Flavio Monteiro de Souza FATORES ASSOCIADOS À ASFIXIA PERINATAL NO BRASIL Estudo populacional com base no Sistema de Informações de Nascidos Vivos Instituto Fernandes Figueira Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher Rio de Janeiro 2003 O berço (1872). Berthe Morisot. Musée D’Orsay, Paris. FATORES ASSOCIADOS À ASFIXIA PERINATAL NO BRASIL Estudo populacional com base no Sistema de Informações de Nascidos Vivos Autor: Flavio Monteiro de Souza Orientador: Alexandre José Baptista Trajano Tese apresentada à coordenação da Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira – Fundação Oswaldo Cruz – como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências – área de concentração em Saúde da Criança e da Mulher. Rio de Janeiro Fevereiro, 2003 Souza, Flavio Monteiro de Fatores associados à asfixia perinatal no Brasil: estudo populacional com base no Sistema de Informações de Nascidos Vivos./Flavio Monteiro de Souza. – Rio de Janeiro, 2003. xiv, 149 f. Tese (Doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz. Instituto Fernandes Figueira. Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher. Título em inglês: Factors associated with perinatal asphyxia in Brazil: a population-based study using birth record databases. 1. Asfixia/fatores de risco. 2. Assistência perinatal. 3. Índice de Apgar. 4. Declaração de nascimento. 5. Estudos epidemiológicos. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil ii Às mães da minha vida: Eugênia, avó querida, Léa, mãe zelosa, Joelma, mãe de meus filhos. A Lucas, Daniel e Thaís, crianças que nasceram sem asfixia e que alegram a nossa vida. A todas as mães que, anonimamente, participaram deste estudo e compartilharam a experiência única de gerar uma nova vida. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil iii Agradecimentos Ao Professor Alexandre José Baptista Trajano, orientador competente e incansável, por todo o amparo pessoal, técnico e institucional conferido durante a criação deste trabalho. À Doutora Joelma Lira Jacob Barbosa, companheira e auxiliar em todas as fases desta pesquisa. Aos Professores Luiz Guilherme Pessôa da Silva e Marcos Vianna Lacerda de Almeida que, com seus olhares agudos e críticos, muito contribuíram para a forma final que este trabalho adquiriu. Aos Professores Amaury Alves de Menezes e José Miguel Nigri pela sua importância na formação de tantas gerações de obstetras. Sinto-me honrado de ter sido discípulo destes ícones da obstetrícia brasileira. Ao Professor Júlio César Soares Aragão que, com sua criatividade admirável, ajudou a moldar a idéia embrionária desta pesquisa. Aos Professores Nilson Ramirez de Jesús e Jader Coelho Dias pelo forte apoio institucional nas fases finais de preparação desta pesquisa. À Professora Renata Nunes Aranha, pela inestimável ajuda na interpretação dos números e das interações epidemiológicas. À Epidemiologista Joana Cunha Cruz pela competência e desprendimento na análise multivariada. À Professora Maria Angélica Bonfim Varela e ao interno de medicina Valter Gabriel Maluly Filho pelo valioso auxílio com as referências bibliográficas. À Doutora Monique Lin pela ajuda preciosa com a língua inglesa na versão do resumo. A todos os colegas da UERJ, da UNIGRANRIO e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro, pela amizade e apoio na confecção deste trabalho. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil iv Resumo Objetivo: Estudar a predição da asfixia perinatal representada pelo índice de Apgar inferior a 7 no 5º minuto de vida a partir das variáveis contempladas nas declarações de nascidos vivos dos diversos estados do Brasil. Material e método: Estudo de corte transversal baseado na população de nascidos vivos do Brasil no ano de 1999, totalizando 3.256.433 registros. As variáveis foram estudadas através do teste do X² de Pearson e calcularamse os riscos relativos (RR) para cada comparação. Posteriormente, efetuouse análise multivariada de regressão logística com cálculo das razões de chances (OR) e intervalos de confiança para 95%. Comparou-se a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto com o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano (IDH-M) por unidade da federação através de regressão linear simples. Resultados: A proporção de não preenchimento dos campos da DN variou de 0% (sexo e local de nascimento) a 51,7% (estado marital materno). Depois de excluídos os casos de não preenchimento do grau de Apgar no 5° minuto, do peso e os abortamentos, o número de casos estudados foi de 2.808.341. A prevalência de asfixia perinatal no Brasil em 1999 foi de 2,1%. A prevalência variou por unidade da federação de 1,4% (São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) a 6,2% (Piauí). A regressão linear simples demonstrou que quanto melhor o IDH-M menor a prevalência de asfixia (R² 0,7437, p<0,001). A relação entre a asfixia e o estado marital materno foi estudada apenas na análise bivariada (RR 1,20 para as mães solteiras comparadas com as que viveram ou vivem maritalmente). Na análise multivariada, estudaram-se 1.164.226 casos que continham todos os campos da DN preenchidos e 69,7% das observações foram corretamente classificadas pelo modelo. Encontrou-se risco significativamente maior de asfixia associado a: cor não branca (OR 1,11), sexo masculino (OR 1,24), anomalias congênitas (OR 5,44), idade materna entre 10 e 19 anos (OR 1,05) e igual ou superior a 35 anos (OR 1,12), mães sem instrução (OR 1,54) ou com menos de 8 anos de instrução (OR 1,25), mães sem pré-natal (OR 1,37) ou com menos de 7 consultas (OR 1,32), história de natimorto anterior (OR 1,13), parto domiciliar (OR 1,71) ou em estabelecimento de saúde não hospitalar (OR 1,34), Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil v parto nas regiões nordeste (OR 1,67) e norte (OR 1,47) quando comparados com a região sudeste, recém-nascidos macrossômicos (OR 1,24) e gestação pós-termo (OR 1,22). Quanto menor o peso do recém-nascido e menor a idade gestacional, maior o risco de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto, atingindo OR de 33,23 para pesos entre 500 e 999g e de 5,10 para idade gestacional entre 22 e 27 semanas. Os partos na região centro-oeste obtiveram os mesmos resultados que os da região sudeste, assim como os partos gemelares em relação às gestações únicas. Foram fatores de proteção contra a asfixia: parto vaginal em comparação com o cesáreo (OR 0,92), parto na região sul em comparação com a sudeste (OR 0,90) e filhos vivos tidos anteriormente (OR 0,83 para um ou dois filhos e OR 0,84 para mais de dois filhos vivos). Conclusões: A prevalência de asfixia perinatal no Brasil é elevada e o índice de Apgar no 5° minuto é um indicador que reflete as condições socioeconômicas e culturais da gestante. Vários fatores de risco estão associados com baixo grau de Apgar no 5° minuto. Para a reversão deste quadro são necessárias medidas educacionais, melhora da assistência obstétrica e redução das desigualdades sociais no Brasil. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil vi Abstract Objective: To study the birth records in the various Brazilian states in order to identify the factors associated with perinatal asphyxia as measured by Apgar scores less than 7 at 5 minutes of life. Material and Methods: A cross sectional study was undertaken using birth records for those infants born in Brazil in the year 1999, totaling 3,256,433 records. The identified variables were studied using Pearson's Chi Squared Test and the risk ratios (RR) for each comparison were calculated. Secondly, a multivariate logistic regression was employed to calculate the odds ratio (OR) for each factor studied with a 95% confidence interval. A simple linear regression was then used to compare the prevalence of an Apgar score of less than seven at five minutes with the Municipal Human Development Index (HDI-M). Results: The proportion of uncompleted birth record fields ranged from 0% (sex of infant and place of birth) to 51.7% (marital status). After excluding the cases in which the 5 minute Apgar or the birth weight were missing, and the maternal abortions, the total cases studied were 2,808,341. The prevalence of asphyxia in Brazil in 1999 was 2.1%. The prevalence varied by state from 1.4% (Sao Paulo, Rio Grande do Sul and Santa Catarina) to 6.2% (Piaui). A simple linear regression demonstrated that the better the HDI-M the lower the prevalence of asphyxia (R² 0,7437, p<0,001). A bivariate analysis of asphyxia and maternal marital status revealed a RR of 1.20 for single mothers compared to those who were or are married. In the multivariate analysis, 1,164,226 cases (representing the records which were entirely completed) were studied and 69.7% of the observations were correctly classified by the model. A significant increase in the risk of asphyxia was encountered with the following variables: non-caucasian race (OR 1.11), newborn male sex (OR 1.24), congenital anomalies (OR 5.44), maternal age between 10 and 19 years (OR1.05), maternal age ≥35 (OR 1.12), no maternal education (OR1.54) or less than 8 years of education (OR 1.25), no prenatal care (OR 1.37) or less than 7 prenatal visits (OR 1.32), prior fetal demise (OR 1.13), home birth (OR 1.71), birth in medical establishments other than hospitals (OR1.34), births in the northeastern region of the Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil vii country (OR 1.67) and northern (OR 1.47) when compared to the southeastern parts of Brazil, macrosomic fetus (OR 1.24), and post term pregnancy (OR 1.22). The lower the newborn weight and gestational age, the higher the risk of Apgar score less than 7 at 5 minutes, with the highest OR of 33.23 for birth weight between 500-999g and OR 5.10 for gestational age between 22-27 weeks. Births in the midwestern region of Brazil did not have an increased risk when compared to those in the southeastern part. Similarly, twins pregnancies fared as well as singletons. Protective factors against asphyxia included vaginal birth when compared to cesarean section (OR 0.92), birth in the southern part of Brazil when compared to the southeastern region (OR 0.90), and prior live births (OR 0.83 for 1-2 children and 0.84 for more than 2 children). Conclusions: The prevalence of perinatal asphyxia in Brazil is elevated and the 5 minute Apgar is an index that reflects the socioeconomic and cultural condition of gravid females. Various risk factors are associated with low 5 minute Apgar scores. To ameliorate this situation in Brazil, education, improved obstetric care and reduction of social inequities are necessary. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil viii Instruções ao feto Escolha uma mãe jovem, saudável, com boas condições socioeconômicas, esbelta, com mais de 1,62m de altura, Rh positivo e que tenha um ciclo menstrual regular. Ela não deve fumar, usar drogas ou recorrer a medicamentos. Ela deve procurar bons cuidados pré-natais e um lugar seguro para parir. Então ordene seu próprio meio-ambiente e solicite não nascer pré-termo ou pós-termo. Não deixe suas membranas se romperem antecipadamente e, acima de tudo, entre no mundo primeiro com a cabeça e com o mínimo atraso uma vez que a jornada tenha iniciado. Tendo chegado, respire rapidamente antes que eles cortem seu cordão. Procure logo o seio da sua mãe e não se acanhe em começar a mamar! Desta forma você tem a melhor chance de sobreviver aos riscos de sua vida pré-natal. Modificado de Charles P. Douglas (1975) Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil ix Índice RESUMO IV ABSTRACT VI ÍNDICE IX LISTA DE ABREVIATURAS XI LISTA DE FIGURAS XII LISTA DE TABELAS XIV INTRODUÇÃO 1 APRESENTAÇÃO E JUSTIFICATIVA 2 OBJETO DO ESTUDO 5 O SISTEMA DE NASCIDOS VIVOS 5 FATORES DE RISCO AVALIÁVEIS ATRAVÉS DO SINASC 12 A ASFIXIA PERINATAL 15 O ESCORE DE APGAR 21 UM BRASIL, VÁRIOS “BRASIS”: AS DESIGUALDADES E A SAÚDE 27 OBJETIVOS 32 OBJETIVOS 33 MATERIAL E MÉTODO 34 FONTE DOS DADOS 35 VARIÁVEIS DE ESTUDO 38 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO 42 ANÁLISE ESTATÍSTICA 43 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil x RESULTADOS 45 CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO E DOS DADOS 46 O GRAU DE APGAR INFERIOR A 7 NO 5° MINUTO 52 ANÁLISE BIVARIADA 57 ANÁLISE MULTIVARIADA 70 COMENTÁRIOS 73 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MÉTODO E DA QUALIDADE DAS INFORMAÇÕES 74 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 81 CONCLUSÕES E PONDERAÇÕES FINAIS 116 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 122 APÊNDICES 139 ANEXOS 143 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil xi Lista de abreviaturas CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima revisão. DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. DIP II Desaceleração intraparto do tipo II: desaceleração tardia da freqüência cardíaca fetal ou DIP placentário. DIP III Desaceleração intraparto do tipo III: desaceleração variável ou umbilical da freqüência cardíaca fetal. DN Declaração de Nascido Vivo. FTP File Transfer Protocol – Protocolo de transferência de arquivos através de redes de computadores. FUNASA Fundação Nacional de Saúde. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IC Intervalo de confiança do risco relativo ou da razão de chances para 95% de significância estatística. IDH Índice de Desenvolvimento Humano. IDH-M Índice Municipal de Desenvolvimento Humano. MS Ministério da Saúde. OMS Organização Mundial de Saúde. OPAS Organização Panamericana de Saúde. OR Odds ratio: razão de chances. p Valor da probabilidade da correlação ter ocorrido devido ao acaso. pCO2 Pressão parcial de dióxido de carbono. pH Potencial hidrogeniônico. PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. pO2 Pressão parcial de oxigênio. QI Quociente de inteligência. R² Quadrado da correlação, utilizado na regressão linear. Mostra o percentual da variância de uma das variáveis que pode ser explicado a partir do valor da outra. RR Risco relativo. SES Secretaria de Estado de Saúde. SIM Sistema de Informação de Mortalidade. SINASC Sistema de Nascidos Vivos. SMS Secretaria Municipal de Saúde. SUS Sistema Único de Saúde. WHO World Health Organization: o mesmo que OMS. X² Teste do qui-quadrado de Pearson Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil xii Lista de figuras Número Título Página 1 Número de nascidos vivos ocorridos e registrados no ano, por região de nascimento – Brasil, 1999. 2 Número de nascidos vivos registrados no ano, identifi8 cados pelo SINASC e estimativa de nascimentos – Brasil, 1999. 3 Fluxo da Declaração de Nascido Vivo. 4 Distribuição da proporção de não preenchimento do 52 grau de Apgar no 5° minuto somada à proporção de casos com grau de Apgar igual a 0 no 1° e no 5° minutos segundo as unidades da federação. 5 Distribuição da prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto segundo as unidades da federação. 6 Relação entre a prevalência do grau de Apgar inferior a 55 7 no 5° minuto e o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano agrupado por unidade da federação. 7 Relação entre a prevalência do grau de Apgar inferior a 56 7 no 5° minuto e o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano (IDH-M) agrupado por Unidade da Federação, depois de excluídas as 2 unidades da federação com prevalências do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto discrepantes em relação ao IDH-M. 8 Relação entre o inverso da prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto e o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano (IDH-M) agrupado por Unidade da Federação, depois de excluídas as 2 unidades da federação com prevalências do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto discrepantes em relação ao IDH-M. 56 9 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a idade gestacional. 59 10 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o peso do recém-nascido. 59 11 Distribuição do peso médio dos recém-nascidos segundo os grupos de grau de Apgar. 60 12 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a cor do recém-nascido. 60 13 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o sexo do recém-nascido. 61 8 10 53 Flavio Monteiro de Souza Número Asfixia perinatal no Brasil Título xiii Página 14 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a presença de anomalias congênitas. 61 15 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a idade materna. 64 16 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o número de anos de estudo materno. 64 17 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o número de consultas de prénatal. 65 18 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o estado marital materno. 65 19 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o número de filhos vivos tidos anteriormente. 66 20 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a ocorrência de filhos mortos anteriores. 66 21 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o tipo de gravidez (única ou gemelar). 68 22 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a via do parto. 69 23 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o local de nascimento. 69 24 Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a região geográfica do país. 70 25 Distribuição da população residente por cor ou raça – Brasil, 2001. 106 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil xiv Lista de tabelas Número Título Página 1 Fatores biológicos de risco para a asfixia perinatal e pa- 18 ra o comprometimento neurológico do recém-nascido. 2 Definições dos componentes do escore de Apgar. 22 3 Classificação da asfixia ao nascer segundo a CID-10. 25 4 Campos disponíveis nos bancos de dados do SINASC e sua correspondência nos formulários de declaração de nascido vivo (DN). 37 5 Distribuição dos nascidos vivos no Brasil em 1999 por região e por unidade da federação de residência da mãe. 47 6 Distribuição dos nascidos vivos segundo as principais variáveis das DN no Brasil em 1999, antes e depois de aplicados os critérios de exclusão. 48 7 Distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis referentes aos recém-nascidos depois de aplicados os critérios de exclusão. 49 8 Distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis referentes às mães depois de aplicados os critérios de exclusão. 50 9 Distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis 51 referentes à gravidez e ao parto depois de aplicados os critérios de exclusão. 10 Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise bivariada das variáveis relacionadas ao feto ou recém-nascido. 58 11 Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise bivariada das variáveis relacionadas à mãe. 63 12 Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise bivariada das variáveis relacionadas à gravidez e ao parto. 68 13 Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise multivariada. 71 e 72 14 Distribuição de alguns indicadores sociais, econômicos e culturais por raça ou cor – Brasil, 2001. 106 15 Distribuição dos partos hospitalares pelas diferentes regiões do Brasil em 1996 108 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 1 Introdução Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 2 Apresentação e justificativa Ao acompanharmos o processo reprodutivo humano, duas apreensões principais afloram em relação ao recém-nascido: ele viverá? Se viver, será saudável? Como médicos clínicos, acostumados a lidar com casos individuais, muitas vezes a reflexão através de uma perspectiva mais ampla, epidemiológica, fica relegada a um plano secundário. O Brasil convive com elevada taxa de mortalidade e morbidade perinatal. Ao contrário dos países desenvolvidos, onde a principal causa isolada de morte no período neonatal é a malformação congênita (DRUZIN; GABBE, 1999), no Brasil a maioria dos óbitos perinatais é determinada pelas condições da gestante, características da assistência ao parto e ao recém-nascido. Entre as principais causas de óbitos associados às condições maternas e do recém-nascido estão a prematuridade, baixo peso ao nascer, Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 3 afecções respiratórias do recém-nascido e a asfixia intra-uterina e intraparto (LANSKY et al., 2002). Dentre as diversas entidades mórbidas encontradas no período perinatal, a asfixia ocupa lugar de destaque por sua potencial influência no futuro desempenho neuropsicomotor do recém-nascido (DIOS et al., 2001). O grau de asfixia perinatal reflete a qualidade da assistência prestada à gestante durante o período pré-natal e durante o parto, além dos cuidados imediatos prestados ao recém-nascido. Na formação do profissional de saúde, maior atenção é dada a questões diretamente relacionadas ao parto e à causa imediata de asfixia, sendo que pouco se discute sobre a influência dos fatores favorecedores ou dos fatores preditivos da asfixia perinatal relacionados aos aspectos sociais, econômicos e culturais envolvidos. De um modo geral, o médico assiste pacientes em instituições públicas com clientela determinada, ou em instituições privadas, atendendo um segmento estratificado que possui características socioeconômicas semelhantes. Assim, acreditamos que a avaliação de todos os recém-nascidos no país, estudados como grupo heterogêneo, pode contribuir para o melhor entendimento dos fatores envolvidos com a asfixia perinatal em função da diversidade de características encontradas no Brasil. Sabe-se que o índice de Apgar inferior a 7 no 5° minuto de vida é uma forma de medir o estado do recém-nascido e indica, de forma aproximada, o número de crianças que necessitarão de recursos especializados e caros como, por exemplo, a internação em unidades de tratamento intensivo. Este é um grande problema de planejamento dos recursos em todo o Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 4 mundo e especialmente nos países em desenvolvimento, onde os recursos são escassos. Conhecer os fatores que predizem condições deletérias para o recém-nascido pode auxiliar no melhor planejamento da aplicação de recursos baseando-se na maior ou menor necessidade de cada grupo, contemplando os diferentes cenários encontrados no Brasil. Desde a implantação do Sistema de Nascidos Vivos (SINASC) pelo Ministério da Saúde, vários trabalhos em âmbito municipal e estadual descreveram as características dos recém-nascidos (LAUAND; SIMÕES, 1999; MELLO JORGE; GOTLIEB, 2001; RODRIGUES et al., 2002; SANTA HELENA; WISBECK, 1998; SARINHO et al., 2001). Estes trabalhos vêm contribuindo para o entendimento sobre a mortalidade infantil e sobre o perfil dos nascidos vivos nos locais onde são produzidos. Em sua maioria, no entanto, são apenas dados estatísticos descritivos do perfil de nascimentos. A disponibilidade de informações tão ricas e em volume dificilmente suplantado por qualquer outro país nos motivou a desenvolver uma forma mais elaborada de avaliar fatores epidemiológicos que têm influência nas condições de nascimento, particularmente os associados com a depressão neonatal imediata. Este trabalho, que acreditamos pioneiro na utilização do SINASC através deste método, pretende ser uma fotografia instantânea dos fatores que predispõem à asfixia perinatal no Brasil. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 5 Objeto do estudo O objeto deste estudo são todos os 3.256.433 recém-nascidos vivos no Brasil no ano de 1999, identificados pelo Sistema de Nascidos Vivos (SINASC) da Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (FUNASA/MS). O Sistema de Nascidos Vivos O Sistema de Nascidos Vivos (SINASC) foi implantado em 1990 com o objetivo de melhorar as informações sobre nascimentos e, principalmente, obter maior qualidade das informações relacionadas à mortalidade infantil, já que os dados de registro civil eram falhos em relação aos nascimentos. É um sistema concebido e montado de forma semelhante ao Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (MS). As estatísticas sobre nascimentos e as informações sobre mortalidade compõem o campo de trabalho das estatísticas vitais (NORONHA et al., 1997). Antes da implantação do SINASC, as informações sobre nascimentos disponíveis no país eram obtidas através de registros civis realizados nos cartórios que, periodicamente, enviavam mapas de apuração ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que os analisava e divulgava. Estas informações mostravam-se precárias, havendo problemas de sub-registro, de qualidade e de fidedignidade dos dados. Conseqüentemente, as estimativas das taxas de mortalidade infantil eram imprecisas, o que ficou demonstrado através de diversos trabalhos sobre o sub-registro legal dos nascimentos (CBCD - CENTRO DA OMS PARA A CLASSIFICAÇÃO DE Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 6 DOENÇAS EM PORTUGUÊS (MS/USP/OPAS-OMS) - NÚCLEO DE ESTUDOS EM POPULAÇÃO E SAÚDE - NEPS/USP, 1992). Técnicos de diversas áreas efetuavam os planejamentos em saúde tendo como base as estimativas imprecisas em relação aos nascidos vivos. Com a criação do SINASC, a caracterização de alguns aspectos sobre as condições da gravidez, do parto, do recém-nascido e da mãe passou a ser possível. O instrumento de coleta individual dos dados é a Declaração de Nascido Vivo (DN – Anexos A e B). Segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – Décima Revisão (CID-10, 1993), nascimento vivo é a expulsão ou extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez, de um produto de concepção que, depois da separação, respire ou apresente qualquer outro sinal de vida, tal como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e estando ou não desprendida a placenta. Cada produto de um nascimento que reúna essas condições se considera como uma criança viva. Ainda segundo a CID-10 (1993), óbito fetal é a morte de um produto da concepção, antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez; indica o óbito o fato do feto, depois da separação, não respirar nem apresentar nenhum outro sinal de vida, como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 7 A implantação da DN permitiu a utilização de um documento básico, padronizado para todo o país, contendo informações úteis na avaliação das condições de nascimento e no planejamento de ações em saúde pública. Da mesma forma que a declaração de óbito, a DN passou a ser um formulário de emissão obrigatória. O registro civil do nascimento só pode ser emitido mediante apresentação de uma das vias da DN, seguindo determinação estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8069 de 13 de julho de 1990). Esse sistema, gradativamente, foi implantado em todo o país e hoje praticamente todas as unidades da federação o utilizam. Contudo, em pelo menos um estado (Piauí), a implantação não está completamente efetivada (FUNASA, 2002). O SINASC vem apresentando, em todas as regiões do país desde 1994, volume maior de registros do que o publicado em anuários do IBGE com base nos dados de Cartórios de Registro Civil, permitindo assim a construção de indicadores úteis para o planejamento e gestão dos serviços de saúde. Em 1999 os dados do Brasil exibem número significativamente maior de nascidos vivos que os obtidos com os registros civis de nascimento, embora este número seja um pouco inferior à estimativa de nascimentos (Figuras 1 e 2). O conhecimento mais preciso do número de nascidos vivos a cada ano possibilita o cálculo da taxa de mortalidade infantil e da taxa de mortalidade materna, indicadores tradicionalmente utilizados para a monitoração das condições de vida da população. Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 1.400.000 1.250.252 8 1.351.192 1.200.000 1.000.000 915.528 800.000 Registro civil (IBGE) 627.085 600.000 427.894 285.229 400.000 159.774 470.326 SINASC 234.158 190.203 200.000 0 Norte Nordeste Sudeste Sul Centrooeste Figura 1 – Número de nascidos vivos ocorridos e registrados no ano, por região de nascimento – Brasil, 1999. (Fonte: IBGE, 1999 - Estatísticas do Registro Civil; SINASC, 2002) 3.256.433 3.387.546 3.500.000 3.000.000 2.675.613 2.500.000 Registro civil (IBGE) 2.000.000 SINASC 1.500.000 Estimativa (IBGE) 1.000.000 500.000 0 BRASIL 1999 Figura 2 – Número de nascidos vivos registrados no ano, identificados pelo SINASC e estimativa de nascimentos – Brasil, 1999. (Fonte: IBGE, 1999 - Estatísticas do Registro Civil; IBGE, 2000 - Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050 - Revisão 2000; SINASC, 2002) Assim como na declaração de óbito, os formulários de declaração de nascidos vivos são pré-numerados, impressos em três vias e distribuídos às secretarias estaduais de saúde pela FUNASA/MS. As Secretarias de Es- Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 9 tado de Saúde (SES) se encarregavam da sua distribuição aos estabelecimentos de saúde e cartórios. Embora ainda não tenha acontecido em todo o país, o preconizado é que as Secretarias Municipais de Saúde (SMS) assumam esse encargo (FUNASA, 2002). O preenchimento da DN é executado por profissionais de diferentes áreas (médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos, secretários, cartórios de registro civil etc.), ao contrário das declarações de óbito, assinada exclusivamente por médicos. Estudos anteriores indicaram que a declaração de óbito possui baixa qualidade de informações, enquanto a DN é um formulário bem utilizado (NORONHA et al., 1997). Ao longo do processo de implantação do sistema, observam-se melhorias no preenchimento das informações conforme observado por diversos autores, que avaliaram a freqüência do não preenchimento dos campos e validaram os dados ao longo do processo (MISHIMA et al., 1999; SANTA HELENA; WISBECK, 1998; SILVA et al., 2001b; SILVA et al., 1997). O fluxo percorrido pela DN varia de estado para estado. O MS recomenda, contudo, que a 1ª via do documento seja recolhida ativamente pelas SES ou SMS para processamento, enquanto a segunda via deve ser entregue aos familiares para registro do nascimento no cartório. Esta via ficará guardada no cartório de registro civil até ser coletada pela secretaria de saúde. No caso de gravidez múltipla, deve ser preenchida uma DN para cada recém-nascido vivo. Se ocorrer parto domiciliar, a DN é preenchida pela unidade básica de saúde próxima à residência da mãe ou pelo cartório de registro civil. Ao chegar à SMS, digitam-se os dados da DN e processamse relatórios de crítica da qualidade de digitação (Figura 3). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 10 Figura 3 – Fluxo da Declaração de Nascido Vivo. (Adaptado de FUNASA, 2002) A terceira via deve ser entregue pela família à unidade assistencial que acompanhará a criança. No entanto, em vários municípios (Rio de Janeiro, por exemplo) esta via é arquivada no prontuário hospitalar do recém-nascido. Após a digitação dos dados das DN, a Secretaria de Saúde deveria remeter a primeira via à unidade de saúde onde se originou o documento, o que não ocorre nas localidades onde a terceira via fica no prontuário (FUNASA, 2002; NORONHA et al., 1997). Nas SES os dados são processados, revistos e criticados. A legislação determina que o registro do nascimento seja feito no local de ocorrência do evento (Lei nº 6015/73). Entretanto, o MS solicita que os casos sejam referidos ao município onde a paciente reside, o que possibilita um melhor planejamento de saúde. Assim, os dados das SES são encaminhados para o MS, que procede a novas críticas. As DN são processadas através da utilização de programas informatizados do SINASC (FUNASA, 2002). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 11 As dificuldades no acesso aos bancos de dados do SINASC provavelmente justificam o subaproveitamento das informações desse sistema. Os bancos de dados de todo o país só recentemente foram disponibilizados para acesso público. Até janeiro de 2003 ainda não estavam franqueados para acesso público através da Internet os dados referentes aos anos de 2000 e 2001, assim como os anteriores a 1998. Os bancos de dados de 1998 foram disponibilizados em agosto de 2000 e os de 1999 em abril de 2002. Conforme divulgado pela FUNASA (2002) apenas recentemente os gestores públicos passaram a utilizar os bancos de dados, ainda de forma incipiente e, na maioria das vezes, como denominador para o cálculo de taxas (mortalidade infantil e mortalidade materna, por exemplo). Apesar disso, alguns indicadores vêm sendo propostos, a maioria voltada à avaliação de riscos e da rede de atenção à gravidez e ao parto. Embora esses dados ainda não tenham sido mais amplamente utilizados, estão disponíveis análises estatísticas produzidas por diversos meios: relatórios de trabalho de secretarias municipais e estaduais de saúde, trabalhos de pesquisa, estatísticas vitais através do DATASUS (DATASUS, 2003), entre outros. Estas análises são, em sua maioria, descrições das características da população. Começam também a ser desenvolvidos alguns estudos epidemiológicos mais elaborados utilizando as variáveis disponíveis no SINASC, mas estes estudos são geralmente limitados a uma cidade ou estado do país (AZEVEDO et al., 2002; GAMA et al., 2001; LAUAND; SIMÕES, 1999; NASCIMENTO; GOTLIEB, 2001; RODRIGUES et al., 2002; SANTA HELENA; WISBECK, 1998; SARINHO et al., 2001). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 12 Fatores de risco avaliáveis através do SINASC O termo “risco” significa a probabilidade de ocorrência de um resultado desfavorável, de um dano ou de um fenômeno indesejado. Considera-se “fator de risco” de um dano toda característica ou circunstância que acompanha aumento de probabilidade de ocorrência do fato indesejado, sem que o fator tenha que intervir necessariamente em sua causalidade. A demonstração estatística do risco permite avaliar a probabilidade da ocorrência de um acontecimento indesejado, ou dano (BARBOSA, 1999). Consideram-se como resultados perinatais desfavoráveis as mortes (abortamento, natimorto, neomorto) e outros problemas relacionados ao recém-nascido, tais como prematuridade, baixo peso ao nascer, anomalia congênita e síndromes genéticas (LUZ et al., 2000). A asfixia perinatal, por representar maior probabilidade de morte ou seqüela definitiva no recém-nascido, também pode ser considerada como resultado desfavorável (ROSENBERG, 1999). Grande gama de fatores de risco é comum para diferentes resultados gestacionais desfavoráveis. O maior risco de comprometimento do bem estar da mãe e/ou do concepto pode ser detectado durante a gestação pela assistência pré-natal (com ou sem a necessidade de exames complementares). Este incremento no risco pode ocorrer devido a doenças maternas próprias ou intercorrentes, além de distúrbios do desenvolvimento fetal. As condições do nascimento também influenciam de forma importante o risco fetal. Há fatores de risco que, em estudos epidemiológicos, mostram-se mais importantes que outros na determinação de um dano específico. Existem três formas pelas quais os fatores de risco se associam à conseqüência indesejável (LUZ et al., 2000): Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 13 1. Forma causal: a que desencadeia o processo mórbido. 2. Forma favorecedora: há clara conexão entre o fator e o dano, ainda que o fator não seja a causa direta. 3. Fator preditivo ou marcador: quando a associação se faz através de múltiplos elos, de forma não claramente identificável, às vezes evidenciada apenas através de associações estatísticas. Dentre as condições de risco fetal relacionadas à mãe detectáveis sem necessidade de exames complementares, podem ser citadas (LUZ et al., 2000): origem e idade da gestante; menção de companheiro ou estabilidade conjugal; paridade; tabagismo; intervalo interpartal; esforço físico no trabalho; padrão menstrual; história de prematuridade, baixo peso ao nascer, natimortalidade ou neomortalidade; história de abortamento e gravidez ectópica; história de hemorragia em gestação anterior; história de préeclâmpsia em gestação anterior; história de cesariana; número de filhos vivos e razão de sobrevivência da prole (número de gestações dividido pelo número de filhos vivos); história de doenças sistêmicas; história de anomalia congênita em gestação anterior; idade da menarca; escolaridade; renda familiar per capita. Um dos principais objetivos da implantação do Sistema de Nascidos Vivos (SINASC) foi obter um perfil epidemiológico dos nascimentos, através de informações relativas às características do recém-nascido, da gravidez, do parto e da mãe (MELLO JORGE et al., 1993). Em geral, os estudos sobre peso ao nascer, duração da gestação, tipo de parto e paridade, dentre outros, obtêm as informações diretamente dos prontuários médicos ou por meio de visitas domiciliares, sendo as investigações restritas a clien- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 14 telas específicas de determinados serviços de saúde ou baseadas em amostras populacionais. Estudos de fatores de risco gestacionais, com base em dados populacionais secundários obtidos de registros de nascimentos, são relativamente comuns em todo o mundo e contribuem com conclusões importantes sobre esses fatores de risco, em especial se apresentarem número de casos bastante elevado (BEKEDAM et al., 2002; CLAUSSON et al., 2001; GILBERT et al., 1999; MOSTER et al., 2001; SALIBA et al., 2001; THORNGRENJERNECK; HERBST, 2001). No Brasil, a implantação do SINASC criou a possibilidade de serem realizados estudos semelhantes com bases populacionais. Assim, a declaração de nascido vivo constitui uma importante fonte alternativa de dados sobre os nascimentos (MISHIMA et al., 1999). Os bancos de dados do SINASC permitem a avaliação de diversos fatores, mensurando-se sua influência na ocorrência de eventos danosos ao recém-nascido. Podem ser analisados: idade materna; escolaridade materna; freqüência à assistência pré-natal; estado marital; número de filhos vivos e mortos tidos anteriormente; gemelidade; raça ou cor do recémnascido; sexo do recém-nascido; via do parto; local de ocorrência do parto; local de residência da mãe. Também podem ser avaliados fatores considerados tanto como predisponentes a resultados desfavoráveis (geralmente na forma favorecedora) quanto como o próprio resultado desfavorável, dentre eles: idade gestacional; peso ao nascimento; anomalias congênitas; índice de Apgar no 1° e 5° minutos. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 15 A asfixia perinatal O feto sobrevive e se desenvolve em um meio de baixa pressão parcial de oxigênio, quando comparado com o recém-nascido ou com o adulto. Assim, podemos dizer que o feto é, fisiologicamente, hipóxico em relação aos valores pós-natais de pressão parcial de oxigênio (pO2). Suas reservas de oxigênio são reduzidas, fazendo com que o suprimento ininterrupto de oxigênio seja fundamental para sua sobrevivência. A transferência de dióxido de carbono através da placenta é limitada apenas pela capacidade de difusão. A transferência de oxigênio, no entanto, é limitada pelo volume do fluxo sangüíneo. As reservas de oxigênio no sangue fetal são suficientes para apenas 1 a 2 minutos de uso e lesões no sistema nervoso central podem ocorrer com períodos relativamente curtos de ausência total de oxigênio. O fluxo sangüíneo placentário, portanto, deve ser contínuo para manter valores normais de oxigênio na circulação fetal (CUNNINGHAM et al., 2001c). A saturação de oxigênio no sangue da veia umbilical é semelhante à saturação de oxigênio na circulação capilar materna. Apesar da pO2 relativamente baixa, o feto normalmente não sofre hipóxia. O feto humano possui débito cardíaco por massa corporal consideravelmente maior que um indivíduo adulto. O alto débito cardíaco, aliado à maior capacidade de transporte de oxigênio da hemoglobina fetal, compensam de forma eficiente a baixa tensão de oxigênio (CUNNINGHAM et al., 2001c). A hipóxia intra-uterina ocorre quando, por algum motivo, houver diminuição ou interrupção do aporte de oxigênio para o feto. Essa diminuição poderá ocorrer por fatores que diminuam o aporte sangüíneo para o Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 16 útero (por exemplo, uma redução dos níveis de oxigenação materna, a hipotensão arterial materna ou falha na função cardíaca materna), por alterações diretas na perfusão placentária (pela deficiência de irrigação do espaço interviloso) ou por alterações no fluxo sangüíneo entre a placenta e o feto (pelos acidentes com o cordão umbilical, por exemplo). A asfixia súbita, embora mais comum durante o trabalho de parto, pode ocorrer durante a gestação como no caso de acidentes, traumas e descolamento da placenta, e resulta em sofrimento fetal agudo. Nos casos de gravidez de alto risco, a insuficiência placentária geralmente ocorre de forma insidiosa, levando tanto à hipóxia fetal quanto a graus variáveis de desnutrição do feto. Esse processo se faz cronicamente e pode ter como conseqüência o crescimento intra-uterino retardado, dentre outras complicações perinatais (BERTINI et al., 2000b). Os recém-nascidos normais podem apresentar algum grau de asfixia durante o processo do parto sem, contudo, haver comprometimento da sua higidez. As contrações uterinas interrompem temporariamente o aporte sangüíneo à placenta quando a pressão intramiometrial ultrapassa a pressão arterial média materna. Várias circunstâncias podem exagerar o grau de asfixia, resultando em um lactente deprimido, em um recém-nascido com lesão no sistema nervoso central ou na morte fetal durante o parto (AGUIAR, 2000). Dentre elas, destacamos: • A hiperatividade uterina secundária ao uso inadequado de ocitocina, à pré-eclâmpsia, à polidramnia, ao parto obstruído ou ao parto prolongado. Flavio Monteiro de Souza • Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 17 A hipotensão arterial materna, secundária à anestesia (peridural, raqui ou geral), hemorragia materna e ao decúbito dorsal (que pode induzir à síndrome de hipotensão supina). • Os acidentes e complicações envolvendo o cordão umbilical (circulares, nós, prolapsos, procidências). • A rotura uterina, circunstância rara atualmente mas de extrema gravidade, secundária freqüentemente a assistência obstétrica inadequada. • A prematuridade, que implica feto mais frágil e sensível à hipóxia, além de imaturidade nos mecanismos de adaptação perinatal. • A gravidez de alto risco, quando o feto apresenta previamente sofrimento crônico ou há insuficiência placentária. • No descolamento prematuro da placenta normoinserida, em que o sofrimento fetal é precoce, agudo e grave por três motivos principais: redução da área de trocas placentárias (pelo descolamento da placenta), hiperatividade uterina (hipertonia ou taquissistolia induzida pela irritação miometrial do coágulo retroplacentário) e posterior hipotensão materna pelo sangramento retroplacentário. Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 18 Numerosos fatores biológicos podem atuar diretamente no feto e no recém-nascido, levando à asfixia e ao comprometimento posterior da saúde do indivíduo (Tabela 1). Tabela 1 – Fatores biológicos de risco para a asfixia perinatal e para o comprometimento neurológico do recém-nascido. Maternos e pré-natais Tabagismo Diabete Pré-eclâmpsia Hipertensão crônica Doença renal crônica Uso de drogas ou medicamentos durante a gestação Trauma durante a gravidez Doenças sistêmicas maternas Amniorrexe prematura Amnionite Placenta prévia Descolamento prematuro da placenta Prematuridade Baixo peso ao nascer Perinatais Desacelerações tardias (DIP II) da freqüência cardíaca fetal Desacelerações severas da freqüência cardíaca fetal (DIP III desfavorável) Bradicardia Líquido amniótico meconial Tipo de parto e atividade uterina Anomalia placentária Síndrome de angústia respiratória do recém-nascido Persistência do canal arterial Uso de respirador Complicações cardiovasculares Infecção Hemorragia intraventricular Convulsões Hiperglicemia Hipoglicemia Hipercalcemia Hipocalcemia Hiperbilirrubinemia Baixo Apgar no 1° minuto Baixo Apgar no 5° minuto Anomalias congênitas Displasia broncopulmonar Recém-nascido pequeno para a idade gestacional Complicações gastrintestinais Relacionados à asfixia Desacelerações variáveis severas da freqüência cardíaca fetal (DIP III desfavorável), desacelerações tardias (DIP II) Líquido amniótico meconial Necessidade de ressuscitação neonatal ou de assistência respiratória Hipotensão arterial neonatal pH do sangue umbilical baixo ao nascimento pCO2 alto no sangue umbilical pO2 baixo no sangue umbilical Convulsões neonatais Baixo Apgar no 1° e 5° minutos Bradicardia fetal ou neonatal (Adaptado de AYLWARD, 1993) Ao ser submetido a uma situação de baixa disponibilidade de oxigênio, seja aguda ou crônica, o feto lança mão de mecanismos de defesa e Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 19 de compensação. O objetivo principal destes mecanismos é a proteção de órgãos nobres: o cérebro (na prevenção de lesões neurológicas), o coração (para manutenção da capacidade circulatória do feto) e as glândulas suprarenais (importantes na resposta fisiológica ao estresse). Para isso, ocorre redistribuição do fluxo sangüíneo, havendo dilatação nos vasos que os irrigam e vasoconstricção nos outros locais (intestino, pulmão, pele, músculos, rins etc.). Este mecanismo é chamado de centralização (AGUIAR, 2000). No processo de adaptação à hipóxia, inicialmente há elevação da freqüência cardíaca fetal (taquicardia compensatória) objetivando aumentar as trocas metabólicas. O débito cardíaco é mantido ou aumentado pela taquicardia. Persistindo a hipóxia, o consumo de oxigênio diminuirá e o feto irá utilizar uma via alternativa para a geração de energia, o que é conseguido através da respiração anaeróbica. No entanto, a anaerobiose é um meio pouco eficiente de geração energética, havendo alto consumo de glicose e glicogênio e o acúmulo de radicais ácidos e de dióxido de carbono, levando à acidose inicialmente metabólica e posteriormente mista. Neste ambiente, o feto lançará mão de mecanismos de proteção e de economia do glicogênio. Este processo geralmente se evidencia na cardiotocografia intraparto pelas desacelerações tardias da freqüência cardíaca (DIP II). Persistindo a hipóxia, haverá agravamento da vasoconstricção periférica, perda da variabilidade da freqüência cardíaca fetal, bradicardia e queda do débito cardíaco. Finalmente ocorre a perda da capacidade de compensação, levando à hipotensão arterial fetal e redução do fluxo sangüíneo cerebral, que poderá resultar em lesão cerebral ou morte (AGUIAR, 2000). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 20 As conseqüências mais temidas da asfixia perinatal são a lesão neurológica e a morte fetal. O único déficit neurológico claramente associado à asfixia é a paralisia cerebral. Apesar do retardo mental e da epilepsia poderem acompanhar casos de paralisia cerebral, não há evidências de que sejam causados pela asfixia perinatal exceto quando associados à paralisia cerebral, e mesmo assim essa associação é posta em dúvida (LEVENE et al., 1986; PANETH, 1993). Mesmo com a nítida melhora da assistência materna e perinatal com conseqüente redução nas taxas de mortalidade perinatal nas últimas décadas, a prevalência de paralisia cerebral não declinou desde os anos 50 (CUNNINGHAM et al., 2001a). Nelson e Ellenberg (1986) fizeram importantes contribuições para o correto entendimento da paralisia cerebral e do retardo mental. Analisando dados do Collaborative Perinatal Project, que acompanhou 54.000 gestações e recém-nascidos até os 7 anos de idade, concluíram que apenas 20% dos casos de paralisia cerebral possuíam alguma associação com a asfixia perinatal. Além disso, determinaram que os principais fatores associados à paralisia cerebral foram: 1. Evidência de anormalidades genéticas, tais como retardo mental materno, microcefalia e anomalias congênitas. 2. Peso ao nascimento inferior a 2000g. 3. Idade gestacional inferior a 32 semanas. 4. Infecção. Os efeitos ambientais também possuem um papel crítico no resultado do desenvolvimento do indivíduo. Fatores ambientais adversos, tais como baixo nível socioeconômico e suporte social fraco podem colocar a cri- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 21 ança em risco de comprometimento. Relações entre a classe social, complicações perinatais e desenvolvimento cognitivo são complexas e interdependentes. Algumas crianças estão expostas tanto a riscos biológicos quanto a riscos ambientais (AYLWARD, 1993). O escore de Apgar O escore de Apgar, desenvolvido pela anestesiologista Virginia Apgar em 1952 (APGAR, 1953), é um método rápido de avaliação das condições clínicas do recém-nascido. A facilidade de aplicação deste índice tem feito com que seja usado em grande quantidade de estudos de resultados perinatais (ALMEIDA et al., 1994; SOUZA et al., 1993a; SOUZA et al., 1993b; TRAJANO, 1988a; TRAJANO, 1988b). O índice de Apgar possui cinco componentes (Tabela 2): freqüência cardíaca, esforço respiratório, tônus muscular, irritabilidade reflexa e cor. A cada componente destes é atribuída uma nota de 0, 1 ou 2. Apesar de haver variação entre observadores na avaliação do escore de Apgar, ele permanece sendo um indicador útil das condições gerais do recém-nascido (MARLOW, 1992). Os estudos sobre asfixia perinatal geralmente têm sido elaborados com o uso do índice de Apgar como “padrão ouro”. As variáveis mais extensamente avaliadas em relação ao grau de Apgar são a freqüência cardíaca fetal e o pH da artéria umbilical. Encontra-se alta especificidade na relação entre padrões anormais da freqüência cardíaca fetal ou pH baixo no sangue da artéria umbilical e índices de Apgar baixos. A sensibilidade destes testes é, no entanto, baixa, demonstrando que recém-nascidos com bai- Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 22 xo índice de Apgar podem apresentar pH normal no sangue da artéria umbilical ou traçados cardiotocográficos normais. A explicação para esse fato é que o índice de Apgar não é apenas uma avaliação da asfixia intraparto, mas também reflete outros fatores deletérios que possam ter atuado durante ou antes do parto (SCHMIDT et al., 1988). Tabela 2 – Definições dos componentes do escore de Apgar. Escore Componente 0 1 2 Freqüência cardíaca Ausente < 100 bpm ≥ 100 bpm Respiração Ausente Lenta ou irregular, choro fraco, hipoventilação Boa, choro forte Tônus muscular Flácido Alguma flexão das extremidades Movimentação ativa Irritabilidade reflexa Sem resposta Caretas Choro ou retirada ativa Cor Azul ou pálido Corpo rosado, extremidades azuis Completamente rosado (Adaptado de APGAR et al., 1958) Os recém-nascidos que apresentam asfixia crônica e acidose metabólica compensada não respondem a um estímulo hipóxico adicional com aumento da acidose, contudo estão expostos a maior risco perinatal. Esses recém-nascidos recebem baixos índices de Apgar sem mostrarem redução importante no pH do sangue umbilical. Há indicações, portanto, que a aci- Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 23 dose e o índice de Apgar são avaliações de processos fisiológicos diferentes que parecem estar apenas fracamente relacionados (MARLOW, 1992). Sabe-se que diversas causas, além da asfixia, podem estar associadas a baixos graus de Apgar. Dentre estas, merecem destaque a sedação materna, efeitos da anestesia de condução, reflexo parassimpático por aspiração vigorosa ou intubação do recém-nascido, anomalias congênitas e doenças neurológicas, musculoesqueléticas ou cardiorrespiratórias do recémnascido (CUNNINGHAM et al., 2001a). É importante reconhecer que elementos que compõem índice de Apgar, tais como o tônus, a cor e a irritabilidade reflexa, são parcialmente dependentes da maturidade fisiológica da criança. O recém-nascido prematuro saudável, sem evidência de agressão hipóxica, acidemia ou depressão cerebral, pode receber um baixo índice de Apgar apenas conseqüentemente à imaturidade (AMON et al., 1987). O uso inadequado do índice de Apgar pode resultar em uma definição errônea de asfixia. A asfixia intraparto implica obrigatoriamente em hipóxia fetal com conseqüente hipercarbia que, quando prolongada, levará à acidose metabólica, compensada (com pH do sangue umbilical normal) ou descompensada (com pH do sangue umbilical reduzido) (ACOG COMMITTEE OPINION, 1996; MARLOW, 1992). Baixo grau de Apgar no 1° minuto de vida está fracamente associado ao resultado neurológico do recém-nascido sendo, na maioria das vezes, causado por período temporário de hipóxia durante a expulsão. O grau obtido no 5° minuto é indicador útil da efetividade dos esforços de ressuscitação. Graus de Apgar que se mantém baixos aos 5 e 10 minutos geralmente significam complicações clinicamente importantes, indicando que o Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 24 recém-nascido não respondeu adequadamente à ressuscitação. O grau de Apgar igual ou superior a 7 é considerado normal. Graus entre 4 e 6 são intermediários e não são marcadores de alto risco para dano neurológico. Podem indicar hipóxia perinatal ou serem afetados pela imaturidade fisiológica, uso de medicamentos, anomalias congênitas e outros fatores. Os graus inferiores a 4 são possivelmente resultantes de hipóxia (ACOG COMMITTEE OPINION, 1996; THORNGREN-JERNECK; HERBST, 2001). O Comitê de Prática Obstétrica do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas e o Comitê do Feto e Recém-nascido da Academia Americana de Pediatria concluem que o escore de Apgar é útil na avaliação das condições da criança ao nascer, mas que o escore isoladamente não deve ser usado como evidência de que algum dano neurológico tenha sido causado por hipóxia ou por conduta inadequada de acompanhamento do parto. Um recém-nascido que tenha sofrido asfixia próxima ao parto suficientemente grave para causar lesão neurológica deverá demonstrar os seguintes sinais (ACOG COMMITTEE OPINION, 1996): • Acidose metabólica ou mista profunda (pH<7,0) em uma amostra do sangue arterial do cordão umbilical, se obtida. • Escore de Apgar entre 0 e 3 por mais de 5 minutos. • Manifestações neurológicas neonatais (por exemplo, convulsões, coma ou hipotonia). • Disfunção orgânica em múltiplos sistemas (por exemplo, cardiovascular, gastrintestinal, hematológica, pulmonar ou renal). Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 25 Embora saibamos que a identificação precisa da asfixia perinatal só será obtida pela avaliação da hipóxia e da acidose, o escore de Apgar é, freqüentemente, o único elemento disponível para identificar o grau da asfixia perinatal nos países com carência de equipamentos médicos (EKOUNDZOLA et al., 2001). O diagnóstico de “asfixia ao nascer” na CID-10 (1993) é baseado no índice de Apgar baixo no primeiro minuto (Tabela 3), o que freqüentemente é causado por depressão temporária. A definição de asfixia grave (com grau de Apgar entre 0 e 3 no 1° minuto de vida) implica em um alto nível de erro de avaliação, superestimando em oito vezes o número de crianças que apresentarão manifestações de encefalopatia neonatal (ELLIS et al., 1998). Tabela 3 – Classificação da asfixia ao nascer segundo a CID-10. Capítulo XVI – Algumas afecções originadas no período perinatal (P00-P96) P21 – Asfixia ao nascer P21.0 – Asfixia grave ao nascer Asfixia: branca com Apgar no primeiro minuto de 0 a 3 Pulso inferior a 100 bpm ao nascer, diminuindo ou estável, respiração ausente ou ofegante, palidez, tônus muscular ausente. P21.1 – Asfixia leve ou moderada ao nascer Asfixia: azul com Apgar no primeiro minuto 4-7 Respiração normal não estabelecida dentro do primeiro minuto, mas com freqüência cardíaca de 100 bpm ou mais, algum grau de tônus muscular presente e algum grau de resposta a estímulo. (Adaptado de CID-10, 1993) Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 26 O grau de Apgar baixo aos 5 minutos de vida parece estar fortemente associado a risco de morte neonatal e de paralisia cerebral. Em um estudo populacional com mais de 200.000 recém-nascidos com peso superior a 2500g na Noruega, Moster et al. (2001) encontraram risco 386 vezes maior de morte perinatal e 81 vezes maior de paralisia cerebral nos recém nascidos com grau de Apgar inferior a 4 no 5° minuto quando comparados aos que obtiveram grau de Apgar igual ou superior a 7. Esta forte associação com resultados indesejáveis demonstra que o grau de Apgar no 5° minuto é um importante indicador precoce de recém-nascidos com maior risco de complicações sérias ou fatais. O índice de Apgar fornece informações sobre o comprometimento do recém-nascido e é uma forma de avaliação de sua depressão clínica nos primeiros minutos de vida. Este índice é mais um preditor de resultados perinatais desfavoráveis, aliado aos tradicionais, tais como o peso ao nascer, o parto prematuro e a mortalidade perinatal. Estudos recentes têm reforçado seu valor como ferramenta prognóstica na identificação de crianças em risco (MOSTER et al., 2001; THORNGREN-JERNECK; HERBST, 2001). Ao avaliarmos o índice de Apgar no 5° minuto em lugar do índice no 1° minuto estamos excluindo aqueles casos de depressão temporária e de adaptação imediata do recém-nascido a um novo ambiente. O recémnascido que permanece deprimido aos 5 minutos de vida apresenta uma probabilidade maior de haver sofrido hipóxia importante durante o período anterior ao nascimento. Portanto, avaliar o índice de Apgar no 5° minuto é o mais próximo que podemos chegar da investigação da asfixia real em um Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 27 estudo com base em registros de nascimentos (THORNGREN-JERNECK; HERBST, 2001). Um Brasil, vários “Brasis”: as desigualdades e a saúde Gilberto Freyre, em 1960, observava: Houve tempo em que na imprensa inglesa o Brasil apareceu mais como "os Brasis" do que como "o Brasil". Reconheciase assim um pluralismo que de fato era tanto, deixasse de haver entre nós uma unidade nacional que contrastava com a fragmentação da América Espanhola em várias e turbulentas repúblicas, inimigas de morte umas das outras. Os chamados "Brasis" formavam politicamente um império; e social ou culturalmente um sistema de convivência em que a unidade e a diversidade se completavam. Tinha esse sistema a língua portuguesa por principal expressão de sua unidade e os contrastes regionais de predominâncias étnicas - o ameríndio na Amazônia, o branco no Sul, o negro na Baía - eram as afirmações mais ostensivas de sua diversidade ou pluralidade étnica. Étnica e cultural. Hoje, sem ser Império, mas República federativa, o Brasil continua a ser um conjunto de Brasis. Mas esse conjunto de Brasis só tem sentido - social, cultural, étnico, econômico, político - sob a forma de um vasto e só Brasil que, por ser plural, não deixa de ser uno. Trata-se de uma das combinações sociologicamente mais expressivas, de unidade com Asfixia perinatal no Brasil – Introdução Flavio Monteiro de Souza 28 pluralidade, que o mundo moderno conhece. (FREYRE, 1960). O pensamento de Freyre enfoca de forma contundente a pluralidade deste país, quando enfatiza que, no Brasil, havendo uma mística de abrasileiramento, há, por outro lado, uma tradição que permite se conservarem culturas ou se desenvolverem variações culturais regionais associadas a predominâncias étnicas diversas: a do português, a do ameríndio, a do italiano, a do alemão, a do polonês, a do africano, a do japonês, a do sírio, a do libanês, a do húngaro etc. Segundo seu ponto de vista, através dessas predominâncias, regionalmente diversas, de étnica e cultura – ou da tradição delas – vários Brasis se fazem sentir dentro de um só Brasil (FREYRE, 1960). A desigualdade econômica com concentração de renda é outro aspecto importante da heterogeneidade encontrada no país. Segundo Guido Mantega (1998), atualmente os principais indicadores econômicos e sociais revelam uma degradação do quadro social brasileiro. Há o avanço do desemprego, acompanhado da redução da renda dos trabalhadores e de um aumento dos rendimentos do capital, o que configura o aumento das desigualdades sociais. Esse quadro de deterioração das condições de vida da população brasileira se manifesta também na piora dos serviços públicos em geral, e é particularmente crítico na área da saúde pública. Entretanto, quando se analisam os indicadores de saúde das classes mais altas dos países em desenvolvimento, verifica-se que os mesmos são comparáveis aos observados nos países do Primeiro Mundo (SIQUEIRA, 1998). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 29 Esta desigualdade social deu origem ao emprego do termo “Belíndia”, largamente empregado na mídia para nomear o Brasil: pequena parte da população vivendo nas condições da rica Bélgica e a maioria nas da pobre Índia. Desde os meados do século XIX, estudos que poderiam ser considerados como epidemiológicos já investigavam a relação entre as desigualdades de saúde da população e os fatores sociais e econômicos (ALMEIDA FILHO, 1999). De uma maneira geral, as evidências apontam para um forte gradiente de bem estar social no âmbito da saúde da população, invariavelmente desfavorável para os grupos menos privilegiados. Desta forma, o nível socioeconômico, seja ele medido pela renda, educação, ocupação ou posição na hierarquia social, irá forçosamente se refletir nas diferentes condições de saúde ou no acesso aos serviços de saúde (SZWARCWALD et al., 2002). Essa desigualdade fez com que Tudor Hart (1971) enunciasse a lei da assistência inversa: “A disponibilidade de bons serviços médicos tende a ser inversamente proporcional às necessidades da população atendida”. As desigualdades em saúde são consideradas como as diferenças nas condições de saúde evidenciadas em grupos populacionais distintos. Os subgrupos populacionais podem ser definidos e constituídos a partir de várias dimensões como a biológica, a social, a econômica ou a étnica (MACKENBACH; KUNST, 1997). As desigualdades também podem ser aferidas pelas diferenças geográficas. Apesar da divisão geográfica conceitualmente não ser empregada como ponto de divisão socioeconômica, se observa com freqüência forte associação entre o padrão das condições de vida e o padrão geográfico de Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 30 ocupação do espaço (SZWARCWALD et al., 2002). No entanto, esta avaliação é dificultada pela heterogeneidade da distribuição geográfica das desigualdades sociais, econômicas e culturais. Em cidades como o Rio de Janeiro e outros grandes centros urbanos, a conformação geográfica das desigualdades se assemelha a um mosaico de áreas pobres e ricas intercaladas (D´ORSI; CARVALHO, 1998). As desigualdades em saúde constituem uma das dimensões para a avaliação do desempenho dos sistemas de saúde e a análise da situação de saúde das populações contribui para a definição das políticas públicas e na avaliação do impacto das intervenções (WHO, 2000). Um indicador do nível de atendimento das necessidades básicas de uma sociedade é o índice de desenvolvimento humano (IDH), que vem sendo empregado pela a Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1990. Este índice incorpora três aspectos do bem-estar do indivíduo: vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e padrão de vida digno. Trata-se, assim, de índice composto pela avaliação da expectativa de vida ao nascer, do nível de instrução e do nível de renda. A combinação destes fatores gera um indicador de síntese, com valores que variam entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior será o nível de desenvolvimento humano do país ou região (NAJBERG; OLIVEIRA, 2000). Preliminarmente, o IDH foi calculado para os diversos países, sendo possível a sua adaptação para municípios (IDH-M). A consolidação dos diversos IDH-M resulta no índice de desenvolvimento humano de cada estado brasileiro. Para efeito de análise, o Programa das Nações Unidas pa- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Introdução 31 ra o Desenvolvimento (PNUD) estabeleceu três principais categorias (NAJBERG; OLIVEIRA, 2000): 0 ≤ IDH < 0,5 – Baixo desenvolvimento humano 0,5 ≤ IDH < 0,8 – Médio desenvolvimento humano 0,8 ≤ IDH ≤ 1 – Alto desenvolvimento humano D’Orsi e Carvalho (1998) observam que elementos do índice do desenvolvimento humano, como as condições socioeconômicas da gestante, podem interferir no escore de Apgar: “O grande diferencial socioeconômico entre as gestantes reflete-se, hoje, na assistência de boa qualidade ao parto, e o índice de Apgar assume importância crescente como indicador de risco.” A qualidade da assistência pré-natal, influindo na preservação da saúde do concepto, também interfere nas suas condições de vitalidade. Devemos considerar que o grau de Apgar depende da influência das condições prévias do feto, durante a vida intra-uterina, havendo interação com as condições de saúde da gestante, além da maturidade fisiológica do recémnascido. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Objetivos 32 Objetivos Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Objetivos 33 Objetivos 1. Estudar a predição da asfixia perinatal representada pelo índice de Apgar inferior a 7 no 5º minuto de vida a partir das variáveis contempladas nas declarações de nascidos vivos das diversas unidades da federação do Brasil. 2. Correlacionar o índice de Apgar no 5º minuto com o índice de desenvolvimento humano aferido em cada unidade da federação. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Material e método 34 Material e método Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Material e método 35 Fonte dos dados Este trabalho constitui estudo de corte transversal baseado na população de nascidos vivos do Brasil no ano de 1999. Foram avaliadas todas as declarações de nascidos vivos (DN) referentes aos partos ocorridos em 1999, totalizando 3.256.433 registros. As DN foram obtidas a partir dos bancos de dados do Sistema de Nascidos Vivos (SINASC, 2002) através do servidor FTP1 da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) do Ministério da Saúde2. 1 FTP – File Transfer Protocol – Protocolo de transferência de arquivos. Forma de transferência de arquivos em meio eletrônico pela rede Internet. 2 Arquivos disponíveis em <ftp://ftp.funasa.gov.br/pub/sinasc/>. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Material e método 36 Escolheu-se o ano de 1999 para análise por ser o período mais recente, disponível com os bancos de dados de todo o país completos e revisados. Foram utilizados os bancos de dados em que as DN estavam agrupadas por local de residência da mãe. Estão disponíveis no SINASC vinte e sete bancos de dados, correspondentes a cada uma das unidades da federação, que foram por nós agrupados em um único arquivo contendo os registros de todo o país. Neste processo foram incluídos, em cada um dos registros, dois novos campos, referentes à unidade da federação e à região do país. O formulário de declaração de nascido vivo em uso atualmente (Anexo B) é um documento que contém 41 campos para preenchimento, referentes a: cartório, local da ocorrência, características maternas, características da gestação e do parto, características do recém-nascido, identificação e dados do responsável pelo preenchimento. O preenchimento da DN é obrigatório e indispensável para o registro civil do recém-nascido. Pode ser preenchida por profissionais de diversas categorias (médicos, enfermagem, secretários, funcionários do cartório de registro civil etc.) e os dados são colhidos diretamente da mãe e/ou das histórias clínicas. Nem todos os campos codificados nas DN estão disponíveis nos bancos de dados do SINASC. As variáveis de identificação pessoal e os endereços, por exemplo, são excluídos do arquivo disponibilizado para acesso público (Tabela 4). No decorrer do ano de 1999, foi introduzida modificação no formulário de declaração de nascido vivo, coexistindo, neste ano, dois formulários diferentes (Anexo A – DN antiga; Anexo B – DN nova). Os formulários Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Material e método 37 que vinham em uso desde 1995 foram substituídos por uma versão mais elaborada, que permanece em uso até hoje. Algumas codificações mudaram com esta substituição de formulários, tendo-se que adaptar os dados entre as duas versões das declarações sem haver, porém, perda de dados. Alguns campos novos que não existiam no formulário antigo foram introduzidos. As alterações pertinentes ao presente estudo introduzidas no novo formulário e conseqüentes adaptações necessárias para a análise em conjunto destes dois formulários estão descritas a seguir, no item “variáveis de estudo”. Os campos constantes na estrutura dos bancos de dados do SINASC e os números dos campos correspondentes nas DN antiga e nova estão listados na Tabela 4. Tabela 4 – Campos disponíveis nos bancos de dados do SINASC e sua correspondência nos formulários de declaração de nascido vivo (DN). Número do campo na DN Campo Anomalia congênita (código) Código do município de nascimento Código do município de residência da mãe Data do parto Estado civil materno Grau de Apgar no 1° minuto de vida Grau de Apgar no 5° minuto de vida Grau de escolaridade materna Gravidez única ou múltipla Idade gestacional Idade materna Local de nascimento Número da declaração de nascido vivo Número de consultas de pré-natal Peso do recém-nascido Quantidade de filhos mortos tidos anteriormente Quantidade de filhos vivos tidos anteriormente Raça ou cor do recém-nascido Sexo do recém-nascido Tipo de parto DN antiga (Anexo – A) DN nova (Anexo – B) Não havia 3 24 10 Não havia 13 34 11 23 29 16 31 13 31 Não havia 15 14 19 5 17 12 21 21 Não havia 11 17 26 25 15 6 28 33 19 19 32 30 16 27 Asfixia perinatal no Brasil – Material e método Flavio Monteiro de Souza 38 Variáveis de estudo Variável dependente • Grau de Apgar no 5° minuto de vida. Esta é a variável dependente, uma vez que representa o resultado ou desfecho estudado. O desfecho foi classificado como desfavorável quando o índice de Apgar no 5º minuto foi inferior a 7 e como favorável quando igual ou superior a 7 (APGAR, 1966). Variáveis independentes relacionadas ao feto ou ao recém-nascido • Idade gestacional. A idade gestacional em semanas é codificada nas DN em faixas. Consideraram-se as seguintes faixas de idade gestacional: de 22 a 27 semanas, de 28 a 36 semanas, de 37 a 41 semanas e igual ou superior a 42 semanas3. • Peso ao nascer. Para os recém-nascidos de baixo peso ao nascer, foram empregadas as seguintes faixas: de 500 a 999g, 1000 a 1499g, 3 A codificação deste campo mudou com a introdução da DN nova. Recodificaram-se os dados utilizando as faixas disponíveis na DN antiga por não ser possível recriar a codificação mais completa da DN nova. As faixas existentes na DN nova são: de 22 a 27 semanas, de 28 a 31 semanas, de 32 a 36 semanas, de 37 a 41 semanas, 42 semanas e mais. Asfixia perinatal no Brasil – Material e método Flavio Monteiro de Souza 39 1500 a 1999g, 2000 a 2499g. Os recém-nascidos com peso normal, de 2500 a 3999g, foram analisados em um único grupo, assim como os macrossômicos, com peso igual ou superior a 4000g (CUNNINGHAM et al., 2001d; MONTEIRO et al., 2000). • Cor. A cor do recém-nascido é uma variável introduzida na DN nova com as seguintes alternativas: branca, preta, amarela, parda e indígena. No presente trabalho, segundo Aranha (2002), optamos por empregar apenas duas categorias: branca e não branca. • Sexo. Sexo do recém-nascido (masculino ou feminino). • Presença de anomalias congênitas. O banco de dados do SINASC possui os códigos das anomalias relatadas. Os casos em que havia referência a algum código de anomalia congênita foram considerados como anomalia congênita presente e quando o campo não estava preenchido foram considerados como anomalia congênita ausente. Este campo foi introduzido na DN nova. Variáveis independentes relacionadas à mãe • Idade materna. Asfixia perinatal no Brasil – Material e método Flavio Monteiro de Souza 40 Agrupou-se a idade nas seguintes faixas: de 10 a 19 anos, de 20 a 34 anos e 35 anos ou mais (AZEVEDO et al., 2002). • Número de anos de estudo. A escolaridade ou o grau de instrução é representado pelo número de anos de estudo. Consideraram-se para análise as seguintes faixas de número de anos de estudo: nenhum, 1 a 7, 8 e mais4. • Número de consultas pré-natais. Os dados foram recodificados tendo como base a DN antiga em nenhuma, 1 a 6 consultas, 7 e mais consultas5. • Estado marital. O estado marital foi dividido em dois grupos: mulheres solteiras e mulheres que vivem ou já viveram maritalmente6. Esta variável foi estudada apenas na análise bivariada por 4 A codificação deste campo mudou e os dados foram recodificados tendo como base as faixas da DN nova. As faixas de anos de estudo de 1 a 3 anos e de 4 a 7 anos mostraram prevalência semelhante de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto e foram colocadas em um único grupo (de 1 a 7 anos). As faixas de 8 a 11 anos e 12 anos e mais também foram agrupadas (8 anos e mais). 5 A codificação deste campo mudou com a introdução da DN nova. Recodificaram-se os dados utilizando as faixas disponíveis na DN antiga por não ser possível recriar a codificação mais completa da DN nova. As faixas existentes na DN nova são: nenhuma, de 1 a 3, de 4 a 6, 7 e mais. 6 O campo “estado civil” existe apenas na DN nova. Agruparam-se os dados referentes às mulheres casadas, que vivem em união consensual, separadas e viúvas como “vive ou já viveu maritalmente” por apresentarem prevalência semelhante de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto em avaliação preliminar dos dados. Asfixia perinatal no Brasil – Material e método Flavio Monteiro de Souza 41 haver grande proporção de dados perdidos (mais de 35% de campos não preenchidos ou preenchidos como “ignorado”). • Quantidade de filhos vivos tidos anteriormente. Número de filhos vivos, excluída a gestação atual. • Filhos mortos tidos anteriormente. Presença de natimortos, excluída a gestação atual. O resultado foi dicotomizado (“sim” ou “não”) em função do pequeno número de casos com mais de um natimorto em gestações anteriores. Variáveis independentes relacionadas à gravidez e ao parto • Gravidez única ou gemelar. Foram consideradas como gestações gemelares as com dois ou mais fetos. • Via do parto. Ocorrência do parto por via vaginal ou por cesariana. • Local de nascimento. Local onde ocorreu o parto, estratificado em: hospital, outros estabelecimentos de saúde e domicílio. • Unidade da federação. Asfixia perinatal no Brasil – Material e método Flavio Monteiro de Souza 42 Unidade da federação de residência da mãe. • Região. Região do Brasil de residência da mãe. Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas Analisou-se a relação entre o Índice de Desenvolvimento Humano em cada estado (consolidação dos índices municipais de desenvolvimento humano – IDH-M) com a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto. Os valores do IDH-M foram obtidos através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2002a - Anexo C). Critérios de exclusão Do banco de dados que elaboramos para a análise estatística, foram excluídos os registros referentes aos seguintes casos: • Grau de Apgar no 5° minuto não preenchido. • Grau de Apgar igual a 0 no 5° minuto de vida quando associado a grau de Apgar igual a 0 no 1° minuto. • Idade gestacional inferior a 22 semanas. • Peso fetal inferior a 500g ou peso fetal não preenchido. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Material e método 43 Depois de aplicados estes critérios de exclusão, foram selecionados para estudo 2.808.341 registros. Além destas exclusões gerais, em cada tabela foram excluídos os casos em que a variável estudada não estivesse preenchida ou estivesse preenchida como “ignorado”. Como conseqüência, há totais menores para distribuições de algumas variáveis. Análise estatística Inicialmente avaliou-se a freqüência de cada uma das variáveis e seu nível de não preenchimento. A seguir, foram elaboradas tabelas de distribuição de cada fator de risco em relação ao desfecho adverso (grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 – análise bivariada). Os grupos foram comparados através do teste do qui-quadrado (X²) de Pearson, considerando-se como significativo o valor de p<0,05. Calcularam-se os riscos relativos (RR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC) para 95%. Na investigação da relação entre o desfecho desfavorável (grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto) e as demais variáveis, realizou-se análise multivariada de regressão logística. Permaneceram no modelo final os fatores com nível de significância superior a 95%. Na análise multivariada foram estudadas todas as variáveis disponíveis no banco de dados referentes à DN nova, à exceção do estado marital, por apresentar perda superior a 35%: índice de Apgar no 5° minuto (variável de desfecho); idade gestacional; peso ao nascimento; cor do recémnascido; sexo do recém-nascido; presença de anomalias congênitas; idade materna; número de anos de estudo; número de consultas pré-natais; nú- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Material e método 44 mero de filhos vivos; filhos mortos anteriores; gravidez única ou gemelar; via do parto; local de nascimento; região do país. Na comparação entre o índice de desenvolvimento humano e a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto nas unidades da federação, efetuou-se análise de regressão linear simples. Utilizou-se o programa Epi Info versão 2002 para a criação do banco de dados de estudo e análise bivariada. Efetuou-se a análise multivariada e a regressão linear simples com o programa Statistical Analysis System (SAS) versão 8. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 45 Resultados Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 46 Características da população e dos dados No ano de 1999 foram registradas 3.256.443 declarações de nascidos vivos no Brasil. A Tabela 5 demonstra a distribuição dos nascimentos por região e por unidade da federação. A proporção de campos não preenchidos nos formulários de nascidos vivos variou de 0% para o sexo do recém-nascido a 51,71% para o estado civil materno. A existência de dois formulários diferentes neste ano, com alguns campos diversos, influenciou esta variação. Depois de aplicados os critérios de exclusão, houve redução do número total de casos em 13,8% (Tabela 6). As Tabelas 7, 8 e 9 demonstram a distribuição de nascidos vivos segundo as principais variáveis das DN no Brasil em 1999, depois de aplicados os critérios de exclusão. A distribuição original, antes de aplicados os critérios de exclusão, encontra-se no Apêndice A. Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza Tabela 5 – Distribuição dos nascidos vivos no Brasil em 1999 por região e por unidade da federação de residência da mãe. Região / Unidade da Federação Número de nascimentos Norte 8,8 Rondônia Acre Amazonas Roraima Pará Amapá Tocantins 285.229 31.077 14.939 62.037 9.669 127.417 13.592 26.498 28,1 Maranhão Piauí Ceará Rio Grande do Norte Paraíba Pernambuco Alagoas Sergipe Bahia 915.528 96.587 49.436 143.101 57.937 54.510 164.601 65.517 41.118 242.721 41,5 Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo 1.351.192 307.751 60.800 268.213 714.428 470.326 186.675 98.854 184.797 14,4 Paraná Santa Catarina Rio Grande do Sul Nordeste Sudeste Sul Percentual 1,0 0,5 1,9 0,3 3,9 0,4 0,8 3,0 1,5 4,4 1,8 1,7 5,1 2,0 1,3 7,5 9,5 1,9 8,2 21,9 5,7 3,0 5,7 Centro-Oeste 234.158 Mato Grosso do Sul 41.859 48.933 Mato Grosso Goiás 94.017 Distrito Federal 49.349 7,2 Total do Brasil 100,0 3.256.433 1,3 1,5 2,9 1,5 47 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 48 Tabela 6 – Distribuição dos nascidos vivos segundo as principais variáveis das DN no Brasil em 1999, antes e depois de aplicados os critérios de exclusão. Antes de aplicados os critérios Depois de aplicados os critérios Variável Número Registros perdidos (%) Grau de Apgar no 5° minuto Grau de Apgar no 1° minuto Idade gestacional Peso ao nascimento Cor a Sexo Anomalias congênitas Idade materna Número de anos de estudo a Número de consultas pré-natais Estado marital a Quantidade de filhos vivos tidos anteriormente Quantidade de filhos mortos tidos anteriormente Gravidez única ou gemelar Via do parto Local de nascimento 2.842.810 2.869.777 3.228.725 3.208.817 2.336.181 3.256.433 3.256.433 3.210.368 2.301.997 3.172.417 1.572.451 12,7 11,9 0,9 1,5 28,3 0,0 1,4 29,3 2,6 51,7 2.808.341 2.765.872 2.808.341 2.082.002 2.803.208 2.808.341 2.782.520 1.877.107 2.612.010 1.084.932 0,0 1,5 0,0 25,9 0,2 0,9 33,2 7,0 61,4 2.855.159 12,3 2.517.402 10,4 2.465.305 3.245.729 3.244.940 3.256.338 24,3 0,3 0,4 0,0 2.218.070 2.800.555 2.797.402 2.805.280 21,0 0,3 0,4 0,1 Total de casos (Brasil) 3.256.433 - 2.808.341 13,8 a Número Registros perdidos (%) Estas variáveis não constavam na DN antiga. Daí o valor artificialmente alto de registros perdidos. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Tabela 7 – Distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis referentes aos recém-nascidos depois de aplicados os critérios de exclusão. Variável Número Grau de Apgar no 5° minuto <7 ≥7 Idade gestacional 22 a 27 semanas 28 a 36 semanas 37 a 41 semanas ≥42 semanas Peso ao nascimento 500-999g 1000 a 1499g 1500 a 1999g 2000 a 2499g 2500-3999g ≥4000g Cor Branca Não branca Sexo Masculino Feminino Anomalias congênitas Sim Não 2.808.341 58.961 2.749.380 2.765.872 10.036 155.811 2.381.313 218.712 2.808.341 7.747 16.771 38.991 150.412 2.433.043 161.377 2.082.002 1.198.875 883.127 2.803.208 1.439.573 1.363.635 2.808.341 5.262 2.803.079 % 2,1 97,9 0,4 5,6 86,1 7,8 0,3 0,6 1,4 5,4 86,6 5,7 57,6 42,4 51,4 48,6 0,2 99,8 49 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Tabela 8 – Distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis referentes às mães depois de aplicados os critérios de exclusão. Variável Número Idade materna 2.782.520 641.946 1.908.258 232.316 1.877.107 91.897 1.153.125 632.085 2.612.010 129.492 1.135.659 1.346.859 1.084.932 385.084 13.101 686.747 10 a 19 20 a 34 35 e mais Número de anos de estudo Nenhum 1 a 7 anos 8 e mais Número de consultas pré-natais Nenhuma 1a6 7 ou mais Estado marital Solteira Já viveu maritalmente Vive maritalmente Quantidade de filhos vivos tidos anteriormente Nenhum 1 2 Superior a 2 Filhos mortos tidos anteriormente Nenhum 1 ou mais 2.517.402 855.411 807.781 478.551 375.659 2.218.070 1.933.479 284.591 % 23,1 68,6 8,3 4,9 61,4 33,7 4,9 43,5 51,6 35,5 1,2 63,3 34,0 32,1 19,0 14,9 87,2 12,8 50 Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 51 Tabela 9 – Distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis referentes à gravidez e ao parto depois de aplicados os critérios de exclusão. Variável Número Gravidez única ou gemelar Única Gemelar Via do parto Vaginal Cesáreo Local de nascimento Hospital Outros estabelecimentos de saúde Domicílio Região Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste 2.800.555 2.750.156 50.399 2.797.402 1.699.757 1.097.645 2.805.280 2.758.705 42.942 3.633 2.808.341 254.084 656.577 1.231.248 456.026 210.406 % 98,2 1,8 60,8 39,2 98,3 1,5 0,1 9,0 23,4 43,8 16,2 7,5 A proporção de não preenchimento do campo relativo ao grau de Apgar no 5° minuto foi de 12,7% e a proporção de casos com grau de Apgar igual a 0 no 1° e no 5° minuto foi de 0,5%. A Figura 4 representa a distribuição destes casos excluídos da análise por unidade da federação. Nesta figura, os estados com pior grau de preenchimento estão coloridos em vermelho, os estados próximos à média brasileira em amarelo e os estados de melhor preenchimento em azul. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 52 Figura 4 – Distribuição da proporção de não preenchimento do grau de Apgar no 5° minuto somada à proporção de casos com grau de Apgar igual a 0 no 1° e no 5° minutos segundo as unidades da federação. O grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto Verificamos que 58.961 recém-nascidos apresentaram grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto (2,1%). A distribuição da prevalência desta variável pelos estados do Brasil variou de 1,4% (estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) a 6,2% (Estado do Piauí). A Figura 5 demonstra esta variação. Neta figura, os 10 estados com pior resultado estão Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 53 coloridos em vermelho, os 8 estados próximos à média brasileira em amarelo e os 9 estados de melhor resultado em azul. Figura 5 – Distribuição da prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto segundo as unidades da federação. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 54 Associação do grau de Apgar inferior a 7 no 5º minuto com o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano – IDH-M – regressão linear simples. Encontrou-se relação inversamente proporcional entre a prevalência do desfecho desfavorável e o índice de desenvolvimento humano por unidades da federação (Figura 6). Esta associação é expressa pelo “quadrado da correlação” (R²) que apresentou valor de 0,4266 (p<0,001)7. Este valor significa que 43% da variação observada no desfecho desfavorável é atribuível às variações entre as predições baseadas no valor do IDH-M. Em dois estados, a prevalência observada de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto mostrou-se significativamente diferente da esperada (Alagoas, prevalência observada 1,6% e esperada 3,9%, p<0,05; Piauí, prevalência observada 6,2% e esperada 3,4%, p<0,05). Em face desta discrepância, montou-se novo modelo de regressão linear simples com a exclusão destes dois estados (Figura 7), que indicou R² de 0,6582 (p<0,001)8. A modelação dos dados na regressão linear simples que melhor evidenciou esta correlação foi através da utilização do inverso da prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto, com a exclusão dos dois es- 7 O modelo matemático desta correlação é: Prevalência de Apgar <7 no 5° min.=12,858 – 14,11 x IDH-M, que corresponde à linha reta observada na Figura 6. 8 O modelo matemático desta correlação é: Prevalência de Apgar <7 no 5° min.=13,523 – 15,033 x IDH-M. Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 55 tados que mostraram a prevalência do desfecho desfavorável discrepante (Figura 8). Neste modelo encontrou-se R² de 0,7437 (p<0,001)9. 7% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 6% 5% R2 = 0,4266 4% 3% 2% 1% 0% 0,6 0,65 0,7 0,75 0,8 0,85 Índice Municipal de Desenvolvimento Humano Figura 6 – Relação entre a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto e o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano agrupado por unidade da federação (IDH-M - figura criada com dados desta pesquisa e dados externos do PNUD, 2002a). 9 O modelo matemático desta correlação é: 1/Prevalência de Apgar <7 no 5° min. = 1,5498 – 2,7364 x IDH-M. Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 56 Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 5% 4% R2 = 0,6582 3% 2% 1% 0% 0,6 0,65 0,7 0,75 0,8 0,85 Índice Municipal de Desenvolvimento Humano Figura 7 – Relação entre a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto e o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano (IDH-M) agrupado por Unidade da Federação, depois de excluídas as 2 unidades da federação com prevalências do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto discrepantes em relação ao IDH-M (Piauí e Alagoas - figura criada com dados desta pesquisa e dados externos do PNUD, 2002a). Inverso da prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 0,80 0,70 0,60 0,50 0,40 0,30 R2 = 0,7436 0,20 0,10 0,00 0,6 0,65 0,7 0,75 0,8 0,85 Índice Municipal de Desenvolvimento Humano Figura 8 – Relação entre o inverso da prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto e o Índice Municipal de Desenvolvimento Humano (IDH-M) agrupado por Unidade da Federação, depois de excluídas as 2 unidades da federação com prevalências do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto discrepantes em relação ao IDH-M (Piauí e Alagoas - figura criada com dados desta pesquisa e dados externos do PNUD, 2002a). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 57 Análise bivariada Variáveis relacionadas ao feto ou ao recém-nascido. A Tabela 10 demonstra a análise bivariada das variáveis relacionadas ao feto ou ao recém-nascido. Houve forte relação entre a prematuridade (aferida pela idade gestacional ou inferida pelo peso ao nascimento) e a ocorrência de recém-nascidos deprimidos no 5° minuto de vida. Quanto menor a idade gestacional e o peso ao nascimento, maior o risco de ocorrência do desfecho desfavorável, sendo o risco relativo (RR) de 28,56 (intervalo de confiança para 95% - IC – 27,85 – 29,28) para idades gestacionais inferiores a 28 semanas e risco relativo de 37,99 (IC 37,17 – 38,82) para pesos inferiores a 1000g. Nas gestações pós-termo e nos recém-nascidos macrossômicos, também foi observado acréscimo no risco, quando comparados com os grupos de referência (gestações a termo e peso entre 2500g e 3999g; RR 1,79, IC 1,74 – 1,84 e RR 1,34, IC 1,29 – 1,38 respectivamente). As Figuras 9 e 10 representam as relações entre a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto, a idade gestacional e o peso ao nascimento por faixas. O peso médio dos recém-nascidos na população estudada foi de 3.195g (±536g), tendo sido menor no grupo que apresentou índice de Apgar no 5° minuto inferior a 7 (2.731 ±971g – Figura 11). Os recém-nascidos de cor não branca apresentaram maior risco de asfixia perinatal em relação aos recém-nascidos de cor branca (RR 1,54, IC 1,52 – 1,57). Os do sexo masculino mostraram também maior probabilidade de asfixia que os do sexo feminino (RR 1,19, IC 1,17 – 1,21). Nos casos de anomalia congênita verificamos grande freqüência de desfecho desfavorável (RR 6,09, IC 5,67 – 6,54). As figuras 12, 13 e 14 ilustram as relações Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 58 entre a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto e a cor, o sexo e a presença de anomalias congênitas. Tabela 10 – Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise bivariada das variáveis relacionadas ao feto ou recémnascido. Apgar<7 Apgar≥7 Número (%) Número (%) Variável Idade gestacional RRa IC 95%b 22 a 27 sem. 28 a 36 sem. 37 a 41 sem. ≥42 sem 4.253 (42,4) 11.727 (7,5) 35.340 (1,5) 5.795 (2,6) 5.783 (57,6) 144.084 (92,5) 2.345.973 (98,5) 212.917 (97,4) 28,56 (27,85- 29,28) 5,07 (4,97 - 5,18) 1,00 c 1,79 (1,74 - 1,84) 500-999 g 1000-1499 g 1500-1999 g 2000-2499 g 2500-3999 g ≥4000 g 4.451 (57,5) 4.396 (26,2) 4.495 (11,5) 5.561 (3,7) 36.797 (1,5) 3.261 (2,0) 3.296 (42,5) 12.375 (73,8) 34.496 (88,5) 144.851 (96,3) 2.396.246 (98,5) 158.116 (98,0) 37,99 17,33 7,62 2,44 1,00 1,34 Cor Branca Não branca 20.168 (1,7) 1.178.707 (98,3) 22.949 (2,6) 860.178 (97,4) 1,00 c 1,54 (1,52 - 1,57) Sexo Feminino Masculino 26.054 (1,9) 1.337.581 (98,1) 32.647 (2,3) 1.406.926 (97,7) 1,00 c 1,19 (1,17 - 1,21) Ausentes Presentes 58.295 (2,1) 2.744.784 (97,9) 666 (12,7) 4.596 (87,3) 1,00 c 6,09 (5,67 - 6,54) Peso ao nascimento Anomalias congênitas a RR – risco relativo. Os riscos relativos em negrito correspondem a p<0,00001(X²). 95% - intervalo de confiança para 95%. c Categorias de referência para o cálculo dos riscos relativos (sem negrito). b IC (37,17(16,86(7,40 (2,38 - 38,82) 17,81) 7,85) 2,51) c (1,29 - 1,38) Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 50,0% 40,0% 42,4% 30,0% 20,0% 7,5% 10,0% 2,6% 1,5% 0,0% De 22 a 27 De 28 a 36 De 37 a 41 42 e mais Idade gestacional (semanas) Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto Figura 9 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a idade gestacional. 60,0% 57,5% 50,0% 40,0% 26,2% 30,0% 20,0% 11,5% 10,0% 3,7% 1,5% 2,0% 2500 a 3999 ≥4000 0,0% 500 a 999 1000 a 1499 1500 a 1999 2000 a 2499 Peso do recém-nascido (gramas) Figura 10 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o peso do recém-nascido. 59 Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 3300 3205 (±519) 3195 (±536) Peso médio dos RN (g) 3200 3100 3000 2900 2800 2731 (±971) 2700 2600 Apgar 5° min. <7 Apgar 5° min. ≥7 Total Figura 11 – Distribuição do peso médio dos recém-nascidos segundo os grupos de grau de Apgar. 2,6% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 3,0% 2,0% 1,7% 1,0% 0,0% Branca Não branca Cor do recém-nascido Figura 12 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a cor do recém-nascido. 60 Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 3,0% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 2,3% 1,9% 2,0% 1,0% 0,0% Feminino Masculino Sexo do recém-nascido Figura 13 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o sexo do recém-nascido. 12,7% 14,0% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 12,0% 10,0% 8,0% 6,0% 4,0% 2,1% 2,0% 0,0% Ausentes Presentes Anomalias congênitas Figura 14 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a presença de anomalias congênitas. 61 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 62 Variáveis relacionadas à mãe. A Tabela 11 resume a análise bivariada das variáveis relacionadas à mãe. Tanto as mães adolescentes quanto as mais idosas apresentaram risco maior de asfixia perinatal quando comparadas com as de idade entre 20 e 34 anos (RR 1,30, IC 1,28 – 1,33 e RR 1,21, IC 1,17 – 1,24 respectivamente, Tabela 11 e Figura 15). O menor número de anos de estudo relacionou-se com maior freqüência de asfixia, sendo o risco relativo de 2,16 (IC 2,08 – 2,25) para mães sem estudo e o risco relativo de 1,38 (IC 1,34 - 1,41) para mães com 1 a 6 anos de estudo, quando comparadas com mães que tiveram mais de 6 anos de estudo (Tabela 11 e Figura 16). O número de consultas de pré-natal também influenciou no desfecho desfavorável. Naquelas mães que não freqüentaram o pré-natal, o risco relativo mostrou-se de 2,51 (IC 2,44 – 2,59) e naquelas com 1 a 6 consultas o risco relativo foi de 1,57 (IC 1,54 – 1,60) quando comparadas com as que tiveram mais de 7 consultas (Tabela 11 e Figura 17). As mães solteiras apresentaram risco relativo de 1,20 (IC 1,17 – 1,24) para asfixia perinatal em relação às mulheres que vivem ou que já viveram maritalmente. Na Figura 18 pode-se observar que a proporção de recém-nascidos asfíxicos foi essencialmente a mesma nas mulheres separadas e viúvas (que já viveram maritalmente) e nas que são casadas ou vivem com companheiro, e que nesses dois grupos a prevalência de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto foi inferior à observada nas solteiras. Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 63 As mulheres com história prévia de 1 ou 2 filhos vivos apresentaram proteção em relação à asfixia (RR 0,81, IC 0,80 – 0,83) quando comparadas às que nunca tiveram filhos vivos. Já as que tiveram mais de dois filhos vivos anteriormente mostraram risco de asfixia discretamente superior (RR 1,06, IC 1,04 – 1,09 - Tabela 11 e Figura 19). As mães que tiveram filhos mortos anteriormente mostraram risco maior de asfixia perinatal (RR 1,18, IC 1,15 – 1,21) quando comparadas com as mães que nunca tiveram filhos mortos anteriormente (Tabela 11 e Figura 20). Tabela 11 – Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise bivariada das variáveis relacionadas à mãe. Apgar≥7 Apgar<7 Número (%) Número (%) RRa 10 a 19 anos 20 a 34 anos ≥ 35 anos 15.987 (2,5) 625.959 (97,5) 36.465 (1,9) 1.871.793 (98,1) 5.360 (2,3) 226.956 (97,7) 1,30 (1,28 - 1,33) 1,00 c 1,21 (1,17 - 1,24) Nenhum 1a7 ≥8 3.143 (3,4) 88.754 (96,6) 25.090 (2,2) 1.128.026 (97,8) 9,995 (1,6) 622.090 (98,4) 2,16 (2,08 - 2,25) 1,38 (1,34 - 1,41) 1,00 c Nenhuma 1a6 ≥7 5.104 (3,9) 124.388 (96,1) 27.923 (2,5) 1.107.736 (97,5) 21.121 (1,6) 1.325.738 (98,4) 2,51 (2,44 - 2,59) 1,57 (1,54 - 1,60) 1,00 c Solteira Viveu ou vive maritalmente 8.391 (2,2) 1,20 (1,17 - 1,24) 12.671 (1,8) 687.177 (98,2) 1,00 Nenhum 1a2 Superior a 2 19.066 (2,2) 836.345 (97,8) 23.319 (1,8) 1.263.013 (98,2) 8.895 (2,4) 366.764 (97,6) 1,00 c 0,81 (0,80 - 0,83) 1,06 (1,04 - 1,09) Nenhum Um ou mais 38.622 (2,0) 1.894.857 (98,0) 6.726 (2,4) 277.865 (97,6) 1,00 c 1,18 (1,15 - 1,21) Variável Idade materna Número de anos de estudo Número de consultas pré-natais Estado marital Número de filhos vivos Filhos mortos a RR 376.693 (97,8) – risco relativo. Os riscos relativos em negrito correspondem a p<0,00001(X²). 95% - intervalo de confiança para 95%. c Categorias de referência para o cálculo dos riscos relativos (sem negrito). b IC IC 95%b c Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 4,0% 3,6% 2,7% 2,5% 3,0% 2,2% 1,9% 1,8% 20 a 29 30 a 34 2,0% 1,0% 0,0% 10 a 14 15 a 19 35 a 39 ≥40 Idade materna (anos) Figura 15 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a idade materna. 4,0% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 3,4% 3,0% 2,2% 2,2% 2,0% 1,6% 1,0% 0,0% Nenhum De 1 a 3 De 4 a 7 8 e mais Anos de estudo Figura 16 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o número de anos de estudo materno. 64 Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 5,0% 4,0% 3,9% 3,0% 2,5% 2,0% 1,6% 1,0% 0,0% Nenhuma De 1 a 6 7 ou mais Número de consultas de pré-natal Figura 17 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o número de consultas de pré-natal. Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 2,5% 2,2% 1,8% 2,0% 1,8% 1,5% 1,0% 0,5% 0,0% Solteira Já viveu maritalmente Vive maritalmente Estado marital Figura 18 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o estado marital materno. 65 Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 3,0% 2,4% 2,2% 2,0% 1,8% 1,9% Um Dois 1,0% 0,0% Nenhum Mais de dois Filhos vivos tidos anteriormente Figura 19 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o número de filhos vivos tidos anteriormente. 2,4% 2,4% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 2,3% 2,2% 2,1% 2,0% 2,0% 1,9% 1,8% Nenhum Um ou mais Filhos mortos Figura 20 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a ocorrência de filhos mortos anteriores. 66 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 67 Variáveis relacionadas à gravidez e ao parto. A Tabela 12 sintetiza a análise bivariada das variáveis relacionadas à gravidez e ao parto. Observou-se que a gravidez gemelar implica em risco relativo de 2,94 (IC 2,84 – 3,05) para recém-nascidos deprimidos no 5° minuto. O parto por via vaginal também apresentou risco maior, na análise bivariada, em relação ao parto cesáreo (RR 1,25, IC 1,23 – 1,27). O parto em ambiente hospitalar foi o mais seguro, sendo que os nascidos em estabelecimentos de saúde não hospitalar e os nascidos nos domicílios mostraram risco relativo para asfixia de 1,93 (IC 1,84 – 2,02) e 2,41 (IC 2,09 – 2,78) respectivamente. Observaram-se diferenças significativas na prevalência de asfixia perinatal quando comparadas as regiões do Brasil. Nascer na região norte e nordeste implicou em risco relativo de asfixia perinatal de 1,82 (IC 1,77 – 1,87) e 1,91 (IC 1,87 – 1,95) respectivamente, quando estas regiões foram comparadas com a região sudeste. Nascer na região sul do país implicou em risco menor de asfixia (RR 0,89, IC 0,87 – 0,92). A região centro-oeste mostrou resultados semelhantes à região sudeste (RR 1,00). As Figuras 21, 22, 23 e 24 demonstram as relações entre a prevalência do escore de Apgar inferior a 7 no 5° minuto e o tipo de gravidez, a via do parto, o local de nascimento e as regiões geográficas do país, respectivamente. Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 68 Tabela 12 – Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise bivariada das variáveis relacionadas à gravidez e ao parto. Variável Apgar<7 Apgar≥7 Número (%) Número (%) RRa IC 95%b Gravidez Única Gemelar 55.726 (2,0) 2.694.430 (98,0) 3.002 (6,0) 47.397 (94,0) 1,00 c 2,94 (2,84 - 3,05) Via do parto Vaginal Cesáreo 38.660 (2,3) 1.661.097 (97,7) 20.001 (1,8) 1,077.644 (98,2) 1,25 (1,23 - 1,27) 1,00 c Local de nascimento Região Hospital 56.934 (2,1) 2.701.771 (97,9) Estab. saúde não hospitalar 1.712 (4,0) 41.230 (96,0) Domicílio 181 (5,0) 3.452 (95,0) 1,93 (1,84 - 2,02) 2,41 (2,09 - 2,78) Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste 1,82 1,91 1,00 0,89 1,00 7.646 (3,0) 20.747 (3,2) 20.361 (1,7) 6.726 (1,5) 3.481 (1,7) 246.438 (97,0) 635.830 (96,8) 1.210.887 (98,3) 449.300 (98,5) 206.925 (98,3) 1,00 c (1,77 - 1,87) (1,87 - 1,95) c (0,87 - 0,92) (0,97 - 1,04)d a RR – risco relativo. Os riscos relativos em negrito correspondem a p<0,00001(X²). 95% - intervalo de confiança para 95%. c Categorias de referência para o cálculo dos riscos relativos (sem negrito). d p>0,05. b IC 6,0% 6,0% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 5,0% 4,0% 3,0% 2,0% 2,0% 1,0% 0,0% Única Gemelar Gravidez Figura 21 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o tipo de gravidez (única ou gemelar). Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 3,0% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 2,3% 1,8% 2,0% 1,0% 0,0% Vaginal Cesáreo Via do parto Figura 22 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a via do parto. 5,0% 5,0% Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 4,0% 4,0% 3,0% 2,1% 2,0% 1,0% 0,0% Hospital Estab. saúde não hospitalar Domicílio Local do nascimento Figura 23 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo o local de nascimento. 69 Asfixia perinatal no Brasil – Resultados Flavio Monteiro de Souza 70 Prevalência do grau de Apgar <7 no 5° minuto 4,0% 3,2% 3,0% 3,0% 2,0% 1,7% 1,7% Sudeste Centrooeste 1,5% 1,0% 0,0% Nordeste Norte Sul Região Figura 24 - Distribuição da prevalência do grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 segundo a região geográfica do país. Análise multivariada A Tabela 13 apresenta a síntese da análise multivariada efetuada com todas as variáveis de estudo em conjunto, como medida de controle dos fatores de confusão. Nesta análise foram considerados os 1.164.226 casos em que os todos campos referentes a todas as variáveis estivessem preenchidos. Desta forma, foram excluídos os casos em que qualquer campo estivesse em branco ou registrado como “ignorado”. O poder de predição do modelo, expresso pelo número de observações corretamente classificadas, foi de 69,7%. Observa-se, de uma maneira geral, que as razões de chances (odds ratio – OR) para os fatores de risco da asfixia perinatal se aproximam dos riscos relativos encontrados na análise bivariada. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 71 Alguns fatores, no entanto, mostraram valores das razões de chances significativamente diferentes dos valores dos riscos relativos observados na análise bivariada, após o controle das variáveis de confusão. Salientam-se as inversões dos riscos ocorridas em relação ao número de filhos vivos superior a 2 (OR 0,84, IC 0,80 – 0,88) e à via do parto vaginal (OR 0,92, IC 0,90 – 0,95), que passaram a representar fatores de proteção contra a asfixia, ao contrário de fatores de risco, como a análise bivariada havia sugerido. O maior risco relativo de asfixia encontrado na gravidez gemelar deixou de existir (OR 0,95, IC 0,88 – 1,02). Houve também reduções importantes dos riscos de asfixia em relação à idade gestacional (OR 5,10, IC 4,59 – 5,67 para a faixa entre 22 e 27 semanas e OR 1,98, IC 1,89 – 2,08 para a faixa de 28 a 36 semanas) e à idade materna entre 10 e 19 anos (OR 1,05, IC 1,01 – 1,08). Tabela 13 – Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise multivariada. Variável Idade gestacional ORa IC 95%b 22 a 27 sem. 28 a 36 sem. 37 a 41 sem. ≥42 sem. 5,10 1,98 1,00 1,22 500-999 g 1000-1499 g 1500-1999 g 2000-2499 g 2500-3999 g ≥4000 g 33,23 13,23 5,64 2,17 1,00 1,24 Cor Branca Não branca 1,00 1,11 c Sexo Feminino Masculino 1,00 1,24 c Ausentes Presentes 1,00 5,44 c 10 a 19 anos 20 a 34 anos 35 anos e mais 1,05 1,00 1,12 Peso ao nascimento Anomalias congênitas Idade materna (4,59 - 5,67) (1,89 - 2,08) c (1,15 - 1,30) (29,93 (12,29 (5,29 (2,06 - 36,90) 14,24) 6,02) 2,28) c (1,16 - 1,32) (1,08 - 1,15) (1,21 - 1,28) (4,88 - 6,06) (1,01 - 1,08) c (1,06 - 1,18) Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Resultados 72 Tabela 13 – Fatores associados ao grau de Apgar no 5° minuto inferior a 7 no Brasil – Análise multivariada (continuação). Variável Número de anos de estudo Número de consultas pré-natais Número de filhos vivos Filhos mortos Gravidez Via do parto Local de nascimento Região ORa IC 95%b Nenhum 1 a 7 anos ≥ 8 anos 1,54 1,25 1,00 Nenhuma 1a6 ≥7 1,37 1,32 1,00 Nenhum 1a2 Superior a 2 1,00 0,83 0,84 c Nenhum Um ou mais 1,00 1,13 c Única Gemelar 1,00 0,95 c Vaginal Cesáreo 0,92 1,00 Hospital Estab. saúde não hospitalar Domicílio 1,00 1,34 1,71 (1,03 - 1,75) (1,54 - 1,89) Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste 1,47 1,67 1,00 0,90 1,00 (1,39 - 1,56) (1,61 - 1,73) (1,44 - 1,64) (1,21 - 1,29) c (1,29 - 1,45) (1,28 - 1,37) c (0,80 - 0,85) (0,80 - 0,88) (1,09 - 1,18) (0,88 - 1,02)d (0,90 - 0,95) c c c (0,86 - 0,94) (0,92 - 1,08)d Número de casos analisados: 1.164.226. 69,7% das observações corretamente classificadas pelo modelo. aOR – odds ratio (razão de chances). As razões de chances em negrito correspondem a p<0,05. bIC 95% - intervalo de confiança para 95%. c Categorias de referência para o cálculo das razões de chances (sem negrito). d p>0,05. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 73 Comentários Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 74 Considerações acerca do método e da qualidade das informações O presente estudo pode ser caracterizado como de corte transversal ou seccional. Estudos desta natureza constituem investigações que pretendem produzir “instantâneos” da situação de saúde de uma população ou comunidade, com base na avaliação individual do estado de saúde de cada um dos membros do grupo, com a subseqüente produção de indicadores globais de saúde para a população investigada. Nestes estudos, o efeito e o fator que o provoca são observados num mesmo momento histórico, ou seja, os dados são colhidos todos em um mesmo momento. Este desenho de pesquisa tem sido o mais empregado na prática de investigação da saúde coletiva atualmente. Utilizam, em geral, amostras da população, devido às dificuldades para a realização de investigações que incluam a totalidade dos membros de um determinado grupo (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 1999). Este não é o caso da presente pesquisa, já que foram avaliadas todas Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 75 as declarações de nascidos vivos (DN) de 1999 constituindo, portanto, um estudo populacional. O estudo de corte transversal é efetuado com uma população definida e os participantes não são selecionados com base em seu estado de exposição a algum fator associado (estudo de coorte) ou em seu estado de saúde ou doença (estudo de caso-controle). Segundo Sackett (1979) este tipo de estudo está sujeito à influência de alguns vieses: • O fator de risco eventualmente pode ser também um fator de prognóstico, mudando a duração da doença. Nestes casos os estudos são menos eficazes. • Pode ser difícil identificar a seqüência temporal de causaefeito. • Lapsos de memória de quem presta a informação em ocorrências antigas podem configurar o viés de informação. • Viés de seleção pode influir na detecção de fatores de risco ou do desfecho. Na nossa pesquisa, não conseguimos identificar claramente nenhuma destas causas de tendenciosidade. Os fatores de risco estudados não são fatores de prognóstico para o desfecho desfavorável, a variável de desfecho e as variáveis de estudo são bem definidas temporalmente e as informações são colhidas de um estado atual da gestante, sendo improvável que o prestador das informações não se lembre, por exemplo, da idade, escolaridade ou estado marital. O viés de seleção também não foi identificado Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 76 uma vez que trabalhamos com a população, não sendo realizada a amostragem. O modelo de regressão logística utilizado na análise multivariada, descreve a relação existente entre uma variável de resposta binária (codificada em “sim” ou “não”) e um conjunto de variáveis explicativas. No nosso caso, ele permitiu aferir, através das razões de chance (odds ratio – OR), os efeitos de cada uma das variáveis consideradas na explicação da asfixia perinatal. Permitiu também observar os efeitos de algumas interações entre as variáveis, pela comparação com os resultados da análise bivariada. Na análise de regressão logística, o poder de predição do modelo foi de 69,7% (observações corretamente classificadas), ou seja, com as informações dos fatores associados ao grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto é possível prever-se o desfecho do recém-nascido (Apgar <7 ou ≥7) em cerca de 70% das vezes. Esta pesquisa utilizou dados secundários, obtidos através das DN digitadas nos bancos de dados do Sistema de Nascidos Vivos (SINASC). Das 3.256.433 DN originalmente constantes nos bancos de dados da FUNASA no período de estudo, 1.164.226 (37,8%) puderam ser avaliadas através da análise multivariada. Esta redução no número total de casos ocorreu por haver muitos registros que se enquadravam em algum critério de exclusão. O principal fator implicado nesta redução de casos foi o não preenchimento de todos os campos das DN considerados para a presente pesquisa, já que, no nosso modelo, a análise multivariada só é válida quando todos os registros referentes a cada nascimento apresentam dados completos. As tabelas da análise bivariada apresentam número total de casos maior para cada variável analisada porque, para esse tipo de Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 77 maior para cada variável analisada porque, para esse tipo de avaliação, bastam estar completos os dados referentes às variáveis analisadas naquela tabela. A dimensão de um possível viés na presente pesquisa é difícil de estimar, sendo, porém, lícito especular sobre sua direção: se na direção da hipótese nula (ausência de associação) a tendenciosidade subestima a associação, se na direção contrária à hipótese nula a tendenciosidade superestima ou pode provocar inversão da associação. Provavelmente, a exclusão dos dados das DN incompletas estará subestimando nossos achados, diluindo o efeito das variáveis na predição da asfixia. Parece-nos mais provável que a falta de registro das variáveis esteja associada a maior proporção de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto, já que a qualidade da informação tem sido identificada como indicador indireto da qualidade da assistência. Estudando 538.945 certificados de nascimentos na Califórnia, Gould et al. (2002) concluíram que os certificados com informações incompletas (7,25% do total de certificados) eram mais comuns em mulheres com maior risco de resultados perinatais desfavoráveis, sendo um marcador para a mortalidade perinatal. Especificamente em relação à variável de desfecho (grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto), observamos que 13,2% das DN não continham este dado ou apresentavam grau de Apgar igual a 0 no 1° e no 5° minutos. A freqüência deste achado não é uniforme em todas as unidades da federação, variando de 1,1% (Rio Grande do Norte) a 95,6% (Roraima – Figura 4). Pode ter havido um erro sistemático (viés) na digitação dos dados ou na coleta da informação. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 78 A decisão de excluir do estudo os casos em que o escore de Apgar apresentava-se igual a 0 no 1° e no 5° minutos de vida foi tomada depois da análise preliminar dos dados, quando observamos que este fato ocorreu em 0,5% do total de registros. Consideramos estes registros como valores perdidos, já que a ocorrência real deste evento em recém-nascidos vivos é extremamente baixa. Provavelmente, quase todos estes casos correspondiam a escore de Apgar desconhecido, erroneamente anotado como 0, ou a natimortos que tiveram declaração de nascido vivo preenchida. Em estudo efetuado na Universidade do Tennessee, Haddad et al. (2000) relatam a ocorrência deste evento com ressuscitação exitosa em 33 casos no total de 81.603 nascimentos, o que corresponde à freqüência de 0,04%. Dentre as variáveis que existiam tanto nas DN novas quanto nas DN antigas, as com menor grau de preenchimento foram a quantidade de filhos mortos tidos anteriormente (24,3%), o grau de Apgar no 5° minuto (12,7%) e a quantidade de filhos vivos tidos anteriormente (12,3% - Tabela 6). As outras variáveis apresentaram grau de não preenchimento inferior a 2,7%. As variáveis introduzidas na DN nova apresentam grau de não preenchimento artificialmente elevado (estado marital, 51,7%; número de anos de estudo, 29,3%; cor do recém-nascido, 28,3% - Tabela 6) porque essas freqüências foram calculadas levando-se em consideração o total de registros daquele ano. Desde a implantação do SINASC, diversos estudos têm sido desenvolvidos para avaliar a qualidade das informações coletadas com as DN. Estes estudos avaliaram o sistema tanto quantitativamente (grau de cobertura) quanto qualitativamente (fidedignidade dos dados colhidos). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 79 Silva et al. (2001b) estudaram a qualidade dos dados coletados em São Luiz, Maranhão, comparando os dados das DN com os prontuários hospitalares em 1997 e 1998. Concluíram que os campos referentes ao peso do recém-nascido, sexo, local de nascimento, tipo de parto e idade materna, apresentam alta concordância com os dados hospitalares. Os campos referentes ao número de fetos, nascidos vivos, nascidos mortos e escolaridade materna tiveram concordância um pouco inferior. A idade gestacional e o número de consultas pré-natais mostraram baixa correlação. Avaliando as DN do mês de julho de 1996 em Ribeirão Preto, São Paulo, Mishima et al. (1999) observaram que a concordância das DN com os dados hospitalares foi superior a 90% em 13 das 18 variáveis investigadas. As discordâncias ocorreram principalmente nas informações sobre o número de filhos vivos, número de consultas de pré-natal, grau de instrução da mãe e nome do pai. O grau de Apgar mostrou-se concordante com os avaliados nos prontuários médicos em 92,4% das DN. As discordâncias entre os dados dos prontuários médicos e os dados coletados nas DN não são exclusividade brasileira. Comparando os certificados de nascimento com os prontuários médicos do condado de Hillsborough, na Flórida, Gore et al. (2002) encontraram discrepâncias em relatos de complicações médicas maternas, complicações do parto, condições neonatais e anomalias congênitas. Entretanto, alguns estudos realizados no Brasil ao longo da década de 1990, sugerem que a qualidade das informações parece estar melhorando com o tempo. Análise das DN em Blumenau, Santa Catarina, entre 1994 e 1997, evidenciou uma melhora progressiva no preenchimento Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 80 de todos os campos, sendo o percentual de campos ignorados inferior a 1% no ano de 1997 (SANTA HELENA; WISBECK, 1998). Na opinião de Silva et al. (1997) a qualificação do SINASC vem se dando satisfatoriamente desde a sua implantação, considerando a tendência de melhoria na qualidade das informações. Ainda segundo estes autores, a boa qualidade do sistema é provavelmente influenciada pelo fato do documento ter a finalidade de registrar um nascimento, em oposição à má qualidade do Sistema de Informações de Óbitos. No presente trabalho, consideramos como um dos aspectos mais consistentes o grande número de casos estudados, interessando à totalidade dos nascimentos em 1999. Por outro lado, uma limitação é a possível discordância de variáveis em alguns registros assim como os não preenchidos em algumas DN. As falhas de preenchimento e/ou possíveis discordâncias entre os dados constantes no banco de dados do SINASC e as reais características dos casos configuram limitação que, no nosso entender, é minimizada pelo elevado número de casos estudados. Asfixia perinatal no Brasil – Comentários Flavio Monteiro de Souza 81 Discussão dos resultados História da gestação atual e história pregressa: idade gestacional e peso ao nascer, anomalias congênitas, sexo do recém-nascido, gemelidade, via do parto, idade materna, filhos tidos. A prematuridade (idade gestacional inferior a 37 semanas) é uma condição que traz resultados deletérios para o recém-nascido, contribuindo sobremaneira nas taxas de morbidade e mortalidade neonatais. As freqüentes imprecisões na avaliação da idade gestacional fizeram com que se utilizasse o peso do concepto inferior a 2500g como indicativo de prematuridade. Embora um sinal indireto, tem sido utilizado em estudos clínicos e epidemiológicos por ser objetivamente mensurável. Este ponto de corte ainda mantém razoável valor preditivo, tanto para a morbidade quanto para a mortalidade. Quando se emprega o critério ponderal, o termo mais adequado para classificar essas crianças é “recém-nascidos de baixo peso” (ALMEIDA, 2001). A prematuridade pode ser espontânea, geralmente secundária ao trabalho de parto prematuro ou à rotura prematura das membranas ovulares. Pode ser também iatrogênica, quando a interrupção da gravidez dá-se por indicação médica. As causas da prematuridade espontânea são diversas, havendo freqüentemente a ação de fatores predisponentes tais como condições socioeconômicas desfavoráveis, assistência pré-natal precária e infecções geniturinárias (BERTINI et al., 2000a). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 82 Em face da sua maior fragilidade muscular e óssea, o prematuro tem maior risco de apresentar tocotraumatismos e baixos graus de Apgar em comparação com o feto a termo (SOUZA, 1992). Por sua imaturidade, é mais susceptível à hipoxia, apresentando maior tendência à asfixia em relação ao feto a termo. A prematuridade também está associada a maior freqüência de apresentações anômalas, principalmente a apresentação pélvica (SOUZA, 2000; SOUZA; TRAJANO, 2003b). Os prematuros, em conseqüência da imaturidade de vários sistemas orgânicos, têm maior chance de apresentar numerosas complicações neonatais, tais como síndrome de angústia respiratória do recém-nascido, hemorragia intraventricular, displasia broncopulmonar, persistência do canal arterial, enterocolite necrotizante, sepse, apnéia e retinopatia. Estes riscos aumentam na relação inversa à idade gestacional (IAMS, 1999). No presente trabalho, para estudarmos a prematuridade, avaliamos o recém-nascido tanto pelo peso, que possui maior precisão de observação e de anotação na DN segundo diversos autores (MELLO JORGE et al., 1996; MISHIMA et al., 1999; SILVA et al., 2001b; SILVA et al., 1997), quanto pela idade gestacional, que é o parâmetro preconizado pela Organização Mundial de Saúde (BERTINI et al., 2000a). Para a análise, dividimos os recém-nascidos de baixo peso em faixas de 500g (LANSKY et al., 2002; MONTEIRO et al., 2000). Os recém-nascidos macrossômicos (peso ≥4000g) foram agrupados e a categoria de referência para o cálculo dos riscos relativos foi a dos pesos situados entre 2500 e 3999g (CUNNINGHAM et al., 2001b). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 83 A prevalência de recém-nascidos de baixo peso no nosso grupo de estudo mostrou-se de 7,6% e a de prematuros, considerando-se a idade gestacional relatada, de 5,9% (Tabela 7). Na análise bivariada, observamos risco relativo do índice de Apgar inferior a 7 no 5° minuto maior para os recém-nascidos prematuros e de baixo peso, e este risco é tanto maior quanto menor a idade gestacional, atingindo o valor de 28,56 (IC 27,85 – 29,28) para idade gestacional entre 22 e 27 semanas, e de 37,99 (IC 37,17 – 38,82) para pesos inferiores a 1000g (Tabela 10). O risco se reduz à medida que o peso e a idade gestacional aumentam, mas mesmo os recém-nascidos com pesos próximos do limite superior da definição de baixo peso (entre 2000 e 2499g) apresentam risco maior de baixos graus de Apgar (RR 2,44, IC 2,38 – 2,51). Na análise multivariada, os riscos relacionados aos pesos se mantém semelhantes (OR 33,23, IC 29,93 – 36,90 para pesos entre 500 e 999g, e OR 2,17, IC 2,06 – 2,28 para pesos entre 2000 e 2499g, Tabela 13). O risco associado à idade gestacional, no entanto, sofreu uma redução importante, embora ainda tenha se mantido maior em relação à gravidez a termo (OR 5,10, IC 4,59 – 5,67 para idade gestacional entre 22 e 28 semanas, e OR 1,98, IC 1,89 – 2,08 para idades gestacionais entre 28 e 36 semanas, Tabela 13). O pareamento pelas outras variáveis, principalmente pelo peso, variável mais precisa, pode explicar esta variação. Os recém-nascidos muito prematuros apresentam imaturidade em diversos sistemas e os parâmetros de irritabilidade reflexa, tônus muscular e esforços respiratórios podem estar menos pronunciados nessas crianças quando comparadas às maduras (MARLOW, 1992). Durante a Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 84 gravidez, quanto menor a idade gestacional e o peso, maior a sensibilidade do feto a situações de hipóxia que, por sua vez, agravam o prognóstico neurológico após o nascimento (BOSE; BOSE, 1995; GAUDIER et al., 1994; SHANKARAN et al., 2002). No nosso estudo, o maior risco de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto nos prematuros parece demonstrar a associação da imaturidade do recém-nascido com a sua maior sensibilidade à hipóxia. A prematuridade não é o único motivo para o baixo peso ao nascer. O crescimento intra-uterino retardado é também importante fator de baixo peso, estando associado à insuficiência placentária e, conseqüentemente, à asfixia perinatal (GOLAN et al., 1994). A discriminação da idade gestacional na DN em faixas não permite que se associe este parâmetro ao peso para a discriminação dos conceptos pequenos para a idade gestacional, uma forma indireta de se suspeitar ter havido restrição de crescimento intra-uterino. A gestação prolongada (com idade gestacional igual ou superior a 42 semanas) é condição comum. A freqüência observada no Brasil em 1999 foi de 8,9% (Apêndice A). Esta condição se associa a comprometimento do concepto, havendo maior incidência de mortalidade perinatal, síndrome de aspiração meconial, tempo de permanência prolongado no berçário, distocia de espáduas, macrossomia fetal, indução do parto, e parto cesáreo (TRAJANO, 1988a). Os recém-nascidos com idade gestacional igual ou superior a 42 semanas apresentaram, em nosso estudo, maior risco de asfixia perinatal, tanto na análise bivariada (RR 1,79, IC 1,74 – 1,84) quanto na multivariada (OR 1,22, IC 1,15 – 1,30). Este achado pode ser explicado tanto pela insuficiência placentária quanto por complicações durante o parto, e Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 85 está de acordo com diversos autores que referem maior freqüência de asfixia perinatal e baixos índices de Apgar nessa intercorrência obstétrica (INGEMARSSON; KALLEN, 1997; TRAJANO, 1988a; VORHERR, 1975). Em estudo populacional com mais de 1 milhão de recém-nascidos na Suécia, Thorngren-Jerneck e Herbst (2001) relatam risco crescente de baixos índices de Apgar no 5° minuto à medida que a idade gestacional aumenta além de 40 semanas, atingindo OR 1,82 (IC 1,48 – 2,23) para gestações de 43 semanas. Os recém-nascidos macrossômicos também apresentaram risco maior de asfixia em relação aos de peso adequado (RR 1,34, IC 1,29 – 1,38 na análise bivariada e OR 1,24, IC 1,16 – 1,32 na análise multivariada). Nossos resultados são concordantes com os de Thorngren-Jerneck e Herbst (2001) que relatam risco crescente de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto a partir de 4000g (OR 1,68, IC 1,50 – 1,88) até pesos superiores a 5500g (OR 7,39, IC 1,35 – 40,5), quando comparados com recém-nascidos de peso em torno de 3500g. Os fatores que favorecem a ocorrência de fetos macrossômicos são: diabete melito materna, pais com índice de massa corporal maior que 30, multiparidade, gravidez prolongada, idade materna avançada, sexo masculino, gravidez prévia com feto pesando mais de 4000g e fatores étnicos (JOHNSON et al., 1992; SPELLACY et al., 1985; TRAJANO, 1988a). O crescimento fetal excessivo resultando em macrossomia foi, durante muito tempo, considerado causa importante de morbidade e mortalidade perinatais, principalmente na gravidez complicada por diabete (CHERVENAK; GABBE, 1999). No parto, o feto macrossômico é mais propenso a sofrer dis- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 86 tocia de espáduas, traumatismo e asfixia (SOUZA; TRAJANO, 2003a). O feto macrossômico é, portanto, mais predisposto a resultado perinatal adverso, o que justifica nossos achados. Observou-se relação fortemente positiva entre a presença de anomalias congênitas e o desfecho desfavorável na análise bivariada (RR 6,09, IC 5,67 – 6,54, Tabela 10), fato que se repete na análise multivariada (RR 5,44, IC 4,88 – 6,06, Tabela 13). A intensidade do risco observado sugere que a anomalia congênita aumenta o risco na forma favorecedora, onde há clara conexão entre o fator e o dano, ainda que o fator não seja a causa direta, ou na forma causal, desencadeando o processo mórbido. O campo referente à anotação das anomalias congênitas não existia na DN antiga e, portanto, o número total de casos é, certamente, maior que o registrado pela nossa pesquisa. Devemos considerar também que pôde ter havido subnotificação de anomalias congênitas, em especial aquelas que, por serem menos evidenciadas clinicamente, podem não ter sido detectadas. Foram registrados 5.677 casos de anomalias congênitas nos registros do SINASC, correspondendo a 0,2% dos nascimentos (Apêndice A). O número de casos estudados, depois de aplicados os critérios de exclusão, foi de 5.262, correspondendo à mesma proporção (0,2%, Tabela 7). A soma das incidências relatadas na literatura de apenas três das anomalias mais comuns, os defeitos de fechamento do tubo neural (0,14 a 0,20%, CUNNINGHAM et al., 2001e), a hipoplasia pulmonar (0,11 a 0,14%, MOESSINGER et al., 1989) e os defeitos cardíacos (0,70%, BURN; GOODSHIP, 1996) é nitidamente superior à prevalência relatada de anomalias congênitas em nosso estudo. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 87 A ausência do campo “detectada alguma malformação congênita e/ou anomalia cromossomial” na DN antiga (campo número 34 da DN nova, Anexo B) e a subnotificação reduzem a intensidade do risco observado, subestimando o impacto da observação, já que alguns recém-nascidos com anomalias congênitas não foram classificados como tal. Estes recémnascidos provavelmente tiveram maior freqüência de baixo escore de Apgar no 5° minuto que os recém-nascidos normais, como podemos deduzir da associação encontrada entre esta variável e o desfecho desfavorável. Outra consideração importante na análise destes resultados é que as anomalias relatadas provavelmente se referiam a anomalias estruturais grosseiras facilmente identificáveis ao nascimento, e não a alterações cromossomiais que poderiam causar alterações fenotípicas mais discretas, o que certamente aumentaria ainda mais o número de observações. A maior parte dos valores anormais do escore de Apgar associados a anomalias congênitas é facilmente explicável. Por exemplo, deformidades do sistema nervoso central (anencefalia, microcefalia, encefalocele, etc.) interferem no controle da respiração e de outras funções vitais. Hipoplasia e outras alterações pulmonares interferem com a troca de gases levando à asfixia neonatal. Anomalias cardíacas, por influírem na circulação sangüínea, podem levar à redução do fluxo sangüíneo cerebral (NAEYE, 1979). O número de embriões masculinos é maior que o de embriões femininos após a concepção (MUNNE et al., 1993). Durante a gestação, a perda de fetos do sexo masculino, seja por abortamentos espontâneos ou por morte fetal, mostra-se maior (JAKOBOVITS, 1991). A mortalidade peri- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 88 natal é também superior nos fetos do sexo masculino, e estes nascem com idades gestacionais menores em relação aos do sexo feminino (HALL; CARRHILL, 1982). Saliba et al. (2001) relatam risco relativo de 1,8 para convulsões neonatais em recém-nascidos de baixo peso do sexo masculino quando comparados com os do sexo feminino. Lieberman et al. (1997) observaram que a taxa de cesarianas por sofrimento fetal entre os conceptos do sexo masculino é 2,2 vezes superior em relação aos de sexo feminino, mesmo após o controle por fatores de confusão, incluindo o peso ao nascimento, a idade gestacional e a circunferência cefálica. Verificaram também que os fetos masculinos nascidos pela via alta indicada por sofrimento fetal, mostraram risco mais de três vezes superior de apresentarem grau de Apgar igual ou inferior a 7 no 1° e 5° minutos. Estes resultados sugerem maior vulnerabilidade dos fetos masculinos durante a gestação e o parto. Na presente pesquisa, a freqüência de recém-nascidos do sexo masculino no grupo de estudo foi de 51,3% e do sexo feminino de 48,6% (Tabela 7). O risco de asfixia perinatal nos fetos do sexo masculino mostrouse superior aos do sexo feminino tanto na análise bivariada (RR 1,19, IC 1,17 a 1,21 – Tabela 10) quanto na análise multivariada (OR 1,24, IC 1,21 a 1,28 – Tabela 13). Nossos achados são semelhantes aos de Bekedam et al. (2002) que, analisando mais de 400.000 nascimentos na Holanda no período de 5 anos, relatam OR de 1,27 (IC 1,20 – 1,34) para baixos índices de Apgar no 5° minuto entre os fetos de sexo masculino após ajuste para o peso fetal e a idade gestacional no momento do parto. Encontraram também risco maior de morte perinatal (OR 1,27, IC 1,20 – 1,34) e de sofrimento fetal durante o trabalho de parto (OR 1,48, IC 1,44 – 1,51) nos conceptos masculinos. Em recente estudo populacional sobre fatores de risco para Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 89 baixo índice de Apgar no 5° minuto, com análise de 1.028.705 nascimentos na Suécia, Thorngren-Jerneck e Herbst (2001) observaram que as meninas apresentam menor freqüência de depressão ao 5° minuto avaliada pelo índice de Apgar em relação aos meninos (OR 0,78, IC 0,74 – 0,81). O mecanismo biológico responsável pela maior freqüência de sofrimento fetal e asfixia perinatal nos conceptos do sexo masculino não é claro. A insuficiência placentária severa é mais comum nos conceptos de sexo masculino (EDWARDS et al., 2000). A insuficiência placentária pode ser a explicação para a maior perda fetal e a maior freqüência de asfixia nos conceptos masculinos. Parece haver diferenças no metabolismo energético e na taxa de crescimento pela influência do cromossoma Y, já que a taxa de crescimento dos blastocistos e embriões é maior nos conceptos XY que nos XX (CLARKE; MITTWOCH, 1995). Ao mesmo tempo, há argumentos que sugerem relação inversa entre a expectativa de vida e a taxa metabólica (LYNN; WALLWORK, 1992). Portanto, a taxa metabólica elevada poderia aumentar a vulnerabilidade do feto masculino durante estágios críticos do desenvolvimento (BEKEDAM et al., 2002). A maior freqüência de depressão neonatal nos recém-nascidos do sexo masculino pode ser também resultado de diferenças no desenvolvimento dos fetos masculinos e femininos. Pesquisas em animais sugerem que o desenvolvimento do sistema neurossimpático pulmonar e adrenal ocorre mais cedo no sexo feminino (PADBURY et al., 1981; PADBURY et al., 1983). Na espécie humana, observou-se que os fetos prematuros do sexo feminino produzem, em resposta à asfixia, maior quantidade de catecolaminas que os do sexo masculino e que o aumento dos níveis de catecolaminas Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 90 pode melhorar a resposta fetal aos efeitos da hipóxia (GREENOUGH et al., 1987; LAGERCRANTZ; SLOTKIN, 1986; NYLUND et al., 1987). Além disso, Lagercrantz (1982) observou, entre recém-nascidos com acidose moderada (pH umbilical médio de 7,16), que aqueles que apresentavam índices de Apgar inferior a 7 tinham menores níveis séricos de catecolaminas ao nascer em comparação com os que apresentavam índices de Apgar igual ou superior a 7. Portanto, estas diferenças na secreção de catecolaminas podem estar relacionadas às diferenças que encontramos na freqüência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto entre os recém-nascidos masculinos e femininos. A gravidez gemelar implica em resultado gestacional menos favorável tanto à mãe quanto ao concepto. As repercussões maternas mais relevantes dizem respeito à maior freqüência de anemia, diabete melito e hipertensão arterial. O resultado perinatal é caracterizado por maior coeficiente de mortalidade perinatal, maior freqüência de índice de Apgar baixo, de asfixia perinatal, de anomalias congênitas, de tocotraumatismos e de prematuridade. Os gêmeos, em geral, apresentam baixo peso e o segundo gemelar tem prognóstico mais adverso que o primeiro gemelar (TRAJANO, 1988b). Em nosso estudo, foram avaliados 50.399 gemelares (Tabela 9). Observamos risco de asfixia quase 3 vezes superior na gestação gemelar em comparação com a gravidez única na análise bivariada (RR 2,94, IC 2,84 – 3,05, Tabela 12). Entretanto, na análise multivariada este risco não se confirmou (OR 0,95, IC 0,88 – 1,02, Tabela 13). Estes resultados sugerem que a gemelaridade, por si só, não implica em maior risco de asfixia para o con- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 91 cepto. Este risco aumentado parece estar relacionado à presença de outras condições adversas associadas à gemelidade. Quando a análise foi controlada para fatores como a idade gestacional, o peso do recém-nascido, as variáveis socioeconômicas, a idade e paridade maternas, a via do parto e a presença de anomalias congênitas, o risco de asfixia na gestação gemelar se igualou ao da gestação única. É provável que os fatores que mais tenham influenciado nesta diferença sejam o peso do recém-nascido, a idade gestacional e a presença de anomalias congênitas, pois estas condições são as que mais contribuem para a morbidade e mortalidade dos gemelares (TRAJANO, 1988b). A redução na taxa de asfixia perinatal na gravidez gemelar quando há controle pelo peso do recém-nascido também foi observada por Thorngren-Jerneck e Herbst (2001). Estudando 12.866 gemelares a termo, encontraram razão de chances de grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto de 4,14 para o segundo gemelar e de 2,40 para o primeiro. Após padronização pelo peso, este risco reduziu-se para 2,41 e 1,62 respectivamente. Ao contrário do observado em nosso estudo, o risco continuou maior para a gravidez gemelar após a padronização. Uma possível explicação para esta diferença é que aqueles autores não controlaram a análise para outros fatores de risco que poderiam estar também influenciando no resultado perinatal. Por outro lado, a redução do risco que observamos poderia ser secundária à assistência prestada à gestação gemelar. É provável que as gestações gemelares, quando diagnosticadas durante o pré-natal, tenham Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 92 um acompanhamento do parto mais cuidadoso, por profissional de melhor padrão técnico, enquanto a assistência ao parto nas gestações únicas seja prestada, em especial nas populações carentes, por pessoas menos hábeis10. Em nosso estudo não foi possível avaliar as diferenças entre os resultados do primeiro e dos gemelares subseqüentes, já que a DN não contém campo que indique a ordem de nascimento. O parto por via vaginal mostrou-se fator de risco para a asfixia perinatal na análise bivariada (RR 1,25, IC 1,23 – 1,27, Tabela 12). Na análise multivariada este risco não só se reduziu, mas se inverteu, identificando o parto vaginal como fator de proteção contra a asfixia (OR 0,92, IC 0,90 – 0,95, Tabela 13). Acreditamos que esta inversão do risco pode ser explicada quando levamos em conta a freqüência da operação cesariana no Brasil, as indicações para o procedimento, as características sociais, econômicas e culturais da gestante e as características do feto. Em países reconhecidos pela boa qualidade da assistência médica, a freqüência de cesariana, tanto na clientela pública quanto na privada, não ultrapassa 25%. Nos Estados Unidos, nos últimos 10 anos, a taxa tem variado entre 20 e 23%. Na Europa, a taxa é significativamente menor e raramente ultrapassa 15%. No Brasil, que convive com elevado número de cesarianas, esta taxa é absurdamente elevada em alguns hospitais priva- 10 Em São Luís do Maranhão, quase 27% dos partos hospitalares não são realizados por médico (SILVA et al., 2001a) e em Pelotas, no Rio Grande do Sul, esta proporção é de 12% (COSTA et al., 1996). Na região norte 18,1% dos partos em 1996 ocorreram fora do ambiente hospitalar e na região nordeste esta taxa foi de 16,6% (ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE DA MULHER DO MS, 2001). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 93 dos, chegando a 90%, valores sem paralelo nos países que apresentam os melhores indicadores de qualidade de assistência obstétrica tais como a morbi-mortalidade materna e perinatal (TRAJANO; SOUZA, 2003). A incidência de cesariana no Brasil em 1999, segundo os registros do SINASC, observada no presente estudo, foi de 37% (Anexo C) e a taxa de cesariana apresentada ao SUS em 1999 foi de 25% (ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE DA MULHER DO MS, 2001). Esta diferença de 12% a mais na taxa de cesariana de todo o país em relação às pacientes atendidas pelo SUS provavelmente deve-se à elevada freqüência de procedimentos executados em hospitais privados e conveniados com operadoras de saúde, que atendem clientela com padrão econômico diferenciado. Este fato provavelmente resultou em grande número de cesarianas efetuadas em mulheres de menor risco para a asfixia perinatal e também em grande número de procedimentos desnecessários, distorcendo a observação dos riscos. Costa et al. (1996), estudando a assistência médica maternoinfantil em Pelotas, RS, observaram que os cuidados menos adequados de assistência ao parto são dedicados às mães pobres e de alto risco gestacional. Ainda segundo estes autores, mulheres de baixo risco gestacional apresentam maior probabilidade de serem submetidas a cesariana do que gestantes de alto risco (como as com baixa estatura, com perdas reprodutivas prévias ou apresentando intercorrências clínicas). Quando a renda familiar mostrou-se superior a 10 salários mínimos, a freqüência de cesariana foi de 50%. Estes dados se repetem em outras regiões do Brasil. Na região Nordeste, cesarianas são realizadas em cerca de 9% das gestantes com renda inferior a 1 salário mínimo e em 39% daquelas com renda superior a 4 salários mínimos (BARROS et al., 1995). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 94 Campos e Carvalho (2000), estudando a assistência ao parto no município do Rio de Janeiro através de dados do SINASC de 1995 e da pesquisa sobre assistência médico-sanitária do IBGE e do ministério da saúde, identificaram dois grupos de maternidades. O primeiro, onde as parturientes e recém-nascidos apresentavam boas condições, apresentou freqüência de 81,5% de cesarianas. No segundo grupo, onde houve menor proporção de cesarianas (32,2%), era maior a freqüência de indicadores que apontavam maiores riscos para o concepto, tais como baixo peso, prematuridade, baixa escolaridade materna e maior proporção de mães adolescentes. Oliveira e Silva e Pessôa da Silva (informação verbal)11, estudando mais de 6300 partos no Hospital Pró-Matre no Rio de Janeiro, observaram redução da taxa de cesariana de 30,6% para 19,9% do ano de 2001 para o ano de 2002. Neste período foram implementadas atividades diferenciadas de atenção à gestante e assistência ao parto. A freqüência de asfixia perinatal aferida pelo escore de Apgar inferior a 7 no 5° minuto, concomitantemente, reduziu-se de 1,4% para 0,8% (p<0,05) demonstrando que a redução da taxa de cesariana aliada à assistência diferenciada ao parto melhorou o resultado perinatal. Na nossa análise, o parto vaginal apresentou menor risco quando controlamos as variáveis influenciadas pelas condições socioeconômicas e culturais, a idade gestacional, a idade materna e o peso do recém-nascido. Isto nos faz concluir que, na realidade, estas variáveis, associadas intima- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 95 mente com as condições de nascimento, estavam influenciando o resultado desfavorável, não sendo a via do parto a responsável pelo desfecho. A idade materna tem sido objeto de estudos que procuram determinar as dimensões do risco gestacional nos extremos da fase reprodutiva (adolescentes e idosas - AZEVEDO et al., 2002; DILDY et al., 1996; GAMA et al., 2001; GAMA et al., 2002; GILBERT et al., 1999; GOLDANI et al., 2000; OLIVEIRA, 1998). Alguns trabalhos parecem indicar que, na adolescência, existe maior probabilidade de recém-nascidos com baixo peso, parto prematuro, amniorrexe prematura, pré-eclâmpsia e diabete gestacional (AZEVEDO et al., 2002; GAMA et al., 2001). No entanto, o risco social parece ser mais importante que o risco biológico. A gravidez na adolescência parece estar associada a maior freqüência de violências e abusos, à pressão para adotar comportamentos determinados pelo seu grupo social, e a condições sociais e culturais desfavoráveis (FOSTER, Jr. et al., 1999). Grávidas adolescentes e mulheres adultas que engravidaram na adolescência apresentam pior nível de instrução, maior probabilidade de serem solteiras, usam com maior freqüência o fumo e drogas ilícitas e freqüentam menor número de consultas pré-natais (GAMA et al., 2002). Para um bom resultado perinatal, talvez mais importante que a idade materna sejam as condições de vida e saúde da gestante, principalmente a qualidade da assistência obstétrica pré-natal e durante o parto (BUKULMEZ; DEREN, 2000). 11 Dados apresentados no Fórum Materno-Infantil do CREMERJ em 11 de dezembro de 2002. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 96 Encontramos maior risco de asfixia perinatal quando a idade materna estava compreendida entre 10 e 19 anos (RR 1,30, IC 1,28 – 1,33, Tabela 11). Ao realizarmos a análise multivariada, este risco quase desapareceu (OR 1,05, IC 1,01 – 1,08, Tabela 13), demonstrando que o poder preditivo da asfixia perinatal nesta faixa etária é influenciado por outras variáveis que foram controladas na análise multivariada. De fato, o baixo peso ao nascer, a nuliparidade, o baixo grau de instrução materno e o pequeno número de consultas pré-natais estão fortemente associados à gravidez na adolescência (AZEVEDO et al., 2002; GAMA et al., 2001; NASCIMENTO; GOTLIEB, 2001). Todas estas variáveis se associaram a maior risco para asfixia perinatal em nossa pesquisa. Assim, o maior risco de asfixia perinatal na adolescência parece decorrer essencialmente de fatores sociais e de saúde associados à adolescência, e não do efeito “biológico” da idade. Estudando apenas gestações a termo na Suécia, ThorngreenJerneck e Herbst (2001j) encontraram menor risco de asfixia perinatal no grupo de idade entre 15 e 19 anos (RR 0,74, IC 0,64 – 0,86). O menor gradiente social daquele país, associado a melhores condições de assistência obstétrica e à exclusão de recém-nascidos prematuros pode ser a explicação para as diferenças entre o nosso estudo e o daqueles autores. A idade materna maior que 35 anos tem sido associada a maior risco tanto para as mães quanto para seus filhos. A ocorrência de hipertensão arterial crônica, diabete gestacional, multiparidade, placenta prévia e discinesia uterina é maior nesta faixa etária, sendo referido aumento nas taxas de mortalidade perinatal, parto prematuro, baixo peso ao nascer, cri- Asfixia perinatal no Brasil – Comentários Flavio Monteiro de Souza 97 anças pequenas para a idade gestacional e anomalias cromossomiais (DILDY et al., 1996; MAIN et al., 2000). As gestantes com idade superior a 35 anos apresentaram, em nosso trabalho, maior probabilidade de que seus filhos tivessem índice de Apgar inferior a 7 no 5° minuto tanto na análise bivariada quanto na multivariada (RR 1,21, IC 1,17 – 1,24 e OR 1,12, IC 1,06 – 1,18 respectivamente – Tabelas 11 e 13). Este fato pode ser explicado pela maior associação de intercorrências clínicas e obstétricas em mulheres mais idosas. Nossos resultados são concordantes com os de Gilbert et al. (1999) e de ThorngrenJerneck e Herbst (2001) que, em grandes estudos populacionais, relatam maior chance de asfixia perinatal nesta faixa etária materna. Quanto ao número de filhos vivos, encontramos risco menor de asfixia perinatal quando as mães haviam tido 1 ou 2 crianças anteriormente em comparação com as que não tiveram filhos vivos (RR 0,81, IC 0,80 – 0,83, Tabela 11). Nas mulheres com mais de 2 filhos, este risco mostrou-se discretamente maior (RR 1,06, IC 1,04 – 1,09, Tabela 11). Na análise multivariada observamos, no entanto, que o risco das multíparas não só desapareceu como a multiparidade passou a ser identificada como fator de proteção contra a asfixia (OR 0,84, IC 0,80 – 0,88, Tabela 13), enquanto o risco para as mulheres com 1 ou 2 filhos vivos se manteve essencialmente o mesmo (OR 0,83, IC 0,80 – 0,85, Tabela 13). Nossos achados são concordantes com os de outros estudos controlados de base populacional que demonstraram risco aumentado de asfixia em primíparas e risco reduzido em multíparas, incluindo grandes multíparas THORNGREN-JERNECK; HERBST, 2001). (GILBERT et al., 1999; Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 98 Além da primiparidade, o prolongamento do segundo período do parto também tem sido imputado como fator associado a baixos escores de Apgar (NATHOO et al., 1990). É sabido que as primíparas apresentam duração total do parto e duração do período expulsivo maior que as mulheres que já tiveram filhos também podendo padecer de distocias que se mostram menos freqüentes em quem já pariu pela via vaginal. Os partos das multíparas, por outro lado, podem cursar com alterações da dinâmica uterina, além do fato destas mulheres, pelo geral, serem mais idosas e poderem apresentar intercorrências clínicas ou obstétricas relacionadas com a idade mais avançada (REZENDE; REZENDE FILHO, 1998). Tanto a primiparidade quanto a história de mais de 2 filhos anteriores vêm sendo associadas ao baixo peso do recém-nascido (COSTA; GOTLIEB, 1998; NASCIMENTO; GOTLIEB, 2001). A multiparidade também pode estar associada à pior qualidade da assistência pré-natal. Em análise multivariada de 702 gestações em Caxias do Sul, RS, Trevisan et al. (2002) observaram que quanto maior o número de filhos, mais tardiamente iniciou-se o pré-natal e menor foi o número de consultas. A inversão do risco observada na análise multivariada em relação às multíparas demonstra que não é a multiparidade, em si, o fator responsável pela maior freqüência de asfixia perinatal. Provavelmente os fatores associados à multiparidade, tais como idade avançada, pior assistência prénatal e baixo peso ao nascer, são os principais responsáveis pela maior freqüência de resultados desfavoráveis. Quando controlados, fazem com que a multiparidade se evidencie como fator de proteção contra a asfixia. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 99 O antecedente de uma perda fetal ou neonatal pode configurar um evento isolado ou associado a alguma complicação orgânica, mas a gestação seguinte envolve, certamente, aspectos emocionais que podem elevar o risco gestacional. Quando ocorrem duas ou mais perdas gestacionais, a chance de estar havendo associação com algum distúrbio clínico ou obstétrico é maior. Em sua etiologia destacam-se, entre outras, diabete mal controlado, isoimunização pelo fator Rh, hipertensão arterial crônica, préeclâmpsia, cardiopatias, nefropatias e doenças infecciosas (BRUNO, 2000). Além disso, as gestantes sem assistência pré-natal ou com assistência inadequada exibem maior probabilidade de natimortalidade (TREVISAN et al., 2002). No nosso trabalho, tanto a análise bivariada quanto a multivariada exibiram maior risco de asfixia perinatal para os conceptos de mães com história de natimortos anteriores (RR 1,18, IC 1,15 – 1,21 e OR 1,13, IC 1,09 – 1,18 respectivamente, Tabelas 11 e 13). Estas crianças possivelmente estão expostas a fatores clínicos e obstétricos desfavoráveis, o que explica a maior freqüência de asfixia, apesar da proteção relativa conferida pela paridade materna. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 100 As desigualdades de saúde no Brasil: índice de desenvolvimento humano por estados, região de nascimento, escolaridade, cor, local de nascimento, número de consultas pré-natais, estado marital. A questão das relações entre as desigualdades sociais e econômicas e as condições de saúde das populações tem sido objeto de estudos recentes. A avaliação das desigualdades evidencia que os fatores sociais constituem elementos centrais na determinação dos padrões de morbidade e de mortalidade das sociedades (D´ORSI; CARVALHO, 1998; NUNES et al., 2001; SZWARCWALD et al., 2002). O objetivo da comparação entre o índice municipal de desenvolvimento humano (IDH-M) e a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 nas unidades da federação, foi demonstrar que o comprometimento das condições de vida da população se reflete na prevalência de desfecho gestacional desfavorável. Este tipo de abordagem permite analisar não apenas a posição relativa de cada unidade da federação, mas também o grau de ajustamento entre a situação de saúde e as condições de vida existentes em cada uma delas (NUNES et al., 2001). A regressão linear é considerada como a melhor forma de avaliação das desigualdades em saúde quando as duas variáveis (nível de saúde e nível socioeconômico) podem ser expressas quantitativamente e estejam sujeitas a modificações de acordo com modelo matemático que explique adequadamente a relação entre as duas variáveis (SZWARCWALD et al., 2002). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 101 No Brasil, o IDH-M (Anexo C) é menor nos estados das regiões nordeste e norte e maior nos estados das regiões sudeste, centro-oeste e sul. Dos 10 piores resultados do IDH-M, 9 são estados da região nordeste e um da região norte. Apenas 5 estados podem ser considerados como tendo alto desenvolvimento humano (Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, nesta ordem). Os outros 22 estados apresentam médio desenvolvimento humano. Os estados da Paraíba, Piauí, Maranhão e Alagoas apresentam os piores resultados (PNUD, 2002a, anexo C). A regressão linear apresentada na Figura 6 correlaciona o IDH-M com a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto. Observamos relação inversamente proporcional: quanto melhor o IDH-M menor a prevalência do desfecho desfavorável, uma vez que quanto piores as condições de vida da população pior deverá ser a qualidade da assistência e da saúde. Há nítida correlação entre maior freqüência de recém-nascidos asfíxicos e menores níveis do IDH-M. Conforme já mencionado, o quadrado da correlação (R²) de 0,4266 equivale a dizer que 43% da variação observada no desfecho desfavorável é atribuível às variações entre as predições baseadas no valor do IDH-M. Foram detectados, no entanto, dois estados com prevalências observadas do desfecho desfavorável significativamente diferentes das prevalências esperadas. Estas discrepâncias foram encontradas nos estados de Alagoas (prevalência do desfecho desfavorável significativamente menor que a esperada) e do Piauí (prevalência do desfecho desfavorável significativamente maior que a esperada). Estas situações sugerem a existência de erro Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 102 na coleta ou no registro das informações, ou podem refletir a realidade assistencial destes estados. Neste ponto, a análise deve transcender ao cálculo estatístico e incorporar dados da natureza política e sócio-demográfica que, juntamente com o fato destes estados apresentarem um número significativamente alto de perda de registros do índice de Apgar no 5º minuto (Alagoas 34,2%, Piauí 31,8% - Figura 4), nos faz acreditar que estes resultados sejam, em maior parte, secundários a erros de preenchimento (NUNES et al., 2001). Assumindo a possibilidade de ter havido erro no registro das informações, montamos novo modelo de regressão linear com a exclusão destes dois estados. Neste caso, observamos R² maior (0,6582, p<0,001, Figura 7) em relação ao encontrado no modelo sem as exclusões. O modelo matemático que melhor enfatiza esta relação é o que utiliza o inverso da prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto (1/prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto – Figura 8), com a exclusão dos dois estados que mostraram a prevalência do desfecho desfavorável discrepante. Neste modelo encontrou-se R² de 0,7437 (p<0,001), indicando que 74% da variação observada no inverso do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto é atribuível à variação entre as predições baseadas nos valores do IDH-M. A correlação entre as variáveis é alta e a maioria dos pontos se aproxima da reta de regressão, mostrando que há relação diretamente proporcional entre elas. Os estados com piores resultados do IDH-M também apresentam as menores taxas do inverso do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto. Tanto a análise bivariada quanto a análise multivariada mostram diferenças nas taxas de asfixia perinatal nas diferentes regiões do país. As Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 103 regiões foram comparadas com a região sudeste como categoria de referência, por ter havido nesta região o maior número de nascimentos em 1999. A região com o pior resultado (nordeste, OR 1,67, IC 1,61-1,73, Tabela 13) apresentou freqüência de asfixia perinatal de 3,2% (Tabela 12 e Figura 24), valor mais de 2 vezes superior à região de melhor resultado (sul, OR 0,90, IC 0,86-0,94 – Tabela 13 – prevalência 1,5% - Tabela 12 e Figura 24). A região norte vem em segundo lugar em relação aos resultados desfavoráveis (prevalência de 3,0% - Tabela 12 e Figura 24 – OR 1,47, IC 1,39-1,56 – Tabela 13). A região centro-oeste se compara à região sudeste (prevalência do resultado desfavorável de 1,7%, Tabela 12 e Figura 24), ambas com resultados melhores que a média do Brasil (2,1%, Figura 5). Estes resultados estão de acordo com a noção de que a ocorrência de recém-nascidos deprimidos está relacionada com a qualidade da assistência prestada e as condições gerais de saúde da gestante e do feto. A prevalência do desfecho desfavorável mostra nítida relação com o nível socioeconômico, condições de saúde e características culturais da população avaliados pelo IDH-M. Mostra também relação com as regiões geográficas do país, o que parece representar reflexo das condições de vida em cada região. Estas diferenças tornam-se ainda mais evidentes quando comparamos a prevalência do grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto do Brasil12 com países desenvolvidos. Moster et al. (2001), na Noruega13, estudaram 12 O Brasil está classificado em 73° lugar em comparação com os outros países através do IDH aferido em 2000 (0,757 - PNUD, 2002b). 13 A Noruega ocupa o 1° lugar mundial na classificação pelo IDH (0,942 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 104 todos os 233.165 nascimentos de fetos pesando 2500g ou mais entre 1983 e 1987. Encontraram prevalência de recém-nascidos com grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto de 0,7%. A prevalência do desfecho desfavorável nessa faixa de peso encontrado no nosso grupo de estudo é de 1,5%, 2,1 vezes superior à observada na Noruega. Em outro estudo de base populacional realizado na Suécia14 com todos os 1.028.705 nascimentos de crianças com peso igual ou superior a 2500g entre 1988 e 1997, a prevalência de recém-nascidos asfíxicos, definidos como grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto, foi de 0,76% (THORNGREN-JERNECK; HERBST, 2001). A escolaridade é um indicador das condições sociais, econômicas e culturais e é utilizada com freqüência em estudos epidemiológicos. Está relacionada a comportamentos importantes para a saúde e é um dado que pode ser obtido com facilidade. O acesso e o correto entendimento das ações preventivas, tais como a assistência pré-natal, aleitamento materno e programas de imunizações, são, em geral, profundamente influenciados pelos anos de estudo (SILVA et al., 1997). A proporção da população com menos de quatro anos de estudo é alta em todos os estados do Brasil. As maiores proporções estão no nordeste e no norte, e as menores nos estados do sul e sudeste. No nordeste, a baixa escolaridade é 53,3% maior que no país como um todo. Praticamente 1/3 da população brasileira ainda permanece com menos de 4 anos de estudo, - PNUD, 2002b). 14 A Suécia ocupa o 2° lugar na classificação pelo IDH (0,941). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 105 embora quando se compara com o início da década de 90, esta proporção mostra 16,1% de redução (NUNES et al., 2001). A escolaridade está fortemente associada à renda familiar e à presença de marido ou companheiro (TOMASI et al., 1996). Parece haver, também, relação significativa entre a baixa escolaridade e outros indicadores de saúde, como, por exemplo, a presença de enteroparasitoses nas gestantes (SOUZA et al., 2002). Analisando o perfil de nascimentos por bairros no município do Rio de Janeiro, utilizando-se dos dados do SINASC, d’Orsi e Carvalho (1998) observaram que as proporções de nascidos vivos com índice de Apgar alto, de operações cesarianas, de mães com escolaridade acima do segundo grau e de mães adolescentes apresentam padrão de distribuição espacial bem definida pelos bairros da cidade, havendo coincidência de baixos valores de Apgar com os indicadores de pobreza. Estes autores concluem que o índice de Apgar baixo reflete assistência menos adequada ao parto associada à baixa escolaridade e ao baixo padrão socioeconômico. Neste contexto, nossos resultados, que demonstram maior proporção de asfixia perinatal entre crianças cujas mães não tiveram instrução alguma em comparação com as que estudaram mais de 7 anos (RR 2,51, IC 2,44-2,59, Tabela 11), são plenamente justificáveis. Este risco mostrou-se menos intenso nas que estudaram entre 1 e 7 anos (RR 1,57, IC 1,54-1,60, Tabela 11). Também é compreensível a atenuação dos valores dos riscos quando observamos a análise multivariada (OR 1,54, IC 1,44-1,64 para mães sem instrução e OR 1,25, IC 1,21-1,29 para mães com 1 a 7 anos de estudo, Tabela 13), já que esta análise tem o controle de outras variáveis Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 106 que podem estar associadas a padrões socioeconômicos desfavoráveis como, por exemplo, a prematuridade e o peso ao nascer, a cor, a região de nascimento e o número de consultas pré-natais. Uma das variáveis menos utilizadas nos estudos sobre diferenciais em saúde no Brasil é a raça ou a etnia. Esta variável, entretanto, aparenta ter alta relevância em um país como o nosso, onde vemos nítidas diferenças nas condições de vida relacionadas à origem étnica (CUNHA, 2001). A avaliação de indicadores socioeconômicos e de saúde distribuídos por raça ou cor no Brasil é outra forma de se dimensionar as desigualdades. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2001 (PNAD, IBGE, 2002) demonstra que a sociedade brasileira é multirracial e que os afrodescendentes (pessoas pretas e pardas) constituem quase a metade da população do Brasil (Figura 25). A sociedade brasileira, no entanto, não parece estar oferecendo condições de vida e de bem estar equilibradas aos diversos grupos étnicos que a compõem. Há grande diferença entre as condições econômicas e sociais vividas pelos grupos de brancos e afrodescendentes, que se expressam em diferentes indicadores observados na PNAD (Tabela 14). Asfixia perinatal no Brasil – Comentários Flavio Monteiro de Souza 107 Outras 0,6% Afrodescendentes 46,0% Branca 53,4% Figura 25 - Distribuição da população residente por cor ou raça – Brasil, 2001. (Fonte: PNAD, IBGE, 2002) Tabela 14 – Distribuição de alguns indicadores sociais, econômicos e culturais por raça ou cor – Brasil, 2001. Indicadores Afrodescendentes Brancos Desemprego (em percentagem da população economicamente ativa) 10,7% 8,3% Renda familiar per capita mensal em reais de janeiro de 2002 205,00 482,00 Proporção de pobres e indigentes 68,6% 30,8% Trabalho infantil: crianças de 5 a 9 anos que trabalham 3,3% 1,8% Taxa de analfabetismo 15 anos ou mais de 18,2% 7,7% Percentagem da população de 25 anos ou mais com curso superior completo 2,5% 10,2% Percentagem de pessoas vivendo domicílios com esgoto inadequado em 48,4% 26,3% Percentagem de pessoas vivendo domicílios que têm microcomputador em 5,0% 18,6% em pessoas (Fonte: PNAD, IBGE, 2002) Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 108 Cunha (2001), associando dados das DN com dados das declarações de óbitos em São Paulo, analisou casuística expressiva de 41.621 óbitos em crianças com menos de 1 ano de idade ocorridos em 1997 e 1998. Os afrodescendentes apresentavam maior proporção de partos vaginais, mães sem instrução ou com baixa instrução, índices de Apgar no 1° minuto baixos, baixo peso ao nascer, multiparidade, óbitos de crianças sem assistência médica e óbitos infantis por causas evitáveis. Diferenças nas taxas de mortalidade em relação à etnia também podem ser encontradas em outros países. Em um estudo com todas as 29.469 mortes fetais ocorridas nos Estados Unidos da América nos anos de 1995 a 1997, utilizando dados de registros de nascimentos e óbitos daquele país, Vintzileos et al. (2002) encontraram maiores taxas de mortalidade para os afrodescendentes, independentemente de suas mães terem ou não freqüentado consultas pré-natais. Em outro estudo com a observação de 18.339 mortes neonatais, resultados semelhantes em relação à etnia foram encontrados (VINTZILEOS et al., 2002). Quanto ao registro da cor do recém-nascido na DN, em função da observação do procedimento nos diversos serviços em que trabalhamos, somos da opinião de que este dado é colhido, na maior parte das vezes, através da observação das características da mãe, e não do recém-nascido. Entretanto, verificamos que a proporção de referência à cor branca no total das DN do Brasil em 1999 (55,3%, Apêndice A) é próxima à observada pela PNAD de 2001 (53,4%, Figura 25). Em nosso trabalho, a análise bivariada demonstra risco maior de asfixia perinatal para a raça não branca (RR 1,54, IC 1,52 - 1,57, Tabela Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 109 10). A análise multivariada demonstra risco ainda significativo, porém de menor magnitude que o encontrado na análise bivariada (OR 1,11, IC 1,08 – 1,15, Tabela 13). Esta diferença no risco observada entre a análise bivariada e a multivariada pode ser explicada pelo controle, na análise multivariada, de outras variáveis que apresentam forte associação com as condições socioeconômicas. No entanto, mesmo depois de controlados os fatores de confusão disponíveis, o risco maior para a cor não branca persiste, demonstrando que outros elementos não ponderados podem estar influindo nesses resultados. A assistência à mulher no momento do parto no Brasil é, em sua maior parte, hospitalar, com diferentes percentuais para cada região (Tabela 15). Estas diferenças refletem a diversidade de condições de acesso e organização dos serviços em cada região. Na região norte ocorre a maior parte dos partos domiciliares, o que demonstra a insuficiência da rede de serviços de saúde e a dificuldade de acesso que, em grande parte das vezes, é feito através da via fluvial (ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE DA MULHER DO MS, 2001). Tabela 15 – Distribuição dos partos hospitalares pelas diferentes regiões do Brasil em 1996 Região Norte Nordeste Sudeste Centro-oeste Sul Parto hospitalar (%) 81,9 83,4 95,1 97,1 97,1 (Fonte: ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE DA MULHER DO MS, 2001) Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 110 No que diz respeito ao local de ocorrência, verificamos que 1,2% dos partos são domiciliares. Entretanto, é provável que parte significativa dos partos domiciliares ocorridos no Brasil não seja notificada. Observamos também que 1,9% dos partos ocorreram em estabelecimentos de saúde não hospitalares (Apêndice C). Após aplicarmos os critérios de exclusão, o número de partos em estabelecimentos de saúde não hospitalares disponíveis para análise decresceu de 60.319 para 42.942 e o número de partos domiciliares de 6.969 para 3.633 (Apêndice C e Tabela 9). A maior parte dessa redução se deu pelo não preenchimento do grau de Apgar, provavelmente por não ter sido aferido. Os casos remanescentes para estudo tiveram a variável de desfecho anotada. O risco de asfixia para o recém-nascido é superior para os nascimentos fora do ambiente hospitalar, seja em estabelecimento de saúde, seja no domicílio da mãe (OR 1,34, IC 1,03 – 1,75 e OR 1,71, IC 1,54 – 1,89 respectivamente, Tabela 13), com maior risco para os partos domiciliares. Esta diferença provavelmente ocorre devido a dois fatores: ausência de instalações adequadas para o acompanhamento da parturiente e do recémnascido assim como a assistência por pessoal menos qualificado tecnicamente. Analisando os partos não institucionais ocorridos entre 1984 e 1986 em Linares, Chile, Skarmeta et al. (1987) observaram que as causas para os partos domiciliares foram a ocorrência de “parto iminente”, o “desinteresse materno” pelo parto hospitalar e a dificuldade de acesso ao hospital. Em estudo qualitativo com 105 mulheres de vários estratos socioeconômicos que decidiram ter seus filhos em casa em Bogotá, Colôm- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 111 bia, Villegas (2001) observou que entre os fatores condicionantes do parto domiciliar se destacam a segurança psicológica e o bem estar que proporciona sua residência, o medo e a desconfiança em relação aos médicos e aos hospitais, as deficiências dos serviços de atenção ao parto e a falta de acesso ao serviço de saúde. Esta autora identificou 4 tendências nos discursos das mulheres entrevistadas: resistência ao modelo médico ocidental, reivindicação de seus direitos sexuais e reprodutivos, ineqüidade no acesso aos serviços de saúde e busca de segurança e bem-estar no parto. Os resultados gestacionais dos partos domiciliares são controversos. Comparando 6.133 partos domiciliares planejados com 10.593 partos hospitalares no estado de Washington, nos Estados Unidos da América, entre 1989 e 1996, Pang et al. (2002) encontraram, no primeiro grupo, maior risco de morte neonatal (RR 1,99, IC 1,06 – 3,73) e de grau de Apgar inferior a 4 no 5° minuto de vida (RR 2,31, IC 1,29 – 4,16). Metanálise de 6 estudos observacionais sobre partos domiciliares planejados com suporte de hospitais de referência bem equipados (OLSEN, 1997) constatou menor freqüência de índice de Apgar baixo (OR 0,55, IC 0,41 – 0,74) e lacerações perineais severas (OR 0,67, IC 0,54 – 0,83) nos partos domiciliares, além de menos intervenções médicas. A mortalidade perinatal não diferiu nos dois grupos. Este autor observa, no entanto, que algumas diferenças podem ser conseqüentes à tendenciosidade: o grupo de mulheres que tiveram seus partos domiciliares não apresenta complicações durante a gravidez ou trabalho de parto que indiquem internação hospitalar. Nossos achados de maior risco para o recém-nascido diferem dos de Olsen (1997) provavelmente porque a maior parte dos partos domiciliares Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 112 no Brasil não ocorre com planejamento prévio e dentro de condições de segurança ideais. A maioria dessas mulheres vive em área rural ou de difícil acesso, com assistência precária (ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE DA MULHER DO MS, 2001). Em estudo de revisão sobre a segurança do parto não hospitalar em nações industrializadas, Scotland e Declercq (2002) concluem que, em geral, os partos fora do ambiente hospitalar demonstram mortalidade perinatal comparável com os partos hospitalares de gestantes de baixo risco, e implicam em menos intervenções obstétricas. Observam, no entanto, que há evidências de resultados piores quando o treinamento técnico de quem está prestando assistência é inadequado e quando a triagem das candidatas ao parto domiciliar é inapropriada. A importância da assistência pré-natal está em melhorar o resultado perinatal e reduzir as taxas de morbidade e mortalidade tanto maternas quanto perinatais. Se a gestante não for adequadamente acompanhada, principalmente quando existe a superposição de processos mórbidos, há o aumento do risco para ambos (VINTZILEOS et al., 2002). O Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento do Ministério da Saúde preconiza, dentre outras medidas, que as gestantes devem freqüentar no mínimo 6 consultas pré-natais. Devem, também, começar o acompanhamento até a 14ª semana de gestação e ter suas consultas distribuídas no mínimo uma vez no 1° trimestre, duas no 2° trimestre e três no 3° trimestre (ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE DA MULHER DO MS, 2000). Mesmo a observação destas recomendações, no entanto, não garante assistência adequada. Santos et al. (2000), em estudo de coorte reali- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 113 zado em Pelotas (RS) em 1993, constataram que, apesar da cobertura prénatal abrangente, persistiam desigualdades nos cuidados oferecidos às grávidas. As pacientes de maior risco apresentavam maior proporção de atenção inadequada ou de qualidade intermediária, quando comparadas com as grávidas consideradas de menor risco obstétrico. Resultado concordante é relatado por Costa et al. (1996) que estudaram 1.364 crianças em 1993 em Pelotas (RS). Estes autores referem que, ao estratificarem os indicadores de cuidados pré-natais pelas variáveis socioeconômicas, quanto pior o nível de renda e maior o escore de fatores de risco gestacional, mais baixo o desempenho da assistência à saúde. Conforme já mencionado, Trevisan et al. (2002), em análise multivariada de 702 partos ocorridos no Hospital Geral de Caxias do Sul entre março de 2000 e março de 2001, observaram que tanto a escolaridade quanto a paridade materna mostraram-se como fortes determinantes da adequação do pré-natal. Quanto maior a escolaridade da gestante, mais precoce foi a busca pela assistência e maior o número de consultas realizadas. Quanto maior a paridade, menor o número de consultas e mais tardio o início do acompanhamento. No Brasil, graves problemas existem na assistência pré-natal. Dentre eles, podemos citar a “alta” recebida no momento mais crítico da assistência, ao redor do oitavo mês, época em que se agravam doenças como pré-eclâmpsia ou diabete melito. Também é preocupante a falha na detecção destas doenças e de outros fatores de risco gestacional (ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE DA MULHER DO MS, 2001). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 114 Apesar de não termos como avaliar a qualidade do pré-natal com os dados disponíveis no SINASC, pudemos analisar a influência do número de consultas na asfixia perinatal e concluir que a assistência com baixa freqüência de consultas se associa a maior probabilidade do desfecho desfavorável. O risco relativo de asfixia nos casos em que a mãe não teve assistência pré-natal foi de 2,51 (IC 2,44 – 2,59, Tabela 11) em comparação com as mães que freqüentaram mais de 6 consultas. Este risco se mostrou menor na análise multivariada (OR 1,37, IC 1,29 – 1,45, Tabela 13) o que pode ser explicado pelo controle por outros fatores relacionados às condições de vida da gestante. Entre aquelas que tiveram entre 1 e 6 consultas, o risco também se mostrou elevado (RR 1,57, IC 1,54 – 1,60 na análise bivariada e OR 1,32, IC 1,28 – 1,37 na análise multivariada, Tabelas 11 e 13). Pacientes com maior número de consultas apresentam melhor evolução perinatal. Isto pode ser devido à auto-seleção de pacientes motivadas a melhores cuidados gerais de saúde, já que as gestantes sem assistência pré-natal geralmente provêm de grupos menos favorecidos (JOHNSON et al., 1999). Nos Estados Unidos, o Centers for Disease Control and Prevention avaliou os motivos de gestantes iniciarem tardiamente ou não receberem assistência pré-natal. As razões para os cuidados inadequados variavam por grupo social e étnico, idade e método de pagamento da assistência. As alegações mais comuns foram: desconhecimento da gravidez, falta de dinheiro ou de seguro saúde e dificuldade para agendar consultas (CUNNINGHAM et al., 2001f). É provável que estas causas se repitam no Brasil, associadas à dificuldade de acesso por ambulatórios lotados ou distantes. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Comentários 115 O estado marital materno só pôde ser avaliado através da análise bivariada devido ao grande número de registros sem este dado (61,4% depois de aplicados os critérios de exclusão, Tabela 6). Este campo não constava na DN antiga. Observamos que as mães solteiras apresentaram risco maior de terem filhos asfíxicos (RR 1,20, IC 1,17 – 1,24). A prevalência do índice de Apgar inferior a 7 no 5° minuto não diferiu nas mulheres que vivem maritalmente (casadas ou com companheiro) e nas que já viveram maritalmente (separadas e viúvas), motivo pelo qual estudamos estes dois grupos em conjunto. O maior risco de asfixia perinatal nas mulheres sem menção de companheiro provavelmente está associado às piores condições culturais e econômicas neste grupo. A renda familiar tem se mostrado fortemente associada com a escolaridade e com a presença de marido ou companheiro (TOMASI et al., 1996). Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Conclusões e ponderações finais 116 Conclusões e ponderações finais Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Conclusões e ponderações finais 117 Da análise dos nossos resultados pudemos concluir que: 1. A prevalência de asfixia perinatal no Brasil, avaliada pelo grau de Apgar inferior a 7 no 5° minuto, é elevada (2,1%). 2. Existem significativas diferenças regionais em relação à prevalência de asfixia perinatal, sendo melhores resultados os da região sul e piores os das regiões nordeste e norte. 3. Os estados com os maiores índices de desenvolvimento humano apresentaram os melhores resultados no que tange à asfixia perinatal. 4. Os fatores socioeconômicos associados à asfixia perinatal foram: parto domiciliar ou em estabeleci- Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Conclusões e ponderações finais 118 mentos de saúde não hospitalares, baixa escolaridade, pré-natal inadequado, cor não branca e mães solteiras. 5. Os fatores biológicos associados à asfixia perinatal foram: peso do recém-nascido (baixo peso ou macrossomia), anomalias congênitas, idade gestacional (prematuridade ou gravidez prolongada), sexo masculino, idade materna acima de 35 anos e história de natimorto em gestação anterior. 6. O parto transpélvico e a história de mais de dois filhos vivos são condições de risco apenas pelos fatores associados que, quando controlados, fazem com que estas condições figurem como protetoras da asfixia perinatal. 7. A gravidez na adolescência e a prenhez gemelar são fatores de risco de asfixia perinatal em função dos fatores associados, em especial a prematuridade no caso da prenhez múltipla e as condições socioeconômicas no caso da gravidez na adolescência. ***** Os fatores envolvidos na asfixia perinatal são complexos e múltiplos. Há uma intensa interação, modelando e modificando as respostas de cada um. Este trabalho exibiu uma intrincada associação das condições sociais, econômicas e educacionais, com as características da gravidez, do Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Conclusões e ponderações finais 119 parto e do recém-nascido. O desfecho gestacional favorável parece depender de uma corrente de elementos onde todos os elos devem ser fortes e íntegros. Os recém-nascidos com menores chances de sofrer asfixia perinatal no Brasil devem ser maduros, com peso adequado, sem anomalias congênitas, do sexo feminino, nascidos em hospital, de parto vaginal, com mães de boa condição social, econômica e cultural, que freqüentaram mais de seis consultas pré-natais, e que já tenham tido pelo menos mais um filho vivo anteriormente. Há também indícios de que a adequada assistência obstétrica e os maiores cuidados da gestante com ela mesma contribuam para minimizar o risco de asfixia. Em nosso entendimento, o sucesso no processo reprodutivo se equilibra sobre um suporte tridimensional formado pela dimensão social (condição social, econômica, educacional e cultural da gestante), pela dimensão do sistema de saúde (prevenção, assistência, ações de saúde) e pela dimensão biológica (características pessoais, hereditárias, enfermidades etc.). As condições individuais associadas às condições de assistência à saúde e ao parto são moduladas pela dimensão social. As desigualdades no âmbito da saúde devem ser enfrentadas não apenas através do compromisso com a transformação político-social e a maior eqüidade econômica. É necessária também a definição de estratégias de redução das desigualdades através de medidas preventivas, educativas e de melhora do sistema de saúde. Além da dimensão social, de correção difícil e lenta, a qualidade da assistência é um dos elos fracos nessa corrente. É necessário facilitar o Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Conclusões e ponderações finais 120 acesso da gestante a cuidados de boa qualidade, tanto no acompanhamento dos processos fisiológicos quanto na prevenção e tratamento das doenças. A boa qualidade assistencial não se faz apenas com melhores condições materiais das unidades de saúde, mas, principalmente, com melhores profissionais. É essencial que haja forte investimento na formação, capacitação, atualização e disponibilização de profissionais qualificados na área da saúde perinatal. Por outro lado, não basta melhorar as condições assistenciais e profissionais se o indivíduo que as recebe não for capaz de compreender as informações, não estiver motivado a cuidar de sua saúde ou não possuir meios para custear os gastos necessários, a começar pela própria alimentação e higiene. O melhor mecanismo para alterar este cenário é a educação. Elevando-se o nível educacional e cultural, criam-se os meios para que o indivíduo melhore suas condições de subsistência e passe a entender melhor a si próprio e o mundo em sua volta. Também não basta melhorar a condição educacional e assistencial se o profissional não for capaz de detectar os fatores de risco, diagnosticar os possíveis desvios do fisiológico, encaminhar, quando necessário, os casos para atendimento especializado e, principalmente, compreender a pessoa com quem interage. Compreender a cultura e o indivíduo, a linguagem e os sinais. É necessária a percepção mútua: a gestante deve entender e poder seguir as recomendações sobre sua saúde, os profissionais devem compreender a gestante. Deve ser estabelecida uma relação segura e humanizada. Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Conclusões e ponderações finais 121 Com melhores condições materiais e de assistência, melhor capacitação profissional, maior eqüidade econômica e de saúde e maior nível educacional, podemos vislumbrar uma real melhora nas condições de nascimento no nosso país. 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Número de registros preenchidos Variável Grau de Apgar no 5° minuto <7 ≥7 Grau de Apgar no 1° minuto <7 ≥7 Idade gestacional 22 a 27 semanas 28 a 36 semanas 37 a 41 semanas ≥42 Ignorada Peso ao nascimento 0-999g 1000-1499 1500-1999 2000-2499 2500-3999g ≥4000g Ignorado Cor Branca Não branca Sexo Masculino Feminino Ignorado Anomalias congênitas Sim Não 2.842.810 76.230 2.766.580 2.869.777 270.236 2.599.541 3.228.725 13.076 181.552 2.688.850 287.584 57.663 3.204.997 9.744 19.537 44.646 171.541 2.770.667 188.832 30 2.336.181 1.292.989 1.043.192 3.256.433 1.668.602 1.581.076 6.755 3.256.433 5.677 3.250.756 % 2,7 97,3 9,4 90,6 0,4 5,6 83,3 8,9 1,8 7,7 0,6 1,4 5,4 86,4 5,9 0,0 55,3 44,7 51,2 48,6 0,2 0,2 99,8 140 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Apêndices Apêndice B Características da população: distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis referentes às mães, antes de aplicados os critérios de exclusão. Variável Idade materna 10 a 19 20 a 34 35 e mais Número de anos de estudo Nenhum 1 a 7 anos 8 e mais Ignorados Número de consultas pré-natais Nenhuma 1a6 7 ou mais Ignoradas Estado marital Solteira Já viveu maritalmente Vive maritalmente Ignorado Quantidade de filhos vivos tidos anteriormente Nenhum 1 2 Superior a 2 Filhos mortos tidos anteriormente Nenhum 1 ou mais Número de registros preenchidos 3.210.368 754.160 2.188.254 267.954 2.301.997 130.642 1.349.561 690.457 131.337 3.172.417 173.180 1.295.996 1.510.040 193.201 1.572.451 427.279 14.248 751.378 379.546 2.855.159 931.975 917.442 558.290 447.452 2.465.305 2.126.374 338.931 % 23,5 68,2 8,3 5,7 58,6 30,0 5,7 5,5 40,9 47,6 6,1 27,2 0,9 47,8 24,1 32,6 32,1 19,6 15,7 86,3 13,7 141 Asfixia perinatal no Brasil – Apêndices Flavio Monteiro de Souza Apêndice C Características da população: distribuição dos nascidos vivos segundo as variáveis referentes à gravidez e ao parto, antes de aplicados os critérios de exclusão. Número de registros preenchidos Variável Gravidez única ou gemelar Única Gemelar Ignorado Via do parto Vaginal Cesáreo Ignorado Local de nascimento Hospital Outros estabelecimentos de saúde Domicílio Ignorado Região Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste 3.245.729 3.178.085 58.510 9.134 3.244.940 2.026.461 1.201.500 16.979 3.256.338 3.149.412 60.319 39.638 6.969 3.256.433 285.229 915.528 1.351.192 470.326 234.158 % 97,9 1,8 0,3 62,4 37,0 0,5 96,7 1,9 1,2 0,2 8,8 28,1 41,5 14,4 7,2 142 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Anexos 143 Anexos Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Anexos Anexo A Declaração de nascido vivo antiga – em vigor de 1995 a 1999 5 144 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Anexos Anexo B Declaração de nascido vivo nova – em vigor a partir de 1999 145 Asfixia perinatal no Brasil – Anexos Flavio Monteiro de Souza 146 Anexo C Índice municipal de desenvolvimento humano (IDH-M) divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – em 2002. Tabulação por estados do Brasil no ano de 2000. A primeira tabela exprime o IDH-M total. As tabelas 2, 3 e 4 mostram a variação dos itens que participam do cálculo do IDH-M (educação, renda e expectativa de vida). Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2002. Disponível em <http://www.undp.org.br/IDHM- BR%20Atlas%20Webpage/Textos_IDH/var_idh_ufs.xls>. Último acesso em 02/01/2003. Tabela 1 – Índice Municipal De Desenvolvimento Humano (IDH-M) Distância p/ o Ranking 2000 Distância p/ o melhor pior Distrito Federal 0,844 0,000 0,212 São Paulo 0,814 -0,030 0,182 Rio Grande do Sul 0,809 -0,035 0,177 Santa Catarina 0,806 -0,039 0,173 Rio de Janeiro 0,802 -0,042 0,170 Paraná 0,786 -0,058 0,153 Goiás 0,770 -0,075 0,137 Mato Grosso do Sul 0,769 -0,076 0,136 Mato Grosso 0,767 -0,077 0,134 Espírito Santo 0,767 -0,078 0,134 Minas Gerais 0,766 -0,079 0,133 Amapá 0,751 -0,093 0,119 Roraima 0,749 -0,096 0,116 Rondonia 0,729 -0,115 0,096 Tocantins 0,721 -0,124 0,088 Pará 0,720 -0,124 0,088 Amazonas 0,717 -0,127 0,084 Rio Grande do Norte 0,702 -0,143 0,069 Ceará 0,699 -0,146 0,066 Bahia 0,693 -0,151 0,061 Acre 0,692 -0,152 0,060 Pernambuco 0,692 -0,153 0,059 Sergipe 0,687 -0,157 0,055 Paraíba 0,678 -0,167 0,045 Piauí 0,673 -0,171 0,041 Maranhão 0,647 -0,198 0,014 Alagoas 0,633 -0,212 0,000 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Anexos Tabela 2 – IDHM-Educação (Acesso ao conhecimento) Ranking Distrito Federal Santa Catarina Rio Grande do Sul Rio de Janeiro São Paulo Amapá Paraná Goiás Roraima Mato Grosso do Sul Mato Grosso Espírito Santo Minas Gerais Rondonia Tocantins Pará Amazonas Bahia Rio Grande do Norte Ceará Sergipe Pernambuco Acre Maranhão Paraíba Piauí Alagoas Distância p/ o 2000 Distância p/ o melhor pior 0,000 0,232 0,935 0,906 -0,030 0,202 0,904 -0,031 0,201 0,902 -0,034 0,198 0,901 -0,034 0,198 0,881 -0,055 0,177 0,879 -0,056 0,176 0,866 -0,069 0,163 0,865 -0,071 0,161 0,864 -0,071 0,161 0,860 -0,075 0,157 0,855 -0,081 0,151 0,850 -0,085 0,147 0,832 -0,103 0,129 0,827 -0,109 0,123 0,815 -0,121 0,111 0,813 -0,122 0,110 0,785 -0,151 0,081 0,779 -0,156 0,076 0,772 -0,163 0,069 0,771 -0,165 0,067 0,768 -0,167 0,065 0,757 -0,178 0,054 0,738 -0,197 0,035 0,737 -0,199 0,033 0,730 -0,205 0,027 0,703 -0,232 0,000 147 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Anexos 148 Tabela 3 – IDHM-Renda (Acesso a recursos monetários) Ranking Distrito Federal São Paulo Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Santa Catarina Paraná Mato Grosso Espírito Santo Mato Grosso do Sul Goiás Minas Gerais Rondonia Roraima Amapá Pernambuco Acre Rio Grande do Norte Amazonas Tocantins Pará Sergipe Bahia Ceará Paraíba Alagoas Piauí Maranhão Distância p/ o 2000 Distância p/ o melhor pior 0,000 0,284 0,842 0,790 -0,052 0,232 0,779 -0,063 0,221 0,755 -0,087 0,197 0,750 -0,092 0,192 0,736 -0,106 0,178 0,719 -0,123 0,161 0,719 -0,123 0,161 0,718 -0,124 0,160 0,718 -0,124 0,160 0,711 -0,131 0,154 0,683 -0,159 0,125 0,682 -0,160 0,124 0,666 -0,176 0,108 0,643 -0,199 0,085 0,640 -0,202 0,083 0,636 -0,206 0,078 0,634 -0,208 0,076 0,633 -0,209 0,075 0,629 -0,213 0,071 0,623 -0,219 0,066 0,620 -0,222 0,062 0,616 -0,226 0,058 0,610 -0,232 0,052 0,597 -0,245 0,040 0,584 -0,258 0,026 0,558 -0,284 0,000 Flavio Monteiro de Souza Asfixia perinatal no Brasil – Anexos Tabela 4 – IDHM-Longevidade (Saúde e sobrevivência) Ranking Rio Grande do Sul Santa Catarina Distrito Federal São Paulo Paraná Minas Gerais Rio de Janeiro Espírito Santo Goiás Mato Grosso do Sul Mato Grosso Pará Ceará Amapá Piauí Amazonas Tocantins Roraima Rio Grande do Norte Paraíba Acre Bahia Rondonia Sergipe Pernambuco Maranhão Alagoas Distância p/ o 2000 Distância p/ o melhor pior 0,000 0,172 0,769 0,762 -0,008 0,164 0,756 -0,013 0,159 0,753 -0,017 0,156 0,743 -0,027 0,146 0,736 -0,033 0,139 0,727 -0,043 0,129 0,726 -0,043 0,129 0,726 -0,044 0,128 0,724 -0,045 0,127 0,722 -0,047 0,125 0,718 -0,051 0,121 0,709 -0,061 0,111 0,707 -0,062 0,110 0,706 -0,064 0,108 0,704 -0,065 0,107 0,703 -0,066 0,106 0,699 -0,070 0,102 0,690 -0,079 0,093 0,687 -0,082 0,090 0,679 -0,090 0,082 0,675 -0,094 0,078 0,672 -0,098 0,074 0,668 -0,101 0,071 0,663 -0,106 0,066 0,644 -0,126 0,047 0,597 -0,172 0,000 149