UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÕES GILBERTO DIAS PALMEIRA JÚNIOR GESTÃO DE CRISES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL: UM ESTUDO SOBRE AS TIPOLOGIAS DE MITROFF ORIENTADOR: PROFESSOR JORGE HENRIQUE CABRAL FERNANDES BRASÍLIA, DEZEMBRO DE 2008 GILBERTO DIAS PALMEIRA JÚNIOR GESTÃO DE CRISES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL: UM ESTUDO SOBRE AS TIPOLOGIAS DE MITROFF Monografia apresentada ao Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciência da Computação: Gestão de Segurança da Informação e Comunicações. Orientador: Professor Dr. Jorge Henrique Cabral Fernandes Brasília – dezembro de 2008 Monografia de Especialização defendida em quinze de dezembro de 2008, sob o título “GESTÃO DE CRISES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL: UM ESTUDO SOBRE AS TIPOLOGIAS DE MITROFF", por Gilberto Dias Palmeira Júnior, em Brasília - DF, e aprovada perante a banca examinadora constituída pelo(a)s professore(a)s e pesquisadore(a)s: Prof. Dr. Jorge Henrique Cabral Fernandes (Orientador) Universidade de Brasília Prof. MSc. João José Costa Gondim Universidade de Brasília Profa. Dra. Magda Fernanda Medeiros Fernandes. Ministério da Educação Brasília, dezembro de 2008 iii DEDICATÓRIA Dedico à minha querida esposa Suzana e à minha amável filha Juliana que foram pessoas fundamentais para a realização deste trabalho. Agradeçolhes, de coração, o amor e a compreensão dispensada durante os longos meses de labuta. iv AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos vão para todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho. Em especial, para as seguintes pessoas: Ao Professor Jorge Henrique Cabral Fernandes, à sua equipe e aos professores pela sua dedicação e apoio durante o curso. Ao Sr. Raphael Mandarino Jr. e ao Cel. Reinaldo Simião do GSI por nos proporcionar essa oportunidade de desenvolvimento pessoal e profissional. Aos colegas do Curso de Especialização pela amizade e agradável convivência durante estes últimos anos. Aos colegas e amigos do Banco Central do Brasil, especialmente aos senhores Sidney Furtado Bezerra, Ricardo Franco Coelho, José Domingos Correa e Paulo Cesar Cardoso Rocha. A Deus, por minha vida e tudo que nela acontece. v RESUMO O objetivo deste trabalho é experimentar o modelo teórico de tipologias de crises proposto por Mitroff, aplicando-o na classificação das crises que afligem ou afligiram a Administração Pública Federal do Brasil. Esta pesquisa é considerada exploratória, aplicada, qualitativa e documental, com características bibliográficas por envolver o exame de materiais já publicados que serviram de subsídio para análise e classificação das crises estudadas. O estudo produzido poderá auxiliar no desenvolvimento da área de gestão de crises aplicada na APF, baseado nos estudos de Mitroff em agrupar crises em tipos definidos. Com o “agrupamento” de crises, espera-se, em vez de serem envidados esforços no gerenciamento específico de uma crise, que possam ser desenvolvidos “portfólios” de ações aplicáveis a várias crises do mesmo tipo. Foram selecionados alguns dos fenômenos complexos e danosos mais relevantes relacionados à APF nos últimos dez anos e que podiam ser caracterizados como crises. A todos eles pôde ser aplicado o modelo de tipologias de Mitroff. Com os resultados, é possível verificar a aderência do modelo proposto por Mitroff às crises estudadas. Palavras-chave: Gestão de crise. Tipologias de crises. Modelo de Mitroff. Administração Pública Federal. vi ABSTRACT The aim of this work is to try out the theoretical model of crises typologies proposed by Mitroff, using them on the classification of the crises that had tormented the Brazilian Federal Public Administration (APF). This research is considered exploratory, applied, qualitative and documental, with bibliographic characteristics by involving the examination of published stuff that gave aid to the analysis and classification of studied crises. This work will be able to help the Crises Management development applied to APF based on Mitroff’s studies in grouping crises in defined types. By clustering crises, the author expects that future developed ‘action portfolios’ should be applied to a block of crises rather than organizations endeavor efforts towards a particular crisis management. Some of the most relevant complex and harmful phenomena related to APF in the past ten years and which could be characterized as crises were selected. Mitroff’s typologies model could be successfully applied to all of them. By the results, it is possible to verify the compliance of Mitroff’s proposed model with the studied crises. Keywords: Crisis management. Typologies of crises. Mitroff’s model. Public administration. vii LISTA DE FIGURAS Figura 1 - A idéia do desenvolvimento cronológico de uma crise envolvendo as três fases do gerenciamento de crise. __________________________________ 26 Figura 2 – Ciclo de vida de uma crise. __________________________________ 26 Figura 3 – Bússola de Tipos Funcionais Junguianos. _____________________ 28 Figura 4 – Tipos diferentes de crises corporativas. _______________________ 30 Figura 5 – Causas e origens de crises corporativas.______________________ 31 Figura 6 – Ações organizacionais preventivas de crises. __________________ 33 Figura 7 – Proposta de distribuição das crises levantadas_________________ 63 viii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABIN – Agência Brasileira de Inteligência AECA – Asociación Española de Contabilidad y Administración de Empresas ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica APF – Administração Pública Federal CEF – Caixa Econômica Federal CM – Crisis Management COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito DECEA – Departamento de Controle do Espaço Aéreo ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ESG – Escola Superior de Guerra EUA – Estados Unidos da América GSI/PR – Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República ICM – Institute for Crisis Management INFRAERO – Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária MD – Ministério da Defesa MF – Ministério da Fazenda MJ – Ministério da Justiça MME – Ministério de Minas e Energia MRE – Ministério das Relações Exteriores PCC – Primeiro Comando da Capital PETROBRAS – Petróleo Brasileiro S/A ix PF – Polícia Federal PR – Presidência da República STF – Supremo Tribunal Federal x SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ____________________________________________ 12 2 O PROBLEMA ____________________________________________ 14 3 2.1 Definição___________________________________________________ 14 2.2 Objetivos Gerais ____________________________________________ 15 2.3 Objetivos Específicos ________________________________________ 15 2.4 Justificativa ________________________________________________ 16 2.5 Metodologia da Pesquisa _____________________________________ 17 REVISÃO DA LITERATURA _________________________________ 19 3.1 3.1.1 3.2 3.2.1 4 Administração Pública Federal ________________________________ 19 Princípios regedores da Administração Pública__________________________ 21 O Conceito de Crise__________________________________________ 21 Definições _______________________________________________________ 22 3.3 Fases de uma crise __________________________________________ 23 3.4 Tipologias de crises _________________________________________ 27 3.4.1 Introdução_______________________________________________________ 27 3.4.2 O modelo de Mitroff _______________________________________________ 28 3.4.3 Conclusão_______________________________________________________ 36 COLETA DE DADOS _______________________________________ 37 4.1 Condução da Pesquisa _______________________________________ 37 4.2 Levantamento Preliminar _____________________________________ 38 4.3 Variáveis ___________________________________________________ 39 4.4 Coleta de Dados_____________________________________________ 40 xi 5 ANÁLISE PRELIMINAR DE CRISES RELACIONADAS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL ___________________________ 43 5.1 Fenômenos identificados como crises __________________________ 43 5.2 Apagão no Setor Elétrico _____________________________________ 45 5.3 Afundamento de plataforma P36 da Petrobras____________________ 47 5.4 Mensalão___________________________________________________ 49 5.5 Caseirogate ________________________________________________ 51 5.6 Venda de áudio de sessão secreta da CPI do Tráfico de Armas para advogados do PCC ________________________________________________ 53 5.7 Caos aéreo _________________________________________________ 55 5.8 Caso Renan Calheiros________________________________________ 57 5.9 Vazamento de informações da Operação Satiagraha da PF _________ 59 5.10 Discriminação de brasileiros na Espanha________________________ 61 5.11 Análise ____________________________________________________ 64 6 DISCUSSÃO______________________________________________ 66 7 CONCLUSÕES E TRABALHOS FUTUROS _____________________ 69 7.1 Gerenciamento de Crises e a Segurança da Informação e Comunicações ____________________________________________________ 69 7.2 Conclusões_________________________________________________ 70 7.3 Trabalhos futuros ___________________________________________ 70 REFERÊNCIAS _______________________________________________ 73 APÊNDICE A – Referências sobre crises __________________________ 80 APÊNDICE B – Conteúdo de notícias e reportagens ________________ 85 1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento humano em todas as áreas – econômica, tecnológica, social, política etc. – tem avançado em um ritmo assustador e as suas inter-relações estão cada vez mais críticas. Não se fala mais de transformações em uma área sem levar em conta seus efeitos em outras: a construção de uma nova hidrelétrica gerará centenas ou milhares de empregos (social) e suprirá uma crescente demanda mundial por energia (econômica), mas, por outro lado, poderá trazer impactos importantes ao meio ambiente (ambiental); a implementação de uma nova tecnologia poderá trazer ganhos de produtividade e competitividade (econômica), mas também poderá gerar desemprego (social); etc. As situações são as mais diversas e essa interdependência acumula um sem-número de variáveis que, inevitavelmente, torna qualquer empreendimento humano tão complexo que muitos problemas emergentes acabam por não receber tratamento apropriado – por inexistência, negligência ou mal planejamento – e que desembocam em crise. Apesar de que crises vêm acompanhando a humanidade desde seus primórdios, o campo do gerenciamento e gestão de crises é bem recente. O estudo sistemático sobre o assunto se desenvolveu nos últimos trinta anos principalmente voltados para organizações industriais e normalmente estão concentrados na Europa e na América do Norte (Smith & Elliott, 2006). Pouco estudo acadêmico existe sob a ótica brasileira no campo de gestão de crises. No Brasil, basicamente utilizam-se modelos estrangeiros adaptados e tratando–se de organizações da Administração Pública Federal o cenário ainda é pior, uma vez que somente nos últimos anos as instituições governamentais começaram a se preocupar com o problema. Com o propósito de contribuir na criação de conhecimento sobre gestão de crises na Administração Pública Federal, este trabalho apresenta um modelo teórico/conceitual de tipologias de crises proposto por Mitroff et al (2006) e, a partir do levantamento, avaliação e quantificação de casos recentes 12 de fenômenos danosos e complexos que podem ser caracterizados como crises na APF, sugere um perfil que descreve os tipos de crises que envolvem a APF brasileira, segundo aquele modelo. O problema estudado, os objetivos deste trabalho e a metodologia de pesquisa são tratados no segundo capítulo. No terceiro capítulo é encontrada uma revisão da literatura onde se trata a definição da Administração Pública Federal do Brasil e também uma visão geral dos conceitos de crise mais usados no âmbito das organizações, juntamente com as descrições das fases em seu ciclo de vida. Também é feito um estudo sobre o modelo teórico de tipologias de crises proposto por Mitroff. O quarto capítulo é composto pela coleta de dados e começa com a explicação do referencial adotado para nortear a condução deste trabalho. Na seqüência, são tratados o levantamento preliminar e a coleta de dados sobre as crises mais relevantes que afetaram a APF nos últimos dez anos. A análise dessas informações é relatada no capítulo 5. No capítulo 6 são consideradas as restrições e dificuldades encontradas na seleção, classificação e análise das crises, assim como identificação de ações preventivas aplicáveis a essas crises de acordo com o modelo de Mitroff. Por fim, conclui-se este trabalho comentando os resultados obtidos e traçando-se uma caracterização básica das crises que vêm consternando a Administração Pública Federal do Brasil e sugerindo possíveis estudos e ações subseqüentes. 13 2 O PROBLEMA 2.1 Definição O início do século XXI no Brasil tem sido marcado por vários fenômenos que podem ser caracterizados como crise: Crise do Mensalão, crises na Câmara Federal e no Senado, Caos no Sistema de Tráfego Aéreo, Apagão no Setor Elétrico, derramamento de óleo na Baía da Guanabara, vazamento da Refinaria de Araucária, no Paraná, afundamento da plataforma P-36, acidente do vôo 402 da TAM, a queda do ministro Antônio Palocci, CPI dos Bancos, crises econômicas e cambiais, greves etc. Nem sempre o termo “crise” é empregado de forma correta (Smith, 2006, chapter 1), mas boa parte desses fenômenos pode ser tecnicamente caracterizada como tal e envolveu a APF. No final do século passado, Mitroff e outros autores (Smith & Elliott, 2006) realizaram estudos com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de uma teoria geral de gestão de crises. Em 1986, questionários foram enviados às mil corporações listadas na revista americana Fortune buscando validar, com dados empíricos, alguns modelos conceituais. Um importante resultado desses estudos foi a aplicação de um conjunto de tipologias de crises definidas (Mitroff et al, 2006). Durante a análise dos dados, os pesquisadores agruparam as crises e levantaram questionamentos como: se há uma ordem por trás das diferentes crises, então esta ordem pode auxiliar as organizações a se prepararem para um bloco ou família de crises no lugar de meramente tratar cada crise separadamente e mesmo de uma maneira fragmentada? Se tal ordem existe, ela pode ajudar as organizações a dar coerência aos seus esforços de gerenciamento de crise? Em vez de monitorar cada crise separadamente, elas podem ser monitoradas em grupo ou família de maneira que, por exemplo, um determinado grupo possa ser evidenciado pelos mesmos tipos de avisos antecipados? As respostas a essas perguntas são promissoras, mas ainda estão em desenvolvimento (Mitroff et al, 2006). 14 Diante desse contexto, surge o interesse em se desenvolver estudos semelhantes no âmbito da Administração Pública Federal do Brasil. Com isso, para o primeiro passo, a seguinte questão vem à tona: como se caracterizam as crises que assolam a APF brasileira segundo as tipologias utilizadas por Mitroff? Este é o foco do presente estudo que visa explorar uma parte de um tema bem maior, que é Gestão de Crises na Administração Pública Federal brasileira. Assim, o resultado deste trabalho objetiva dar um primeiro passo no que se refere à identificação dos tipos de crises mais comuns na APF, contribuindo para os estudos no gerenciamento e gestão de crises. 2.2 Objetivos Gerais Esta pesquisa tem como objetivos gerais: 1) avaliar o modelo teórico/conceitual de tipologias de crises proposto por Mitroff; 2) identificar os principais fenômenos com características de crise que afligiram a Administração Pública Federal brasileira nos últimos dez anos; e 3) classificar as crises identificadas, segundo o modelo de tipologias proposto por Mitroff. 2.3 Objetivos Específicos Como objetivo específico, pretende-se: a) arrolar os principais tipos de crise que afligem a Administração Pública Federal brasileira nos últimos dez anos, segundo o modelo de tipologias de crises proposto por Mitroff. 15 2.4 Justificativa A Administração Pública Federal tem passado nos últimos anos por um processo intenso de transformações no Brasil. São mudanças importantes, que estão reformando a estrutura do Estado brasileiro com fortes efeitos na sociedade (Guimarães, 2003). Além de mudanças na própria APF, mudanças de ordem econômica, na infra-estrutura de transportes, na previdência social, na área ambiental e outras geraram inter-relacionamentos tão fortes e complexos entre os mais diversos campos que não se pode mais tratar qualquer assunto da nação de forma isolada. De modo geral, segundo Oliveira (1994), essa crescente complexidade verificada no contexto que as empresas operam torna-as cada vez mais expostas ao risco de entrar em crise sem nenhum prévio aviso. Como exemplos atuais e fazendo analogias ao Efeito Borboleta de Lorenz (2000) em sistemas complexos, se questiona quais serão os efeitos em curto, médio e longo prazos em todas as áreas (governamental, social, econômica, ambiental etc.) da crise imobiliária nos EUA ou do descobrimento de petróleo na camada do pré-sal nas bacias de Campos e do Espírito Santo. A crise nos EUA pode gerar uma crise aqui, mas em que proporção? Afetará a APF? Com a possibilidade de se criar uma nova estatal para a exploração do petróleo na camada do pré-sal (Leitão & Thomé, 2008), com certeza a APF sofrerá impacto: nova instituição, novas carreiras profissionais, novos concursos e licitações, novos recursos e leis. Nesse universo de variáveis e incertezas existe uma constante: a mudança. E dentro da mudança existe um potencial de crise. Mais cedo ou mais tarde, um problema, grande ou pequeno, vai acontecer em algum aspecto da sociedade, dentro ou fora do Brasil, e que, se não for controlado no tempo adequado, poderá desencadear outros problemas que tomarão proporções tais que acabarão terminando em uma crise. É o Efeito Borboleta. E depois da crise instaurada, como gerenciá-la? Sun Tzu disse em A arte da Guerra: “conheça o inimigo e conheça a si mesmo; assim, em uma centena de batalhas, você nunca correrá perigo.” 16 O primeiro passo deverá ser conhecer melhor a crise. Conhecer as características de uma crise possibilitará seu melhor entendimento e facilitará o árduo esforço em gerenciá-la. Desse modo, a elaboração do presente trabalho se justifica na medida em que seus resultados compõem uma proposta prática de modelo de tipologias de crises aplicável à APF. Essa aplicabilidade do modelo de tipologias de crises e a escassez de estudos de gerenciamento de crises na Administração Pública Federal foram os grandes motivadores na produção deste trabalho. Infelizmente, o tempo a ser demandado para abranger a amplidão do assunto em estudo seria muito maior que o disponível. A solução empregada foi a limitação do escopo para a identificação e mapeamento das principais crises que têm afligido a APF nos últimos dez anos, classificando-as segundo o modelo proposto por Mitroff, com a intenção de que possa contribuir para que se conheçam melhor as crises facilitando seu tratamento e gestão. 2.5 Metodologia da Pesquisa Para a caracterização desta pesquisa, considera-se como referência a obra de Silva e Menezes (2005, p. 19-23) por ser sintética e objetiva e por compilar os conceitos predominantes na literatura atual. Quanto à natureza, esta monografia é classificada como Pesquisa Aplicada por produzir conhecimentos para aplicação prática, direcionados a resolver problemas bem definidos. Quanto à abordagem do problema a pesquisa é Qualitativa por considerar a percepção subjetiva do sujeito como um dos elementos fundamentais na relação com o mundo real. É Exploratória, pois visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito ou a construir hipóteses. 17 Em relação aos procedimentos técnicos, a pesquisa se classifica como Pesquisa Bibliográfica em conjunto com Pesquisa Documental, uma vez que envolve o exame de textos já publicados que servem de subsídios para análise básica do discurso e classificação de crises pelas quais passaram os órgãos da APF brasileira. Isso evidencia o caráter Exploratório da pesquisa por proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito. 18 3 REVISÃO DA LITERATURA Neste capítulo é apresentado o resultado da revisão bibliográfica em torno do conceito de Administração Pública Federal, do conceito de crise e suas etapas e sobre tipologias de crises baseadas nos estudos de Mitroff seção relacionada ao tema central deste trabalho. 3.1 Administração Pública Federal Nos tempos atuais, é definido o conceito de Administração Pública por Meirelles (apud Guimarães, 2005, p. 19) como sendo: “... todo o aparelhamento do Estado, pré-ordenado à realização de seus serviços, visando a satisfação das necessidades coletivas.” A Asociación Española de Contabilidad y Administración de Empresas – AECA (apud Guimarães, 2005, p. 19) - menciona que a Administração Pública inclui “todas as unidades institucionais que são produtoras (não de mercado) cuja produção se destina ao consumo do indivíduo e coletivo”. Quanto à sua constituição, o Decreto-Lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967, em seu quarto parágrafo revela: “a Administração Federal compreende: I. A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II. A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas públicas; c) Sociedades de economia mista. d) Fundações públicas.“ 19 As autarquias e as fundações públicas têm natureza jurídica de direito público, enquanto que as empresas públicas e sociedades de economia mista têm natureza jurídica de direito privado. Também se inserem nesse contexto os chamados Órgãos Públicos, os quais existem para que a vontade do Estado seja realizada por meio do desempenho das atribuições dos agentes públicos. De modo geral, compreende-se que a Administração Pública Federal reúne órgãos da administração direta, indireta (autárquica) e fundacional, ou seja: • Presidência da República; • Ministérios; • Receita Federal do Brasil; • Forças Armadas; • IPEA e agências reguladoras federais; • Autarquias como o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP); entre outras. Também são considerados outros órgãos (fundações, secretarias e departamentos etc.) ligados aos acima relacionados. Dentro dessa diversidade de instituições são encontradas diferentes realidades. Percebem-se situações extremas, como órgãos que podem contar com centenas de milhares de servidores – como as forças armadas, por exemplo – e algumas secretarias e ministérios que dispõem apenas de algumas poucas centenas no seu contingente1. Assim, mesmo assuntos de interesse comum entre os órgãos, como a Segurança da Informação e Comunicações (Instrução Normativa GSI Nº 1, de 13 de junho de 2008), acabam sendo tratados de maneiras diferentes. Enquanto algumas instituições mobilizam verdadeiros “times” com dezenas de pessoas de seu quadro para 1 Boletim Estatístico de Pessoal / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Recursos Humanos. Descrição baseada no vol.13 n.151 (Nov. 2008) – Brasília. 20 tratar de SIC, outros deixam a responsabilidade quase que totalmente nas mãos de terceirizados. 3.1.1 Princípios regedores da Administração Pública A Constituição Brasileira e toda legislação pertinente estabelecem a necessidade de subordinação da Administração Pública aos denominados princípios fundamentais, mas não definem, propriamente, em que eles consistem. Em seus estudos, Affonso (2001)i apresenta uma síntese condensada do que os especialistas na área do Direito Administrativo Brasileiro dizem sobre o assunto. Os princípios fundamentais elencados por Affonso são: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade, Eficiência, Eficácia, Legitimidade, Economicidade, Finalidade, Motivação, Razoabilidade, Proporcionalidade, Ampla Defesa, Contraditório, Segurança Jurídica e Especialidade. O conteúdo integral da análise de Affonso é encontrado no Apêndice B deste trabalho. 3.2 O Conceito de Crise Smith (2006, chapter 1), descreve crise como uma palavra de significado ambíguo e que na atualidade tem sido utilizada indistintamente e confundida com desastre, continuidade do negócio e risco. Complementa que também é por vezes empregada equivocadamente em situações de difícil tratamento, mas que na realidade não trazem potencial de dano ou destruição. Existem várias definições e interpretações sobre o que pode ser crise devido às diversas características que podem classificá-la como um fenômeno natural ou social complexo e danoso. 21 3.2.1 Definições A Escola Superior de Guerra (2006) define crise como sendo “um estado de tensão, provocado por fatores internos e/ou externos, sob o qual um choque de interesses, se não administrado adequadamente, corre o risco de sofrer um agravamento, até a situação de enfrentamento entre as partes envolvidas.” Apesar de bastante interessante, esta definição parece estar limitada aos aspectos das relações sociais (indivíduos, grupos, nações etc.) que são marcadas por conflitos entre as partes gerando desequilíbrios entre elas. Esse entendimento sobre crise é adequado quando o assunto é Relações Internacionais. Mas, será que ele expressa bem o conceito de crise em outras áreas do conhecimento como a medicina, a engenharia, a economia e outras? Por mais que alguém tente “forçar” esse conceito, ou outro qualquer, para definir de maneira geral o que é crise, na aplicação do conceito pré-definido serão encontradas características contextuais que provocarão um ajuste ou o próprio descarte deste conceito. Como o foco deste trabalho é a Administração Pública Federal, o estudo de crise está restrito a organizações. De acordo como o Institute for Crisis Management (apud Lopes & Freire, 2008, p. 48), crise é: “uma ruptura empresarial significante que estimula grande cobertura na mídia. O resultado do exame minucioso feito pelo público afetará as operações normais da organização, podendo ter impacto político, legal, financeiro ou governamental nos negócios.” Já Lerbinger (apud Lopes & Freire, 2008, p. 48) define crise como “um evento que traz ou tem potencial para trazer à organização uma futura ruptura em sua lucratividade, seu crescimento e possivelmente sua própria existência.” Segundo Smith (2006, chapter 1) crise é “um evento ou série de eventos danosos que apresentam propriedades emergentes que excedem as habilidades de uma organização em lidar com as demandas de tarefas que eles geram, e que apresentam implicações que afetam uma proporção considerável da organização, bem como outras corporações.” Fernandes (2008) complementa que “os fenômenos emergentes possuem as seguintes características: o todo é maior que a soma das partes, possuem comportamentos dinâmicos (não-lineares e complexos; analiticamente 22 imprevisíveis, mas persistentes na prática; formam-se dentro do todo de um conjunto formado por elementos interativos), e são não formuláveis do ponto de vista analítico-matemático.” Fernandes (2008) ainda comenta que crises são localizadas temporal e espacialmente. Esses são apenas alguns exemplos de definição de crise que se pode encontrar na literatura. Em vista de tantas definições, uma crise pode, freqüentemente, ser identificada pela presença de alguns fatores que são comuns a todas elas, quais sejam (Berge apud Oliveira, 1994, pp. 25 e 26): a) a iminência percebida (seja real ou não) do risco de algum tipo de dano ou prejuízo (físico, financeiro, moral ou outro) para a organização; b) um encadeamento de eventos ameaçadores para a organização, crescentemente importantes, sobre os quais os dirigentes têm pouco ou nenhum controle; c) uma atmosfera que convida a um senso de urgência quanto à necessidade de resolver a situação, senso esse apreendido por meio da impressão desconfortável de que o tempo está se escoando inexoravelmente; e d) a percepção de rumores e especulações, muitos dos quais sem fundo de verdade que, no entanto, persistem, multiplicam-se e crescem em intensidade, elevando o nível de ansiedade de todos os envolvidos. Esses fatores são utilizados na tentativa de caracterizar como crise os fenômenos estudados neste trabalho. 3.3 Fases de uma crise No desenvolvimento da área de conhecimento de gestão de crises, vários autores buscam uma descrição do ciclo da crise em fases ou etapas. Nesta seção, é considerado o arcabouço ou framework proposto por Smith 23 (2006, chapter 7) para conceitualizar o processo de gerenciamento de crise e para ilustrar uma convergência por diversos autores na divisão das fases da crise (Lopes & Freire, 2008). O gerenciamento (ou gestão) de crise pode ser considerado como um processo de encadeamento entre prevenção, resposta e recuperação cuja extensão pode ocupar períodos consideráveis de tempo. Ilustrado na Figura 1. Smith (2006, chapter 7) estabelece que, além da evidente “Crise Operacional”, existem duas outras fases muito importantes no decorrer de uma crise. São elas a “Crise de Gestão” ou “Latente” e a “Crise de Legitimidade”. A Crise de Gestão se refere a aspectos de níveis estratégico e de sistemas que podem gerar problemas nos níveis funcionais e operacionais, problemas esses com potencial de desencadearem crises. Aqui se diz que a crise está “incubada” por não ter sido propriamente identificada ou caracterizada como crise. É necessário um “evento disparador” para que ela comece a se manifestar (Smith, 2006, chapter 20). Na fase da Crise Operacional, o evento se transforma em um incidente tão sério que danos são causados ou a imagem da organização se torna ameaçada. Durante o início desta fase, os planos e as equipes de contingência, se existirem, devem ser mobilizados na tentativa de evitar que o evento emirja e aumente em escala rapidamente. Caso não haja sucesso, a crise é instalada e entra em sua fase aguda onde a sustentação da organização se põe em risco. Surge a necessidade de esforços adicionais e, após esgotarem-se todos os recursos internos de contingência, podem acontecer ações de agentes externos (considerados “salvadores”) que freqüentemente assumem o controle do evento danoso até que as demandas retornem ao nível em que podem ser tratadas por processos gerenciais rotineiros. Dependendo do tipo de “intervenção” externa e sua duração, a organização pode passar por uma longa exposição na mídia impactando sua reputação, valor de mercado e situação legal. Assim, a crise não acaba no momento em que o “problema agudo” é colocado sob controle, mas pode evoluir ainda mais quando a crise passa a ser um problema reputacional, iniciando a Crise de Legitimidade. 24 Nesta fase final do framework, também conhecida por “recuperação”, surgem os aspectos relacionados ao turnaround management e à recuperação da reputação, e um leque de processos visando assegurar a legitimidade da organização perante seus stakeholders internos e externos. Também é nesta última fase que são incluídos os processos de aprendizagem organizacional, os quais proporcionam muitas das condições necessárias para, dentro do gerenciamento de crises, lidar com problemas futuros de incubação de crises (Elliott et al apud Smith, 2006; Smith apud Smith, 2006). A falha nesse tipo de aprendizagem pode sujeitar a organização a novas situações de crise. Smith (2006, chapter 20) também afirma que é possível caracterizar uma crise como um conjunto crescente de demandas de tarefas que desafiam a capacidade dos gerentes e “operadores” de trazer o “evento” para a sua “esfera de controle”. A partir do ponto que eles perdem o controle, pode-se considerar que o evento se tornou uma crise. A Figura 2 pretende caracterizar este processo e assume que a crise se instala quando a contenção das demandas de tarefas do “evento” está além das capacidades da organização e este evento cresce em escala muito além dos limites dos planos de contingência existentes. A esta altura, recursos externos serão requeridos (ou mesmo impostos à organização) para recuperar os prejuízos causados e para prevenir maior crescimento do “evento”. No desenrolar de uma crise, o processo decisório é crucial. As decisões tomadas são momentos em que o evento pode tanto ser trazido de volta ao controle (contenção da crise) ou pode aumentar ainda mais suas proporções até chegar ao ápice da crise. Esses momentos são representados de uma maneira simplista, na Figura 2, pelo ponto de inflexão. A área em volta do ponto de inflexão é chamada “espaço de soluções” (Fernandes, 2008), por se tratar de um intervalo de tempo que apresenta uma relevância significante na natureza das decisões subseqüentes (Smith, 2006, chapter 20). 25 Figura 1 - A idéia do desenvolvimento cronológico de uma crise envolvendo as três fases do gerenciamento de crise. Fonte: Fernandes (2008 - adaptado de Smith, 2006, chapter 7). Figura 2 – Ciclo de vida de uma crise. Adaptado de Fernandes (2008) e Smith (2006, chapter 20). 26 Por ser uma ilustração simplificada do processo, a Figura 2 apresenta somente um ponto de inflexão, porém ele pode aparecer várias vezes em diversos momentos durante o ciclo de vida de uma crise. Os momentos de acionamento dos planos de contingência da organização são de particular importância. O objetivo de qualquer processo de contingência é impedir um evento de crescer ao ponto em que a organização perde o controle e haverá vários processos de decisão importantes neste processo (que também podem ser expresso com pontos de inflexão). 3.4 Tipologias de crises 3.4.1 Introdução Mitroff, em seus estudos para o desenvolvimento de uma teoria geral de gestão de crises, propõe que uma das questões mais críticas relacionadas ao desenvolvimento de tal teoria é “Até que ponto uma teoria de gestão de crises pode ser geral?” Embora as crises difiram extremamente em suas causas fundamentais, em seus tratamentos e prevenção, existe, apesar de tudo, algum padrão ou estruturas comuns que dão suporte às crises? Se isso acontece, quais são eles? Até que ponto esses padrões e estruturas são universalmente aplicáveis para a predição, o tratamento e a prevenção (ou seja, para a gestão) de todas as crises? Baseado nessas indagações, Mitroff vem analisando por muitos anos crises organizacionais de origem humana. Assim, em seu artigo de 2006: The Structure of Man-Made Organizational Crises: Conceptual and Empirical Issues in the development of a General Theory of Crisis Management – Mitroff et al. – propõe a estrutura fundamental para um modelo teórico e apresenta dados empíricos para confrontar este modelo. O foco deste presente trabalho aborda apenas o modelo de tipologias de crises proposto por Mitroff. 27 3.4.2 O modelo de Mitroff Mitroff propõe uma lista expandida de crises - Figura 4 - classificada de acordo com duas dimensões primárias: 1) a fonte originária da crise e 2) se ela é devida primariamente a fatores técnicos ou humanos/organizacionais. Estas dimensões surgem da aplicação da tipologia de Jung – apresentada em estudos anteriores2 por Mitroff como aplicável a um conjunto grande de fenômenos organizacionais. A tipologia Junguiana aborda aspectos da personalidade humana. Nesta tipologia são definidos os tipos atitudinais e os tipos funcionais. Os tipos funcionais são as quatro maneiras de se interpretar a realidade: Sensação, Pensamento, Sentimento e Intuição. A Figura 3 ilustra os posicionamentos diametralmente opostos dos tipos funcionais. Pensamento Sensação Intuição Sentimento Figura 3 – Bússola de Tipos Funcionais Junguianos. Adaptado de Mitroff et al (2006). A outra dimensão considera a maneira com a qual um indivíduo responde ou interage com o mundo, utilizando os conceitos de Introversão (dirigida para dentro do reino das imagens, das idéias e do inconsciente) e de Extroversão (projetada no mundo exterior, nas outras pessoas e objetos), ambos diametralmente opostos. 2 Mitroff, Ian I. (1983) Stakeholders of the Organizational Mind? Toward a New View of Organizational Policy Making, Jossey-Bass: San Francisco. 28 Pode-se observar na Figura 4 a diferenciação entre crises que surgem dentro de, ou internas a uma organização e crises que surgem externas a ela. Esta dimensão corresponde a uma combinação das distinções Junguianas introversão/extroversão e sensação/intuição. A diferença está entre os fatores que são observados no curto prazo e/ou interno ao ambiente e os fatores que são observados em longo prazo e/ou como externos à organização. Do lado interno são verificados tipos de crises resultantes de fraquezas da instituição, enquanto que do lado externo, observam-se crises ocasionadas por fatores de fora da organização que representam ameaças a ela. Por exemplo, “defeitos de produtos/serviços”, “defeitos de instalação/Acidentes industriais” e “falha de comunicação” podem ter sido causados por problemas no processo de trabalho (interno), enquanto que “tomada de posse hostil”, “Crises governamentais” e “greves trabalhistas” podem ter como causa uma legislação trabalhista inadequada ou discordância dos trabalhadores com alguma decisão do governo (externo). Esta distinção é crucial porque, como será visto a seguir, o gerenciamento de crises não é o mesmo para todos eles. A diferença entre as crises que são causadas primariamente por colapsos ou fatores técnicos/econômicos e as crises que são causadas por colapsos do tipo pessoas/organizacional/social também são observadas na Figura 4. Esta distinção pensamento/sentimento. A corresponde diferença está à dimensão entre as crises Junguiana que são primariamente ou imediatamente devidas a ações humanas (ex.: rumores, terrorismo) daquelas que são primariamente ou imediatamente devidas a fatores técnicos ou econômicos (ex.: crises internacionais, defeitos de instalação da empresa). Alguém pode argumentar que boa parte das crises classificadas como técnicos/econômicos possuem como origem, em uma análise mais profunda, fatores do tipo pessoas/organizacional/social. Apesar de ser uma possibilidade, não é fácil tirar essa conclusão de imediato. Essas crises não devem ser reclassificadas a não ser que, logo no momento de sua identificação, sejam constatados como suas causas fatores do tipo pessoas/organizacional/social como, por exemplo, sabotagem ou terrorismo. 29 Técnico/Econômico Quadrante 1 Defeitos de produtos/serviços Defeitos de instalação/Acidentes industriais Quadrante 2 Destruição ambiental/Acidentes industriais alastrados Falha de sistemas em larga escala Pane de computadores Desastres naturais Informações incompletas, não reveladas Tomada de posse hostil Falência Crises governamentais Crises internacionais Interno Externo Quadrante 4 Quadrante 3 Falha na mudança/adaptação Projeção fictícia Colapso organizacional Sabotagem Falha de comunicação Terrorismo Sabotagem Seqüestro de executivos Adulteração de produtos in loco Adulteração de produtos fora do local Falsificação Falsificação Rumores, boatos maliciosos, piadas Rumores, boatos maliciosos, piadas doentias doentias Atividades ilegais Greves trabalhistas Assédio sexual Boicotes Doenças laborais Pessoas/Social/Organizacional Figura 4 – Tipos diferentes de crises corporativas. Fonte: Mitroff et al (2006). A Figura 4, apesar de apresentar uma lista bastante ampla, está longe de ser completa. Ela é apenas um subconjunto do universo de possíveis crises. Segundo Mitroff, a completude é impossível no campo de gestão de crise. Ao lidar com uma crise, basicamente se lida com um fenômeno ainda em aberto, emergente ou mal estruturado, não com um fenômeno bem estruturado. “Completude não é uma das principais características de fenômenos mal estruturados.” A Figura 4 apenas procura fornecer uma maneira de delimitar 30 conceitualmente os fenômenos por meio dos diferentes tipos de crises distribuídos nos diversos quadrantes. Seguindo a mesma linha, a Figura 5 mostra vários tipos de causas subjacentes que podem ser identificadas aos vários tipos de crises mostrados na Figura 4. Técnica/Econômica Quadrante 1 Defeitos de produtos não detectados, não estudados e inesperados Quadrante 2 Condições ambientais imprevistas, não estudadas Defeitos de instalação/produção não detectados Sistemas técnicos de monitoramento defeituosos Sistemas de detecção defeituosos Planejamento estratégico defeituoso Projeto/controles de backup defeituosos Planejamento social deficiente Monitoramento global deficiente Interno Externo Quadrante 4 Quadrante 3 Controles organizacionais deficientes Cultura organizacional fraca, estrutura informação/comunicação, e retribuições Falha ao projetar e implementar novas instituições sociais Monitoramento social falho de agentes criminosos: organizacionais deficientes Treinamento deficiente dos operários Ex-empregados descontentes Planejamento de contingência deficiente Assassinos Falhas/erros dos operários Seqüestradores Sabotadores internos Terroristas Triagem falha de empregados Sabotadores externos Assassinos imitadores Psicopatas Pessoas/Social/Organizacional Figura 5 – Causas e origens de crises corporativas. Fonte: Mitroff et al (2006). As vantagens em classificar crises pelas suas causas em vez de pelos seus impactos é a prevenção. O estudo de crises passadas permite a 31 identificação de suas causas e, assim, a proposta de ações que poderiam ter eliminado essas causas ou minimizado seus efeitos. Então, crises podem ser evitadas quando problemas são detectados em sua origem e soluções preventivas são imediatamente tomadas. Na Figura 5 são diferenciados os fatores de origem de uma crise entre os que, em um primeiro pessoas/organizacional/social momento, (ex.: são sabotadores) nitidamente dos fatores do tipo do tipo técnicos/econômicos (ex.: defeitos de produtos não detectados, não estudados e inesperados). Já no outro eixo, a classificação é feita de acordo com a percepção de que uma crise possui causas internas ou externas (ex.: sabotadores internos ou externos, respectivamente). Por fim, a Figura 6, que como a Figura 5 também é organizada nos moldes Junguianos, mostra a grande variedade de ações que são virtualmente acessíveis às empresas para amenizar, se preparar, enfrentar e se recuperar dos vários tipos de crises identificáveis. O eixo vertical dispõe as ações organizacionais preventivas buscando eliminar ou mitigar crises de acordo com os seus diferentes tipos e causas. Assim, elas se dividem em técnicas/econômicas (ex.: aumentar o rigor sobre operações internas e estabelecer centros de comando de crises) e pessoas/organizacional/social (ex.: treinamento em detecção e reestruturação organizacional). Já no eixo horizontal, a Figura 6 revela que as ações direcionadas ao ambiente interno podem ou devem ser aplicadas em curto prazo ou dose única ou em partes individuais isoladas ou ainda uma combinação destes três aspectos, devido à autonomia interna da organização (ex.: treinamento em detecção e hierarquia de comando). E, pela capacidade limitada de controle do ambiente externo, as ações na outra extremidade aparecem com duração continuada e de longo prazo e com efeitos/aplicações sistêmicos (ex.: educação do consumidor, ombudsmen e fiscais). 32 Técnica/Econômica Quadrante 1 Quadrante 2 • Embalagens preventivas/seguras • Sistemas e redes de monitoramento especializadas • Melhor detecção • Promoção de discussões “continuadas” sobre planejamento • Aumentar o rigor sobre a segurança do sistema • Trazer para dentro especialistas externos; formar redes • Aumentar o rigor sobre operações internas • Controles operacionais e de gerenciamento melhores permanentes • Projetar lojas do futuro • Monitoramento amplo de sistemas • Aumentar o rigor sobre projetos de plantas e equipamentos mais minuciosos • Estabelecer centros de comando de crises • Revisões periódicas e obrigatórias • Hierarquia de comando • Unidades de gerenciamento de crises Dose única Curto prazo Continuado Longo prazo TEMPO e ESPAÇO Ambiente imediato Partes individuais isoladas Quadrante 3 Ambiente estendido Sistêmico Quadrante 4 • Preparação emocional • Construir perfis de psicopatas, terroristas, imitadores etc. • Aconselhamento psicológico para empregados • Estabelecer linhas diretas de comunicação preventivas • Treinamento em segurança para todos os • Patrocinar grupos de afinidade comunitários empregados • Educação do consumidor • Treinamento em detecção • Grupos de ação política • Grupos de apoio social • Patrocinar programas para a saúde mental • Treinamento em mídia • Grupos de aconselhamento • Reexaminar a cultura organizacional • Estabelecer unidades permanentes de gerenciamento de crises • Reestruturação organizacional • Ombudsmen e fiscais • Times de auditoria externos para inspecionar vulnerabilidades • Programas e treinamento em mídia para todos os executivos • Trabalhar com associações industriais • Trabalhar com centros de pesquisa • Estabelecer programas em ética nos negócios Pessoas/Social/Organizacional Figura 6 – Ações organizacionais preventivas de crises. Fonte: Mitroff et al (2006). 33 Observa-se que essas diversas ações organizacionais podem, além de serem utilizadas na prevenção de crises, serem utilizadas como controles na gestão de uma crise instalada. Com uma breve análise da Figura 6, Mitroff sugere que, ao contrário da impressão geral mantida por muitos administradores de que há pouco ou nada que a organização pode fazer para amenizar potenciais crises, o problema é exatamente o oposto. Existe uma grande variedade de ações contra crises e um problema encontrado pelas organizações seria como escolher dentre tantas opções, lembrando que nenhuma inclui uma prevenção perfeita ou retenção completa. Mitroff, baseado no esquema Junguiano, também sugere o estabelecimento de duas hipóteses básicas: Hipótese 1 – Crises organizacionais serão distribuídas equilibradamente por toda tipologia Junguiana. Esta hipótese segue a premissa de que organizações não controlam ou possuem apenas controle parcial sobre as crises pelas quais passam. SE este for o caso e se, de acordo com o que a teoria Junguiana postula; cada um dos tipos é igualmente funcional ou possui uma contribuição fundamental a fazer dentro de qualquer ambiente organizacional dado; ENTÃO deve se esperar encontrar uma distribuição de crises uniforme pela tipologia. A segunda hipótese segue da idéia de que, embora cada um dos tipos comportamentais ou de personalidade de Jung seja igualmente possível sob um ponto de vista teórico, eles não são uniformemente distribuídos em qualquer grupo de pessoas, ambiente social ou institucional, em particular. Peculiarmente, hoje em dia no ocidente existe uma clara preferência por “pensamento extrovertido”. Assim, espera-se encontrar: Hipótese 2 – As ações que as organizações empreendem para impedir ou prevenir crises serão significativamente voltadas pra ações técnicas. Percebe-se um forte inter-relacionamento entre as duas hipóteses. Assim, se organizações somente se empenham em determinadas ações preventivas, então isto pode de fato aumentar o seu risco para certos tipos de 34 crises. Neste sentido, organizações podem, na verdade, “controlar” ou “modelar” parcialmente os tipos de crises que encaram, tanto de forma consciente quanto inconsciente. Mitroff também observa que, na grande maioria dos casos, é possível classificar uma crise particular como cabendo principalmente - ou mesmo somente - em um determinado quadrante da Figura 4, assim como os seus reflexos nas Figuras 5 e 6. Porém, devido a diferentes interpretações conceituais que podem ser aplicadas em uma crise ou ação em particular, existem casos em que uma crise ou ação preventiva pode ser classificada em mais de um quadrante ao mesmo tempo. É citado como exemplo que algumas crises, como o terrorismo que é obviamente um ato social provocado pelo homem, são relativamente fáceis de classificar. Todavia, outras, como produtos defeituosos, são muito mais difíceis de classificar. A classificação principal cabe em um quadrante de natureza interna/técnica, na qual um defeito de produto é exatamente o que o seu nome sugere, um defeito tecnológico que é interno a um produto, isto é, latente à própria estrutura do produto. Entretanto, identificou-se uma dificuldade básica subjacente a todas as crises e, talvez, às ações e políticas de todas as organizações. Muitos problemas de ordem humana podem estar disfarçados em “problemas técnicos” como, por exemplo, negligência com o controle da qualidade, desordem organizacional ou má comunicação interna da empresa. Daí, conclui-se que existe, sob toda crise importante, envolvimento uniforme tanto de erros ou fatores técnicos quanto humanos. Em alguns casos, esses fatores serão relativamente fáceis de classificar em um quadrante ou outro como a causa original de um desastre em particular. Para outros casos, pesos iguais deverão ser atribuídos a ambos os fatores. Na realidade, pode não haver uma maneira clara de separar os dois, especialmente se tiver em conta uma visão ou abordagem sistêmica sobre o gerenciamento de crises. Para complicar um pouco mais, a classificação pode também depender da visão filosófica de quem está analisando a crise, recebendo um viés tecnológico ou social, ou ambos, ou nenhum dos dois, de acordo com os valores do analista. 35 Mitroff salienta a importância em se agrupar as crises e questiona: “se há alguma ordem por debaixo de diversas crises, então esta ordem pode ser utilizada pelas organizações para se prepararem para um bloco ou família de crises ao invés de simplesmente tratar cada uma separadamente e até mesmo de maneira fragmentada? Se tal ordem existe, pode ela, em outras palavras, ajudar as organizações a dar coerência aos seus esforços em gerenciamento de crise? Em vez de ter de monitorar cada crise separadamente, elas podem ser monitoradas em grupos ou famílias tais que, por exemplo, um certo grupo pode ser indicado pelos mesmos tipos de sinais de advertência?” 3.4.3 Conclusão Em seu trabalho, Mitroff aventa uma utilização altamente prática e eficiente do seu modelo no gerenciamento de crises. Ele estabelece várias indagações que possam orientar futuros estudos importantes na área. Entre elas: se tipos diferentes de crises deixam sinais prévios de advertência diferentes, procuram por diferentes tipos de mecanismos de preparação e prevenção, requerem mecanismos diferentes de restrição de danos, de recuperação e de aprendizagem, então o fato de algumas crises se agruparem ajuda as organizações a dar coerência em seus esforços de gerenciamento de crises? Se crises se reúnem em certos grupos, então existem certos tipos de “portfólios de ações” nos quais as organizações podem se empenhar ou se incumbir para diminuir suas potenciais suscetibilidades a blocos de crises? Mitroff pondera que ainda há muito trabalho a ser feito, tanto no campo teórico/conceitual, quanto de natureza empírica. Mas ressalta que seus estudos baseados no modelo de tipologias proposto estão sendo de extrema importância na criação de conhecimento em gerenciamento de crise, área cujo desenvolvimento ainda está em seu começo. 36 4 COLETA DE DADOS 4.1 Condução da Pesquisa Após o levantamento bibliográfico inicial, cujo objetivo é conceituar a Administração Pública Federal do Brasil e o conceito de crises no âmbito organizacional, o autor explora as tipologias de crises propostas por Mitroff e busca aplicá-las a um conjunto amostral de crises recentes no Brasil. Os estudos de Mitroff abordam um modelo teórico/conceitual de tipologias de crises em organizações baseado na tipologia de personalidades humanas proposta por Jung. Depois da exposição do modelo de Mitroff, o autor pesquisa a Internet auxiliado por ferramentas de busca com o objetivo de identificar as principais crises brasileiras publicadas na mídia nos últimos dez anos. Um dos principais desafios a esta identificação é a seleção de fenômenos que podem, tecnicamente, ser caracterizados como crises. A partir de um levantamento preliminar, o escopo da pesquisa é delimitado para identificar as características de uma amostra composta pelas nove crises mais expressivas ou relevantes envolvendo o Governo Federal ou a Administração Pública Federal. O desafio é o levantamento das características das crises, por meio de informações disponíveis em fontes abertas. 37 4.2 Levantamento Preliminar O Google é a ferramenta de busca escolhida para o levantamento preliminar na Internet. Os motivos para esta escolha são: • a vasta coleção de páginas indexadas; • os critérios de classificação das páginas; • a rapidez na entrega dos resultados; e • a facilidade de operação da ferramenta. Os critérios primários utilizados para realizar o primeiro levantamento de informações são: • páginas do Brasil; • que contenham a palavra “crise”; e • que tenham pelo menos uma das palavras “Brasil”, “brasileira” ou “brasileiro”. A busca no Google com os critérios acima resultou em mais de três milhões de páginas. Cabe mencionar que a ferramenta não permite efetuar a consulta selecionando qualquer período arbitrário como restrição de tempo aos resultados encontrados. Uma rápida análise sobre alguns resultados apresentados indica que muitas páginas referenciam basicamente o mesmo conteúdo ou crise e que muitas páginas (blogs, fóruns de discussão não especializados etc.) não são produzidas por especialistas ou jornalistas. Conclui-se, então, que a pesquisa deve utilizar ferramentas de busca mais especializadas para poder melhor filtrar os resultados e minimizar o esforço de análise. Antes de partir para as ferramentas de busca especializadas, seria necessário identificar alguns eventos para compor a amostra. Assim, entre os primeiros resultados apresentados pelo Google com aqueles critérios anteriores, o primeiro evento a apresentar mais de dez referências é 38 identificado como candidato a ser caracterizado como crise relevante para a APF. Então, a busca no Google é repetida, agora com um critério adicional que excetua ocorrências com uma ou mais palavras peculiares ao evento selecionado na iteração anterior. Dos primeiros “novos” resultados apresentados, outro evento diferente foi identificado também por aparecer em mais de dez hits. A busca é novamente realizada com os critérios primários e adicionando um critério que excetua ocorrências com palavras que particularizam os eventos identificados e selecionados anteriormente. Esse processo iterativo se repete algumas vezes até completar a seleção de nove eventos para compor a amostra a ser utilizada neste estudo. Durante o processo de levantamento preliminar dos fenômenos com características de crises e relevantes para a APF, nota-se uma maior quantidade de referências às crises mais recentes. Isso se deve ao fato do volume de informações na Internet crescer exponencialmente a cada ano. Assim, mesmo restringindo a pesquisa aos últimos dez anos, mas considerando os critérios de relevância da ferramenta de busca, dentre as nove crises selecionadas, a mais antiga data do ano 2000. A lista dos fenômenos selecionados encontra-se na seção 5.1. 4.3 Variáveis Como variáveis independentes da pesquisa, são considerados o modelo e as tipologias de Mitroff e, como variável dependente, a classificação das crises identificadas segundo esse modelo de Mitroff. A análise dos resultados das variáveis dependentes favorece: a) a verificação de aderência das crises sofridas pela APF do Brasil ao modelo proposto por Mitroff; e b) a aplicação dos estudos de gerenciamento de crises baseados nas tipologias de Mitroff às crises sofridas pela APF do Brasil. 39 4.4 Coleta de Dados A partir da amostra dos eventos preliminarmente coletada, são levantadas informações publicadas sobre suas causas e fatores relevantes. Para restringir e focalizar os resultados de pesquisa na Internet, são utilizadas ferramentas de busca especializadas em publicações acadêmicas, artigos jornalísticos e notícias. Essas ferramentas são: • Google Acadêmico – Beta (http://scholar.google.com.br): Fornece uma maneira simples de pesquisar literatura acadêmica de forma abrangente e ajuda a identificar as pesquisas mais relevantes do mundo acadêmico. A classificação dos resultados de pesquisa é feita segundo a relevância. Como na pesquisa da Web com o Google, as referências mais úteis são exibidas no começo da página. A tecnologia de classificação do Google leva em conta o texto integral de cada artigo, o autor, a publicação em que o artigo saiu e a freqüência com que foi citado em outras publicações acadêmicas. • Google Notícias – Brasil (http://news.google.com.br): Site automatizado de notícias. Coleta manchetes de mais de 1.500 fontes de notícias em português no mundo e as organiza segundo o assunto. Os artigos são selecionados e ordenados por computadores programados para avaliar, dentre outras variáveis, com que freqüência e em que sites um artigo é veiculado on-line. Como resultado, as matérias são selecionadas sem considerar a linha editorial ou ideologia da fonte. • Metacrawler (http://www.metacrawler.com): Compila os resultados de muitas das maiores ferramentas de busca da Web, fornecendo uma gama de resultados mais relevantes a abrangentes do que uma única ferramenta de busca. A ferramenta é desenhada para identificar o propósito da busca do usuário e os resultados são geralmente listados em ordem de relevância da mesma maneira que eles são recebidos dos vários provedores das ferramentas de busca. 40 • Ponteiro – Guia de informações (http://www.ponteiro.com.br). Guia de informações que permite efetuar pesquisa fornecendo datas ou períodos. • Webcrawler – Web Search Engine (http://www.webcrawler.com): Semelhante ao Metacrawler, compila os resultados de muitas das maiores ferramentas de busca da Web, incluindo resultados multimídia (imagens, vídeos, notícias, informações locais etc.). Também como o seu semelhante, o Webcrawler geralmente lista os resultados na ordem de relevância que são recebidos dos provedores das ferramentas de busca. Também é utilizada uma página/ferramenta da Internet do tipo wiki (enciclopédia) de notícias chamada Wikinotícias (http://pt.wikinews.org) que se trata de uma fonte livre de notícias, onde qualquer pessoa pode contribuir com reportagens sobre qualquer tipo de evento relevante. Como percebido nas descrições anteriores das ferramentas de busca, nem sempre os conjuntos de critérios de relevância são divulgados ou são claros. Isso se deve por fazerem parte do “motor” de busca e por representarem vantagem competitiva às ferramentas. No entanto, percebem-se dois critérios utilizados por quase todos os mecanismos de busca: a exatidão em que os termos utilizados na pesquisa são encontrados nos documentos e a quantidade de documentos encontrados em suas bases de dados que satisfaçam os critérios de pesquisa. Para as situações de crise selecionadas para estudo, são investigadas e coletadas dentro das milhares de páginas relacionadas a cada um desses eventos, informações que indicam que a situação analisada é de fato uma crise e informações sobre as causas e os motivos identificados e o ano em que aconteceu o seu ápice. As páginas escolhidas para referenciar cada crise selecionada passaram por critérios de triagem para validar as informações coletadas e suas fontes. Estes critérios não são exclusivos, e também não é necessário que cada página atenda a todos os critérios. Os critérios são: • As páginas são de instituições da APF que sofreram a crise ou estão diretamente relacionadas a ela. 41 • Os autores são pessoas reconhecidas no meio acadêmico brasileiro (professores, mestrandos, doutorandos ou especialistas de universidades reconhecidas). • A página é de uma organização jornalística de credibilidade e o conteúdo aborda uma síntese dos acontecimentos relacionados à crise durante um período considerável de tempo. • A página contém um ou mais artigos de um periódico especializado. Também são utilizadas referências bibliográficas como fonte complementar de informações. Essas referências, tanto as da web quanto as bibliográficas, são encontradas no Apêndice A. Devido à volatilidade da informação na Internet, o conteúdo integral das matérias e notícias jornalísticas examinadas foi adicionado ao Apêndice B deste trabalho. 42 5 ANÁLISE PRELIMINAR DE CRISES RELACIONADAS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL No capítulo anterior, foram descritos os métodos para seleção das crises estudadas (seção 4.2) e para coleta das informações necessárias para o embasamento destes estudos (seção 4.4). Utilizando análise básica de discurso sobre esse conjunto de dados e informações coletadas, podem-se classificar os fenômenos com características de crise de acordo com o modelo proposto por Mitroff. Os resultados da seleção dos fenômenos e de suas análises são apresentados na seção seguinte. 5.1 Fenômenos identificados como crises Os nove fenômenos, eventos ou situações de maior destaque que foram analisadas e caracterizadas como crise, sem estarem na ordem de importância, são: 1. Apagão no Setor Elétrico: Esta crise diz respeito ao risco de insuficiência no abastecimento nacional de energia elétrica nos anos entre 2000 e 2002. 2. Afundamento de plataforma P36 da Petrobras: Em 2001, uma explosão na plataforma petrolífera P36 da Petrobras na Bacia de Campos causou a morte de onze pessoas e o seu afundamento. 3. Mensalão: A crise do chamado “mensalão” consistia no desvio regular de dinheiro público para a “compra” de votos de parlamentares federais em favor do governo. 4. Caseirogate: O Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, foi acusado em 2006 de participar da quebra de sigilo bancário do caseiro que depôs contra ele na CPI dos Bingos. 43 5. Venda de áudio de sessão secreta da CPI do Tráfico de Armas para advogados do PCC: Em 2006, durante a época da CPI do Tráfico de Armas, houve uma série de rebeliões e de ataques contra forças de segurança no Estado de São Paulo. Essas ações foram mandadas pelo Primeiro Comando da Capital – PCC – e ocorreram na semana seguinte ao vazamento dos registros de áudio de uma reunião sigilosa daquela CPI (Alves, 2006). 6. Caos aéreo: Este fenômeno foi revelado com o acidente envolvendo um Boeing da Gol e um jato Legacy em setembro de 2006 e matando 154 pessoas (Anac, 2007). A partir disso, a crise ficou marcada com greve de controladores e grande volume de atrasos, cancelamento de vôos e outros acidentes aéreos (Anac, 2007; Zuanazzi, 2007). 7. Caso Renan Calheiros: O senador Renan Calheiros, então presidente do Senado Federal, se envolveu em vários escândalos em 2007. Destacam-se um referente a contas pessoais pagas por empresa privada e outro por beneficiar uma grande indústria no ramo de bebidas, entre outros escândalos (Estadão, 2007). 8. Vazamento de informações da Operação Satiagraha da PF: Em 2008, a ampla divulgação pela mídia da Operação Satiagraha da Polícia Federal gerou suspeita pela direção da PF de vazamento de informações (Dines, 2008). 9. Discriminação de brasileiros na Espanha: Vários brasileiros foram impedidos de entrar na Espanha em 2008 com base em exigências discriminatórias. No ápice dessa crise, o Brasil também tomou ações equivalentes e impediu a entrada de espanhóis em seu território (Dantas, 2008). A seguir, é apresentado o resultado da análise do material coletado para cada uma das crises na tentativa de classificar estas crises de acordo com o modelo de Mitroff. O resultado gráfico da aplicação das tipologias a esses eventos é mostrado na Figura 7. 44 5.2 Apagão no Setor Elétrico Este evento é caracterizado como crise na APF, pois, segundo Bardelin (2004) e de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se as seguintes características: • Afeta instituições da APF como, por exemplo, MME, Aneel e Petrobras. • Com o racionamento de energia, houve impacto na indústria, no comércio, na economia, na segurança pública e na vida das pessoas, gerando o medo de perda. Um exemplo de prejuízo foi a perda estimada em R$ 1 bilhão da Petrobras com a comercialização do gás boliviano cujo mercado não atendeu às expectativas. • O eminente desabastecimento de energia elétrica no Brasil podendo causar paralisia no Setor Elétrico, indicaram um senso de urgência para resolver a situação. Os aspectos a seguir foram utilizados para a classificação desta crise de acordo com as tipologias propostas por Mitroff. Ao analisar os níveis nos reservatórios das usinas hidroelétricas brasileiras em 2000 e 2001, Bardelin (2004, pp. 38, 104) concluiu: “Os reservatórios chegaram a baixos níveis de armazenamento, o que acabou culminando no racionamento. Incidindo neste cenário por falta de planejamento adequado para a geração, pois os programas lançados pelo governo para expansão da geração, não foram adequados para atrair investimentos necessários ou vieram tardiamente. E o governo, através das também não realizou os investimentos necessários em geração.” ... “A causa que levou o país para o racionamento de 2001 foi basicamente a falta de investimentos adequados na geração de energia elétrica, apesar desta situação não ser provocada e tão pouco resolvida, em curto espaço de tempo, o governo teve tempo para tomar as providências necessárias.” 45 Aqui, são identificados como causas da crise no setor elétrico um planejamento inadequado para a expansão da geração elétrica e a conseqüente falta de investimentos no tempo certo. A falta de investimentos como causa da crise também é detectada por Araújo (2001, pg. 78): “O subinvestimento iniciado nos anos oitenta é a raiz da atual crise. A falta de recursos financeiros levou a atrasar ou suspender projetos de expansão em geração e transmissão. O consumo, por seu lado, aumentava quando a economia crescia e continuava aumentando mesmo quando a economia estagnava, à medida que mais gente ganhava acesso à eletricidade.” Por sua vez, Santos (2002, pg. 59) ratifica os problemas de planejamento do setor como agente da crise e destaca a inexistência de decisões estratégicas adequadas: “O governo FHC teve que tomar suas decisões, baseando-se pelas circunstâncias e sob pressão de toda a sociedade brasileira. Caso tivesse desenvolvido um sistema de planejamento estratégico, focalizado uma ação concreta e estimulado decisões estratégicas, provavelmente a sociedade não teria tido a necessidade de passar por um programa de racionamento como o que ocorreu entre o ano passado e este. Um dos principais motivos para o estado caótico em que se encontrava o setor era a sua administração estar, em grande parte, nas mãos de empresários e não nas mãos de especialistas capazes de perceber as demandas da sociedade e tomar decisões estratégicas.” Santos (2002, pg. 49) ainda aponta falhas do setor em se preparar para cenários negativos: “A crise energética brasileira culminou no racionamento devido a várias razões, dentre elas a insuficiência da capacidade instalada disponível no país para atender às demandas do mercado consumidor... É um fato esperado que com o crescimento da demanda acima do da capacidade instalada o armazenamento de água nos reservatórios se reduza. E foi justamente o que aconteceu... O período chuvoso em 2001, terminou com 46 apenas 36% de armazenamento no sistema Sudeste o que ocasionou o racionamento, iniciado em 04 de junho de 2001.” Os três principais fatores identificados – planejamento inadequado, falta de investimentos e falta de decisões estratégicas eficientes – indicam forte influência técnico/econômica externa. O quarto fator relatado – planejamento de contingência deficiente – sugere a classificação no terceiro quadrante, mas os outros fatores foram considerados mais fortes, fazendo com que a crise no setor elétrico fizesse parte do segundo quadrante de acordo com a classificação de crises proposta por Mitroff. 5.3 Afundamento de plataforma P36 da Petrobras Este evento é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se as seguintes características: • Afeta diretamente a estatal Petrobras; • Além da perda material, também houve perda humana, segundo o Jornal do Commercio de Recife (apud Lehmann, 2001, pg. 16). • A partir da ruptura do tanque de drenagem de emergência, aconteceram eventos encadeados que agravaram seriamente a situação de tal maneira que não era possível controlá-la (Petrobras, 2008). • O acionamento quase que imediato da brigada de incêndio após a ocorrência do evento disparador indica o senso de urgência (Petrobras, 2008). Quanto ao modelo de Mitroff, os aspectos a seguir orientaram a classificação desta crise. O Jornal do Commercio de Recife (apud Lehmann, 2001, pg. 16) aponta defeitos de instalação na plataforma P36 e negligência no tratamento desses defeitos: 47 “Alguns acidentes sérios na história das empresas tiveram suas causas em erros anteriores que foram de alguma maneira somente corrigidos e seguiram normalmente até culminarem em desastres. O caso mais recente do acidente da plataforma P 36 da Petrobrás na Bacia de Campos, a plataforma já apresentava problemas dez dias antes da explosão de 15 de março, que além de provocar o derramamento de óleo no mar ainda causou o seu naufrágio. Segundo denúncia recebida pela comissão externa da Câmara que apura as causas do acidente, responsável pela morte de 11 pessoas. De acordo com o relato feito por engenheiros da estatal a deputados, pelo menos duas colunas de sustentação tinham trincas e rachaduras e teriam estado em manutenção no período. A coluna que explodiu também teria rachaduras. As investigações sobre o acidente com a plataforma P-36 da Petrobrás, "apontam na direção de uma negligência.” A prioridade é descobrir o responsável pelo fato de a P-36 não ter parado de produzir para que um defeito, apontado em um boletim diário de produção, fosse sanado.” No Relatório Final da Comissão de Sindicância do Acidente da P-36, a Petrobras (2001) apresenta as prováveis causas do acidente: • “Ocorrência imprevista de fluxo pela válvula de admissão do TDE (Tanque de Drenagem de Emergência) de boreste associada ao raqueteamento do vent e ausência de raquete na válvula de admissão, ocasionando sobrepressurização e rompimento do TDE; • Alinhamento do TDE de bombordo para o header de produção em vez de para o Caisson de Produção, permitindo a entrada de hidrocarbonetos no TDE de boreste; • bombordo, Demora na partida da bomba de drenagem do TDE de permitindo fluxo reverso de hidrocarbonetos por aproximadamente uma hora; • Falha dos atuadores no fechamento dos dampers estanques da ventilação, permitindo comunicação dos compartimentos habitáveis estanques da coluna e submarino (pontoon); 48 • Abertura do tanque 26S e do void 61S para inspeção sem procedimento que estabelecesse medidas contingenciais, aumentando o volume alagável; • Existência de duas bombas sea water em manutenção sem medidas contingenciais, reduzindo as margens de manobras emergenciais; • Procedimento e treinamento deficientes para situações de emergência no controle de estabilidade e lastro.” Segundo as tipologias propostas por Mitroff, as causas do acidente podem basicamente instalação/acidentes ser agrupadas industriais, em treinamento quatro tipos: deficiente defeitos dos de operários, planejamento de contingência deficiente e falhas/erros dos operários. Assim, a classificação desta crise poderia ser tanto para o Quadrante 1 quanto para o Quadrante 3. Considerando que as tipologias estabelecem um tipo específico para acidentes industriais, a classificação dessa crise foi para o Quadrante 1 no diagrama. 5.4 Mensalão Este evento é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se as seguintes características: • Afeta o Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), os Correios (ECT), o Ministério da Fazenda, entre outros. • Dano à imagem dos órgãos públicos envolvidos, segundo Policarpo Jr. (2005 e 2008). • Policarpo Jr. (2008) declara que, após a revelação do caso dos Correios, foi instalada uma CPI pelo Congresso a partir da qual foi desvendada uma enorme rede corrupção envolvendo gente 49 graúda do governo, parlamentares e empresários – o esquema batizado de Mensalão. Esse encadeamento de denúncias agravou ainda mais a situação. Para a aplicação do modelo de tipologias de Mitroff, alguns fatores auxiliaram a classificação desta crise. Policarpo Jr. (2005) conta como a crise começou:”Há um mês quando dois empresários estiveram no prédio central dos Correios, em Brasília. Queriam saber o que deveriam fazer para entrar no seleto grupo de empresas que fornecem equipamentos de informática à estatal. Foram à sala de Maurício Marinho, 52 anos, funcionário dos Correios há 28, que desde o fim do ano passado chefia o departamento de contratação e administração de material da empresa. Marinho foi objetivo na resposta à indagação dos empresários. Disse que, para entrar no rol de fornecedores da estatal, era preciso pagar propina. "Um acerto", na linguagem do servidor. Os empresários, sem que Marinho soubesse, filmaram a conversa...” Policarpo Jr. (2008) ainda complementa e apresenta a corrupção como a grande causadora da crise: “Um diretor da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) foi flagrado em uma gravação de vídeo recebendo propina e narrando em detalhes o funcionamento de uma estrutura clandestina de arrecadação de dinheiro. As imagens correram o mundo e provocaram o maior escândalo político desde o impeachment do presidente Fernando Collor. O Congresso instaurou uma comissão parlamentar de inquérito e, a partir dela, desvendou-se uma enorme rede de corrupção envolvendo gente graúda do governo, parlamentares e empresários. O esquema, batizado de mensalão, arrecadava dinheiro em empresas públicas para subornar deputados. Quarenta pessoas estão sendo processadas por crimes de corrupção e formação de quadrilha. Agora, quase três anos depois, a Polícia Federal concluiu a investigação sobre a gênese do escândalo. Os Correios eram exatamente aquilo que as imagens mostraram – um covil usado pelos políticos para desviar dinheiro público mediante a indicação de pessoas para ocupar cargos estratégicos. Funcionava nos moldes de uma organização criminosa, com chefes, escalões de comando, contabilidade própria, ameaças, extorsões e pagamentos de propina.” Essa principal causa é confirmada por Conrado (2005): 50 “...O caso dos mensalões e esquemas de poder que ora o deputado Roberto Jéferson revela é um pouco isso: a confissão de culpa por parte de alguém ameaçado, cuja defesa está assentada na revelação do esquema no qual esteve envolvido até o pescoço. O esquema sujo de poder envolve um círculo vicioso entre a indicação de cargos de confiança em empresas estatais e órgãos públicos por e para pessoas que passam a favorecer empresas privadas, que por sua vez faturam milhões dos cofres públicos e que em retribuição patrocinam as candidaturas de vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e presidentes. O toma-lá-dá-cá da promiscuidade entre os agentes da elite dominante.” Assim, como atividades ilegais estão entre suas principais causas, esta crise está posicionada no Quadrante 3 do diagrama proposto por Mitroff. 5.5 Caseirogate Em 2006, durante a CPI dos Bingos, o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, foi suspeito de participar de um grupo de lobistas que se reunia em uma mansão em Brasília para realizar negócios suspeitos. Segundo o portal de notícias Globo.com (2006), Francenildo Santos Costa, o caseiro da mansão, afirmou que o ministro Palocci freqüentava regularmente a casa e foi chamado para depor na CPI. A Folha Online (2006) informa ainda que, em seguida, vazaram informações da conta bancária do caseiro na CEF a mando do seu presidente, Jorge Mattoso, que as passou para Palocci. Como conseqüência, o presidente da CEF foi substituído e Antônio Palocci pediu afastamento do Ministério da Fazenda (Folha Online, 2006; Globo.com, 2006). Este evento é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se as seguintes características: • Afeta principalmente o Caixa Econômica Federal, o Ministério da Fazenda e ainda envolve o Coaf (Folha Online, 2006). 51 • As investigações sobre o evento derrubaram tanto o ministro Palocci quanto o presidente Mattoso da CEF (Folha Online, 2006). • A Folha Online (2006) e o Globo.com (2006) noticiaram especulações sobre o envolvimento do Ministro da Fazenda e o Presidente da CEF, culminando no afastamento do primeiro e na demissão do segundo. Para a aplicação do modelo de tipologias de Mitroff, alguns fatores auxiliaram a classificação desta crise. Seguem trechos de reportagens da Folha Online e do Globo.com que revelam que a quebra ilegal de sigilo bancário foi o principal agravante dessa crise. “As investigações sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa foram apelidadas de "caseirogate" - numa referência à profissão - conseguiram derrubar Antonio Palocci do Ministério da Fazenda. Tido como "homem forte" do governo Lula e responsável pelo controle da inflação, Palocci não resistiu às investigações sobre o caso.” (Folha Online, 2006) “Parlamentares da oposição criticaram o vazamento de informações sobre a quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) acusou o próprio Palocci de ter ordenado a quebra do sigilo do caseiro. ... A violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa foi ordenada pela própria Caixa Econômica Federal. O formulário de extração de dados da movimentação bancária de Francenildo é exclusivo do sistema interno da estatal. A oposição pediu a demissão do ministro devido à quebra do sigilo. ... Devido à violação do sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa, Antonio Palocci pediu afastamento do cargo de ministro da Fazenda para o 52 presidente Lula. Também pediu desligamento do cargo o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. Apesar de negar ter sido responsável pelo vazamento dos dados bancários de Francenildo, Mattoso admitiu ter pedido para assessores o extrato do caseiro.” (G1/Globo.com 2006) Devido à ilegalidade da quebra de sigilo bancário, a causa dessa crise é classificada como prática de atividade ilegal e, conforme a Figura 4, posiciona a crise no Quadrante 3. 5.6 Venda de áudio de sessão secreta da CPI do Tráfico de Armas para advogados do PCC Os aspectos a seguir foram utilizados para a classificação deste evento de acordo com as tipologias propostas por Mitroff. Segundo reportagem de Alves (2006): “De acordo com Paulo Pimenta, na noite logo após a reunião o delegado Rui Ferraz, especialista no PCC, ligou para o delegado federal José Antonio Dornelles de Oliveira, que assessora a CPI, e informou que havia uma "movimentação estranha" nos presídios. Na noite seguinte, o mesmo policial informou que a gravação da reunião estava sendo recebida por celular pelos chefes do crime nos presídios. Na sexta-feira, a CPI comunicou o fato à Casa e o departamento de Polícia Legislativa, a Polícia Federal e a policia paulista começaram a investigar como ocorreu o vazamento. Chegou-se então ao nome de Pilastre Silva. ... A reunião do dia 10 foi reservada a partir do momento em que se percebeu a presença dos advogados do PCC no Plenário. Eles foram retirados e, segundo Pilastre Silva, estavam no corredor para onde ele se dirigiu diversas vezes durante a tarde para tomar água e café. ... 53 Ele afirmou que, na loja, a advogada colocou quatro notas de R$ 50 em seu bolso e ele entregou dois CDs, um para cada um dos advogados. Pilastre Silva disse ainda que ficou combinado que ele poderia receber mais dinheiro dos "meninos" do PCC.” Nesses trechos são apontadas as atividades de corrupção e quebra ilegal de sigilo. Em outro trecho, também é identificado como fator a baixa remuneração de terceirizados que prestam serviços ao Congresso Nacional: “Pilastre Silva contou na audiência que no dia seguinte, já arrependido, pediu demissão ao ter um conflito com o chefe, que já havia sido notificado do sumiço de um cartão de memória e. "Eu não ganho bem, R$ 1.300 líquidos, fui corrompido, me arrependi", disse.” Matais, em sua reportagem de 2006, confirma esses fatores como causadores da crise: “Os integrantes da CPI do Tráfico de Armas ouvem na tarde desta terçafeira a advogada Maria Cristina de Souza Rachado, suspeita de ter comprado a gravação de uma sessão secreta da comissão de um funcionário da Casa. Ela culpou o advogado Sérgio Wesley da Cunha pelo vazamento. Para a CPI, os advogados são cúmplices. Eles estariam ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) e teriam pagado R$ 200 pela gravação da audiência reservada com os delegados da Polícia Civil de São Paulo Godofredo Bittencourt e Rui Ferraz Fontes, do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado). Na semana passada, o ex-funcionário da Câmara responsável por gravar a audiência, Arthur Vinicius Silva, confirmou ter entregue o material aos advogados em um shopping de Brasília (DF). ... O vazamento dos depoimentos dos delegados ganhou importância na semana passada porque antecedeu a série de ataques contra forças de segurança paulistas e de rebeliões promovida a mando do PCC em vários pontos do Estado de São Paulo. ... 54 Por meio da gravação vendida aos advogados, as informações teriam chegado a Marcola (Marcos Willians Herbas Camacho, chefe do PCC) e detonado a onda de violência.” Este evento de vazamento de informações é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se as seguintes características: • Afeta diretamente a Câmara dos Deputados (Alves, 2006). • Como danos causados pelo evento, Alves (2006) e Matais (2006) relatam as rebeliões e os ataques contra forças policiais de segurança em São Paulo. • Há suspeita de ligação entre o vazamento das informações e essas rebeliões e ataques (Matais, 2006). • As rebeliões e os ataques pegaram as autoridades de surpresa gerando um senso de urgência em resolver a situação (Matais, 2006). • Essa situação esteve alguns dias sob pouco ou nenhum controle das autoridades e há suspeita de acordo entre o governo e o PCC para o fim da crise (Matais, 2006). Por fim, com os indícios de atividades ilegais como corrupção, quebra de sigilo e baixa remuneração de terceirizados, essa crise é levada ao Quadrante 3 pela classificação proposta por Mitroff. 5.7 Caos aéreo A falta de investimentos em infra-estrutura aeronáutica é citada em matéria publicada pela Anac em 2007 sobre a crise: “A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) havia informado, por meio de seu presidente Milton Zuanazzi, que a crise aérea havia sido superada para o usuário. Parte da mídia contestou as informações apontando um ou outro atraso de vôo. Na realidade tomando como base 29 de setembro de 2006, data 55 do fatídico acidente entre o jatinho Legacy e o Boeing da Gol que vitimou 154 pessoas, havia uma média histórica de atrasos de vôos com mais de uma hora, da ordem de 15% e 12% de cancelamentos e esses dados foram entregues às CPIs da Câmara e do Senado pelo presidente Milton Zuanazzi. Tais números, por si só, demonstram que havia uma falta de investimentos em infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária acumulada há muitos anos.” A mesmo reportagem ainda destaca: “Com a queda dos atrasos fica evidente que a entrada de novos controladores supre, em parte, a falta de investimentos em infra-estrutura aeronáutica...” indicando que os recursos humanos eram insuficientes. Em outra matéria do mesmo ano (2007) a Anac ratifica a falta de recursos humanos qualificados e acrescenta um fator: problemas com equipamentos: “À crise da maior empresa de aviação aérea brasileira, que acabou por ser comprada no final do mês de julho, somou-se a trágica queda do avião da Gol do vôo 1907. O maior acidente aéreo brasileiro aconteceu no final do mês de setembro de 2006, provocando a morte de 154 pessoas. Não bastasse isso, o feriado de Finados nos primeiros dias de novembro, tornou público outro fato inédito no país: a falta de controladores do espaço aéreo, que trabalham sob a coordenação do Comando da Aeronáutica. ... Não bastasse, no início de dezembro, um equipamento de back-up do controle do espaço aéreo, em Brasília, pela primeira vez entrou em pane deixando, por mais de quatro horas sem operação, todo o sistema do Cindacta 1, responsável por mais de 80% de todo o trafego aéreo nacional.” O Caos Aéreo é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se as seguintes características: • Além das empresas privadas ligadas ao Setor Aéreo, afeta diretamente a Anac e a Infraero e ainda envolve o Comando da Aeronáutica e Ministério da Defesa e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Anac, 2006 e 2007). 56 • Além da perda de vidas causada pelos acidentes aéreos, houve atrasos e cancelamento de vôos, (Anac, 2006, 2007; Zuanazzi, 2007) além do risco para a imagem do próprio sistema aéreo brasileiro. • A greve dos controladores desencadeou mais atrasos e cancelamentos de vôos Atrasos e cancelamentos adicionais também foram provocados como reflexo do acidente do Airbus da TAM que provocou o fechamento do Aeroporto de Congonhas (Anac, 2006, 2007). • Segundo Zuanazzi, (2007) ”Novos problemas ocorreram no Natal, desta vez com a empresa TAM, que ao perder o controle da integralidade de sua operação aérea - seis de suas aeronaves foram retiradas para manutenção não programada - deixou de atender a totalidade dos seus passageiros. A situação se tornou desesperadora nos aeroportos de todo o país, o que obrigou a Agência Reguladora a tomar medidas urgentes, em conjunto com o governo federal e a própria empresa.” Isto exemplifica o senso de urgência provocado por alguns momentos do fenômeno. A insuficiência de recursos humanos qualificados, a infra-estrutura inadequada e as falhas dos instrumentos de controle do tráfego aéreo apontam para um problema de planejamento estratégico da área. Ademais, o grande número de atrasos e cancelamento de vôos são os reflexos de falhas do sistema em larga escala. Assim, a crise no setor aéreo se posiciona no Quadrante 2 do diagrama de tipologias. 5.8 Caso Renan Calheiros O Estadão (2007) descreve dois casos de corrupção: “... Renan é acusado de ter despesas pessoais pagas por um lobista da Mendes Júnior e tenta, sem sucesso, provar que tinha rendimentos suficientes para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha fora do 57 casamento. Rendimentos com a venda de gado são o principal argumento de Renan para comprovar que não precisava de recursos do lobista, mas os documentos apresentam irregularidades. Segundo o senador, foram R$ 1,9 milhão em quatro anos. Já a denúncia que envolve a Schincariol consiste na venda superfaturada de uma fábrica da família Calheiros por R$ 27 milhões, quando não valia mais de R$ 10 milhões. Em troca, Renan, conforme a denúncia, teria favorecido a empresa junto ao INSS, impedindo a execução de uma dúvida de R$ 100 milhões.” Cabral (2007) confirma as acusações de corrupção. “... Renan Calheiros renunciou à presidência do Congresso, abatido por acusações que o Código Penal classifica como crimes de corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, exploração de prestígio e sonegação fiscal. ... Os senadores conhecem todos os "pecados" – um eufemismo criado pelos parlamentares – de Renan. Sabem que ele pagava despesas familiares por meio de um lobista de empreiteira, sabem que ele comprou rádios em nome de laranjas, sabem que ele fazia lobby em ministérios e sabem que ele manipulava o Orçamento em favor de amigos...” O Caso Renan Calheiros é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se os seguintes aspectos levantados por Cabral (2007): • O caso envolve o Senado Federal por ser, Renan Calheiros, presidente da Casa e ser acusado de atividades ilegais. • O caso pois em risco a imagem do Senado. • Rumores e especulações questionaram a ética do Parlamento e seus integrantes, prejudicando a imagem do Senado. A suspeita de atividades ilegais posiciona essa crise no terceiro quadrante do diagrama de tipologias de Mitroff. 58 5.9 Vazamento de informações da Operação Satiagraha da PF Iniciada em 2004 como desdobramento do caso do Mensalão, a Operação Satiagraha, segundo G1/Globo.com (2008), foi uma operação da Polícia Federal contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Em julho de 2008 foram presos vários banqueiros, diretores de banco e investidores. Essas ações receberam ampla divulgação pela mídia, o que gerou suspeita pela direção da PF de vazamento de informações. A partir disso, investigações internas geraram uma crise na Polícia Federal (Dines, 2008). Dines (2008) revela a suspeita de vazamento de informações: “Os primeiros movimentos da Polícia Federal ao investigar seus próprios procedimentos na espetacular Operação Satiagraha foram na direção dos vazamentos para a mídia. A direção do órgão policial queria saber como funcionava o sistema que antecipava para a TV o local e hora das suas operações. E também queria apurar quem vazava para jornais e revistas trechos inteiros dos relatórios secretos, inclusive gravações com pessoas que não estavam sendo diretamente investigadas – caso do chefe-de-gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho.” Macedo (2008), por sua vez, aponta acusações de usurpação de função pública e abuso de procedimentos, além do vazamento de informações: “A Polícia Federal vai chamar para depor seu ex-diretor-geral, delegado Paulo Lacerda, no inquérito que investiga suposto crime de usurpação de função pública durante a Operação Satiagraha. Diretor afastado da Agência Brasileira de Inteligência, Lacerda teria concordado oficialmente com o engajamento de 84 agentes e oficiais da Abin na investigação que é de competência da PF. Ainda não há data marcada para a audiência de Lacerda, mas sua convocação é inevitável, na avaliação da PF. O inquérito foi aberto para apurar vazamento de dados da Satiagraha cobertos pelo sigilo. Durante a investigação, a PF constatou que o delegado Protógenes Queiroz, mentor da 59 Satiagraha, recrutou os arapongas da Abin para reforçar o cerco ao banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity. ... As dúvidas que cercam Lacerda são relativas ao seu grau de comprometimento na cessão de agentes da Abin para a Satiagraha. O delegado Amaro Ferreira juntou ao inquérito o depoimento de Lacerda à CPI dos Grampos, que investiga abusos com a chancela do Judiciário na interceptação telefônica.” Quadros (2008) cita também quebra do sigilo funcional e violação da lei, abuso de procedimentos: “Alvo de um mandado de busca autorizado pela justiça e cumprido por seus colegas, há duas semanas, o delegado [Paulo Lacerda] ainda poderá ser indiciado por quebra do sigilo funcional e vazamento da operação. A PF acha que ele infringiu a lei ao chamar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para participar de investigações policiais e permitir que uma equipe da TV Globo tivesse acesso às prisões do banqueiro, do empresário Naji Nahhas e do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. O delegado nega.” O evento descrito é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se os seguintes aspectos: • Afeta diretamente a PF e a Abin, e envolve o GSI/PR por se tratar do órgão de instância superior dessas duas instituições (Macedo, 2008; Quadros, 2008). • O incidente pois em risco a imagem da PF e da Abin (Macedo, 2008; Quadros, 2008). • Rumores e especulações de atividades ilegais praticadas pela PF durante a Operação Satiagraha (Dines, 2008; Macedo, 2008; Quadros, 2008). Por fim, o conjunto de desconfianças de vazamento de informações, de violação da lei, de abuso de procedimentos, de quebra do sigilo funcional e de 60 usurpação de função pública enquadra a crise no tipo “boatos e rumores maliciosos” e define sua posição no Quadrante 4 do diagrama das tipologias. 5.10 Discriminação de brasileiros na Espanha Essa crise se caracteriza pela denegação da entrada de vários brasileiros na Espanha em 2008. Sem motivos aparentes, as autoridades imigratórias espanholas começaram a aplicar maior rigor, particularmente no caso de brasileiros, para autorizar a entrada de estrangeiros no país (Assumpção, 2008). Após o relato de diversos casos em que estudantes e turistas ficaram detidos em condições precárias por vários dias em aeroportos espanhóis antes de serem deportados (Assumpção, 2008), o governo brasileiro começou a impedir a entrada de espanhóis no Brasil alegando o princípio da reciprocidade (Dantas, 2008; Infante, 2008). Assumpção (2008) descreve: “As eleições na Espanha e a pressão dos demais países da União Européia são apontados como a causa do maior rigor aplicado nos últimos meses para a entrada de brasileiros naquele país. A explicação foi dada nesta terça-feira pelo embaixador Peidró, que recebeu integrantes da comissão. O embaixador garantiu aos deputados que seu país tem interesse em reduzir as tensões e evitar que a crise contamine as relações comerciais e financeiras entre as duas nações. Para o presidente da comissão, deputado Marcondes Gadelha (PSBPB), a disposição de apresentar o relatório ainda hoje reflete a boa vontade do governo espanhol em acabar com a crise. Gadelha relatou que o embaixador afirmou o propósito da Espanha de reduzir as tensões e evitar que a crise saia do campo aduaneiro e chegue nas relações comerciais e financeiras mantidas pelos dois países.” Dantas (2008) também relata: “O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) disse quarta-feira (12) que acertou com o governo da Espanha uma espécie de "trégua" na rigidez 61 contra a entrada de brasileiros no país até o início de abril. No próximo mês, segundo o ministro, as chancelarias espanhola e brasileira se reunirão para discutir a possibilidade de adotar novos procedimentos de controle migratório entre os dois países. A "trégua" foi acertada em um telefonema entre Amorim e seu colega espanhol, Miguel Ángel Moratinos, ontem pela manhã. Representa uma primeira tentativa de entendimento desde o início da crise provocada pela expulsão de estudantes brasileiros que passariam por Madri a caminho de congressos em Portugal.” Já Infante (2008) menciona o princípio da reciprocidade: “Depois dos incidentes com brasileiros barrados no aeroporto de Madri e da reciprocidade das autoridades de imigração no Brasil, o governo da Espanha decidiu avisar oficialmente a seus passageiros que viajar a destinos brasileiros pode ser um problema. ... Por telefone, o serviço de atendimento aos passageiros do ministério avisa aos turistas espanhóis da possibilidade de não serem admitidos nos aeroportos brasileiros. Para evitar o problema, recomendam que os turistas tenham passagem de volta, dinheiro ou cartão de crédito e comprovante de reserva de hotel.” O fenômeno descrito é caracterizado como crise na APF, pois, de acordo com os fatores identificados ao final da seção 3.2.1, página 23, destacam-se os seguintes aspectos: • Por se tratar de um incidente diplomático, envolve o Ministério das Relações exteriores (Dantas, 2008). • Há suspeitas de maus tratos (Assumpção, 2008) e transtornos (Infante, 2008) a alguns viajantes brasileiros detidos ao entrar na Espanha. Também, as relações diplomáticas entre os países ficaram um pouco arranhadas (Dantas, 2008). Por ser claramente uma crise internacional, ela é posicionada no diagrama no Quadrante 2 do modelo de tipologias de Mitroff. 62 Um quadro resumo contendo todas as referências analisadas neste capítulo é encontrado no Apêndice A. Técnico/Econômico Quadrante 2 Quadrante 1 1 2 6 9 Externo Interno 3 4 5 7 8 Quadrante 4 Quadrante 3 Pessoas/Social/Organizacional # CRISE ANO 1 Apagão no Setor Elétrico 2000 2001 2002 2 Afundamento de plataforma P36 da Petrobras 2001 CARACTERÍSTICAS DESCRITAS ENCONTRADAS planejamento inadequado falta de investimentos falta de decisões estratégicas eficientes acidente industrial problemas de instalação negligência na manutenção erros de procedimento planejamento de contingência deficiente 3 Mensalão 2005 corrupção 4 Caseirogate 2006 quebra ilegal de sigilo bancário corrupção Venda de áudio de sessão secreta da CPI do 2006 quebra ilegal de sigilo Tráfico de Armas para advogados do PCC baixa remuneração de terceirizados recursos humanos insuficientes 2006 6 Caos aéreo infra-estrutura inadequada 2007 equipamentos/instalações inadequados 5 7 Caso Renan Calheiros 2007 corrupção Vazamento de informações da Operação 8 Satiagraha da PF suspeitas, boatos e rumores (vazamento de informações, violação da lei, abuso de 2008 procedimentos, quebra do sigilo funcional, usurpação de função pública) 9 Discriminação de brasileiros na Espanha 2008 crise internacional Figura 7 – Proposta de distribuição das crises levantadas 63 5.11 Análise A Figura 7 representa graficamente os resultados das análises dos fenômenos com características de crise estudadas neste capítulo. Esses fenômenos foram numerados e propriamente posicionados no diagrama do modelo de Mitroff de acordo com os seus respectivos resultados. A legenda contém o ano do ápice da “crise” e a coluna de fatores resume os aspectos encontrados no decorrer da análise utilizados para a classificação segundo Mitroff. Durante a análise dos vários fenômenos caracterizados como crises envolvendo a APF, os seguintes aspectos são observados: a) A Petrobras passou por várias situações, que poderiam ser caracterizadas como crise, nos últimos dez anos: vazamento de óleo, gás e produtos químicos; acidentes com instalações, roubo de dados sigilosos sobre pesquisas realizadas na costa brasileira etc. Para efeito deste estudo, é utilizado o afundamento da plataforma P36 como representante dessas “crises” devido ao grande impacto na sociedade e exploração pela mídia. b) A “crise” internacional envolvendo a Espanha foi bilateral e exigiu uma forte atuação do Governo Federal. c) A distribuição dos fenômenos se concentra no eixo Quadrante 2 – Quadrante 3 (7 ocorrências), ou seja, as causas/origens dos fenômenos se apresentam predominantemente como sendo Pessoas/Social/Organizacional-Interno e Técnico/Econômico- Externo. Isso significa que a maior parte das situações, ou possuem causas internas envolvendo as relações sociais, pessoais ou organizacionais (valores humanos, valores organizacionais, burocracia, etc.), ou suas causas foram de cunho técnico ou econômico, (planejamento do setor, infra-estrutura, 64 relações diplomáticas internacionais, etc.) oriundos de fora da organização. d) Quanto à dimensão funcional Interno-Externo, a distribuição das “crises” é equilibrada entre essas duas extremidades do eixo (5 e 4 ocorrências, respectivamente). Conclui-se que, baseada na amostra, não há predominância acentuada de “crises” de origem interna em relação às de origem externa, e nem vice-versa. e) A distribuição balanceada observada no item d) também é observada em relação ao eixo Pessoas/Social/OrganizacionalTécnico/Econômico: a distribuição dos fenômenos aponta para um equilíbrio entre os dois conceitos (5 e 4 ocorrências, respectivamente), ou seja, a chance de acontecer uma “crise” do tipo técnico/econômico é.quase a mesma chance de que uma “crise” envolvendo relações sociais, organizacionais ou pessoais ocorra. f) Todas as quatro “crises” contidas no Quadrante 3 estão relacionadas com atividades ilegais (corrupção/vazamento de informações). Estudando somente as situações da amostra e tendo em vista que ela não é representativa do conjunto de fenômenos que podem ser caracterizados como crises envolvendo a APF brasileira, deduz-se que esse grupo expressivo de “crises” (quase 50% da amostra) tem como causas aspectos de desvio de conduta. Isso pode refletir a sociedade brasileira, que ainda precisa desenvolver bastante seus valores éticos e morais. Não é intenção deste trabalho fazer uma classificação geral das crises brasileiras que envolvem a APF. Diferente disso, o propósito é exercitar o modelo de Mitroff, verificando a sua aplicabilidade às situações que podem ser caracterizadas como crises da APF. Mesmo assim, foi interessante produzir essa pequena análise que acabou por oferecer (de novo, respeitando as devidas proporções) um micro-retrato de como se distribuiriam as crises da APF brasileira no modelo proposto por Mitroff. 65 6 DISCUSSÃO O estudo de crises é uma atividade bastante complexa haja vista o grande volume e diversidade de informações que precisam ser coletadas e analisadas. A caracterização das organizações afetadas, por exemplo, é um grande desafio, devido à natureza dinâmica do fenômeno, que pode transcender os limites de uma organização. A determinação das exatas cadeias de eventos produzidas durante uma crise também é bastante intensiva na necessidade de informações e análises. A reconstrução dos rumores e especulações produzidas durante uma crise também demanda muito esforço. A escolha dos fenômenos estudados foi realizada por meio de pesquisa em publicações acadêmicas e na Internet, como mero instrumento de seleção. A veracidade das informações coletadas não foi profundamente validada e elas não refletem, necessariamente, a opinião do autor. Uma pesquisa posterior mais vasta e aprofundada poderá fornecer outras informações desses fenômenos, não coletadas durante a elaboração deste trabalho. Isso não compromete os resultados aqui manifestados, pois o modelo de tipologias de Mitroff se propõe a ser aplicado a qualquer tipo de fenômeno caracterizado como crise, sendo que, com o passar do tempo, uma crise pode revelar novas características migrando de um quadrante para outro. Seguindo esse raciocínio, algumas das situações estudadas, como por exemplo a do Mensalão e da Operação Satiagraha, podem necessitar melhoria em suas análises visto que ainda há desdobramentos até hoje. É possível que estes fenômenos possam ser retomados, talvez sob outras denominações. Apenas uma análise mais aprofundada, que foge ao escopo deste trabalho, poderá caracterizar, de forma indubitável, que os nove fenômenos analisados podem ser, de fato, caracterizados como crise. Como parte de seu modelo, Mitroff sugere alguns conjuntos de ações preventivas que, se aplicadas no tempo adequado, podem eliminar ou diminuir os efeitos de uma crise. Assim, seguem sugestões de ações que poderiam ser empregadas às crises estudadas: 66 1. Apagão no Setor Elétrico. A promoção de discussões “continuadas” sobre planejamento amadureceria o processo de tomada de decisões estratégicas e facilitaria a percepção da necessidade de mais investimentos, além de aperfeiçoar o próprio processo de planejamento. Um bom planejamento necessita de informações relevantes e de qualidade. Para isso, é importante também implantar sistemas e redes de monitoramento das condições de abastecimento elétrico. 2. Afundamento de plataforma P36 da Petrobras. Crises dessa natureza poderiam ser evitadas por intermédio do aumento do rigor sobre projetos de plantas, equipamentos mais minuciosos, melhor sistema de detecção de problemas, do aumento do rigor nos procedimentos operacionais com melhores controles operacionais e gerenciais, além de um melhor treinamento em segurança e detecção de problemas. 3. Mensalão. Para combater a suposta prática de atividades ilegais no sistema político brasileiro ou em uma organização qualquer, poderiam ser promovidas campanhas internas para reforçar a vivência dos valores morais e éticos. 4. Caseirogate. As mesmas campanhas internas a serem promovidas no item 3, também seriam adequadas para este fenômeno. Além disso, um investimento adequado em SIC poderia promover maior proteção para informações como as bancárias, evitando que fossem facilmente e indevidamente acessadas, expondo informações pessoais sensíveis. 5. Venda de áudio de sessão secreta da CPI do Tráfico de Armas para advogados do PCC. Da mesma forma que o item 3, campanhas internas para reforçar a vivência dos valores morais e éticos seriam boas ações preventivas a serem tomadas. Outra medida seria buscar automatizar tarefas que não exigiriam mão-de-obra especializada e mal remunerada. Por outro lado, poderia avaliar a possibilidade de elevar o nível de capacitação do pessoal terceirizado selecionado com o conseqüente aumento salarial. 67 6. Caos aéreo. Um planejamento contínuo e adequado proporcionará a identificação de dimensionamento apropriado de infra-estrutura e de recursos humanos. Desastres no setor aéreo podem acarretar a morte de dezenas ou centenas de pessoas, gerando grande impacto emocional na sociedade e produzindo crises. Por isso, o estabelecimento de centros de comando de crises e de sistemas e redes de monitoramento especializadas também são importantes ações preventivas a serem tomadas. 7. Caso Renan Calheiros. Além das ações relatadas no item 3, talvez seria efetiva a promoção da total transparência dos proventos e rendimentos de todos os cidadãos que exerçam cargos públicos. 8. Vazamento de informações da Operação Satiagraha da PF. O problema com suspeitas, boatos e rumores pode ser minimizado com ações que visam transparência das atividades da organização. Entre elas citam-se o estabelecimento de linhas diretas de comunicação preventivas, programas e treinamento em mídia para promover fluxo transparente de informações com conteúdo proporcionado entre a organização e a sociedade, o reexame da cultura organizacional e a reestruturação organizacional. 9. Discriminação de brasileiros na Espanha. Para crises internacionais, é sugerido planejamento das atividades da organização com estudos de impactos em outros países. Também se devem reforçar as ligações diplomáticas entre os diversos países. Os resultados apresentados neste trabalho são preliminares, visto que o material de pesquisa se restringiu a produções acadêmicas e notícias jornalísticas, não tendo sido efetuada uma análise profunda, com entrevistas, estudos em fontes primárias etc. Também, muitas informações importantes sobre as crises ainda não estão disponíveis ao público devido aos respectivos processos poderem estar correndo em segredo de justiça, dificultando o trabalho de coleta de dados. O Apêndice B deste trabalho apresenta o conteúdo integral das principais bibliografias consultadas durante a elaboração da pesquisa. 68 7 CONCLUSÕES E TRABALHOS FUTUROS 7.1 Gerenciamento de Crises e a Segurança da Informação e Comunicações O grau de importância da informação tem crescido muito rapidamente, possibilitando muitas vantagens e benefícios às organizações. O enorme acúmulo e produção dessas informações e a necessidade de sua pronta utilização demanda sistemas de tecnologia da informação cada vez mais complexos com o conseqüente aumento de vulnerabilidades e potencial surgimento de crises. Por outro lado, em uma situação de crise, a informação, a comunicação e o apoio à decisão são os principais suportes para a sua contenção. Em função dos eventos e processos que envolvem o gerenciamento de uma crise, as informações relevantes – como exemplo, as de gestão de risco – passam a ser um ativo de alto valor tanto na prevenção quanto no tratamento e recuperação de uma crise e a busca por essas informações se torna fator primordial de sobrevivência. Assim, a preocupação com a segurança da informação tem crescido constantemente. Sob a ótica do gerenciamento de crises, tornou-se imprescindível possibilitar à organização gerar, manipular, armazenar e comunicar suas informações de forma segura, tanto para evitar problemas (crises potenciais) quanto para poder melhor gerenciar situações de crises quando estas acontecem. 69 7.2 Conclusões O propósito principal deste trabalho é verificar a aplicabilidade do modelo de tipologias proposto por Mitroff aos estudos de gerenciamento de crises no âmbito da Administração Pública Federal. Como conseqüência, são identificados quais tipos se destacam no conjunto de crises classificadas. Os resultados desta pesquisa deverão ajudar na gestão de crises da APF ao facilitar a classificação das crises segundo os modelos estudados por Mitroff e seus colaboradores. Estes modelos mostram-se bastante promissores e a fase de classificação é o primeiro passo que permite a aplicação dos métodos desenvolvidos. Concluem-se da análise os seguintes aspectos interessantes: a) A aplicação do modelo de tipologias de crises de Mitroff foi bem sucedida às crises no âmbito da APF selecionadas neste trabalho. b) Após a análise dos resultados obtidos, a concentração das crises estudadas nos Quadrantes 2 e 3 indicam que as crises se apresentam predominantemente de duas maneiras, respectivamente: i) as crises organizacionais do tipo técnico/econômico são geralmente projetadas no ambiente externo; e ii) as crises do tipo pessoas/organizacional/social costumam se apresentar internamente à organização. 7.3 Trabalhos futuros Sugere-se, como continuidade deste trabalho, um estudo mais amplo e aprofundado das crises pelas quais passa a APF, por meio de um levantamento detalhado do tema gestão de crises e crises potenciais para a Administração Pública Federal do Brasil junto a seus componentes. Esse levantamento deverá propiciar uma análise quantitativa e aplicação dos fatores Junguianos, de acordo com os métodos contidos no modelo proposto por 70 Mitroff, métodos esses não explorados neste trabalho por limitação de tempo e escopo. Também é importante o desenvolvimento de metodologias de análise de crises, que se mostra um assunto bastante sensível, quanto ao tratamento dos dados e à produção de evidências de que os fenômenos analisados sejam realmente crises, e não apenas fenômenos desastrosos inadvertidamente batizados de crise. Dada a relevância de uma crise para a continuidade das ações organizacionais, os estudos sobre gestão de crises podem ser grandes aliados à gestão da segurança da informação em geral, mas deficiências na análise podem trazer graves prejuízos às organizações e pessoas, haja vista o caráter público que todas as crises apresentam. Em suma, no que concerne ao desenvolvimento de um modelo cientificamente validado para estudo de crises dentre as fragilidades metodológicas deste trabalho, pode-se destacar: 1. A ausência de adoção de uma definição precisa e uniforme do que é, de fato, uma crise na APF, identificando-se, inclusive, a influência dos princípios regedores da administração pública, descritos na seção 3.1.1, sobre a gestão ou o fomento ao surgimento de crises. 2. A ausência de um modelo preciso e cientificamente validado de análise da dinâmica do fenômeno crise, conforme as fases do desenvolvimento cronológico da gestão de crises descrita na seção 3.3 (Crise de Gestão, Crise Operacional, Crise de Legitimidade), e as fases do ciclo de vida de uma crise (latente, operacional, aguda, em recuperação). 3. A ausência de um modelo de coleta de dados, também preciso e cientificamente validado, acerca dos fatores comuns que caracterizam crises organizacionais em empresas públicas (organizações afetadas, choques de interesses, localização temporal e espacial, iminência percebida de risco ou dano, encadeamento de eventos ameaçadores, atmosfera com senso de urgência, percepção de rumores e especulações, dinâmicas 71 complexas e analiticamente imprevisíveis, possíveis situações de enfrentamento entre partes, grau de cobertura da mídia, impacto sobre operações normais da organização, bem como impactos políticos, legais, financeiros, e governamentais, rupturas ao crescimento e própria existência das organizações impactadas, entre outros). Mesmo se consideradas as fragilidades e imensos desafios metodológicos para o estudo científico de crises em organizações públicas e suas relações com a Gestão da Segurança da Informação e Comunicações, a oportunidade de oferecer um resultado que venha a ser útil aos diversos órgãos da APF brasileira foi um grande motivador na condução desta pesquisa. O autor acredita de se tratar de um tema que ainda está em seus primórdios de desenvolvimento dentro da administração pública civil. Qualquer trabalho ou estudo que possibilite amenizar os efeitos de uma crise na Administração Publica Federal estará colaborando com a sociedade brasileira que é quem sofre, em última instância, as conseqüências de crises dessa categoria. 72 REFERÊNCIAS AFFONSO, Sebastião Baptista. Princípios Regedores da Administração Pública - Curso de Aperfeiçoamento dos Assistentes Jurídicos. Revista Virtual da AGU, Ano II, N° 12, julho 2001. 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MACEDO, Fausto (repórter de O Estado de São Paulo). PF chamará Lacerda para explicar participação da Abin. Artigo de 2008 disponível em http://txt.estado.com.br/editorias/2008/11/25/pol- 1.93.11.20081125.1.1.xmlxvii. Acessado em 29/11/08. QUADROS, Artigo de Vasconcelos (repórter 2008 disponível do Jornal em do Brasil). afastado de grupo. http://jbonline.terra.com.br/leiajb/noticias/2008/11/25/pais/ protogenes_afastado_de_grupo.htmlxviii. Acessado em 29/11/08. 83 Protógenes # Crise Referências ASSUMPÇÃO, promete Regina relatório (repórter sobre da Agência deportações. Câmara). Artigo de Embaixador 2008 da Espanha disponível em http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctd/antigas/embaixador-da-espanha-promete-relatorio-sobrexix. Acessado em 29/11/08. Espanha 9 discriminação de brasileiros DANTAS, Iuri (repórter da Folha de São Paulo). Espanha dará "trégua" a turistas, diz Amorim. Artigo de 2008 disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u381510.shtmlxx. Acessado em 29/11/08. INFANTE, risco Anelise de viajar (repórter ao da BBC Brasil. Brasil). Artigo Governo de espanhol 2008 alerta sobre disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080317_espanholaanelise.shtmlxxi. Acessado em 29/11/08. 84 APÊNDICE B – Conteúdo de notícias e reportagens i PRINCÍPIOS REGEDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Palestra proferida pelo Dr. Sebastião Baptista Affonso, por ocasião do “Curso de Aperfeiçoamento dos Assistentes Jurídicos”, realizado no Centro de Estudos Victor Nunes Leal da Advocacia-Geral da União. A Constituição, de 5-10-1988, ao dispor sobre a ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, no contexto da Organização do Estado, inovadoramente, explicitou a sua necessária subordinação aos denominados princípios fundamentais da legalidade, impessoalidade, moral idade e publicidade, mais adiante acrescido o da eficiência, pela Emenda Constitucional nº 19, de 4-6-1998, sendo certo que este último e mais o da eficácia, como ainda os da legitimidade e economicidade, já estavam previstos, respectivamente, nos artigos 74, item II, e 70 da mesma Carta Magna, que dispõem sobre os aspectos do exercício das funções dos controles interno e externo. Como é sabido, os institutos próprios do Direito Administrativo, assim como os seus princípios informativos e as suas teorias, de um modo geral, ao longo dos tempos, estavam sendo objeto apenas de desenvolvimento doutrinário e construções pretorianas, sem haver sobre isso um tratamento mais específico e aprofundado, em termos de direito positivo. O próprio conceito de Administração Pública e sua abrangência, bem como sua repartição em Direta e Indireta, só passou a ter um tratamento legal mais explicitado, com o advento da chamada reforma administrativa, implantada a partir do Decreto- Lei nº 200, de 25-2-1967, que ainda mesmo assim limitou-a, equivocadamente, ao âmbito restrito do Poder Executivo Federal. De igual modo a necessidade de observância dos princípios da legalidade e moralidade administrativa, por parte da Administração Pública, passou a ter suporte legal e instrumento jurídico próprio de controle judicial, com o surgimento da Lei nº 4.717, de 29-6-1965, que praticamente criou a intitulada Ação Popular. Desde os primórdios da existência do Tribunal de Contas da União, criado no início da República, as normas constitucionais e legais relativas à competência desse 85 órgão já lhe conferiam poder de controle da legalidade de atos e contratos administrativos. O Mandado de Segurança, também, surgiu da necessidade de haver um remédio judicante de controle da legalidade dos atos, de quaisquer autoridades administrativas, que acarretassem violação de direito individual líquido e certo. Um dos mais notáveis administrativistas, o Professor RUY CIRNE LIMA, na sua preciosa obra PRINCÍPIOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO (4ª Edição de 1964 da Livraria Sulina Editora), ressalta como princípio fundamental, que faz do Direito Administrativo ser um ramo especial e uma disciplina autônoma, o da utilidade pública, a qual constitui a finalidade própria da Administração Pública, cuja preterição no ato administrativo acarreta sua nulidade, conforme veio depois a assim ser preceituado no artigo 2°, letra “c”, na citada Lei da Ação Popular. Alguns autores famosos dão ênfase, ainda, aos princípios da autotutela, da hierarquia (do qual decorrem as relações de coordenação e subordinação entre servidores, com oportunidade ao exercício de Poder Disciplinar) e ao da especialidade, pelo qual os órgãos públicos e as entidades da Administração Pública só podem exercer poderes funcionais e atividades, para alcançar os seus fins determinados e limitados no seu ato de criação (cfr Lições de DA do Prof. Sérgio de Andréa Ferreira, Editora Rio de 1972, págs. 38 e 44). O professor HELY LOPES MEIRELLES, de saudosa memória, considerou como princípios básicos da Administração os da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade, dos quais tratou com destaque na sua monumental obra DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. Já o eminente Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, considerou como relevantes princípios constitucionais da Administração Pública os da legalidade, finalidade, impessoalidade, moralidade, probidade, publicidade, licitação, prescrição de ilícitos e responsabilidade civil (cfr .Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª Edição da Malheiros Editores de 1992, págs. 569/576). O Professor JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, também, destaca como princípios fundamentais expressos os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, considerando princípios “reconhecidos” os da supremacia do 86 interesse público, auto-tutela, indisponibilidade, continuidade e razoabilidade (Ver Manual de DIREITO ADMINISTRATIVO, 4ª Edição de 1999 da Lumen Juris, pág. 12 a 20). Outros administrativistas ilustres e não menos famosos, como é o caso do Professor DIÓGENES GASPARINI, ampliam o rol dos princípios, além desses já referidos da auto-tutela, legalidade, moralidade e publicidade, indicam mais os da continuidade, finalidade, igualdade, impessoalidade, indisponibilidade, licitação e supremacia do interesse público (cfr. DA, 4ª Edição Saraiva de 1995, págs. 617, 10 a 14 e 286), como também do Professor DIOGO DE FIGUEIREDO, que além de todos esses acrescenta os da descentralização, discricionariedade, executoriedade, modicidade, motivação, oficialidade, presunção de veracidade e legalidade, razoabilidade, realidade, recorribilidade, disciplina, aperfeiçoamento, contraditório, devido processo legal, dentre vários outros (cfr. Curso de DA, 9ª Ed. Forense de 1990, págs. 70/85, 107, 173/77,368/69 etc). De igual modo, o Professor NAGIB SLAIBI -, - FILHO, em suas ANOTAÇÕES À CONSTITUIÇÃO DE 1988, comenta vários destes e outros princípios extraídos do texto constitucional (2ª Edição Forense de 1989). Agora bem mais recente, editou- se a Lei nº 9.784, de 28-1-1999, que veio regular o processo administrativo, no âmbito da Administração Pública Federal, impondo- lhe a observância dos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança judicial e eficiência, mas deixou de incluir nesse rolos da impessoalidade, publicidade, eficácia, legitimidade e economicidade exigidos nos artigos 37,70 e 74/II da Constituição. A Constituição e toda legislação pertinente preceituam a necessidade da observância dos princípios que mencionam, por parte da Administração Pública, mas não definem, propriamente, em que eles consistem, tarefa essa delegada à doutrina e à jurisprudência, daí buscar-se fazer uma síntese condensada do que dizem os doutos, em especial aqueles aqui antes mencionados, como segue: 87 1) Legalidade - consiste em que qualquer ato da Administração esteja de conformidade com as regras editadas pelo Estado, como condição essencial de sua validade, não podendo nenhuma autoridade tomar decisão alguma contrariando norma vigente do ordenamento jurídico (a observância desse princípio fundamental é constatada com a correta indicação em cada ato da sua devida fundamentação legal, já que a Administração Pública só pode atuar nos limites do que a lei lhe autorize ou permita fazer). 2) Impessoalidade - é a atuação da autoridade administrativa sem objetivar fins pessoais, devendo a Administração buscar sempre os melhores resultados, de interesse coletivo, consubstanciado na finalidade de interesse público, que também é um dos elementos essenciais de validade dos atos administrativos (esse princípio, de certa forma, se confunde com o da isonomia no trato dos administrados pelo administrador). 3) Moralidade - é a necessidade de que a gestão da coisa pública seja feita de forma a atender aos padrões de conduta normalmente aceitos pela sociedade, em determinado momento, como relevantes para a própria existência social, condizentes com as regras morais de boa administração (esse princípio decorre de um conjunto de normas éticas e regras de conduta, devendo o Administrador agir com honestidade e pugnar pelo que for melhor e mais útil ao interesse público, o qual com a moralidade integram, de certa forma, o conceito amplo de legalidade, porque estão implícitos no modo correto de cumprir a lei) . 4) Publicidade - é a satisfação da necessidade de transparência na atuação dos agentes do Poder Público, como condição de legalidade dos seus atos, para propiciar o chamado “controle popular”, vinculado ao direito de informação a todos assegurado, ressalvados os ato cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (os atos do domínio público devem ser publicados no órgão oficial, também, para ensejar os recursos 88 cabíveis, ainda que em resumo, do que decorrem efeitos jurídicos, como a presunção de conhecimento público e o decurso dos prazos de recurso, decadência, prescrição etc.). 5) Eficiência - é mais propriamente a maneira correta e produtiva do agente da Administração agir, na gestão da coisa pública, com vistas à boa qualidade dos serviços prestados. 6) Eficácia - é não só a capacidade, que deve ter o ato administrativo de estar apto, para produzir todos os seus devidos efeitos jurídicos, como a de dar bons resultados práticos. 7) Legitimidade - é algo mais que a simples legalidade, porque representa a conformidade do ato da autoridade administrativa com a teoria do poder ou a própria ordem democrática, no atendimento do interesse público, em conjugação com a finalidade, a discricionariedade e a razoabilidade. 8) Economicidade - é a parcimônia ou modicidade no gastos públicos, evitando-se desperdícios e procurando-se obter bons resultados na atuação da Administração com o menor custo possível, sendo o procedimento licitatório um dos seus instrumentos básicos. 9) Finalidade administrativa - é para a obrigatória o orientação atendimento do da interesse atividade público especificamente expresso ou implícito na lei, cuja omissão no ato administrativo causa sua nulidade. 10) Motivação - é a enunciação expressa, explícita ou implícita dos pressupostos fáticos e jurídicos de cada ato administrativos, que constitui elemento essencial de sua validade, razão pela qual a preterição causa nulidade. 11) Razoabilidade - é um desdobramento da lógica racional aplicável ao direito, conduzindo valorações subjetivas, para uma tomada de decisão, em especial no campo da discricionariedade, conducente 89 à escolha do que for mais eficiente, conveniente, oportuno ou apto a atender o interesse público. 12) Proporcionalidade – é a dosagem razoável, na aplicação de quaisquer sanções administrativas, em especial no exercício dos poderes disciplinar e de polícia, vedada a medida superior ao estritamente necessário (esse princípio é recomendado no art. 71, item VIII da Constituição, que autoriza o TCU a aplicar sanções, inclusive “multa proporcional ao dano causado ao erário”). 13) Ampla defesa - é a garantia assegurada aos litigantes e acusados em geral, com os meios e recursos a ela inerentes, como parte de observância do devido processo legal (essa garantia está assegurada no art. 5/LV da Constituição). 14) Contraditório - é a garantia assegurada aos litigantes e acusados em geral, com os meios e recursos a ela inerentes, como parte de observância do devido processo legal (essa garantia está assegurada no art. 5/LV da Constituição). 15) Segurança jurídica - é, também, uma garantia inerente à observância do devido processo legal, pela qual as relações jurídicoadministrativas não só devem propiciar os recursos cabíveis e possíveis, como ainda devem ser protegidas por preclusão, decadência, prescrição, coisa julgada, direito adquirido, bem como o respeito ao ato jurídico perfeito e acabado (essa garantia decorre do art. 5/XXXVI da constituição). Além desses princípios, poder-se-ia acrescentar o da especialidade, a qual consiste na limitação imposta aos órgãos públicos e às entidades da Administração indireta, de só atuarem nos limites e com a finalidade a que se destinarem, conforme previsto na sua lei de criação ou de regência (esse princípio decorreria do previsto nos artigos 5/LXIX e 37/XIX, que dispõem sobre o Mandado de Segurança, para proteger abuso de poder, e a definição legal das áreas de atuação das entidades da Administração Pública). 90 Na verdade, os termos de eficácia e eficiência, assim como os de proporcionalidade, ampla defesa, contraditório e segurança jurídica, como princípios regedores da Administração Pública, ainda carecem de conceituação doutrinária mais consolidada. Vê-se, todavia, na recente Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, a trilha da observância do devido processo legal, bem como dos princípios cuja obediência ela impõe à Administração Pública (cfr .art. 2° e seu parágrafo único). Por se tratar de um diploma legal, que versa sobre DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO, ideal seria se pudesse ser de âmbito nacional e não só federal. Isto, o que em síntese comporta aqui ponderar. ii GRAU DO SURTO Panorama Econômico – O Globo Enviado por Míriam Leitão e Débora Thomé - 7.5.2008 | 15h00m A sandice subiu de grau em Brasília. Num mesmo dia, o ministro Paulo Bernardo disse que haverá um fundo soberano para financiar as empresas brasileiras no exterior a juros baixos e que será criada uma subsidiária do BNDES com o mesmo objetivo; o presidente Lula disse que vai salvar uma empresa que se afundou por sua única culpa e ainda circula a notícia de criação de uma nova Petrobras. Vários países fizeram fundo soberano com seus excessos de poupança — o que não é o nosso caso; não temos excesso de poupança. O pior problema com o nosso fundo soberano é que, até agora, não se sabe com que dinheiro ele será constituído. Sabe-se que sairá em junho e sabe-se o objetivo: 91 o ministro do Planejamento disse que será para "financiar" e "apoiar" as empresas brasileiras no exterior. Financiá-las no exterior isso o BNDES já faz. Olhe só o metrô de Caracas, construído com financiamento do banco, e vários outros projetos. Já é com um dinheiro mais barato do que o Tesouro paga para se financiar. Mas o ministro avisou que o fundo foi um pedido do presidente Lula durante uma reunião para discutir a nova política industrial. E explicou que se uma empresa for "vender serviços, fazer incorporação de outras" poderá ser financiada por este mecanismo. Disse também que está se pensando em criar uma subsidiária do BNDES para fazer o mesmo trabalho. Deu para entender? Difícil! O BNDES já faz um determinado trabalho, ainda assim, será criado um fundo — com dinheiro não se sabe de onde, mas provavelmente das reservas — e uma subsidiária de um banco estatal para oferecer o mesmo financiamento. O dinheiro do BNDES vem, em parte, do Fundo de Amparo ao Trabalhador e vai financiar compras de empresas brasileiras ou outros negócios no exterior. Será, mais do que nunca, o Fundo de Amparo a Empresários... e a alguns sindicalistas. Quando um país atinge o grau de investimento, as empresas daquele país têm a vantagem de se financiar a custo mais baixo. E isso é tudo que o Estado deveria fazer por elas; já é o suficiente. Hoje uma grande companhia brasileira tem crédito onde quiser e paga juros mais baixos que nunca. Para que financiá-las com as reservas ou com o FAT quando elas correm risco externo? A idéia, felizmente ainda não confirmada, de se criar uma nova Petrobras tem o mesmo grau de surto. Como a Petrobras quer que todas as reservas do pré-sal sejam concedidas apenas a ela, e isso é impossível, porque é uma empresa de capital aberto, o governo estaria pensando nessa idéia brilhante. Seria criada uma nova Petrobras, só estatal, que teria o monopólio da exploração do petróleo e do gás naquela faixa de profundidade. Se o governo fizer isso, estará recriando o monopólio que foi extinto pela Lei do Petróleo. O que existe hoje é o monopólio da União, e ela conseguiu o direito 92 de exploração em campos específicos, através de leilão. Se for criada uma nova empresa para ter esse monopólio, a União estará abrindo mão dele. Como se todas essas idéias já não fossem estranhas o suficiente, em Manaus, o presidente Lula afirmou ontem que "o governo tem tentado criar as condições para salvar a Gradiente". Disse que o companheiro Luciano Coutinho está encarregado disso e "vamos tentar fazer a nossa parte". Governos não devem salvar empresas em dificuldade, e foi nessa trilha que andou quando negou salvação à Varig, por exemplo. Por que salvar a Gradiente? Porque o empresário Eugênio Staub é amigo do presidente? Ela está quebrando no melhor momento para o setor. Como uma empresa de eletroeletrônicos, instalada numa zona livre de impostos, com benefício do dólar baixo na importação dos componentes da sua montagem, consegue quebrar numa hora como esta? Não há de ser culpa do BNDES; do governo. Por que os contribuintes deveriam pagar por isso? Com idéias com tal grau de insensatez é que o Brasil pode abrir caminho para perder o grau de investimento. Tudo isto: "política industrial", "apoiar empresa brasileira no exterior", "salvar empresa" significa gasto público. E ampliação desses gastos é o que o governo não deveria fazer agora. Primeiro, porque eles estão aumentando acima do crescimento do PIB; segundo, porque este é o ponto fraco do país, reconhecido até pela agência que nos concedeu o grau de investimento; terceiro e mais importante: o contribuinte não está disposto a continuar indefinidamente pagando a conta de gastos públicos crescentes. Como se todas essas decisões e declarações já não fossem suficientes para provar que há um certo grau de surto no governo brasileiro neste momento, ainda veio a declaração do presidente da República sobre mulheres. Lula disse que a mulher quer quatro coisas; pela ordem: casa, casar com homem bonito e trabalhador, carro e computador. O presidente da República apequena, assim, o horizonte dos sonhos das mulheres a alguns bens materiais e um casamento. Nada sobre todos os outros avanços e conquistas que as mulheres têm conseguido duramente. Tudo o que ele pensa sobre as mulheres cabe no mais rasteiro dos estereótipos. O presidente 93 revelou, mais uma vez, sua visão preconceituosa sobre a mulher. Queremos mais que isso, presidente! São maiores, mais amplos, mais numerosos e complexos nossos desejos e possibilidades. iii O HOMEM-CHAVE DO PTB O caso que se vai ler e ver (e ouvir em www.veja.com.br) é um microcosmo da corrupção no Brasil. Dá arrepios pensar que a mesma coisa está ocorrendo agora em milhares de outras repartições, prefeituras, câmaras municipais... Policarpo Junior Com reportagem de Otávio Cabral e Alexandre Oltramari Revista Veja - Edição 1905 - 18 de maio de 2005. Há uma cena recorrente na política nacional: são os políticos disputando, com unhas e dentes, a ocupação de cargos em todos os níveis de governo, da Esplanada dos Ministérios às câmaras municipais. Agora mesmo, uma parte do PMDB tem feito tudo para complicar a vida do Palácio do Planalto porque não conseguiu emplacar seu candidato a diretor de engenharia da Eletronorte, uma das grandes estatais elétricas do país, cujo patrimônio chega perto de 10 bilhões de reais. Por quê? Por que os políticos fazem tanta questão de ter cargos no governo? Para uns, o cargo é uma forma de ganhar visibilidade diante do eleitor e, assim, facilitar o caminho para as urnas. Para outros, é um instrumento eficaz para tirar do papel uma idéia, um projeto, uma determinada política pública. Esses são os políticos bem-intencionados. Há, porém, uma terceira categoria formada por políticos desonestos que querem cargos apenas para fazer negócios escusos – cobrar comissões, beneficiar amigos, embolsar propinas, fazer caixa dois, enriquecer ilicitamente. Quem tem intimidade com o poder em Brasília sabe que esses casos não são exceção – e em alguns bolsões de corrupção são até mesmo a regra. Raro, mesmo, é flagrar um deles em pleno vôo. Foi o que VEJA conseguiu na semana passada. 94 Há um mês, dois empresários estiveram no prédio central dos Correios, em Brasília. Queriam saber o que deveriam fazer para entrar no seleto grupo de empresas que fornecem equipamentos de informática à estatal. Foram à sala de Maurício Marinho, 52 anos, funcionário dos Correios há 28, que desde o fim do ano passado chefia o departamento de contratação e administração de material da empresa. Marinho foi objetivo na resposta à indagação dos empresários. Disse que, para entrar no rol de fornecedores da estatal, era preciso pagar propina. "Um acerto", na linguagem do servidor. Os empresários, sem que Marinho soubesse, filmaram a conversa. A fita, à qual VEJA teve acesso, tem 1 hora e 54 minutos de duração. É uma aula de corrupção, arrematada por uma cena lapidar: os empresários, a título de adiantamento de propina, colocam sobre a mesa um maço de 3 000 reais, Marinho pega o bolo de dinheiro, olha rapidamente e, sem conferir, coloca-o no bolso esquerdo de seu paletó. Antes e depois de embolsar os 3 000 reais de entrada, Marinho narra detalhes operacionais dos esquemas que patrocina nos Correios. Conta em que negócios é mais fácil roubar, quais os porcentuais de propina mais adequados para cada negócio e como os pagamentos podem ser feitos. "Várias formas", ensina. "Dólares, euros, tem esquema de entrega em hotéis. Se é em reais, tem gente que faz ordem de pagamento, abre conta." Nos trechos mais relevantes da conversa, Maurício Marinho explica que está ali em nome de um partido, o PTB, e sob ordens de um político, o deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB. "Ele me dá cobertura, fala comigo, não manda recado", diz Marinho, mostrando toda sua intimidade com o cardeal petebista. "Eu não faço nada sem consultar. Tem vez que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar um negócio. Ele é doidão." Em entrevista a VEJA, concedida através de uma ligação de celular, Marinho disse que não é filiado a nenhum partido e alegou que mal conhece Roberto Jefferson, a quem teria encontrado só duas vezes. "Uma vez no aeroporto e outra num evento, há um ano, alguma coisa do partido", disse ele. Na fita, a realidade é outra. Marinho chefia um departamento subordinado à diretoria de administração dos Correios. Desde o ano passado, o diretor de administração é Antonio Osório Batista, ex-deputado do PTB da Bahia, que chegou ao cargo por indicação de Roberto Jefferson. Na conversa gravada, Marinho conta que o diretor, um 95 assessor e ele próprio integram um mesmo grupo e executam uma mesma missão para um mesmo patrão. "Nós somos três e trabalhamos fechado. Os três são designados pelo PTB, pelo Roberto Jefferson", comenta o funcionário. "É uma composição com o governo. Nomeamos o diretor, um assessor e um departamento-chave. Eu sou o departamento-chave. Tudo que nós fechamos o partido fica sabendo." Será que Maurício Marinho, querendo parecer mais importante do que de fato é, começou a inventar? VEJA checou os episódios a que ele faz referência na conversa e, nos casos verificados, conclui-se que ele não tinha intenção alguma de projetar uma imagem falsa para seu interlocutor. A certa altura, ele conta que, depois de dois anos de luta, o PTB finalmente vai nomear o diretor de tecnologia dos Correios. "O novo diretor é da nossa agremiação. Quem vai cobrir a diretoria de tecnologia é o Fernando Bezerra, líder do PTB no Senado, com o apoio do Roberto Jefferson." E quem será o diretor? "O Ezequiel", diz Marinho. Na semana passada, o ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, confirmou a VEJA que o novo diretor de tecnologia será Ezequiel Ferreira de Souza. "Recebi da Casa Civil a determinação de trocar o diretor de tecnologia por uma indicação do PTB, feita pelo senador Fernando Bezerra", informou o ministro. Bingo. Em outro trecho, Marinho fala sobre um projeto dos Correios para fornecer medicamentos mais baratos a seus funcionários. Diz que haverá uma licitação para contratar a empresa que se encarregará de comprar remédios e credenciar farmácias. "É uma brincadeirinha de 60 milhões de reais", contabiliza Marinho. Ele diz ainda que o edital foi preparado por sua turma de tal forma que as vencedoras sejam quatro empresas indicadas por políticos amigos. "Nós temos de atender às quatro que vieram indicadas pelo deputado A e pelo senador B", afirma. "Ele (refere-se ao diretor de recursos humanos, indicado pelo PMDB da Paraíba) é que vai fechar a participação. O acerto é dele. Dessa participação dele, vai uma parte para o nosso partido. A licitação vai estar saindo nos próximos dias", completou. Na semana passada, apareceu no site dos Correios o edital de convocação para empresas interessadas em participar da licitação de 60 milhões de reais. Bingo, de novo. 96 Quando narra o empenho no esquema do deputado Roberto Jefferson, o homem que lhe dá cobertura e não manda recado, Marinho também não parece fantasiar. VEJA ouviu um ex-freqüentador da alcova petebista, que já ocupou alto cargo federal por indicação do partido. Pedindo para não ter sua identidade revelada, ele conta que Roberto Jefferson promove reuniões periódicas com seus indicados para avaliar resultados financeiros. "Chega a ser constrangedor. Nas reuniões se fala abertamente das possibilidades de negócio, de quanto vai render e de como será feita a distribuição do dinheiro. Não há meias palavras", diz. Há casos em que são fixadas até metas. No fim do ano passado, por exemplo, o diretor de uma estatal controlada pelo PTB recebeu a visita do corretor de seguros Henrique Brandão, amigão de Roberto Jefferson. Na visita, Brandão disse ao diretor que, a partir daquela data, ele tinha de arrecadar 400 000 reais mensais para o PTB. Até ensinou como: fazer acordos com credores dispostos a pagar comissão sobre o que recebessem. Procurado por VEJA, Henrique Brandão, cujo escritório no Rio de Janeiro abriga uma peculiar coleção de 200 corujas empalhadas, confirmou que é amigo de Roberto Jefferson, mas disse que suas incursões políticas se limitam a defender os interesses dos corretores de seguros. Fundado em 1945 pelo presidente Getúlio Vargas, o PTB de hoje não mantém nem parentesco distante com sua origem trabalhista e seu discurso nacionalista. Sufocado na ditadura militar (1964-1985), o partido só voltou ao cenário político nos anos 80 e, na década seguinte, aliou-se ao então presidente Fernando Collor, levado pelas mãos de José Carlos Martinez, morto num desastre aéreo. O deputado Roberto Jefferson, que é filiado ao PTB há mais de vinte anos, celebrizara-se pelo empenho com que integrou a tropa de choque de Collor. Desde o impeachment, o PTB participa de todos os governos, sempre beliscando um cargo aqui, outro cargo ali. Agora, no governo petista, porém, adquiriu força e vigor ímpares. Estima-se que o PTB tenha hoje cerca de 2 000 cargos de confiança no governo, mesma cifra sob controle do PL do vice-presidente José Alencar. O mais vistoso é o Ministério do Turismo, ocupado por Walfrido Mares Guia, cujo orçamento é de 1 bilhão de reais. Mas, além do ministro, o PTB tem outros cargos valiosos. 97 Nos escalões superiores, os petebistas ocupam mais de uma dúzia de cargos. Entre eles, há potências como a presidência da Eletronorte, ocupada pelo correligionário Roberto Salmeron. Uma das três maiores estatais elétricas do país, a Eletronorte tem mais de 5 000 funcionários e um orçamento de 940 milhões de reais. O PTB também cravou sua bandeira na gorda diretoria financeira da Transpetro, que cuida da frota que transporta o petróleo brasileiro e tem 350 milhões de dólares em investimento. O diretor financeiro da Transpetro, Álvaro Gaudêncio Neto, também faz parte da comissão que comanda a licitação para a compra de 42 petroleiros, aquisição de 1,9 bilhão de dólares. O PTB tem, ainda, a diretoria de operações e logística da BR Distribuidora, ocupada por Fernando Cunha, pela qual passam negócios de mais de 800 milhões de reais por ano. Somando-se os cargos de alto escalão, incluindo uma portentosa vice-presidência da Caixa Econômica Federal, o partido tem sob seu comando 14,5 bilhões de reais – fortuna equivalente à metade do PIB do Uruguai. Com tanto terreno ocupado no governo petista, o PTB já protagonizou outros casos de corrupção. Em julho de 2003, seu indicado para a diretoria financeira do Departamento de Infra-estrutura de Transportes, Sérgio Pimentel, foi demitido sob a suspeita de que vinha cobrando propina para liberar pagamentos do órgão. Em setembro do ano passado, o PTB apareceu no centro de outro escândalo. VEJA noticiou que o PT comprara o apoio do PTB, pagando 150 000 reais a cada deputado. O homem da mala, que se encarregou de levar a primeira parcela do pagamento aos deputados, foi o senhor Emerson Palmieri, que já foi tesoureiro do PTB. Palmieri é personagem tarimbado em histórias esquisitas. Em 2002, quando o jornal Folha de S.Paulo revelou a existência de um caixa dois do então prefeito de Curitiba, Cassio Taniguchi, Palmieri aparecia como beneficiário de 560 000 reais. Palmieri era um dos coordenadores da campanha presidencial de Ciro Gomes, que o afastou depois do escândalo. Hoje, reabilitado pelo PT, ele é diretor de administração e finanças da Embratur, cargo que controla 165 milhões de reais. O que andará fazendo Palmieri com poder sobre tanto dinheiro público? Ninguém perde por esperar. 98 Na origem da praga da corrupção no governo estão os 25 000 cargos de confiança no governo federal, que são ocupados por indicação política. Estimase que, do total, os petistas ocupem 16 000 cargos. Os outros 9 000 estão sob o controle dos partidos aliados. Se, por hipótese, 95% dos que batalharam para ocupar esses postos foram movidos por objetivos íntegros, pelo interesse de fazer política à luz do dia e executar idéias defendidas nos programas de seus partidos, ainda assim haveria 1 250 cargos nas mãos de pilantras. É uma floresta de cargos. A forma mais eficaz de evitar que esse festival de irregularidades prossiga é reduzir o número monumental de 25 000 cargos de preenchimento político – todos eles, um a um, controlados pelo chefe da Casa Civil, o ministro José Dirceu. Na Inglaterra, cada novo governo dispõe de algo em torno de 100 cargos para preencher. Na França, o número não passa de 1 000. Nos Estados Unidos, são 5 000. "A superdimensão da patronagem no Brasil gera distorções perigosas, abre a porta para a corrupção, para o nepotismo e quebra a rotina da administração, o que aumenta a ineficiência do Estado e os gastos públicos", analisa o cientista político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, o Iuperj. As intenções espúrias são tão escancaradas que, nos últimos anos, até os cargos preferidos foram mudando – e sempre por razões pecuniárias. No primeiro governo tucano, por exemplo, os alvos prediletos eram estatais com farta carteira de investimentos e aquelas que seriam objeto de privatização. Atualmente, em função do rígido ajuste fiscal implementado pelo ministro Antonio Palocci, o interesse dos políticos migrou para cargos que ficam fora do alcance do contingenciamento do Orçamento. É o caso da Eletrobras, Furnas, Correios, Itaipu, Infraero, Petrobras, todas empresas com autonomia orçamentária. Antes, o Ministério dos Transportes e suas autarquias eram cobiçadíssimos pelos políticos – tanto que, nessa área, havia um feudo indomável do PMDB. Era uma época em que esses órgãos recebiam cerca de 50% do que se previa no Orçamento. Hoje, os políticos nem falam mais de órgãos nos Transportes. Examinando-se o Orçamento, descobre-se por quê: a liberação orçamentária atualmente mal passa de 10%. Entre os cargos preferidos hoje, incluem-se ainda postos nos ministérios da Saúde e da Educação. Só porque administram verbas cujo repasse é obrigatório. 99 Com um punhado de cargos e montanhas de dinheiro, o PTB, mesmo assim, não está satisfeito com seu quinhão no governo. No vídeo em que achaca dois empresários, Maurício Marinho diz que o esquema ainda é malfeito. "O partido é muito desorganizado", reclama. Para enfrentar as próximas eleições, ele defende que a logística da propina seja planejada com antecedência. "Nós temos de ver quantos vão ser os candidatos, o que é que vamos dar pra cada um, o que é que compete aos Correios, à Infraero, à Eletronorte, à Petrobras." Em tempo: o PTB tem apaniguados ocupando cargos em cada uma das quatro empresas citadas. Em seguida, Marinho conta seus planos de assumir, ele mesmo, uma diretoria dos Correios em abril do ano que vem, quando muitos deixarão os cargos para se candidatar nas eleições. Na semana passada, porém, quando VEJA já investigava o caso de corrupção em que se envolveu, Marinho foi afastado da chefia do departamento pelo diretor Osório Batista, o ex-líder do PTB baiano. "Ele é um profissional competente, com currículo espetacular", diz Osório Batista. Então por que foi afastado do cargo? Problemas de saúde. "Sou diabético e estou tratando do fígado", explicou Marinho. Será que o deputado Roberto Jefferson sabia disso? Procurado por VEJA, o deputado preferiu manter silêncio. iv AUTÓPSIA DA CORRUPÇÃO Relatório da Polícia Federal diz que fisiologismo político e desvio de dinheiro infestam órgãos públicos e empresas estatais Policarpo Júnior Policarpo Júnior Com reportagem de Otávio Cabral Revista Veja - Edição 2045 - 30 de janeiro de 2008. Em maio de 2005, VEJA publicou uma reportagem revelando o monstro que se cria quando se misturam no mesmo ambiente interesses públicos, privados e políticos. Um diretor da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) foi flagrado em uma gravação de vídeo recebendo propina e 100 narrando em detalhes o funcionamento de uma estrutura clandestina de arrecadação de dinheiro. As imagens correram o mundo e provocaram o maior escândalo político desde o impeachment do presidente Fernando Collor. O Congresso instaurou uma comissão parlamentar de inquérito e, a partir dela, desvendou-se uma enorme rede de corrupção envolvendo gente graúda do governo, parlamentares e empresários. O esquema, batizado de mensalão, arrecadava dinheiro em empresas públicas para subornar deputados. Quarenta pessoas estão sendo processadas por crimes de corrupção e formação de quadrilha. Agora, quase três anos depois, a Polícia Federal concluiu a investigação sobre a gênese do escândalo. Os Correios eram exatamente aquilo que as imagens mostraram – um covil usado pelos políticos para desviar dinheiro público mediante a indicação de pessoas para ocupar cargos estratégicos. Funcionava nos moldes de uma organização criminosa, com chefes, escalões de comando, contabilidade própria, ameaças, extorsões e pagamentos de propina. VEJA teve acesso ao relatório final da Polícia Federal sobre o caso. O documento revela o poder de destruição de uma das piores pragas da política brasileira: o loteamento de cargos. Em 130 páginas, a Polícia Federal disseca, a partir dos Correios, a maneira como os políticos tomam de assalto empresas públicas para satisfazer interesses pessoais e partidários. O relatório ajuda a entender por que deputados e senadores, independentemente de credo ou ideologia, vivem numa guerrilha permanente para indicar seus afilhados para cargos no governo federal, estadual ou municipal. Fica evidente que a meta a ser perseguida é o binômio poder e dinheiro – principalmente dinheiro, que compra o poder. Maurício Marinho, o funcionário filmado recebendo propina, foi escolhido para ocupar o cargo pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), uma das catorze agremiações aliadas ao governo. Por sua mesa, em três anos, transitou boa parte dos negócios realizados pela companhia. A polícia, com a ajuda de auditores, constatou que os contratos assinados por Marinho e outros diretores dos Correios, em sua maioria, foram "cavilosamente fraudados". Há casos de licitações dirigidas, compras sem necessidade, conluio entre empresas e superfaturamento em índices inacreditáveis de 400%. Tudo isso envolvendo mais 8 bilhões de reais em recursos. Parte desse dinheiro, 101 segundo a polícia, foi desviada dos cofres públicos para os bolsos dos corruptos e alimentou campanhas políticas. As suspeitas sobre as verdadeiras motivações dos políticos em busca de cargos públicos sempre existiram no imaginário dos eleitores, mas essa é a primeira vez que ela se materializa de forma tão evidente. Os partidos estão no centro do que a polícia chama de "esquema criminoso" dos Correios. Dois deles foram apontados no relatório da polícia: o PTB e o PT, mas não está descartada a possibilidade do envolvimento de outras organizações, como o PMDB. No caso do PTB, ficou comprovado que o presidente do partido, o exdeputado Roberto Jefferson, "realizou um verdadeiro loteamento" dos Correios para operar "fábricas de dinheiro". O esquema funcionava da seguinte maneira: para prestar serviços à estatal, a empresa interessada aceitava destinar um porcentual de seus ganhos ao partido, que variava de 3% a 5% de tudo o que recebesse. O acerto era feito diretamente com os representantes da agremiação. O grau de requinte chegava ao ponto de a quadrilha manter uma contabilidade on-line do dinheiro desviado. A polícia apreendeu no computador de um dos dirigentes petebistas uma planilha mostrando em detalhes como era cobrada a propina partidária. O arquivo, com o sugestivo nome de "conta corrente", mostrava o nome da empresa, o valor do contrato, o funcionário responsável pela cobrança, o porcentual do acerto e a freqüência do pagamento. Em períodos de eleição, o PTB ainda exigia das companhias que fornecessem uma ajuda direta aos seus candidatos. Os empresários eram lembrados de que, para continuar desfrutando seus gordos contratos com os Correios, a vitória nas urnas era imprescindível. Cada um deles recebia um CD com a matriz do material de campanha dos candidatos do partido. Normalmente, eram pedidos de santinhos e camisetas com a foto do político e o nome do partido. "As solicitações de contribuições aos fornecedores da ECT por parte dos empregados dos Correios, membros da quadrilha, eram explícitas e algumas vezes chegavam à beira da extorsão. Além da entrega de dinheiro em troca de informações e de benefícios indevidos nos procedimentos administrativos de licitação, nas prorrogações de contratos, na repactuação de 102 preços, os fornecedores da ECT também contribuíam diretamente para o partido nas campanhas eleitorais", descreve o relatório policial. Não se sabe quanto o PTB arrecadou nos Correios, mas as estimativas mais modestas falam em 10 milhões de reais. Roberto Jefferson e os dirigentes indicados pelo PTB foram indiciados por crime de formação de quadrilha, corrupção e fraude em licitações. O líder trabalhista ainda vai enfrentar outro processo. Quando explodiu o escândalo, o ex-deputado disse que estava sendo vítima de extorsão. Numa curiosa inversão de papéis, a falsa denúncia levou à prisão do consultor Arlindo Molina, que ficou detido durante nove dias, enquanto os corruptos permanecem livres até hoje. "Espero que o Ministério Público cumpra seu dever e acuse o ex-deputado por crime de denunciação caluniosa", diz Molina. As diretorias dos Correios foram divididas – ou "loteadas", como afirma a polícia – também entre os políticos do PT e do PMDB. O resultado das investigações mostrou que o método trabalhista não era exclusivo do partido. Segundo o relatório, as nomeações para os Correios e para outras empresas públicas obedeciam ao mesmo critério. Os parlamentares indicavam nomes afinados com seus interesses, que eram avalizados pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e por Silvio Pereira, então secretário-geral do PT. Esses dois personagens, como se sabe hoje, foram os mentores do mensalão, o esquema clandestino de arrecadação de fundos do PT. O relatório mostra que o Partido dos Trabalhadores também deixou suas digitais em fraudes e desvios de dinheiro nos Correios. A Polícia Federal detectou graves irregularidades na área de tecnologia da estatal, como fraude em licitações e cobrança de propina. "Tais atos dizem respeito à possível atuação de uma quadrilha comandada por pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores", descreve a polícia. No período investigado, entre 2003 e 2005, o setor foi comandado por Eduardo Medeiros, um petista abençoado por José Dirceu e Silvio Pereira. Há dois inquéritos na PF vasculhando exclusivamente a ação dos petistas. Um dos alvos de investigação federal citados no relatório é a empresa de computadores Novadata. No vídeo, Maurício Marinho contou que a 103 companhia conseguiu uma série de benefícios nos Correios depois de fazer um "acerto" com a diretoria de tecnologia. Levantamentos feitos pela Controladoria-Geral da União e anexados ao inquérito mostraram que a Novadata conseguiu um reajuste inexplicável no valor de um de seus contratos e ainda venceu outra licitação, cujos critérios de escolha foram absolutamente irregulares. A empresa também foi poupada de multas por atraso na execução dos serviços. A Novadata pertence ao empresário Mauro Dutra, amigo e companheiro de pescaria do presidente Lula há mais de duas décadas. Dutra também exerce o papel de arrecadador extra-oficial de recursos para campanhas petistas e é dono de uma ONG que recebeu dinheiro público para treinar trabalhadores – e que prestava conta do serviço usando notas fiscais frias. "Apesar de ainda não ter sido cabalmente provado, Mauro Dutra é suspeito de ter feito acertos com servidores de pelo menos duas áreas dos Correios para vencer uma licitação e, também, para obter reajuste de 5,5 milhões no valor de um contrato", diz o relatório. O escândalo, que nasceu com as revelações de Maurício Marinho e tragou, com a descoberta do mensalão, o que se supunha ainda existir de ética em alguns partidos políticos, expôs as vísceras do que há de pior na política brasileira. Mas, ao que parece, não serviu nem de lição. Na semana passada, em plena reunião ministerial – um evento tradicionalmente nobre e simbólico –, o presidente Lula aproveitou a presença do contingente de ministros para falar exatamente sobre distribuição de cargos. A chamada base aliada do governo, da qual ainda faz parte o PTB de Roberto Jefferson, vive ameaçando se rebelar se cargos e mais cargos não lhe forem imediatamente entregues. O fisiologismo não é uma invenção de Lula ou do PT. Ele faz parte de uma conveniente estratégia política usada por todos os presidentes que o antecederam. A diferença, agora, é que as negociações de cargos, por seu caráter pouco nobre e suas intenções nada explícitas, são escancaradas, sem nenhuma cerimônia. "O fisiologismo sempre existiu, mas Lula o levou ao paroxismo e ficou prisioneiro dele. Sem o mensalão, o governo só tem cargos e emendas para compor sua base de sustentação", analisa a cientista política Lucia Hippolito. 104 2008 é ano eleitoral. Mas isso, aparentemente, tem pouca relevância na discussão sobre cargos. Afinal, os interesses em colocar afilhados no governo seriam todos republicanos. Os políticos querem fazer nomeações porque acham que suas experiências de vida e seus partidos podem ajudar a melhorar o país. "O cargo é uma coisa simbólica, que serve para mostrar que se tem poder. Isso ajuda o deputado a implementar suas idéias em benefício da população", explica o deputado Mário Negromonte, líder do PP na Câmara, outro dos partidos da base aliada do governo. Maurício Marinho, Roberto Jefferson, José Dirceu, Silvio Pereira, o mensalão, o fisiologismo e a corrupção nos Correios seriam, portanto, exceções nesse universo de boas intenções. Diz a Polícia Federal: "Ao longo dos anos vem ocorrendo, tanto nos Correios quanto em outras empresas estatais do país, uma espécie de ‘loteamento’ dos cargos em comissão a pessoas dos mais diversos matizes políticos que se alternam no poder. Através desse instrumento censurável, busca-se angariar recursos financeiros junto às empresas privadas (...) Esses recursos, geralmente provenientes de ‘caixa dois’, são, em parte, destinados aos partidos políticos infiltrados nas empresas públicas à custa da dilapidação do erário levada a cabo por meio de fraudes de toda ordem realizadas em licitações". v CORRUPÇÃO E MENSALÃO Quem defenderá o governo Lula? Que alternativa se pode construir? Por Euler Conrado 25/07/2005 às 20:01 Ninguém melhor do que um membro da máfia para revelar as entranhas daquela organização. O caso dos mensalões e esquemas de poder que ora o deputado Roberto Jéferson revela é um pouco isso: a confissão de culpa por parte de alguém ameaçado, cuja defesa está assentada na revelação do esquema no qual esteve envolvido até o pescoço. O esquema sujo de poder envolve um círculo vicioso entre a indicação de cargos de confiança em empresas estatais e órgãos públicos por e para pessoas que passam a 105 favorecer empresas privadas, que por sua vez faturam milhões dos cofres públicos e que em retribuição patrocinam as candidaturas de vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e presidentes. O toma-lá-dá-cá da promiscuidade entre os agentes da elite dominante. O governo Lula inovou neste esquema ao adicionar a CDD (compra direta de deputados) para votar as matérias de interesse das elites. Aprovou a reforma previdenciária, que taxava as aposentadorias; aprovou a blindagem do presidente do Banco Central e ex-diretor do Banco de Boston, (Fernando) Henrique Meirelles, indiciado pelo Ministério Público; aprovou o mísero salário mínimo de R$ 260,00 em 2004; aprovou, enfim, a política de superávit de quase 5% do PIB para o pagamento de banqueiros nacionais e internacionais, e a manutenção dos juros altos, para atender – e superar até – as imposições do FMI. Bilhões de reais foram transferidos anualmente do bolso dos trabalhadores para os cofres dos banqueiros e grandes empresários. Uma vez no governo, o PT aliou-se a experts em assunto de corrupção e esquemas de manutenção de poder, como a tropa de choque de Collor, do PTB, o PMDB de Sarney e Suasuna, além do PP de Maluf e Delfim Neto, e do PL, todos sedentos por cargos, privilégios e grana, muita grana. Desta forma, o PT conta com a simpatia da oligarquia financeira – graças aos fabulosos lucros dos bancos e do agronegócio; conta com o apoio da cúpula amestrada dos movimentos sociais – CUT, UNE e MST – cujos membros demonstram não possuir qualquer autonomia em relação ao governo e de alguma forma se beneficiam com pequenos favores palacianos; e, de quebra, espera contar com o apoio eleitoral e não organizado de milhões de pessoas simples do povo, graças ao programa Fome Zero, que distribui em média míseros R$ 65,00 por mês por família pobre. O quadro de perpetuação no poder parecia montado, não fosse uma pedra no caminho. Na verdade, nada de nobre, mas o resultado da disputa entre grupos sedentos por lucros fáceis e que acabou revelando a ponta do Iceberg, com aquele episódio da gravação do corrupto funcionário indicado pelo PTB, que embolsou 3.000 dinheiros. Passados 30 meses da posse do governo Lula, sua base parlamentar, desesperada, procura a todo custo encontrar uma saída que consiga ao 106 mesmo tempo “blindar” o presidente Lula perante as acusações e provas que vão surgindo – e que poderiam levar à cassação da principal estrela petista –, e, ao mesmo tempo, busca-se uma saída à brasileira para a crise. O que significa dizer: uma saída pelo alto, costurada pelas elites, sem a participação direta da população, que é chamada somente para votar em candidatos escolhidos pelos mesmos que realizam os esquemas sujos de poder. Em outros tempos, o PT convocaria o movimento sindical e as comunidades para saírem às ruas e protestar contra a corrupção e contra o governo. Fora Sarney! Fora Collor! Fora FHC! Antigos inimigos, acusados de corruptos e vendilhões, hoje se tornam aliados na partilha das benesses do poder. Chamam a isso de “governabilidade”. Na minha terra isso se chama canalhice. Hoje, a operação abafa começa com discursos do presidente, para o público externo, em favor da apuração “doa a quem doer”. E continua com a atuação dos parlamentares governistas no Congresso Nacional. Tentaram impedir a CPI. Como não conseguiram, procuraram controlá-la por uma tropa de choque que tenta desqualificar quem acusa o governo e proteger os aliados. Uma inversão melancólica de papéis, seguindo os passos de antigos inimigos, e agora aliados, ao tempo em que o PT era oposição. Nada como ser governo para mostrar a outra face. Claro que os partidos conservadores e de direita, PFL e PSDB à frente, tiram proveito da situação, tentando desgastar ao máximo o PT e procurando se apresentar como se fossem as pessoas mais honestas do mundo. Logo quem! Mas, os integrantes do PT cultuam o maniqueísmo entre supostos golpistas da direita e a base de sustentação do governo Lula, pois isso lhes favorece. A tentativa de desviar o foco da apuração, que pode levar ao Impeachment de Lula, para uma disputa ideológica entre direita-esquerda, é uma das formas de tentar jogar a crise para debaixo do tapete. Sabem, os integrantes do governo Lula, que o que está em jogo não é pouca coisa, mas todo o projeto de poder do PT. Todas as principais lideranças deste partido estão envolvidas com o esquema denunciado, e os que não estiverem envolvidos diretamente, certamente terão que explicar a íntima 107 convivência/conivência com as pessoas que estavam. Quem enganou quem nesta história? Por outro lado, os algozes do PT no parlamento também não são santos – e um dos maiores dramas morais da cúpula do PT é que ela sabe que está sendo julgada por pessoas que estiveram envolvidas por vários anos com esquemas semelhantes àqueles que agora recaem sobre o PT. Mas, como o PT se calou e conciliou com toda essa gente e sua prática em nome da “governabilidade” e da conquista do poder, agora já não pode mais falar. O PT legitimou o governo FHC ao passar 30 meses no governo Federal sem fazer uma única tentativa de apuração do processo de privatização, da reeleição de FHC e das ligações perigosas daquele governo com grandes empresários – os mesmos com os quais o PT passou a beneficiar e a se beneficiar. Daí que é plenamente possível que haja um acordão de cúpula, com o sacrifício de alguns poucos, para que se salve o essencial para as elites: mudam-se as aparências e salvam-se as instituições voltadas para beneficiar alguns poucos em detrimento da maioria. Qualquer tentativa de reforma política com essa camarilha é golpe! Tanto quanto a continuação dos que lá estão. Da parte dos movimentos sociais, golpeados em grande parte pela política petista de conciliação de classe, de cooptação de lideranças para e pelas máquinas de poder estatal, sindical e estudantil, observa-se uma apatia. Cai o véu das ilusões que justificavam práticas e meios espúrios em nome de bandeiras que jamais seriam conquistadas por esse caminho. Apesar disso, se as bases destes movimentos ainda tiverem alguma independência intelectual e alguma honestidade de princípios, deveriam refletir sobre o que aconteceu com o objetivo não de colocar panos quentes para continuar mais do mesmo, mas para mudar realmente. Por outro lado, entre os movimentos sociais autônomos, que não se curvaram a estes projetos combalidos e de conciliação, seria importante estabelecer uma reflexão sobre o significado desta crise. Entender, por exemplo, como o poder político está separado do controle direto dos trabalhadores que produzem as riquezas que são apropriadas – saqueadas, literalmente – por gangsteres travestidos de empresários privados, políticos 108 profissionais, burocratas da máquina sindical, partidária e estudantil. Embora haja exceções (em se tratando das pessoas envolvidas) não se trata de identificar os políticos “bons” e aqueles que são canalhas, mas de entender como e a quem servem as estruturas de poder e como os trabalhadores devem reagir diante disso. O que fazer para que se quebrem estas estruturas e se construam formas de controle social direto dos trabalhadores sobre as riquezas produzidas (o poder político nada mais é do que uma máquina voltada para controlar e partilhar as riquezas sociais produzidas por milhões em favor de uma minoria). O voto nulo, por exemplo, é uma arma de recusa da farsa da democracia burguesa. Mas, ao lado disso, para que não se faça do voto nulo um instrumento passivo e espetacular de recusa é preciso que se construam alternativas de controle direto dos assalariados sobre o resultado da produção coletiva. E isso se dá nas lutas diretas, nas experiências cotidianas ocorridas nas comunidades, na combinação de lutas populares contra aquilo que vem acontecendo, inclusive explorando as contradições entre os de cima. O momento atual pode, portanto, tornar-se mais um capítulo da saída pelo alto, tão comum neste território ocupado; ou, ao contrário, pode servir de impulso e apoio para que os trabalhadores e estudantes, muitos dos quais antes esperançosos no projeto de poder do PT, possam refletir e construir caminhos que destoam da continuidade do domínio das elites. Aí sim, conheceríamos a vitória da esperança. vi RETROSPECTIVA 2006: CRONOLOGIA DA CPI DOS BINGOS Depoimento de caseiro levou à demissão do ministro Palocci. No relatório final, CPI pede 83 indiciamentos. Do G1/Globo.com 26/12/2006 - 18h13m - Atualizado em 27/12/2006 - 12h27m 109 18 de janeiro RELATÓRIO PEDE ANULAÇÃO DE CONTRATO DA CAIXA Em seu relatório parcial, o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos, senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), propõe que o Congresso Nacional torne nulo o contrato entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e a Gtech, empresa de tecnologia que controla os serviços lotéricos. Garibaldi também pediu o indiciamento criminal de 34 pessoas físicas e três pessoas jurídicas. 18 de janeiro CPI APROVA QUEBRA DE SIGILO DE OKAMOTTO A CPI dos Bingos aprovou por 11 votos a 2 a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto. Em 2004, Okamotto, que é amigo do presidente Lula, disse ter pago uma dívida do presidente com o PT no valor de quase R$ 30 mil. Okamotto havia afirmado à CPI que quitou a dívida de Lula com o partido para não incomodar o presidente. 26 de janeiro PALOCCI DIZ QUE NÃO ESTÁ ACIMA DA LEI "Nenhum de nós está acima de qualquer suspeita, por mais importante que seja o cargo que ocupemos", disse o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, em depoimento na CPI dos Bingos, ao comentar as denúncias de supostas irregularidades que teriam ocorrido nos dois períodos em que ele foi prefeito do município paulista de Ribeirão Preto, nos anos 90. 30 de janeiro STF IMPEDE QUEBRA DE SIGILO DE OKAMOTTO O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, concedeu liminar em Mandado de Segurança e vedou a suspensão de quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamotto. O plenário da CPI dos Bingos havia solicitado a quebra de sigilo, em virtude do empréstimo financeiro que Okamotto fez ao presidente Lula para quitar dívida com o PT. 110 31 de janeiro CPI APROVA RELATÓRIO PARCIAL A CPI dos Bingos aprovou o relatório parcial do senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) que pede o cancelamento do contrato entre a Caixa e a Gtech para o processamento de loterias federais. O documento pediu o indiciamento criminal de 34 pessoas e de três empresas, mas não citou o ministro Antonio Palocci, investigado pela CPI, mas listou assessores e exassessores do então ministro. 14 de fevereiro BINGOS NEGAM DOAÇÕES PARA CAMPANHA DE LULA Em depoimento à CPI dos Bingos, o presidente da Associação Brasileira de Bingos (Abrabin), Olavo Sales da Silveira, negou a existência de qualquer tipo de contribuição de casas de bingos para campanhas eleitorais. Na CPI, o advogado Rogério Tadeu Buratti tinha dito que as casas de bingos de São Paulo e do Rio de Janeiro haviam contribuído com cerca de R$ 1 milhão cada uma para a campanha de Lula em 2002. 9 de março CPI PEDE MAIS 60 DIAS O requerimento de prorrogação da CPI dos Bingos por mais 60 dias foi lido em Plenário na sessão ordinária deliberativa. O requerimento foi assinado por 38 senadores, 11 a mais que o número mínimo. A CPI prorrogou os trabalhos da comissão até o dia 24 de junho. Para o presidente da comissão, senador Efraim Morais (PFL-PB), o requerimento visava evitar que o relatório fosse votado de forma apressada. 14 de março CPI QUER OUVIR CASEIRO FRANCENILDO COSTA O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) protocolou na CPI dos Bingos requerimento para convocar para depor o caseiro Francenildo Santos Costa, que trabalhou na mansão do Lago Sul, em Brasília, alugada por ex-assessores do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O caseiro afirmou ter visto o então 111 ministro da Fazenda na casa, apesar de Palocci ter negado veemente que tivesse estado lá. 16 de março CASEIRO DIZ QUE PALOCCI FREQÜENTAVA MANSÃO Em depoimento à CPI dos Bingos, o caseiro Francenildo dos Santos Costa disse "confirmar até morrer" que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, freqüentava a casa no Lago Sul, em Brasília, alugada por um ex-assessor do ministro. A oposição acusou Palocci e outros integrantes da chamada "república de Ribeirão Preto" de fazer lobby dentro do governo em favor de alguns grupos empresariais. 20 de março OPOSIÇÃO CRITICA QUEBRA DE SIGILO DE CASEIRO Parlamentares da oposição criticaram o vazamento de informações sobre a quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa. O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) acusou o próprio Palocci de ter ordenado a quebra do sigilo do caseiro. 21 de março VIOLAÇÃO DO SIGILO DO CASEIRO FOI ORDENADO PELA CAIXA A violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa foi ordenada pela própria Caixa Econômica Federal. O formulário de extração de dados da movimentação bancária de Francenildo é exclusivo do sistema interno da estatal. A oposição pediu a demissão do ministro devido à quebra do sigilo. 27 de março PALOCCI DEIXA O MINISTÉRIO DA FAZENDA Devido à violação do sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa, Antonio Palocci pediu afastamento do cargo de ministro da Fazenda para o presidente Lula. Também pediu desligamento do cargo o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. Apesar de negar ter sido responsável pelo vazamento dos dados bancários de Francenildo, Mattoso admitiu ter pedido para assessores o extrato do caseiro. 112 4 de abril OKAMOTTO NEGA QUE CUIDAVA DAS CONTAS DE LULA Em depoimento à CPI dos Bingos, o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, negou que cuidava das contas pessoais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou de outras pessoas. Okamotto foi ouvido pela CPI sobre o pagamento que fez de um empréstimo de R$ 29,4 mil de Lula com o PT. O presidente do Sebrae, porém, negou-se a liberar seus sigilos bancário e fiscal, protegidos por liminar do STF. 19 de abril PALOCCI É ACUSADO POR VIOLAÇÃO DO SIGILO A Polícia Federal enviou à Justiça o relatório parcial que acusava o exministro Antonio Palocci de ser o mandante da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, enquanto Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa, surgiu no relatório como responsável por fazer a quebra. Palocci foi indiciado por quatro crimes: quebra de sigilo bancário e funcional, prevaricação e denunciação caluniosa. 10 de maio SILVIO PEREIRA ISENTA LULA Em depoimento à CPI dos Bingos, o ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira afirmou que a responsabilidade pelo envolvimento da legenda com Marcos Valério de Souza foi de toda a direção do partido, e não apenas dele ou do ex-tesoureiro Delúbio Soares. Segundo Pereira, Marcos Valério pretendia arrecadar R$ 1 bilhão até o final do mandato de Lula. Porém, Pereira isentou Lula de qualquer responsabilidade. 23 de maio DELÚBIO ASSUME RESPONSABILIDADE POR EMPRÉSTIMOS Em depoimento à CPI dos Bingos, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares afirmou que foi dele a responsabilidade dos empréstimos feitos pelo partido e que foi ele quem autorizou o empresário Marcos Valério a realizar tais empréstimos. Ele também disse desconhecer qualquer doação de bingos para a campanha de 2002 de Lula ou a prática de caixa dois na campanha petista. 113 8 de junho RELATÓRIO FINAL PEDE 83 INDICIAMENTOS O relatório final da CPI dos Bingos do senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) pediu 83 indiciamentos, entre eles o ex-ministro Antonio Palocci, o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz e o advogado Rogério Tadeu Buratti. Mas o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e o ex-ministro José Dirceu não foram citados. 20 de junho CPI APROVA RELATÓRIO FINAL Com 12 votos a favor e dois contrários, a CPI dos Bingos aprovou o relatório final do senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). Apesar dos apelos da oposição, o relator manteve a sua decisão e não incluiu o nome de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula, na lista com 79 pedidos de indiciamento. Também foi pedido o indiciamento de quatro empresas. vii ENTENDA O CHAMADO "CASEIROGATE" E A CRONOLOGIA DOS FATOS QUE DERRUBARAM PALOCCI da Folha Online 27/03/2006 - 00h00 As investigações sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa foram apelidadas de "caseirogate" --numa referência à profissão-- conseguiram derrubar Antonio Palocci do Ministério da Fazenda. Tido como "homem forte" do governo Lula e responsável pelo controle da inflação, Palocci não resistiu às investigações sobre o caso. Os dados da movimentação da conta poupança de Francenildo foram divulgadas pelo blog da revista "Época" logo depois dele confirmar para a CPI dos Bingos declarações dadas para o jornal "O Estado de S.Paulo". 114 Na entrevista, Francenildo disse ter visto Palocci na mansão usada em Brasília por lobistas para fechar negócios suspeitos e promover festas com prostitutas. Palocci havia negado por diversas vezes ter freqüentado essa casa. Num primeiro momento, parlamentares da base governista usaram as informações bancárias --que mostraram o recebimento de R$ 35 mil em depósitos-- para lançar a suspeita que o depoimento do caseiro havia sido comprado pela oposição. Descobriu-se mais tarde que Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ligado ao Ministério da Fazenda, estava investigando Francenildo por suposta lavagem de dinheiro, já que os depósitos em sua conta eram incompatíveis com a renda mensal de R$ 700. A Polícia Federal entrou no caso e passou a investigar a quebra ilegal do sigilo de Francenildo. O ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso disse à PF que entregou o extrato de Francenildo para Palocci no dia 16 de março --um dia antes da publicação dos dados na imprensa. Mattoso assumiu sozinho a responsabilidade pela extração de dados da conta poupança do caseiro. Ele disse que pediu ao então assessor da presidência da estatal Ricardo Schumman a impressão do extrato, que deu origem à comunicação ao Coaf. Mas a PF suspeita que Palocci tenha sido o mandante da quebra ilegal do sigilo. A PF indiciou o ex-ministro Antonio Palocci por quatro crimes: quebra de sigilo bancário e funcional, prevaricação e denunciação caluniosa. Mattoso foi indiciado por quebra de sigilo bancário e funcional. A PF também pediu o indiciamento do jornalista Marcelo Netto, ex-assessor de comunicação de Palocci, por violação de sigilo bancário. Veja a cronologia das denúncias que derrubaram o ministro Antonio Palocci (Fazenda): 17.ago.05 O advogado Rogério Buratti, ex-assessor de Palocci, é preso acusado de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha em esquema em Ribeirão Preto (SP). Ele acusa Palocci de receber mesada de R$ 50 mil mensais de 115 empreiteira, entre 2001 e 2002, quando Palocci era prefeito da cidade. O dinheiro seria repassado ao PT 21.ago.05 Palocci nega acusações de Buratti, diz que fica no cargo, mas que não é insubstituível 29.out.05 Revista "Veja" afirma que a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, entre agosto e setembro de 2002, US$ 3 milhões vindos de Cuba em caixas de bebida a bordo de um avião. Ralf Barquete e Vladimir Poleto, exassessores de Palocci, teriam participado da operação 16.nov.05 Palocci nega denúncias em depoimento à CAE (Comissão de Assuntos Econômicos do Senado) 07.dez.05 Em depoimento à CPI dos Bingos, o empresário Roberto Colnaghi diz que deu carona três vezes em seu jatinho para Palocci 26.jan.06 Palocci depõe na CPI dos Bingos e nega denúncias 08.mar.06 O motorista Francisco das Chagas Costa afirma à CPI dos Bingos que viu Palocci três vezes na casa do lobby, em Brasília. No local, o ministro e seus exassessores Buratti e Poleto fariam a repartição de dinheiro proveniente de doações ilegais a campanhas do PT 14.mar.2006 O caseiro Francenildo Santos Costa afirma em entrevista ter visto Antonio Palocci 'pelo menos dez vezes' na casa do lobby 16.mar.2006 Francenildo reitera acusações na CPI dos Bingos. O depoimento acaba suspenso por uma liminar do STF (Supremo Tribunal Federal), pedida pelo PT. 116 17mar.2006 Blog da revisa "Época" revela que Francenildo recebeu R$ 35 mil na sua conta bancária na Caixa Econômica Federal, entre 6 de janeiro e 6 de março. O caseiro diz que o dinheiro teria sido enviado por seu pai, o empresário do Piauí Euripedes Soares da Silva, num acordo para que Francenildo não pedisse o reconhecimento formal da paternidade 19.mar.2006 O corretor Carlos Magalhães é a terceira testemunha a dizer que viu Palocci na casa do lobby, em 2003 20.mar.2006 O Ministério da Justiça anuncia que a Polícia Federal vai investigar a violação do sigilo bancário de Francenildo. Caixa anuncia que também abriu sindicância 21.mar.2006 Matéria da Folha revela que violação partiu da própria CEF 23.mar.2006 O Coaf (Conselho Administrativo de Controle de Atividades Financeiras) revela que investiga Francenildo por suposta lavagem de dinheiro 24.mar.2006 Após uma semana de silêncio, Palocci afirma que "economia do país está no céu" enquanto ele está no "inferno", mas não comenta denúncias 27.mar.2006 Jorge Mattoso, que ocupava a presidência da Caixa Econômica Federal, depõe na PF e diz que entregou o extrato de Francenildo para Palocci. O então ministro pede afastamento do cargo no mesmo dia. viii CPI: VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES NÃO PROVOCOU REBELIÕES Reportagem - Vania Alves. Edição - João Pitella Junior Agência Câmara Consolidada - 17/05/2006 21h57 117 A transferência de presos em São Paulo não foi tratada na reunião reservada da CPI do Tráfico de Armas no dia 10 de maio, segundo informaram hoje o relator e o presidente da CPI, deputados Paulo Pimenta (PT-RS) e Moroni Torgan (PFL-CE). De acordo com eles, houve um acordo prévio para que não se falasse sobre nenhuma operação desse tipo. E isso, na avaliação dos parlamentares, afasta a possibilidade de que as rebeliões de presos em São Paulo teriam sido estimuladas pelo vazamento de informações. Artur Vinicius Pilastre Silva, ex-prestador de serviços à Câmara por meio de empresa terceirizada, era o técnico encarregado de gravar a reunião e vendeu a fita por R$ 200 para advogados da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). O relator acrescentou que, durante a reunião, os delegados Rui Ferraz Fontes e Godofredo Bittencourt receberam telefonemas do gabinete do governador de São Paulo porque já haveria movimentação para deflagrar rebeliões no último domingo (14). O deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) também informou ter recebido de Godofredo Bittencourt a garantia de que o vazamento não tinha sido o responsável pelos conflitos na cidade. Movimentação estranha De acordo com Paulo Pimenta, na noite logo após a reunião o delegado Rui Ferraz, especialista no PCC, ligou para o delegado federal José Antonio Dornelles de Oliveira, que assessora a CPI, e informou que havia uma "movimentação estranha" nos presídios. Na noite seguinte, o mesmo policial informou que a gravação da reunião estava sendo recebida por celular pelos chefes do crime nos presídios. Na sexta-feira, a CPI comunicou o fato à Casa e o departamento de Polícia Legislativa, a Polícia Federal e a policia paulista começaram a investigar como ocorreu o vazamento. Chegou-se então ao nome de Pilastre Silva. Prisão preventiva A corrupção do ex-prestador de serviços - demitido no último dia 12 - foi considerada a prova que a CPI procurava para provar a atuação de advogados 118 como "pombos-correio" de criminosos. A CPI aprovou o encaminhamento do pedido de prisão preventiva dos advogados Maria Cristina Souza Rachado e Sérgio Wesley da Cunha, que pagaram R$ 200 pela gravação. Também foi aprovado o pedido de segurança para Pilastre Silva, que foi ouvido hoje em audiência pública pela CPI, e sua mulher. Estratégia de aproximação A reunião do dia 10 foi reservada a partir do momento em que se percebeu a presença dos advogados do PCC no Plenário. Eles foram retirados e, segundo Pilastre Silva, estavam no corredor para onde ele se dirigiu diversas vezes durante a tarde para tomar água e café. O ex-prestador de serviços contou que foi abordado pelos advogados, inicialmente com um pedido de informações sobre como obter a gravação e depois, quando disse que a gravação era secreta, com a oferta de dinheiro por uma cópia. Ele informou ter deixado aos advogados a decisão da quantia de dinheiro a ser paga. E alegou que não sabia o conteúdo da reunião, pois os microfones são desligados e é feito controle apenas pelas luzes nos equipamentos. Após a reunião, o ex-prestador de serviços disse que foi a outro plenário apanhar um cartão de memória para que não se percebesse que ele retirara o de sua sala. Em seguida, foi de táxi com os advogados ao Pátio Brasil para copiar em CD o material. Ele afirmou que, na loja, a advogada colocou quatro notas de R$ 50 em seu bolso e ele entregou dois CDs, um para cada um dos advogados. Pilastre Silva disse ainda que ficou combinado que ele poderia receber mais dinheiro dos "meninos" do PCC. Demissão Pilastre Silva contou na audiência que no dia seguinte, já arrependido, pediu demissão ao ter um conflito com o chefe, que já havia sido notificado do 119 sumiço de um cartão de memória e. "Eu não ganho bem, R$ 1.300 líquidos, fui corrompido, me arrependi", disse. Ele confirmou saber que Maria Cristina era advogada de Marcos Camacho, o Marcola, e de Sérgio de Leandro Lima de Carvalho, que prestou depoimento naquele dia. Disse que, inicialmente, pensou que os advogados queriam a gravação para melhor defender seus clientes. Os parlamentares questionaram Pilastre Silva e muitos se disseram descontentes com o relato. Além de mantê-lo como testemunha, pediram que seja feita acareação entre ele e os advogados. ix CPI OUVE ADVOGADA SUSPEITA DE COMPRAR ÁUDIO DE SESSÃO SECRETA Andreza Matais da Folha Online, em Brasília Com Gabriela Manzini, da Folha Online 23/05/2006 - 16h34 Os integrantes da CPI do Tráfico de Armas ouvem na tarde desta terçafeira a advogada Maria Cristina de Souza Rachado, suspeita de ter comprado a gravação de uma sessão secreta da comissão de um funcionário da Casa. Ela culpou o advogado Sérgio Wesley da Cunha pelo vazamento. Para a CPI, os advogados são cúmplices. Eles estariam ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) e teriam pagado R$ 200 pela gravação da audiência reservada com os delegados da Polícia Civil de São Paulo Godofredo Bittencourt e Rui Ferraz Fontes, do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado). Na semana passada, o ex-funcionário da Câmara responsável por gravar a audiência, Arthur Vinicius Silva, confirmou ter entregue o material aos advogados em um shopping de Brasília (DF). De acordo com Rachado, porém, a cópia dos depoimentos lhe foi oferecida por Cunha. Ela disse ter pedido ao advogado que ambos se 120 certificassem sobre a possibilidade de copiar a gravação, mas que ele lhe garantiu que estava autorizado a copiar o que estivesse relacionado ao seu cliente. Cunha é advogado de Leandro Lima de Carvalho, preso no último dia 1º de maio suspeito de envolvimento em uma tentativa de resgate de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe do PCC e cliente de Rachado. Declarações A advogada chorou durante seu depoimento à CPI e mostrou-se abalada ao relatar ter sido chamada de "pilantra". "Não existem provas de que eu tenha cometido algum delito." Ela admitiu ser advogada de Marcola, mas disse que ele nunca informou a ela que integra uma facção criminosa e que ele só possui o respeito dos demais presos porque "é um injustiçado". No depoimento, a advogada negou ter tomado conhecimento do conteúdo da gravação da audiência secreta, mas admitiu ter acompanhado Cunha quando ele foi a um shopping copiar o CD. Ela disse que estava em Brasília naquela ocasião porque soube pela internet de que a CPI pretendia votar um requerimento para que Marcola prestasse depoimento. Tanto o outro advogado suspeito como o ex-funcionário da Câmara que teria vendido a gravação estão isolados em salas da Casa. Cunha deve prestar depoimento ainda nesta terça e o ex-funcionário pode ser chamado para juntarse aos advogados em uma acareação. Seqüência O vazamento dos depoimentos dos delegados ganhou importância na semana passada porque antecedeu a série de ataques contra forças de segurança paulistas e de rebeliões promovida a mando do PCC em vários pontos do Estado de São Paulo. Na audiência, os delegados informaram, segundo a CPI, que isolariam um grupo de presos considerados de alta periculosidade --incluindo líderes da facção-- e que tinham conhecimento do plano dos criminosos de promover uma megarrebelião no domingo passado, Dia das Mães. 121 Por meio da gravação vendida aos advogados, as informações teriam chegado a Marcola e detonado a onda de violência. No dia seguinte à audiência dos delegados, quinta-feira (11), 765 presos foram levados para a penitenciária de Presidente Venceslau (620 km a oeste de São Paulo). Na sexta (12), oito líderes do PCC foram levados à sede do Deic, em Santana (zona norte de São Paulo). Naquele dia, quase simultaneamente, começaram os ataques. No sábado (13), Marcola foi levado para a penitenciária de Presidente Bernardes (589 km a oeste de São Paulo) e colocado no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). No domingo (14), auge dos ataques e rebeliões, Marcola recebeu a visita de outra advogada e de representantes do governo estadual, contrariando as regras do RDD. Há suspeita de acordo. O governo nega ter negociado com o PCC o fim dos ataques, mas admite que o encontro serviu para que a advogada garantisse a integridade física de Marcola e dos outros líderes isolados aos criminosos. Os presos conquistaram ainda outras reivindicações: a instalação de televisores e a mudança da cor dos uniformes. Desde o último dia 12, quando os ataques começaram, morreram 79 suspeitos de envolvimento nos crimes --conforme balanço divulgado nesta terça pela Secretaria da Segurança--, 41 agentes de segurança --entre policiais, guardas e agentes penitenciários--, quatro civis e 17 presos rebelados. Foram contabilizados ao todo 299 ataques. x ANAC MOSTRA, COM NÚMEROS, QUE A CRISE AÉREA ACABOU PARA O USUÁRIO Publicado em 07/09/07, às 11h 50 A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) havia informado, por meio de seu presidente Milton Zuanazzi, que a crise aérea havia sido superada para o usuário. Parte da mídia contestou as informações apontando um ou outro 122 atraso de vôo. Na realidade tomando como base 29 de setembro de 2006, data do fatídico acidente entre o jatinho Legacy e o Boeing da Gol que vitimou 154 pessoas, havia uma média histórica de atrasos de vôos com mais de uma hora, da ordem de 15% e 12% de cancelamentos e esses dados foram entregues às CPIs da Câmara e do Senado pelo presidente Milton Zuanazzi. Tais números, por si só, demonstram que havia uma falta de investimentos em infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária acumulada há muitos anos. A partir do acidente, com uma malha totalmente interligada, os controladores iniciaram um movimento reivindicatório provocando atrasos em grande parte dos vôos. As operações eram feitas uma ou duas vezes por semana e a cada movimento desses desencadeava atrasos por vários dias. Outros fatores como os problemas da TAM na época do Natal de 2006 quando retirou para manutenção seis aeronaves, contribuíram pontualmente para agravar a situação. Também deve ser levada em conta a crise da Varig que tinha aproximadamente 70 aeronaves e praticamente deixou de operar. Com a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de determinar ao Comandante da Aeronáutica Juniti Saito, no dia 22 de junho deste ano, uma solução definitiva para o setor e com a ação imediata do brigadeiro de transferir controladores de vôo da Defesa Aérea Nacional para a Aviação Civil, a situação não só se resolveu como também os números demonstram que houve uma redução dos atrasos de vôos. Excetuando as duas semanas subseqüentes ao trágico acidente com o Airbus da TAM, quando os índices aumentaram e o Aeroporto de Congonhas foi fechado, houve uma redução significativa nos atrasos dos vôos. Nos cancelamentos, os números são melhores e ainda não são ideais porque muitos HOTRANs (Horário de Transporte) do Aeroporto de Congonhas continuam existindo embora não utilizados. Isso porque muitos vôos foram transferidos para Guarulhos e o Aeroporto de Congonhas reduziu os movimentos/hora de 44 para 33. Somente com a nova malha, a partir de 20 de setembro, é que os números relativos aos cancelamentos refletirão de forma inequívoca a realidade. 123 Com a queda dos atrasos fica evidente que a entrada de novos controladores supre, em parte, a falta de investimentos em infra-estrutura aeronáutica. É preciso mais investimentos tanto na infra-estrutura aeronáutica quanto na aeroportuária. Mas pode-se dizer que a partir daquela ação objetiva a situação não apenas voltou à normalidade como melhorou, e muito, se comparada ao período anterior a setembro de 2006. Os dados sobre número de vôos, atrasos e cancelamentos, semana a semana, podem ser observados no quadro abaixo que abrange uma média nacional que engloba todos os aeroportos da Rede Infraero. Período Nº Vôos/ Dia Atrasos + 1h Antes 29/09/06* % Cancelamentos 15 % 12 22/06 a 01/07/07** 14.248 3.349 24 1.123 8 02/07 a 08/07 10.311 1.746 17 763 7 09/07 a 15/07 10.299 1.468 14 639 6 16/07 a 22/07*** 10.548 3.751 36 1.403 13 23/07 a 29/07*** 10.522 2.888 27 1.845 18 30/07 a 05/08 10.691 1.304 12 1.127 11 06/08 a 12/08 9.581 718 7 1.030 11 13/08 a 19/08 10.320 505 5 1.066 10 20/08 a 26/08 10.266 880 9 1.044 10 27/08 a 02/09 10.217 900 9 987 10 * Data do acidente entre o Legacy e o Boeing da Gol e início da operação reivindicatória dos controladores de vôo. ** Foi em 22/06/07 que o Comandante da Aeronáutica retirou 150 controladores de vôo da Defesa Aérea Nacional e os realocou para atuarem como controladores da Aviação Civil *** Período de reflexo do acidente do o Airbus da TAM que provocou o fechamento do Aeroporto de Congonhas. 124 xi BALANÇO DA AVIAÇÃO CIVIL* Milton Zuanazzi Publicado em 20/03/07, às 11h15 Desde a implantação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), muito tem-se falado em crise da aviação no país, como se os problemas aéreos tivessem começado em 2006. No entanto, é preciso resgatar as origens do problema. A crise no setor de transporte aéreo brasileiro começou muito antes da criação da Agência Reguladora e trata-se de um tema complexo de ordem internacional. O começo do século XXI, por exemplo, foi marcado pela desregularização das empresas aéreas na Europa de um lado, e pelos atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, de outro. Tais fatos atingiram a indústria do transporte aéreo em âmbito mundial, particularmente no que diz respeito à segurança dos aeroportos e dos passageiros. Um ano depois, em 2002, o Brasil enfrentou sua crise particular com a quebra da Transbrasil, seguida, em janeiro de 2005, pela paralisação da Vasp, esta última ainda em processo judicial. Em três anos, duas grandes empresas de aviação deixaram de voar reduzindo a oferta de aeronaves de marca brasileira dentro e fora do país. Nesse meio tempo, a crise econômica da Varig, então a maior empresa de transporte aérea brasileira, tomava corpo. Os problemas na aviação civil que vinham crescendo há tempos sequer deu espaço para a diretoria colegiada da ANAC, implantada em março de 2006, desenvolver com tranqüilidade políticas para o setor, que saiu do âmbito militar para o civil após 75 anos de atividade. Sequer deu tempo para os cinco primeiros diretores recém-empossados combaterem as raízes do problema que tem várias causas. Logo após o incidente da aeronave da BRA em Congonhas que denunciou os problemas nas pistas do maior aeroporto em número de usuários do Brasil, a Diretoria Colegiada da ANAC se viu à volta com uma outra crise 125 mais grave, a da Varig. Tudo isso no primeiro semestre de 2006, embora a crise da Varig se estendesse até julho. Estudo comparativo dos atrasos e cancelamentos de vôos entre os meses de dezembro de 2005 e dezembro de 2006, elaborado por técnicos da ANAC, mostra que os números do último mês do ano passado são semelhantes aos já registrados em 2005. Ele revela a ponta de uma crise anunciada, mas sem espaço e discussão na mídia. O estudo aponta que o percentual de vôos cancelados no aeroporto de Congonhas, em dezembro de 2005, foi maior do que os registrados em meio à crise de dezembro de 2006: 15% em 2005, contra uma média de 11% em 2006. Os atrasos foram de 30%, em média, no ano de 2005, enquanto que em dezembro de 2006, ultrapassou a marca dos 45%. No aeroporto de Brasília foram cancelados, no fim do ano passado, pouco mais de 11% dos vôos, enquanto no mesmo período em 2005 o percentual das aeronaves que não decolaram chegou a 7%. Os atrasos em Brasília atingiram o percentual próximo aos 56%, enquanto que no último mês de 2005 estiveram na casa dos 40%. No aeroporto do Galeão, os vôos em atraso ultrapassaram a marca dos 50% em dezembro de 2006, enquanto em dezembro de 2005 foram de 30%. O percentual de vôos cancelados atingiu 13%, enquanto no mesmo mês, em 2005, atingiu a casa dos 10%. Estes números não isentam a Agência Nacional de Aviação Civil nem as companhias aéreas dos transtornos provocados aos passageiros que compraram bilhetes para viajar, principalmente porque as empresas aéreas são concessões públicas sob a responsabilidade da ANAC. Elas revelam, porém, a profundidade das transformações do mercado brasileiro da aviação civil. Quando a Varig detinha quase a totalidade dos vôos internacionais e, quando no âmbito doméstico, as malhas aéreas trabalhavam com grandes folgas, em geral com “trilhos” curtos e com poucas conexões. Assim era bem mais fácil gerenciar as eventuais crises. A brutal redução da oferta da Varig em plena Copa do Mundo e o grande aumento de demanda - 19% em 2007, 13% em 2006 e 26% em 2005 com números superiores aos da China, mostram que as antigas e recorrentes crises 126 se potencializaram em seus efeitos, causando transtornos maiores aos usuários. À crise da maior empresa de aviação aérea brasileira, que acabou por ser comprada no final do mês de julho, somou-se a trágica queda do avião da Gol do vôo 1907. O maior acidente aéreo brasileiro aconteceu no final do mês de setembro de 2006, provocando a morte de 154 pessoas. Não bastasse isso, o feriado de Finados nos primeiros dias de novembro, tornou público outro fato inédito no país: a falta de controladores do espaço aéreo, que trabalham sob a coordenação do Comando da Aeronáutica. Embora seja necessário reconhecer que os dois casos não diziam respeito diretamente à Agência Reguladora, a responsabilidade da Diretoria Colegiada com o bem-estar dos passageiros é uma das missões da autarquia. Não bastasse, no início de dezembro, um equipamento de back-up do controle do espaço aéreo, em Brasília, pela primeira vez entrou em pane deixando, por mais de quatro horas sem operação, todo o sistema do Cindacta 1, responsável por mais de 80% de todo o trafego aéreo nacional. A associação desses fatos – a crise da Varig, os passageiros no exterior durante a Copa do Mundo, o acidente da GOL, a falta repentina de controladores e a deficiência nos equipamentos – fizeram com que a ANAC tomasse para si todas as responsabilidade relativas ao transporte aéreo no Brasil. Fomos duramente criticados, em ambos os episódios, sendo que nossa responsabilidade não era primária em nenhum deles. Novos problemas ocorreram no Natal, desta vez com a empresa TAM, que ao perder o controle da integralidade de sua operação aérea - seis de suas aeronaves foram retiradas para manutenção não programada - deixou de atender a totalidade dos seus passageiros. A situação se tornou desesperadora nos aeroportos de todo o país, o que obrigou a Agência Reguladora a tomar medidas urgentes, em conjunto com o governo federal e a própria empresa. A ANAC determinou, através de uma força tarefa, o monitoramento do sistema de reservas e compras de bilhetes de todas as companhias aéreas regulares, requisitou o cancelamento da venda de passagens até a normalidade da situação, passou a informar diariamente os passageiros com boletins a cada 127 meia hora nos sistemas de telas planas dos aeroportos (localizadas no saguão e nas salas de espera), liberou o aeroporto de Congonhas para trabalhar até mais tarde, exigiu plano de contingência para o ano novo. Depois do monitoramento, determinou a abertura de uma auditoria da TAM que deverá ser finalizada até o final do mês de março de 2007. Por força de um gigantesco trabalho do corpo técnico da Agência Nacional de Aviação Civil entre o Natal e o Ano Novo para regularizar o serviço de transporte aos passageiros, 22 aeronaves foram colocadas à disposição da TAM contando com a colaboração expressiva da FAB e das demais empresas de aviação civil. No Reveillon, o percentual de atrasos - computados também os de menos de uma hora - chegou a cair para uma média de 15% de todos os vôos e os cancelamentos para 2,5%. Os cancelamentos de vôos no período do Ano Novo eram programados e autorizados antecipadamente pela ANAC, já que se tratava de vôos sazonais. No entanto, continuaram a ser anunciados, por alguns meios de comunicação, como quebra de contratos das companhias aéreas O Plano de Emergência encabeçado pela ANAC para o Ano Novo pode ser considerado um sucesso. Com as medidas emergenciais, nenhum brasileiro ficou sem embarcar. Com a proximidade d o carnaval havia uma preocupação com a relação ao trafego aéreo, revelando mais uma vez a apreensão dos usuários da aviação. O Ministério da Defesa e outros, inclusive a ANAC, analisaram o tema com antecedência e criaram uma comissão especial que buscou soluções preventivas para o problema. No exercício de suas competências de regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, a ANAC instituiu uma equipe para fazer o levantamento de dados que possibilitassem uma avaliação prévia de empresas aéreas nos períodos de alta demanda. A partir dessa atividade técnica, a Diretoria Colegiada da ANAC determinou que, no período do feriado do carnaval, fosse intensificada a fiscalização em 15 aeroportos: Brasília, Rio de Janeiro/Galeão, Rio de Janeiro/Santos Dumont, São Paulo/Congonhas, São Paulo/Guarulhos, 128 Salvador, Recife, Fortaleza, Natal, Florianópolis, Porto Alegre, Belo Horizonte, Manaus, Belém e Curitiba. A medida, que garantiu a tranqüilidade dos passageiros, constatou irregularidades passíveis de aplicação de auto de infração na empresa Gol Linhas Aéreas. Em um dos casos registrados, a companhia aérea não cumpriu o horário de partida, atrasando por mais de seis horas sem prestar as devidas informações aos passageiros. É importante lembrar que a ANAC começou 2007 ampliando sua relação com os usuários. A Ouvidoria da Agência Reguladora foi nomeada pela Presidência da República e começou as atividades em janeiro. Em São Paulo, a Diretoria Colegiada fez sua primeira Audiência Pública para realização de obras na pista secundária do aeroporto de Congonhas, que começou em 16 de fevereiro. Em breve, a Agência deverá dialogar outra vez com os representantes da sociedade paulista através da realização de uma nova audiência pública para discutir as obras na pista principal do aeroporto. Além disso, um diagnóstico de todo o planejamento aeroportuário do país a curto, médio e longo prazo está em fase final de elaboração para que possamos tomar as medidas corretas em tempo hábil para atendermos a crescente demanda aérea do país. Acreditamos que este ano será virtuoso para a aviação civil brasileira. Com bom senso e dedicação consolidaremos uma grande estrutura para o futuro da aviação civil a partir da reformulação de suas normativas, portarias e leis atualizando a regulamentação vigente. *Milton Zuanazzi, diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil xii ANAC PARTICIPA DE AUDIÊNCIA PÚBLICA NO SENADO Publicado em 21/11/06 O diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil, ANAC, Milton Zuanazzi, esteve presente à mesa da audiência pública no Senado nesta terça129 feira, 21/11. As comissões de Serviços de Infra-Estrutura, (CI), Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização de Controle, (CMA), e Relações Exteriores e Defesa Nacional, (CRE), convocaram os setores da aviação civil para debater sobre a crise aérea. O diretor Leur Lomanto também acompanhou a audiência representando a ANAC. Estavam presentes o ministro da Defesa Waldir Pires, o presidente da Infraero José Carlos Pereira, o Comandante da Aeronáutica, Luis Carlos Bueno da Silva, o diretor-presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias, SNEA, Marco Aurélio Bologna e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Controle de Vôo, Jorge Botelho. Há 15 dias ANAC, Infraero, Comando da Aeronáutica e Ministério da Defesa e SNEA, criaram um gabinete de crise para avaliar os atrasos nos vôos domésticos nacionais e propor medidas para amenizar o problema. Dentre elas, a formação do envio de informações conjuntas entre estas instituições. De acordo com Milton Zuanazzi, estão sendo realizados estudos e aplicações de medidas para reduzir o impacto dos atrasos e os problemas que os passageiros têm enfrentado nos aeroportos. “Estas medidas compreendem ajudar para que não aconteçam mais filas de espera e atrasos, principalmente nas festas de final de ano”, esclareceu Zuanazzi. O presidente do SNEA, Marco Aurélio Bologna, disse que atualmente as aeronaves estão voando com uma média de 62% a 68% de ocupação dos assentos. Média que, de acordo com Bologna, pode chegar a mais de 90% no final do ano. “Os assentos não estão 100% ocupados, portanto há lugar para viajar sem aumentar o número de aeronaves ou ampliar as rotas”, explica Bologna. Nesta quarta-feira, 22/11, às 10h, a ANAC e as instituições responsáveis pela aviação civil irão se reunir, na sede da agência em Brasília, para prestar informações conjuntas à população. No dia 29/11, também às 10h, a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados vai discutir a segurança de vôo com o ministro da Defesa Waldir Pires. Estão confirmadas as presenças de representantes da ANAC, da Infraero, do SNEA, do Sindicato Nacional dos Aeronautas, e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Vôo. 130 xiii VEJA ESPECIAL SOBRE O CASO RENAN CALHEIROS Estadão. Segunda-feira, 6 de agosto de 2007, 23:45 SÃO PAULO - A situação de Renan Calheiros (PMDB-AL) se complica ainda mais. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu abrir inquérito para investigar denúncias contra o presidente do Senado e a revista Veja desta semana traz nova denúncia contra o senador: uso de 'laranjas' na compra de duas emissoras de rádio em Alagoas. As irregularidades vêm a se somar a dois outros caos: o do lobista e o da Schincariol. O primeiro foi o detonador do caso. Renan é acusado de ter despesas pessoais pagas por um lobista da Mendes Júnior e tenta, sem sucesso, provar que tinha rendimentos suficientes para pagar pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha fora do casamento. Rendimentos com a venda de gado são o principal argumento de Renan para comprovar que não precisava de recursos do lobista, mas os documentos apresentam irregularidades. Segundo o senador, foram R$ 1,9 milhão em quatro anos. Já a denúncia que envolve a Schincariol consiste na venda superfaturada de uma fábrica da família Calheiros por R$ 27 milhões, quando não valia mais de R$ 10 milhões. Em troca, Renan, conforme a denúncia, teria favorecido a empresa junto ao INSS, impedindo a execução de uma dúvida de R$ 100 milhões. xiv OS IMPERDOÁVEIS Renan Calheiros renuncia à presidência do Congresso, mas os senadores decidem salvar seu mandato Otávio Cabral Revista Veja - Edição 2038 - 12 de dezembro de 2007 As razões que levaram à salvação do mandato do senador alagoano Renan Calheiros na semana passada são compreensíveis. No entanto, são 131 imperdoáveis. Foi um espetáculo triste, constrangedor e vergonhoso. Renan Calheiros renunciou à presidência do Congresso, abatido por acusações que o Código Penal classifica como crimes de corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, exploração de prestígio e sonegação fiscal. Horas depois da renúncia, o senador foi absolvido pelos colegas no processo que pedia a cassação de seu mandato por quebra do decoro parlamentar. Formalmente, 48 dos 81 senadores aceitaram a tese de que Renan é inocente. Um estranho e contraditório veredicto. Primeiro, Renan, o acusado, reconheceu que não tinha mais condições de liderar o Senado. Depois, seus colegas, os juízes, consideram-no inocente, apesar das claras evidências de que ele usou dinheiro de origem desconhecida para comprar emissoras de rádio. Parece um contra-senso? Só parece. Foi, isso sim, o desfecho de um plano rigorosamente planejado e combinado em todos os detalhes. Renan sabia que seria absolvido, tinha uma lista certeira dos senadores que votariam a seu favor e, em troca, comprometeu-se a renunciar antes do julgamento. Anunciado o resultado, Renan riu e debochou dos colegas. Sem cerimônia, comemorou com os amigos o sucesso de sua mais recente e bem-sucedida empreitada: o aniquilamento da ética no Parlamento. As negociações para poupar o senador Renan Calheiros da cassação começaram há um mês, mas o martelo de sua salvação só foi batido na véspera do julgamento. Havia muitos interesses em jogo – nenhum, é bom que se diga, relacionado à ética ou ao interesse público. Os senadores conhecem todos os "pecados" – um eufemismo criado pelos parlamentares – de Renan. Sabem que ele pagava despesas familiares por meio de um lobista de empreiteira, sabem que ele comprou rádios em nome de laranjas, sabem que ele fazia lobby em ministérios e sabem que ele manipulava o Orçamento em favor de amigos. Há um grupo considerável de senadores que se solidarizaram com Renan simplesmente por não ter as mãos mais limpas que as do acusado. Apenas esse grupo, integrado por governistas e oposicionistas, já lhe garantiria um bom número de votos. Na véspera do julgamento, porém, o governo também estendeu a mão a Renan. Em uma reunião no Palácio do Planalto, o 132 presidente Lula determinou a seus ministros que a base aliada deveria ser orientada a votar a favor do senador. O presidente gosta de Renan Calheiros, é grato a ele por serviços prestados à época da CPI dos Correios, mas tem um problema que quer resolver a qualquer custo: a aprovação da CPMF. Os aliados de Renan ameaçavam votar contra a prorrogação do imposto se não recebessem ajuda política. A situação política do imposto, que já não é boa, poderia piorar. Ficou acertado na reunião que os senadores ligados ao governo seriam orientados a votar pela absolvição de Renan. Compreensível? Sim. Perdoável? Não. Para pacificar a consciência daqueles mais preocupados com essa dimensão esquecida da vida política nacional, a ética, Renan renunciaria antes do julgamento, o que sinalizaria que ele foi devidamente punido pelos desvios de conduta. O próprio presidente ligou para Renan Calheiros para selar o acordo. Chegou a comentar com aliados que a renúncia à presidência do Congresso era uma pena extremamente grave. Avalizaram o acordo para salvar Renan os senadores Romero Jucá (conhecido por também usar laranjas para ocultar suas emissoras de rádio e TV) e Roseana Sarney (célebre por ser flagrada com 1,3 milhão de reais guardados num cofre) e o deputado Jader Barbalho, famoso que dispensa apresentações. A encenação ficou evidente durante o julgamento. Com raríssimas exceções, como o senador Demóstenes Torres, que cobrou coerência dos colegas, o clima era de conformismo até entre os parlamentares tradicionalmente mais aguerridos. "Neste país, só vai para a cadeia ladrão de galinha. Não tem ministro, parlamentar ou empresário que vá para a cadeia. Eu, pessoalmente, não gostaria de votar pela suspensão dos direitos políticos do senador Renan, mas já está tudo acertado. O governo absolve Renan, o Senado aprova a CPMF. Essa é a verdade, que deixa o Senado muito mal", disse o senador Pedro Simon. São artimanhas assim que ajudam a destruir cada dia mais a imagem dos políticos e do Congresso. Uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha, publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, mostrou que 45% dos entrevistados consideram o Senado ruim ou péssimo. Em março, o índice era de 30%. No mesmo período, a avaliação regular caiu de 46% para 37%. E o índice dos que acham o Congresso ótimo ou bom diminuiu de 16% para 13%. "A crise envolvendo Renan Calheiros mostrou que 133 dois terços do Senado agem sem nenhuma preocupação com a ética", diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. "A absolvição de Renan Calheiros foi o ato final de um ano melancólico, provavelmente o pior da história do Senado." Depois da sessão que absolveu Renan, os parlamentares voltaram a se reunir, dessa vez na casa do senador José Sarney. Oficialmente, a festa era para comemorar o aniversário de sua esposa, dona Marly, mas, com a chegada de Renan Calheiros, o assunto foi o resultado do julgamento. Renan estava à vontade, relaxado. Sem se separar de um copo de uísque, gargalhou até a madrugada, acompanhado dos convivas. Teceu comentários desairosos sobre o senador Jefferson Péres, que relatou o caso das emissoras de rádio, discutiu a própria sucessão, que tem o anfitrião Sarney como candidato preferido do grupo que o absolveu, e, para mostrar que continua no controle da situação, anunciou premonitoriamente que os dois processos ainda abertos contra ele no Conselho de Ética seriam arquivados. De fato, no dia seguinte, o presidente do conselho, Leomar Quintanilha (famoso pela acusação de embolsar dinheiro de uma empreiteira em troca da elaboração de emendas ao orçamento), anunciou o arquivamento. O senador Renan Calheiros deixa a presidência do Congresso em direção ao limbo – uma grande vitória para ele. O Senado, que passou os últimos sete meses discutindo ética e decoro, conseguiu a façanha de soterrar as duas coisas ao mesmo tempo – uma grande derrota para a sociedade. Imperdoável. xv OPERAÇÃO SATIAGRAHA Vazamentos, a discussão ausente Por Alberto Dines em 14/11/2008 Comentário para o programa radiofônico do OI, 14/11/2008 A fase 2 da Operação Satiagraha segue a velha rotina da nossa cobertura jornalística: começa espontânea, autônoma. Em seguida, diante do 134 potencial explosivo, produzem-se sutis mudanças no curso do noticiário até que, uma semana depois, o caso transforma-se e toma outro rumo. Os primeiros movimentos da Polícia Federal ao investigar seus próprios procedimentos na espetacular Operação Satiagraha foram na direção dos vazamentos para a mídia. A direção do órgão policial queria saber como funcionava o sistema que antecipava para a TV o local e hora das suas operações. E também queria apurar quem vazava para jornais e revistas trechos inteiros dos relatórios secretos, inclusive gravações com pessoas que não estavam sendo diretamente investigadas – caso do chefe-de-gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho. O interesse da PF era legítimo, assim como é legítima a publicação de informações que chegam a jornais e revistas. Espúrio seria o relacionamento direto dos investigadores com as redações de modo a criar fatos consumados e badalados antes mesmo de tomadas as decisões judiciais. De repente, alguém mudou o foco das investigações e a PF em boa hora voltou a cuidar do banqueiro Daniel Dantas, que já estava esquecido. Mas nessa alteração engavetou-se a imperiosa discussão sobre vazamentos. Para a felicidade daqueles que não gostam discutir as suas mazelas em público. xvi ENTENDA A OPERAÇÃO SATIAGRAHA DA POLÍCIA FEDERAL Daniel Dantas, Celso Pitta e Naji Nahas foram presos pela PF. PF diz que suposta quadrilha desviou verbas públicas e cometeu crimes financeiros. Do G1, em São Paulo 08/07/08 - 15h30 - Atualizado em 08/07/08 - 20h29 Após quatro anos de investigação, a Polícia Federal prendeu nesta terça-feira (8) o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity, o ex-prefeito de 135 São Paulo Celso Pitta e o empresário Naji Nahas. Eles são acusados de desvio de verbas públicas e crimes financeiros. O suposto esquema estaria ligado às fraudes cometidas no caso mensalão, que investigou pagamento de propinas a parlamentares em troca de apoio ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O STF já abriu processo contra 40 pessoas por conta do mensalão. Segundo a PF, haveria dois núcleos principais na suposta quadrilha. Um deles seria comandado por Daniel Dantas e teria se beneficiado do recursos públicos, desviados pelos operadores do mensalão. Empresas de fachada teriam sido montadas para o desvio das verbas. Além do grupo de Dantas, a PF teria descoberto um segundo núcleo, ligado ao primeiro, formado por empresários e doleiros que atuavam no mercado financeiro para fazer a lavagem do dinheiro. Esse grupo, segundo a PF, seria comandado pelo empresário Naji Nahas. Era nesse grupo que estaria o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. O nome da operação, Satiagraha, significa resistência pacífica e silenciosa, conforme nota divulgada pela PF. De acordo com o Ministério Público Federal, a nova operação não tem relação com a operação Chacal, na qual Dantas foi investigado e atualmente é processado por espionagem. Segundo a acusação, Dantas se associou a integrantes da multinacional de investigação Kroll para espionar políticos e outras pessoas com o intuito da chantagem. CPI dos Correios A descoberta da associação do Opportunity com o caso mensalão teria ocorrido durante a CPI dos Correios. Empresas do grupo de Dantas, a Telemig e a Amazônia Celular, teriam sido as principais depositantes nas contas de Marcos Valérios, considerado o operador do mensalão. A partir disso, a PF realizou diligências e escutas telefônicas para chegar ao suposto esquema descoberto na Operação Satiagraha. Núcleo de Dantas 136 O grupo supostamente liderado por Dantas no esquema cometeu o crime de evasão de divisas, gestão fraudulenta, concessão de empréstimos vedados (para empresas do mesmo grupo) e corrupção ativa. Segundo o Ministério Público, há suspeitas de que o Opportunity Fund, uma offshore (empresa criada num paraíso fiscal) nas Ilhas Cayman, teria sido utilizada no esquema. Núcleo de Nahas O grupo de Nahas, que supostamente praticava lavagem de dinheiro, teria cometido os crimes de quadrilha, operar instituição financeira sem autorização, uso indevido de informação privilegiada e lavagem de dinheiro. Suposto suborno De acordo com o Ministério Público, duas pessoas que também tiveram prisão decretada, ofereceram US$ 1 milhão para um delegado federal, supostamente a mando de Daniel Dantas, que participava das investigações da Operação Satiagraha para que nomes fossem retirados do inquérito. Segundo o MPF, o delegado revelou o fato à Justiça, que autorizou que continuassem os contatos para que fosse realizado o flagrante. O grupo chegou a dar R$ 129 mil ao policial. A PF e o MPF investigam ainda o vazamento de informações sigilosas do inquérito que teriam sido usadas pelo grupo de Daniel Dantas. xvii PF CHAMARÁ LACERDA PARA EXPLICAR PARTICIPAÇÃO DA ABIN Diretor afastado teria consentido oficialmente com engajamento de arapongas na investigação Fausto Macedo Terça-feira, 25 novembro de 2008 137 A Polícia Federal vai chamar para depor seu ex-diretor-geral, delegado Paulo Lacerda, no inquérito que investiga suposto crime de usurpação de função pública durante a Operação Satiagraha. Diretor afastado da Agência Brasileira de Inteligência, Lacerda teria concordado oficialmente com o engajamento de 84 agentes e oficiais da Abin na investigação que é de competência da PF. Ainda não há data marcada para a audiência de Lacerda, mas sua convocação é inevitável, na avaliação da PF. O inquérito foi aberto para apurar vazamento de dados da Satiagraha cobertos pelo sigilo. Durante a investigação, a PF constatou que o delegado Protógenes Queiroz, mentor da Satiagraha, recrutou os arapongas da Abin para reforçar o cerco ao banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity. O inquérito é dirigido pelo delegado Amaro Ferreira, corregedor da PF. Ele tomou o depoimento de 28 funcionários da Abin - e eles revelaram o papel que desempenharam na Satiagraha, a mando de Protógenes. Para a PF, a mobilização de aparato tão expressivo não pode ter ocorrido sem autorização de Lacerda. Thelio Braun D’Azevedo, oficial de Inteligência, lotado na sede da Abin em Brasília, relatou ter acatado ordens para escalar agentes. “Na condição de Diretor de Operações de Inteligência recebeu determinação superior para indicar 4 nomes de servidores que iriam cumprir uma missão, que não lhe fora revelada”, disse à PF. Alguns arapongas admitiram acesso ao Sistema Guardião, a máquina de grampos da PF, por meio de senhas pessoais e intransferíveis de agentes da PF. Há 20 dias, a PF fez buscas no Centro de Operações da Abin, no Rio. As dúvidas que cercam Lacerda são relativas ao seu grau de comprometimento na cessão de agentes da Abin para a Satiagraha. O delegado Amaro Ferreira juntou ao inquérito o depoimento de Lacerda à CPI dos Grampos, que investiga abusos com a chancela do Judiciário na interceptação telefônica. 138 À CPI, Lacerda fez um desabafo. “Na opinião de alguns, os suspeitos de sempre estão na Abin. Persiste certa intolerância e incompreensão com a atividade de inteligência.” Ele condenou “entendimento equivocado de alguns no sentido de que servidores da Abin não estariam legitimados a colaborar com outros órgãos ou entes da administração em serviços de sua área especializada, posição restritiva que não é juridicamente sustentável.” Segundo Lacerda, a Satiagraha, “por sua complexidade e dimensão, certamente contou com o auxílio especializado não apenas de alguns servidores da Abin, mas também o de outros órgãos das áreas de mercado financeiro e de fiscalização tributária.” Ele contou que foi Protógenes quem pediu “cooperação de alguns oficiais da Abin” com seu trabalho. xviii PROTÓGENES AFASTADO DE GRUPO Delegado retorna ao trabalho fora da inteligência Vasconcelo Quadros Brasília - terça-feira, 25 novembro de 2008 Quatro meses depois de ter sido afastado das investigações que resultaram, nos dias 8 e 9 de julho, nas duas prisões do banqueiro Daniel Dantas – posto em liberdade por liminares do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes – o delegado Protógenes Queiroz voltou ontem ao trabalho. Discreto, o coordenador da Operação Satiagraha apresentou-se pela manhã ao delegado Daniel Lorenz, chefe da Direção de Inteligência Policial (DIP). Os dois conversaram por 15 minutos e, no final, Lorenz anunciou que Protógenes está fora da área de inteligência, o setor da Polícia Federal que dá todo o suporte para o combate à corrupção e aos crimes financeiros mais sofisticados. – Foi uma uma conversa cordial. No final da reunião, ficou acertado uma nova lotação – disse Protógenes. 139 De destino ainda incerto, o delegado foi encaminhado à Coordenação de Recursos Humanos, que pertence à Diretoria de Gestão de Pessoal, onde deverá tomar conhecimento hoje do novo setor em que ficará. Ele deverá permanecer em Brasília e, segundo a assessoria da PF, será deslocado para uma atividade que corresponda ao seu perfil. O delegado tem mais de dez anos de experiência em investigações sobre crimes financeiros, corrupção e lavagem de dinheiro. Seu primeiro caso de destaque, em 1999, resultou na prisão do ex-deputado Hildebrando Paschoal, cassado e condenado por uma série de crimes, que vão da lavagem de dinheiro a homicídios. Depois, coordenou as investigações que resultaram na prisão do maior contrabandista do país, Law King Chong e, mais tarde, do deputado e exprefeito Paulo Maluf. Também é responsável pelo inquérito que apurou a parceria supostamente criminosa entre o Corinthians e o MSI, um típico caso de lavagem de dinheiro envolvendo o empresário iraniano Kia Joorabachian. Vazamento O delegado volta ao trabalho incompatibilizado com a direção da Polícia Federal. Na semana passada o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, disse que ele não retorna à Satiagraha, mas será aproveitado numa área em que possa desenvolver o potencial investigativo. Na reunião em que afastou-se das investigações, há quatro meses, o delegado tentou permanecer no caso Daniel Dantas, mas foi pressionado pela direção a optar entre o inquérito e o curso especial de polícia. Alvo de um mandado de busca autorizado pela justiça e cumprido por seus colegas, há duas semanas, o delegado ainda poderá ser indiciado por quebra do sigilo funcional e vazamento da operação. A PF acha que ele infringiu a lei ao chamar agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para participar de investigações policiais e permitir que uma equipe da TV Globo tivesse acesso às prisões do banqueiro, do empresário Naji Nahhas e do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. O delegado nega. 140 xix EMBAIXADOR DA ESPANHA PROMETE RELATÓRIO SOBRE DEPORTAÇÕES Edição - Regina Céli Assumpção Fonte: Mônica Montenegro/Rádio Câmara Agência Câmara 11/03/2008 O embaixador da Espanha no Brasil, Ricardo Peidró, comprometeu-se a enviar ainda hoje à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional relatório produzido pelo Ministério do Interior sobre os recentes casos de deportação de brasileiros. Peidró adiantou que alguns deles já tiveram a entrada recusada anteriormente. As eleições na Espanha e a pressão dos demais países da União Européia são apontados como a causa do maior rigor aplicado nos últimos meses para a entrada de brasileiros naquele país. A explicação foi dada nesta terça-feira pelo embaixador Peidró, que recebeu integrantes da comissão. O embaixador garantiu aos deputados que seu país tem interesse em reduzir as tensões e evitar que a crise contamine as relações comerciais e financeiras entre as duas nações. Para o presidente da comissão, deputado Marcondes Gadelha (PSBPB), a disposição de apresentar o relatório ainda hoje reflete a boa vontade do governo espanhol em acabar com a crise. Gadelha relatou que o embaixador afirmou o propósito da Espanha de reduzir as tensões e evitar que a crise saia do campo aduaneiro e chegue nas relações comerciais e financeiras mantidas pelos dois países. Pressão da Comunidade Européia O parlamentar, porém, reconhece que as negociações são delicadas por envolverem toda a Comunidade Européia (CE). Gadelha acrescenta que a agência de fronteira da CE, a Frontex, forçou a Espanha a exigir um tratamento mais rigoroso nos ingressos à comunidade. "Se um terceiro país qualquer 141 quiser evitar o ingresso de uma pessoa na CE pode barrar pela Espanha, que estaria sendo pressionada nesse sentido." O deputado Ivan Valente (Psol-SP) também participou da reunião e apresentou ao embaixador espanhol a insatisfação com os critérios subjetivos para se recusar o ingresso de brasileiros na Espanha. "São milhares de trabalhadores brasileiros que chegam lá e possivelmente sofrem discriminação, preconceito e até maus tratos, mas esses fatos não chegam à imprensa e foram relatados. Evidentemente que o embaixador e a Embaixada espanhola têm outras versões." Imigrantes Marcondes Gadelha lembrou que a discussão sobre a presença de imigrantes é forte em todos os países da União Européia, mas sua expectativa é que, pelo menos na Espanha, a tensão se atenue com a reeleição do primeiro-ministro José Luiz Zapatero. Segundo Gadelha, o próprio embaixador reconheceu a importância dos imigrantes para a economia espanhola. O dado curioso, de acordo com o parlamentar, é que o país precisa dos imigrantes. "O próprio embaixador disse que o crescimento econômico recente da Espanha, muito alto, não teria acontecido se não fosse a participação dos imigrantes. É uma relação ambivalente, de amor e ódio. Eles precisam dos imigrantes e, ao mesmo tempo, os rechaçam. Por isso essa política não está totalmente definida." O deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP) também participou da reunião e lembrou que o Brasil precisa oferecer oportunidades de emprego e estudo para que brasileiros não precisem buscar alternativas em outros países. Estima-se que existam 4 milhões de brasileiros nos demais países, "uma verdadeira diáspora". Só na Espanha há 110 mil brasileiros trabalhando, sendo 40 mil ilegais. "Mais de 25% dos jovens das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte estão sem fazer nada. É uma bomba-relógio. E é claro que os que podem procuram uma oportunidade para poder voltar a aspirar a uma vida melhor. Acima de tudo precisamos tentar resolver o problema aqui, voltar a crescer", assinalou Thame. 142 Debates A comissão volta a discutir o tema amanhã, em uma audiência pública com a participação de representantes do Ministério das Relações Exteriores, da Polícia Federal, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da mestranda Patrícia Magalhães, que seguia para um congresso internacional de Física, em fevereiro, mas foi detida no aeroporto de Madri e acabou deportada. Depois dessa audiência pública, os parlamentares pretendem se reunir com representantes da União Européia no Brasil. Eles querem definir os critérios exigidos para a permissão de entrada no continente. xx ESPANHA DARÁ "TRÉGUA" A TURISTAS, DIZ AMORIM Iuri Dantas da Folha de S.Paulo, em Brasília 13/03/2008 - 10h55 O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) disse quarta-feira (12) que acertou com o governo da Espanha uma espécie de "trégua" na rigidez contra a entrada de brasileiros no país até o início de abril. No próximo mês, segundo o ministro, as chancelarias espanhola e brasileira se reunirão para discutir a possibilidade de adotar novos procedimentos de controle migratório entre os dois países. A "trégua" foi acertada em um telefonema entre Amorim e seu colega espanhol, Miguel Ángel Moratinos, ontem pela manhã. Representa uma primeira tentativa de entendimento desde o início da crise provocada pela expulsão de estudantes brasileiros que passariam por Madri a caminho de congressos em Portugal. "Não lembro se [Moratinos] usou especificamente a palavra trégua. Eu interpreto como uma trégua, como uma mitigação do que vem ocorrendo recentemente", disse Amorim na Comissão de Relações Exteriores do Senado 143 ontem. Procurada pela Folha, a Embaixada da Espanha em Brasília confirmou o telefonema e o abrandamento das regras para os turistas brasileiros. Os dois chanceleres concordaram que é preciso avaliar a rigidez dos espanhóis em relação à entrada de turistas do Brasil --em fevereiro, a média diária de brasileiros "inadmitidos" na Espanha foi de 15, contra seis em 2006. A reunião bilateral precisa aguardar, porém, a formação do novo gabinete de José Luis Zapatero, primeiro-ministro reeleito no domingo, o que deve ocorrer no início de abril. Até lá, o chanceler Moratinos se comprometeu a conversar com o ministro do Interior, Alfredo Pérez Rubalcalba, e pedir um abrandamento na aplicação das regras de imigração em vigor. As regras são impostas pela União Européia, mas sua aplicação varia de país a país. "Vamos ver, examinar e vigiar. O chanceler deu a entender que fará um esforço para que não haja problemas, mas não disse se evitarão todas [as negativas] ou algumas. O ideal é que não houvesse nenhuma", disse Amorim. O aumento de brasileiros inadmitidos na Espanha ganhou repercussão quando a mestranda em física da USP Patrícia Camargo Magalhães foi barrada, no início de fevereiro. No último dia 5, os alunos de mestrado do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) Patrícia Rangel e Pedro Luiz Lima também foram barrados. Um dia depois desse segundo caso, espanhóis começaram a ser barrados em aeroportos brasileiros. Até ontem, 24 casos tinham sido registrados. O ministro da Justiça, Tarso Genro, reafirmou ontem que o governo brasileiro vai tratar com rigor a entrada de espanhóis no país. "Vamos exercer com toda a plenitude, com todo o rigor a nossa soberania." Salvador A Polícia Federal na Bahia passou a inspecionar todos os estrangeiros que chegam ao Brasil pelo aeroporto internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, em Salvador. 144 Antes, o procedimento era feito por amostragem --a cada grupo de dez turistas, um era submetido a vistoria. Foi nesse aeroporto que ocorreu, no dia 6, a primeira expulsão de espanhóis após a crise com os alunos brasileiros barrados em Madri. Colaboraram SILVANA DE FREITAS, da Folha de S.Paulo, em Brasília, e LUIZ FRANCISCO, da Agência Folha, em Salvador xxi GOVERNO ESPANHOL ALERTA SOBRE RISCO DE VIAJAR AO BRASIL Depois dos incidentes com brasileiros barrados no aeroporto de Madri e da reciprocidade das autoridades de imigração no Brasil, o governo da Espanha decidiu avisar oficialmente a seus passageiros que viajar a destinos brasileiros pode ser um problema. Anelise Infante De Madri para a BBC Brasil 17 de março, 2008 - 15h12 GMT (12h12 Brasília) O Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação espanhol divulgou a informação para quem pensava em passar a Semana Santa no Brasil, advertindo que é possível ser barrado no aeroporto e correr o risco de não poder entrar no país. Segundo informações do site do ministério, "as autoridades brasileiras estão aplicando com maior rigor os controles de imigração nos aeroportos internacionais brasileiros.” Sem definir a razão de possíveis incidentes, o governo avisa que "as autoridades espanholas estão fazendo gestões para restabelecer a situação anterior.” Por telefone, o serviço de atendimento aos passageiros do ministério avisa aos turistas espanhóis da possibilidade de não serem admitidos nos aeroportos brasileiros. Para evitar o problema, recomendam que os turistas 145 tenham passagem de volta, dinheiro ou cartão de crédito e comprovante de reserva de hotel. O governo recomenda ainda que cada viajante entre em contato, antes de embarcar, com a embaixada e consulado brasileiros na Espanha para confirmar se atendem aos requisitos necessários. Sobre os recentes incidentes de brasileiros retidos no aeroporto de Madri, a Secretaria de Estado Ibero-Americana, Trinidad Jiménez, disse no sábado à emissora de televisão espanhola, Antena 3, que a atuação da polícia aduaneira espanhola é a de praxe. "São milhares de estrangeiros que tentam entrar diariamente por Barajas (aeroporto de Madri) e não é possível deixar passar todo mundo. Em nenhum caso existe uma discriminação de cidadãos do Brasil ou de qualquer outro país", afirmou. Os casos de retenção de brasileiros continuam. No último domingo, outra brasileira foi deportada depois de passar sete dias numa sala do aeroporto de Madri. Desta vez, a passageira Janaína Agostinho, de 27 anos, tinha passagem de volta, dinheiro, reservas de hotel e dados sobre o namorado espanhol - que a esperava no saguão - e ainda colocou uma advogada para defendê-la. Mas a polícia alegou que a brasileira não apresentou carta-convite (um documento assinado por um espanhol ou residente legal na Espanha que assuma a responsabilidade sobre o visitante durante a estadia no país). A lista de advertências do governo espanhol aos turistas que escolham destinos brasileiros ainda inclui alertas sobre a violência, febre amarela, dengue e até terrorismo. Segundo a nota ministerial sobre o Brasil, "neste momento nenhuma região do mundo e nenhum país está a salvo de possíveis atos terroristas.” O ministério espanhol faz recomendações especiais em relação à segurança. 146 Avisa que os turistas devem evitar os "bairros marginais, chamados de favelas, de todas as grandes cidades, especialmente de Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Brasília.” E ainda aconselha a "não dirigir em estradas à noite pelo alto risco de trânsito e pelo mau estado das rodovias e carência de iluminação.” Sobre as condições sanitárias, o governo da Espanha recomenda evitar "o consumo de água da bica assim como de frutas e verduras que não tenham sido lavadas e desinfetadas adequadamente.” 147