1 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS PAIS AOS FILHOS MAIORES ANA PAULA ENGRAZIA BETTIO1 RESUMO A presente pesquisa apresenta uma análise geral do instituto dos alimentos, seu conceito, sua natureza, sua finalidade e a obrigação alimentar, tendo como embasamento teórico o Código Civil Brasileiro de 2002. Este trabalho de pesquisa versa, especificamente, sobre a obrigação alimentar dos pais para com os filhos com maioridade civil. Posteriormente a estas análises, serão apresentadas as situações específicas em que os filhos maiores de dezoito anos têm direito à pensão alimentícia paga pelos seus genitores. Por fim, o trabalho analisa os aspectos peculiares da ação de alimentos movida pelos filhos maiores, mostrando também a polêmica entre a doutrina e a jurisprudência sobre ação de exoneração de alimentos pleiteada pelos genitores, examinando, ainda, o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul nos casos concretos. Esta pesquisa tem o intuito de dirimir possíveis dúvidas geradas com relação ao direito dos filhos maiores de dezoito anos receberem ou não alimentos de seus pais. Palavras-chave: Alimentos. Obrigação alimentar. Necessidade. Possibilidade. Maioridade civil. INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo mostrar a importância dos alimentos no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no Direito de Família, restringindo-se ao estudo da obrigação alimentar dos pais na maioridade civil dos filhos. Sabe-se que o direito primordial do ser humano é o de sobreviver, e de sobreviver com dignidade; em virtude disso, o instituto dos alimentos destaca-se no meio jurídico pela sua importância com relação ao direito à vida. Os indivíduos, a princípio, possuem todos os predicados que os tornam capazes de subsistir por meio de seu próprio esforço, porém, em determinadas circunstâncias, isso se torna impossível ou temporariamente inviável. Contudo, todo indivíduo que não pode prover sua mantença não pode ser deixado à própria sorte, e, por essa razão, a lei criou a obrigação alimentar. O ser humano, desde o seu nascimento à sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários para a sobrevivência. Nesse âmbito, realça-se a necessidade de sua provisão com alimentos. Desse modo, o conceito de alimentos pode ser entendido como tudo que é necessário para a sua subsistência. 1 Acadêmica da Faculdade de Direito da PUCRS. Trabalho orientado pelo Prof. ME Gilberto Flávio Aronne 2 Um dos motivos que levaram à escolha do tema da presente pesquisa consiste na dificuldade apresentada, nos dias de hoje, de os jovens entrarem para o mercado de trabalho. O filho, ao atingir a maioridade civil, não possui, na maioria das vezes, capacidade financeira suficiente para suprir todas as suas necessidades. Mostra-se praticamente impossível que um filho que tenha completado recentemente dezoito anos de idade consiga um emprego que sustente, por exemplo, além de suas necessidades básicas, uma universidade particular, curso este que facilitará seu desenvolvimento e culminará em êxito profissional posteriormente. Por essa razão, os filhos com maioridade civil devem ter direito aos alimentos, caso exista uma real necessidade, para que possam continuar com seus estudos sem prejuízo, futuramente, de sua vida profissional. Outro motivo para a escolha do tema em questão é a grande quantidade de demandas tramitando no Poder Judiciário Gaúcho, por meio das quais se constata, em número cada vez maior, a interposição de ações por filhos maiores de idade pleiteando alimentos de seus genitores. Cabe salientar, ainda, que um dos fatos motivadores da escolha deste tema, além do acima mencionado, é a atual realidade de instabilidade na vida conjugal dos casais com filhos, na qual se percebe um número cada vez maior de separações e divórcios entre os pais. Em situações como essas, os filhos, muitas vezes superprotegidos e despreparados para o seu auto-sustento, vêem-se desamparados afetiva e financeiramente para prosseguirem suas vidas sem a ajuda dos genitores, ou seja, mesmo que considerados maiores civilmente, não possuem condições, em sua maioria, de obterem sozinhos os recursos indispensáveis à sua sobrevivência, já que se encontram em condições não-favoráveis para tal. É evidente que cada caso deve ser analisado de acordo com suas peculiaridades, levando-se sempre em consideração o binômio necessidade-possibilidade. Em virtude disso, analisar-se-á esse binômio em momento posterior. Inicialmente, para o desenvolvimento da presente análise, serão analisados, em aspectos gerais e fundamentais, tópicos intrinsecamente relacionados ao instituto dos alimentos, tais como seu conceito, sua natureza e sua finalidade; logo, verificar-se-ão os sujeitos da obrigação alimentar, ou seja, quem pode exigir os alimentos e quem deve fornecê-los. No mesmo capítulo, examina-se a diferenciação que se estabelece entre o dever de sustento e o da obrigação alimentar, este decorrente da relação de parentesco, aquele pelo poder familiar. Além disso, analisar-se-ão os pressupostos da obrigação dos alimentos, o binômio necessidadepossibilidade, o qual mostra que somente são concedidos os alimentos para o alimentado se este realmente necessita de auxílio e se o alimentante tem possibilidade de prestá-los. No segundo capítulo, será feita uma análise sobre a obrigação alimentar que os pais possuem em relação aos filhos maiores de dezoito anos. Verificar-se-á, neste tópico, que o dever de sustento cessa com o advento da maioridade civil, mas, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, a maioridade por si só não extingue o encargo alimentar dos pais na ação de alimentos pleiteada pelos filhos; pelo contrário, em determinados casos, configurada a necessidade, a prestação dos alimentos deve persistir para não causar prejuízo ao alimentado. Dissertar-se-á, 3 também, sobre as condições específicas para a concessão de alimentos pelos pais aos filhos maiores, ou seja, em quais circunstâncias os pais serão obrigados a fornecer pensão alimentícia aos filhos maiores necessitados. Neste mesmo capítulo, será examinado o limite etário para a concessão dos alimentos aos filhos maiores. Observar-se-á, por fim, no terceiro capítulo, o pedido de exoneração de alimentos movida pelos pais, com o intuito de extinguir a prestação alimentícia aos filhos maiores. Frise-se que não há entendimento pacífico entre doutrinadores e magistrados acerca da necessidade ou não de interposição de ação de exoneração para cessar a obrigação dos pais de prestar alimentos aos filhos maiores, pois alguns autores acham que o singelo requerimento dos genitores, na própria ação de alimentos, poderia ser suficiente para a análise do pedido. Observar-se-ão também aspectos específicos das ações de alimentos movidas pelos filhos maiores de idade contra seus genitores, bem como serão analisados casos concretos a partir da utilização da jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O estudo em tese tem por objetivo verificar a possibilidade de os filhos maiores demandarem alimentos de seus pais, analisando-se sempre o binômio necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante. Em se tratando o direito alimentar de matéria de suma importância social, uma vez que essencial à sobrevivência das pessoas, teve-se o cuidado de explanar o tema no sentido de apresentar suas características, seus conceitos e suas peculiaridades, e, principalmente, de demonstrar sua fundamental importância nesta sociedade individualista, onde é preciso que seja interposta ação judicial pleiteando alimentos a fim de que o filho maior e necessitado não pereça. 1 ALIMENTOS 1.1 Conceito, finalidade e natureza dos alimentos Alimentos são todas as substâncias utilizadas pelos homens como fonte de energia para poderem realizar as suas funções vitais, incluindo o crescimento, o movimento, a reprodução, e todas as finalidades da vida. Como se vê, esse é o conceito genérico e usual de alimentos. Logo, pode-se entender que “alimento” é tudo aquilo que o homem bebe e come, em vista de seu sustento, ou seja, é toda a substância que, ingerida por um ser vivo, alimenta-o ou nutre-o. Do ponto de vista jurídico, entende-se por alimentos tudo o que for necessário ao sustento do ser humano, para o suprimento de suas necessidades vitais e sociais. Tem-se como exemplo de alimentos os gêneros alimentícios, o vestuário, a habitação, a saúde, a educação e o lazer. Os alimentos não se referem apenas à subsistência material do alimentado, mas também à sua formação intelectual. Eles visam a satisfazer as necessidades de quem não pode provê-las integralmente por si.2 2 GOMES, Orlando. Direito Civil: Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 427. 4 Segundo Ricardo Rodrigues Gama, por alimentos entenda-se a obrigação de dar um montante, em dinheiro ou não, a outra pessoa, para a sua subsistência. Subentende-se, incluso em alimentos, o vestuário, a habitação, a educação, o lazer, a assistência médica e os medicamentos. 3 Para Yussef Said Cahali, são “[...] alimentos no seu significado vulgar: tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida.” 4 Arnoldo Wald assevera que “os alimentos são determinados pelo juiz, atendendo à situação econômica do alimentante e às necessidades essenciais de moradia, alimentação vestuário, tratamento médico e educação do alimentado”.5 O Novo Código Civil brasileiro de 2002, assim como o antigo Código Civil, de 1916, não definiu o conceito de alimentos. Não obstante isso, o art. 1920 do Código Civil de 2002 dispõe: “o legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”. Conforme entendimento de Rolf Madaleno, a expressão alimentos engloba o sustento, a cura, o vestuário e a casa, reza o artigo 1.920 do Código Civil brasileiro, e, se o alimentando for menor, também tem o direito à educação, tudo dentro do orçamento daquele que deve prestar estes alimentos, num equilíbrio dos ingressos da pessoa 6 obrigada com as necessidades do destinatário da pensão alimentícia. A partir do exposto até então, é possível observar na doutrina a unanimidade de idéias sobre o conceito de alimentos; embora alguns autores utilizem palavras e expressões diversificadas, não há qualquer divergência conceitual substancial entre eles. Como bem ensina Sérgio Gilberto Porto, hoje não mais existe qualquer divergência quanto à conotação técnicojurídica do conceito de alimentos, pois a doutrina de muito firmou o entendimento de que em tal acepção devemos considerar não só os alimentos necessários para o sustento, mas também os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no conceito social de cada um. Nessa linha, vale observar que o que vinha sendo recomendado pela doutrina, agora, como novo sistema, vem expressamente consagrado no artigo 1694 do CC, haja vista que este estabelece que os alimentos devam 7 atender também a compatibilidade com a condição social. O instituto dos alimentos destaca-se no meio jurídico pela sua importância em relação ao direito à vida, pois todos sabem que o direito primordial do ser humano é o de sobreviver com dignidade. O indivíduo, a princípio, possui todos os predicados que o tornam capaz de subsistir por meio de seu próprio esforço, porém, 3 GAMA, Ricardo Rodrigues. Alimentos. 1 ed. São Paulo: Bookseller, 2000, p. 11. CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 15. 5 WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. 15 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 43. 6 MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 127. 7 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2003, p. 17 4 5 em determinadas circunstâncias, isso se torna impossível ou temporariamente inviável. Além do conceito de alimentos, é necessário que se faça a distinção entre os termos Alimentado e Alimentante, sendo estes os sujeitos legítimos da ação de alimentos. Alimentado é aquele a quem se dá, paga, fornece alimentos. É o sujeito ativo da obrigação alimentar, o credor . Alimentante, também chamado Alimentador, é aquele que dá, paga, fornece alimentos. É o sujeito passivo da obrigação alimentar, o devedor. O direito alimentar também se destaca por ser de ordem pública, prevalecendo, na proteção da família e da vida, o interesse social. O Estado fiscaliza e instrui normas que regem as relações sociais, em especial no concernente ao direito de família, pois não há quase liberdade na autonomia de vontade, sendo este direito alimentar limitado à ordem pública. Desse modo, salienta Rolf Madaleno: O direito alimentar é de ordem pública, por prevalecer o interesse social na proteção e na preservação da vida e da família, cometendo associar sua ordem pública com o princípio constitucional do artigo 3º, inciso I, da Carta Federal de 1988, quando aponta ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e 8 solidária. Sustentada pela doutrina, existe uma distinção quanto à natureza dos alimentos. Eles se dividem em alimentos naturais ou necessários e côngruos ou civis. Os alimentos naturais (necessarium vitae) são aqueles estritamente necessários para a manutenção da vida, os indispensáveis à subsistência, como alimentos, habitação, vestuário, assistência médica.9 Os alimentos civis (necessarium personae), por sua vez, são os destinados a manter a qualidade de vida do alimentado, atendendo suas necessidades intelectuais ou morais (educação, lazer), ajudando a preservar, assim, o status social do credor de alimentos.10 Desse modo, Araken de Assis ensina: Os alimentos naturais compreendem as notas mínimas da obrigação: alimentação, cura, vestuários e habitação: equivalem às necessidades básicas e tradicionais do ser humano. Eles se situam, portanto, nos limites do necessarium vitae. Os alimentos civis, também chamados côngruos, englobam, além desse conteúdo estrito, o atendimento às necessidades morais e intelectuais do ser humano, objetivamente considerado, e por isso se dizem necessarium personae.11 8 MADALENO, Rolf. Op. cit., p. 197-198. ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Os alimentos no novo código civil. Rio de Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004, p. 26. 10 ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Op. cit., p. 27. 11 ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 125. 9 6 Silvio de Salvo Venosa também salienta que [...] a doutrina costuma distinguir os alimentos naturais ou necessários, aqueles que possuem alcance limitado, compreendendo estritamente o necessário para a subsistência; e os alimentos civis ou côngruos, isto é, convenientes, que incluem os meios suficientes para a satisfação de todas as outras necessidades básicas do alimentado, segundo as possibilidades do obrigado.12 Francisco José Cahali13 diz que a diferenciação entre esses tipos de alimentos, embora não estivesse expressa no Código Civil de 1916, já acontecia há muito tempo, mas sem repercussão, visto que tal divisão não se fazia relevante. Mas com o advento da nova Lei Civil, tais modificação e diferenciação são necessárias em certos casos, quando são devidos somente os alimentos necessários à subsistência do alimentado, momento em que é preciso identificar e delimitar a abrangência de tal prestação para que se possa aplicar corretamente à pensão alimentícia o caso concreto. Importante referir que o conceito de alimentos e a sua finalidade estão interligados, uma vez que, por meio do entendimento do conceito, pode-se demonstrar para que o alimento serve e qual é o seu propósito. Além do conceito e da finalidade dos alimentos, também se deve mencionar que a obrigação alimentar não pertence somente ao Direito de Família, uma vez que essa obrigação decorre de várias fontes, tais como da lei, do contrato, do testamento, ou por meio de um ato ilícito.14 Sobre o tema manifesta-se Orlando Gomes: A obrigação alimentar pode resultar: a) da lei, pelo fato de existir, entre determinadas pessoas, um vínculo de família; b) de testamento, mediante legado; c) de sentença judicial condenatória do pagamento de indenização para ressarcir danos provenientes de ato ilícito; d) de contrato. Por disposição testamentária pode-se instituir, em favor de legatário, o direito a alimentos, enquanto viver. O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, além da educação, se o legatário for menor. A indenização devida pelo que praticou ato ilícito pode consistir, por determinação legal, na prestação de alimentos, como ocorre, por exemplo, no caso de homicídio.15 Consoante Rolf Madaleno, a obrigação alimentar encontra, estatisticamente, maior trânsito dentro do Direito de Família.16 A Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, refere que “o dever de alimentar, no âmbito do direito das famílias, decorre do poder familiar, do parentesco, da dissolução do casamento ou da união 12 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 5 ed. São Paulo. Atlas, 2005, p. 392. CAHALI, Francisco José. Dos alimentos. In: Direito de família e o novo código civil, Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coords.), Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 183. 14 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3 ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2003, p20. 15 GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 427. 16 MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 127. 13 7 estável”.17 A natureza jurídica dos alimentos decorrente da família está ligada à origem da obrigação. Em suma, constata-se que, na natureza jurídica dos alimentos, alguns autores distinguem estes como sendo naturais ou civis, ao passo que outros apontam que a natureza dos alimentos reside na lei, na vontade, ou no delito. Nesse sentido, mesmo que o instituto dos alimentos tenha diversos fundamentos e normas, todos estes apresentam a mesma finalidade, qual seja, a de evitar a miserabilidade.18 Pelo exposto, resta evidente a importância dos alimentos no nosso ordenamento jurídico, uma vez que esse instituto tem por finalidade garantir o direito à vida de quem não tem meios de arcar com sua própria subsistência. Os alimentos visam, precisamente, a proporcionar ao alimentado uma vida com dignidade. Assim, já que os alimentos têm a finalidade de garantir o direito à vida, resta evidenciada a importância desse instituto inclusive na Constituição Federal Brasileira de 1988, quando se entende que o “direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e ao exercício de todos os demais direitos”.19 1.2 Quem deve prestá-los e quem pode reclamá-los Passa-se agora ao estudo dos sujeitos da obrigação alimentar no Direito de Família, os quais são, pois, quem está obrigado a prestar os alimentos e quem está necessitado de receber o auxílio dos alimentos. O ser humano, desde a sua concepção e em razão de sua estrutura e natureza, é um ser carente por excelência, incapacitado, até certo período da vida, de produzir os meios necessários para garantir a sua subsistência. Surge, assim, o direito natural de ser nutrido, amparado pelos responsáveis por sua geração.20 Logo, são os genitores que devem assegurar os meios necessários para garantir a subsistência de sua prole; é um dever natural dos pais sustentar seus filhos. Ocorre que a relação de sujeitos da obrigação alimentar não compreende somente pais e filhos, visto que também há a possibilidade, no direito de família, de outros parentes fazerem parte dessa obrigação alimentícia. O princípio da reciprocidade foi mantido no Código Civil de 2002, elencado nos artigos 1.694, 1.696 e 1.697 deste, referindo que podem os sujeitos da obrigação alimentar se ajudarem mutuamente, ou seja, aquele que hoje presta alimentos a certo parente, outrora poderá estar na situação de necessitado, podendo exigir alimentos do parente ao qual ajudara. 17 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 448. 18 PORTO, Sérgio Gilberto. Op. cit.,p. 20. 19 MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004. 20 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 29. 8 A prestação de alimentos deixou de ser, pois, uma obrigação moral para se tornar uma obrigação de caráter estritamente jurídico, pois embora se reconheça a solidariedade familiar e o vínculo afetivo entre os membros da família, sentimentos de mágoas e desencantos acabam por misturar-se aos direitos e deveres.21 A obrigação alimentar torna-se, portanto, materializada em virtude de lei, para que possa ser exigida por quem necessita. Assim ensina o ilustre Yussef Cahali: É fácil compreender-se essa primeira e definitiva inserção do encargo alimentar no contexto das relações familiares, à medida que o dever moral de prestação de socorro foi se transformando em obrigação jurídica de assistência. 22 Assim, ao se falar em alimentos, está-se também fazendo referência ao direito de exigi-los e à obrigação de prestá-los, caracterizando o caráter assistencial desse instituto, já que a finalidade da obrigação alimentar é a de atender as necessidades de uma pessoa que não pode prover a sua própria subsistência.23 Assim sendo, é preciso identificar quais as pessoas que podem fazer parte do pólo ativo e quais podem fazer parte do pólo passivo dessa relação alimentar. No pólo ativo, encontra-se o credor de alimentos – o alimentado. É ele quem recebe a prestação alimentar, ou seja, aquele que pode reclamar, exigir os alimentos. No outro pólo da relação, o pólo passivo, encontra-se o devedor de alimentos – o alimentante. É aquele que obrigatoriamente presta alimentos, satisfazendo as necessidades do alimentado. Dessa maneira, a obrigação alimentar recai, primeiramente, aos parentes de grau mais próximo; na falta dos ascendentes, a prestação alimentícia caberá aos descendentes e, na falta destes, aos irmãos. Quem carece de alimentos deverá reclamá-los, primeiramente, aos pais (art. 229 da CF)24. Na falta destes, a obrigação passará aos outros ascendentes, aos avós, paterno ou materno, em seguida aos bisavôs e bisavós, e assim sucessivamente. Na falta de ascendentes, a prestação alimentícia caberá, na ordem de sucessão, aos descendentes: primeiramente, aos filhos, e, posteriormente, aos netos. Faltando os descendentes, a obrigação incumbe aos irmãos, germanos ou unilaterais. 21 LEITE, Eduardo de Oliveira. Grandes temas da atualidade: Alimentos no novo código civil – aspectos polêmicos. Vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 08. 22 CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 32. 23 PORTO, Sérgio Gilberto. USTÁRROZ, Daniel. Tendências constitucionais no direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 148. 24 Artigo 229 da Constituição Federal. “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. 9 Belmiro Pedro Welter salienta que, assim, em face de lei, verifica-se que há quatro classes de pessoas obrigadas à prestação alimentícia, formando uma hierarquia no parentesco: 1º) pais e filhos, reciprocamente 2º) na falta desses os ascendentes, na ordem de sua proximidade com o alimentado; 3º) os descendentes, na mesma ordem, excluindo o direito a representação; 4º) finalmente, aos 25 irmãos, unilaterais ou bilaterais. Para fins de obrigação alimentar, são considerados parentes consangüíneos os de linha reta. Assim, a lei faz uma enumeração taxativa na obrigação alimentícia, já que o dever de prestar alimentos não ultrapassa a linha colateral (irmãos) de segundo grau. Vê-se, portanto, que os tios não devem alimentos aos sobrinhos, nem os primos reciprocamente. Os parentes afins também estão excluídos dessa obrigação alimentar, são eles: sogros, cunhados, noras e genros. Portanto, os alimentos somente serão devidos nos casos determinados pela legislação vigente. A ilustre Desembargadora Maria Berenice Dias afirma que não são somente os ascendentes, descendentes e parentes até segundo grau (irmãos) que devem assumir a obrigação alimentar. Consoante posicionamento da mestra, na falta deles, a obrigação passará aos tios, após, aos sobrinhos, e, finalmente, aos primos. Conforme visto até o presente momento, essa doutrina não é a majoritária. Essa não parece ser a melhor orientação a seguir. Observe-se: [...] A doutrina não admite que a responsabilidade alimentar ultrapasse o parentesco de segundo grau. No entanto, não se pode emprestar tal sentido ao fato de não ter o legislador reconhecido à necessidade de detalhamento sobre a obrigação dos parentes de terceiro e quarto graus. Trazer a lei algumas explicitações quanto à obrigação entre ascendentes e descendentes, bem como detalhar o dever dos irmãos, não exclui os demais parentes do encargo alimentar. O silêncio não significa que tenham os demais sido excluídos do dever de pensionar. Os encargos alimentares seguem os preceitos gerais: na falta dos parentes mais próximos são chamados os mais remotos, começando pelos ascendentes, seguidos dos descendentes. Portanto, na falta de pais, avós e irmãos, a obrigação passa aos tios, tios-avós, depois aos sobrinhos, sobrinhos-netos e, finalmente, aos primos.26 Existe, ainda, a obrigação alimentar decorrente de mútua assistência entre os cônjuges (Matrimônio) e os companheiros (União Estável). Esse direito advém de outro regramento, o qual não engloba as normas de parentes consangüíneos em análise. O fundamento legal que possibilita tal hipótese corresponde ao artigo 1.566, inciso III, aos cônjuges, e o artigo 1.724, aos companheiros. Todos esses fundamentos têm como base jurídica o Código Civil brasileiro. 25 WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 34. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 460. 26 10 Cumpre ressaltar, ainda, “que a prestação alimentar é exigível no presente e não no futuro, o que impõe a sua idéia de atualidade, pois a necessidade à justiça é, por sua vez, ordinariamente inadiável”.27 Assim, tais considerações induzem à certeza de que visou o legislador a resguardar a assistência àqueles que não podem prover a sua própria subsistência, impondo aos parentes, diante de suas possibilidades, exigirem uns dos outros os alimentos, e, aos cônjuges, a mútua assistência. É possível, portanto, identificar que os parentes, o cônjuge e os companheiros fazem parte dos sujeitos da relação alimentar no direito de família. 1.3 O dever de sustento e a obrigação alimentar Há uma importante diferença entre o dever de sustento e a obrigação alimentar. A doutrina, de forma uniforme e similar entre os autores, identifica e distingue essas duas obrigações alimentares. O dever de sustento resulta do poder familiar, em que os pais são obrigados a sustentar sua prole durante a menoridade civil. Essa obrigação consiste em sustento, guarda e educação dos filhos, conforme o artigo 1.566, inciso IV, do Código Civil de 2002.28 Sobre esse tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery comentam: Os pais têm o poder familiar, que significa, a um só tempo, poderdever e direito. A expressão “pátrio poder” foi substituída por poder familiar em razão da igualdade substancial entre os pais na educação dos filhos e na sociedade conjugal (CF 226, § 5º).29 Segundo Antonio Elias Queiroga, o poder familiar reflete um conjunto de direitos e deveres dos pais com relação à pessoa e ao patrimônio dos filhos. É um poder-dever derivado de uma necessidade natural, visto que toda pessoa humana, na infância e na adolescência, precisa de alguém para ajudá-la na sua criação, educação, 30 sustento e administração de seus bens. Entretanto, não é somente o Código Civil de 2002 que garante o sustento do menor pelo poder familiar; a Constituição Federal Brasileira de 1988 também prevê, claramente, o dever dos pais de assistir, criar e educar os filhos menores, como estabelecido no artigo 229 da Carta Magna, ou seja, o Estado atribui aos pais a obrigação de zelar pela formação moral, material e intelectual de sua prole. 27 LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). KRUCHIN, Adriana. Grandes temas da atualidade: alimentos no novo código civil – aspectos polêmicos.Vol. 5. Forense: Rio de Janeiro, 2006, p. 05. 28 Artigo 1.566, IV do CC: “São deveres de ambos os cônjuges: IV. Sustento, guarda e educação dos filhos.” 29 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 732. 30 QUEIROGA, Antônio Elias de. Curso de Direito Civil: direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 319. 11 Assim sendo, o filho menor de idade é dependente de seus pais, pois não dispõe de recursos próprios para manter-se. Como sabiamente observa o autor Yussef Cahali, a incapacidade ingênita de produzir os meios necessários para a manutenção de sua condição humana faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua geração.31 O dever de sustento é tão essencial à vida do filho menor, que os pais, mesmo encontrando-se em condições econômicas precárias, não se isentam da obrigação de prestar alimentos aos filhos menores de dezoito anos, ou seja, a impossibilidade material não pode ser considerada motivo de isenção da obrigação. A respeito disso, o referido Cahali ensina: Esta obrigação não se altera diante da precariedade da condição econômica do genitor: “O pai, ainda que pobre, não se isenta, por esse motivo, da obrigação de prestar alimentos ao filho menor; do pouco que ganhar, alguma coisa deverá dar ao filho”, a “alegada impossibilidade material não pode constituir motivo de isenção do dever do pai de contribuir para a manutenção do filho; eventualmente; a obrigação, no entanto, 32 sempre subsistiria". Rolf Madaleno, no mesmo sentido, garante: A solidariedade familiar entre pais e filhos é ilimitada e vai ao extremo de exigir a venda de bens para cumprimento da obrigação filiada ao princípio constitucional do direito à vida, dentro da dignidade da pessoa humana (arts. 1º e 5°, da CF), [...] quando se admite ser ilimitada a obrigação dos pais de prestar alimentos ou sustentar seus filhos, assim como seriam ilimitados e imensuráveis os esforços e sacrifícios paternos, em prol da prole, no íntegro devenir diário da sociedade conjugal, sobrepondo-se aos seus interesses pessoais, quando em confronto com as necessidades dos descendentes menores, ou incapazes de por si buscarem 33 seu efetivo sustento. Aos filhos menores e submetidos ao poder familiar, conforme artigos 1.630 a 1.633 do Código Civil, recai a presunção absoluta de necessidade de alimentos, vestuário, educação, saúde, moradia, ao contrário da obrigação alimentar entre parentes, cônjuge, companheiros. Em relação aos filhos maiores de dezoito anos, momento em que essa presunção de necessidade é relativa, deve ser provada a existência da real necessidade do alimentado para concessão de alimentos. A respeito disso, manifesta-se o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em seu julgado: APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. 1. Com a maioridade do apelante, os alimentos deixaram de encontrar seu fundamento no dever de sustendo dos pais para com os filhos menores (art. 1.566, inc. IV, do CCB) – 31 CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 15. Idem ibidem, p. 526. 33 MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 50. 32 12 e que faz presumida a necessidade – e passaram a amparar-se na obrigação existente entre parentes (art. 1.694 e seguintes do CCB), desaparecendo, a partir daí, a presunção de necessidade, que deve ser provada por quem alega, ou seja, pelo apelante. 2. Ante a não34 comprovação de necessidade do alimentado, cabível a exoneração. Não havendo espaço para dúvidas, o Código Civil, em seus artigos 1.566, IV35, 1.56836, 1.70337 e 1.72438, dispõe, em termos claros, que ambos os cônjuges e companheiros, mesmo na separação judicial, devem garantir o sustento de seus filhos, na proporção de seus bens e rendimentos, mesmo que não residam sob o mesmo teto. A preocupação do legislador foi em sempre garantir a vida e o futuro dos menores. Arnaldo Rizzardo39 acrescenta que ao titular do poder familiar é obrigatório sustentar seu filho menor em todas as condições, independentemente dos recursos do filho menor, ainda que este possua bens e condições superiores às dos pais. De outra parte, é importante destacar os casos de perda ou de suspensão do poder familiar como conseqüência do abuso de poder praticado pelos pais, conforme artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil. Isso acontece quando os pais faltam com seus deveres, muitas vezes, arruinando a vida de seus filhos, até mesmo abandonando-os em alguns casos. O importante a saber é que essa suspensão ou perda não retira do menor o seu direito a ser alimentado pelos seus genitores, mesmo estando estes destituídos do pátrio poder. A respeito disso, Arnaldo Rizzardo salienta: Mas a suspensão ou perda não desobriga, por via de conseqüência, do dever de prestar alimentos. Do contrário, o progenitor faltoso restaria beneficiado ou favorecido, pois livre de um dos principais encargos em relação aos filhos, recaindo toda responsabilidade no outro cônjuge ou progenitor. De lembrar que a suspensão ou a perda é uma punição e não 40 um prêmio ao comportamento faltoso. No mesmo sentido, José Francisco Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira declaram: [...] Registra-se que nem mesmo a destituição do poder familiar extinguirá a obrigação alimentícia, evitando, assim, a premiação daquele genitor desidioso que coloca em xeque a própria integridade do filho. Por 34 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Alimentos. Exoneração. Apelação Cível n° 70012523106. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. 19 de outubro de 2005. In: Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Jurisprudência Gaúcha. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. 35 Artigo 1.566, IV “São deveres de ambos os cônjuges: IV – sustento, guarda e educação dos filhos.” 36 Artigo 1.568 “Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial”. 37 Artigo 1.703 “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”. 38 Artigo 1.724 “As reações pessoais entre companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”. 39 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 754. 40 RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit., p. 754. 13 isso, mesmo suspenso ou destituído do poder familiar, continua o pai obrigado a contribuir para o sustento do filho [...].41 De tal modo, diante do dever de sustento, afirma-se este como um dever assistencial e não recíproco dos seus genitores. Logo, esse benefício é exclusivo do menor e cessa com a maioridade. Salienta-se, ainda, que a obrigação do poder familiar é personalíssima, pois compete somente aos pais essa obrigação. O dever de sustento cessa com a maioridade civil, mas neste momento criase uma dúvida a respeito da interrupção do direito de esse filho receber alimentos. Yussef Cahali afirma que “a cessação da maioridade não retira do filho o direito de pedir alimentos aos seus pais”.42 Segundo assinala Sérgio Gilberto Porto: O certo é que nem sempre a simples maioridade é capaz de desobrigar os pais, pois, se por um lado, com o atendimento dela cessa o pátrio poder, isso não implica e acarreta a imediata cessação do dever de alimentar.43 Afirma-se que somente a chegada à maioridade por si só não libera os pais da obrigação de prestar alimentos aos filhos, pois somente por ter se tornado maior, ninguém passa automaticamente a ter plenas condições de sustentar-se.44 Entretanto, tendo completado dezoito anos, o alimentado deverá comprovar a necessidade de receber e a possibilidade dos pais para prestarem os alimentos, ficando o filho maior com o ônus da prova. Neste caso, a obrigação alimentar terá por seus fundamentos os artigos 1.694 e 1.696 do Código Civil, por meio dos quais se observa que a obrigação se dará pela relação de parentesco e não mais pelo dever de sustento do poder familiar. Cessando o dever de sustento, pela maioridade, surge a obrigação alimentar, pelo vínculo de parentesco existente entre pais e filhos e não mais pela relação baseada no poder familiar. Essa obrigação é recíproca e também solidária, em que podem os parentes pedir uns dos outros os alimentos que necessitam para manter-se, mas sempre condicionada à necessidade do alimentado e à possibilidade do alimentante, ou seja, o binômio necessidade-possibilidade. Sobre o tema manifesta-se Zelo Veloso: [...] O dever de sustento (que compreende os alimentos) decorre do exercício do poder familiar, pura e simplesmente, e a obrigação de alimentos, no sentido estrito, como obrigação autônoma, tem por base o parentesco (no caso, em linha reta) e pressupõe a necessidade, carência ou indigência por que passa o reclamante. 45 Conforme estudado, é possível identificar as diferenças existentes entre o dever de sustento e a obrigação alimentar. A primeira diferença é que, no dever de 41 CAHALI, Francisco José. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Alimentos no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 36 42 CAHALI, Yussef. Op. Cit. p. 528 43 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 44. 44 PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira. IN. PEREIRA, Tânia da Silva. A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 6. 45 VELOSO, Zeno. Código Civil comentado. Vol. XVII. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2003. p. 19. 14 sustento, os pais têm o dever de sustentar, criar e educar os filhos quando na condição de menores; já na obrigação alimentar, os pais não são mais obrigados a sustentar seus filhos, pois aqui estes atingiram a maioridade, cessando com ela o dever de sustento, passando a obrigação alimentar pelo vínculo de parentesco. A outra diferença reside no fato de que o filho, quando menor de idade, necessita, incondicionalmente, de uma assistência paterna, recaindo sobre ele a presunção absoluta de necessidade, ao passo que, atingindo a maioridade, essa presunção de necessidade é relativizada, devendo ser demonstrada, recaindo ao alimentado o ônus da prova. Portanto, ela é absoluta entre os filhos sob o poder familiar, e relativa em relação aos filhos maiores e capazes. Merece ser destacada, também, a reciprocidade. Isso significa que no dever de sustento somente aos pais recairá a obrigação de sustentar e cuidar de seus filhos, pois o pai jamais poderá pedir alimentos ao seu filho menor. O dever de sustento não é recíproco, já a obrigação alimentar é recíproca, podendo os pais demandarem alimentos a seus filhos com maioridade civil, conforme artigo 1.69646 do Código Civil de 2002. A respeito disso, a Desembargadora Maria Berenice Dias ensina: Com relação aos alimentos decorrentes do poder familiar, não há que se falar em reciprocidade (CF 229). No momento em que os filhos atingem a maioridade, cessa o poder familiar e surge, entre pais e filhos, a obrigação 47 recíproca em decorrência do vínculo de parentesco. Por meio do acima demonstrado, foi possível identificar os dois encargos alimentares: o dever de sustento e a obrigação alimentar decorrente do parentesco em relação aos pais e filhos. Também foram identificadas as diferenças desses dois encargos legais, suas características e suas finalidades. Conclui-se, então, que a obrigação alimentar decorrente do parentesco é o encargo legal entre os pais e os filhos maiores e que, dependendo do caso concreto, os genitores se vêem obrigados a dar assistência aos filhos mesmo quando considerados estes maiores civilmente. 1.4 Parâmetros da obrigação alimentar No direito de família, a obrigação alimentar obedece a certos pressupostos materiais para a sua concessão ou para seu reconhecimento. Dentre eles, estão o vínculo jurídico, a necessidade e a possibilidade. Não há obrigação alimentar se faltar um desses pressupostos. Arnaldo Rizzardo menciona: Três os pressupostos que emergem das regras acima para incidir a obrigação alimentar: o parentesco ou vínculo marital ou da união estável; a 46 Artigo 1.696 – “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. 47 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 451. 15 necessidade e a incapacidade de se sustentar por si próprio; e a possibilidade de fornecer alimentos de parte do obrigado. 48 Conforme analisado, a obrigação alimentar é o encargo legal a que os pais se sujeitam em relação a seus filhos maiores. Contudo, não se pode dizer que essa obrigação se limita somente a pais e filhos, porquanto se estende a todas as demais relações alimentares atinentes ao Direito de Família. O primeiro pressuposto, o vínculo jurídico, diz respeito à legitimidade das partes, ou seja, a existência de determinado vínculo de família entre o alimentado e o alimentante, devido ao fato de que não são todos os familiares que podem fazer parte dessa relação jurídica, mas somente os ascendentes, os descendentes, os irmãos (germanos ou unilaterais) e os cônjuges, ou seja, todos os parentes em linha reta, limitando-se aos colaterais de segundo grau, conforme os termos do artigo 1.694 do Código Civil de 2002. O segundo pressuposto é a necessidade do alimentado, conforme artigo 1.695 do Código Civil. Não basta somente a existência do vínculo de família para que a obrigação alimentar se torne exigível; é preciso, indiscutivelmente, que o alimentado necessite verdadeiramente de assistência. O primeiro pressuposto que os julgadores deveriam analisar é o da necessidade, pois é dele que depende a observância dos demais.49 Possui direito a pleitear alimentos aquele que por motivo de doença, incapacidade, invalidez, velhice ou pelo desempenho de seu trabalho não produz o suficiente, ou não tem condições para satisfazer suas necessidades vitais. Yussef Cahali afirma: A impossibilidade de prover o alimentado a sua própria mantença pode advir da incapacidade física ou mental para o trabalho; doença, inadaptação ou imaturidade para o exercício de qualquer atividade laborativa; idade avançada; calamidade pública ou crise econômica de que resulte absoluta falta de trabalho.50 Assim, antes de criar uma pretensão alimentar, deverão ter-se esgotado todas as possibilidades daquele que pleiteia alimentos de encontrar meios para sua subsistência por meio de seu esforço próprio, pois seria injusto impor o encargo de alimentos a um parente se o outro se encontra em necessidade por, como exemplo, preferir o ócio a trabalhar. Nesse mesmo sentido, Orlando Gomes assevera: A subordinação do direito à prestação de alimentos ao fato de não poder o alimentado manter-se por seu trabalho justifica-se pela necessidade de desencorajar o ócio. Por outro lado, não seria justo impor o encaro do suprimento de alimentos a um parente se o outro só se encontra em estado 48 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 738. GOMES, Orlando. Direito de família. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 430. 50 CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 719. 49 16 de miserabilidade porque não quer trabalhar ou se desinteressa na procura, por esforço próprio, dos meios de subsistência.51 Arnaldo Rizzardo também salienta que, se a pessoa tem capacidade para desempenhar uma atividade rendosa, e não a exerce, não recebe amparo na lei. Obviamente, os alimentos não podem estimular as pessoas a se manterem desocupadas, ou a não terem a 52 iniciativa de buscar o exercício de um trabalho. Cumpre referir, no entanto, que a doutrina desconsidera a causa que deu origem à necessidade, ou seja, os alimentos são devidos mesmo que a causa geradora de tal necessidade tenha sido originada por culpa ou negligência do alimentado. A possibilidade de fornecer alimentos é o outro pressuposto importante da obrigação alimentar, pois não basta o alimentante ter legitimidade e estar em condições de reclamar alimentos, é necessário que o alimentante tenha condições de fornecê-los. Por óbvio que o alimentante deverá ter condições financeiras para suportar o encargo alimentar, pois seria injusto obrigá-lo se isso prejudicasse seu próprio sustento. O artigo 1.694, § 1º, do Código Civil afirma a importância dos pressupostos na obrigação alimentar, pois toda a pretensão alimentar deverá passar pela análise do binômio necessidade-possibilidade para ser fixada com proporcionalidade, ficando o juiz encarregado de ponderar esses dois valores. Nesse sentido, a doutrina menciona: Não há como fugir deste binômio necessidade-possibilidade, pois toda verba alimentar fixada ou pretendida fora da realidade dos envolvidos na relação jurídica alimentar representará, sem dúvida, um verdadeiro convite ao não-cumprimento da obrigação; convite este, de regra, decorrente da impossibilidade fática do obrigado.53 Os alimentos visam, precisamente, a proporcionar uma vida de acordo com a dignidade do alimentado, pois esta dignidade não é superior, nem inferior, à dignidade da pessoa do alimentante, que reside em satisfazer a pretensão daquele, uma vez que as razões do pedido, e as referentes à resposta, devem ser avaliadas por um juízo de proporcionalidade entre o que se necessita e o que pode prestar, a fim de que a lide alimentar seja decidida de forma equânime e justa.54 Ante o exposto, e a partir da análise dos pressupostos da obrigação alimentar, pode-se concluir que é preciso, para constituir a obrigação de alimentos, a presença dos três pressupostos; o vínculo familiar, a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante, sendo que na falta de qualquer um deles a prestação 51 GOMES, Orlando. Op. cit., p. 430. RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit., p. 738. 53 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e Prática dos Alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. P. 23. 54 PORTO, Sério Gilberto. USTÁRROZ, Daniel (org.). In: SPAGNOLO, Juliano. Tendências Constitucionais no Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 152. 52 17 alimentar não se perfectibiliza. O julgador deve, portanto, utilizar-se sempre, proporcionalmente, do binômio necessidade-possibilidade para aplicar uma pensão alimentícia justa. 2 MAIORIDADE CIVIL DOS FILHOS E OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS PAIS 2.1 Cessação do dever de sustento pela maioridade civil O dever de sustento está vinculado ao poder familiar, em que os pais têm obrigatoriamente o dever de dar assistência, criar e educar os filhos menores de dezoito anos, conforme dita a Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu artigo 229. O poder familiar constitui uma responsabilidade comum de ambos os genitores: o dever de prestar aos filhos, enquanto civilmente menores, o necessário para o seu sustento, como alimentação, vestuário, educação, moradia, lazer e assistência médica, não havendo limitação a essa assistência paterna, pois os genitores devem auxiliar os filhos para que tenham condições de viver, futuramente, de forma independente. A respeito disso, Arnaldo Rizzardo salienta: Não se pode limitar seu dever de prestar alimentos, ou a sustentar os filhos. Incumbe-lhes dar todo o amparo, envolvendo a esfera material, corporal, espiritual, moral, afetiva e profissional, numa constante presença em suas vidas, de acompanhamento e orientação, de modo a encaminhálos a saberem e terem condições de enfrentar a vida sozinhos.55 O dever de alimentar decorre do poder familiar da relação entre pais e filhos. Ocorre que, em determinadas ocasiões, esse pátrio poder poderá ser extinto, suspenso ou até mesmo perdido. Nestas circunstâncias, o que importa é a verificação dessa extinção, suspensão ou perda do poder familiar. Conforme o artigo 1.635 e seus incisos do Código Civil, a extinção do poder familiar decorre das seguintes situações: pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, pela maioridade, pela adoção ou por decisão judicial. Diante disso, o que interessa para o presente estudo é a cessação do dever de sustento pela maioridade. Cessando o dever de sustento pela maioridade, rompe-se automaticamente o vínculo do poder familiar, surgindo, nesses casos, a obrigação alimentar vinculada ao parentesco, não mais importando a subsistência do pátrio poder, mas sim a necessidade do filho que pleiteia a verba alimentar, respeitando-se, assim, todos os pressupostos da obrigação alimentar. Diante disso, Yussef Cahali, menciona que “a obrigação de sustento define-se como uma obrigação de fazer, enquanto a obrigação alimentar consubstancia uma obrigação de dar”.56 55 56 RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit. p. 752. CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 530. 18 O Código Civil de 2002 traz, em seu artigo 5º, caput, que “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Portanto, atingindo a maioridade, o sujeito adquire capacidade plena de exercício, isto é, capacidade para praticar todos os atos da vida civil. Com isso, fica óbvio compreender por que a maioridade faz extinguir o poder familiar e, conseqüentemente, o dever de sustento dos genitores em relação aos seus filhos. Presume-se que o filho, ao completar dezoito anos, atinge também plena aptidão e que não mais necessita de ajuda paterna, tendo condições plenas de prover seu próprio sustento. Logo, o pai não precisará mais suportar o encargo da prestação de alimentos. Conforme ensinamentos de Yussef Cahali, “cessa ipso jure a causa jurídica da obrigação de sustento adimplida sob forma de prestação alimentar”.57 Diante de todas essas considerações, importante destacar que, mesmo atingida a maioridade, esta não prova por si só a capacidade. Não é absoluta a regra de que, atingindo a maioridade civil, o indivíduo tenha capacidade plena de se autosustentar, não necessitando mais da ajuda de seus pais. Ocorre que, em determinados casos, mesmo completados os dezoito anos, o filho ainda necessita da ajuda paterna, não tendo condições, por exemplo, de conseguir de imediato, entrar para o mercado de trabalho. A respeito disso, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Luiz Felipe Brasil Santos, em seu julgado e em sua doutrina, assevera: FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS. FILHOS MAIORES E CAPAZES. A exoneração ou redução da prestação alimentar não pode ser autorizada tão-somente por terem os alimentandos atingido a maioridade civil. Atenta às dificuldades atuais da sociedade, em que há necessidade cada vez maior de qualificação para a inserção no mercado de trabalho, a jurisprudência vem dilatando o período de vigência dos alimentos, contanto 58 que o filho se encontre estudando. Firme a jurisprudência no sentido de que o implemento da maioridade, por si só, não é motivo suficiente para extinguir os alimentos. Isso porque é fato notório que, somente por se tornar maior, ninguém passa 59 automaticamente a ter condições de sustentar-se. No mesmo entendimento, Ênio Santarelli Zuliani sabiamente afirma: Uma coisa é absolutamente certa: a pessoa de dezoito anos de idade não se encontra bem preparada para os desafios que a essencialidade da vida protagoniza.60 57 CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 660. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Família. Ação de Alimentos. Filhos maiores e capazes. Cabimento da verba alimentar no caso concreto. Agravo de Instrumento nº 70012325890. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos. 10 de novembro de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In: Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. 59 SANTOS. Luiz Felipe Brasil. A Obrigação Alimentar na Persectiva Ética. In: PEREIRA, Tânia da Silva ; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (colab.). A ética da convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 06. 60 ZULIANI, Ênio Santarelli. Alimentos para Filhos Maiores. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes Temas da Atualidade: Alimentos no Novo Código Civil – aspectos polêmicos. 5 vol. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 97. 58 19 Nesse sentido, segue a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: O implemento da maioridade civil não tem o condão de, por si só, afastar o direito ao pensionamento. Pretensão que apenas passa a seguir a regra genérica dos alimentos vinculados ao parentesco, não mais sendo escudada no poder familiar.61 Sobre esse aspecto, entende-se que deverá ser feita uma análise a respeito de cada caso concreto, porque, mesmo atingindo a maioridade, muitos jovens continuam precisando da ajuda de seus pais, pois a maioria é estudante, sem moradia, sem emprego e sem renda. Pelo mesmo viés, explica Semy Glanz: Há uma tendência antiga que limita os alimentos aos filhos menores. Quando a estes evidente é o dever dos pais. Mas, como facilmente se conclui, não é fato de um filho atingir a maioridade que o priva de ter alimentos dos pais, se estes podem prestá-los e se o filho necessita.62 Portanto, ao atingir a maioridade, o filho, ao reclamar alimentos, estará sujeito aos pressupostos da obrigação alimentar, onde sua necessidade não é mais absoluta, como no dever de sustento, sendo relativa, a partir daquele momento, a presunção da necessidade. Deverá, pois, o maior comprovar a real necessidade na pretensão alimentar, respeitando, também, a possibilidade do alimentante de dar alimentos. Como se depreende, recairá sobre o alimentado o ônus da prova. Diante disso, Yussef Cahali cita: A obrigação alimentar, que, durante a menoridade, abstraindo indagação de necessidade dos filhos, funda-se no dever inerente à patria potestas, deve persistir, agora descansando no dever decorrente do parentesco, quando se tornarem maiores, por força de presunção relativa de 63 necessidades daqueles e possibilidades do obrigado. Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, observa-se que é viável a prestação alimentar a filhos maiores desde que, apesar de atingida tal condição, subsista a necessidade do suprimento a cargo do alimentante, tendo este condição de prestá-la.64 Assim, diante do exposto, foi possível identificar por que a maioridade cessa o dever de sustento: cessa pois o maior atinge a plena capacidade civil. Contudo, percebeu-se que nem sempre atingir a maioridade suspende, obrigatoriamente, o 61 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Família. Ação de Alimentos. Filhos maiores e capazes. Cabimento da verba alimentar no caso concreto. Agravo de Instrumento nº 70012325890. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos. 10 de novembro de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In: Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. 62 GLANZ, Semy. A família mutante – sociologia e direito comparado: inclusive o Novo Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 631. 63 CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 663. 64 NERY, Nelson Junior. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 750. 20 encargo alimentar, visto que se extingue o dever de sustento, mas inicia-se a obrigação alimentar dos pais decorrente da relação de parentesco. Salienta-se que, em determinadas situações, o filho, mesmo maior de idade, poderá postular alimentos aos seus pais. Nessas hipóteses, o alimentado deverá demonstrar sua necessidade ao pleitear a prestação alimentícia e será analisada a possibilidade do alimentante de ter condições para prestar a pensão. 2.2 Quando os filhos maiores têm direito aos alimentos A maioridade, conforme analisado, por si só não é causa de cessação automática da prestação alimentar. Mesmo atingindo a maioridade civil, o filho, em determinadas situações, continuará com legitimidade para receber alimentos de seus pais. A obrigação paterna, nesses casos, é pelo vínculo do parentesco e não mais pelo dever de sustento. No concernente a esse aspecto, é importante a análise de cada uma dessas situações. Belmiro Pedro Welter65 afirma que os filhos com maioridade civil podem pensionar alimentos de seus genitores em três situações: filho maior de idade e incapaz; filho maior e capaz que cursa escola profissionalizante ou faculdade e, finalmente, filho maior capaz e indigente. Não resta dúvida a respeito do quão desastroso seria para o filho maior incapaz se ele não tivesse direito aos alimentos. Atente-se que, em determinadas situações, essa obrigação alimentar pode durar a vida toda, como, a fim de exemplificação, no caso de uma doença grave e incurável, em que se encontre o filho maior permanentemente em estado de necessidade. Em nosso ordenamento jurídico, no artigo 1.590 do Código Civil e no artigo 16 da Lei do Divórcio (6.515 de 1977), mostra-se claramente que os alimentos e a guarda dos filhos menores estendem-se ao maiores e aos incapazes, pois é evidente a necessidade do filho maior e incapaz em receber ajuda paterna, por isso, o dever de sustento é prorrogado em favor do maior. Não existem evidentes discussões doutrinárias acerca do seu direito alimentar. Cumpre salientar que essa necessidade de alimentos vem da incapacidade e não deriva da faixa etária. Nesse ínterim, afirma o estudioso Yussef Cahali: É que, tratando-se de filho acometido de grave enfermidade, não propicia a exoneração do encargo alimentar a extinção do pátrio poder pela aquisição da maioridade, eis que a necessidade de recebimento dos alimentos não deriva mais da faixa etária e sim de seu precário estado de 66 saúde. Assim, diante do exposto, observa-se que a obrigação alimentar ao maior incapaz se faz presente pelo vínculo de parentesco (solidariedade familiar) e também pela prorrogação do dever de sustento pela presunção absoluta de necessidade daquele. 65 WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 122. CAHALI, Yussef Said. Op.cit., p. 664. 66 21 A segunda hipótese, por sua vez, trata do direito reservado ao maior de receber alimentos de seus pais enquanto for estudante, dado o grande número de casos em que os pais deixam de ajudar os filhos financeiramente, uma realidade cada vez maior em nosso meio.67 Nos dias atuais, torna-se cada vez mais complicado e dispendioso conciliar a faculdade ao emprego, pois os horários tornam-se incompatíveis. Por causa disso, os jovens universitários, por exemplo, fazem estágios remunerados, mas mesmo assim o valor recebido é muito inferior ao custo de uma faculdade particular. Sabe-se que o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo e exigente, admitindo somente profissionais experientes e bem qualificados. Para essa situação a legislação não apresenta regra específica, mas os julgadores, cientes do dano irreparável que seria causado na vida desses universitários, “construíram uma rede de julgados que favorecem a tese de prorrogação do dever alimentar na adultice da prole carente”.68 Na mesma linha, Arnaldo Rizzardo também se posiciona: É de todos conhecida a dificuldade em se conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Pouco importa que o filho se encontre habilitado a exercer uma profissão se não se lhe são abertas às portas para desempenhar a profissão. Quem ignora o número excedente de pessoas aptas para toda a espécie de trabalho que exige alguma habilitação? Ademais, longos anos de tentativa e prática se exigem antes de conseguir qualquer profissional liberal alguma solidez econômica na carreira escolhida. De sorte que, nos tempos que correm, persiste a obrigação 69 enquanto não se concretizarem as perspectivas de segurança econômica. A maioridade civil, atingida aos dezoito anos, só será cauda de exclusão do auxílio paterno quando comprovado que os filhos têm meios próprios para sua subsistência, caso contrário, é majoritário na doutrina e na jurisprudência que a obrigação alimentar se prorrogue ao filho maior estudante até seus vinte e quatro anos (invocando-se analogicamente a legislação do Imposto de Renda – Lei n. 1.474/1951)70, ou, dependendo do caso, até a conclusão da faculdade ou curso profissionalizante. Ademais, com a maioridade, a obrigação alimentar entre pais e filhos é pelo dever de solidariedade e relação de parentesco, conforme anteriormente mencionado. Assim posiciona-se Yussef Cahali: A maioridade do filho estudante que não trabalha, a exemplo do que acontece com as famílias abastadas, não justifica a exclusão da responsabilidade do pai quanto a seu amparo financeiro para o sustento e os estudos.71 67 ZULIANI, Ênio Santarelli. Alimentos para Filhos Maiores. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes Temas da Atualidade: Alimentos no Novo Código Civil – aspectos polêmicos. 5 vol. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 106. 68 ZULIANI. Op. cit. p. 104. 69 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 761-762. 70 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria Geral dos Alimentos. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Alimentos no Código Civil – Aspectos civil, constitucional, processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40. 71 CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 665. 22 No mesmo entendimento, Belmiro Pedro Welter completa: Significa que os filhos, embora maiores de idade e capazes, mas incapazes de se auto-sustentar, estejam estudando em escola técnica ou em curso superior, os pais continuam responsáveis pelo pagamento de alimentos até os 24 anos de idade.72 Do mesmo teor, abaixo seguem entendimentos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a respeito da matéria: EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. MAIORIDADE. BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. A maioridade civil, por si só, não é suficiente para eximir o alimentante da obrigação alimentar, principalmente quando demonstrado que o alimentado é estudante e não possui condições de prover a própria subsistência. Assim, tendo o conjunto probatório evidenciado a inexistência de alteração no binômio necessidade/possibilidade, adequada se mostra a manutenção do 73 pensionamento. ALIMENTOS. MAIORIDADE. EXONERAÇÃO. DESCABIMENTO. Descabe a exoneração liminar tão-somente por ter a recorrente atingido a maioridade, quando demonstrado que é estudante e necessita dos alimentos para a sua mantença. Ademais, não restou evidenciada a impossibilidade do agravado em continuar prestando os alimentos à filha.74 De regra, a legislação atual não traz norma específica para o maior estudante receber pensão alimentícia de seus pais, entretanto, cumpre destacar, a respeito disso, a existência de um projeto de Lei n. 6.960/0275, proposto por Ricardo Fiúza, onde é acrescentado o parágrafo terceiro ao artigo 1.694 do Código de 2002.76 É excluído, portanto, o entendimento de que a prestação dos alimentos deve ser destinada somente à educação do menor. Certamente essa alteração é necessária, pois a redação atual do Código Civil contraria o entendimento jurisprudencial de que os filhos maiores também têm direito à pensão alimentar para sua educação. Desse modo, vê-se que a concessão de alimentos aos maiores estudantes não se limita somente ao estudante de curso superior (universitário), é cabível 72 WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 123-124. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Acórdão. Família. Exoneração de Alimentos. Maioridade. Binômio necessidade/possibilidade. Apelação Cível nº 70015751720. Relatora Maria Berenice Dias. 16 de agosto de 2006. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2006. Jurisprudência Gaúcha. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. 74 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento. Família. Alimentos. Maioridade. Exoneração. Descabimento. Agravo de Instrumento nº 70014854319. Relatora: Maria Berenice Dias. 21 de junho de 2006. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. 75 Projeto de Lei nº 6.960/02. Consta nesse projeto o acréscimo do §3° ao artigo 1.694 do Código Civil, com a seguinte redação: “A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentado não tem rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação”. 76 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. cit., p. 406. 73 23 também para estudantes de ensino médio, escolas técnicas77, curso profissionalizante e, até mesmo, depois de formado, ao curso de pós-graduação.78 Em se tratando de alimentos aos filhos maiores e estudantes, deve-se ter o cuidado da análise minuciosa de cada caso concreto, verificando-se a real necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante. Tudo isso é necessário para evitar que o filho maior, com plenas capacidades, apto às atividades laborais, exija pensão de seus pais somente por comodismo, desinteresse ou estimulando o ócio.79 Yussef Cahali80 acredita que, “em regra, toda pessoa maior e capaz de trabalhar deve fazê-lo para seu próprio sustento; o instituto dos alimentos visa a socorrer os necessitados e não a fomentar a ociosidade”. A respeito disso, segue a jurisprudência, a qual refere: “sendo a ré/alimentanda, que já atingiu a maioridade, plenamente apta para o trabalho e não freqüentando curso superior, cabível a exoneração dos alimentos devidos pelo pai”.81 Entende-se, então, que, se não houver necessidade do filho maior em receber alimentos, não há motivo para os pais continuarem pagando pensão alimentícia. A partir do exposto, conclui-se que a maioridade por si só não é causa suficiente para o cancelamento da obrigação alimentar; uma vez que os filhos maiores comprovem suas necessidades, os pais não poderão exonerar-se do encargo alimentar. Desse modo, para o maior receber alimentos de seus pais, deverá ser analisado o binômio necessidade do alimentado e possibilidades do alimentante. Assim, percebe-se que o maior incapaz, indiscutivelmente, tem direito aos alimentos, bem como também fazem jus à pensão o maior capaz estudante, o maior indigente, desde que comprovada a real necessidade de receber alimentos. 2.3 Limite etário para que os filhos maiores façam jus à verba alimentar Constatou-se, no decorrer do presente trabalho, que os filhos têm legitimidade para receber alimentos dos seus genitores, mesmo na maioridade civil. A dúvida que se estabelece, agora, diz respeito à idade limite para o recebimento desses alimentos. Logo, passa-se à análise da durabilidade do encargo alimentar. Observa-se que a jurisprudência e a doutrina afirmam, majoritariamente, que aos filhos maiores e estudantes a obrigação alimentar perdura até os vinte e quatro anos de idade. Essa idade foi estabelecida por analogia à Lei do Imposto de Renda 77 WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 124. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria Geral dos Alimentos. In: CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Alimentos no Código Civil – Aspecto civil, constitucional, processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40. 79 WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 124. 80 CAHALI, Yussef. Op. cit., p. 640. 81 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Exoneração de alimentos. Maioridade. Apelação Cível nº 70013408257. Relator: José Siqueira Athaíde Trindade. 22 de dezembro de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. 78 24 (Lei n. 1.474 do ano de 1951), pois cabe ao contribuinte informar, em sua declaração de imposto de renda, seus dependentes, até quando atinjam estes o limite máximo de vinte e quatro anos de idade.82 A respeito disso, o Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aduz: De regra, a jurisprudência tem estabelecido como limite para que os filhos possam continuar a receber alimentos a idade de 24 anos. Isso tomando como analogia as regras previdenciárias e tributárias, que fixam essa idade como termo final da dependência, e também por ser, na média, a faixa etária em que concluído o curso universitário, para aqueles que 83 logram lá chegar. Segundo Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França, por construção da própria jurisprudência, entende-se que os pais devem continuar a prestar os alimentos aos filhos, completada a maioridade, até que terminem o curso superior e possam prover sua própria subsistência, estabelecendo-se um marco de 24 anos. 84 Na realidade, é difícil estabelecer a faixa etária de vinte e quatro anos para o filho maior receber alimentos de seus pais, pois a durabilidade do encargo alimentar depende, justamente, da necessidade do filho. Isso quer dizer que, em muitos casos, a necessidade de auxílio paterno ultrapassa essa idade, devendo perdurar por mais algum tempo. Logo, existem situações em que os filhos, mesmo tendo alcançado vinte e quatro anos, ainda não se encontram em condições de prover sua própria mantença. Por isso, alguns doutrinadores concordam que os pais devem os alimentos aos filhos maiores e estudantes até estes finalizarem o respectivo curso. A respeito dessa matéria, Semy Glans aponta: Como a lei do Imposto de Renda permite abater, com limite, valor para sustento de filho até 24 anos, se este cursa escola superior, uma corrente admitia que o dever alimentar se mantinha até esta idade. Logo, a boa tese é a da necessidade e a possibilidade dos devedores, pouco importando a idade[...].85 Todavia, analisando o binômio alimentar da necessidade-possibilidade a cada caso concreto, verifica-se que as situações, por serem diferentes umas das outras, merecem especial atenção no que concerne à fixação da faixa etária. Mesmo com entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência ao fixarem o limite máximo como sendo vinte quatro anos para recebimento da verba alimentar pelo filho maior, encontrou-se na jurisprudência86 do Tribunal de Justiça do Rio Grande 82 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 40. SANTOS, Luis Felipe Brasil. A obrigação Alimentar na Perspectiva Ética. In. PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). A Ética da Convivência Familiar e sua Efetividade no Cotidiano dos Tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 06. 84 ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Os alimentos no novo código civil. Rio de Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004, p. 41. 85 GLANZ, Semy. Op. cit., p. 632. 86 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes. Alimentos. Exoneração. Situação em que excepcionalmente se mantém a verba alimentar até a conclusão do curso universitário da embargante, mesmo contando ela com 29 anos de idade. 83 25 do Sul, um julgamento onde se manteve a concessão da verba alimentar à filha maior estudante, com vinte e nove anos de idade, pois verificou-se a necessidade desta receber a assistência dos alimentos e a possibilidade do pai em continuar pagando a pensão alimentícia. A respeito disso, Rolf Madaleno afirma que [...] também se admite como válida a assertiva de ser regra dentre determinadas classes sociais os filhos não trabalharem enquanto cursam a universidade, até a sua conclusão, quando, então, cessaria a alimentação, e não aos vinte e quatro anos, como muitos pensam, por analogia irrestrita à 87 legislação do imposto de renda. Outro caso a ser analisado é o do filho maior incapaz, caso em que a obrigação alimentar poderá perdurar por toda a vida do alimentado, sem limite etário, visto que ele não tem condições de se auto-sustentar. Em determinados casos, a incapacidade vem de uma doença grave, onde esse filho precisará de tratamento médico até o último dia de sua vida, conforme ensina Semy Glanz, ao afirmar que é “evidente que, sendo incapaz o filho, não pode ser desamparado, e só alguém desalmado seria capaz de fazê-lo”.88 De regra, podemos concluir que não existe um limite rígido para a duração do encargo alimentar concedido aos filhos maiores por seus pais. Alguns doutrinadores e legisladores afirmam que os filhos maiores estudantes devem receber alimentos até os seus vinte e quatro anos, outros acham que essa obrigação deverá perdurar até a conclusão do curso universitário, em outras situações essa obrigação durará a vida toda, como no caso dos maiores incapazes. Mas o certo é que isso dependerá do caso concreto, devendo ser analisados o já mencionado binômio necessidade-possibilidade e as circunstâncias e os objetivos peculiares de cada processo para que nenhuma das partes (alimentado e alimentante) seja prejudicada. Os pais, garantindo o futuro de seus filhos, indiretamente estarão garantindo o seu futuro, dado que, posteriormente, poderão demandar alimentos dos filhos, devido ao princípio da reciprocidade e ao da solidariedade familiar, advindas do vínculo do parentesco. 3 PECULIARIDADES E ASPECTOS PROCESSUAIS 3.1 Ação de exoneração de alimentos proposta pelos pais Como já analisado, o dever de sustento cessa com a maioridade civil, extinguindo-se, conseqüentemente, o poder familiar, ou seja, os pais não exercem mais o pátrio poder sobre os filhos que completaram dezoito anos. No artigo 1.635, inciso III, do Código Civil, extingue-se o poder familiar pela maioridade civil, cessando também o dever alimentar; os filhos maiores poderão pleitear alimentos Deram parcial provimento. Embargos Infringentes n° 70012523511. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. 10 de junho de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. 87 MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, p. 57. 88 GLANZ, Semy. Op. cit., p. 632. 26 dos seus genitores pela relação de parentesco e não mais pelo dever de sustento, ainda que sujeitos aos pressupostos da obrigação alimentar. A partir desse fato, surge a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a existência ou não da necessidade de os pais ingressarem com uma ação de exoneração89 de alimentos, isto é, se a maioridade civil é causa ou não de cessação automática da obrigação alimentar. Analisar-se-á agora o posicionamento de alguns autores sobre essa situação. No entendimento de Yussef Cahali, a orientação mais acertada é aquela no sentido de que, cessada a menoridade, cessa ipso jure a causa jurídica da obrigação de sustento adimplida sob a forma de prestação alimentar, sem que se faça necessário 90 o ajuizamento, pelo devedor, de uma ação exoneratória. No mesmo sentido, Arnaldo Rizzardo salienta que, no tocante aos filhos maiores, a rigor, com a aquisição civil cessa o encargo de prestar alimentos, não se fazendo necessária a manifestação judicial. A 91 extinção ocorre com o simples ato de alcançar a maioridade. Com isso, entende-se que os pais não precisam impetrar uma ação exoneratória no momento em que o filho tenha atingido a maioridade. Para o Juiz de direito Jorge Luis Costa Beber92, o número de demandas no judiciário tem aumentado notoriamente. Para minimizar o trabalho do poder judiciário é necessário facilitar a forma de atendimento e abreviar ao máximo os procedimentos processuais, mas sem ferir o princípio do contraditório. Portanto, para o autor, não é necessária a instauração de uma ação exoneratória, mas se faz imperioso que o filho maior ingresse com uma nova ação de alimentos. Observe-se: […] Estimo que o ideal é inverter-se este estado de coisas, extinguindo-se liminarmente os alimentos com a maioridade dos filhos, com a lei substantiva autoriza, obrigando estes últimos, caso amparados por provas convincentes das suas necessidades, a ingressar com novo pedido alimentar. Não vejo qualquer prejuízo por força da exoneração imediata decorrente da maioridade, pois na eventualidade do filho maior possuir provas das suas necessidades, seja por estudo, seja por doença, seja por qualquer outro motivo plausível, haverá de obter, ao limiar da nova ação de alimentos, a concessão de verba provisória, consoante previsão contida na 93 Lei 5.478/68. 89 Para Arnaldo Rizzardo. Op. cit. A exoneração: “ocorre quando a pensão é cancelada, especialmente por não ser exercido o direito a alimentos, e se advém total impossibilidade em prestar alimentos”. 90 CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 660. 91 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 660. 92 BEBER, Jorge Luis Costa. A maioridade dos filhos e a exoneração liminar dos alimentos. Revista da Ajuris. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 163. 93 Idem ibidem, p. 170. 27 O renomado autor também ensina que, ao se exigir uma ação de exoneração, além da demora do processamento da demanda, acarretar-se-ia uma inversão ao ônus da prova, ou seja, esta seria exigida do devedor de alimentos (pais) e não do filho maior (credor) como seria o correto. Na verdade, o que se tem observado é que o alimentante, compelido a pedir a exoneração da sua obrigação após a maioridade do filho, além de obrigarse a produção de provas acerca da desnecessidade dos alimentos por parte do beneficiário (quando o correto seria o contrário), conta, ainda com a morosidade da demanda, na maior parte das vezes fomenta um crédito que 94 sabe indevido. Importante frisar que, com a maioridade civil, o ônus da prova é do alimentado e não mais do alimentante como no dever de sustento, já que o filho é quem deverá provar que realmente necessita e precisa de alimentos. A presunção da necessidade é relativa ao maior, devendo este se enquadrar nos pressupostos da obrigação (binômio alimentar) alimentar para a concessão de alimentos. Outro problema que os autores afirmam existir com relação à propositura de uma ação de exoneração diz respeito aos pais continuarem pagando a pensão de alimentos aos filhos maiores quando estes não mais necessitam dessa ajuda. O alimentante continuará pagando os alimentos até o trânsito em julgado procedente da exoneratória, e, somente depois desse procedimento, o devedor de alimentos poderá cessar a sua obrigação do pagamento da pensão alimentícia. A respeito disso, afirma Rolf Madaleno: [...] Reside o temor da injustiça, motivado pela circunstância de onerar a um dos pólos com o prosseguimento de uma obrigação que já não mais lhe comete, porque compelido a prosseguir pagando alimentos quiçá indevidos, enquanto ainda sobrecarregado pela obrigatoriedade de promover uma ação exoneratória, da qual deverá aguardar toda sua tramitação, para, somente com seu final e procedente trânsito em julgado, ver cessada sua obrigação alimentar.95 Apesar disso, é extremamente comum encontrar no Poder Judiciário ações de exoneração, advindas da cessação da obrigação alimentar em razão da maioridade do alimentado, em que completar os dezoito anos não é motivo suficiente para cessar automaticamente o encargo alimentar assumido pelos pais. Na doutrina, encontram-se autores como Sérgio Gilberto Porto96 e Rodrigo da Cunha Pereira que sustentam esse posicionamento, ao afirmarem que “é imprescindível a propositura da ação de exoneração de alimentos, com o fito de que seja reconhecida, no caso concreto, a desnecessidade da prestação alimentícia”.97. Rodrigo Pereira também salienta que “mais grave do que permitir o recebimento de alimentos sem necessidade é privar alguém de recebê-los quando necessita”.98 94 Idem ibidem, p. 169. MADALENO, Rolf. Direito de família: aspectos polêmicos. Porto Alegre, 1998, p. 53. 96 PORTO, Sérgio Gilberto. Doutrina e prática dos alimentos. 3 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2003, p. 45. 97 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Teoria Geral dos Alimentos. In. CAHALI, Francisco José; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Alimentos no Código Civil: aspectos civil, constitucional, processual e penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 37. 98 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 39. 95 28 Ainda, Rolf Madaleno salienta: Existem duas correntes que autorizam com a maioridade civil a exoneração automática do vínculo alimentar, a ser requerida em simples petitório entranhado no próprio feito processual que cuidou de acordar primitivamente os alimentos, ou decretá-los judicialmente, em tendo se tratado de processo litigioso. Do lado oposto há aqueles que vêem a obrigatoriedade do desdobramento de uma ação específica de exoneração de alimentos movida pelo devedor, sob o argumento do advento da capacidade civil como causa extintiva do pátrio poder, e por evidente, do liame alimentar. 99 A partir do exposto, verifica-se certa polêmica quanto ao uso ou não de uma ação de exoneração. Para alguns autores, uma simples petição, no próprio processo de alimentos, resolveria o problema da cessação do encargo alimentar pela maioridade, mas para outros, a ação exoneratória é fundamental para garantir o contraditório, quando o filho maior poderá provar sua necessidade de ter continuidade para receber os alimentos. Faz-se necessário, no entanto, que se elaborem algumas concessões a esses posicionamentos. Em casos como esses, alguns julgadores preferem que o devedor ingresse com uma ação de exoneração, em virtude de que, segundo eles, o prejuízo será proporcionalmente menor aos pais do que o que será causado ao filho maior se este continuar dependendo dos alimentos. Importante fazer a análise do caso concreto, na qual o julgador apreciará cada situação e decidirá com proporcionalidade, sem causar prejuízos às partes, levando-se em consideração o binômio necessidade do alimentado e possibilidades do alimentante. Em suma, a análise do binômio alimentar é a regra mais correta e fundamental a ser utilizada para resolver essas situações do direito alimentar na maioridade civil. 3.2 Aspectos específicos da ação de alimentos movida pelo filho maior Serão analisados, neste tópico, aspectos peculiares e específicos da ação de alimentos movida pelo filho com maioridade civil, utilizando a ação de alimentos movida pelos filhos menores de dezoito anos para se fazer uma diferenciação e até mesmo uma comparação, já que o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de os filhos maiores demandarem alimentos contra seus pais. Na ação de alimentos movida pelos filhos maiores contra seus genitores, a obrigação alimentar se dá pela relação de parentesco, conforme o artigo 1.694 do Código Civil de 2002. Essa obrigação alimentar estabelecida pelo vínculo do parentesco é a mesma aplicada aos demais parentes, diferentemente do que ocorre na ação de alimentos movida pelos filhos menores, pois em relação aos menores a ação de alimentos é baseada no dever alimentar, sob o poder familiar. Outra peculiaridade da ação de alimentos movida pelos filhos maiores de dezoito anos é sobre a necessidade deste de receber alimentos. Nesse caso, o alimentado deverá comprovar a sua real necessidade; a sua presunção de 99 MADALENO, Rolf. Direito de Família: aspectos polêmicos. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, p. 53. 29 necessidade é relativa e não absoluta, como no caso dos filhos menores ainda sob jugo do poder familiar. Caberá ao filho maior o ônus da prova. “Portanto, ela é absoluta entre os filhos sob o poder familiar, e relativa em relação aos filhos maiores e capazes”.100 Andréa Aldrovandi e Danielle Galvão de França asseguram: É importante se ter bem clara a distinção entre o fundamento jurídico para se pedir alimentos aos filhos menores e aos filhos maiores. Como já analisado, durante a menoridade existe uma presunção natural de necessidade. Após a maioridade, a necessidade do alimentado deve ser comprovada, e, em alguns casos, independentemente da idade, essa 101 necessidade poderá perdurar por toda a vida do alimentado. Dessa forma, o filho maior, obrigatoriamente, deverá provar seu estado de carência, pois somente assim é que ele receberá alimentos. Mesmo com a idéia de que a maioridade por si só não é motivo para a cessação automática da obrigação alimentar, se não comprovada tal existência de necessidade, o filho não receberá pensão alimentícia. Recai, portanto, sobre o filho maior o ônus da prova. Importante salientar também que, aos filhos maiores, os pagamentos da pensão alimentícia, de regra, são feitos mediante prestações periódicas geralmente em dinheiro102, isto é, prestações in pecunia. Diferentemente, o pagamento da pensão alimentar devida pelos pais aos filhos menores é realizado in natura, ou seja, com os alimentos, moradia, vestuário, medicamentos e com utilidades indispensáveis ao alimentado. A respeito disso, José Lamartine Corrêa de Oliveira salienta: “Ao contrário do que ocorre com a obrigação de alimentos, a obrigação de sustento se executa in natura, pois os filhos menores vivem em comunidade com os seus pais”.103 Ricardo Rodrigues Gama assim menciona: Nos alimentos in natura, o alimentante vai suprir todas as necessidades do alimentado, ou seja, ele vai prover a alimentação, os medicamentos, o vestuário, a habitação, a educação e a recreação. Os alimentos in pecunia, consistem somente na entrega de um determinado montante de dinheiro ao alimentado; aqui, com o dinheiro, este vai buscar satisfazer as suas 104 necessidades. Para a concessão de alimentos dos pais aos filhos maiores e capazes, o alimentado estará sujeito aos pressupostos da obrigação alimentar, ou seja, é requisito indispensável ser analisado o binômio alimentar, a necessidade do alimentante aliada à possibilidade financeira do alimentado: somente assim poderá ser fixado o quantum da pensão alimentícia, conforme artigo 1.695 do Código Civil. Saliente-se que não se pode cobrar alimentos de quem não tem condições financeiras para suportar tal encargo. Vê-se que essa situação é um pouco 100 MADALENO, Rolf. Direito de Família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 204. ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Op. cit., p. 42. 102 COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 101. 103 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de Direito de Família. 4 ed. Curitiba: Editora Juruá, 2001, p. 76 104 GAMA, Ricardo Rodrigues. Alimentos. 1 ed. São Paulo: Bookseller, 2000, p. 27. 101 30 diferenciada quando se está tratando do dever de sustento, quando aos genitores é ilimitada a obrigação alimentar, ou seja, as necessidades do menor sobrepõem-se às dos seus pais, ou seja, o alimentante, mesmo em situações precárias, deverá sustentar sua prole. José Lamartine Corrêa de Oliveira ensina: Os alimentos, como vimos, são fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Pelo contrário, o montante da obrigação de sustento do filho é assegurado pelas reais possibilidades econômicas de seus pais. 105 Também cabe frisar que no dever de sustento não existe a reciprocidade entre pais e filhos menores, pois a obrigação alimentar é somente dos genitores. O inverso acontece na situação dos filhos maiores que, posteriormente, se houver necessidade de os pais cobrarem auxílio alimentar dos filhos e estes tiverem condições de ajudar, poderão ser cobrados no sentido de fornecerem tal auxílio; haverá, pois, neste caso, a possibilidade de os pais demandarem alimentos contra seus filhos. Nesse sentido, a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, ensina: A reciprocidade tem fundamento no dever de solidariedade. Com relação aos alimentos decorrentes do poder familiar, não há que se falar em reciprocidade (CF 229). No momento em que os filhos atingem a maioridade, cessa o poder familiar e surge, entre os pais e os filhos, a 106 obrigação alimentar recíproca em decorrência do vínculo de parentesco. A ação de alimentos movida pelo maior é igual à ação de alimentos movida pelo filho com menoridade civil, bem como são semelhantes os procedimentos e mecanismos legais utilizados nessa demanda. A ação de alimentos segue em rito especial previsto na Lei de Alimentos n. 5.478 de 1968. Assim, diante de tais considerações, fica evidente que o procedimento jurídico a ser utilizado na ação de alimentos movida pelos filhos maiores contra seus pais é o mesmo da ação de alimentos instaurada pelos filhos menores. Contudo, existem diferenças primordiais no tocante aos fundamentos jurídicos entre essas duas ações. Tem-se que aos filhos menores caberá a ação de alimentos pelo dever de sustento (poder familiar), ao passo que, na ação de alimentos dos filhos maiores e capazes, a obrigação alimentar é pela relação de parentesco. Outra diferença é sobre o ônus da prova: à medida que o filho maior tem que provar sua necessidade, o filho menor tem a sua necessidade presumida e absoluta. Outra diferenciação a ser feita é que o filho maior só receberá alimentos se os genitores tiverem possibilidades financeiras para pagar-lhe a pensão, enquanto aos filhos menores, mesmo os pais não tendo condições financeiras satisfatórias, o sustento deve ser assegurado. 105 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de. Op. cit., p. 76 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, p. 451. 106 31 3.3 Análise Jurisprudencial Serão examinadas, neste tópico, algumas jurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que analisa e julga um grande número de demandas sobre o tema trabalhado na presente pesquisa: a obrigação alimentar dos pais na maioridade civil dos filhos. Primeiramente, merece destaque um julgado em que o pai, inconformado com a sentença de primeiro grau na ação de execução, apela da decisão. Em suas razões recursais, o alimentante solicita a reforma da sentença, alegando que a filha já é maior de dezoito anos e possui renda advinda de aluguel de um imóvel, afirmando, ainda, o apelante, estar doente e ter despesas elevadas com seu tratamento médico, pedindo, por isso, a cessação do pagamento de pensão. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, através do voto do Relator Presidente Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, afirma que a maioridade civil, por si só, não extingue a obrigação alimentar, mencionando, ainda, que a alimentada é estudante e realiza curso profissionalizante. Entende, também, que o fato da alimentada auferir renda advinda da locação de um imóvel não é suficiente para suprir as suas necessidades. Portanto, restou demonstrada, nos autos, a necessidade da alimentante continuar percebendo o auxílio financeiro do seu pai até a conclusão do curso, de modo que a exoneração total não se põe como justa e devida. Partilhando do mesmo entendimento do Desembargador Relator, estão o Desembargador Claudir Fidelis Faccenda e o Desembargador José Athaíde Siqueira Trindade.107 O segundo julgado versa sobre uma ação de exoneração interposta pelo pai, com o objetivo de extinguir a pensão alimentícia destinada ao filho maior e estudante universitário. A sentença de primeiro grau julgou improcedente a demanda. Não satisfeito com a decisão, o pai apelou, alegando, resumidamente, que o filho já possui vinte e quatro anos e que ainda está cursando os primeiros semestres da faculdade e, ainda, que se utiliza da perpetuação do tempo de freqüência à faculdade com o intuito, tão-somente, de continuar recebendo pensão alimentícia. Alega, também, que o alimentado possui plenas condições neurológicas de prover seu sustento. O apelante, em suas razões recursais, pleiteou a reforma da sentença para que seja exonerado da obrigação alimentar. Ao decidir sobre o fato, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado sustenta que há, nos autos, elementos probatórios que indicam que o filho tem problemas neurológicos e que não cabe exonerar o genitor somente porque o filho não apresenta bom rendimento em seus estudos. Entende, ainda, que a exoneração dos alimentos impediria que o alimentado concluísse o curso superior. Com isso, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul nega provimento ao apelo, unânime, mantendo a obrigação alimentar, para que o pai/genitor continue a prestar assistência ao filho maior necessitado.108 107 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível.Família. Alimentos. Exoneração. Pretensão descabida. Maioridade civil. Apelação Cível n° 70015241847. Relatora: Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos. 22 de junho de 2006. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/. 108 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Alimentos em favor de filho. Pedido de Exoneração. Apelação Cível n° 70012970018. Relatora: Maria Berenice Dias. 09 de novembro de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/. 32 O nosso Tribunal adota posicionamento contrário ao acima exposto, o que se percebe a partir da análise de outra ação, na qual a filha maior apela contra a sentença de primeiro grau que desobriga o alimentante da prestação de alimentos a ela, em ação de exoneração interposta pelo pai. Nas razões recursais de apelação, a apelante sustenta que completou o ensino médio e que gostaria de continuar seus estudos, porém não tem condições financeiras de ingressar no curso superior. Alega, também, que o pai tem vida abastada e que possui boas condições financeiras para auxiliá-la. A alimentada salienta que, mesmo tendo encontrado um emprego, este não supre todas as suas necessidades. Ao analisar as razões de apelação, o Relator Desembargador José Athaíde Siqueira Trindade nega provimento ao recurso, em decisão monocrática, justificando ser manifestamente improcedente, pois entende que a autora não necessita mais dos alimentos que vem recebendo. Salienta o Ilustre Desembargador que a alimentada já trabalha, sendo, portanto, capaz de se sustentar, não restando demonstrado, nos autos, que é estudante, por isso não necessita de auxílio de seu genitor.109 Em decisão análoga à acima transcrita, outro julgado que merece destaque envolve uma ação de exoneração de alimentos interposta pelo pai, a fim de cancelar a pensão alimentícia destinada a sua filha. A demanda foi julgada procedente em primeiro grau. Inconformada com a decisão, a filha, maior, apela. Assevera, em razões recursais, que necessita do auxílio paterno, pois sua situação econômica não é boa e não consegue se firmar no mercado de trabalho, possuindo um veículo de propriedade de sua mãe, alegando, finalmente, que o alimentante não provou alteração em sua situação econômica. O Tribunal, ao julgar o recurso, nega provimento ao apelo, pois, de acordo com o voto do Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, a apelante não se enquadra na definição de necessidade, já que conta, atualmente, com 29 anos e possui formação e experiência profissional. Assim sendo, decide, em seu voto, que é adequada a r. sentença monocrática, que entendeu em julgar procedente a ação de exoneração dos alimentos, desobrigando o pai do encargo de prestar alimento à sua filha maior.110 Ao analisarem-se as jurisprudências acima citadas, dentre as inúmeras demandas judiciais existentes e pesquisadas, constatou-se que não há uma regra específica para conceder ou não os alimentos aos filhos maiores de dezoito anos, visto ser imprescindível a verificação do binômio necessidade-possibilidade para que se caracterize a obrigação alimentar. Não é justo impor o encargo dos alimentos aos pais considerando que aquele que pensiona alimentos possui condições suficientes para sua mantença, ou, sendo capaz e sadio, prefere o ócio. De outra parte, é injusto impor ao filho maior que passe por privações ou necessidades se seus pais possuem condições financeiras para auxiliá-lo. Em suma, os eméritos julgadores 109 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Família. Alimentos. Exoneração. Maioridade. Mera conveniência da alimentada. Recurso Desprovido Apelação Cível n° 70014153662. Relator: José Siqueira Trindade. 03 de março de 2006. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2006. Disponível em: www.tj.rs.gov.br 110 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível. Alimentos. Exoneração. Apelação Cível n° 70013049093. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. 23 de novembro de 2005. Jurisprudência Gaúcha. In. Diário de Justiça do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br> 33 devem analisar o caso concreto e decidir tendo em vista a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante pela fixação ou não dos alimentos. CONCLUSÃO O estudo que se processou teve por objetivo a análise da obrigação alimentar dos pais para com seus filhos com maioridade civil. Diante de todas as informações trazidas na pesquisa, foi possível dirimir algumas dúvidas quanto ao direito do filho maior de dezoito anos em perceber os alimentos de seus genitores. Cabe ser registrado que, como visto no decorrer do trabalho, a maioridade civil por si só não afasta os pais do encargo dos alimentos, mas o certo é que sempre, indiscutivelmente, deverá ser avaliado, a cada caso concreto, o binômio alimentar da necessidade-possibilidade, ou seja, a necessidade do alimentado de receber os alimentos e a possibilidade do alimentante em fornecê-los. Ademais, é possível constatar que os filhos maiores de dezoito anos têm direito, sim, aos alimentos fornecidos por seus pais. Esse direito, por sua vez, vem da obrigação alimentar estabelecida pelo vínculo do parentesco e não do dever de sustento, já que os pais somente têm o dever de sustento em relação aos filhos menores. No entanto, verificou-se que os alimentos devidos pelos pais aos filhos maiores somente são devidos de fato em certas circunstâncias, quais sejam, quando o filho for maior e incapaz, quando for maior, capaz e estudante, ou, ainda, maior indigente. Conforme examinado, aos filhos maiores e incapazes a obrigação alimentar poderá, em certos casos, perdurar a vida toda do alimentado, pois nessas situações não importa a faixa etária do filho, mas tão-somente a precariedade do incapaz. No caso de filhos maiores, capazes e estudantes ou no de maiores indigentes, deverá ser analisado o binômio necessidade-possibilidade para a concessão de alimentos, ou seja, deverá ser verificada, em cada caso concreto, a necessidade de quem pleiteia alimentos e a possibilidade financeira de quem fornece a pensão alimentícia. O binômio alimentar está presente em todos os casos que envolvem ações relacionadas à concessão de alimentos: nas ações de alimentos movidas pelos filhos com maioridade civil, nas ações de exoneração instauradas pelos genitores com o intuito de se eximirem do encargo alimentar, e até mesmo na questão da durabilidade da prestação de alimentos. Na verdade, a análise do binômio necessidade-possibilidade é a solução encontrada pelos legisladores para verificar a concessão ou não de alimentos. Assim sendo, os julgadores, ao analisar a necessidade do alimentado de maneira correlata à possibilidade do alimentante, estarão decidindo a lide com proporcionalidade e razoabilidade, pois, ao procederem dessa maneira, não será causado prejuízo a nenhuma das partes. Injusto seria impor ao filho maior passar necessidades enquanto seus genitores possuem condições financeiras suficientes para fornecer-lhe alimentos, da mesma forma, seria de igual injustiça impor o encargo alimentar aos pais, considerando que o alimentado prefere o ócio a trabalhar. Após as devidas colocações, fica evidente a importância da análise do binômio necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante em relação ao caso concreto. Vê-se, portanto, que o binômio alimentar é de suma importância, pois, a partir dele é que se poderá extinguir ou executar a obrigação alimentar. 34 Entende-se, então, que os filhos, tão-somente pelo fato de alcançarem a capacidade civil, não perdem o direito de pleitear eventual amparo alimentar de seus pais. Continuam os filhos, certamente, com legitimidade para o pedido de alimentos, devendo ser tal pretensão fundada na relação de parentesco, sujeitando-se o pedido aos pressupostos da prova de necessidade e possibilidade, ou seja, ao binômio alimentar. REFERÊNCIAS ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro: Acquaviva. 3 ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1993. ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão de. Os Alimentos no Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004. ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. BEBER, Jorge Luis Costa. A maioridade dos filhos e a exoneração liminar dos alimentos. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul: Doutrina e Jurisprudência, ano XXVI, Porto Alegre: Ajuris, n. 75, 1999. BELIVÁQUA, Clóvis. Direito da Família. 6 ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1938 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 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