Por que apostar em REDD+? * Juliana Splendore, Mariana Christovam, Erika Pinto e Paulo Moutinho O desmatamento tropical é considerado pelo IPCC, a segunda fonte de emissão que mais contribui para o aquecimento global. No contexto brasileiro, cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa estão relacionadas a atividades de uso do solo, especialmente ao desmatamento. Apesar de haver políticas para impedir o desmatamento, estas não têm sido suficientes para oferecer alternativas ao modelo econômico atual, que favorece a derrubada da floresta. A pecuária extensiva e a exploração ilegal de madeira, entre outras atividades, historicamente, provocam desmatamento, aumentam as emissões de gases de efeito estufa e exercem pressão sobre as comunidades dependentes das florestas. Somente a valoração financeira da floresta e o reconhecimento dos esforços daqueles que conservam os recursos florestais é que poderá levar à extinção do desmatamento. Neste contexto, REDD+ surge como uma grande oportunidade de promover um novo modelo de desenvolvimento baseado numa lógica econômica de uso sustentável da floresta e de baixas emissões de carbono. A sigla REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) representa hoje a proposta mais discutida no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para fazer frente à mudança climática global. Em sua versão ampliada, representada pela sigla REDD+, o mecanismo inclui as atividades que promovem o aumento das reservas de carbono florestal, o manejo sustentável de florestas e a conservação florestal. Essa proposta é atrativa porque a redução das emissões do desmatamento pode ser alcançada rapidamente e a um relativamente baixo custo se comparada às emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis. Reduzir emissões de desmatamento também gera inúmeros co-benefícios, como a preservação da biodiversidade, o equilíbrio do regime de chuvas de várias regiões e, principalmente, garante o sustento de milhões de pessoas que fazem uso dos recursos florestais. Além de poder oferecer incentivos econômicos aos esforços de redução do desmatamento ou de conservação florestal, REDD+ pretende estimular o uso sustentável de recursos florestais e favorecer a manutenção de diversos serviços ambientais prestados pelas florestas. O uso sustentável, aliado a um investimento para intensificação da produção e melhoria tecnológica no uso das áreas já abertas, poderá favorecer a preservação da floresta, a regulagem do ciclo da água e do clima, o controle de erosões, a manutenção da biodiversidade, o controle de pragas, entre outros. Dessa forma, REDD+ poderá ajudar de maneira significativa a conservação de florestas que atualmente abrigam 150 milhões de indígenas1 e a subsistência de 90% dos 1,2 bilhões de pessoas que vivem em extrema pobreza2. Mas, para que REDD+ promova benefícios sociais, será necessário reconhecer o papel de “guardiões da floresta” exercido pelas populações indígenas e comunidades tradicionais3. Na Amazônia Brasileira, as 282 terras indígenas e 61 reservas extrativistas preservam 30% (ca. 15 bilhões de toneladas de carbono) de todo o estoque florestal de carbono da região e atuam como inibidoras do 1 Greenpeace (2008). Forests for Climate: Greenpeace's solution to protect tropical forests, and fight the climate crisis. Amsterdan: Greenpeace. 2 The World Bank (2004). Sustaining Forests: A Development Strategy. 3 Veja o vídeo com impressões e opiniões de lideranças dos povos da floresta da Amazônia brasileira sobre as mudanças climáticas e o papel crucial que as florestas terão nesse contexto: http://www.ipam.org.br/videos/Amazonia-e-Mudancas-Climaticas-Vozes-daFloresta/32 desmatamento4. Caso estas áreas não estivessem protegidas por seus habitantes, cerca de cinco bilhões de toneladas de carbono seriam emitidas para a atmosfera até 205011, um volume de emissão equivalente a 50% do que o mundo como um todo emite de gases de efeito estufa, em um ano inteiro. Os esforços da comunidade internacional vão na direção de desenhar o mecanismo de REDD+ de maneira a contribuir como mais um instrumento para assegurar a proteção aos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais que preservam a floresta e seus ecossistemas. O debate sobre os direitos dos povos que dependem das florestas conta com diversos aliados no contexto brasileiro e internacional, como os movimentos indígenas, comunidades extrativistas, ONGs ambientalistas, agências das nações unidas e países doadores de fundos para REDD+, que defendem uma distribuição justa dos recursos gerados por REDD+ para esses atores. As iniciativas de elaboração de salvaguardas sociais e ambientais para garantir direitos e benefícios dos povos da floresta tem se multiplicado nos últimos anos. O processo de definição dos Princípios e Critérios socioambientais de REDD+ na Amazônia Brasileira, movido por movimentos sociais e ONGs, está sendo adotado como parte da estratégia nacional de REDD+ do Brasil e levado à Conferência do Clima e a outros eventos internacionais. Programas internacionais de REDD+, como o programa de REDD da ONU, também estão no processo de desenvolver salvaguardas sociais e ambientais e caminham no sentido da inclusão da sociedade civil e de povos indígenas nos processos de desenho e implementação conjunta dos programas nacionais. Além disso, na última COP, COP 16, foi apresentada uma decisão que inclui um mandato para que o corpo técnico da Convenção apresente orientações sobre como as salvaguardas das atividades de REDD+ estão sendo tratadas e respeitadas. Essas iniciativas mostram como a discussão sobre direitos e garantias de populações que vivem na e das florestas tem avançado positivamente. Por meio do reconhecimento daqueles que historicamente têm contribuído para a conservação da floresta em pé, REDD+ pode gerar incentivos financeiros e garantir os benefícios da floresta viva, melhorando as condições sociais e econômicas de quem depende dela para sobreviver. Para tanto, será necessário estabelecer um regime nacional de REDD+ nos países que seja regulamentado, garantindo os direitos e benefícios para as populações dependentes das florestas. No Brasil, por exemplo, avança a ideia de que uma proporção dos benefícios financeiros gerados por REDD+ seja destinada, por meio de fundos, exclusivamente a garantir direitos territoriais de indígenas e de comunidades tradicionais. REDD+ não pode ser entendido como “a cura para todos os males”, mas com certeza se bem elaborado pode representar uma janela importante de oportunidades, capaz de estabelecer uma nova relação entre a floresta e o crescimento econômico baseado em baixas emissões de gases de efeito estufa. A decisão de não desmatar e de preservar florestas deve ser tão ou mais economicamente atrativa do que a decisão de derrubá-las para desenvolver atividades produtivas que pouco tem gerado benefícios e melhorias para qualidade de vida das populações que ali vivem. Mesmo pequenos fluxos de incentivos financeiros vinculados ao carbono florestal, se devidamente orientados, podem gerar enormes benefícios para os ecossistemas e para as populações que deles dependem para sobreviver. Se aliado à garantia de direitos e a salvaguardas às populações da floresta, REDD+ pode ser o instrumento econômico capaz de inverter essa lógica econômica atual, valorizando a floresta e as comunidades locais. 4 Soares-Filho B., Moutinho P., Nepstad D., Andersond A., Rodriguesa H., Garcia R., Dietzsch L., Merrye F., Bowman M., Hissa L, Silvestrinia R. and Cláudio Marettid. 2010, The role of Brazilian Amazon protected areas in climate change mitigation. PNAS. www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.0913048107.