Reflexões sobre Ciência e Fé Uma abordagem histórica e teológica do diálogo entre ciência e fé na Igreja Católica Prof. Padre Paul Schweitzer, S.J. Professor de Matemática da PUC-Rio A ciência e a religião buscam a verdade, o conhecimento Queremos sugerir hoje que a ciência empírica e a fé religiosa ambas buscam entender a realidade na sua dimensão mais profunda. Então podem contribuir mutuamente uma à outra. Devemos buscar o diálogo. Esboço dos tópicos 1. O Universo em expansão 2. Surpresa: a expansão acelera 3. Possíveis relações entre a física quântica e a nossa fé. 4. Quatro paradigmas para a relação entre ciência e religião 5. Semelhanças entre a física e a teologia 1. História da cosmologia O homem sempre ficou fascinado com a astronomia. • Fases da lua, gravadas em osso há 30 mil anos! A Nebulosa do Caranguejo Resultado da explosão da estrela vista em pelos chineses em 1054 O Universo em expansão • Os físicos Alexandre Friedman (russo, 1920’s) e Georges Lemaître (padre belga, 1927) mostraram que as equações de relatividade geral de Einstein (sua teoria de gravitação) têm como solução um universo em expansão contínua. • Lemaître citou esta expansão como causa do deslocamento ao vermelho observado nas linhas espectrais de galáxias distantes. • Lemaître também extrapolou a expansão ao passado, e concluiu que deve ter havido uma explosão de uma bola pequena de energia e densidade intensas que deu origem ao universo, mais tarde chamada do ‘big bang’. Lemaître e Einstein • Einstein não aceitava um universo em expansão. Em 1917, acrescentou um outro termo às suas equações, , a ‘constante cosmológica’, para evitar a expansão. • Depois chamou isso de ‘o pior erro da minha vida’. • Quando em 1927 Lemaître explicou a sua teoria ao Einstein, este respondeu: “Seus cálculos são corretas, mas a sua compreensão da física é abominável”. • Mas em 1933 Einstein louvou a teoria de Lemaître. Universo em expansão, 2 • Edwin Hubble analisou o deslocamento ao vermelho e mostrou que é proporcional à distância de objetos astronômicos—a ‘Lei de Hubble’. • Assim foi confirmada definitivamente a expansão do universo. É como os desenhos pintados num bolão de borracha se afastam uns dos outros quando se infla. • Em 1952 Lemaître foi à Roma para pedir ao Papa Pio XII, que ia fazer um discurso para a oitava Assembléia Internacional de Astronomia, para não apresentar o big bang como se fosse o momento da criação do universo por Deus. O papa seguiu a orientãção de Lemaître. O que a ciência não sabe... e não sabia: as limitações da ciência No final do século XIX, parecia que a física básica tinha reolvido todos os problemas fundamentais Mas houve revoluções: radioatividade (1897), teoria quântica (Planck, 1900), relatividade (Einstein, 1904) No final do século XX, foi semelhante: a grande pergunta foi sobre a desaceleração da expansão do universo Mas em 1998 se descobriu que a expansão estava acelerando! 'Energia escura' e 'matéria escura'--lacunas enormes na ciência básica! Implicações para a fé • Mas ainda há perguntas fundamentais que sugerem a presença do Deus Criador: • 1) Por que algo existe, em vez de nada? • 2) Por que há uma ordem no cosmos, em vez de caos? • 3) Por que as leis da natureza são estáveis: por que as leis que observamos no passado continuam válidas no presente e no futuro? • As respostas são metafísicas, religiosas, de fé. Mas a fé cristã é mito mais, é um encontro pessoal com o Senhor, com Jesus Cristo. Possíveis relações entre física quântica e fé A física no limiar do século 20 • No final do século 19, muitos físicos pensavam que os aspectos fundamentais da física já estavam postos, e somente sobravam problemas secundários.... Mas então: • Em 1895, Wilhelm Roentgen descobriu os raios-X. • Em 1896, Henri Becquerel descobriu a radioatividade de urânio. • Em 1900, Max Planck descobriu que a luz é emitida e absorvida em quantidades discretas, os ‘quantos’. • Assim começou o século 20 com problemas básicos desafiando a física (como o século 21, com a aceleração da expansão do universo, descoberto em 1998). 3. A física quântica, o livre arbítrio e a ação de Deus no mundo • O determinismo defendido pelo físico Laplace (na época de Napoleão) não permitia o livre arbítrio humano, nem ação de Deus no mundo (sem que Deus violasse as leis da natureza). • Einstein acreditava nesse determinismo, e por conseguinte não acreditava num Deus pessoal, ao qual se podia pedir ajuda.... • Ele acreditava, sim, numa inteligência superior atrás da ordem maravilhosa do cosmos. • Mas a física quântica muda tudo isso.... Como acontece o colapso da função onda? • A interpretação de Copenhague: As previsões probabilísticas feitas pela mecânica quântica são irredutíveis no sentido em que não são um mero reflexo da falta de conhecimento. Não existem ‘variáveis escondidas’ que possam determinar o resultado. • Também: Não faz sentido especular para além daquilo que pode ser medido. • Mas: O que explica qual resultado ocorre? A razão suficiente seria a ação de Deus? • Um princípio básico: tudo tem uma razão suficiente. No colapso da onda, qual é a razão suficiente? • Uma teoria afirma que Deus, que mantém tudo em existência, determina o resultado, respeitando as probabilidades. Assim Deus poderia atuar constantemente no mundo sem violar as leis da natureza. • Objeção: Então Deus poderia evitar tanto mal, mas permite que o mal acontece? • Será que a consciência entra nisso? O livre arbítrio humano • O indeterminismo da física quântica pode explicar o livre arbítrio humano? • Sir John Eccles (no livro The Evolution of the Brain) levanta a hipótese que ao nível dos neurônios no cérebro, é a consciência da pessoa que determina se uma sinapse (a ligação entre dois neurônios no cérebro) abre ou fecha. O fluxo de íons atravessando a sinapse ocorre quase no nível quântico: indeterminação. • Muitos pensadores acham que a consciência entra no processo do colapso, mas como? Três escalas na natureza • Na escala microscópica das partículas elementares, reina o indeterminação quântica de Heisenberg. • Na escala macroscópica da astronomia, reina o determinismo físico do movimento dos corpos celestes, pelas leis de gravitação de Newton e da relatividade geral. • Na escala intermediária, esses dois níveis se encontram na vida e no livre arbítrio humano. 4. Quatro paradigmas para a relação de ciência com a religião • Ian Barbour, no seu livro Quando a ciência encontra a religião (Cultrix, 2004), apresenta quatro modelos para o relacionamento da ciência com a religião: • 1) conflito • 2) independência • 3) diálogo • 4) integração Conflito, na história.... • O caso mais famoso de conflito de ciência e religião é o caso de Galileu, quando ele defendeu a teoria heliocêntrica de Copérnico contra a teoria ptolomaica recebida do geocentrismo. • Galileu pensou ter uma prova definitiva da teoria heliocêntrica (as marés), mas estava errada. • A academia e a igreja insistiram nas posições de Aristóteles e na interpretação tradicional da Bíblia. • Galileu entendeu a interpretação da Bíblia melhor que os teólogos.... 3. Galileu Galilei (1564-1642) • Com o seu telescópio novo, Galileu observou os ceus. • Publicou os resultados no Starry Messenger (1610): • Montanhas na lua • Luas de Júpiter • Fases de Venus • Milhares de estrelas Outro caso famoso: Darwin e a evolução das espécies • O conflito ocasionado pela teoria da evolução de Darwin (A origem das espécies, 1859) - com a seleção natural dos mais aptos - foi outro exemplo de exagero dos dois lados.... • Havia muitos cientistas e religiosos que não viam nenhuma incompatibilidade, mas os contenciosos foram mais ouvidos. • A evolução já é um fato científico. • Infelizmente, hoje em dia há muitos cristãos fundamentalistas que interpretam a Bíblia literalmente, e falam da ‘ciência da criação’. Laetoli – 3,7 milhões de anos atrás Pierre Teilhard de Chardin, S.J. Padre PierreTeilhard de Chardin, ‘le dedans et le dehors’ • Uma pequena digressão, uma fenomenologia da relação entre matéria e espírito no mundo: a visão de Teilhard do ‘dedans’ (o interior) e do ‘dehors’ (o exterior). • Teilhard vê a consciência como uma realidade presente em tudo que existe, desde elétrons ao ser humano. • A lei de complexidade-consciência: a consciência vai se manifestando na medida em que a complexidade de organização do organismo cresça. • Há a energia tangencial (da física) e a energia radial (do espírito). Esta dirige o evolução (a ortogênese). • ‘Tout ce qui monte converge.’(Tudo que sobe converge.) O paradigma da independência • O biólogo Stephen Jay Gould adotou a posição NOMA (Non-overlapping magisteria, disciplinas sem interseção): a ciência e a religião são campos que não se interceptam. • Einstein achava que se complementam: “A religião sem a ciência é cega; a ciência sem a religião manca.” A ciência mostra como as coisas são, e a religião (para ele, a dimensão ética), como deveriam ser. O diálogo • O diálogo entre a ciência e a religião já ajudou muito a ambas. A convicção cristã de que a natureza está ordenada e compreensível foi um alicerce da origem da ciência moderna. A interpretação da Bíblia avançou com os dados científicos. A ciência precisa da ética. • É a mesma busca da verdade, a tentativa de entender a realidade, que impulsiona ambas. • A verdade é um brilhante com várias facetas.... A carta do Papa São João Paul II • Numa carta a cientistas, filósofos e teólogos em 1988, o Papa João Paulo II chamou-os a um diálogo. Observando como a física busca a unificação das quatro forças físicas fundamentais—a gravitação, o eletromagnetismo, as interações fortes e fracas—o Papa conclamou-os a buscar uma integração mais profunda entre a ciência e a teologia pelo diálogo, sem prejudicar os seus cânones e métodos distintos. O que o Papa João Paulo II escreveu: “Mas a unidade que buscamos ... não é a identidade. ... Tanto a religião quanto a ciência deve preservar a sua autonomia e a sua diferença específica.... A oportunidade sem precedentes que temos hoje é de um relacionamento interativo comum no qual cada disciplina mantém a sua integridade mas é radicalmente aberta às descobertas e às percepções da outra.” Busquemos que esse diálogo prospere, para chegarmos mais perto da verdade plena. Papa São João Paulo II e Padre John Polkinghorne 5. Há momentos semelhantes nos avanços da física e da teologia! • • • • • • 1) Momentos de revisão radical. 2) Períodos de confusão sem resolução. 3) Síntese e compreensão novas. 4) Trabalho duro em problemas não resolvidos. 5) Implicações mais profundas da nova teoria. Ref.: John Polkinghorne, “Belief in God in an Age of Science”, Yale Univ. Press, 1998 1) Momentos de revisão radical. • Vamos comparar o desenvolvimento da física quântica com o da cristologia. • Os trabalhos de Planck (1900) e Einstein (1905) mostram que a luz, a qual já se sabia ser uma onda, consiste de partículas (os fótons, como foram chamados depois). • O monoteísmo da fé judaica enfrenta a questão, quem era Jesus? Jesus é o Messias (o Cristo, o Ungido) crucificado e ressuscitado por Deus, mais do que um homem…. 2) Períodos de confusão sem resolução. • Niels Bohr fez um modelo do átomo que incluiu aspectos da teoria quântica, mas tinha inconsistências. Os elétrons em órbita não irradiavam energia.... • O paradoxo: a luz era às vezes uma onda, às vezes partículas.... • Jesus era chamado ‘Filho de Deus’. • Paulo fala de Jesus como ‘Senhor’ (‘Kyrios’, ‘Adonai’). Judeus piedosos chamavam Deus de ‘Adonai’, porque não pronunciavam o nome sagrado YHWH). • O Prólogo do Evangelho de João afirmava dele, “o Verbo era Deus”, mas Deus era Um. 3) Síntese e compreensão novas. • Em 1925, Erwin Schrödinger e Werner Heisenberg encontraram duas teorias, que depois se tornaram uma só teoria—a equação Schrödinger de ondas, e a mecânica matricial. • Em 1927, Paul Dirac criou uma teoria quântica da luz, com propriedades simultaneamente de onda e de partículas. • Após os Concílios de Nicéia em 325 e de Constantinopla, o Concílio de Calcedónia em 451 chamava “nosso Senhor Jesus Cristo” de “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”. 4) Trabalho duro em problemas não resolvidos. • Como entender o colapso da função onda quando uma medida é feita? A ‘interpretação de Copenhague’ somente diz que tem que acontecer, mas não é um entendinmento adequado. Há várias propostas, mas nenhuma é satisfatória…. • Como é possível entender a presença na mesma pessoa de Jesus da divindade e da humanidade? Às vezes o encaramos como se fosse somente Deus, somente aparecendo ser homem. Quando procuramos fazer justícia à sua humanidade, parecemos esquecer a divindade. 5) Implicações mais profundas da nova teoria, a última semelhança. • Em 1928, Dirac publicou um artigo com a sua equação do elétron. Em 1931, ele previu a existência de um ‘antielétron’, depois chamado de ‘positron’. Foi descoberto em 1932. • O trabalho de Einstein, Podolsky e Rosen, que se opuseram à teoria quântica, previu um fenômeno de ‘emaranhamento’ e ‘não-localidade’, que parecia absurdo. Mas em 1982, Alain Aspect mostrou que acontece com um par de fótons! • A encarnação do Cristo é a kenose de Deus Filho, que se esvazia para partilhar a nossa realidade humana. • A morte terrível de Jesus na cruz, amando-nos até o fim, oferece uma luz sobre o problema do mal. Deus nos amou tanto que sofreu o pior mal imaginável, por nós. Contemplemos a beleza deste universo tão maravilhoso que Deus criou por nós! • Em seguida, várias imagens de galáxias e nebulosas obtidas pelo telescópio espacial Hubble: • Contemplemos a beleza da criação! • Nota: Alguns acham que o nome do telescópio deveria ser “Lemaître”.... [1] A Galáxia do Sombrero, distante 28 milhões de anos luz da Terra. As dimensões desta Galáxia, oficialmente denominada M104, tem uma aparência espetacular. Ela têm 800 bilhões de sois e um diâmetro de 50.000 anos luz. [2] A Nebulosa da Formiga, que é uma nuvem de poeira cósmica e gás, cujo nome técnico é Mz3. Assemelha-se a uma formiga quando observada por telescópios fixos. Esta Nebulosa, distante da nossa Galáxia, e da Terra, entre 3.000 a 6.000 anos luz. [3] A Nebulosa NGC2392, chamada Esquimó pois se assemelha a um rosto circundado por chapéu ou gorro enrugado. Este chapéu, na realidade, é um anel formado por estruturas ou restos desagregados de estrelas mortas. A Esquimó está há 5.000 anos luz da Terra. [4] A Nebulosa Olho de Gato, tem uma aparência do olho esbugalhado do feiticeiro Sauron do filme "O senhor dos anéis". [5] A Nebulosa Ampulheta, distante 8.000 anos luz, que tem um estrangulamento no meio, por causa dos ventos que modelam a nebulosa, serem mais fracos na sua parte central. [6] A Nebulosa do Cone. A parte que aparece na foto tem 2.5 anos luz de comprimento (o equivalente a 23 milhões de voltas ao redor da Lua). [7] A Tempestade Perfeita, uma pequena região da Nebulosa do Cisne, distante 5.500 anos luz; descrita como "um borbulhante oceano de hidrogênio, e pequenas quantidades de oxigênio, enxofre e outros elementos". [8] Noite Estrelada, assim chamada por lembrar aos astrônomos um quadro de Van Gogh com este nome. É um halo de luz que envolve uma estrela da via Láctea. [9] Um redemoinho de olhos "furiosos" de duas galáxias, que se fundem, chamadas NGC 2207 e IC 2163, distantes 114 milhões de anos luz na distante Constelação do Cão Maior (Canis Major). [10] A Nebulosa Trifid. É um "berçário estelar", afastado da Terra 9.000 anos luz, e é o lugar onde nascem as novas estrelas. [8] Noite Estrelada, assim chamada por lembrar aos astrônomos um quadro de Van Gogh com este nome. É um halo de luz que envolve uma estrela da via Láctea. BIBLIOGRAFIA SOBRE COSMOLOGIA E FÉ CRISTÃ • Barbour, Ian. Quando a ciência encontra a religião. Cultrix, 2004. • Polkinghorne, John. Belief in God in an Age of Science. Yale Univ. Press, 1998. • Russell, R.J., et al. Scientific Perspectives on Divine Action—Twenty Years of Challenge and Progress. Vatican Observatory, 2008. TRÊS FÍSICOS EMINENTES SOBRE A COSMOLOGIA: • Hawking, Stephen. The Grand Design. Oxford, 2010. • Kaku, Michio. Mundos Paralelos. Rocco, 2007. • Susskind, Leonard. The Cosmic Landscape, 2005.