TESE 10 (ÁREA INFÂNCIA E JUVENTUDE)
Autores: Bruno César da Silva e Daniel Guimarães Zveibil
Súmula: “Cabe ao Defensor Público atuar no sentido de garantir o tempo adequado de
permanência para amamentação, e o devido processo legal a ser seguido para separação
da criança de sua genitora, tomando providências judiciais e extrajudiciais para dar
segurança jurídica aos casos, visando garantir a redução de danos psicossociais, o
direito à saúde e o direito à convivência familiar, de preferência em família extensa
enquanto perdurar a custódia da mãe”.
I – ASSUNTO.
O assunto da presente proposta diz respeito ao direito fundamental de
crianças e adolescentes ao convívio familiar e comunitário e à saúde, bem como do
direito fundamental das mães presas a amamentação e a permanência com seus filhos,
sustentando a proposta, nesta perspectiva, que devem ser elaboradas pelas Varas da
Infância e Juventude das comarcas onde existirem penitenciárias femininas portarias
que regulem o procedimento para permitir o afastamento somente após o período
necessário para amamentação adequada, assim como garantir os direitos a convivência
familiar e comunitária com preferência pela família natural e/ou extensa. A finalidade é
evitar que a falta de regramento sirva para violação de direitos.
II – INDICAÇÃO
DO ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DA
DEFENSORIA PÚBLICA.
Item específico das atribuições institucionais da Defensoria Pública na
Lei Complementar estadual n.º 988 de 09 de janeiro de 2006:
“Art. 5.º – São atribuições institucionais da Defensoria
Pública do Estado, dentre outras:
(...)
85
IV – promover:
(...)
b) a tutela dos direitos humanos em qualquer grau de
jurisdição, inclusive perante os sistemas global e
regional de proteção dos Direitos Humanos;
c) a tutela individual e coletiva dos interesses e direitos
da criança e do adolescente, do idoso, das pessoas com
necessidades especiais e das minorias submetidas a
tratamento discriminatório;”
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
I - Direito vigente quanto à permanência de crianças no período de amamentação junto
às mães presas
O direito constitucional – do qual faz parte, a nosso ver, o direito
internacional dos direitos humanos –, bem como toda a legislação infraconstitucional
dispõem claramente sobre o direito de permanência da criança junto à mãe presa no
período de amamentação.
Neste sentido, dispõe o artigo 5º, inciso L, Constituição da
República:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
L – às presidiárias serão asseguradas condições para que
possam permanecer com seus filhos durante o período de
amamentação”.
86
Ainda, assim dispõe o artigo 83, §2 da LEP, que repete a garantia
contida no artigo 5º, inciso L da Constituição da República:
“Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua
natureza, deverá contar em suas dependências com áreas
e serviços destinados a dar assistência, educação,
trabalho, recreação e prática esportiva.
(...)
§2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres
serão dotados de berçário, onde as condenadas possam
cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo,
até 6 (seis) meses de idade.”
Registre-se, por oportuno, que o prazo de 06 meses é prazo
MÍNIMO e não prazo máximo, havendo Resolução do CNPCP (Resolução nº. 04
de 15.07.2009) de que o período de amamentação ocorra por 01 ano e 06 meses.
Assim estabelece a Resolução, em seu artigo 2º:
“Art. 2º Deve ser garantida a permanência de crianças no
mínimo até um ano e seis meses para as (os) filhas (os)
de mulheres encarceradas junto as suas mães, visto que a
presença
da
fundamental
mãe
para
nesse
o
período
é
desenvolvimento
considerada
da
criança,
principalmente no que tange à construção do sentimento
de confiança, otimismo e coragem, aspectos que podem
ficar comprometidos caso não haja uma relação que
sustente essa primeira fase do desenvolvimento humano;
esse período também se destina para a vinculação da mãe
com sua (seu) filha (o) e para a elaboração psicológica da
separação e futuro reencontro.”
A Resolução do CNPCP tem força vinculante e, ao trazer o
período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, sobrepõe-se à LEP, que traz apenas um
87
período mínimo, podendo ser estendido pelo poder regulamentar, como foi feito no
caso em tela.
Também o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura à
gestante o atendimento médico pré e perinatal, bem como o acompanhamento no
período pós-natal, garantindo, ainda, o direito à amamentação inclusive no caso de
mães privadas da liberdade:
“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção
à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas
sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência”.
“Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema
Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.
§ 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de
atendimento, segundo critérios médicos específicos,
obedecendo-se aos princípios de regionalização e
hierarquização do Sistema.
§ 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo
mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal.
§ 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar
à gestante e à nutriz que dele necessitem.
§ 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência
psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pósnatal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as
consequências do estado puerperal.
§ 5o A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser
também prestada a gestantes ou mães que manifestem
interesse em entregar seus filhos para adoção”.
88
“Art. 9º. O Poder Público, as instituições e os
empregadores propiciarão condições adequadas ao
aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães
submetidas à medida privativa de liberdade”
Ainda, vale trazer à colação as normativas e recomendações do
Ministério da Saúde sobre o aleitamento materno. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde e com o Ministério da Saúde, o aleitamento materno deve ser
exclusivo até os seis meses de idade e complementado pela inserção de outras fontes
nutridoras até o segundo ano de vida.
Nesse sentido, vale transcrever passagem do Caderno de Atenção
Básica n. 23 do Ministério da Saúde, de 2009:
“Vários estudos sugerem que a duração da amamentação
na espécie humana seja, em média, de dois a três anos,
idade em que costuma ocorrer o desmame naturalmente
(KENNEDY, 2005).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério
da Saúde recomendam aleitamento materno exclusivo
por seis meses e complementado até os dois anos ou
mais.
(...)
No segundo ano de vida, o leite materno continua sendo
importante fonte de nutrientes. Estima-se que dois copos
(500ml) de leite materno no segundo ano de vida
fornecem 95% das necessidades de vitamina C, 45% das
de vitamina A, 38% das de proteína e 31% do total de
energia. Além disso, o leite materno continua protegendo
contra doenças infecciosas. Uma análise de estudos
realizados em três continentes concluiu que quando as
crianças não eram amamentadas no segundo ano de vida
elas tinham uma chance quase duas vezes maior de
89
morrer por doença infecciosa quando comparadas com
crianças
amamentadas.
(WORLD
HEALTH
ORGANIZATION, 2000)
(...)
Graças aos inúmeros fatores existentes no leite materno
que protegem contra infecções, ocorrem menos mortes
entre as crianças amamentadas. Estima-se que o
aleitamento materno poderia evitar 13% das mortes em
crianças menores de 5 anos em todo o mundo, por causas
preveníveis (JONES et al., 2003). Nenhuma outra
estratégia isolada alcança o impacto que a amamentação
tem na redução das mortes de crianças menores de 5
anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e
o Unicef, em torno de seis milhões de vidas de crianças
estão sendo salvas a cada ano por causa do aumento das
taxas de amamentação exclusiva” (g.n.).”
Vê-se, portanto, que a prática de separar a mãe do bebê antes de dois
anos significa não só a imposição de um trauma psicológico irreversível em ambos, mas
também, implica efetivo risco de vida à criança.
Acrescente-se, por fim, que no âmbito do direito internacional dos
direitos humanos, as Regras Mínimas Para Mulheres Presas, no capítulo de “regras
aplicáveis a categorias especiais”, aprovada pela Assembleia Geral da ONU em
dezembro de 2010, dispõe em seu art. 52 que :
“Art. 52
1. As decisões a respeito do momento em que se deve
separar a um filho de sua mãe serão adotadas em função
do caso e tendo presente o interesse superior da criança
em conformidade com a legislação nacional pertinente.
2. Toda decisão de retirar a criança da prisão deve se
tomar com delicadeza, unicamente depois de comprovar90
se que se adotaram disposições alternativas para seu
cuidado e, no caso das reclusas estrangeiras, em consulta
com servidores consulares.
3. No caso em que filhos separados de mães sejam
entregues aos cuidados de familiares ou de outras pessoas
ou outros serviços para seus cuidados, se oferecerá às
reclusas o máximo possível de possibilidades e serviços
para reunir-se com seus filhos, quando isso redunde no
interesse superior dos filhos e sem afetar a ordem pública.
(TRADUÇÃO LIVRE)”
Em outras palavras, caso o Poder Judiciário “lave suas mãos”
sem dar segurança jurídica ao tema em favor do interesse superior da criança, sua
omissão pode até mesmo legitimar uma prática que faz com que o risco de morte
do bebê por doença infecciosa cresça em 100%.
No limite, portanto, trata-se de proteção à vida, à dignidade humana
e à integridade física e psíquica da criança.
O prazo mínimo de 06 (meses) da LEP não pode ser tolerado como
suficiente, quando há várias outras normas que prevêem a necessidade de maior prazo
de aleitamento.
Aliás, admitir que as recomendações do Ministério da Justiça não
valeriam para bebês de mães presas seria evidentemente discriminatório, vez que o filho
de uma mãe presa tem o mesmo direito de ter sua saúde e seu desenvolvimento
assegurados que qualquer outra criança.
Não se pode, portanto, punir essa criança, que sequer cometeu algum
ilícito, retirando-lhe o direito ao desenvolvimento saudável sob pena de erro irreversível
e de lesão irreparável à sua integridade física e psíquica.
91
Cumpre observar, primeiramente, que a existência de interesse de
criança no presente caso e a iminente violação ao seu direito à saúde, revelam a
urgência envolvida no caso.
II - Do Direito a Convivência Familiar e o acolhimento institucional
Além da evidente importância do presente procedimento, por conta
da garantia do direito à saúde, o mesmo também busca tutelar o direito a convivência
familiar das crianças nascidas no ambiente prisional.
O artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente deu status de
direito fundamental ao direito à convivência familiar e comunitária, garantindo a toda
criança o direito de ser criado no seio da sua família, e, somente excepcionalmente, em
família substituta.
Através da lei 12.010/09 incluiu-se ainda o conceito de família
extensa ao ECA, sendo entendida esta como aquela que se estende para além da unidade
pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a
criança ou adolescente convive e mantêm vínculos de afetividade e afinidade (artigo 25,
Parágrafo Único do ECA).
Havendo necessidade da retirada da criança de sua família natural
terá essa família extensa preferência no momento de colocação da criança em família
substituta, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da medida (artigo 28
§2º do ECA).
Vale ressaltar que a colocação de criança ou adolescente em família
substituta é modalidade de medida protetiva prevista no artigo 101, IX, do Estatuto, e,
como tal, deve seguir os princípios previstos no artigo 100, parágrafo único, do ECA,
preferindo-se sempre aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários, efetivando-se o principio da prevalência da família (art. 100, parágrafo
único, X, do ECA).
92
“Art. 100, P.U., X - prevalência da família: na promoção
de direitos e na proteção da criança e do adolescente
deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham
ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se
isto não for possível, que promovam a sua integração em
família substituta; (Incluído pela Lei nº 12.010, de
2009)”
Dessa forma, havendo necessidade de afastamento da criança de sua
genitora reclusa, o que reiteramos é medida excepcional, a mesma deverá ser incluída
em sua família extensa.
Não havendo a possibilidade de colocação em família extensa,
apesar da necessidade de aplicação de medida protetiva, poderá então ser aplicada a
medida protetiva de acolhimento institucional prevista no artigo 101, VII, do Estatuto.
O acolhimento é medida provisória, excepcional e transitória para a
reintegração familiar, não implicando em privação de liberdade (§1º), que só pode ser
aplicada pela autoridade judicial, mediante provocação de um dos interessados, sendo
procedimento contraditório.
Além disso, o acolhimento deve ocorrer no local mais próximo dos
pais, sendo facilitado e estimulado o contato com a criança acolhida, uma vez que seu
objetivo é manter os vínculos para posterior reintegração familiar.
III - Proposta de manual de procedimento atinente à permanência de crianças nas
penitenciárias femininas.
Diante das premissas apresentadas e dos direitos envolvidos na
presente situação que se busca regulamentar, gostaríamos de sugerir um procedimento a
ser seguido pelos órgãos envolvidos:
1 – Após o nascimento da criança, a mesma deve ser registrada e a unidade prisional
deve realizar uma primeira entrevista com a genitora buscando informações sobre
93
eventuais integrantes da família extensa que poderiam assumir a guarda do recémnascido.
2 – As informações sobre a família extensa devem ser então encaminhadas para a Vara
da Infância e Juventude da comarca que ficará responsável por expedir cartas
precatórias para o estudo dessas famílias pela rede do sistema de garantias.
3 – Durante este período de estudos devem ser disponibilizados para a família extensa
os meios necessários para que realize visitas à presa e à criança até o fim do período de
amamentação, buscando fortalecer os vínculos de afetividade e afinidade.
4 – Considerando ser unânime o entendimento médico, da Sociedade Brasileira de
Pediatria e do Ministério da Saúde do Brasil inclusive29, de que a amamentação
condiciona os direitos constitucionais de vida e saúde da criança, e que a normativa do
CNPCP (artigo 2º da Resolução nº. 04 de 15.07.2009) admite o mínimo de 1 ano e 6
meses, o estabelecimento penal estimulará a amamentação para que seja realizada o
máximo possível, o que inclui permitir a amamentação durante o dia e noite, para que a
produção de leite não se extinga prematuramente;
5 – Sendo os estudos favoráveis e havendo interesse por parte do familiar, além da
concordância expressa dos genitores da criança, será deferida guarda para este, que
assumirá os cuidados da criança assim que terminado o período de amamentação bem
como o período de fortalecimento de afetividade e afinidade entre criança e a família
extensa por meio de visitas.
6 – Nos casos em que a mãe não for capaz de amamentar, ou sua capacidade for muito
reduzida, o procedimento de entrega à família extensa será igualmente obedecido
incluindo o período de adaptação da criança com esta família por meio de visitas, a fim
de que se fortaleçam os laços de afetividade e afinidade, em atenção às Regras
Mínimas Para Mulheres Presas (Regras de Bangkok), as quais vinculam o Estado
brasileiro e impõem delicadeza na separação da criança com a mãe;
29
Confira vídeo em: <http://www.sbp.com.br/videos/video_completo.wmv>.
94
7 – Não havendo familiares interessados ou com condições de assumir a guarda, será
estudada pelo Ministério Público e pelo Conselho Tutelar a necessidade da proposição
de ação de acolhimento institucional, sempre garantindo o direito ao contraditório da
genitora.
8 – Havendo o acolhimento institucional, deverão permanecer ocorrendo as visitas à
mãe presa visando a manutenção dos vínculos e o futuro desacolhimento para a família
natural, objetivo primordial da lei, sendo estas de responsabilidade da entidade de
acolhimento e do Conselho Tutelar da comarca;
9 – O fato da mãe responder a procedimento disciplinar não poderá prejudicar ou atingir
sua convivência com a criança, o que inclui o direito à amamentação, nem mesmo se ao
final houver condenação pela falta disciplinar devido à incidência dos princípios da
pessoalidade das penas e da proteção integral à criança;
10 – O fato de a genitora estar presa não pode ser razão para ocorrer a destituição do
poder familiar e nem mesmo a suspensão das visitas.
IV – FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA E IMPORTÂNCIA DA PROPOSTA.
Em visita realizada na Penitenciária Feminina de Pirajuí pela
Defensoria Pública da Regional de Bauru/SP, setores da Vara das Execuções Criminais
e também Infância e Juventude, em 07/05/2013, na qual os Defensores Públicos foram
recepcionados pela Ilma. Diretoria Geral bem como a Ilma. Diretora de Saúde, tivemos
conhecimento de detalhes sobre a permanência dos recém-nascidos junto às mães presas
no estabelecimento.
Nesta conversa, não obstante os cuidados dispensados pelas duas
Diretorias para dar concretude ao art. 5.º, L da CF/88, constatamos não existir
regulamentação formal quanto à permanência dessas crianças junto a essas mães presas
no estabelecimento.
95
O fato é que esta lacuna pode causar transtornos desumanos para
mães e crianças, causando graves prejuízos a elas, uma vez que a medida de separação
pode resultar na adoção da criança com a consequente perda definitiva de contato entre
filho e mãe biológicos, dentre outros possíveis sofrimentos que poderiam ser evitados.
Esta lacuna pode também causar sérias dificuldades à administração
da Penitenciária em detrimento dos direitos das presas e respectivas crianças, havendo
necessidade de haver uma regra que delimite a ação administrativa dando segurança
jurídica para todos e previsibilidade, uma vez que muitas vezes as famílias das presas
podem acolher essas crianças – o que nos parece a solução mais desejável quando for
materialmente possível.
A título de exemplo, só para se ter ideia de como tal lacuna gera
problemas práticos, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo já se deparou com a
prática de separação compulsória entre bebês e mães quando decorridos os seis
meses, remetendo-se os recém nascidos para entidades de acolhimento, o que, é
desnecessário mencionar, configura irreparável trauma psíquico à criança. Esta
prática comum no tratamento de mães em cárcere é odiosa, configurando evidentemente
tratamento cruel e desumano, afrontando o fundamento da dignidade humana.
Em nosso Estado, essas mães, ao serem libertadas, por inúmeras
vezes descobrem que seus filhos foram adotados, tendo sido o poder familiar destituído
à revelia e, assim, não têm sequer acesso ao paradeiro da criança.
Essa prática converte-se em evidente efeito perpétuo da pena, ao
imprimir sobre a mãe uma clara tortura psicológica, que será carregada pelo resto de sua
vida, e a perda da chance da criança pertencer a uma família natural, que segundo o
ECA deve ser regra (art. 19).
A nosso ver, é imprescindível que haja regulamentação formal e
clara a respeito, para que haja previsibilidade jurídica independentemente de
existir uma Diretoria da Penitenciária mais humana ou mais autoritária – em
síntese, o Judiciário não pode ficar excluído desta importantíssima matéria de
96
jurisdição voluntária, como administrador dos interesses fundamentais30 (ou
objetivos)31 de (1) proteção integral da criança e (2) defesa da família natural.
O direito constitucional – do qual faz parte, a nosso ver, o direito
internacional dos direitos humanos –, bem como toda a legislação infraconstitucional
dispõem claramente sobre o direito de permanência da criança junto à mãe presa no
período de amamentação.
V – SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO.
Pode ser extraída do manual de procedimento sugerido na proposta.
É importante salientar, no entanto, que na atividade forense nossa
proposta de tese institucional deve ser apresentada mediante pedido de criação de
portaria frente ao juiz da Vara da Infância da comarca onde está localizada a
penitenciária feminina para formalização do manual de procedimento sugerido.
30
Cappelletti ensina que na hipótese de violação de direitos fundamentais, o processo contencioso tem
sua vez na aplicação de sanções penal, administrativa, e civil contra a autoridade do Estado responsável,
porém, ressalva que certamente por meio desta modalidade processual o indivíduo não consegue
perseguir eficazmente uma direta satisfação do seu “interesse fondamentale” (interesse fundamental),
justamente pela sobredita relevância ultraindividual dos direitos fundamentais (CAPPELLETTI, Mauro.
La Giurisdizione Costituzionale delle Libertà. Ristampa inalterata da Prima edizione (1955). Milano:
Giuffrè, 1976, item n. 38, p. 117).
31
Botelho de Mesquita, Prof. Emérito da Faculdade de Direito da USP, ensina: “Há casos, porém, em
que não ocorreu, ou não ocorreu ainda, a violação ou ameaça de violação a direito algum, mas a
transformação se torna necessária para afastar o risco de colisão com interesses públicos de outra
ordem igualmente contemplada na Constituição Federal, como sejam a ordem política, a ordem
econômico-financeira, a ordem social, aí compreendidos os interesses da família, educação, cultura,
assistência social, etc. Nessa hipótese, não se trata de dar proteção a interesses ou direitos subjetivos
violados ou ameaçados de violação, mas sim da defesa de interesses objetivos, a fim de prevenir conflitos
entre estes e os interesses subjetivos que serão fatalmente atingidos pela transformação dos fatos ou dos
direitos. Este é o campo da jurisdição voluntária” (BOTELHO DE MESQUITA, José Ignacio. As novas
tendências do direito processual: uma contribuição para seu reexame. In: Teses, Estudos e Pareceres de
Processo Civil. Vol. 1, São Paulo: RT, p. 268).
97
VI – CONCLUSÃO.
Requer o subscritor a inscrição e o recebimento da proposta
apresentada, para que seja avaliada pela carreira no Pré-Encontro Estadual dos
Defensores Públicos da Infância e Juventude/2013.
Termos em que,
p. deferimento.
De Bauru para São Paulo, 4 de outubro de 2013
Daniel Guimarães Zveibil
Bruno César da Silva
13.ª Defensoria Pública de Bauru
11.ª Defensoria Pública de Bauru
Vara das Execuções Criminais
Infância e Juventude
98
Download

TESE 10 (ÁREA INFÂNCIA E JUVENTUDE) Autores: Bruno César