Os registros nos cadernos de atividades de alunos do Ensino
Fundamental
Fabiana Lumi Kikuchi
Mestrado em Educação (UEL)
Resumo
O presente relato é um recorte do estudo realizado para a dissertação de
Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina, que teve por
objetivo realizar uma caracterização dos Livros didáticos (LDs) utilizados na
escola selecionada para a pesquisa, e analisar os registros dos cadernos de
atividades (CAs) dos alunos, bem como os cadernos de tarefas (CTs), como
vistas à formação de leitores competentes. Nesse relato focaremos os registros
de dez conjuntos de cadernos de atividades em sala e tarefas de uma turma de
30 alunos de 2ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública de
Cambé, por considerarmos um material relevante do contexto escolar e que
pode apresentar dados pertinentes para percebermos que tipos de exigências
uma professora privilegia durante a mediação do conhecimento. Esses
cadernos foram selecionados por sorteio simples sem reposição. Pelos
resultados obtidos, identificamos que a professora regente da turma privilegia
exercícios das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, e que as
atividades propostas, nem sempre colaboram para a produção de sentidos por
parte dos alunos.
Palavras-chave: Formação de leitores; Cadernos de atividades; Ensino
Fundamental.
O presente relato é um recorte do estudo realizado para a
dissertação de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina,
que teve por objetivo realizar uma caracterização dos Livros didáticos (LDs)
utilizados na escola selecionada para a pesquisa, e analisar os registros dos
cadernos de atividades (CAs) dos alunos, bem como os cadernos de tarefas
(CTs), como vistas à formação de leitores competentes como definido nos
Parâmetros Curriculares Nacionais que norteiam o trabalho docente da
Educação Básica.
Nesse relato focaremos os registros dos cadernos de
atividades dos alunos, por considerarmos um material relevante do contexto
escolar e que pode apresentar dados pertinentes para percebermos que tipos
de exigências uma professora privilegia durante a mediação do conhecimento.
Segundo Gvirtz (1999), o caderno pode ser considerado um
suporte
físico,
privilegiado
por
conter
determinados
processos
de
aprendizagem, portanto, um dispositivo escolar, ou seja, um conjunto de
práticas discursivas escolares que se articulam e podem apresentar os efeitos
das atividades do processo de ensino/aprendizagem. Por ser um material
utilizado diariamente, constitui um campo significativo para observar a vida
cotidiana da escola.
Para a autora, os cadernos têm a capacidade de conservar o
registrado, ser guardado e revisto, e possibilita a interação do professor com o
aluno, na qual pode-se verificar e acompanhar as tarefas escolares do
cotidiano. Por requerer o aprendizado de normas para seu funcionamento,
identificar as diferentes características singulares de cada tipo específico
(universitário, agenda, quadriculado, desenho, caligrafia, entre outros), bem
como separar por disciplinas, utilizar as margens, parágrafo, títulos e subtítulos,
seqüência das folhas, linhas, entre outros, exigem conhecimentos de
características que são basicamente apreendidas na escola, portanto, podem
ser denominadas de saberes escolares.
Esses saberes também se diferenciam pela singularidade do
trabalho docente, como por exemplo, a forma como decide adotar para separar
as disciplinas e quantos cadernos utiliza.
Gvirtz (1999) chama atenção ao tipo de redação dos cadernos,
na qual, mesmo que seja escrito pela criança, o estilo é adulto, o que confere
um distanciamento entre eles. Nesse sentido, compreendemos que o professor
tem grande influencia nos registros dos cadernos, por escolher ou definir os
tipos de saberes a serem trabalhados.
Privilegia um tempo de produção escolar, pois as condições de
mudanças dos registros são limitadas, visto seguir uma sequência que difere
de outros suportes de escrita como o computador, na qual permite voltar,
apagar, acrescentar, reescrever grandes parágrafos, o que não garante uma
sequencia temporal do que foi escrito (GVIRTZ, 1999).
Para Chakur (2000) as atividades registradas nos CAs não
podem ser consideradas como reflexo fiel do trabalho do professor, porém
podem ser usados como fontes de informação acerca do trabalho docente no
cotidiano escolar. Nas palavras da autora:
Os registros constantes dos cadernos dos alunos refletem, em
certa medida, o trabalho do professor em sala de aula – o peso
que dá a certos conteúdos, a forma de correção ou avaliação a
que recorre na solicitação da atividade e, até mesmo, a função
ou habilidade intelectual ou de aprendizagem que valoriza. [...]
O mero fato de o aluno registrar determinadas atividades, e
não outras, já indica a relevância que elas têm para o professor
e, de certo modo, sua concepção de conhecimento e
aprendizagem. (CHAKUR, 2000, p. 191, grifos nossos).
Conforme Santos (2002), os cadernos podem ser instrumentos
de controle e avaliação da aprendizagem dos alunos, pois servem como uma
forma de registro e verificação por parte do professor. Possibilitam informações
que ficam registradas em suas folhas, em relação à execução ou não da tarefa
solicitada, bem como fazer hipóteses sobre o nível de aprendizagem dos
alunos.
Além da importância dos registros dos cadernos para verificar a
aprendizagem, Santos (2002) evidencia a importância dos fatos cotidianos que
ocorrem por trás dessas marcas, denominado-os de “bastidores dos cadernos
escolares”. Nas palavras da autora: “Considera-se que há, muito além daquilo
que as folhas dos cadernos eternizam, uma complexidade e multiplicidade de
fatores que precisam ser considerados quando se pretende conhecer o
cotidiano escolar”. (SANTOS, 2002, p. 126).
Nessa perspectiva, os cadernos ajudam a compreender o
cotidiano escolar, mas outros aspectos precisam ser considerados, além
desses registros diários.
Os registros nos cadernos, segundo Baraviera et al. (2004),
podem se constituir em um elo entre aluno, professor e pais, pois quando
ocorre o acompanhamento dos alunos por parte do professor e dos pais,
facultam-se lhes que dimensionem e avaliem o desempenho do aluno a partir
de suas produções cotidianas. Os registros que constam nesses cadernos
viabilizam a quem os analise, por exemplo, que identifique quais os modos de
acompanhamento e de controle das produções dos alunos adotados pelo
professor. Entretanto, de modo geral, constata-se que com o avanço nos anos
da escolarização dos alunos a leitura/vistoria de seus cadernos, sobretudo por
parte do professor, torna-se menos frequente.
Siqueira e Araújo-Jorge (2008) constataram que as produções
escritas nos cadernos dos alunos são comumente restritas a anotações, cópias
e transcrições dos conceitos apresentados no LD ou dos explicados em sala de
aula pelo professor.
Apesar de os cadernos, em sua organização, serem similares
quanto à sequência dos conteúdos neles registrados, frequentemente as
produções neles inscritas permitem a sua diferenciação, porque estas refletem
características de quem as produziu, por vezes singulares. Siqueira e AraújoJorge (2008, p. 52), apesar de apontarem a importância da análise dos
cadernos dos alunos como uma fonte de informação acerca do cotidiano
escolar e dos modos como são aprendidos os conteúdos escolares, indicam
sua fronteira, como segue: “Os cadernos escolares imortalizam parte do ensino
e do apreendido, mas sabe-se que jamais retratarão o que de fato aconteceu,
isto porque os significados dos conteúdos para cada aluno são diferentes”
(grifos nossos).
Esses autores assinalam, ainda, a importância dessa fonte de
informação, isto é dos cadernos dos alunos para a análise do exercício de
poder na escola, o qual pode ser desvelado pelas práticas educativas de seus
professores.
Caminhos percorridos
Tendo os vista os apontamentos dos autores que mencionam a
importância dos cadernos como fonte de informações sobre o contexto escolar,
realizamos um estudo em uma escola da rede municipal de Cambé-PR. Os
participantes da pesquisa foram 30 alunos de uma turma de 2ª série do Ensino
Fundamental e a professora regente.
Durante os meses de março a junho, nove observações em
sala de aula foram realizadas, tendo por foco o comportamento da professora
em relação à explicitação dos conteúdos e à proposição de atividades.
Consideramos que as observações poderiam enriquecer o
relato e análise dos cadernos de atividades dos alunos. Por isso, ao final do
primeiro semestre letivo de 2009 recolhemos dez conjuntos de cadernos de
atividades dos alunos utilizados em sala de aula, e cadernos de tarefas.
Para esse estudo, definimos cinco categorias para a análise
dos tipos de exercícios propostos tanto nos LDs quanto nos cadernos:
1- Atividades de decodificação (AD): exercícios que exigem
uma única resposta, explícita no texto, isto é, a resposta está
objetivamente inscrita no LD. Exemplo: Quais são os
personagens da história? De quê os bichos foram brincar?
Quantos ovos?
2- Atividades de cópia (AC): solicitação de cópia de partes do
texto. Exemplos: Leia e complete o primeiro e o último verso
(reprodução do texto). Escolha uma estrofe do poema, copie-a
em uma folha à parte.
3- Reflexões críticas (RC): questões que instiguem os alunos a
escrever suas impressões pessoais acerca do assunto tratado
no texto. Exemplos: Você achou o final interessante? Na sua
opinião, faz alguma diferença se o aniversariante se esqueceu
de colocar a data, o horário, e o local da festa? Depois do
jogo, os jogadores vão tomar um banho, o que aconteceu?
4- Construção de sentido (CS): questões que permitam uma
discussão articulada dos conhecimentos por parte dos alunos.
Exijam que coletiva ou individualmente produzam um texto oral
ou escrito. Exemplos: Discuta com seus colegas e professor: o
que você entendeu da moral da fábula? Compare os objetos
com as partes de seu corpo...
5- Outros (OS): Exercícios que não necessitam da leitura do
texto, assentes em conhecimentos externos ao mesmo, ou
atividades propostas que não sejam possíveis de ser incluídas
nas demais categorias. Exemplos: Descubra o segredo e
complete o quadro. O que quer dizer ‘agüentar firme’? Encontre
as sete diferenças. Desenhe a metade que falta.
Os exemplos citados nas categorias são propostas de
atividades dos LDs que foram utilizados na escola selecionada durante o ano
de 2009. Esses mesmos critérios e denominações foram adotados para uma
análise dos exercícios propostos pela professora para registros nos cadernos
dos alunos.
No entanto, para esse relato, discutiremos apenas os
resultados que obtivemos nos cadernos.
Os Livros Didáticos e os Cadernos escolares
Por questões da política pública relativa à distribuição gratuita
dos livros didáticos (LDs) em escolas públicas, a partir da 2ª série os mesmos
devem ser devolvidos pelos alunos para serem reutilizados por outros no
próximo ano letivo. Por isso, não disponibilizam espaços adequados para que
sejam registradas as respostas aos exercícios propostos. Isto impede os
alunos de poderem fazer quaisquer registros nos LDs. Por essa razão tomouse como hipótese para este trabalho, que as produções registradas nos CAs e
nos CTs revelam, mesmo que indiretamente, os usos do LD, por parte do
professor e dos alunos.
Os registros produzidos nesses cadernos foram analisados
tendo por foco identificar o tipo de relação que o professor estabelece com o
LD quando: apresenta e explica os conteúdos; propõe atividades para os
alunos produzirem em sala de aula, ou como tarefas para que eles realizem em
casa.
No entanto, apesar de considerarmos essa hipótese, nos
deparamos com uma realidade diferente, na qual para duas disciplinas
(Português e Matemática) foram adotados os LDs da 1ª série. Estes se
diferenciavam dos demais por possibilitarem aos alunos escreverem as
respostas aos exercícios no corpo dos mesmos. Em face dessa possibilidade
distinta, as análises deste trabalho para os conteúdos dessas disciplinas foram
circunscritas apenas às atividades prescritas pela professora para serem
realizadas nos CAs e nos CTs.
Na turma selecionada encontravam-se matriculados 30 alunos.
Dez conjuntos de cadernos (CAs e CTs) por aluno, conforme critério adotado
foram analisados. Esses cadernos foram recolhidos no final do 1º semestre
letivo.
A análise nos CAs e CTs foi iniciada com as produções
realizadas a partir do início do ano letivo e que se estenderam até ao final do
período das observações, uma vez que essas informações recolhidas em sala
de aula, serviram como fontes complementares para análise desses cadernos.
Resultados e Discussões
Conforme Gvirtz (1999) 1 , os cadernos podem diferenciar-se em
único ou por matérias. No último tipo todos são utilizados simultaneamente no
trabalho em sala de aula.
Os cadernos utilizados na turma pesquisada não são únicos,
porém não se dividem por disciplinas, por serem utilizados dois cadernos: um
para atividades dos alunos em sala de aula (CA), outro para tarefas (CT). Além
desses os alunos dispõem de uma agenda para recados, que funciona,
inclusive, para contato por mensagens escritas com pais ou responsáveis pelos
alunos.
Como informamos anteriormente, foram recolhidos os cadernos
de 10 alunos da turma selecionada e na qual ocorreram as observações, ao
término do primeiro semestre letivo de 2009.
Nomeamos os 10 cadernos de sala de aula dos alunos pelas
siglas: CA1, CA2, CA3... CA10. Os cadernos CA1, CA2, CA3 e CA4 são de
participantes do gênero feminino, e os demais, do gênero masculino.
Para
os
cadernos
de
tarefas,
utilizamos:
CT1,
CT2,
CT3...CT10, tomando o cuidado de seguir a mesma sequência dos CAs, isto é,
a numeração atribuída para identificação dos alunos. Desse modo, o CA1 e o
CT1 são os cadernos de sala de aula e de tarefas, respectivamente do mesmo
aluno.
No cabeçalho dos cadernos, consta nome da escola, cidade e
data, nome do aluno, série e turma, nome da professora e disciplina. Apesar de
o registro do cabeçalho ser uma rotina, identificamos cadernos que, em alguns
momentos, apresentam esses dados incompletos.
1
GVIRTZ, Silvina. El discurso escolar a través de los cuadernos de clase. Buenos Aires: Eudeba
Facultad de Filosofía de Buenos Aires, 1999.
Como o cabeçalho das páginas exige o registro da data da
atividade isso nos permite concordar com Gvirtz (1999, p. 47) quanto a que: “Si
existe actividad escolar, inequívocamente se puede constatar el día em el que
fue realizada”.
No CA1 verificamos 20 registros do cabeçalho, que apesar de
constar escrito “Aluno(a)” com um espaço a seguir para ser preenchido com o
nome do aluno, permanece em branco. Nos demais momentos, a aluna não faz
outros registros, dificultando o reconhecimento da data de realização da
atividade. Interessante destacar a presença da escrita “Escola Municipal”,
apenas. Com isso parece que a aluna não se interessa em registrar o restante
do cabeçalho, nem a professora em exigi-lo.
Nos demais cadernos, a presença da data é constante, o que
pode representar um registro diário estabelecido e pouco questionado.
O CA1 apresenta páginas e diversas linhas em branco, não
obedecendo às regras da convenção de seu uso. No meio do caderno, a
página 19 não apresenta quaisquer registros. Os demais cadernos apresentam
pelo menos uma página com oito linhas ou mais em branco, seguida de
produções escritas na página posterior.
De modo geral, os registros nos CAs apresentam erros de
ortografia, inclusive no cabeçalho, tais como: matenatica (CA1, CA10);
potuguês (CA2); professorra (CA5); potgues (CA5); municipo (CA7); feverero
(CA7); pofessora (CA10); prossora (CA10); nunicipal (CA10); abil (CA10).
Verificamos erro ortográfico na escrita do nome da escola em pelo menos um
registro nos seguintes cadernos: CA1, CA2, CA5, CA6, CA7 e CA9.
No CA10, apesar da presença de 17 registros do próprio nome
do aluno feito corretamente, outros 10 estavam com erros ortográficos, e 18
cabeçalhos sem nome.
Os conteúdos das disciplinas que constam nos CAs, são, no
geral, relativos às disciplina de Matemática e Língua Portuguesa. Isso parece
justificar uma das falas de um aluno durante a quarta observação em sala de
aula.
A professora solicitou que os alunos decifrassem frases
enigmáticas 2 . Um aluno perguntou se a atividade era de Português ou de
Matemática, ao que um outro respondeu: “Quando é português é texto, quando
é matemática é continha”.
A frequente denominação dessas duas disciplinas nos
cabeçalhos indica a prevalência das mesmas em relação às demais nesse
contexto escolar e dos tipos de exercício para serem realizados.
Em conversa informal com a professora, durante a sexta
observação, ela afirmou que ainda não trabalhou as disciplinas História,
Ciências e Geografia porque os alunos têm muita dificuldade e precisam muito
de Português e Matemática.
Essa perspectiva leva à Língua Portuguesa e Matemática a um
status elevado de importância, ou que sejam pré-requisitos para o aprendizado
das demais disciplinas. Todavia, todas as áreas são responsáveis pela
formação de leitores.
Nos cadernos foram identificadas atividades não finalizadas,
sem correção, ou com correção do professor e feita pelo próprio aluno. Mesmo
que esse último tipo de correção seja frequente nos cadernos, muitas não são
apresentadas corretamente. Em alguns CAs constatou-se que o aluno coloca
sinais representando as atividades como corrigidas, no entanto, as atividades
produzidas continuam com erro. Estabelece-se, então, a questão: até que
ponto a correção coletiva feita na lousa por professores colabora para a
construção de saberes pelo aluno?
Registros da professora, evidenciando a realização incompleta
das atividades pelo aluno são comuns, tais como as que seguem: “Não
terminou de copiar (CA2; CA5; CA8 duas vezes)”; “Não terminou” (CA8; CA9);
“Não copiou a interpretação de texto” (CA8); “O aluno não terminou de copiar”
(CA8); “Não terminou a atividade proposta” (CA8); “O aluno não terminou de
copiar e fazer a atividade, pois estava distraído” (CA8). Apesar de diferentes,
possuem o mesmo sentido: o aluno não havia concluído a atividade prescrita.
Entretanto, verificou-se a presença de exercícios incompletos (CA1 onze
2
Substitua os desenhos por palavras e escreva as frases no caderno. Exemplos: a) Rui bateu
o (desenho de prego) na parede e pendurou o (desenho de quadro); b) Papai ganhou uma
linda (desenho de gravata) vermelha da mamãe; etc.
exercícios; CA2, CA5 e CA6 dois exercícios cada; CA8 nove exercícios; CA9 e
CA10 um exercício cada) sem qualquer mensagem da professora. Chamou,
ainda, a atenção os modos usados pela professora para se dirigir a quem lesse
seus comentários: alguns parecem ser dirigidos a outros que não o aluno.
Palavras de valorização das atividades cumpridas pelos
alunos, também, foram encontradas: “Ótimo” (CA7 e CA10, três vezes em cada
caderno); e cinco “Parabéns” no CA8, o mesmo aluno que, como descrito
acima recebeu por diversas vezes enunciados da não realização das atividades
propostas em sala de aula.
Para Gvirtz (1999, p. 47) “El tiempo en la escuela es um
constructo que implica necessariamente la finalización de las tarefas” (GVIRTZ,
1999, p. 47), porém como verificamos nem sempre as atividades propostas
para serem realizadas foram finalizadas. Isso, porque nos cadernos apesar
apresentarem o enunciado para a realização das mesmas nem sempre
demonstram a sua produção ou finalização (por exemplo, em CA2; CA5; CA8;
C9).
Em alguns dias os CAs refletem a realização de poucos
exercícios, o que pode ser um indicativo, por hipótese, da utilização de outros
materiais, tais como do LD, ou da realização de outras atividades como as de
montagem do livro sobre o meio ambiente iniciado durante uma das últimas
sessões de observação.
Não foram identificados indícios de quaisquer produções
escritas nos CAs com conteúdos das disciplinas História, Geografia e Ciências.
Nem mesmo com o uso desses LDs para cópias de atividades. A ausência de
registros de atividades de conteúdos dessas disciplinas feitos no caderno é
preocupante, visto os cadernos recolhidos e ora sob análise registrarem as
atividades de sala de aula no primeiro semestre letivo.
Para verificar o tipo de exercício que a professora privilegiou
durante o primeiro semestre letivo de 2009, centramos nossa atenção no CA4,
por ser o mais completo entre os cadernos sorteados.
Na disciplina de Língua Portuguesa, do total de exercícios
propostos (N=69), prevaleceu 51% (35/69) de exercícios de produção escrita.
Entre elas, agrupamos atividades como: escrever, completar, produzir, copiar,
formar frases e ditado, como observamos na Figura 1.
Figura 1: Tipos de exercícios da disciplina de Língua Portuguesa nos CAs
Os exercícios que agrupamos no item “Ortografia” foram os que
exigem que o aluno complete as palavras tidas como possíveis dificuldades
ortográficas, tais como: “rr”; “lh”; “ss”; “nh”, e separação de sílabas. Além
desses, nas diversas correções em sala de aula, tanto dos exercícios como das
produções de texto, a professora também tem a possibilidade de corrigir a
ortografia.
A cópia (16/69), como um exercício explorado na sala de aula
pode silenciar as vozes. Tal realização exige que o aluno cumpra certas
normas de comportamento, tais como: manter-se sentado por longo tempo, em
silêncio, reproduzir e cumprir a tarefa. Essa perspectiva leva-nos a pensar que
a cópia pode resultar em exercício de submissão e disciplina.
Entre as proposições inseridas no item “Outros” (n=5) citamos
as que apareceram no CA: produção coletiva de texto (n=1); caça-palavras
(n=2); adivinhação (n=1); cruzadinha (n=1).
Identificamos nove textos 3 copiados pelos alunos nos CAs, que
sugerem a produção de atividades relativas à “interpretação de texto”. Desses,
apenas CA8 apresenta atividades incompletas: ora sem terminar a cópia do
texto, consequentemente não há qualquer registro da cópia e a realização da
3
1) Chico Cochicho; 2) O palhaço Caolho; 3) O aniversário da mamãe; 4) Fofinho, o coelho; 5)
Espirro, o burrinho; 6) O macaco Fofura; 7) O arco-íris; 8) Mussum e Condessa; 9) O dragão
trapalhão.
respectiva “interpretação”, ora terminando a cópia, porém com algumas
perguntas sem resposta.
O item “Garimpagem de informações” como apresentamos na
Figura 1 foi por nós nomeado tendo por fundamento Marcuschi (1996), devido
às limitações das atividades propostas. Esses 13% representam as 9/69
propostas como “interpretação de texto”, mas que pouco colaboram para a
compreensão dos sentidos do texto.
Conforme Marcuschi (1996), as perguntas que se restringem a
indagações objetivas como: O quê? Quem? Quando? Onde? Qual? Como?
Para quê?, ou ainda as que contém uma ordem como: copie, ligue, retire,
complete, cite, transcreva, escreva, identifique, reescreva, assinale...partes do
texto, não são exercícios de compreensão, pois pouco colaboram para
estimular a reflexão crítica sobre o texto.
O autor destaca que não desconsidera a importância da
proposta desses tipos de perguntas, no entanto, enfatiza a identificação de
informações como uma restrição para o funcionamento da língua.
A identificação de informações objetivas no texto, não são
exercícios de compreensão, pois apenas “garimpam” alguns aspectos formais.
“Um texto oferece muito mais surpresa que um garimpo e tem muito mais
coisas escondidas que um garimpo”. (MARCUSCHI, 1996, p. 73)
Apesar desses textos não estarem presentes no LD de Língua
Portuguesa, e por considerarmos que as atividades propostas contribuem para
a formação de leitores, classificamos esses exercícios, seguindo os mesmos
critérios usados para análise dos LDs. De modo, geral, as perguntas propostas
para serem respondidas nos CAs tendem a silenciar as vozes dos alunos, por
não permitirem a reflexão e a construção de sentidos, como mostra a
distribuição de exercícios prescritos na Figura 2.
Figura 7: Tipos de exercícios propostos nos CAs como de “Interpretação de
Textos”
Do total (n=56), a maioria da proposição desses exercícios
(n=49) é de perguntas cujas respostas estão explícitas nos textos, ou seja, das
que nomeamos como “decodificação”. Essa pode ser uma das razões pela qual
não identificamos maiores incidências de respostas incorretas, apesar de, em
alguns momentos, haver ausência de marcas de correção.
Podemos exemplificar o tipo de atividade que representa
“Interpretação de texto” para a professora. O texto “O arco-íris” de Geraldo
Mattos foi trabalhado durante a quinta observação em sala, limitando-se à
cópia, leitura e “interpretação”. O texto não consta no LD de nenhuma das
disciplinas, foi levado pela professora, que o passou na lousa.
O arco-íris
Era uma vez um menino que tropeçou no arco-íris.
Ele caiu de cara no chão, ficou bem machucado.
Ficou zangado e pegou a ponta do arco-íris e deu um nó
com ela numa árvore muito grossa.
Passou o tempo e o arco-íris queria ir embora para
outros cantos do céu. Fez força e nada, mais força e nada ainda.
Olhou em volta:
- Quem é que me prendeu?
- Fui eu, disse o menino. Eu tropecei em você.
- Ah, menino! Solte-me que eu atendo ao que você
quiser.
O menino soltou o arco-íris.
Daquele dia em diante, o menino se divertiu muito.
Queria um escorregador, chamava o arco-íris. Queria
brincar de pular corda, chamava o arco-íris.
Todos vinham vê-lo e diziam:
- Onde está o menino do arco-íris?
Autor: Geraldo Mattos.
A leitura do texto foi encaminhada pela professora em três
etapas: leitura silenciosa realizada pelos alunos, leitura oral pela professora
seguida de questionamentos e leitura coletiva.
Em relação às questões relativas à interpretação de texto,
identificamos exercícios que denominamos, neste estudo, de decodificação, ou
seja, daqueles cujas respostas encontravam-se explícitas no texto, ou de
garimpagem de informações.
As sete questões formuladas são as que seguem:
1) Qual é o título do texto?
2) Qual é o autor do texto?
3) Quantos parágrafos o texto tem?
4) Onde o menino tropeçou?
5) O menino, zangado, o que fez?
6) O que disse o arco-íris para o menino?
7) De que o menino brincava com o arco-íris?
O oitavo exercício pedia para que os alunos enumerassem as
frases, de acordo com fatos que ocorreram no texto. Este exercício, por sua
natureza, exigia dos alunos atenção à sequência formulada pelo autor do texto
para narrar a história, não os instigando à reflexão ou à (re)construção de
sentidos do texto, visto as frases serem muito semelhantes às do texto.
O texto contava a história de um menino que tropeçou em um
arco-íris e caiu. Em nenhum momento destas atividades com o texto houve a
necessidade de os alunos articularem as informações do texto com a sua
realidade, e nem mesmo foram incentivados pela professora a realizar essa
articulação. No entanto, uma aluna aproximou-se da pesquisadora e disse:
“Tia, eu já caí uma vez, machuquei o nariz, quebrei esses dois
dentes (apontando os dentes superiores do meio). Esse dente
não é dente, é massinha”.
Nesse episódio, podemos verificar que para essa aluna, os
saberes instituídos no texto fizeram sentido, na qual pôde articular com fato
real de sua vida.
Interessante destacar que, mesmo sem mediação docente, a
aluna construiu sentido. Isso implica em considerarmos a dificuldade em
mensurar os saberes construídos pelos alunos, mesmo que a forma como os
textos são elaborados, pouco colaborem para isso, devido à subjetividade e os
conhecimentos prévios singulares.
Apesar de os conteúdos ensinados e das atividades propostas
serem iguais, contatamos que os alunos revelam sua singularidade ao
responder. O Quadro 1 permite a demonstração do que afirmamos.
Questão: O menino, zangado, o que fez?
CA2 Se machucou.
CA3 Ele pegou a ponta do arco-íris e deu um nó com ela.
Pegou a ponta do arco-íris e amarrou numa árvore bem
CA4 grossa.
CA5 ele amarou o arco-íris na árvore.
pegou a ponta do arco-íris e deu um nó com ela numa
CA6 árvore.
CA7 Ele prendeu o arco-íris na árvore.
CA9 Pecou a pota do arco iris e predeu na arvore.
CA10 ele amarou arco iris na avore.
Quadro 1: Exemplos da singularidade de respostas à mesma questão
Não apresentamos as respostas de dois cadernos, por não
constarem essa atividade. O aluno responsável pelo CA1, provavelmente faltou
na data. Verificados que o CA8 apresenta parte da cópia do texto “O arco-íris”,
e nenhum registro das perguntas destinadas à interpretação.
As possibilidades de autoria, conforme Santos (2008), é uma
forma dos alunos se relacionaram com outros autores e discursos que
conhecem. A apropriação desses saberes podem tornar-se seus próprios
discursos.
São as vozes de outros autores, textos, denominadas por
Bakhtin (2003), e a organização do pensamento (VIGOTSKI, 2000) que
contribuem para o desenvolvimento dos conhecimentos que refletem a autoria
dos alunos em responder as questões propostas pela professora.
Por isso, ressaltamos a importância do professor quando
sugere determinado texto, no entanto, Santos (2008) ressalta que nem sempre
os textos propostos possibilitam que o aluno engaje-se a fim de desenvolver
sua potencialidade autoral.
No caso da quarta observação, a professora apenas escreve
na lousa: “Forme frases”, e logo abaixo, as palavras que devem servir de base
para essas produções: bicicleta; bolacha; borracha; floresta; circo; jacaré; flor;
aniversário.
Sem qualquer orientação ou discussão oral prévia sobre os
temas, os alunos vão produzindo sozinhos, como se já estivessem
acostumados com esse tipo de atividade. Quando uma aluna escreve uma
frase 4 não aprovada pela professora, apenas obedece a solicitação em “refazer
com coisas que tem no aniversário, enriquecendo a frase”.
Propor a palavra “aniversário” de forma descontextualizada,
sem qualquer relação com aquele momento em aula, dificulta a produção da
aluna. Para escrever sobre o que possui em uma festa de aniversário, torna-se
necessário a aluna buscar seus conhecimentos prévios sobre algum evento na
qual participou.
A frequência de erros ortográficos registrada foi maior nos
cadernos CA9 e CA10. Como não havia marcas de correções, não é possível
afirmar se foi desconsiderado, valorizando a compreensão do aluno, ou se a
atividades não foram de fato, corrigidas.
No caso do texto “O arco-íris”, identificamos um momento em
que a aluna revela sua compreensão. No entanto, em outro episódio, durante a
quarta observação, verificamos que nem sempre os alunos atribuem sentidos
ao que está sendo solicitado.
Para uma comemoração em homenagem ao dia das mães,
nesse dia, a professora avisou, logo que a pesquisadora chegou na sala de
aula, que o dia seria tumultuado, bem como teria para terminar um cartaz com
fotos das mães dos alunos e mensagens individuais.
Uma frase para cópia estava apresentada no quadro, a qual foi
posteriormente fixada na porta.
4
“Eu fiz aniversário”.
Na mensagem, cada aluno deveria escrever o nome de sua
mãe 5 . Como a professora também escreveu, como exemplo, um aluno copiou
fielmente a mensagem, com o nome da mãe da professora..., o que nos fez
perceber que para esse aluno a mensagem proposta para ser copiada parecia
não fazer sentido.
Algumas considerações
Esse estudo buscou apresentar os cadernos escolares como
importantes fontes de informações acerca do cotidiano escolar. Apesar de não
descreverem fielmente como a mediação docente ocorre, apresenta os tipos de
exercícios privilegiados pela professora quando conduz suas aulas.
“A escola deveria ser o lugar que promove a possibilidade de
autoria vista enquanto produção de sentidos e não enquanto reprodutora da
impossibilidade da criatividade espontânea, romântica e idealizada” (SOUZA,
1999)
Pelas propostas de compreensão de texto e possibilidades de
produção de sentidos que encontramos, verificamos que muitas vezes são
anuladas ou limitadas pelo fato das atividades da chamada “interpretação de
texto” ser muitas vezes, de garimpagem de informações objetivas.
REFERÊNCIAS
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