com o volume de informações para serem repassadas para os conselheiros, em curto tempo, principalmente para aqueles que não possuíam conhecimento adequado sobre a temática. As servidoras entrevistadas da AMAC8 corroboram com esta análise, na medida em que avaliam que as mudanças indicadas pela PNAS/SUAS exigem estudos e aprofundamentos sobre o tema, implicando em reestruturação da gestão da política de assistência social. Neste sentido, o processo de implementação do SUAS em Juiz de Fora, além de não ter contribuído para a estruturação de uma “espinha dorsal” burocrática, não potencializou efetivamente o papel de controle social do Conselho de Assistência Social. 3CONCLUSÃO Os aspectos indicados acima constituem, então, os elementos centrais da dimensão organizacional da gestão da política de assistência social em Juiz de Fora. Foram entrevistados dois conselheiros governamentais e um conselheiro não governamental (não foi possível entrevistar um segundo conselheiro governamental escolhido). A escolha dos entrevistados foi baseada na identificação dos conselheiros com maior participação nos debates sobre a implementação do SUAS. Esta identificação teve com fonte a análise das atas do período 2005-2008. Em relação à Associação Municipal de Apoio Comunitário (AMAC), foram entrevistadas a Chefe do Departamento de Planejamento - DEPLAN), a Coordenadora do Projeto Socioeducativo, que compunha o Departamento da Infância e Adolescente – DIA) e a Chefe do Departamento da Pessoa Adulta. A Chefe do Departamento do DIP foi procurada para a entrevista, porém não pode atender. Também foi entrevistada a Superintendente da AMAC do ano de 2008. 7 8 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 65 Gestão do SUAS em Juiz de Fora: análise da estrutura burocrática 66 Como foi possível constatar, se do ponto de vista organizacional a estruturação de uma burocracia pública com controle social e público é um dos elementos fundamentais para o processo de construção de uma gestão pública democrática, a implementação do SUAS em Juiz de Fora não tem contribuído para esse desenvolvimento. Muito pelo contrário, o que verificamos foi a fragilidade da ordem administrativa burocrática (organização estatal, quadro funcional e estrutura da política), assim como a debilidade do Conselho em identificar esta fragilidade e propor reorientação de rumo. Dessa forma, a conclusão preliminar a que chegamos identifica que, aliado ao cenário adverso para a implementação do SUAS, o tipo de intervenção que constatamos existir em Juiz de Fora no processo de implantação do SUAS (2005-2008), em relação à estrutura burocrática de gestão, não possibilitou o tensionamento democrático da atual política municipal de assistência social. No entanto, vale destacar que no ano de 2009, com a constituição de uma nova equipe de gestão (2009/2012) vinculada à eleição do novo prefeito, foi criada a Secretaria de Assistência Social (SAS), e imediatamente, a partir de fevereiro de 2009, foram implantados os CRAS Centro, Sudeste, Oeste, Sul II, Leste II, Sudeste II, aproveitando os espaços físicos já existentes, inclusive onde já estavam estruturados os CURUMINS (programa da AMAC dirigido a crianças e adolescentes). Os profissionais de serviço social, psicologia, pedagogia, entre outros, vinculados aos diferentes programas da AMAC, foram remanejados para constituir as equipes mínimas dos CRASs. Assim, os programas da AMAC foram esvaziados dos técnicos que os constituíam, e as ações desenvolvidas por eles ficaram temporariamente suspensas. No organograma da SAS, estrutura-se uma Subsecretaria de Gestão do SUAS com os departamentos de Proteção Básica e Proteção Especial, sugerindo que os CRASs ficariam subordinados ao departamento de Proteção Básica. Por sua vez, a AMAC, que estava incluída no organograma da SPS, ficou ausente do organograma da SAS, sugerindo uma possível reorientação de seus programas sob nova configuração na SAS atendendo à lógica da PNAS/SUAS. Outro elemento importante nesse contexto (ano de 2009) foi a ação movida pelo Ministério Público sobre a Prefeitura, exigindo a resolução da situação da AMAC, associação de direito privado, executora de políticas públicas, mantidas majoritariamente pela prefeitura. A solução exigida pelo Ministério poria fim à AMAC. Porém, a centralidade da AMAC no município, pelo fato Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Rodrigo de Souza Filho | Ester de Almeida Oliveira de ser a referência em termos da execução da política pública de assistência social, tem alimentado a resistência dos seus trabalhadores e de muitos de seus usuários, além de setores da sociedade, forçando a necessidade de uma solução diferenciada, intermediária, com a perspectiva de continuidade da instituição, através de outra configuração jurídico-administrativa. O impasse não chegou à solução e há incerteza quanto ao tempo e às propostas que serão de fato configuradas nesta disputa. Obviamente, esses elementos indicam a necessidade de continuar acompanhando a implementação do SUAS em Juiz de Fora, visando identificar se a gestão 2009-2012 da Prefeitura promoverá ou não uma inflexão na dinâmica de implementação da política pública de assistência social. Mas isso é objeto de novas pesquisas. Referências ANDREWS, C. e KOUZMIN, A. O discurso da nova administração pública. Lua Nova, São Paulo, no.45, p.97-129. 1998. BEHRING, E. R . Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003. BRASIL, Ministério de Desenvolvimento social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica/SUAS, 2005. BRESSER PEREIRA, L.C. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1996. CARDOSO de MELLO, J. M. O Capitalismo Tardio. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998. COUTINHO, C.N. 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Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 69 Capítulo 3 Apontamentos acerca do Associativismo Brasileiro e de sua relação com as Políticas Sociais Cristina Simões Bezerra1 Maria Lúcia Duriguetto2 Constitui nosso objetivo, neste item, tecer considerações acerca do associativismo brasileiro, o que necessariamente implica situá-lo no campo das relações entre Estado e sociedade. Nestas considerações, estão dadas as premissas analíticas que nos nortearão na análise do associativismo no município de Juiz de Fora, em que buscaremos explicitar um panorama deste campo associativo – em suas diferentes configurações – para a sua problematização em relação à intervenção no campo das políticas sociais, particularmente no da assistência social. A temática do associativismo vem constituindo um campo de debates na realidade nacional, sobretudo a partir do final da década de 1970. Situados no campo das demandas pelo acesso às políticas públicas estatais ou Professora Adjunta da FSS UFJF. Dra. em Serviço Social UFRJ Professora Adjunta da FSS UFJF. Dra. em Serviço Social UFRJ 1 2 Apontamentos acerca do associativismo brasileiro e de sua relação com as políticas sociais 72 da atuação no campo das políticas e serviços assistenciais, as organizações/ movimentos/instituições que atuam no campo em tela foram alvo de variadas perspectivas analíticas e prático-políticas, tanto da academia quanto dos sujeitos que neles intervinham. Antes de tratarmos de algumas características deste campo associativo, retomaremos, em linhas gerais, alguns elementos do padrão de intervenção estatal na consolidação da modernização capitalista brasileira e seus rebatimentos na configuração das agências da sociedade civil que representam ou que revelam representar interesses e demandas das classes subalternas. Na nossa formação social, o processo de desenvolvimento capitalista pode ser compreendido e caracterizado pela presença de dois traços típicos: nossa modernização não eliminou de forma “revolucionária” as relações sociais herdadas do passado, mas as redimensionou enquanto fator de acumulação e desenvolvimento; o outro traço expressou-se no plano imediatamente político, por meio da recorrente exclusão da participação popular nos processos de decisão política. Tomando, então, a convergência desses dois traços, podemos evidenciar que os mesmos caracterizam a nossa modernização capitalista como conservadora. Coutinho utiliza os conceitos de “via prussiana” formulado por Lênin e o de “revolução passiva” formulado por Gramsci para caracterizar os processos de modernização econômico-social ocorridos na nossa história. O autor apropria-se do conceito de “via prussiana” para caracterizar o modo pelo qual a “passagem” para o capitalismo no Brasil operou e adequou a estrutura e a modernização agrária às suas necessidades. O conceito de “revolução passiva” é utilizado para determinar processos sociais e políticos de ‘transformação pelo alto’. Em termos gramscianos, uma revolução passiva expressa a presença de dois momentos: reação das classes dominantes à possibilidade de uma transformação efetiva de “baixo para cima”, reação que acaba por “restaurar” o equilíbrio precedente, ao mesmo tempo em que “renova” suas práticas sociais, antecipando-se a ou incorporando e controlando “por cima” certas demandas populares com o que aumenta seu poder de controle e cooptação.3 3 Exemplo típico deste fenômeno de renovação é a legislação trabalhista brasileira, reivindicada ao longo das lutas sociais das duas primeiras décadas do século XX, que foi implantada junto com a imposição de dispositivos legais, que vinculavam os sindicatos ao aparelho estatal. Para a especificação e análise da relação entre os conceitos de “via prussiana” e “revolução passiva” como critério de interpretação do processo de transição do Brasil à modernidade capitalista ( cf. COUTINHO, 1991, p. 119-136). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto Essa característica da relação do Estado com as agências da sociedade civil, que expressam os interesses das classes subalternas, segundo análise de Netto (1991, p. 19), vai na direção não de sobrepor a/ou impedir seu desenvolvimento, mas “[...] antes, consiste em que ele [Estado] [...] tem conseguido atuar como um vetor de desestruturação, seja pela incorporação desfiguradora, seja pela repressão[...]” servindo, assim, “[...] de eficiente instrumento contra a emersão, na sociedade civil, de agências portadoras de vontades coletivas e projetos societários alternativos”. No campo particular das políticas sociais tivemos, como registro maior, a arquitetura da ideia da cidadania corporativa, sob a qual o Estado atrelava e subalternizava as demandas dos trabalhadores, criando uma ideologia de concepção dos direitos como doação de um Estado protetor. Como nos esclarece Telles (1999, p. 77-193), ao invés de garantir e universalizar direitos, essa arquitetura destituiu indivíduos de suas prerrogativas de cidadania e produziu a fratura entre a figura do trabalhador e a do pobre incivil. Nessa direção, segundo Santos (1998, p. 63), a cidadania e a participação política, até os anos 60, não constituíram resultado de um conjunto de valores políticos, mas da inserção ocupacional em uma das profissões reconhecidas pelo Estado. A processualidade organizativa das classes subalternas assumiu características próprias dessas conformações que delinearam a relação do Estado com as vozes demandantes de direitos de cidadania. No período pós-Estado Novo (1946-1964), a pouca literatura disponível aponta a existência de um número reduzido de associações civis, em particular associações comunitárias, com predominância de práticas recreativas e atrelamento político aos representantes do executivo e legislativo estaduais e municipais, como no caso das Sociedades de Amigos de Bairro (SABs) na cidade de São Paulo. As SAB’s se desenvolveram nos anos 50, assumindo um caráter de troca de benefícios materiais por votos. É com a bandeira da ideologia desenvolvimentista, particularmente no Governo Kubitschek, e, posteriormente, com a autocracia burguesa, que temos um profundo avanço no nosso processo de desenvolvimento econômico e, em particular, da industrialização. O Estado propiciou uma intensa e crescente abertura ao ingresso de capitais estrangeiros, criando condições que buscavam promover um desenvolvimento capitalista de tipo dependente-associado, padrão que foi substantivamente contestado no período que imediatamente precedeu o golpe de 1964 pelo campo democrático e popular. Este, sustentado na emersão de amplas camadas de Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 73 Apontamentos acerca do associativismo brasileiro e de sua relação com as políticas sociais 74 trabalhadores urbanos e rurais sob a bandeira das reformas de base, colocava em questão aqueles dois traços que caracterizam a nossa formação social: o capitalismo sem reformas e a exclusão das massas dos níveis de decisão. A autocracia burguesa, na expressão de Florestan, instalada com o golpe de 64, resultou na derrota desse campo democrático-popular, contribuindo para a afirmação de uma nova integração, mais dependente, aos interesses imperialistas, bem como na implementação de ações sociopolíticas antidemocráticas, que implicaram em reverter o processo de democratização que estava em curso antes de 1964. A acelerada modernização capitalista do período da autocracia burguesa transformou o Brasil num país urbano-industrial complexo e diferenciado, o que criou os pressupostos objetivos para a promoção da dinamização da organização de interesses em uma numerosa e diversificada vida associativa. O mais representativo exemplo está na reinserção da classe operária na cena política e nas ações e demandas dos movimentos sociais. Nesse quadro conjuntural, assiste-se à redução da dependência dos movimentos sociais da tutela estatal e um crescimento vertiginoso das associações civis, principalmente as associações comunitárias, dos movimentos pela defesa de demandas por direitos civis, políticos e sociais, da defesa de autonomia organizacional em relação ao Estado, o reaparecimento e expansão das organizações sindicais, a criação de novos partidos etc. (cf. BOSCHI, 1987). É esse fato novo que obriga a autocracia burguesa a combinar medidas repressivas com concessões e atos de negociação, culminando, assim, na sua crise. (NETTO, 1991, p. 42-43). Ganhando densidade teórica e prático-política no Brasil, o campo do associativismo popular veio sendo debatido pela via das suas demandas e formas de relação com as agências estatais. Diferentes enfoques analíticos acompanharam essa trajetória: no final dos anos 70 e primeira metade da década de 80, enalteceu-se seu caráter autonomista e opositor em relação ao Estado e às políticas públicas; a partir da segunda metade da década de 80, enalteceu-se seus vínculos com o campo das políticas e dos canais institucionais criados para a sua incorporação a partir da Constituição de 1988. A partir deste período, constata-se a redução de atitudes de confronto e de reivindicação por parte dos movimentos/instituições/organizações sociais pela valorização de condutas institucionais pragmáticas e propositivas na busca de diálogo, negociação e parcerias com o Estado. Essa redefinição das formas de ação dos movimentos/organizações/instituições fomentou a elaboração de análises, nas quais emerge uma nova concepção de sociedade Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto civil. Esta passa a ser entendida como a esfera na qual se desenvolve uma articulação entre o mundo associativo e as agências estatais por espaços democráticos de representação e interlocução pública para o reconhecimento, garantia e consolidação de direitos4 (DAGNINO, 1994). O tema do associativismo e seu significado vem sendo ainda mais polêmico em virtude da centralidade que ocupa, a partir da década de 1990, pela ofensiva neoliberal. Ofensiva que se materializa, nas últimas duas décadas, pelas mudanças no mundo do trabalho e pela estratégia estatal de redução da oferta de serviços e políticas públicas em abrangência, universalidade e qualidade, formalmente postas na Carta de 1988. A esfera estatal, na sua regulação social, particularmente no campo das políticas sociais, vem, também, imprimindo uma segmentação do acesso das classes subalternas aos padrões das políticas, marcando o universo dos consumidores dos serviços oferecidos pela via mercantil e o dos beneficiários das políticas públicas, focalizadas ou das ofertadas pelo chamado “terceiro setor”. É neste chamado “terceiro setor” que o Estado, sob o ideário neoliberal, opera uma ressignificação do conceito de sociedade civil. O Estado passa a investir na participação da sociedade civil, mas não na direção do seu controle na gestão e implementação das políticas como demandado pelos movimentos sociais no decorrer da década de 1980, mas na direção de transferir a ela o papel de agente do bem-estar. Sociedade civil é, aqui, transformada numa esfera supostamente situada para além do Estado e do mercado, cabendo a ela uma atuação na área social, sob o invólucro da solidariedade, da filantropia e do voluntariado. Ou seja, há, aqui, um esforço ideológico de despolitização da sociedade civil, concebendo-a como reino da “a-política” e do “a-classismo”. Este cenário de privatização das políticas – seja na sua oferta cada vez mais avassaladora e abrangente pelo setor privado, seja pelo incentivo crescente de sua oferta pelo terceiro setor – e de sua oferta compensatória vem imprimindo um conteúdo despolitizador nas ações reivindicativas dos movimentos sociais e restrito aos limites da particularidade de grupos sociais diversos. Em outras palavras, em relação às organizações e movimentos que defendem e representam os interesses das classes subalternas, a ofensiva neoliberal vai em direção de submetê-las à lógica do mercado, à despolitização 4 Para uma análise crítica da ressignificação do conceito de sociedade civil, consultar Duriguetto (2007). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 75 Apontamentos acerca do associativismo brasileiro e de sua relação com as políticas sociais 76 e à fragmentação das suas lutas e demandas, orientando-as para a defesa de interesses puramente corporativos e setoriais5. Toma a frente uma dinâmica associativa restrita aos limites da particularidade de grupos sociais diversos, cuja dimensão política é reduzida à responsabilidade moral, sendo a linguagem dos direitos substituída pelo discurso humanitário da filantropia e da solidariedade (TELLES, 1998, p. 113-114). O campo do chamado Terceiro Setor: ideologias, funções e ações É, portanto, no contexto do ideário neoliberal que emerge o chamado “terceiro setor”, entendido como um conjunto de organizações, instituições e ações particulares da sociedade civil (entendida como “terceiro setor”), que realiza atividades públicas com a função de resposta às necessidades sociais a partir de valores da solidariedade e da iniciativa individual. Este campo organizativo formaria uma esfera “pública não estatal”, em que a sociedade civil (transmutada em “terceiro setor”) estaria situada num espaço intermediário entre o Estado e o mercado. No debate acerca da sociedade civil transformada em “terceiro setor”, pode-se constatar a presença de duas tendências teórico-políticas: “uma tendência regressiva” (inspirada nos princípios liberais e neoliberais, em que a defesa do mercado como esfera reguladora das relações sociais é a tônica central) e uma de “(suposta) intenção progressista” (que concebe a sociedade civil - o “terceiro setor”- como espaço privilegiado de interação social) (MONTAÑO, 2002, p. 59). O chamado “terceiro setor” atuaria como espaço de interseção no desempenho de funções públicas a partir de espaços/ iniciativas privadas, articulando, assim, o público e o privado. Nesta perspectiva, as organizações da sociedade civil, segundo Fernandes (2000, p. 27), seriam definidas como “um conjunto que, por suas características, distingue-se não apenas do Estado, mas também do mercado”. O “terceiro setor” “é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, 5 No entanto, a conjuntura atual não é marcada única e exclusivamente pelo crescente refluxo dos movimentos e organizações sociais classistas. Para uma apresentação panorâmica de movimentos e organizações classistas e de programática antineoliberal e anticapitalista Cf. Montãno e Duriguetto (2010). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto dando continuidade às práticas tradicionais de caridade, da filantropia e do mecenato” [...]. Há, assim, uma constante referência ao fenômeno do “terceiro setor” como se tratando de atividades públicas desenvolvidas por particulares: são “iniciativas particulares com sentido público”, conformadas por “todas aquelas instituições sem fins lucrativos (ONG’s, organizações e associações comunitárias; instituições de caridade, religiosas; atividades filantrópicas – fundações empresariais, filantropia empresarial, ações solidárias) que, a partir do âmbito privado, perseguem propósitos de interesse público”; imbuídas de altruísmo, compaixão, ajuda mútua e de ajuda ao próximo, ações voluntárias. Essa esfera passa a ser dotada de uma áurea harmônica, despolitizada e homogênea, voltada para o bem comum e para o solidarismo, que passam a assumir funções de resposta às demandas sociais (antes de responsabilidade do Estado), a partir dos valores de solidariedade local, autoajuda e ajuda mútua, voltada para as autorrespostas imediatas às necessidades localizadas (MONTAÑO, 2002, p. 183-184). No campo das políticas sociais, essas organizações e suas ações ideológicas são fomentadas por ideologias que propagam uma desconfiança do Estado, tido como ineficiente e burocrático, e uma confiança na sociedade civil (leia-se “terceiro setor”), considerada mais democrática e próxima da população. Exemplo de serviços e políticas sociais e sua alocação na sociedade civil foi a programática presente no programa “Comunidade Solidária”, que retirou a política de Assistência Social do campo dos direitos, da universalidade dos acessos e da responsabilidade estatal em sua oferta, tal como prevê a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) para programas de “combate à pobreza” através de ações focalizadas e seletivas nos municípios mais pobres do país. Assim, o que restaria de público-estatal no âmbito da política de assistência seria operado por programas que direcionavam o atendimento segundo ações focalizadas a públicos seletivamente escolhidos pela sua maior necessidade e urgência. Na medida em que amplos setores da população ficaram excluídos desses serviços, pois não preencheram os requisitos máximos de pobreza e também não tiveram condições de acesso aos serviços privados, transferiu-se às “instituições não-estatais” que compõem a sociedade civil a iniciativa de assisti-los. É neste campo de ação social voluntária, solidária, filantrópica que surgirá o “terceiro setor”. Por fim, vale mencionar as mudanças institucionais, que transportam a função social de responsabilidade fundamentalmente estatal para o âmbito Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 77 Apontamentos acerca do associativismo brasileiro e de sua relação com as políticas sociais 78 particular das organizações do “terceiro setor”, transmutando a concepção do direito para a chamada “solidariedade local”, da ajuda mútua ou da autoajuda e da universalidade dos serviços para ações focalizadas e localistas. Como vimos no artigo que abre este livro, a política de assistência foi sendo consolidada no Brasil sob forte impulso da solidariedade, do trabalho voluntário e da filantropia, que na contemporaneidade aparecem reatuzalizadas no nome moderno do “terceiro setor”. Todo o processo contido no Plano Diretor de Reforma do Estado, que confere à assistência o atributo de serviços não exclusivos do Estado possibilita a permanência destes velhos e (modernos) móveis ideológicos ou no máximo a tensão entre direito (no que ainda possa ser alvo de regulação estatal no campo da assistência) e favor. A criação do SUAS significou, como também visto no artigo de abertura deste livro, um avanço na tentativa de organizar, racionalizar e regulamentar a relação público/privado. Não obstante este avanço, a subsunção desta política a uma política econômica neoliberal, não abre caminho para a redução daquelas ações anteriores no campo da assistência, mas a elas se articulam e nelas também se apóia. Portanto, a funcionalidade do terceiro setor para com o projeto neoliberal consiste em torná-lo instrumento, meio, para: • • justificar e legitimar o processo de desestruturação da Seguridade Social e desresponsabilização do Estado na intervenção social. Assume a função de transformar o padrão de respostas às refrações da “questão social”, constitutivo de direito universal, sob responsabilidade prioritária do Estado, em atividades localizadas e de autorresponsabilidade dos sujeitos portadores de carências. Atividades desenvolvidas por voluntários ou implementadas em organizações sem garantia de permanência, sem a noção e a perspectiva do direito. Difunde-se a ideia de que não se deve partir somente do Estado o provimento de bens e serviços, mas também das iniciativas particulares. Neste contexto, pode-se observar que assistência social, saúde, geração de emprego e renda, dente outros, passam a ser objetos de notória atuação das organizações sem fins lucrativos.Temos uma ampliação da rede de “proteção social” em detrimento da garantia e da qualidade dos serviços sociais estatais; desonerar o capital da responsabilidade de co-financiar as respostas às refrações da “questão social”; Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto • • • despolitizar os conflitos sociais dissipando-os e pulverizando-os. O que é hegemônico, neste campo, é a noção de solidariedade, em que a questão social deixa de ser uma questão política e transforma-se em uma questão moral e suas organizações não têm por finalidade a defesa de interesses coletivos, mas de grupos e/ou setores e segmentos determinados. Reforça-se as ações particularistas e coorporativas, tornado-se este o terreno propício para o desmonte de projetos coletivos e a mitificação de práticas isoladas e fragmentadas. Isto promove um esvaziamento do conteúdo político das ações pela evocação da solidariedade no âmbito local, mobilizando grupos e comunidades em favor de interesses particulares, imediatistas e pontuais; espraiamento dos sentimentos de autoajuda, ajuda-mútua ou na ajuda divina; localização da questão social, fortalecendo a perspectiva de uma autorresponsabilização individual ou de grupos de solidariedade pelas respostas às suas refrações. Algumas organizações componentes do “terceiro setor” refuncionalizaram suas ideologias e ações neste novo contexto de instrumentalização de suas ações pelo ideário neoliberal. No período referente ao final da década de 1970 e na década seguinte, as ONGs, por exemplo, tinham como missão contribuir para a organização e articulação dos movimentos sociais. Porém, no final dos anos 1990, houve uma inflexão nesta relação, onde as mesmas passaram a assumir posições antes ocupadas pelos movimentos sociais, e passam a tornar-se parceiras do Estado e do mercado. Esta nova configuração provoca mudanças na relação entre os movimentos sociais e o Estado, deixando de ser direta e passando a se constituir intermediada pelas ONGs. Opera-se, portanto, uma mudança na forma das lutas sociais, com possibilidade forte de perda do caráter politizado e conflitivo, uma vez que as ONGs passam a conquistar maior credibilidade e adesão da população, por terem fonte de obtenção de recursos, respaldo e credibilidade social por estarem desenvolvendo uma lógica gerencial, assentado em uma concepção de eficiência de projetos de intervenção social e de seus “produtos”. O campo das instituições denominadas sem fins lucrativos, particularmente as filantrópicas e assistenciais, remete à questão da boa vontade, da solidariedade e dos valores religiosos. São as que se dedicam Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 79 Apontamentos acerca do associativismo brasileiro e de sua relação com as políticas sociais 80 à prestação de serviços de naturezas diversas a grupos “fragilizados” e “pobres”. Mas também há instituições que evocam a construção dos direitos de cidadania, como no caso das associações comunitárias, de moradores, de profissionais, entidades de defesa de direitos humanos, de defesa de direitos civis etc. Já no campo das organizações voluntárias, há a existência de uma variedade de iniciativas que abarcam desde organizações de autoajuda ou ajuda-mútua, cooperativas dos mais diferentes tipos até associações profissionais. Segundo Landim (1993), as entidades de assistência social, por sua vez, estão geralmente distantes dos valores da “militância” e do campo dos movimentos sociais organizados. Se desenvolvem sob o monopólio da Igreja Católica, seguindo-se uma diversificação, sobretudo com as várias Igrejas Protestantes e os grupos Espíritas. Todas essas religiões possuem uma ação social - creches, orfanatos, asilos, centros de assistência social diversos - e são, no geral, pouco profissionalizadas. Esses grupos atingem as camadas mais marginalizadas da população, que têm pouca visibilidade e estão quotidianamente lá onde nem o Estado, nem os movimentos sociais organizados penetram. As organizações do “terceiro setor”, na maioria das vezes, não geram receitas suficientes para se manterem. Assim, têm necessidade de captar recursos fora de suas atividades fundantes. Estas atividades de arrecadação de recursos tornam-se não apenas uma atividade essencial da organização, mas ainda pode passar a orientar a filosofia e a condicionar a sua “missão”. Os recursos podem derivar de “doações” espontâneas e voluntárias dos membros filiados à organização e do público em geral; recursos financeiros, materiais ou humanos de empresas “doadoras” ou fundações de filantropia empresarial; instituições financeiras, que desembolsam recursos de forma direta ou indireta para o “Terceiro Setor” dos países periféricos; e os recursos governamentais, ou seja, o Estado através das chamadas parcerias com o “terceiro setor”, transfere fundos via subvenções, terceirizações e isenções de impostos. Explicitadas algumas configurações e tendências da relação entre Estado e associativismo - tendo como mediação o campo das políticas sociais - não podemos deixar de reconhecer que o fenômeno da vida associativa na sociedade brasileira ainda tem sido relativamente pouco estudado. Pesquisas com dados levantados e organizados em contextos históricos, especialmente nas realidades municipais, são ainda mais Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto raras6. O que encontramos, por exemplo, nos anuários estatísticos do IBGE, são dados fragmentados, descontínuos e seletivos sobre associações voluntárias, nos quais predomina sua face tradicional, assistencial e filantrópica e não (com a exceção dos sindicatos) o campo caracterizado pela ação coletiva ou o campo dos grupos de defesa de interesses e direitos7. É com o objetivo de contribuir para este debate, que realizamos uma pesquisa acerca do associativismo em Juiz de Fora. A importância deste estudo, para além da contribuição ao debate das configurações e características do associativismo brasileiro, é identificar as bases do associativismo e dos processos de participação no município8 em suas potencialidades e limites para a implementação do SUAS, que constitui um dos objetivos da pesquisa tratada neste Livro. 6 Informações oficiais sobre organizações privadas de tipo associativo têm sido residuais (as conhecidas pesquisas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/ PNAD, 1988/ e a Pesquisa Mensal de Emprego/PME, 1996, são domiciliares e medem a participação associativa, não as organizações. Essas duas pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) abrangeram seis das dez regiões metropolitanas do país: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre. Segundo os dados, as taxas de associativismo girava, em 1996, em torno de 31%. Segundo Avritzer (2004, p. 14), os dados do IBGE mostram um crescimento significativo da população associada apenas nos casos das associações recreativas e religiosas, apontando a quase estagnação no caso das associações comunitárias. 7 Entre 1996 e 2002 o número de entidades sem fins lucrativos cresceu 157%. Trata-se de um conjunto formado, sobretudo por grupos de desenvolvimento e defesa de direitos, religião, associações patronais e profissionais. Essa temática é composta pela maior proporção de associações, em que temos o peso das comunitárias e de moradores e entidades de defesa de direitos de grupos e de minorias que são, em geral, denominadas de ONGs (entidades voltadas para a defesa de mulheres, crianças, adolescentes, negros, índios, portadores do HIV, de necessidades especiais). As de defesa de direitos e profissionais destacam-se em termos de aumento relativo na participação do perfil associativo brasileiro. Em termos de número de entidades, o primeiro lugar continua sendo o das religiosas (cf. SHERER-WARREN, 2004). A realização da presente pesquisa é uma continuidade de uma pesquisa realizada em 2007-08, Coordenada pela Profa. Maria Lúcia Duriguetto intitulada Participação e Associativismo Popular em Juiz de Fora, cujos resultados parciais podem ser consultados em Duriguetto, Ma. L et al (2009). 8 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 81 Apontamentos acerca do associativismo brasileiro e de sua relação com as políticas sociais 82 Referências AVRITZER, L. A Participação em São Paulo. São Paulo: Ed. UNESP, 2004. BEZERRA, C. S. Cultura e democracia no Brasil; uma análise dos anos 70. 1998, 284f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social), UFRJ, Rio de Janeiro,1998. BOSCHI, R. R. A arte da associação. Rio de Janeiro: Vértice, 1987. COUTINHO, C. N. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus, 1991. DAGNINO, E. 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Martins3 Mariana de Almeida P. Maddalena4 A seleção das instituições pesquisadas foi feita a partir de um levantamento realizado pelo Centro de Pesquisas Sociais da UFJF e dos dados fornecidos pelo Conselho Municipal de Assistência Social de Juiz de Fora. Estas fontes nos revelaram um universo de 132 instituições/ organizações/movimentos localizado nas diferentes Regiões Administrativas do Município. Deste universo, 77 foram localizadas para a realização da pesquisa. Seus representantes foram entrevistados por meio da técnica de questionário, com perguntas abertas e fechadas. Neste item, a exposição Professora Adjunta da FSS UFJF. Dra. em Serviço Social UFRJ Professora Adjunta da FSS UFJF. Dra. em Serviço Social UFRJ Aluna de Iniciação cientifica FSS- UFJF Aluna de Iniciação cientifica FSS- UFJF 1 2 3 4 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais 86 está organizada em subitens, que foram os eixos estruturantes das questões formuladas no questionário. 1CaracterizaçãodaInstituição/Organização/ Movimento Foram entrevistados representantes de 77 instituições/organizações/ movimentos conforme a tabela abaixo. A maioria delas se concentra na região leste. Tabela 1 - Distribuição das instituições/organizações/movimentos por regiões Regiões Instituições % Leste 26 33 Sudeste 9 11 Oeste 12 15 Nordeste 16 20 Centro 5 6 Norte 1 1,29 Sul 7 9,0 Sem endereço 2 2,59 Fonte: Pesquisa Análise das condições sociais, políticas e culturais e da intervenção profissional do Assistente Social na implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em Juiz de Fora (período 2005-2009). Quanto ao que denominamos como natureza das instituições, observamos a prevalência de instituições comunitárias (40,25%), religiosas (29,87%) e filantrópicas (19,48%). Houve também uma menor incidência (10,38%) de instituições cujos representantes mencionaram outra natureza, como ajuda mútua, empresarial, particular, cultural, associação municipal, associações recreativas e grupo de autoajuda. Em relação ao perfil dos representantes, 55,84% são do sexo feminino e 44,15% são do sexo masculino; 3,89% estão abaixo dos 30 anos; 14,28% possuem de 30 a 40 anos; 27,27% possuem de 41 a 50 anos; 28,57%, de 51 a 60 anos; 19,48% de 61 a 70 anos e 3,89% estão acima de 70 anos. No que diz respeito à escolaridade, verificou-se que 12,98% possuem ensino fundamental incompleto; 11,68% possuem ensino fundamental completo, 7,79%, ensino médio incompleto; 29,87%, ensino médio completo; 7,79%, ensino superior incompleto; 22,07%, ensino superior Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena completo e 7,79% possuem pós-graduação. No que se refere à área de formação, alguns cursos se destacaram, tais como Serviço Social, Psicologia, Pedagogia e Direito. É importante observarmos que este perfil aponta para uma certa profissionalização dos representantes das instituições. Com relação ao tempo de participação nas instituições/ organizações/ movimentos, constatou-se que 54,54% atuam de 1 a 10 anos; 23,37% de 11 a 20 anos; 15,58% de 21 a 30 anos; 1,29% mais de 30 anos e 3,89% não informaram. Um representante informou atuar na instituição há menos de um ano. Sobre este dado, é importante destacarmos que mais da metade dos representantes iniciou sua militância nos últimos dez anos, mesmo período do avanço do neoliberalismo no Brasil e da estratégia de refilantropização no tratamento da questão social. Com relação ao vínculo, a maioria dos representantes, 75,32%, afirmou ser o dirigente da instituição; 14,28% são voluntários; 7,79% são trabalhadores assalariados e 2,59% não informaram. Os representantes que se declararam voluntários são, em sua maioria, membros de instituições religiosas,10,38%, e filantrópicas, 3,89%. Como podemos perceber, o número de pessoas que começou a atuar nas instituições no contexto neoliberal é alto (77,92 %) e o número de voluntários é quase o dobro em relação ao número de funcionários contratados. De acordo com as respostas coletadas, os motivos que levaram os representantes a participarem da instituição/organização/movimento seguiram direções bastante variadas. Contudo, algumas motivações aparecem de forma recorrente, tais como: reivindicações para melhorias no bairro (11,68%); motivações religiosas (9,09%) e interesse pela ação voluntária (9,09%). No que diz respeito às instituições religiosas, é possível perceber a preponderância de motivações de cunho particular nas respostas dos representantes, tais como “garantir uma realização pessoal” e “se sentir útil” após a aposentadoria. Nas instituições comunitárias, por sua vez, nota-se que os motivos que levaram os representantes a participar referem-se à atenção às demandas imediatas de suas regiões e comunidades. No conjunto das outras instituições, outros motivos também foram recorrentes, porém em menor escala: questões relacionadas ao alcoolismo e dependência química, interesse pela educação e trabalho com crianças, interesses profissionais e participação em projetos sociais. Cabe salientar que apenas 2,59% dos representantes de uma organização comunitária e uma cultural, relacionaram a motivação para Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 87 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais 88 a participação a questões mais amplas que dizem respeito à democratização da sociedade e da luta contra o racismo. Os motivos da participação estão, assim, relacionados à atenção a demandas mais imediatas e locais e à busca de respostas mais emergenciais às expressões da questão social, com uma perspectiva de atenção para grupos específicos. Ainda com relação à participação, vale ressaltar que todos os representantes a consideraram importante, pois responde a diferentes expectativas, tais como motivação pessoal (22,07%); motivos profissionais (12,98%); importância de lutar pelos interesses do bairro (12,98%); interesse pela ação voluntária e solidariedade (20,78%); motivos religiosos (6,49%); melhorias nas condições de vida dos usuários (6,49%); atuação junto a um segmento específico (6,49%); conscientização e construção de sociedade mais justa (3,89%); busca de recursos orçamentários junto ao executivo (2,59%); necessidade da existência de uma organização para responder às demandas do bairro (2,59%); e 2,59% não responderam. Os itens que se referem a motivações mais amplas, que refletem interesses por melhorias de um coletivo, foram citadas exclusivamente por organizações comunitárias. Quando indagamos sobre a principal contribuição que a participação trouxe para a vida pessoal dos representantes, os entrevistados elencaram, em sua maioria, mais de uma alternativa. Dentre as que mais se destacaram: solidariedade e amor ao próximo (83,11%), ganhos espirituais (55,84%), citado majoritariamente pelas instituições religiosas, aprendizado na reivindicação dos direitos (49,35%), e consciência política (38,96%), sendo que estes dois últimos itens foram enfatizados pelas organizações comunitárias. Outras contribuições também foram citadas, porém em menor escala, tais como: aprendizado na defesa de seus interesses e ganhos materiais. Em relação às atividades de capacitação e aos meios utilizados para se atualizarem, a maioria dos representantes (79,22%) informou participar pela necessidade de atualização e aperfeiçoamento dos conhecimentos. No que se refere ao tipo de atividade de capacitação que participam, mais da metade dos representantes informou palestras, seminários, cursos, assembléias e oficinas, sendo que 49,35% mantém frequência eventual de participação e 27,27% são assíduos em suas participações. Dos entrevistados, 24,67% não apresentaram informação sobre o tipo de atividade da qual participa. Já em relação aos meios de informação utilizados pelos representantes para a sua atualização foram elencados o jornal televisivo, conversas e jornal impresso. Além destes meios de comunicação, alguns representantes também citaram, Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena porém em menor escala, a internet. Os representantes das instituições religiosas e filantrópicas elencaram as revistas, livros e rádio. É importante registrar que 20,77% dos representantes revelaram não participar de nenhuma atividade de capacitação ou de atualização, sendo que estes se concentram nas instituições/organizações/movimentos religiosas e comunitárias. A principal justificativa para esta não participação foi a falta de tempo e de recursos. 2 Histórico da Instituição/Organização/ Movimento Social No que se refere ao tempo de existência das instituições/ organizações/ movimentos, a maioria é anterior à década de 1980: 10,38% surgiram nos anos 50, 5,19%, nos anos 60, 11,68% na década de 70, 24,67% no decorrer da década de 80, 29,87% nos anos 90 e 14,28% a partir do ano 2000. A criação das religiosas se concentra nos anos 70; das filantrópicas laicas, nos anos 80 e das comunitárias, na década de 90. Quando indagados a respeito do motivo da criação da instituição/ organização/ movimento, as respostas concentraram-se em: busca de melhorias nas condições do bairro (25,98%), enfatizadas pelas comunitárias, atenção às demandas de segmentos sociais específicos (42,85%), citada por todos os entrevistados, mas sobretudo ressaltadas pelas filantrópico-laicas; iniciativa pessoal (9,09%), cuidado para com os necessitados (9,09%), organização das demandas e difusão de informações (3,89%), promoção do amor ao próximo (3,89%) e criação de elo entre poder público e comunidade (1,29%). Algumas instituições não tinham esta informação (3,89%). Sobre este dado, é importante ponderarmos que permanece uma motivação local (melhorias nos bairros) e grupal para o surgimento destas instituições, o que fortalece um traço ainda imediatista na organização da sociedade civil no município. No debate realizado acerca das principais lutas que a organização tem desenvolvido ao longo de sua existência, os representantes apontam que estas giram em torno de três aspectos que se relacionam com demandas institucionais (53,24%), demandas sociais (41,55%) e demandas institucionais e sociais (2,59%). Vale registrar ainda que dois representantes das instituições (2,59%) de natureza religiosa informaram que a organização em que atuam não desenvolveu lutas neste período. As lutas mais elencadas estão relacionadas às melhorias no espaço físico e ao reconhecimento da comunidade. Já as demandas sociais relacionam-se com demandas imediatas Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 89 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais 90 da população, tais como saneamento básico, doação de alimentos e diversas melhorias para o bairro, tendo sido citadas, majoritariamente, organizações comunitárias. No que diz respeito às demandas institucionais/sociais, enfatizou-se a conscientização das famílias, a luta por recursos humanos, o luta por transporte e a conquista de espaço físico. Os dados reforçam a idéia de que as demandas postas encontramse setorializadas, como no caso em que mais da metade das instituições/ organizações/ movimentos lutam por demandas que se relacionam com melhorias do espaço em que se instalam e, no campo social, por trazer respostas às demandas imediatas. No que se refere à problematização acerca das formas de encaminhamento das lutas desenvolvidas pela instituição, os representantes apontaram que, tanto as principais lutas desenvolvidas pela instituição/ organização/ movimento quanto às efetivadas no período de maior concentração de conquistas foram encaminhadas de maneira similar, ou seja, através de contatos com vereadores e prefeito (45,45%), reuniões com a direção (12,98%) e contato com a comunidade (31,16%) - citado de maneira preponderante pelas instituições religiosas. Em escala menor, informaram que o encaminhamento das lutas se efetivou através de apoio da igreja (7,79%), manifestações de protesto (9,09%), enfatizado pelas instituições comunitárias e contato com os conselhos (3,89%). Esses dados evidenciam o quanto as práticas de encaminhamento das demandas podem expressar estratégias baseadas no clientelismo e na política de favores, comprovada pela acentuada demanda para que os representantes do legislativo e do executivo as atendam de forma individualizada. Este processo nem sempre é percebido pelos representantes pois, quando indagados acerca da relação que a instituição mantém com políticos e/ ou partidos políticos, a maioria dos representantes das instituições (88,31%) informou que não existiu ou existe tal relação. Apenas (11,68%) dos entrevistados afirmaram existir essa relação, os quais atuam, majoritariamente, nas comunitárias e citaram contatos com vereadores e partidos políticos diversos. Um número significativo de instituições (29,87%) citou o contato com a comunidade no encaminhamento das lutas, o que nos parece um dado positivo e importante. Porém, a análise da totalidade dos dados nos faz indagar como e em que circunstância se dá este contato, bem como a finalidade que o orienta. Quando questionados sobre os principais problemas que as instituições identificam na região em que atuam e no município, foi possível perceber Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena que os representantes apontaram para problemas similares nestes dois âmbitos. Argumentaram, em sua maioria, acerca da ausência de políticas públicas nas mais diferentes áreas (57,14%), sendo que as mais citadas foram saúde, educação, habitação, saneamento básico e trabalho. Ainda dentro dos problemas mais citados, estão violência e drogas e, em menor escala, segurança pública e recursos financeiros. Quanto à problematização acerca das atuais demandas da instituição, os representantes direcionaram seus apontamentos para o fato de que estas se referem comumente à captação de recursos financeiros (37,66%), recursos humanos (25,37%) e melhorias no espaço físico e na infraestrutura da organização e da comunidade da qual faz parte (22,07%), o que evidencia a predominância de demandas internas em detrimento das demandas mais amplas. No entanto, podemos também concluir, a partir destes dados, que as instituições ainda estão carentes de uma infraestrutura que permita a elas potencializarem suas lutas e suas demandas, deixando de ampliar ou de reorientar suas ações em razão destes limites. No que se refere às estratégias utilizadas para o encaminhamento das demandas, os representantes elaboraram respostas similares: contato com vereadores e prefeito (37,27%), enfatizado pelas organizações filantrópicas e comunitárias, contato com conselhos de direito (10,09%), citado principalmente pelas instituições filantrópicas, contato com a comunidade (29,27%), mencionado pelas instituições religiosas e contato com outras instituições e órgãos municipais (12,38%), que foi a resposta mais recorrente entre as organizações comunitárias. Este dado reitera um encaminhamento que pode ser ainda referenciado pela troca de favores e pelo clientelismo, mas demonstra também que, dentre as instituições comunitárias, parece existir uma perspectiva de construção de lutas mais abrangentes e que congreguem diferentes sujeitos coletivos, o que parece ser um diferencial importante na condução das demandas. Segundo os representantes, estas estratégias de definição dos encaminhamentos das demandas são definidas em reuniões com a comunidade (29,87%), majoritariamente citado pelas comunitárias, e reuniões com membros da instituição/ organização/ movimento (71,42%). Vale mencionar que os representantes das instituições de associação cultural ou de ajuda mútua citaram que não há estratégias ou que esta é realizada apenas pelo próprio dirigente. Em relação ao processo de escolha dos representantes da instituição/ organização/movimento, em sua maioria (61,03%) se realiza através de Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 91 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais 92 eleição direta com voto secreto ou da assembléia com voto aberto. Uma parcela dos representantes (20,77%) destacou que esta escolha se realiza por indicação. Outro questionamento realizado diz respeito à participação da população nas instituições/ organizações/ movimentos. Os representantes, em sua maioria (67,53%), argumentam que esta ocorre e que é acentuada em momentos de ocorrência de eventos promovidos pela instituição/ organização/ movimento, em datas festivas, religiosas e em situações emergenciais. Foi citado pelos representantes que a divulgação e o conhecimento, por parte da população, do trabalho realizado pela instituição/ organização/ movimento é o fator responsável pela motivação à participação. No entanto, como explicitado, esta participação está centrada em momentos e eventos festivos. Parcela significativa dos representantes (32,46%) afirmaram não haver participação devido à falta de interesse, de mobilização e de consciência política por parte da população. No item relacionado às reivindicações que mais mobilizam a participação, apenas 31,17% dos representantes das comunitárias enfatizaram questões relacionadas a políticas públicas (saúde, educação, segurança, transporte, habitação), que apontam para demandas articuladas a interesses mais amplos. Foram citadas como reivindicações que mais mobilizam a população aquelas com caráter mais restrito, como demandas institucionais (7,79%), demandas de segmentos sociais específicos (12,98%), reivindicações individuais (5,19%) e questões relacionadas a infraestrutura (15,19%). Vale registrar que uma parcela dos representantes das instituições religiosas, comunitárias e filantrópicas (10,39%) informou que não existem reivindicações que mobilizem a população, 5,19% não soube responder e 11,69% não tem esta informação. A respeito das atividades que as instituições/ organizações/ movimentos participaram nos últimos anos, os representantes, em sua maioria, responderam mais de uma ação: lista ou abaixo assinado (35,06%), trabalhos voluntários (75,32%), manifestações de protesto (15,58%), reuniões de grupos locais (68,83%), conferências municipais (45,45%), conferências ou reuniões de grupos locais (45,45%), reuniões e atividades dos conselhos de direitos (31,16%), sendo os mais citados o de assistência, saúde e criança e adolescente. Dentre as instituições comunitárias, as atividades evidenciadas foram reuniões de grupos locais, trabalho voluntário e lista de abaixo assinado, em escala bem menor também citaram manifestações de protesto. Nas instituições de natureza filantrópica, sobressaíram ações como trabalho Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena voluntário e conferências municipais e nas instituições religiosas as atividades mais citadas foram trabalho voluntário e reuniões de grupos locais. Estes dados apontam para uma diversificada ação destas instituições no município. No entanto, podemos ver a acentuada ação em relação ao trabalho voluntário. A maioria das instituições tem participado de conferências, que representam um espaço de afirmação da participação popular e de construção coletiva das demandas reivindicativas de políticas públicas no município. Entretanto, a participação nos conselhos de direitos é residual. 3 Caracterizaçãodavisãodepolíticasocial/ assistência social Neste outro eixo de discussões, buscamos analisar a relação entre as instituições pesquisadas e a Política de Assistência Social. No que se refere à indagação feita sobre o entendimento dos representantes acerca das políticas públicas houve, majoritariamente, (66,22%), a referência a um trabalho voltado para melhorar a vida da população. Em menor escala, alguns representantes (6,49%) associaram seu entendimento acerca dessas políticas à assistência social. Apenas 2,59% dos representantes atuantes em instituições religiosas e de associação cultural mencionaram que as políticas públicas constituem direitos de todo cidadão. Vale registrar que 24,67% não souberam responder a essa questão. A respeito da responsabilidade do Estado com relação às políticas sociais, 35,06% acreditam que é dele o dever de garanti-las, 19,48% atribuem à responsabilidade estatal a disponibilização de recursos financeiros e contratação de profissionais, 6,49% acreditam que a responsabilidade é das pessoas e não do Estado, item citado pelo menos uma vez por representantes das instituições religiosas, comunitárias e filantrópicas e 38,96% não souberam responder. Com relação à indagação a respeito de como o Estado tem respondido às suas responsabilidades para com a política social, as respostas ficaram circunscritas entre 37,63% que afirmaram que o Estado tem respondido de forma precária e 28,57% que afirmaram que o Estado não tem respondido às necessidades da população, demonstrando reconhecer, ou pelo menos identificar, o processo de desmonte do Estado impulsionado pelo ideário neoliberal. Uma minoria (9,0%) de representantes afirmou que o Estado tem respondido bem às suas responsabilidades, sendo que estes se concentram em Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 93 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais 94 representantes das instituições comunitárias, 12,99% dos entrevistados não souberam responder, sendo que metade são representantes de instituições religiosas. Um representante de instituição religiosa (1,29%) e um de organização comunitária (1,29%) informou que o Estado apenas responde às reivindicações da população no período de eleição, 2,59% responderam que o Estado tem respondido. A análise dos dados referentes às políticas públicas aponta que é possível perceber que os representantes reconhecem a responsabilidade pública no que se refere às políticas sociais (embora a relativizem), demonstrando a perspectiva de que o Estado ainda é reconhecido como a instância prioritária para a garantia de direitos sociais. Em relação ao conhecimento dos representantes acerca das políticas públicas em Juiz de Fora, 66,23% não souberam responder, 18,18% citaram a AMAC, sendo a metade destes representantes das instituições comunitárias, e 7,79% citaram os conselhos. Em menor escala, as respostas enfatizaram programas como o Bolsa Família, outros programas assistenciais municipais, como também instituições e secretarias municipais de políticas sociais. Apenas dois entrevistados enfatizaram o conteúdo das políticas, ressaltando seu caráter clientelista e, no campo específico da juventude, ressaltaram o caráter precário da política. Tais dados corroboram com as respostas acerca das dificuldades e limites que apontam na condução da política de assistência social no município. A maioria dos entrevistados (59,74%) não soube responder, sendo que as instituições religiosas em maior incidência. Os representantes das instituições comunitárias (11,68%) ressaltaram a falta de investimento, 10,38% destacam a organização do sistema e também os interesses eleitoreiros. Quando indagados acerca de como a administração municipal tem tratado a política de assistência em relação às demais políticas municipais, 31,16% não souberam responder, 23,27% afirmaram a desatenção do poder público em relação à política e 9,09% explicitaram que esta política tem recebido um tratamento mais positivo em relação às outras, 2,59% ressaltaram que a política de assistência social tem sido tratada da mesma forma que as demais políticas. Os dados apontam para a confirmação da falta de uma concepção mais crítica acerca do que constitui as políticas sociais. Os representantes as relacionam muito mais com elementos, programas e instituições do que com a dinâmica de correlação de forças ou de representação de interesses na Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena sociedade, o que demonstra o desconhecimento e desarticulação da política de assistência bem como o envolvimento com seus encaminhamentos. Este elemento se confirma e se agrava quando analisamos acerca do conhecimento a respeito do SUAS. A maioria (75,36%) respondeu não conhecer o SUAS, o que foi também observado nas respostas acerca da compatibilidade das ações da organização com o que está previsto no SUAS, em que 83,11% dos entrevistados não souberam responder ou não apresentaram informação. Os representantes que informaram possuir conhecimento sobre o SUAS (16,88%) atuam em instituições de natureza comunitária e filantrópico-laica e relacionaram este conhecimento à implantação dos CRAS ou fizeram referência a estes centros. Também foi destacado o desenvolvimento da rede social. Em relação ao conhecimento do processo de implementação do SUAS, 74,02% dos representantes não souberam responder, assim como também não souberam analisar o processo de implementação da política de assistência social no município. Aqueles que revelaram ter conhecimento de tal processo de implementação foram 23,37% dos entrevistados e 3,89% elencaram a implantação dos CRAS. Dos entrevistados que conseguiram analisar o processo, 6,49% afirmaram que este tem se dado de maneira positiva, mas não identificaram os elementos que justificam essa afirmativa. Apenas 2,59% representantes afirmaram que o referido processo tem se dado de forma ruim, sob a alegação de que existe um número reduzido de projetos na área da assistência social e falta de recursos. 4 Caracterizaçãodasaçõesdasinstituições/ organizações/movimentos Com relação aos objetivos da instituição/organização/movimento, 36,36% estão concentradas no atendimento a demandas de segmentos sociais específicos, o que foi mais evidenciado pelas instituições filantrópicas; 32,46% destinam-se à ajuda para a promoção humana mencionado principalmente pelas instituições religiosas, e 22,07% lutam pelo bem-estar da comunidade, conforme destacado particularmente pelas comunitárias. As instituições religiosas também destacaram como seus objetivos a orientação espiritual (3,89%) e as comunitárias, a informação e a conscientização da população (2,58%). Duas (2,58%) instituições de associação cultural citaram a luta Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 95 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais 96 contra o preconceito como o seu objetivo principal. Quanto ao público alvo destas instituições, foram mencionados, principalmente, crianças e adolescentes (33,76%), moradores da comunidade (37,66%), população carente em geral (15,58%), dependentes químicos (3,89%), portadores de enfermidades como HIV, câncer, doenças renais (3,89%), idosos (2,58%) e moradores de rua (2,58%). O vínculo institucional dos participantes nas instituições se dá pela via do trabalho voluntário (83,11%) e apenas 29,87% possuem vínculo empregatício. Este dado comprova, mais uma vez, a lógica neoliberal de fortalecimento do voluntariado e de encaminhamento da atenção das manifestações da questão social por um processo de exaltação e de valorização da ação solidária. Outro dado que nos interessou particularmente foi saber como é o vínculo de profissionais do Serviço Social com as instituições pesquisadas. Na maioria delas (75,32%), não há profissional do Serviço Social. Nas instituições em que há a presença deste profissional (23,37%), o vínculo empregatício dos mesmos divide-se em contratados (15,58%) e voluntários (7,79%). As instituições de natureza filantrópico-laica foram as que apresentaram a maior presença de assistentes sociais com vínculo empregatício. Em relação às principais demandas da população atendida, foram citados serviços e políticas públicas (46,75%), resposta majoritariamente enfatizada pelas comunitárias; 38,96% se relacionam com serviços assistenciais, o que foi mencionado principalmente pelas religiosas; 19,48% demandam atendimento de necessidades de segmentos específicos e 11,68% apresentaram demanda por trabalho e qualificação profissional. No que se refere às respostas às demandas da população atendida, a maioria das instituições religiosas ressaltou as doações (12,98%). Os representantes das comunitárias informaram que as respostas realizam-se através de articulação com a prefeitura e órgãos competentes (14,28%). As demais respostas ressaltaram o oferecimento de seus serviços e orientações às famílias (18,18%) e a realização de encaminhamentos (12,98%). Uma parcela dos representantes (9,10%) informou não estar respondendo às demandas da população, 3,89% não souberam responder e 12,98% deram respostas diversas. Este dado nos revela um atendimento emergencial às demandas, constituindo uma condição de ausência ou de fragilidade de articulações mais amplas e coletivas em torno das demandas da população. A relação destas instituições com os conselhos de direitos também nos pareceu uma informação relevante. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena A maioria dos representantes (54,54%) revelou não ter nenhum conhecimento a respeito dos conselhos de direitos ou do trabalho por eles desenvolvidos, sendo 20,77% representantes das religiosas. Os que afirmaram ter conhecimento (40,25%), sendo mais da metade representantes das comunitárias, citaram os conselhos da assistência, saúde e criança e adolescente. A maioria dos representantes (63,63%) afirmou ainda que a entidade em que participam não atuou ou atua como conselheira. Aqueles representantes que informaram que a instituição já atuou ou atua como conselheira (33,76%) citaram essa atuação nos conselhos de saúde, assistência social, idoso, população negra e criança e adolescente. No que se refere à fonte de recursos, as respostas recorrentes dos representantes giraram em torno de doações, campanhas e contribuição de sócios (57,14%), convênios/recursos AMAC (5,19%) pagamento de mensalidades (10,39%), parcerias/convênios com a prefeitura (14,28%) e eventos (2,58%). O número de instituições que recebem recursos públicos é também significativo (19,48%), em que 14,28% recebem verbas do governo municipal e 5,19% do governo federal. Vale registrar ainda que 10,39% dos representantes revelaram que a instituição não dispõe de nenhuma fonte de recursos. Em relação ao processo de planejamento e de avaliação das ações desenvolvidas, a maioria (76,62%) desenvolve algum tipo de atividade com esta finalidade. Apenas 22,07% das instituições não realizam este processo. Das respostas afirmativas, a maioria (62,33%) é realizada através de reuniões, sendo que em mais da metade delas são feitas apenas com a direção da instituição. Em menor escala, estas reuniões são estendidas ao conjunto da comunidade onde a instituição está inserida. De forma geral, podemos afirmar que a preocupação dos representantes com o processo de capacitação das pessoas que planejam, executam e avaliam as ações das instituições é ainda relativamente pequena. Em apenas 44,15% delas afirmou-se a realização de palestras, cursos e seminários com esta finalidade, enquanto 51,94% representantes responderam que não existe nenhuma forma de capacitação, concentrados principalmente nas instituições de natureza comunitária, (3,79%). Ao serem indagados acerca das dificuldades para a realização das atividades desenvolvidas, os representantes destacaram questões financeiras (57,14%), falta de voluntários (42,85%), falta de espaço físico (5,19%), falta de apoio e parceria dos órgãos públicos e da comunidade (3,89%). Tais dificuldades, como podemos perceber, se referem principalmente a Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 97 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais 98 questões internas à própria instituição, que demandam não só a organização das mesmas, mas também um maior envolvimento da população atendida. Em contraposição a estes dados, também houve um representante das comunitárias que destacou o fato de dependerem do poder executivo e das secretarias. Um representante das instituições filantrópicas citou a dificuldade com a rede socioassistencial do município. Quando indagados acerca da articulação da instituição com outras organizações e movimentos sociais existentes no bairro e/ou no município, 50,64% dos representantes afirmaram que a instituição em que atuam possui este tipo de articulação, principalmente com as instituições religiosas. Os representantes também citaram as UBSs, associação de moradores, escolas e programas da AMAC. No que se refere ao tipo de articulação, os entrevistados afirmaram que é estabelecida em torno de ajuda, doações, cursos de capacitação, convênio, encaminhamentos, utilização do espaço físico, dentre outros. 5 Relação entre a instituição/organização/ movimento e o trabalho profissional do Assistente Social Em relação ao conhecimento dos representantes sobre atividades realizadas pelo Serviço Social, constatou-se que 67,53% conhecem a prática profissional do Assistente Social e a identificam, majoritariamente, através de encaminhamentos, visitas domiciliares e no atendimento às famílias e aos usuários em suas demandas específicas (sua atuação nas UBSs e creches). Também foram citadas, por um representante das religiosas e por um das filantrópicas, ações como conscientização e defesa dos interesses e direitos da população. É importante ressaltar que, em muitas respostas, percebe-se a presença de palavras como ajuda, auxílio, amparo, cuidado e identificação de problemas. Quando indagados sobre a realização de atividade do Assistente Social, as respostas mostraram que em 58,44% das instituições/organizações/ movimentos, o Serviço Social não realizou atividades, resposta predominante nas comunitárias e religiosas. Em 41,55%, houve a realização de trabalhos, identificada em menor incidência nas religiosas e em maior nas filantrópicas. Os representantes indicaram como a principal atividade realizada pelos Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena Assistentes Sociais as visitas domiciliares, reuniões, trabalho com famílias, palestras e encaminhamentos5. Considerações e desafios Compuseram o primeiro momento da nossa pesquisa questões referentes à configuração das instituições/organizações/movimentos (caracterização dos representantes, natureza, objetivos e ações desenvolvidas pelas suas organizações, conhecimento da realidade municipal, entre outros.). Quando questionados sobre os principais problemas que as instituições identificam na região em que atuam, os entrevistados argumentaram, em sua maioria, acerca da ausência de políticas públicas nas mais diferentes áreas, sendo que as mais citadas foram saúde, assistência social, saneamento básico e trabalho. A mesma argumentação foi recolocada pelos entrevistados quando questionados acerca dos principais problemas que envolvem o município de Juiz de Fora. Reafirmam a carência de políticas públicas e a falta de atenção do poder público para com as comunidades, destacando as áreas de saúde, segurança pública, trabalho, infância e juventude e educação. Ao identificarem estes problemas, alguns entrevistados recolocam que as expectativas de atenção das demandas do município ainda são depositadas na figura do Estado e que a ausência ou o encolhimento deste em suas responsabilidades, principalmente sociais, estratégia própria da orientação neoliberal, acaba por reforçar uma perspectiva assistencialista e imediatista no campo das políticas sociais. O trabalho que as instituições/organizações/movimentos vêm desenvolvendo nas comunidades em que estão inseridas também foi objeto de problematização por parte dos entrevistados. No que se refere às principais demandas atuais da instituição/organização/movimento, os entrevistados se concentraram na apresentação de demandas internas e demandas externas, que se referem, sobretudo, às condições e aos equipamentos sociais ausentes nas regiões em que atuam. Em sua maioria, os representantes reconhecem que as reivindicações que mais mobilizam a população dizem respeito ao desenvolvimento de 5 Para uma reflexão acerca da relação do Serviço Social com as instituições/ organizações/movimentos que atuam no campo da assistência conferir o Capítulo 5 deste livro. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 99 Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais políticas públicas nas mais diferentes áreas, como a saúde, o saneamento 100 básico e a segurança pública. Como vimos, uma das propostas de proteção social sob a ideologia neoliberal veio da valorização do chamado “terceiro setor”. A justificativa desta valorização reside na ideia de que não se deve partir somente do Estado o provimento de bens e serviços, mas também das iniciativas particulares. Durante a pesquisa, observamos que a maioria dos representantes tem como objetivo desenvolver ações de assistência social, no atendimento às necessidades materiais dos indivíduos, e observamos que grande parte das ações realizadas estão na área da filantropia, da ajuda mútua. Poucos têm como objetivo a promoção da defesa dos direitos. Pudemos constatar que atuam com projetos e programas pontuais, seletivos e focalizados. Propõem uma política de beneficência pública ou assistencialista, com um forte grau de imposição sobre que programas instrumentar e quem incluir. Os critérios de acesso dos “usuários” de suas ações nem sempre são publicamente definidos, muito menos socialmente controlados. Os representantes pesquisados ao se referirem às demandas e conquistas de suas organizações partem de referências em o que se destaca não é o discurso dos direitos ou da cidadania, mas a dimensão pragmática de uma luta voltada para políticas e serviços localizados (para as suas regiões e bairros de atuação) e para segmentos específicos. Notamos que grande parte das instituições atuam com o apoio da caridade individual e da solidariedade social devido ao fato de terem como limites para a execução de seus serviços a falta de recursos financeiros e falta de apoio do poder público. A forma de utilização dos recursos públicos tampouco é transparente. O caráter voluntário ou o contrato precário do trabalho não permite um vínculo duradouro necessário à continuidade dos programas ou a uma profissionalização necessária à qualidade de suas ações. A investigação do perfil dos representantes entrevistados levou à identificação de indivíduos com pouca trajetória de militância política, déficit de formação de novas lideranças (para a organização e mobilização das comunidades) e de conhecimento acerca das políticas sociais, em particular da assistência social. O conteúdo das entrevistas sinaliza uma valorização do contato das associações com o poder executivo e legislativo para o encaminhamento das demandas. Tais iniciativas não têm relação direta com a organização popular e com a perspectiva de direitos, fortalecendo as práticas políticas clientelistas. A ênfase na importância dos contatos com representantes do executivo e do legislativo como forma de atendimento das demandas evidencia também uma Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Cristina Simões Bezerra | Maria Lúcia Duriguetto | Maria Zilda F. Martins | Mariana de Almeida P. Maddalena desarticulação generalizada entre as instituições/organizações/movimentos pesquisados, bem como a inexistência de formas de atuação voltadas para o 101 estabelecimento de relações com movimentos e organizações autônomas das classes subalternas. Também revela a ausência de iniciativas de ocupação de canais institucionalizados de participação nos campos da política, como os conselhos. No que tange aos canais institucionalizados de participação, algumas limitações comuns consistem na falta de informação sobre os espaços participativos existentes, desarticulação dos movimentos sociais e a ausência de uma estratégia articulada coletivamente para a ocupação dos espaços institucionais. Verificase uma escassez de conhecimentos a respeito dos acontecimentos e decisões ocorridos nesses espaços. Tal constatação indica a ausência de interlocução entre os movimentos participantes desses espaços e, por consequência, ausência de estratégias coletivas que contribuíssem para aglutinar forças para a defesa de bandeiras comuns em espaços onde interesses contraditórios encontram-se representados. Muitas vezes essa desarticulação é atribuída à disputa de prestígio, que coloca as lideranças na condição de rivalidade na disputa por recursos junto aos setores públicos e privados. Tal fato é a expressão da fragmentação e setorialização das reivindicações, e demonstra a necessidade de articulação entre as organizações no sentido de ampliar a capacidade de luta e de intervenção nas políticas públicas. Verificou-se, também, a marcante ausência de participação comunitária nas instituições/movimentos/organizações, bem como a inexistência de estratégias criadas por estas para fomentar e induzir esta participação. O objeto de investigação, no segundo momento da pesquisa, foram os eixos sobre a concepção de política social e a concepção de política de assistência. Interessou-nos, aqui, analisar como é vista a política social pública e a política de assistência na visão dos representantes. Chama atenção o número significativo de representantes que não souberam responder acerca do andamento das políticas sociais no município. Este desconhecimento ganha contornos mais específicos quando observamos que estes entrevistados reconhecem que a ausência de políticas públicas e a demanda por elas por parte da população são marcantes nas regiões onde atuam e no município. Este dado revela pequena capacitação teórica e política dos representantes destas entidades no entendimento do quadro operativo e normativo maior aos quais suas ações estão dependentes. Em relação à particularidade da política de assistência, essa lacuna se amplia. O desconhecimento do SUAS e da política de assistência, bem como o seu conhecimento sustentado apenas pelo conhecimento de programas e Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Apontamentos do associativismo municipal e sua relação com as políticas sociais órgãos que são responsáveis pela condução da política no município, desdobra102 se nas respostas generalistas quando indagados acerca das dificuldades e limites percebidos na condução da política de assistência social no município. Nestas, a maioria destacou a falta ou má distribuição de recursos financeiros e de investimento na política de assistência social. Os entrevistados também não demostraram conhecimentos e condições de avaliar a atuação do poder público municipal no campo da política de assistência, o que coaduna com a desinformação acerca do processo de implementação dessa política exposto anteriormente. Dessa forma, apesar de terem como lócus de atuação o campo da assistência, a maioria dos entrevistados desconhecem o SUAS. A relação entre direito e a política de assistência que se estabelece assume significado inteiramente diverso de seu desenvolvimento como prática de ajuda. Dessa forma, enquanto esta guia-se por princípios humanitários, por sentimentos de dever moral, subjetivos e sujeitos à vontade e possibilidade pessoais e políticas, o dever legal de assistência submete-se a alguns imperativos públicos e ao controle social. Podemos concluir que o chamado “terceiro setor” tem se tornado um campo de fundamental importância para a execução das políticas sociais, particularmente, da política de assistência. As concepções de política de assistência, o desconhecimento das ações públicas federais e municipais dessa política, seus objetivos etc., explicitados pelos representantes entrevistados, as aproximam do ideário neoliberal e da concepção de política social defendida por este, ou seja, o forte apelo à questão da filantropia e da solidariedade social como ações que devem ser otimizadas ao lado das ações políticas públicas seletivas e focalizadas. Os dados da pesquisa revelam a configuração de organizações e formas de participação inteiramente despolitizadas e despolitizadoras, particularmente por preponderar uma cultura associativista religiosa cujos ganhos de pertencimento são o do crescimento e enriquecimento espiritual e o do desenvolvimento da solidariedade. Percebe-se, ainda, a inexistência de movimentos sociais capazes de colocar em pauta algo mais que reivindicações imediatas, pontuais e particularistas, centradas em demandas por serviços que compõem o campo das políticas sociais. Os conteúdos informativos dos dados levantados na realidade municipal revelam um grande desafio para alimentar o “otimismo da vontade”: a construção, pelas classes e camadas subalternas, de uma visão integrada de suas necessidades, interesses, reivindicações e ações práticopolíticas, incorporando-as em um quadro abrangente e classista. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Capítulo 5 O exercício profissional na implementação do SUAS: Projeto Ético Político, cultura profissional e intervenção profissional Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras1 Carina Berta Moljo2 Cláudia Mônica dos Santos3 Este capítulo tem como objetivo refletir acerca do exercício profissional dos Assistentes Sociais no processo de implementação do Sistema Único da Assistência Social em Juiz de Fora. Os parâmetros de análise foram as dimensões ético-políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas que constituem a intervenção profissional do Assistente Social. Nesta direção, os eixos que balizaram nossas reflexões foram: 1) a apreensão da Política de Assistência Social no campo da Seguridade Social brasileira na Professora Adjunta FSS- UFJF. Drª em Serviço Social UFRJ Professora Adjunta FSS- UFJF. Drª em Serviço Social. PUC-SP. Pesquisadora PQ CNPq Professora Adjunta FSS- UFJF. Drª em Serviço Social UFRJ. Presidente da ABEPSS 1 2 3 O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional contemporaneidade e, dentro desta, a particularidade da Política Nacional 104 de Assistência Social no Governo Lula, com destaque para o modo de gestão que ela inaugura e para a relação sócio-histórica de suas imbricações com o desenvolvimento do capitalismo no Brasil; 2) a inserção sócio-ocupacional do Serviço Social no âmbito da assistência social em Juiz de Fora, particularizada pela mediação socioinstitucional materializada na Associação Municipal de Apoio Comunitário – AMAC, responsável, até esta época, pela organização e execução da política de assistência social no município e pelas instituições conveniadas que constituem o “chamado” terceiro setor; 3) o projeto profissional hegemônico no Serviço Social brasileiro, que fruto do processo de renovação sob a perspectiva de intenção de ruptura, pode apreender o significado sócio-histórico da profissão e de seus comprometimentos ético-políticos, possibilitando o exercício da autonomia técnico-política dos Assistentes Sociais. Tal projeto emerge como ruptura com uma cultura profissional conservadora4, demonstrando um novo acúmulo político e teórico no âmbito do Serviço Social. Os dois primeiros eixos foram objeto de exposição nos primeiros capítulos deste livro. Eles são centrais para a compreensão do exercício profissional, considerando que a inserção sócio-ocupacional do Serviço Social e sua apreensão implicam no desvelamento das mediações sócio-históricas e socioinstitucionais, as quais atravessam as demandas ou as requisições postas à profissão, constituindo as condições objetivas presentes no exercício profissional. Essas condições objetivas aparecem na necessidade da profissão em responder às demandas da sociedade e se expressam através de requisições 4 Partimos da compreensão que o conservadorismo seja um conjunto de ideias, um modo de pensar que permeia tanto a teoria quanto a doutrina. Esta forma de pensar se vincula historicamente ao pensador inglês Edmundo Burke (1729). Ele surge como uma reação ao Iluminismo e ao projeto da modernidade. Tem imperativos morais procurando conservar a ordem, tratando dos “problemas da integração e desintegração”. Na década de 1930, nasce o reformismo conservador que procura responder à questão social como uma questão moral e religiosa. O pensamento conservador entende que seja o papel do Estado preservar e regular a força de trabalho assim como “tutelar” os direitos que estavam sendo conquistados nesse período histórico. Nessa direção é que surge o Serviço Social no Brasil, vinculado à Igreja Católica, com bases doutrinárias. Será a partir de finais de década de 60 que o Serviço Social romperá, através de vertente de intenção de ruptura, com o pensamento conservador, construindo outra concepção de sociedade, de sujeito e, portanto, de Serviço Social. Esta visão está organicamente vinculada ao projeto éticopolítico-profissional, como veremos no transcurso deste artigo, para aprofundar sobre essa questão. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos sócio-profissionais e políticas, demarcadas pelas correlações de forças sociais, 105 principalmente, entre capital e trabalho. A partir dessa compreensão, trabalhamos, neste capítulo, o exercício profissional referenciado no projeto profissional hegemônico buscando apreendê-lo no âmbito da cultura profissional do Serviço Social, a qual se expressa, de modo heterogêneo, nas dimensões da intervenção profissional. Nessa direção, problematizamos a intervenção profissional do Assistente Social nas diferentes dimensões que a constituem: a teórico-metodológica, a ético-política e a técnico-operativa, entendendo que estas três dimensões constituem uma unidade indissolúvel, mesmo que cada uma mantenha as suas particularidades5, ou seja, elas constituem uma unidade na diversidade. Trata-se de apreender a inserção do Serviço Social nos diferentes espaços sócioocupacionais, quer dizer na realidade concreta, bem como problematizar a relação entre a intervenção profissional mediada pela condição de assalariamento, ou seja, na condição de trabalho assalariado. Consideramos que o Serviço Social não se constitui como uma profissão “homogênea”, mas sim, é uma profissão que tem projetos em confrontos e que disputam a hegemonia. Esses projetos traduzem diferentes concepções da profissão que, por sua vez, expressam a cultura profissional em seus acúmulos teóricos, procedimentais e políticos, tensionados internamente e confrontados com as condições objetivas e subjetivas presentes na ação dos assistentes sociais. Desta forma, este capítulo está assim constituído: no primeiro item trabalhamos a cultura profissional e a construção do projeto ético-político no Serviço Social Brasileiro. No segundo, trabalhamos a dimensão técnico-operativa da intervenção profissional, oferecendo centralidade a um de seus elementos, qual seja, os instrumentos e técnicas da intervenção por considerá-lo como um dos elementos que expressa nossa cultura profissional e que materializa as demais dimensões. Por último, nos detivemos na análise da intervenção profissional do Assistente Social na implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) através dos Centros de Referência de Assistência Social em Juiz de Fora (CRAS) e rede conveniada, explicitando o processo de ação/compreensão dos Assistentes Sociais, tendo como pressuposto a inserção do Assistente Social como trabalhador assalariado (IAMAMOTO, 2007). Assim, uma das preocupações que guiaram a nossa pesquisa foi a de conhecer como os profissionais que estão inseridos na política de assistência 5 Ver Santos (2010). Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional social compreendem e explicam o Serviço Social, a mediação com o projeto 106 ético-político e sua materialização no cotidiano profissional. 1 A construção da cultura profissional do Assistente Social e a sua relação com o projeto ético-político O debate sobre “cultura ou cultura profissional” ainda não é muito expressivo no âmbito do Serviço Social6, entretanto, como mostram diversas pesquisas, ele vem crescendo, sobretudo, no âmbito da pós-graduação7. Lembremos que o CBAS de 2010 foi o terceiro encontro da categoria a ter um eixo de debate sobre esta temática. Conforme os dados apresentados por Iamamoto em 2004, dentre as linhas de pesquisas dos programas de pós-graduação, 14,5% trabalham sobre a “cultura e identidade: processos e práticas sociais”, isto quer dizer que esta linha de pesquisa ocupava o terceiro lugar dentro das linhas de pesquisas de todos os programas em 2004. Conforme os dados apresentados por Carvalho e Silva (2005), a incidência das temáticas presentes nas Áreas de concentração e Linhas de Pesquisa dos Programas de Pós-graduação em Serviço Social mostram que a temática que envolve a cultura teve nove indicações, ocupando o oitavo lugar em ordem decrescente. Se olharmos as linhas de pesquisa de cada programa, teremos que a mesma é associada a diferentes temáticas, inclusive em alguns programas ela faz parte de duas linhas de pesquisa (Subjetividade, Cultura, Práticas Sociais; Questão Social, Relações de Poder e Cultura; Serviço Social, Sociabilidade, Cotidiano, Cultura e Violência; Cultura, Identidade e Processos Sociais; Estado e Cultura; Cultura, Representações Sociais e Políticas Sociais; Questões Sócioambientais, Estudos Culturais e Desenvolvimento Sustentável; Cultura e Identidades Sociais; Política Social, Cultura e Prática Sociais). A pesquisa também mostra que as produções do corpo discente dos Programas de Pós-graduação de 1998 a 2002, com relação ao eixo da cultura e identidade ou ética, cultura, política e direitos humanos, também não ocupam os primeiros lugares, sendo que 4,60% das teses ou dissertações encontravam-se no eixo cultura e identidade (ocupando o décimo lugar), enquanto que os eixos ética, cultura, política e direitos humanos possuem 1,05% das teses ou dissertações (ocupando o décimo quarto lugar). O que nos chama a atenção é que esta tendência é revertida na hora de analisar a produção bibliográfica das pós-graduações no período compreendido entre 2001-2003. No que diz respeito a livros e coletâneas 8,55% das produções encontram-se no eixo ética, cultura, política, democracia, diversidade cultural, ocupando o quarto lugar dentro de todas as produções. Já no que se refere a capítulos de livros, este eixo ocupa o primeiro lugar dentre as produções bibliográficas (10,56%). Nos artigos publicados, este eixo representa 7,74% da produção, ocupando o quarto lugar. Tudo isso demonstra que esse eixo de análise vem crescendo dentro da nossa área. 6 7 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos Nas produções analisadas em outras pesquisas8 observamos que na maioria das publicações existe uma referência à cultura, sobretudo relacionada às 107 políticas sociais, assim como a cultura política. Entendemos que seja importante debater a dimensão da cultura na configuração da profissão, já que esta expressa uma forma de conceber o mundo e, portanto, uma forma de intervir na realidade concreta; implica ter uma concepção dos sujeitos que se manifestam na forma de relacionarmos com estes. Implica, ainda, escolher determinados objetos de estudos e analisar o homem na sua sociabilidade humana. A dimensão da cultura pode ser considerada como chave heurística para a analise de nossa profissão, seja para a intervenção do Assistente Social, seja para o conhecimento dos sujeitos, assim como para a compreensão da realidade concreta. Entretanto, esta dimensão não pode ser isolada da totalidade social mais ampla. Ela se inscreve dentro de uma totalidade maior e complexa. A cultura se inscreve dentro do processo de construção da história, ela faz parte deste complexo histórico, sendo a sua autonomia sempre relativa. Williams (1992) afirma que cultura é uma palavra de origem romana, criada a partir da expressão latina colere do cultivo, de cultivar alguma coisa. Posteriormente, seu significado foi atribuído à civilização e, atualmente, está relacionado às formas de expressão, arte, pensamento e ciência. Segundo Bezerra (2006), a cultura surge, primeiramente, relacionada à categoria trabalho, sendo que cada forma diferenciada de organização do trabalho corresponde a um universo cultural equivalente. Ainda segundo Bezerra (2006), Civilização irá evocar os progressos coletivos alcançados por determinada sociedade através da cultura de seus membros, significando o processo que arranca a humanidade da ignorância e da irracionalidade. A civilização é, assim, um processo que pode e deve ser estendido a todos os povos que compõem a humanidade, os quais devem compartilhar do progresso oriundo da evolução humana. Partimos do pressuposto de que é o sujeito histórico no seu “próprio fazer-se9” quem produz a cultura, inserido numa classe que, coletivamente, a transforma, a cria e a produz, determinada pelas condições concretas onde este sujeito se insere e se reproduz. Estas condições não são “eternas”, elas sofrem modificações no transcurso da história, conforme se desenvolve a própria luta de classes. Conforme Moljo et al. (2010). A esse respeito ver Thompsom, (1987). 8 9 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional Entendemos que a cultura expressa um modo de pensar e agir 108 sobre a sociedade. Desta forma, o Serviço Social vem construindo os seus projetos de profissão dentro das diferentes visões de mundo que parametrizam o mesmo no seu transcurso histórico, na sua gênese, orientado por uma cultura profissional conservadora, passando pelo processo de renovação – quando os projetos de profissão começam a diferenciar-se –, até a contemporaneidade – quando temos uma cultura profissional hegemônica que privilegia os direitos sociais afirmados no nosso projeto ético político, como veremos a seguir. Conforme Iamamoto (2004, p. 271) “É fundamental o rumo ético político do projeto profissional, estimulando uma cultura democrática, o apreço à coisa pública, atentando à dimensão cultural do trabalho cotidiano do assistente social”. Dessa forma, é importante salientar que a cultura nos auxilia na compreensão da própria profissão, em algumas direções: nos permite decifrar o seu modo de ser e de pensar, de refletir sobre os objetos de estudo, de construir conhecimento sobre esses, e da, mesma forma intervir na realidade. Mas também, nos permite compreender as classes com as quais trabalhamos, o modo de ser das classes, a sua reprodução na vida cotidiana; a satisfação ou não das necessidades sociais10. Permite analisar os processos de alienação, mas, também as possibilidades de superação. Nesta direção entendemos que o estudo da vida cotidiana é fundamental para a compreensão do Serviço Social no seu “fazer-se” assim como para a compreensão das classes subalternas – principais sujeitos a quem o Assistente Social destina o seu exercício profissional. Entendemos que a sociabilidade humana se constrói na vida cotidiana dos sujeitos, espaço privilegiado da inserção do Assistente Social. Como sabemos, o Assistente Social, é um dos profissionais que mais acesso tem à vida cotidiana das classes subalternas, conhece as suas casas, as suas famílias, penetram na “intimidade” destas classes, conhecendo os seus costumes, os seus modos de pensar e de agir. Concordamos com Netto (1996) ao afirmar ser a obra marxiana aquela que tem fornecido um grande contributo ao estudo da vida cotidiana. De forma sintética, poderíamos afirmar que é a vida cotidiana11 o âmbito privilegiado da produção e reprodução da vida social. Conforme Heller (1978). Conforme Heller (1986, 1985), Lefevbre (1984) e Kosik (1967). 10 11 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos Lefebvre afirma: El estudio de la vida cotidiana ofrece un terreno de encuentro a las ciencias parcelarias y también alguna cosa más pone de manifiesto el lugar de los conflictos entre lo racional y lo irracional en nuestra sociedad, en nuestra época. Determina así el lugar donde se formulan los problemas de la producción en sentido amplio: la forma en que es producida la existencia social de los seres humanos, con la transiciones de la escasez a la abundancia y de lo precioso a lo despreciado. (1984, p. 35). E ainda: La cotidaneidad no solamente es un concepto, sino que puede tomarse tal concepto como hilo conductor para conocer la “sociedad”. Y esto, situando lo cotidiano en lo global: el Estado, la técnica y la tecnicidad, la cultura (o la descomposición de la cultura) etc. Esta es, nuestra opinión, la mejor forma de abordar la cuestión, el camino más racional para aprehender nuestra sociedad y definirla penetrándo (LEFEBVRE, 1984, p. 41). Portanto, não existe vida humana que não seja realizada na cotidianeidade. É nesta instância que se produz a cultura e que se produz a possibilidade de ultrapassar a cultura existente. É esse o espaço privilegiado da reprodução social. Como analisaremos no momento de apresentarmos os dados da pesquisa empírica, os Assistentes Sociais nem sempre têm o conhecimento das classes com as quais trabalham. As condições objetivas de trabalho nem sempre permitem acender-se a este conhecimento, já que para aprofundar sobre condições de vida, projetos de vida, modos de vida, enfim sobre a cultura, implica trabalhar com uma perspectiva que ultrapasse o imediato, o “tratamento de emergência”. Entendemos que seja fundamental aprofundar o conhecimento sobre as classes subalternas12. Nessa direção, será preciso conhecer as suas formas de organização13 e de resistência, e articular a nossa atuação com as próprias organizações já existentes desta população, assim como articular com outros profissionais. Conforme Yazbek (1996), a categoria “subalterno” vem do legado gramsciano. Diz respeito à ausência de poder de mando, de poder de decisão. A subalternidade diz respeito ao mundo dos dominados, dos explorados. Cf. Capítulo 3 e 4 deste livro. 12 13 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 109 O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional Essa articulação torna-se estratégica, não somente para consolidar 110 uma política pública, uma cultura política de direitos, mas, sobretudo, para indicar caminhos para a construção de uma cultura emancipatória que vai ao encontro de nosso projeto ético-político, entendendo que a cultura profissional “é constituída pelos objetos de pesquisas (âmbito acadêmico), pelas práticas desenvolvidas (âmbito profissional) e pelas dimensões objetivas e subjetivas que informam a constituição do sujeito profissional” (MOTA, 2007, p. 3). Conforme apontado acima, nos primórdios da profissão, a cultura profissional era parametrizada por um profundo “conservadorismo14”, moralizando a questão social, individualizando os “problemas sociais” e culpabilizando os indivíduos pelas situações de pobreza. É no processo de Renovação do Serviço Social15 - que se processa no Brasil a partir do Golpe Militar de 1964 – que se rompe com o monolitismo imperante na profissão, até então, produzindo o que Netto denominou de “pluralismo”. Como já foi, suficientemente, analisado por Netto (1991), este processo assumiu três direções: a modernização conservadora, expressa nos documentos de Araxá (1967) e Teresópolis (1970), a reatualização do conservadorismo, expressa nos documentos de Sumaré (1978) e Alto da Boa Vista (1982), e a Intenção de Ruptura expressa inicialmente no método de Belo Horizonte (1972-75). Conforme aponta Netto (1991), essa última perspectiva veio para se confrontar com a autocracia burguesa em dois planos: no plano teórico-cultural, já que os referenciais aos quais se recorreram se contrapunham com os hegemônicos da modernização conservadora, e no plano político, que propunha uma concepção de participação e cidadania que se opunha à institucionalidade da ditadura. Essa perspectiva somente consegue emergir com a inserção da classe operária na cena política brasileira e terá uma relação umbilical com a universidade. Assim, desde o final dos anos 197016, vem sendo construída uma nova hegemonia no Serviço Social, protagonizada pela vertente de “ruptura IAMAMOTO, Marilda. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1992. Para um analise exaustiva do processo de renovação do Serviço Social, conferir a obra do professor Netto (1991). Outro momento significativo da direção de Intenção de Ruptura foi o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em São Paulo em 1979. Este congresso ficou conhecido como o “Congresso da Virada”, marcando um momento de inflexão no Serviço Social Brasileiro. A esse respeito conferir Netto (2009) e Abramides (2007). 14 15 16 Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos com o Serviço Social Tradicional e com o conservadorismo” (NETTO, 1991). A emergência e a expressão desse projeto constituem uma nova 111 configuração na cultura profissional, próxima – e até mesmo inserida – nos projetos da esquerda brasileira, nas ações progressistas de afirmação e ampliação da cidadania. Convencionou-se denominar este projeto de “projeto ético-político”. O projeto ético-político tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade concebida, historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas, daí o compromisso com a autonomia, com a emancipação e com a plena expansão dos indivíduos sociais (NETTO, 1999). Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto socioetário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. A partir destas escolhas que o fundam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo. Analisar a intervenção profissional referenciada pelo Projeto ÉticoPolítico do Serviço Social é uma tarefa necessária, haja vista a relevância que esse projeto assume no âmbito da profissão por fundamentar-se no processo de ruptura com o conservadorismo até então hegemônico: seja pela re-organização da categoria nos Conselhos Regionais e Federal, nos sindicatos, na Associação de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e nas organizações estudantis, seja através da qualificação da produção acadêmica referenciada criticamente e pela definição de marcos jurídicos reguladores da profissão. Ou seja, este projeto reflete uma nova cultura profissional que expressa a possibilidade de consolidação de referências profissionais orientadas criticamente e comprometidas com horizontes éticos, políticos, democráticos e emancipatórios, e de afirmação da luta por uma sociedade igualitária. 1.1 Projeto ético-político: tensões, dificuldades e possibilidades para o exercício profissional A emergência do (Projeto ético-político) ocorre no contexto de lutas pela conquista/ampliação – afirmação – dos direitos sociais no Brasil. Os anos de 1980 (período culminante face aos enfrentamentos maciços da sociedade brasileira com a autocracia burguesa manifestos desde o final da Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional década de 1970) incluem um conjunto de mobilizações, manifestações, 112 reivindicações que em muitas situações explicitam o confronto entre os interesses e necessidades da classe trabalhadora, tensionados face aos interesses da burguesia (NETTO, 1999; BRAZ, 2004). Essa conjuntura de lutas e posicionamentos sociais, em um período de democratização, de avanços democráticos efetivos para a classe trabalhadora, que se substancializam na ampliação dos direitos sociais, foi o contexto que possibilitou a emergência do Projeto ético-político através da vertente de ruptura com o Serviço Social tradicional, a partir do acúmulo político-cultural, teórico-metodológico e técnico-operativo alcançado no âmbito profissional. Nesse sentido, as necessidades enunciadas pelos diferentes movimentos sociais explicitaram a tensão, enunciaram e criaram novas possibilidades para a sua satisfação. As respostas político-institucionais (IAMAMOTO, 2007) emergentes nesse processo estão mais próximas das necessidades reais dos trabalhadores e da população brasileira de um modo geral. Assim, o direito à saúde, à educação, à assistência social, à previdência, o direito ao trabalho em condições de dignidade (jornadas de trabalho, salário, salubridade), constituem um campo onde as lutas e enfrentamentos possibilitam um avanço na direção das necessidades dos trabalhadores e da maioria da população. As conquistas no campo da seguridade social e a afirmação dos direitos sociais na Constituição Brasileira de 1988 atestam os avanços efetivos, como resultado desse conjunto de lutas e enfrentamentos. Contudo, o projeto societário vinculado aos interesses da classe trabalhadora – campo para o qual essas lutas e enfrentamentos tendem a convergir – não catalisou a adesão da maioria da população brasileira, o que ficou evidenciado nas disputas eleitorais de 1989 e 1993, com a derrota do candidato Luis Inácio da Silva – Lula, pelo Partido dos trabalhadores, que naquele momento representava a liderança desse projeto (BRAZ, 2004). Na década de 1990, a oposição liderada pelo PT conseguiu resistir, no âmbito do Legislativo, à maioria das investidas contra as conquistas expressas na Constituição de 1988. Mas, no plano concreto: 1) as requisições do processo de reestruturação produtiva, com o aumento da produtividade a partir das estratégias de gestão da força de trabalho e, em menor escala, pela utilização de novas tecnologias (particularidade brasileira, conforme MOTA e AMARAL, 1998), articulado à redução dos postos de trabalho (aumento do desemprego) e às estratégias de terceirização e precarização das Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos relações de trabalho; 2) e a adoção da estratégia neoliberal (analisada no capitulo I deste livro) impactando na redução de recursos para a seguridade 113 social pela proposição de um conjunto de reformas para a redefinição do Estado, protagonizada pelo Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE), tendo à frente o ministro Bresser Pereira, expressaram um conjunto de restrições e regressões nas conquistas efetivadas. Desde a década de 1990, as lutas regrediram ao nível da manutenção do emprego e a expectativa pelos “mínimos sociais” foi reduzida a patamares inferiores ao salário mínimo (que constituía o parâmetro do BPC na Lei Orgânica da Assistência Social), como ocorre nos programas de transferência de renda atuais, como o Programa Bolsa Família. As possibilidades vinculadas a essa condição objetiva ficaram restritas às lutas segmentadas e pontuais. A oposição político-partidária atuou na resistência pela manutenção do que foi conquistado no plano jurídico-legal, pelo menos até a entrada do PT no Governo Federal em 2003. Nesse contexto, desde os anos 1990, década em que o Projeto éticopolítico foi divulgado expressivamente para o conjunto dos assistentes sociais, principalmente a partir da formulação do Código de Ética de 1993 no qual são enunciados os princípios fundamentais do Projeto ético-político do Serviço Social - o debate acerca desse projeto tem enfatizado as condições concretas em que ele se manifesta enquanto horizonte para o exercício profissional. Os princípios que fundamentam esse projeto, explicitados no Código de Ética de 1993, são: reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas a ela inerentes: autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; ampliação e consolidação da cidadania, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; defesa do aprimoramento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas e do compromisso com o constante aprimoramento intelectual; opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional de uma sociedade sem dominação – exploração de classe, etnia e gênero; 114 articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem os princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores; compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; exercício do Serviço Social sem ser discriminado nem discriminar por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. A divulgação desse referencial, na conjuntura da década de 1990, fortaleceu a hegemonia do PEP no âmbito da profissão, principalmente, nas suas expressões: 1) político-organizativa; 2) na formação, na pesquisa e na produção acadêmica (Diretrizes Curriculares de 1996); 3) no plano jurídico-normativo através do CEP/1993, da Lei de Regulamentação da Profissão 8662/93 e das resoluções do conjunto CFESS/CRESS; 4) no âmbito da intervenção – para os profissionais que assumiram um posicionamento de resistência e de insistência na implementação dos direitos garantidos juridicamente (ABRAMIDES, 2009; BOSCHETTI, 2004; SANT’ANA, 2000). Em nosso entendimento, o PEP tem sido assimilado pelos assistentes sociais e tem sido um guia do exercício profissional para uma parcela significativa da categoria. Ao compreendermos o projeto ético-político como um projeto profissional, conforme Netto (1999), observamos que a construção da autoimagem da profissão na atualidade incorpora a visão de que o Serviço Social é uma profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho. A autoimagem conservadora do Serviço Social como “vocação”, no sentido neotomista do termo, conforme Barroco (2001), foi superada. A autoimagem do Assistente Social como um profissional que atua na defesa e na ampliação e na luta pela efetivação dos direitos sociais é recorrente no Serviço Social. Está presente no modo como os profissionais se autodefinem, se percebem, e como um horizonte que orienta seu exercício profissional. Essa autoimagem é compatível com o horizonte ético-político do projeto profissional e é constantemente reforçada nos espaços de debate públicos da profissão – o que é confirmado em nossa pesquisa e apresentada no item a seguir. Uma vez que essa autoimagem é recorrente entre os Assistentes Sociais, é possível afirmar que o projeto profissional está atuando como guia da intervenção profissional a partir desse horizonte de defesa e ampliação dos direitos sociais (EIRAS, 2011). Tal conclusão é adensada, quando ao nos Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos aproximarmos do exercício profissional dos assistentes sociais observamos que a dimensão técnico-operativa está relacionada a esse conteúdo/horizonte, pela 115 via da informação aos usuários acerca dos seus direitos, pela via da inserção dos profissionais nos diferentes Conselhos de Gestão de Políticas Públicas, espaços onde a possibilidade de resistência ainda existe, no sentido do controle social e da insistência na qualificação dos serviços prestados à população. Nessa direção, o CFESS (1996) indica que a estratégia fundamental para enfrentar os desafios postos ao PEP na atualidade é a participação nos fóruns de discussão, formulação e controle social das políticas públicas. Na dimensão ético-política, a apropriação do PEP torna-se possível nos pontos de convergência entre a experiência cultural dos assistentes sociais na sociedade e as possibilidades de lutas nesse contexto. Nossa hipótese é que essa convergência ocorre na dimensão da defesa, afirmação e ampliação dos direitos, um conteúdo cuja viabilidade ainda se apresenta como um horizonte possível para o profissional, seja pelas conquistas recentes na década de 1980, seja pela existência de práticas coletivas capazes de mobilização e de reivindicação, ou de resistência, que atualizam a luta pela afirmação de direitos, seja pela existência de espaços de organização e também de controle social que ainda sugerem a possibilidade de tensionamentos e articulações. Nesse campo, Raquel Sant’ana (2000) enfatiza que a adesão aos princípios éticos instituídos pelo Código de ética profissional de 1993 pressupõe um compromisso político com o seu conteúdo transformador. Tal compromisso nem sempre acontece no cotidiano do exercício profissional. Na pesquisa empírica realizada pela autora, ela verifica que o PEP está presente na atuação de 30% dos Assistentes Sociais entrevistados na área da infância e juventude, através de seu engajamento ético-político e de seu desdobramento em ações ou proposições de projetos e atividades no âmbito institucional. Para ela, em qualquer espaço institucional é possível e exequível uma prática comprometida com o PEP, a partir de um alinhamento teóricopolítico com esse projeto. Para Maria Lúcia Barroco (2004), um dos problemas refere-se ao fortalecimento da identidade profissional, à construção de um ethos [crítico] que, conforme o artigo da ABEPSS (2004), é atravessado pelos processos de alienação, discriminação, desrespeito, [ainda] autoritarismo, despolitização, comodismo, fatalismo e subordinação. Como esse ethos crítico (nessa nova cultura profissional) pode ser capaz de sustentar uma tomada de posição ética e política que tensione esses processos? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional Para Beatriz Abramides (2007), os novos desafios a serem enfrentados 116 no século XXI, a partir do Governo Lula, são: a esfera da institucionalidade e a política de conciliação de classes do PT. Tais desafios expressam um conjunto de determinações e, para enfrentá-los, torna-se necessário compreender, interpretar e polemizar essas questões em um debate contínuo. A questão de fundo é a manutenção da autonomia do projeto profissional face ao governo, partido ou patronato. Yolanda Guerra (2007) explicita a tensão no Serviço Social entre o projeto profissional hegemônico (PEP) e as correntes vinculadas ao pensamento conservador, revigoradas no contexto dos anos 2000. Segundo a autora, existe um debate mascarado, que desqualifica tal projeto, tanto do ponto de vista da sua não-implementação imediata quanto pela existência de projetos que se confrontam com ele. Guerra argumenta que os projetos não se implementam de modo imediato e que hegemonia não é sinônimo de homogeneidade e nem ausência de confrontos e disputas. O desafio central para o Assistente Social é realizar a crítica aos fundamentos da cotidianidade, na qual se insere o profissional e também os usuários de seus serviços. É necessário reconhecer esses fundamentos para transcendê-los. A autora enfatiza os componentes do projeto profissional: técnicos, teórico-metodológicos, éticos e políticos. Tais componentes qualificam a prática profissional e a diferenciam daquelas realizadas por leigos, tornando o exercício profissional consciente para os seus agentes. Uma implicação direta da opção por determinados valores no campo da emancipação, da democratização econômica e social e no campo da defesa das políticas públicas exige o posicionamento do Assistente Social contra os diferentes modos de dominação, preconceito, autoritarismo, concentração de renda, exploração do trabalho pelo capital, os quais se expressam também na privatização da vida social e no individualismo. Em síntese, Guerra explica que ser orientado por um projeto progressista significa para o profissional a possibilidade de adotar estratégias sociopolíticas e profissionais que acumulem forças com a luta mais ampla dos trabalhadores. Outro conteúdo importante no debate acerca do PEP, de suas dificuldades e possibilidades no contexto atual, é a análise acerca das condições objetivas de inserção do Assistente Social nos espaços sócio-ocupacionais, como trabalhador assalariado (IAMAMOTO, 2007). Iamamoto (2007) explica que embora a concepção segundo a qual o Serviço Social é uma profissão inserida na divisão social e técnica do Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos trabalho, historicamente determinada, tenha sido difundida na profissão, o percurso teórico-metodológico, e os fundamentos dessa concepção, não está 117 igualmente difundido. Para ela, A concepção de profissão [inserida] na divisão social e técnica do trabalho, apresentada pela autora (referindo a sua obra), em 1982, tornou-se de domínio público, mas não os seus fundamentos. Entretanto, eles indicam um percurso teórico-metodológico capaz de elucidar o significado social do exercício profissional do assistente social na divisão social e técnica do trabalho coletivo: como ele participa do processo de produção e reprodução das relações sociais. Daí a necessidade de retomá-los, incorporando e ampliando a abordagem anterior, tendo em vista recolher elementos que permitam atualizar e fundamentar a leitura do trabalho do assistente social como uma especialização do trabalho coletivo na sociedade presente (IAMAMOTO, 2007, p. 29) Nessa direção, a autora explicita que o “trânsito da análise da profissão ao seu efetivo exercício agrega um conjunto de determinações e mediações no trabalho profissional mediado pela compra e venda dessa força de trabalho especializada às instituições empregadoras” (IAMAMOTO, 2007, p. 40). E continua: Essas relações estabelecidas com sujeitos sociais distintos condicionam o processamento do trabalho concreto cotidiano e o significado social de seus resultados, ao mesmo tempo em que impregna essa atividade dos constrangimentos do trabalho alienado. Eles restringem em graus variados a autonomia profissional na direção social desse exercício, com incidências na sua configuração técnico-profissional” (IAMAMOTO, 2007, p.40). Desse modo, Iamamoto analisa a tensão existente entre projeto profissional e condição assalariada. No trabalho assalariado, “a autoobjetivação do sujeito metamorfoseia-se na sua própria negação, na perda do controle de sua atividade e de seu tempo de vida, subordinada a finalidades que lhe são estranhas” (IAMAMOTO, 2007, p. 41). Nesse sentido, a superação dessa alienação, pela consciência dela e pelo enfrentamento coletivo face a essa condição, torna-se relevante. Se, por um lado, o PEP é tensionado por essa inserção concreta dos Assistentes Sociais, por outro lado, ele é a possibilidade de consciência – posto que se constitui em um projeto coletivo – e de enfrentamento [coletivo] dessa condição. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional A apreensão do exercício profissional pela condição de assalariamento 118 do Assistente Social nos aproxima do modo como essas determinações tensionam o seu trabalho. Por sua vez, a explicitação dessa condição nos posiciona frente à premência de ações articuladas com a classe trabalhadora. Essa angulação nos aproxima novamente do PEP e nos faz ver a relevância de suas formulações e a abrangência de sua referência teórico-metodológica. 2 Projetoético-político,culturaprofissionale dimensões da intervenção profissional No Brasil, o Serviço Social configura-se, juridicamente, como uma profissão liberal. Porém, historicamente, o exercício profissional vincula-se à inserção sócio-institucional, relacionada predominantemente às políticas sociais públicas e privadas materializadas nas organizações/instituições que prestam serviços à população em geral. Na década de 1980, com a institucionalização da Seguridade Social, sustentada no tripé saúde, assistência social e previdência – pela afirmação da Saúde e da Assistência como direitos não contributivos e, desse modo, reconhecidos como necessidades sociais assumidas pelo Estado, o qual se responsabiliza diante da sociedade pela formulação de políticas públicas nessas áreas –, os espaços sócio-ocupacionais do Serviço Social se expandem. Essa expansão ocorre de modo qualificado, exigindo dos Assistentes Sociais competências no âmbito do planejamento e da execução das políticas públicas (IAMAMOTO, 2007), a partir de procedimentos organizacionais elaborados na lógica da racionalidade burguesa impactada pela reestruturação produtiva (MOTA; AMARAL, 1995) e sua intrínseca relação com a ideologia neoliberal. Enquanto trabalhador assalariado, o Assistente Social encontra os meios de trabalho determinados no âmbito sócio-organizacional com processos de trabalho já definidos e planejados previamente. Na organização/instituição, materializam-se as normas de funcionamento, os parâmetros trabalhistas, tais como a intensidade do trabalho, a jornada de trabalho, o salário, as formas de controle sobre o processo de trabalho (metas a cumprir, padrões de eficácia, índices de produtividade, avaliações); os recursos materiais, financeiros, humanos e técnicos indispensáveis à objetivação do trabalho. A organização/instituição em sua lógica interna indica os meios pelos quais as Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos expressões da questão social serão compreendidas e se tornarão “objeto de 119 intervenção” para o Serviço Social (IAMAMOTO, 2007). Por outro lado, o modo como os profissionais apreendem a sua inserção sócio-institucional expressa os conteúdos teórico-metodológicos presentes em sua análise que, por sua vez, atuam como eixos orientadores em relação à intervenção profissional. Ou seja, não apenas as condições objetivas, mas também as condições subjetivas são conteúdos relevantes para a intervenção profissional. Quais são os conteúdos teórico-metodológicos presentes na compreensão dos Assistentes Sociais? Como eles se articulam à dimensão técnico-operativa? No processo cotidiano do exercício profissional quais as correlações de forças presentes na relação com os usuários, com a organização/ instituição e com a categoria profissional? Estas questões são fundamentais para delimitar o projeto de profissão que orientam a intervenção profissional do Assistente Social. Segundo Iamamoto (2004), para a consolidação do Projeto éticopolítico profissional, são necessárias estratégias técnicas e políticas que proporcionem ações coletivas que viabilizem propostas profissionais capazes de ir além das demandas instituídas. Essa afirmativa nos permite explicitar que a dimensão técnico-operativa da intervenção profissional materializa em ações as concepções teórico-metodológicas e ético-políticas que orientam o profissional. Ou seja, as duas últimas evidenciam a direção e as finalidades assumidas pela profissão em dado momento histórico que vão ser materializadas a partir da primeira. Isso implica afirmar que uma competência profissional se faz, necessariamente, nestas três dimensões. Guerra (2007) destaca que a cultura profissional possibilita aos profissionais uma construção coletiva que serve de referência para toda a categoria através da mediação entre conhecimentos e saberes (técnicos, teóricos e interventivos) e entre estes e as particularidades da profissão. Com isso, a competência teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa é fundamental para que os profissionais possam refletir sobre a sua intervenção e recusar uma intervenção profissional baseada na reprodução automática de ações meramente conservadoras. Isso só é possível quando a categoria profissional articula em suas ações todas as dimensões da prática profissional, reconhecendo a dimensão técnico-operativa não como, puramente, instrumental, o que contribui na elaboração de respostas mais qualificadas, na construção de novas legitimidades que a razão instrumental não dá conta. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional Ainda Guerra considera que a dimensão técnico-operativa se constitui 120 no modo de aparecer da profissão, pelo qual ela é conhecida e reconhecida. Como profissão interventiva no âmbito da chamada “questão social”, é esta a dimensão que vai dar visibilidade a profissão pela qual é demandada, já que dela depende a resolutividade da situação apresentada ao profissional. Contudo, apesar de necessária, a dimensão técnico-operativa, se considerada de maneira autônoma, é insuficiente para dar respostas qualificadas à realidade social. Ressalta a autora que, “como razão de ser da profissão”, essa dimensão remete às competências instrumentais pelas quais a profissão é reconhecida e legitimada; porém, ainda que seja necessário atendê-las, o exercício profissional não pode se limitar às competências instrumentais. Fundamentados na concepção de que os instrumentos e técnicas constituem um dos elementos da dimensão técnico-operativa, destacamos, neste estudo, o uso dos instrumentos e técnicas na intervenção profissional dos assistentes sociais, entendendo que os conteúdos postos em seu manuseio e a forma de utilizá-los expressam as concepções teórico-metodológicas e ético-políticas dos profissionais. O instrumento é considerado como um dos elementos que permitem a operacionalização da ação como elemento potencializador da ação e a técnica, é a habilidade no uso desse instrumento, como uma qualidade atribuída aos instrumentos. Ambos são imprescindíveis para a concretização do exercício profissional desde que situados no projeto profissional, não podendo ser tratados de fora da instrumentalidade da profissão, uma vez que constituem e são constitutivos do modo de ser da profissão (SANTOS; NORONHA, 2010). A concepção de instrumentos explicitada na literatura crítico-dialética aponta seu caráter histórico e teleológico. O caráter histórico encontrase em dois aspectos: no fato dos instrumentos formarem um conjunto dialeticamente articulado com as técnicas e, por isso, constantemente serem aprimorados por elas, diante da exigência de adequação das transformações da realidade. E, também, por visarem o atendimento das mais diversificadas necessidades sociais que se colocam em determinadas condições econômicas e sociais, sendo influenciado pelas relações sociais postas na sociedade capitalista. Conforme Trindade (1999, p. 81): “A criação e a utilização de instrumentos e técnicas configuram um processo histórico, que se coloca em determinadas condições econômicas e sociais, em diferentes momentos históricos”. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos No que se refere ao caráter teleológico, a escolha dos instrumentos de intervenção está relacionada às diversas intencionalidades: à intencionalidade 121 da profissão, do profissional, da instituição e da população que procura o Serviço Social. Tanto a escolha do instrumento quanto o domínio do mesmo requerem que o profissional tenha consciência/conhecimento pelo suas finalidades, uma vez que os instrumentos fazem parte do processo de busca pelo alcance dessa finalidade. A profissão, de acordo com o projeto ético-político hegemônico, assume o compromisso com a defesa intransigente dos direitos humanos, com a ampliação da cidadania, com a qualidade dos serviços prestados, com a luta em favor da equidade e da justiça social. Compromissos estes que devem ser materializados nas atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais, que só são possíveis com o espaço de participação e avaliação da população sobre os serviços prestados. Para isso, os profissionais devem privilegiar a utilização de instrumentos de caráter democrático, coletivo, menos burocrático, sempre alinhados com a realidade em que intervêm. O conhecimento da realidade é imprescindível neste processo de escolha. A apreensão da dinâmica da realidade contribui para que haja coerência entre os instrumentos utilizados e as determinações assumidas pela questão social nos diferentes espaços sócio-ocupacionais, permitindo que o Assistente Social consiga alcançar os resultados esperados na ação. Na utilização do instrumental técnico-operativo, são necessárias algumas competências importantes. A primeira é a competência teóricometodológica, através da qual os profissionais conseguem fundamentar sua leitura da realidade. Destacamos que quanto maior o conhecimento teórico, mais amplo será a cadeia de mediações e maiores as possibilidades encontradas para a intervenção. Assim, através do referencial teóricometodológico, percebe-se a intencionalidade e a direção social empreendidas na ação, podendo orientar a escolha de instrumentos e técnicas capazes de materializar essa intencionalidade. Por isso, outra competência é a ético-político, para a qual deve-se considerar os princípios e normas para o exercício profissional contidos no Código de Ética do Assistente Social e, também, as disposições sobre o exercício da profissão – a lei 8662/93 que dispõe sobre as competências e atribuições privativas do assistente social. Além das competências teórico-metodológicas e ético-políticas, encontra-se também a competência técnica, relacionada à habilidade do profissional na utilização dos seus instrumentos de trabalho. Contudo, os Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional profissionais precisam adquirir todas essas competências e articulá-las para 122 materializar as intencionalidades da profissão na prática profissional. Como o Serviço Social não possui um instrumento exclusivo, a clareza do significado social da profissão, suas competências e atribuições, a direção assumida pelo projeto ético-político e a habilidade de utilizar este instrumento de acordo com as finalidades da profissão é que vão permitir que os mesmos instrumentos sejam utilizados por diferentes profissões ou pela mesma profissão, porém, com direções diferentes. A utilização dos instrumentos exige habilidade técnico-operativa que vai além do domínio dos procedimentos corretos como, por exemplo, realizar uma entrevista, reunião etc. Por trás de uma aparente neutralidade, a aplicação dos instrumentos articula dimensões econômico-sociais e ético-políticas, relativas aos sujeitos profissionais individualmente e aos sujeitos de classe. O uso das técnicas e estratégias não deve contrariar os objetivos, diretrizes e competências assinalados. Segundo orientações do CFESS (2009, p. 31) As condições objetivas de estruturação do espaço institucional devem assegurar aos (às) profissionais o direito de realizar suas escolhas técnicas no circuito da decisão democrática, garantir a sua liberdade para pesquisar, planejar, executar e avaliar o processo de trabalho, permitir a realização de suas competências técnica e política nas dimensões do trabalho coletivo e individual e primar pelo respeito aos direitos, princípios e valores éticopolíticos profissionais estabelecidos nas regulamentações profissionais. A tensão entre o PEP e a inserção do Assistente Social como trabalhador assalariado aparece nos instrumentos e nas técnicas adotadas nos espaços sócio-ocupacionais, na burocracia organizacional. Ir além do atendimento à demanda sócio-institucional requer o desenvolvimento de habilidades políticas no processo de formação de alianças e articulação com os próprios usuários dos serviços. Tal posicionamento político requer uma abertura democrática no plano institucional que aceite o debate e o posicionamento diferenciado. As condições objetivas de trabalho podem favorecer a articulação política ou dificultá-la. Nesta direção, o item a seguir analisa a intervenção profissional dos Assistentes Sociais no âmbito da PNAS. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos 3 Oexercícioprofissionalesuasexpressões teórico-políticas e técnico-operativas no âmbitodapolíticadeAssistênciaSocialem Juiz de Fora: possibilidades e desafios Neste item apresentaremos os dados coletados e organizados na pesquisa “Análise das Condições Sociais, Políticas e Culturais e da Intervenção Profissional do Assistente Social na Implantação do Sistema Único de Assistência Social em Juiz de Fora (SUAS) e Região”. A coleta de dados foi realizada em 2009 através de: 1. formulários aplicados aos Assistentes Sociais envolvidos com a Política Municipal de Assistência Social PMAS em Juiz de Fora (37 formulários aplicados aos assistentes dos CRAS e da Rede Conveniada); 2. realização de 01 grupo focal e 02 laboratórios com os Assistentes Sociais dos nove CRAS de Juiz de Fora (contando com a presença de 15 assistentes sociais, em média); 3. transcrição do Simpósio realizado com docentes, profissionais e discentes com produções sobre a temática dos instrumentos e técnicas e/ou envolvidos nesta pesquisa: 22 Assistentes Sociais dos CRAS de Juiz de Fora; 03 assistentes sociais das Unidades Básicas de Saúde; 05 profissionais do Grupo de Pesquisa “Serviço Social, Movimentos Sociais e Políticas Públicas”; 12 alunos bolsistas do núcleo de pesquisa e/ou dedicados a pesquisas relacionadas à esta temática e 5 professores convidados para serem debatedores. A realização do Grupo Focal e do Simpósio foi importante, uma vez que, somente com as entrevistas não foi possível conhecer a concepção dos Assistentes Sociais sobre os instrumentos e técnicas da intervenção, bem como o “como” e o “por que” de seu manuseio. Portanto, as transcrições desses dois instrumentos foram utilizadas por nós, apenas, ao analisarmos a intervenção profissional no que se refere a esses elementos da intervenção profissional. Seguindo a direção do CFESS (2009), quando sinaliza que para o exercício profissional são necessárias três dimensões indissociáveis: as Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 123 O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional atividades exercidas pelos trabalhadores; as condições materiais, institucionais, 124 físicas e financeiras, e os meios e instrumentos necessários ao seu exercício, neste item apresentamos o perfil dos 37 assistentes sociais entrevistados que implementam a política de assistência social de Juiz de Fora, bem como as condições de trabalho em que se desenvolve o exercício profissional do Assistente Social e, finalmente, as dimensões desta intervenção. No que se refere ao perfil das profissionais, das 37 Assistentes Sociais entrevistadas, todas são do sexo feminino (100%). A idade das entrevistadas varia entre 20 e 55 anos, concentrando-se entre 31 a 35 anos (12 entrevistadas ou 32,4% do total), mostrando trabalhadoras jovens, inseridas recentemente no mercado de trabalho a partir da expansão da política de assistência social, especialmente dos CRAS em Juiz de Fora. As demais idades se dividem da seguinte forma: de 20 a 25 anos 13,52%, de 26 a 30 anos 13,52%, de 36 a 40 anos 13,52%, de 41 a 45 anos 8,10%, de 46 a 50 anos 10,81%, de 51 a 55 anos 5,4% e mais de 55 anos somente uma Assistente Social, o que representa 2,7%. Portanto, destacamos que 17 assistentes sociais estudaram no período de 2000 a 2007 – supostamente, com o currículo de 1996 –, 15 se formaram no período de 1985 a 2000, sobre a vigência do currículo de 1982 e, apenas 05 se formaram pelo currículo anterior ao de 1982, o qual materializava um projeto de formação conservador. Desta forma, temos que 32 Assistentes Sociais, supostamente, tiveram na sua formação a incorporação de um projeto profissional crítico, inclusive, por, majoritariamente, terem se graduado em universidades públicas, 97,3% (36 assistentes sociais). 23 Assistentes Sociais possuem cursos de especialização, porém, nenhuma tem curso de mestrado e doutorado. É relevante considerar que parte desses profissionais tem demandado da Faculdade de Serviço Social/ UFJF a realização de cursos de extensão e a existência de espaços para a reflexão e para a formação continuada no intuito de qualificar as respostas profissionais no plano da intervenção. Quanto à inserção trabalhista, 25 trabalham em Programas da AMAC ou vinculados à AMAC (67,56%), 05 trabalham em instituições da rede conveniada, 05 Assistentes Sociais trabalham em instituições não conveniadas e 02 Assistentes Sociais não forneceram esta informação. A natureza das instituições é diversificada: do total, 12 são públicas, 13 são de programas da AMAC, 05 instituições são de natureza privadareligiosa, 01 de natureza empresarial, 01 de natureza privada-comunitária e 01 instituição não forneceu esta informação. 75,7% são regidas pela CLT e 100% não são estatutárias. Apenas duas Assistentes Sociais identificaram-se Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos como profissionais autônomas. Tais condições confirmam a improbabilidade de o Serviço Social constituir-se concretamente enquanto uma profissão 125 liberal e ratificam a condição de assalariamento a qual o Assistente Social está submetido. Verificamos que o salário das Assistentes Sociais, em sua maioria, está na faixa de 2 a 6 salários mínimos (81,10%), destes, 45,95% recebem de 2 a 4 SM e 35,15% recebem de 4 a 6 SM, ou seja, a predominância é entre 2 a 4 salários mínimos. 67,5% possuem uma carga horária de trabalho variando entre 30 a 40 horas semanais (pesquisa realizada anteriormente à aprovação das 30 h de trabalho para o Assistente Social). 32 Assistentes, ou seja, 86,50% possuem, apenas um emprego. Este resultado segue a média de alguns Estados do país: Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Sergipe, conforme Trindade (2010), Delgado (2010), Lira et al. (2008). Quando indagamos as entrevistadas sobre os motivos da escolha da profissão, encontramos as seguintes respostas: “O interesse pela profissão” ou “pela área de assistência social e de humanas” foram respostas mais frequentes (45,45% das respostas). Podemos inferir dessa resposta uma intenção de “tornar-se profissional” e o que ela implica, uma vez que se vincula à necessidade de inserção no mercado de trabalho e de garantir as condições de reprodução e sobrevivência, ou a intenção de trabalhar, como profissional, através da conquista de um emprego. Por sua vez, apesar de reduzidas, ainda aparecem motivações que denotam um horizonte de ação humana em prol de outros seres humanos, no qual a profissionalização não aparece, tal como “contribuir para a melhoria da vida das pessoas” (2,27%). Em outro pólo, aparece, mesmo que reduzida, a motivação pelo “inconformismo com o sistema capitalista” (2,27%) e a “militância política” (2,27%) o que, também, não explicita o caráter de profissionalização e o que ele implica. O “interesse pela perspectiva de direitos” (4,55%) foi mencionado em duas respostas, indicando uma relação entre Serviço Social e a perspectiva de afirmação e defesa de direitos. No que se refere à permanência ou não da motivação inicial na escolha da profissão, 45,94% das profissionais disseram que a motivação inicial permanece. Elas se inserem entre as Assistentes Sociais que mencionaram o “interesse pela profissão” como a sua motivação primeira, e justificam essa permanência na motivação e até a reafirmação dela à fundamentação teóricometodológica oferecida na graduação. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional O mesmo acontece com as profissionais motivadas pela “perspectiva 126 de direito” (5,4%). A formação acadêmica, segundo elas, contribuiu para a afirmação do interesse pela profissão afinado com a perspectiva de direitos. Além delas, 10,81% mencionaram que a partir da fundamentação oferecida na graduação elas entenderam que sua intervenção deveria pautar-se na perspectiva de defesa/afirmação dos direitos. Ainda, 10,81% disseram que a motivação permanece, parcialmente, pois a “vocação permanece, mas o voluntariado não”; “existem dificuldades na intervenção profissional”. Já 5,4% disseram que a motivação não permanece, indicando que a fundamentação oferecida na graduação modificou a motivação inicial. Ao responderem como entendem a profissão de Serviço Social hoje, 51,35% citam o âmbito do direito, expressado da seguinte forma: “a garantia ou a luta pelos direitos”, “intervenção no âmbito da garantia de direitos dos usuários”, “intervenção profissional para estimular a consciência e mobilizar os usuários na luta por seus direitos”. De acordo com as respostas anteriores, podemos analisar que essa concepção foi adquirida no processo da formação profissional. Essas duas questões nos fornecem conteúdo para inferirmos a relação entre a apropriação do Projeto ético-político e o exercício profissional. O Serviço Social é entendido pelas Assistentes Sociais como uma profissão da intervenção. Esse entendimento está associado à expectativa do Assistente Social de atuar na defesa, na afirmação e na garantia dos direitos dos usuários com os quais trabalha. Então, à compreensão do Serviço Social como profissão, associa-se a finalidade ou o horizonte, ou o pôr teleológico da defesa, a ampliação e a efetivação de direitos. No campo da assistência social, com a implantação do SUAS, essa apropriação se particulariza no entendimento de que a política nacional de assistência social e o SUAS possibilitaram a realização desse horizonte, pelo fato de garantir o acesso à assistência na perspectiva de política pública, de afirmação do dever do Estado de efetivar o acesso a quem dela necessitar. Sobre a relação entre o SUAS e o projeto ético-político da profissão de Serviço Social, 100% dos entrevistados consideram que essa política vai ao encontro de nosso “Projeto ético-político” (PEP), ou seja, consideram que o SUAS possibilita a materialização do projeto profissional em vigor, principalmente por: favorecer “a garantia de direitos/assistência como direito/efetivação de direitos” (aparece em primeiro lugar com 12 menções); ambos, intencionarem a “universalização de direitos” (03). Em menor Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos escala apontam: “a descentralização e a participação popular”; “há um direcionamento do trabalho e ação profissional”; “exclusão do clientelismo”. 127 Apenas uma resposta chama a atenção para a “deficiência nos critérios de atendimento”, apesar de efetivar direitos. Enfim, parte dessa associação entre projeto profissional e SUAS devese ao fato da sua implantação indicar uma superação da compreensão da assistência social enquanto caridade/filantropia. Também, à possibilidade de enfrentar a cultura política clientelista, afirmando o seu caráter de política pública. Outro elemento importante é que as Assistentes Sociais entrevistadas consideram que essa política é universal. Essa concepção expressa a polêmica que vem sendo travada acerca do caráter universal ou não dessa política. As respostas obtidas sobre o tipo de conhecimento que consideram fundamentais para o exercício profissional centram-se nas legislações sociais: 18 mencionaram as “legislações sociais”, 10 mencionaram “conhecimento sobre o código de ética” (e não sobre ética), 07 mencionaram conhecimento sobre “política social”, apenas 02 pessoas mencionaram conhecimentos sobre política no sentido mais amplo, 07 citaram “arcabouço teóricometodológico”. Nossa preocupação é a não simplificação do PEP à aplicação das legislações. Segundo Iamamoto (2004), socializar os direitos deve ultrapassar o simples repasse de informações sobre as normas legais. É necessário tornar explícito o real significado social e implicações das demandas da população, indo para além das aparências do que lhe é apresentado, bem como informar sobre os meios e condições de ter acesso aos direitos e suas implicações, exigindo, assim, que se extrapole a abordagem focada no indivíduo, uma vez que a realidade dos sujeitos é compreendida, aqui, como parte de uma coletividade. Daí a importância de se articular com as entidades de representação. Por outro lado, é preciso dizer que a busca por tais conhecimentos também é fundamental no momento em que é necessário imprimir novos direcionamentos e organizar novos equipamentos pois, conforme CFESS (2009, p. 28), “o conhecimento da legislação social é pré-requisito para o exercício do trabalho”. Contudo, precisamos, também, de outros conhecimentos, tais como explicita Iamamoto (2004): das condições de vida e de trabalho dos sujeitos; teórico-metodológicos; ético-políticos; técnicooperativos; para realizar diagnósticos socioeconômicos de municípios; para leitura e análise dos orçamentos públicos. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional Como já mencionamos, o grande avanço da política de assistência 128 social foi ser incorporada ao âmbito das políticas públicas, ser reconhecida como uma política de direito. Isto, de alguma forma, se traduz nas respostas de como as profissionais compreendem o Serviço Social, em que a defesa e a luta pela garantia dos direitos sociais aparecem como um ponto relevante. Os confrontos que o Serviço Social vem travando com relação aos direitos sociais indicam que esse profissional vem lutando pela ampliação dos direitos sociais, e, sobretudo, pela real efetivação daqueles que, embora garantidos na lei, não estão implementados, entendendo a participação social e o controle social como ferramentas indispensáveis nesta luta. Assim, quando perguntamos acerca da participação em diferentes conselhos de direitos que atuam na cidade de Juiz de Fora, 78,38% das entrevistadas afirmaram participar. Evidentemente, esta taxa de participação é muito alta, o que potencializa a atuação do Assistente Social e mostra compromisso com o “controle democrático”. A participação concentra-se no Conselho Municipal de Assistência Social, 32,5%; Conselho Municipal da Criança e Adolescente, 27,5%; Conselho Municipal do Idoso, 10% e Conselho Municipal da Saúde, 7,5%. É claro que em alguns casos a inserção dos profissionais nestes conselhos faz parte do trabalho que eles “devem desenvolver”, entretanto, isto não retira a importância desta participação. Todavia, somente 03 assistentes sociais afirmaram ter uma participação como conselheira, representando suas instituições. As demais participam, mas de forma pontual, do processo de inscrição de sua instituição no conselho; da emissão de pareceres; das conferências, cursos e demais eventos. Já a participação dos Assistentes Sociais (atual ou anterior) em partidos políticos, sindicatos ou movimentos sociais é reduzida, sendo 13,52% em partidos políticos, 18,92% em sindicatos e 35,14% em movimentos sociais. Entretanto, as respostas que englobam os movimentos sociais dizem respeito não somente a movimentos sociais, mas a conselhos de controle social, o que reforça a questão anterior de participação em espaços diretamente articulados à atuação profissional. De fato, aqui temos um “entrave”, ou pelo menos uma contradição, próprio da organização do trabalho na sociedade capitalista. Se por um lado temos uma cultura profissional que valoriza a participação tanto dos profissionais quanto dos sujeitos com os quais trabalha, por outro vemos a pouca concretude que esta assume, a não ser quando a participação faz parte da organização do exercício profissional (a exemplo dos conselhos), mesmo assim, de forma pontual. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos Os dados obtidos nas entrevistas, indicam que os Assistentes Sociais não envolvem as organizações populares e sociais em seu trabalho, tendo em vista 129 a constatação que 29 Assistentes Sociais não desenvolvem intervenções junto às organizações populares e 21 não realizam nenhum tipo de intervenção voltada para a inserção dos usuários em organizações desse tipo. Soma-se a este dado o fato de que 40,5% das profissionais afirmaram não conhecer as organizações populares e movimentos sociais existentes na região. Apesar de 59,4% afirmarem conhecer, consideramos relevante que 40,6% não conhecem, uma vez que o trabalho em rede foi indicado por 29 profissionais como uma das mudanças positivas na implementação do SUAS/JF. Nessa direção, foi importante conhecer “os aspectos do processo de implementação do SUAS em Juiz de Fora que os profissionais de Serviço Social consideram fundamentais”. Quatro princípios da própria Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foram os mais destacados, são eles: a territorialização (mencionada 13 vezes); o foco na família (mencionado 10 vezes); o trabalho em rede (10 vezes) e a descentralização, também mencionada por 07 entrevistados. Esses elementos, de certa forma, são premissas que o Serviço Social vem defendendo historicamente, coexistindo posturas conservadoras e críticas acerca desses temas, sendo que, a partir da década de 1980, há uma hegemonia de uma concepção crítica em torno delas, no âmbito do projeto profissional. A territorialização, na Política de Assistência Social em Juiz de Fora, caracteriza-se pela instalação de equipamentos como os CRASs e CREASs regionalizados. Percebemos que a territorialização e a descentralização podem estar se configurando como uma reorganização geográfica e administrativa, o que, em parte, pode favorecer a organização e a realização das atividades profissionais. Contudo, ainda não reflete a ampliação do acesso, embora a aproximação entre as equipes profissionais e do Assistente Social junto aos usuários possibilite o acesso à informação e à formação/apreensão de demandas que poderão resultar na ampliação e no acesso real aos serviços. Mas, pode ser uma territorialização formal, deslocada de uma descentralização real que permita o acesso aos serviços socioassistenciais, pela universalização ou atendimento integral às demandas existentes. Quando examinamos o trabalho em rede, percebemos que os equipamentos vinculados à política de assistência estão fragilizados, o que acontece inclusive com os programas coordenados pela AMAC em Juiz de Fora. No que diz respeito à rede conveniada, esta é restrita e as organizações Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional e instituições não conveniadas vivem efetivamente em uma situação de 130 instabilidade, tornando o serviço ofertado algo incerto e flutuante. Há, inclusive, questionamentos sobre o que seria o trabalho em rede, citando, por exemplo, a situação de famílias que participam de reuniões no CRAS, na escola e na creche, todas tratando do mesmo assunto. O trabalho em rede é mencionado, entendemos nós, como uma necessidade para a efetivação das ações, para atendimento às demandas postas pelos usuários, daí indicarem sua fragilidade no sentido de buscar a ampliação da mesma. Inclusive no documento “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social” redigido pelo CFESS (2009, p. 20-21) são indicadas algumas ações necessárias ao trabalho no SUAS. Muitas delas referem-se à rede: “favorecer a participação dos usuários e movimentos sociais no processo de elaboração e avaliação do orçamento público”; “estimular a organização coletiva e orientar os usuários e trabalhadores da política de Assistência Social a constituir entidades representativas”, “instituir espaços coletivos de socialização de informação sobre os direitos socioassistenciais e sobre o dever do Estado de garantir sua implementação”, “assessorar os movimentos sociais na perspectiva de identificação de demandas, fortalecimento do coletivo, formulação de estratégias para defesa e acesso aos direitos”, “realizar estudo e estabelecer cadastro atualizado de entidades e rede de atendimentos públicos e privados” e “prestar assessoria e supervisão às entidades não governamentais que constituem a rede socioassistencial”. Um aspecto identificado por nós nos laboratórios (lembrando que estes foram realizados somente com AS dos CRAS) é de que há um movimento entre os profissionais para trabalhar interinstitucionalmente, somando esforços com os profissionais de outros equipamentos, como o SUS, quando estes trabalham com o mesmo público. Entretanto, o trabalho com essa rede, ainda, não se encontra sistematizado. Não há um cadastro completo das entidades não governamentais, dos movimentos sociais e nem um trabalho de assessoria. Quando analisamos as respostas das assistentes sociais aos “aspectos que consideram relevantes da implementação do SUAS para o exercício profissional”, o destaque é feito ao “trabalho com famílias” (mencionado 12 vezes). Historicamente, o Assistente Social é reconhecido como o profissional que trabalha com famílias, entretanto, este trabalho é um desafio no sentido da superação de ações que reproduzem a responsabilização das famílias e dos indivíduos pelas suas “mazelas” e “fracassos” na sociedade. Nesta direção, o Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos documento “Parâmetros para a atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social” (CFESS, 2009, p. 18) indica como uma das dimensões 131 interventivas as abordagens individuais, familiares ou grupais na perspectiva de atendimento às necessidades básicas e acesso aos direitos e equipamentos públicos. Ressalta-se, porém, que essa dimensão deve se orientar para a potencialização da orientação social com vistas à ampliação do acesso dos indivíduos e da coletividade aos direitos sociais e não pelo atendimento psicoterapêutico. De acordo com Iamamoto (2004, p. 286) O suposto é que o trabalho com indivíduos e famílias não incide sobre fragmentos isolados da vida social, mas as situações individuais e/ou familiares condensam dimensões, simultaneamente, universais, particulares e singulares da vida em sociedade. No Serviço Social, há uma busca por referências críticas que possibilitem um trabalho com famílias e comunidades enraizado na análise das necessidades concretas dessas famílias e que combinem a luta pelo acesso aos serviços públicos como garantia de condições de sobrevivências dignas dos seres humanos. Essa busca, também, aparece no discurso das profissionais entrevistadas que assumem uma compreensão ampliada sobre o conceito de família, admitindo os limites dos serviços que responderiam às necessidades de sobrevivência e aos conflitos internos e externos relacionados à inserção econômica e sociocultural dessas famílias. Essas contradições na compreensão da política e do Projeto éticopolítico da profissão refletem na dimensão técnico-operativa, principalmente, no que diz respeito aos instrumentos e técnicas da intervenção. Ou melhor, o trato e a concepção desses instrumentos expressam essa contradição, o que se justifica por entendermos estes elementos como os que materializam e/ou expressam as dimensões teórico-políticas da intervenção profissional do AS, bem como considerados como elementos que constituem e são constitutivos de nossa cultura profissional. No que se refere à concepção de instrumentos (tratada, apenas, no Grupo Focal) os Assistentes Sociais compreendem os mesmos como “ferramenta/meio de se alcançar um fim” e como “métodos que auxiliam na intervenção profissional”. Entretanto, aparece também a compreensão de que os instrumentos são “ferramentas/meios para chegar em uma atividade fim, intrinsecamente ligados às dimensões teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas, respondendo a intencionalidade que se pretende com Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional a ação”. Percebe-se assim, que convivem diferentes concepções, com uma 132 perspectiva de avanços e continuidades nesta discussão. Avanços no sentido de relacionar o uso dos instrumentos às diferentes dimensões da intervenção e, de certa forma, associar seu uso às finalidades da ação. Continuidades, ao confundirem, ainda, instrumentos com método e quando não conseguem visualizar os instrumentos como elementos de efetivação das finalidades, não somente da ação, mas, também, da finalidade do profissional, da profissão, da instituição. Ou seja, finalidade parece estar desvinculada da teoria, e dos valores. Percebe-se, também, que não fica explícita a relação estabelecida entre as dimensões da intervenção, conforme afirmativa abaixo Aliado às dificuldades de utilizar os instrumentos, esbarramos em questões institucionais, o que a instituição quer que a gente faça, como ela dá estes espaços, será que ela valoriza o nosso esforço para estar indo além? O que vamos fazer com aquelas angústias que a gente levantar? (SIMPÓSIO A DIMENSÃO TÉNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL: Desafios Contemporâneos na Formação Profissional do Assistente Social Frente aos Novos Padrões de Proteção Social, 2009, p. 14) Ao indagarmos, nas entrevistas, sobre as atividades desenvolvidas na política de assistência social, majoritariamente, as respostas são: visita domiciliar (mencionada 14 vezes), atendimentos individuais/entrevista (15), atendimentos grupais/reuniões (15) e encaminhamentos (mencionado 15 vezes). Estas respostas refletem a tensão entre instrumentos, procedimentos, ações, técnicas e estratégias, tão comuns à profissão. Quando (no Grupo Focal) solicitadas a indicarem as atribuições dos Assistentes Sociais nos CRAS, enumeraram os mesmos elementos de quando indagadas sobre quais os instrumentos utilizados em suas ações, reduzindo atribuições a instrumentos, ou seja, apontaram como atribuições: realizar entrevistas, grupos, visitas domiciliares e elaborar pareceres técnicos e citaram os mesmos elementos quando indagadas sobre os instrumentos mais utilizados na intervenção profissional. Não é uma questão simples, tanto é que na Lei de Regulamentação da Profissão, essa complexidade é visível, a similitude está entre competência e atribuições. Instrumentos, competência profissional e atribuição profissional, atividades são termos que se imbricam e precisam ser melhor definidos pela categoria. Quanto aos instrumentos mais utilizados na intervenção – esta foi uma questão fechada no formulário aplicado, em que deveriam marcar Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos a intensidade da utilização, nunca, sempre e às vezes –, a entrevista, o encaminhamento17 e a observação foram citados por todas as entrevistadas, 133 sendo que 32 assistentes sociais os utilizam “sempre” e 05 os utilizam “às vezes”. Apenas uma profissional “nunca” utiliza a visita domiciliar, entretanto, 18 a utilizam “sempre” e 18 “às vezes”. O grupo “nunca” é utilizado por 03 profissionais, 15 o utiliza “sempre” e 19 “às vezes”; a reunião “nunca” é realizada por 01, sendo que 24 assistentes sociais a utilizam “sempre” e 12 “às vezes”. Levando em consideração o uso frequente dos instrumentos – aqueles que “sempre” são utilizados –, podemos afirmar que os instrumentos de procedimento individual são os mais utilizados. Esses dados foram confirmados no Grupo Focal (somente AS dos CRAS). Os instrumentos mais utilizados foram: Entrevista; documentação – relatório, formulário, pareceres –; encaminhamentos (100%); visita domiciliar; visita institucional; reuniões (75%); atendimento individual (50%); monitoramento; busca ativa; atendimento familiar; estudo de caso; palestras; sala de espera; trabalho com grupos; acolhimento; triagem; orientação; acompanhamento de caso; articulação com a rede e evolução (25%). Vimos que os instrumentos que respondem a procedimentos individuais, ainda, são majoritários em detrimento aos procedimentos coletivos, talvez pelas dificuldades indicadas: “não tem formação para isso, falta de disponibilidade, não participação dos usuários”. Percebe-se, também, aqui, a polêmica entre procedimentos, instrumentos e ações ao citarem encaminhamentos, atendimento individual, monitoramento, atendimento familiar, acolhimento, triagem, orientação, acompanhamento de caso, articulação com a rede, como instrumentos. O uso de procedimentos mais individualizados não significa, necessariamente, que ao utilizá-los se está individualizando as expressões da questão social ou que não se trabalha com uma postura crítica e coletiva. Conforme aponta Iamamoto (2004, p. 272), “as situações singulares vivenciadas pelos indivíduos são portadoras de dimensões universais e particulares das expressões da questão social, condensadas na história de vida de cada um deles”. O “como” utilizar os instrumentos, o compromisso 17 Citamos aqui o encaminhamento como instrumento, tendo em vista que, no grupo focal, este foi citado como instrumento, inclusive, um dos mais utilizados. Entretanto, alguns autores o consideram como procedimento. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional teórico e ético-político implementados no uso dos instrumentos é que dirá se 134 isso está ocorrendo ou não. Conforme orientação do CFESS (2009, p. 22), “o uso das técnicas e estratégias não deve contrariar os objetivos, diretrizes e competências assinalados [...]”. Se considerarmos “sala de espera” como um tipo de reunião, esta aparece em 100%. Ressaltamos que utilizam o termo “reunião”, “grupo”, “sala de espera”, como instrumentos diferentes, mas não trabalhamos a diferença que estabelecem um do outro. No que se refere à entrevista, à abordagem, ao atendimento individual e ao encaminhamento, levanta-se dúvidas se são a mesma coisa ou não. No laboratório, não se chegou a nenhuma conclusão, mas definiu-se que entrevista, abordagem e encaminhamento seriam tipos diferentes de atendimentos individuais: “a abordagem é quando fazemos um primeiro contato para contatar uma pessoa; o encaminhamento quando a situação apresentada requer outros serviços que a instituição não oferece e a entrevista, um momento mais aprofundado”. Relacionando esses dados com as demandas da população que procura os serviços socioassistenciais (cesta básica, bolsa família, vagas em escolas e creches, emprego, atendimento psicológico, documentos, cursos profissionalizantes, programas sociais para crianças e adolescentes, moradia, violência doméstica), percebemos que eles indicam demandas por necessidades, aparentemente, imediatas, fragmentadas, individualizadas, que são respondidas, em sua maioria, através de procedimentos, também, individuais, haja vista o grande uso do “encaminhamento”. Estes dados são confirmados no Grupo Focal. Essa demanda, aparentemente imediata, vai ao encontro da “expectativa que a população possui acerca do exercício profissional”: 26 profissionais responderam que a população espera o “atendimento às suas necessidades imediatas” (acesso a bens e serviços; benefícios materiais; encaminhamento para a rede), ou seja, o profissional oferece uma resposta que vai ao encontro dessa demanda. Ele se preocupa em atender mesmo que, minimamente, essa demanda, o que é correto. Porém, necessita-se ampliar a compreensão sobre essa demanda e sobre os seus significados junto à população, extrapolando a demanda aparente e, assim, poder direcionar suas respostas para uma dimensão mais ampla dessa demanda. É necessário transformar essa demanda que chega de forma individual em uma demanda coletiva. Soma-se a isso o dado, apontado anteriormente, de que a maioria das Assistentes Sociais respondeu que não desenvolve intervenção voltada para a inserção dos usuários em organizações populares e 40,5% nem conhecem Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos as organizações populares de seu entorno. Esses dados podem indicar que a intervenção profissional não tem explorado as articulações de caráter mais 135 coletivo junto às organizações populares existentes e junto aos Conselhos. Neste último, precisamos fortalecer nossa inserção nos mesmos na condição de conselheiras, na condição de secretária executiva e prestando assessorias, tendo como direção a perspectiva de fortalecimento do controle democrático e ampliação da participação dos usuários e trabalhadores, conforme indicação do CFESS (2009). Considerando que a escolha por um determinado instrumento de trabalho não é neutra, quando não utilizamos os procedimentos coletivos e nem, através dos procedimentos individuais estamos propiciando uma relação maior com o coletivo, indica uma determinada orientação teórica e um determinado compromisso ético-político. Indagadas, no Grupo Focal (somente AS dos CRAS), sobre as dificuldades no manuseio dos instrumentos, as Assistentes Sociais apontaram a imposição de utilização de alguns instrumentos que envolvem o uso da visita domiciliar, da entrevista e do grupo. Essa dificuldade contraria, à primeira vista, o processo de escolha dos instrumentos de intervenção – uma vez que, como vimos, este está relacionado à finalidade da ação profissional –, bem como, a autonomia técnica. Ressaltamos, aqui, que na aplicação dos questionários, 27 Assistentes Sociais, ou seja, 72,9%, afirmaram ser bom o nível de autonomia no emprego; 08 Assistentes Sociais, 21,6%, consideraram regular e, apenas, 02, 5,41%, afirmaram ser ruim o nível de autonomia. Esse reconhecimento de que possuem autonomia profissional foi justificado em razão da “liberdade para planejar e executar ações” (7); de “realiza[r] atividades sem impedimentos” (4); da “autonomia para conversar e acordar” (3); do “bom diálogo com as hierarquias” (2), da “liberdade de expressão” (1); da “possibilidade de dar sugestões e [fazer] críticas” (1); da “liberdade de trabalho” (1); da possibilidade de “propor ações e definir estratégias” (1); do “respeito recíproco entre os profissionais responsáveis pelo trabalho” (1). Essa autonomia relativa, particularmente, na escolha dos instrumentos de trabalho aparece no Grupo Focal e no Simpósio, citando, como exemplo, o CADÚNICO. O mesmo é uma condicionalidade da instituição e, por mais que critiquem, não podem deixar de preenchê-lo. Essa realidade é igualmente vivida pelos os grupos do Programa de Ações Integradas para a cidadania (PAIC), eles são orientados a fazê-lo, independente de concordarem ou não. Contudo, as AS dos CRASs indicam que têm autonomia no modo Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional de conduzir, tanto o CADÚNICO quanto os grupos do PAIC, ou seja, a 136 forma de conduzir os instrumentos é de responsabilidade dos profissionais: Por exemplo, uma das propostas dos CRAS é o acompanhamento das famílias do Bolsa Família, então você pode dar uma palestra informativa tanto para os profissionais da escola, quanto para a população. A partir disso, você pode até tirar grupos que não cumpram as condicionalidades, mas estão no Bolsa Família. Então, depende do que está acontecendo. Se você quer fazer um trabalho preventivo ou ficar apagando incêndio (SIMPÓSIO A DIMENSÃO TÉNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL: Desafios Contemporâneos na Formação Profissional do Assistente Social Frente aos Novos Padrões de Proteção Social, 2009, p. 16) Entendemos que mesmo os profissionais não escolhendo o tipo de instrumento a ser utilizado, o fundamental é, justamente, garantir o referencial teórico e ético-político que fundamentam a ação, o modo de utilizá-los, ou seja, a direção que eles assumem. É interessante destacar que os Assistentes Sociais têm clareza quanto aos elementos orientadores da escolha dos instrumentos citados: a demanda institucional; a formação profissional, teórico-metodológica, técnicooperativa; o Código de Ética Profissional; a cultura profissional; a escuta ativa da população, da instituição; o objetivo da profissão; os objetivos da ação; a disponibilidade de recursos; a situação demandada pelo usuário, a realidade verificada. Desta forma, precisamos voltar a atenção para as mediações que constituem a ação, as mediações entre o conhecimento e ação profissional. Apesar de citarem estes elementos, ao escolherem o instrumento de sua intervenção, as Assistentes Sociais que participaram do simpósio, constatam que o exercício profissional do Assistente Social está muito na execução, sem uma reflexão teórica sobre a mesma, “então, acaba que o profissional é um ser desmembrado: o que executa, separado daquele que pensa. Não deveria ser assim” (SIMPÓSIO A DIMENSÃO TÉNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL: Desafios Contemporâneos na Formação Profissional do Assistente Social Frente aos Novos Padrões de Proteção Social, 2009, p. 17) e, ainda: Muitas vezes nós somos engolidos pela demanda mesmo que chega, pela rotina que chega para os profissionais. O Serviço Social não dá para só fazer, fazer, fazer, a gente tem que conciliar a teoria com a prática e sempre fazer reflexão. Hoje, o grande desafio que nós detemos apenas buscando estes espaços além do institucional, ainda mais que o que predomina é o fazer, fazer, fazer e Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos o atender, atender, que se reflete em números. Eu acho que o nosso fazer, além de estar qualificado, ele tem que mostrar um sentido daquilo que nós sabemos para os usuários e para a instituição, que é um desafio muito grande (SIMPÓSIO A DIMENSÃO TÉNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL: Desafios Contemporâneos na Formação Profissional do Assistente Social Frente aos Novos Padrões de Proteção Social, 2009, p.17). Essas afirmativas nos fazem crer que, apesar de saberem os elementos que perpassam a escolha dos instrumentos, não conseguem pensar sobre eles ao agir, diante do volume de suas atividades. Entretanto, antes de agirem afirmam ter um planejamento das ações. Este contexto merece uma reflexão: têm clareza do processo de escolha dos instrumentos, se fazem planejamento, e a ação não é considerada reflexiva. De um lado, na implantação dos CRAS os Assistentes Sociais (no total, vinte e oito profissionais) têm sido protagonistas ao acumularem esforços no âmbito do planejamento e da organização das ações realizadas. Tal processo tem ocorrido pelo trabalho coletivo através das reuniões sistemáticas entre os assistentes sociais e a coordenação geral dos CRAS (realizada por uma assistente social). É nesse fórum que os profissionais têm possibilidade de influenciar na organização do seu trabalho, no âmbito do planejamento das ações, problematizando as dificuldades enfrentadas face ao processo de implantação do SUAS. Contudo, o planejamento está limitado ao campo de ação direta do Serviço Social, ou seja, não envolve o conhecimento e administração dos recursos financeiros envolvidos no processo. Nesse sentido, há separação entre o planejamento das ações e o conhecimento e o manejo dos recursos financeiros envolvidos nas ações, bem como as decisões de investimento ou as decisões estratégicas (e políticas) que envolvem a aplicação dos recursos e a definição das ações na área da assistência social. No Brasil, a participação dos trabalhadores nas decisões sobre a organização de suas atividades, bem como o seu envolvimento com o planejamento das atividades no plano técnico-operacional têm sido estratégias utilizadas nos diferentes processos de trabalho (MOTA e AMARAL, 1995); Mas, prevalece a separação entre o planejamento e a execução (constantes do processo taylorista/fordista), uma vez que a participação não implica na democratização das relações de trabalho, no que tange à tomada de decisões estratégicas e ao acesso às informações, ações restritas aos dirigentes. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 137 O exercício profissional na implementação do SUAS: projeto ético político, cultura profissional e intervenção profissional 138 4 Considerações Finais As entrevistas indicam que 29 Assistentes Sociais (78,38%), identificam mudanças positivas nas condições do exercício profissional após a implementação do SUAS em Juiz de Fora, tais como: interlocução maior entre os programas; atendimento regionalizado; valorização do Assistente Social; maior visibilidade da profissão; melhores condições para o exercício profissional; aumento de renda; trabalho em rede; direcionamento do trabalho; planejamento das ações. Esse dado é significativo, uma vez que grande parte desses profissionais foi remanejada no quadro da AMAC, portanto, eles possuem uma referência anterior de trabalho do âmbito da assistência. Essa avaliação positiva pode justificar o fato de que 31 Assistentes Sociais consideram bom seu nível de satisfação no emprego e 06 profissionais consideram sua satisfação regular, não havendo nenhuma resposta negativa, apesar dos salários serem baixos, como indicamos anteriormente. Os dados acima indicam uma contradição face aos questionamentos feitos pelos profissionais, uma vez que no Grupo Focal e no Simpósio foram apontadas dificuldades em atuarem de uma forma mais crítica ao encontro do projeto ético-político da profissão, tendo em vista a realidade institucional e a política no município. Inclusive questionam a possibilidade de efetivação desse projeto. Finalmente, concluímos que, mesmo num contexto adverso, as Assistentes Sociais vêm afirmando a necessidade da efetivação dos direitos conquistados assim como a ampliação dos mesmos, reafirmando a construção de uma cultura política democrática. Uma cultura profissional que converge com vários dos princípios apontados no SUAS, sobretudo, o da afirmação da assistência social como direito de todos, como política pública de responsabilidade do Estado, embora saibam dos limites das políticas sociais no contexto da sociedade de classes. Enfim, uma cultura profissional que converge com os valores do Projeto ético-político do Serviço Social hoje hegemônico como antes analisado, o que não exime de ser uma cultura profissional plural, como espaço de luta, de tensões. Uma cultura profissional que assume a necessidade da participação social e do controle social, mas, que nem sempre consegue efetivar no seu exercício cotidiano, colocando-se como desafio constante do mesmo. Uma cultura profissional que se constrói coletivamente nesse cotidiano que afirma a necessidade da competência teórica, metodológica, política e técnica instrumental no nosso exercício, Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Alexandra Aparecida T. Seabra Eiras | Carina Berta Moljo | Cláudia Mônica dos Santos embora ainda apresente dificuldades no trato teórico metodológico. Nesse sentido, uma profissão que, considerando todo o seu acúmulo histórico, 139 compreendeu a sua inserção na sociedade, a necessidade urgente de respostas à questão social, que se expressa em múltiplas demandas. Referências ABEPSS. Formação do assistente social no Brasil e a consolidação do projeto ético-político. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo n. 79, p 72-81 set. 2004. ABRAMIDES, M. B. C. Desafios do projeto profissional de ruptura com o conservadorismo. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo n. 91,p.3448, set. 2007. ______ e CABRAL, M.D.S. 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Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 143 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO APLICADO AOSREPRESENTANTESDASORGANIZAÇÕES/ MOVIMENTOS/INSTITUIÇÕES 1 Caracterização da organização/movimento/ instituição: 1.1 Nome da organização ou instituição: 1.2 Vínculo com a Política Municipal de Assistência Social (A) Conveniada(A) Não conveniada 1.3 Endereço:Rua: — nº_ Compl._ Bairro:__ CEP: _ Telefone:_ 1.4 Natureza da Instituição: (A) Religiosa (A) Empresarial (A) Comunitária (A) Político-partidária (A) Político-sindical 2 (A) Filantrópico; laico (A) Associação recreativa (A) Outra Caracterizaçãodorepresentantedainstituição 2.1Idade: _ anos 2.2Sexo: _ 2.3Escolaridade: (A) Ensino fundamental incompleto (A) Ensino fundamental completo (A) Ensino médio incompleto (A) Ensino médio completo (A) Ensino superior incompleto APÊNDICE A 146 (A) Ensino superior completo. Qual curso? (A) Pós graduação 2.4 Qual o seu vínculo com a organização/movimento/instituição? (A) Dirigente (A) Funcionário (A) Voluntário 2.5 Há quanto tempo você mora no bairro? 2.6 Há quanto tempo você participa da organização/movimento/ instituição? 2.7 Quais os motivos que o levaram a participar da organização/ movimento/instituição? 2.8 Você considera importante movimento/instituição? (A) Sim (A) Não Por quê? participar da organização/ 2.9 Qual a PRINCIPAL contribuição que sua participação na organização/movimento/instituição trouxe para a sua vida pessoal? Elencar três motivos em ordem decrescente. (A) Aprendeu a defender seus interesses (A) Solidariedade e amor ao próximo (A) ganhos materiais (A) ganhos espirituais (A) consciência política (A) Aprendeu a reivindicar direitos (A) Outros 2.10 Você participa de atividades de capacitação (palestras, seminários, congressos, cursos de extensão etc.)? (A) Sim (A) Não Por quê? Se sim, quais e com que frequência? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social QUESTIONÁRIO APLICADO AOS REPRESENTANTES DAS ORGANIZAÇÕES/MOVIMENTOS/INSTITUIÇÕES 2.11 Quais os meios de informação você utiliza para se atualizar? 147 Elencar três motivos em ordem decrescente. (A) Jornal televisivo (A) Revista (A) Conversando (A) Jornal impresso (A) Internet (A) Outros 3 Histórico da Organização/Movimento Social/ Instituição 3.1 Quando a organização/movimento/instituição foi criada? E por quê? 3.2 Quais foram as principais lutas da organização/movimento/ instituição desenvolvidas ao longo de sua trajetória? 3.3 Como essas lutas foram desenvolvidas? (A) Contato com vereadores (A) Contato com prefeito (A) Manifestações de protestos (abaixo-assinados, passeatas, greves, dentre outros) (A) Contato com os conselhos de direitos (A) Outros 3.4 Qual foi o período de maior concentração de conquistas da organização/movimento/instituição? 3.5 Como eram encaminhadas as demandas neste período? (A) Contato com vereadores (A) Contato com prefeito (A) Manifestações de protestos (abaixo-assinados, passeatas, greves, dentre outros) (A) Contato com os conselhos de direitos (A) Outros 3.6 Quais são os principais problemas que a instituição identifica na região? E no município? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social APÊNDICE A 148 3.7 Quais são as demandas atuais da organização/movimento/ instituição? 3.8 Quais são as estratégias utilizadas para o encaminhamento das demandas atuais? (A) Contato com vereadores (A) Contato com prefeito (A) Manifestações de protestos (abaixo-assinados, passeatas, greves, dentre outros) (A) Contato com os conselhos de direitos (A) Outros 3.9 De que forma estas estratégias são definidas? (A) Reuniões com a comunidade (A) Reuniões com os membros da organização/movimento/ instituição (A) Outros 3.10 Como se dá o processo de eleição da direção da associação? (A) Assembléia com voto aberto (A) Eleição indireta (A) Eleição direta com voto secreto (A) Não sabe (A) Outros 3.11 A população participa da organização/movimento/instituição? (A) Sim (A) Não Por quê? 3.12 Que estratégias são utilizadas para a população participar da organização/movimento/instituição? 3.13Em que situações há aumento da participação popular na organização/movimento/instituição? 3.14 Quais as reivindicações que mais mobilizam a população da sua região? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social QUESTIONÁRIO APLICADO AOS REPRESENTANTES DAS ORGANIZAÇÕES/MOVIMENTOS/INSTITUIÇÕES 3.15 Quais as organizações/movimentos/instituições mais importantes 149 da sua região? E do município? 3.16 Atividades que a organização/ movimento/ instituição participou no último ano: (A) Lista ou abaixo-assinados (A) Trabalhos voluntários (A) Manifestações de protesto (A) Reuniões de grupos locais (A) Conferências municipais (A) Conselhos. Quais? (A) Outros. Quais? 3.17 A organização/movimento/instituição teve e/ou tem relação com políticos/partidos políticos? (A) Sim (A) Não Quais? 4) Caracterização da visão de política social/ assistência social da instituição/organização 4.1 O que você entende por políticas sociais públicas? 4.2 Na sua opinião, quais são as responsabilidades do Estado no que se refere às políticas sociais? 4.3 Como o Estado tem respondido a estas responsabilidades? 4.4 Qual o seu conhecimento acerca das políticas sociais em Juiz de Fora? 4.5 Você tem conhecimento sobre o SUAS/política de assistência social em Juiz de Fora? (A) Sim (A) Não Se sim, destaque 3 aspectos. 4.6 Qual o seu conhecimento acerca do processo de implementação da política de assistência social em Juiz de Fora? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social APÊNDICE A 150 4.7 Como você analisa este processo de implementação? 4.8 Como a administração municipal tem tratado a política de assistência social em relação às demais políticas municipais? 4.9 Quais são as dificuldades e limites percebidos na condução da política de assistência social no município? 4.10 As ações da organização/movimento/instituição no campo da assistência social são compatíveis com o previsto no SUAS? 5) Caracterização das Ações Das Organizações/ Movimentos/Instituições 5.1 Quais são os serviços prestados pela instituição? 5.2 Os membros da organização/movimento/instituição são voluntários e/ou têm vínculo empregatício? 5.3 Há o profissional do serviço Social? (A) Sim (A) Não Se sim, qual o vínculo empregatício: (A) Voluntário (A) Contratado 5.4 Qual é o objetivo da instituição? 5.5 Qual é o público alvo da organização/movimento/instituição? 5.6 Quais as principais demandas da população? 5.7 Como a instituição responde a essas demandas da população? 5.8 Como é feita a seleção das pessoas atendidas? 5.9 Quais são as fontes de recursos financeiros da organização/ movimento/instituição? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social QUESTIONÁRIO APLICADO AOS REPRESENTANTES DAS ORGANIZAÇÕES/MOVIMENTOS/INSTITUIÇÕES 5.10Existe um processo de planejamento e avaliação das ações 151 desenvolvidas? (A) Sim (A) Não Se sim, como é feito? 5.11 Existe capacitação das pessoas que planejam, avaliam e executam as ações? (A) Sim (A) Não De que forma isso ocorre? 5.12 Quais são as dificuldades para a realização das ações desenvolvidas? 5.13Há conhecimento por parte da organização/movimento/ instituição do que é discutido no interior dos conselhos de direitos? (A) Sim (A) Não Se sim, quais conselhos? 5.14 Destaque 3 questões discutidas: 5.15 A entidade já atuou ou atua como conselheira? (A) Sim (A) Não Se sim, em que conselho? 5.16 Se sim, qual é a relação da sua atuação no conselho com as ações desenvolvidas pela organização/movimento/instituição que você participa? 5.17A organização/movimento/instituição tem articulação com outras organizações e movimentos sociais existentes no bairro e no município? (A) Sim (A) Não Se sim, com quais organizações/movimentos/instituições? Se sim, que tipo de articulação? 5.18 Como se efetiva a relação da organização com a prefeitura? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social APÊNDICE A 152 6 Relação associação/trabalho profissional do Serviço Social 6.1 Você conhece a prática profissional do Assistente Social? (A) Sim (A) Não Se sim, qual? 6.2 O Assistente Social realizou algum trabalho com a associação? (A) Sim (A) Não 6.3 Qual foi o trabalho desenvolvido pelo assistente social que você participou? Data: ___/ ___/ ____ Entrevistadores: Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social APÊNDICE B – ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS E DA INTERVENÇÃOPROFISSIONALDOASSISTENTE SOCIAL NA IMPLANTAÇÃO DO SUAS EM JUIZ DE FORA/REGIÃO LESTE Formulário Para Entrevista Com Assistentes Sociais 1 Caracterização da organização/instituição: 1.1 Nome da organização ou instituição: 1.2 Vínculo com a Política Municipal de Assistência Social (A) Conveniada (A) Não conveniada 1.3 Endereço: Rua: n° ACompl.A A Bairro: A A CEP: A A A Telefone 1.4 Natureza da instituição: Pública: (A) Municipal (A) Estadual (A) Federal Privada: (A) Religiosa (A) Empresarial (A) Comunitária (A) Político-partidária (A) Político-sindical (A) Filantrópica (A) Associação recreativa (A) Outra APÊNDICE B 154 2 Caracterização do entrevistado 2.1Idade: 2.2Sexo: 2.3 Graduou-se em faculdade: (A)Pública (A)Privada Qual? 2.4 Ano em que se formou: 2.5 Você desempenha atividade profissional em outra organização/ instituição? ( ) Sim ( ) Não Em caso afirmativo, responda a questão a seguir: [Em caso negativo responder a partir do bloco 3] 2.6 Em relação a essa outra atividade, A) Qual (ais) o (s) tipo (s) de vínculo (s)? (A) Autônomo (A) Voluntário (A) Estatutário (A) CLT (A) Consultoria (A) Contrato temporário (A) Prestação de serviço (A) Outro: B) Qual a carga horária semanal? (A) menos de 4 horas (A) 4 horas (A) 8 horas (A) 12 horas (A) 20 horas (A) 30 horas (A) mais de 30 horas (A) Outra: Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social QUESTIONÁRIO: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS E DA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL... C) Qual a sua renda mensal? (A) Até 2 salários mínimos (A) Mais de 2 e até 4 salários (A) Mais de 4 e até 6 salários (A) Mais de 6 e até 8 salários (A) Mais de 8 e até 10 salários (A) Mais de 10 e até 12 salários (A) Mais de 12 e até 14 salários (A) Acima de 14 salários. 2.7 Em qual instituição/organização você possui seu vínculo principal? 3) Política e cultura profissional: 3.1 O que o (a) motivou a optar pela profissão de Serviço Social? 3.2 Atualmente esta motivação permanece? Justifique. 3.4 Você realizou ou está realizando algum curso após a sua graduação? (A) Sim (A) Não 3.5 Em caso negativo, justifique: 3.6 Em caso afirmativo, quais as opções que se aplicam: (A) Especialização/Aperfeiçoamento Em que área? Onde? Ano de Conclusão:_ (A) Mestrado Em que área? Onde? Ano de Conclusão:_ (A) Doutorado Em que área? Onde?_ Ano de Conclusão:_ (A) Outra graduação. Em que área? Onde? Ano de Conclusão:_ 3.7 Você participa de atividades de atualização (palestras, seminários, congressos, cursos de extensão etc.)? (A) Sim (A) Não Em caso afirmativo, com que frequência? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 155 APÊNDICE B 156 3.8 Você tem ou teve participação em: a) organizações da categoria profissional? (A) Sim (A) Não. Em caso negativo, justifique por que não participa. Em caso afirmativo, indique qual e quando Que motivos o levaram a participar destas organizações? Que motivos o levaram a deixar de participar destas organizações? b) partidos políticos? (A) Sim (A) Não. Em caso negativo, justifique por que não participa. Em caso afirmativo, indique qual e quando. Que motivos o levaram a participar destas organizações? Que motivos o levaram a deixar de participar destas organizações? c) sindicatos? (A) Sim (A) Não. Em caso negativo, justifique por que não participa. Em caso afirmativo, indique qual e quando. Que motivos o levaram a participar destas organizações? Que motivos o levaram a deixar de participar destas organizações? d) movimentos sociais? ( ) Sim ( ) Não. Em caso negativo, justifique por que não participa. Em caso afirmativo, indique qual e quando. Que motivos o levaram a participar destas organizações? Que motivos o levaram a deixar de participar destas organizações? e) conselhos de direitos/políticas públicas? ( ) Sim ( ) Não. Em caso negativo, justifique por que não participa. Em caso afirmativo, indique qual e quando. Que motivos o levaram a participar destas organizações? Que motivos o levaram a deixar de participar destas organizações? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social QUESTIONÁRIO: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS E DA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL... 4 Política De Gestão Da Política De Assistência Social/Suas 4.1 Qual o vínculo com a organização/instituição pesquisada: (A) Autônomo (A) Voluntário (A) Estatutário (A) CLT/Contrato por tempo indeterminado (A) Contrato Temporário (A) Prestação de serviço (A) Outro:___ 4.2 Atualmente, que cargo você ocupa na organização/instituição? 4.3 Quais os requisitos necessários para ocupar este cargo? 4.4 Qual é a sua renda mensal neste emprego(em salários mínimos)? (A) Até 2 salários mínimos (A) Mais de 2 e até 4 salários (A) Mais de 4 e até 6 salários (A) Mais de 6 e até 8 salários (A) Mais de 8 e até 10 salários (A) Mais de 10 e até 12 salários (A) Mais de 12 e até 14 salários (A) Acima de 14 salários. 4.5 Qual a sua carga horária de trabalho? (A) menos de 4 horas (A) 4 horas (A) 8 horas (A) 12 horas (A) 20 horas (A) 30 horas (A) mais de 30 horas (A) Outra:___ Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social 157 APÊNDICE B 158 4.6 Como você avalia seu nível de satisfação neste emprego? (A)Bom (A) Regular (A) Ruim Justifique:___ 4.7 Como você avalia seu nível de autonomia neste emprego? (A) Bom (A) Regular (A) Ruim Justifique:___ 4.8 Destaque três aspectos do processo de implementação do SUAS em Juiz de Fora e do CRAS/Leste que você considera fundamentais. 4.9 Em que tipos de serviços do SUAS você se insere? Proteção Social Básica: (A) Programa de Atenção Integral à Família (A) Programa de inclusão produtiva e projetos de enfrentamento à pobreza (A) Centro de convivência para idosos (A) Serviços para criança de 0 a 6 anos,que visem o fortalecimento dos vínculos familiares, o direito de brincar, ações de socialização e de sensibilização para a defesa dos direitos das crianças (A) Serviços socioeducativos para crianças, adolescentes e jovens na faixa etária de 6 a 24 anos, visando sua proteção, socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (A) programas de incentivo ao protagonismo juvenil e de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (A) Centros de informação e de educação para o trabalho, voltados para jovens e adultos Proteção Social Especial – média complexidade (A) Serviço de orientação e apoio sociofamiliar (A) Plantão social (A) Abordagem de rua Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social QUESTIONÁRIO: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS E DA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL... (A) Cuidado no domicílio (A) Serviço de habilitação e reabilitação na comunidade das pessoas 159 com deficiência (A) Medidas socioeducativas em meio aberto (Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida) Proteção Social Especial – alta complexidade (A) Atendimento integral institucional (A) Casa Lar (A) República (A) Casa de Passagem (A) Albergue (A) Família substituta (A) Família Acolhedora (A) Medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade(semiliberdade, internação provisória e sentenciada (A) Trabalho protegido 4.10 Qual o significado de trabalhar vinculado à uma política pública? 5 Exercício Profissional 5.1 Qual a demanda do SUAS para o exercício profissional do assistente social? 5.2 Que relação você estabelece entre o SUAS e o projeto ético-político da profissão de Serviço Social? 5.3 Você identifica mudanças nas condições de realização do exercício profissional após a implementação do SUAS em Juiz de Fora? (A)sim (A)não Em caso afirmativo, quais?_ _ _ _ _ _ _ _ _ 5.4 Quais as atribuições do Assistente Social no SUAS? (A) coordenação de pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social APÊNDICE B 160 (A) elaboração de pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; (A) execução de pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; (A) supervisão de pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; (A) avaliação de estudos de pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; (A)assessoria; (A)consultoria; (A) perícias técnicas sobre matéria de Serviço Social; (A) laudos periciais; (A)pareceres (A) supervisão de estágio sobre matéria de Serviço Social; (A) direção e coordenação de serviços técnicos em Serviço Social. (A) Nenhum delas. (A)Outras 5.5 Destaque três aspectos da política de assistência social, a partir da implementação do SUAS, que você considera mais importantes para o exercício profissional? 5.6 Quais conhecimentos você considera importantes para o trabalho profissional? 5.7 Quais atividades você desenvolve? 5.8 Quais instrumentos você utiliza nas suas atividades de trabalho? (A) grupo (A) reunião (A) entrevista (A) visitas domiciliares (A) estudos sociais (A) pareceres (A) encaminhamentos (A) abordagem (A) observação. Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social QUESTIONÁRIO: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES SOCIAIS, POLÍTICAS E CULTURAIS E DA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL... 5.9 Qual a contribuição destes instrumentos para o desenvolvimento 161 de suas atividades? 5.10 A quem se destinam os serviços sociais prestados pela organização? 5.11 Quais as demandas mais comuns apresentadas pela população atendida? 5.12 Por que essas demandas são as mais comuns? 5.13 Quais são as condições de vida da população atendida? 5.14 Quais conhecimentos você considera importantes a respeito da população atendida? 5.15 Você conhece as organizações populares e movimentos sociais existentes na região que você intervém e no município? (A) sim (A)não Quais? 5.16Você visualiza articulação entre os usuários da sua prática profissional e os espaços de organização popular ou das lutas populares? (A) Sim (A) Não De que forma? 5.17 Qual a relação da sua prática profissional com as organizações populares existentes na região que você atua e as do município? 5.18 Você desenvolve alguma intervenção voltada para a inserção dos usuários em organizações populares e movimentos sociais? (A) Sim (A)Não Como? 5.19 Quais as expectativas que a população atendida possui acerca do seu exercício profissional? 5.20 Como você obtém esta informação? Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social APÊNDICE B 162 5.21 Quais as implicações da sua atividade profissional na realidade sobre a qual você atua? 5.22 Qual a relação do seu trabalho com os Conselhos da Assistência Social, Criança e Adolescente, Idosos e outros? Data: _/_/_ Entrevistador (a): __ Sistema Único de Assistência Social, Organizações da Sociedade Civil e Serviço Social Informações Gráficas Formato: 16 x 23 cm Mancha: 12,3 x 19,29 cm Tipologia: Adobe Garamond Pro (OTF) Bold; Adobe Garamond Pro (OTF) Italic; Adobe Garamond Pro (OTF) Regular; Bailey Sans ITC TT Book; Myriad Pro Regular; OttawaPlain. Papel : Offset 90 g/m² (miolo) - Cartão Supremo 250 g/m² (capa) Tiragem: 1000 exemplares Impressão e acabamento: Global Print Editora e Gráfica LTDA