Aprender com alegria:
ludicidade na
alfabetização de jovens
e adultos
Telma Ferraz Leal
1. Pedagogia do prazer
•
•
•
•
•
•
•
Prazer
Prazer
Prazer
Prazer
Prazer
Prazer
Prazer
de aprender
de criar vínculos afetivos
de ser respeitado e valorizado
de falar e de ser ouvido
de ressignificar a própria história
de ler e de ouvir bons textos
de escrever bons textos
Frei Betto (Alfabetto: autobiografia
escolar , 2002, p.62):
Tinha olhos para cada aluno, atenta às
dificuldades, prestativa, indo de uma
carteira a outra para ensinar a cortar
uma palavra em sílabas, escrever o nome
no cabeçalho de uma folha, passar a
borracha no caderno para apagar um
erro...
Rubem Alves (Concerto de Leitura,
em Entre a Ciência e a Sapiência)
Aprendi a ler. Mas isso não bastava. Faltava-me o
domínio da técnica que faz da leitura algo suave como o
vôo de um urubu ou deslizante como um patim no gelo.
Foi D. Iva – não sei se ela ainda vive – quem me ensinou
que ler pode ser delicioso como voar ou como patinar.
Ela lia para nós. Não era para aprender nada. Não havia
provas sobre os livros lidos. Ela lia para que tivéssemos
o prazer dos livros. Era pura alegria. Poliana, Heidi,
Viagem ao céu, O saci. Ninguém faltava, ninguém
piscava. A voz de D. Iva nos introduziu num mundo
encantado. O tempo passava rápido demais. Era com
tristeza que víamos a professora fechar o livro.
2. Os jogos como fonte de
prazer
• Os jogos são práticas culturais dotadas de
historicidade e múltiplas significações.
• Jaulin (1979): Cada brinquedo só pode ser
entendido no contexto da sociedade onde
ele emergiu, por revestir-se de elementos
culturais e tecnológicos desse contexto.
Kishimoto (2003, p. 17): Enquanto fato social, o jogo
assume a imagem, o sentido que cada sociedade lhe
atribui. É este o aspecto que nos mostra por que,
dependendo do lugar e da época, os jogos assumem
significações distintas.
O jogo é uma atividade lúdica em que crianças e/ou
adultos participam de uma situação de engajamento social
num tempo e espaço determinados, com características
próprias delimitadas pelas próprias regras de
participação na situação “imaginária”.
3. Os tipos de jogos
• Leontiev (1988): o brinquedo também evolui de uma situação
inicial onde o papel e a situação imaginária são explícitos e a
regra é latente, para uma situação em que a regra torna-se
explícita e a situação imaginária e o papel, latentes.
• Dois grupos principais de jogos: jogos de enredo e jogos de
regras.
• Jogos de enredo: Têm recebido várias denominações: jogo
imaginativo, jogo de faz-de-conta, jogo de papéis, jogo
simbólico ou jogo sócio-dramático. A situação imaginária
está explícita e as regras de participação social naquela
situação imaginária estão subjacentes ao modo de brincar.
• Jogo de regras: A situação imaginária está implícita e
as regras orientam a brincadeira. Os participantes do
jogo centram a atenção na finalidade do jogo e no
atendimento às regras compartilhadas. Ao jogar
xadrez, por exemplo, a atenção volta-se para as regras
e não para o exercício de exercer o papel de rainha ou
rei, mas a situação imaginária é que orienta os tipos de
regras.
• Além desses tipos de jogos, há ainda os jogos de
construção, os jogos de exercício no período sensório
motor, dentre outros.
4.
Os
jogos
no
desenvolvimento infantil
• Fromberg (1987): O jogo infantil
representa a realidade e as atitudes
humanas; possibilita a ação no mundo
(mesmo que de modo imaginário),
favorecendo
o
estabelecimento
de
relações e processos de significações.
• Há desenvolvimento moral e social das
crianças nas brincadeiras: tanto nos jogos
de enredo quanto nos jogos de regras.
• Jogos de enredo:
Leontiev (1988, p. 130): “Nos brinquedos do período préescolar, as operações e ações da criança são, assim, sempre
reais e sociais, e nelas a criança assimila a realidade humana.
• Jogos de regras:
Nos jogos de regras, as crianças aprendem que a
participação em grupos exige atendimento a regras, aprende
que essas regras são compartilhadas e são mutáveis, desde
que haja um acordo entre os participantes. (A “canastra” jogo de baralho, por exemplo, tem diferentes modos de
brincar e os jogadores, via de regra, combinam, antes de
começar a partida, quais as regras que serão seguidas).
• Leontiev (1988, p. 139): “dominar as regras significa dominar
seu próprio comportamento, aprendendo a controlá-lo,
aprendendo a subordiná-lo a um propósito definido”.
3. Os jogos no mundo adulto
• Os adultos também
brincadeiras: dominó,
basquete, RPG...
se engajam em
baralho, futebol,
• Através dos jogos:
- Extravasam tensões;
- Expressam emoções: raiva, tristeza, alegria;
- Manifestam sentimentos: competição /
disputa; solidariedade, carinho, respeito...
4. Os jogos na aprendizagem
escolar
• Moura (2003, p. 80): “O jogo, como promotor da aprendizagem
e do desenvolvimento, passa a ser considerado nas práticas
escolares como importante aliado para o ensino”.
• Não podem ser utilizados como únicas estratégias didáticas e
nem garantem a apropriação dos conhecimentos que buscamos.
• Kishimoto (2003, pp. 37/38): A utilização do jogo potencializa
a exploração e a construção do conhecimento, por contar com a
motivação interna, típica do lúdico, mas o trabalho pedagógico
requer a oferta de estímulos externos e a influência de
parceiros bem como a sistematização de conceitos em outras
situações que não jogos.
5. Os jogos na alfabetização
•
“Brincar com a língua” faz parte das atividades que realizamos
fora da escola desde muito cedo: cantigas de roda, parlendas, jogo
da forca, adedonha, palavras cruzadas...
• Todos esses jogos envolvem a formação de palavras e, com isso,
podem ajudar no processo de alfabetização.
• Considerando os princípios do Sistema de Escrita Alfabético,
dividiremos os jogos em três grupos:
aqueles que contemplam atividades de análise fonológica sem
fazer correspondência com a escrita;
- os que levam a refletir sobre os princípios do sistema alfabético,
ajudando os alunos a pensar sobre as correspondências
grafofônicas;
- os que ajudam a sistematizar as correspondências grafofônicas.
Jogos de Análise Fonológica
• Para compreender a lógica do nosso sistema de escrita é
preciso perceber que a relação se dá entre os sinais
gráficos (letras) e a pauta sonora e não entre os sinais
gráficos e os significados ou objetos.
• Baralho fonológico
- Pode ajudar os alunos que estejam nas hipóteses iniciais de
escrita (pré-silábicos) a perceberem que nem sempre é no
significado que repousam nossas reflexões e que as palavras
– e não apenas os objetos – podem ser manipuláveis.
- Se, após esse jogo, há reflexões conduzidas pelos
professores acerca das similaridades sonoras e gráficas das
palavras que foram agrupadas pelos alunos, há maior
consciência da natureza dessa relação. Assim, os alunos
podem descobrir o que a nossa escrita representa.
Jogos que ajudam a refletir sobre
os princípios do sistema alfabético
• Para se apropriarem do sistema alfabético, os aprendizes
precisam descobrir as unidades sonoras (sílabas, fonemas) e
compreender como elas correspondem às unidades gráficas.
Precisam descobrir que:
- As palavras orais são unidades que podem ser divididas em
unidades menores (sílabas e fonemas);
- Cada letra corresponde, via de regra, a algo (que chamamos
de fonema) menor que as sílabas;
- As sílabas são formadas por uma ou mais letras e que em
cada sílaba há uma vogal;
- A ordem de escrita das letras corresponde à ordem de
emissão dos sons da palavra oral;
- Existe um sentido predominante na escrita.
• Para que os aprendizes se apropriem desses princípios, vários tipos de
atividades podem ser planejados:
-
Composição e decomposição de palavras;
Comparação de palavras escritas;
Reconhecimento de palavras, usando pistas gráficas;
Outras.
• Jogo das duas palavras
• Quando os alunos se vêem frente a um par de palavras, como panela /
tigela, e estão com o desenho de uma panela, elas precisam pensar
sobre as pistas gráficas que dispõem e decidir qual das duas palavras
corresponde à panela. Elas podem tomar tal decisão a partir da letra
inicial, quando, por exemplo, sabem que uma colega da sala tem o
nome iniciado igual a panela (Paula ou Patrícia), ou quando
reconhecem que tigela tem a letra i e que panela não tem, dentre
outras possibilidades. O importante nessa atividade é que elas, mesmo
que estejam em um nível inicial de apropriação do sistema, precisam
pensar sobre a lógica da escrita.
Jogos que ajudam a sistematizar as
correspondências grafofônicas e a
desenvolver fluência de leitura
• Por que muitos alunos chegam na hipótese alfabética e
não conseguem ler nem produzir textos?
- Falta de familiaridade com os gêneros textuais que
circulam socialmente;
- Falta conhecimentos prévios referentes aos temas
tratados nos textos;
- Dificuldades relacionadas ao desenvolvimento de
estratégias de leitura e de escrita;
- Falta de fluência de leitura ou agilidade de escrita:
• Para ganhar fluência, o aluno precisa consolidar a
aprendizagem das correspondências grafofônicas e
desenvolver estratégias de leitura e de produção
de textos.
• É preciso, então, realizar muitas atividades de
leitura e escrita.
• E propor situações em que os alunos leiam palavras
e
escrevam
palavras
(consolidação
das
correspondências grafofônicas).
• Trilha de figuras
- Neste jogo, os alunos não têm muitas pistas para ler as palavras
das fichas. Desse modo, é necessário que eles já estejam em
níveis mais elaborados de compreensão do sistema (silábicoalfabético ou alfabético) ou que as trilhas contenham palavras que
possam ser reconhecidas globalmente como palavras estáveis.
- Os alunos desenvolvem maior velocidade de leitura e consolidam as
correspondências grafofônicas que ainda não estão automatizadas.
-
É importante percebermos que a relação entre um dado fonema e
uma dada letra é uma convenção e que é preciso tempo e prática
de leitura para que os alunos reconheçam todas as
correspondências com a velocidade necessária a uma leitura
fluente.
• Caça-letras
- O caça-letras é um jogo que leva a refletir para
selecionar as letras que deverão formar as palavras.
- Formando palavras e discutindo sobre as letras a serem
utilizadas, os alunos se apropriam das correspondências
de forma mais prazerosa, sem que seja necessário ficar
treinando os padrões silábicos de forma mecânica.
- Ao mesmo tempo, começam a exercitar um tipo de
reflexão ortográfica, quando discutem com os colegas (ou
têm que decidir sozinhos) quais letras vão usar para
notar a pauta sonora da palavra que querem escrever.
6. Concluindo...
• O prazer de aprender pode ser uma chave para
o desenvolvimento da autoconfiança e da
consciência dos lugares sociais que aqueles que
foram excluídos podem e devem ocupar.
• Perder o medo e o sentimento de incapacidade
é o primeiro passo para ousar e intervir na
sociedade de modo mais autônomo.
Download

Aprender com alegria: ludicidade na alfabetização de