AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL Unidade IV 4 GLOBALIZAÇÃO: SEUS IMPACTOS E TENDÊNCIAS 4.1 A globalização e os recursos naturais Um país rico em recursos naturais pode se considerar abençoado ou amaldiçoado? Segundo Stiglitz (2007), no Azerbaijão, por exemplo, ao serem descobertas novas fontes do recurso, houve expressiva valorização territorial; no entanto, os 5 empresários, assim que se esgotaram os poços, deixaram o país semiabandonado, enquanto boa parte da população continuava pobre. A partir do século XXI, no mesmo lugar, houve outro boom, dessa vez devido à construção de novos oleodutos. Em ambas as situações, ficou clara a estratégia dos 10 investidores: aproveitar e sugar os recursos naturais ao máximo, e depois partir. Na Nigéria, a população foi obrigada a defrontar-se com o mesmo tipo de problema. Lá também houve um boom do petróleo, mas, à época, em pleno regime militar, não houve crescimento econômico, apesar do grande volume 15 de exportações: aumentaram apenas as taxas de pobreza e criminalidade. Em Serra Leoa, um conflito interno entre autoridades e rebeldes pela posse de diamantes deixou 75 mil mortos e dois milhões de deslocados. O caso do Chile também é exemplar. Segundo Judensnaider 20 (2007), A economia chilena, ao final do século XIX e início do XX, era de natureza monoextrativista 67 Unidade IV 5 10 15 20 25 e latifundiária, exportando salitre e importando manufaturados; caracterizava-se, portanto, por uma alta vulnerabilidade às oscilações de preço do nitrato no mercado internacional. (...) O oro blanco vindo das minas passou a ser a principal atividade econômica do Chile, após o abandono paulatino da monocultura agrícola. (...) Assim, em 1890, 52% das rendas obtidas em exportação vinham do comércio do salitre, e quase 60% da exploração salitreira estavam nas mãos de estrangeiros, especialmente ingleses. O salitre continuou como sustentáculo da economia chilena até 1929: no mínimo, representaria 45% das rendas com exportação até 1923. De 1924 a 1929 perderia participação na pauta de exportações do Chile, decrescendo continuamente, e alcançando não mais que 23% em 1929. A partir desta data, a economia chilena daria impulso (...) [ao processo] de substituição do salitre pelo cobre, especialmente em função da queda internacional dos preços do nitrato ocasionada pela concorrência da produção, na Alemanha, do amoníaco sintético, similar ao salitre (substituição essa levada a cabo com eficiência já que, durante o período da II Guerra Mundial, o cobre chileno responderia por 18% de todo o metal consumido no conflito). (...) Atualmente, o cobre representa 30% do total de exportações chilenas, e o Chile é responsável por 40% das exportações mundiais do metal. Do salitre ao cobre, da exploração inglesa à exploração americana. Ainda hoje, apesar do crescimento e de ser modelo 30 de aplicação do neoliberalismo, o Chile tem sua economia em grande parte atrelada à exportação de seus recursos naturais e, portanto, significativamente vulnerável às oscilações internacionais de preço. Dos recursos naturais, um dos mais valiosos é o petróleo, 35 essencial para o crescimento capitalista até que se encontre 68 AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL outra fonte alternativa de energia. A figura 1 mostra as maiores reservas mundiais de petróleo. Figura 1: Maiores reservas de petróleo, em bilhões de barris 264,3 Países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) 137,5 115,0 101,5 97,8 80,0 79,5 China Qatar México Argélia Brasil Angola Noruega Azerbaijão 7,0 Canadá 8,5 EUA 9,0 Nigéria 12,2 Cazaquistão 12,3 Líbia 12,9 Rússia 15,2 Venezuela 16,3 Em. Arabes 17,1 Kuait 29,9 Iraque 36,2 Irã 39,8 Arábia Saudita 41,5 Sem considerar as reservas de Tupi 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º 13º 14º 15º 16º 17º 18º 19º 20º Fonte: http://f.i.uol.com.br/folha/dinheiro/images/0810575.gif Estarão esses países destinados à riqueza? A história mostra 5 que nem sempre a mera propriedade de vastas reservas de algum recurso natural tido como essencial é garantia de crescimento ou desenvolvimento. Segundo Stiglitz (2007), os países em desenvolvimento, ricos em recursos naturais, raramente conseguem se ver livres da dependência que acabam mantendo 10 com a atividade de exploração, além de enfrentarem dificuldades com as flutuações de preço no mercado internacional. 69 Unidade IV Há também disputas entre países fronteiriços, especialmente quando uma nação tem reserva de algum recurso valioso e outra não; mais conflito ainda quando as fronteiras foram demarcadas pelas antigas potências coloniais, como se observa 5 no caso do Iraque. Essas disputas, muitas vezes, acabam por motivar movimentos de independência ou conflitos armados para garantir a posse do recurso. A posse de recursos naturais valiosos também gera violência, seja ela na forma de instabilidade política ou sob a forma de 10 corrupção, uma vez que muitos governantes acabam por administrar os recursos como se privados fossem (e o Oriente Médio é pródigo em exemplos desse tipo). “A riqueza gera poder, o poder que possibilita que a classe dominante mantenha essa riqueza” (Stiglitz, 2007, p. 238). Ainda, há conflitos entre o 15 governo e as empresas responsáveis pela exploração dos recursos naturais: são inúmeros os casos em que as multinacionais obrigam o governo a pagar pela exploração das reservas, mesmo que não haja demanda suficiente. Mesmo quando há privatização de empresas estatais (que 20 em momentos anteriores detinham o monopólio da exploração de recursos naturais), podem ocorrer prejuízos para o país possuidor de reservas. 25 Com demasiada frequência, o país perde duas vezes: primeiro, com o contrato injusto ou a privatização, depois com o tumulto político e atenção adversa da comunidade internacional de investimentos, quando é feita uma tentativa de endireitar as coisas (Stiglitz, 2007, p. 247). No caso da Arábia Saudita, por exemplo, o dinheiro 30 conseguido com o petróleo foi gasto em propriedades londrinas e armas, e as chances de se recuperar o dinheiro desperdiçado são pequenas. Outro problema enfrentado pelos países que exploram recursos naturais é a fragilidade econômica decorrente da 70 AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL atividade de extração/exploração: como os preços flutuam no mercado internacional, esses países, além de contarem com menos programas econômicos e sociais de prevenção, tornam-se mais vulneráveis ao não conseguirem arcar com o 5 pagamento de empréstimos contratados no período de alta de preços. Esses efeitos se fazem sentir até mesmo na adoção de políticas cambiais: no caso de valorização cambial, facilitam-se importações e dificultam-se exportações, aumentando déficits públicos e causando desaquecimento da economia em outros 10 setores. Da mesma forma que a posse de recursos naturais não garante o crescimento, a falta deles não significa obstáculo ao desenvolvimento. Alguns países representam exemplos a serem seguidos, como a Noruega, que reconheceu a limitação dos seus 15 recursos naturais, criando um bom fundo de estabilização; a Botsuana, cujo crescimento econômico anual beira o dos Tigres Asiáticos; e a Malásia, que conseguiu entrar no grupo dos países recentemente industrializados. Segundo Stiglitz (2007), há medidas a serem tomadas 20 por parte dos países desenvolvidos que podem minimizar as dificuldades que enfrentam os países em desenvolvimento ricos em recursos naturais. Para o economista, os países desenvolvidos podem aconselhar politicamente, podem servir de modelo, podem dificultar a venda de armas. Também é possível ajudar 25 no estabelecimento de normas e limitar, através de um órgão internacional, os danos ambientais. No entanto, o paradoxo da abundância é inevitável: 30 Há um problema primordial: o bem-estar dos países em desenvolvimento ricos em recursos naturais depende de quanto eles obtêm por esses recursos; o bem-estar das empresas ricas dos países industriais avançados depende do quão pouco elas pagam por eles (Stiglitz, 2007, p. 267). 71 Unidade IV 4.2 O movimento do capital financeiro e o ônus da dívida Segundo Stiglitz (2007), a dívida externa, sem dúvida, é um problema de enorme importância para os países em desenvolvimento: devido ao pagamento dos juros e a outros serviços da dívida, eles se veem obrigados a sacrificar parte 5 substancial da riqueza que poderia ser investida em outros setores, desacelerando o crescimento econômico e privando a população de muitos dos benefícios que lhe deveriam ser garantidos. Dessa forma, enquanto o esperado seria que o dinheiro transitasse dos países ricos aos pobres, o que ocorre é o 10 caminho oposto: o aumento do montante devido por causa das taxas de juros provoca a transferência inversa. Os países devedores ficam sujeitos às flutuações das taxas (tanto de câmbio quanto de juros) e às diminuições de sua receita, riscos que teoricamente deveriam ser tomados pelos 15 mais fortes, que, por sua vez, não avaliam as condições reais do devedor de pagar o que lhe cabe. 20 O desequilíbrio entre o prestamista sofisticado e o receptor menos esclarecido não podia ser mais completo. (...) O país se vê muitas vezes diante de duas escolhas desagradáveis: o calote, que traz consigo o temos do colapso econômico, ou aceitar a ajuda, que traz consigo a perda da soberania econômica (Stiglitz, 2007, p. 336). Segundo Stiglitz (2007), também não existem leis que 25 determinem procedimentos quando da impossibilidade de pagar a dívida. As alternativas encontradas são a reestruturação da dívida (apenas seu adiamento), o perdão dela ou o “calote” (cuja consequência mais séria é a moratória). Em contrapartida, doutrinas que sugeriam que a força militar deveria ser utilizada 30 como forma de pressão para pagamento da dívida já não são mais aceitas pela comunidade internacional (sendo a Doutrina Drago – em homenagem ao ex-ministro exterior da Argentina do século XIX – uma das mais conhecidas). 72 AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL Outro grande problema em relação ao endividamento externo diz respeito à herança que o governo que realiza o empréstimo deixa ao seu sucessor: ao emprestar, o governo tem em mente quão lucrativo o empréstimo pode ser, 5 deixando a cobrança aos seus sucessores. Normalmente, esse tipo de estratégia gera empréstimos acima do necessário e das possibilidades concretas de devolução por parte do país. Quando a dívida assume valores exorbitantes, o FMI empresta dinheiro para o país organizar um fundo e pagar 10 seus outros empréstimos – às vezes até privados – na chamada “operação socorro”, como aconteceu no leste asiático (Stiglitz, 2007). O FMI e o Banco Mundial também são responsáveis pela mensuração do “risco da volatilidade” dos devedores: o valor da dívida aumenta quando o valor da moeda local entra em 15 queda ou quando taxas de juros sobem, o que pode ser causado por crises em outros países, como no caso da Moldávia-Rússia (na ocasião, a última não conseguiu arcar com os serviços de sua dívida, causando desvalorização da moeda e afetando a economia do país vizinho, que se viu impossibilitado também de 20 saldar seus empréstimos). Acontece também de os países ricos, ao verem instabilidade em outros países, exigirem o pagamento imediato de suas dívidas, ao invés de oferecem maiores recursos para empréstimo, visto que é disso que o país então em crise está precisando. Além 25 disso, os empréstimos a curto prazo são os mais incentivados pelos reguladores, pois os bancos podem ter mais controle do pagamento e exigi-lo quando preciso. O caso do mau gerenciamento da dívida externa da Argentina também é exemplar: como outros países da América 30 Latina, contraiu vários empréstimos na década de 1970, quando as taxas de juros eram ótimas (quase negativas). Na década de 1980, para tentar conter a inflação, os EUA elevaram em 20% as taxas de juros, deixando os argentinos incapazes de lidar com seu serviço de dívida. Houve então um perdão inadequado, 73 Unidade IV que parou o país por um tempo, e somente no final da década a Argentina conseguiu perdão efetivo de suas dívidas, voltando a crescer e chegando mesmo a passar por um boom econômico. 5 A explosão no consumo e a eficácia da privatização escondiam indicadores ruins e, em 1998, com a crise financeira mundial, as taxas de juros globais subiram e as importações excederam as exportações, levando o país a recorrer a empréstimos de valores elevados novamente. 10 Em 2002, o país passou pelo auge de sua crise econômica e parou de pagar a dívida, fazendo com que o valor do peso caísse para um terço. Em meio a todas as turbulências, o FMI exigiu que a Argentina pagasse o que devia, mas, depois de muitas negociações e de uma postura muito firme frente às 15 outras exigências da instituição, a Argentina pagou só uma fração (34%) do valor total devido, conseguindo escapar da declaração de inadimplência. Depois disso, sem aderir ao pacote de propostas do FMI, o país voltou a crescer (Stiglitz, 2007). O caso do Brasil é também modelar. Desde a década de 1970, a nossa dívida externa explodiu, basicamente em função de dois fatores: a alta dos preços por causa dos choques do petróleo em 1973 e 1979 e a opção pelo crescimento e pela manutenção de uma política desenvolvimentista. No governo FHC, a estrutura 25 da nossa dívida sofreu uma transformação que acabou por deixar uma herança bastante pesada para o seu sucessor, já que essa mudança atrelou boa parte da dívida no valor do dólar, enquanto outra parte ficava atrelada às taxas de juros. 20 Se pensarmos que para o sucesso do Plano Real foram 30 necessárias a valorização da moeda nacional e a elevação da taxa de juros (ou para conter a atividade econômica ou para atrair a vinda de capital estrangeiro), teremos uma boa medida das dificuldades que até hoje o governo brasileiro enfrenta para saldar e honrar os compromissos da dívida. O quadro 1. mostra 35 a evolução do nosso endividamento externo. 74 AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL Quadro 1: Evolução da dívida externa Evolução da dívida externa Como evoluiu a dívida após a promulgaçãonda Constituição Federal de 1998: Ano Dívida externa total Pagamentos efetuados (Valores em milhões de dólares) (Valores em milhões de dólares) Juros Amortizações 1988 113.511 9.832 17.087 1989 115.506 9.633 14.549 1990 123.439 9.748 8.826 1991 123.910 8.621 7.827 1992 135.949 7.253 8.572 1993 145.726 8.280 9.978 1994 148.295 6.338 50.411 1995 159.256 8.158 11.023 1996 179.935 9.840 14.271 1997 199.998 10.391 28.701 1998 241.777 11.948 33.587 1999 241.056 15.168 51.905 Fonte: http://brasil.indymedia.org/images/2006/12/370020.jpg Segundo Stiglitz (2007), para monitorar a situação dos países endividados, o FMI criou um programa chamado Highly Indebted Poor Countries (HIPC), no qual cabia à instituição reconhecer 5 nações que não seriam capazes de saldar suas dívidas externas. No entanto, os critérios estabelecidos pelo FMI foram rigorosos demais, além de a instituição ter se valido do programa para impor medidas saneadoras aos países devedores. Somente 28 países conseguiram, com muita luta, fazer parte do seleto grupo 10 – sendo que, desses, apenas dezenove conseguiram perdão total das dívidas. Existem também dívidas moralmente duvidosas, como aquelas contraídas por governos não democráticos com o objetivo de manter-se no poder ou com intenções ainda piores, 15 como se viu nos casos da Nigéria, do Iraque e da Etiópia, por exemplo. Segundo Stiglitz (2007), é de extrema importância 75 Unidade IV conceder empréstimos, desde que condicionalmente; quer dizer, desde que os fins sejam lícitos e o emprego deles, destinado ao bem-estar social. As dívidas privadas também representam um grande 5 problema aos países em desenvolvimento, visto que o governo acaba nacionalizando os passivos das companhias privadas em troca do perdão à dívida, usando para isso recursos públicos que a sociedade gostaria que fossem utilizados de outra forma. Ainda, em alguns países, os estados e municípios também 10 contraem dívidas que acabam sendo absorvidas pelo governo federal, por absoluta impossibilidade dos primeiros de honrarem os seus compromissos. No Brasil, esse quadro apenas mudou a partir do programa de estabilização do Plano Real, quando ficou claro que a União não mais absorveria os prejuízos causados 15 pela contratação indiscriminada de empréstimos por parte das unidades da federação. Podemos acompanhar: na figura 2, a evolução das dívidas dos governos federal, estadual e municipal, além das dívidas das estatais; na figura 3, a evolução da dívida pública brasileira. 20 Figura 2: Dívida interna líquida dos governos federal, estadual e municipal e das estatais US$ bilhões 250 Total 200 150 Federal Estados e Municípios Federal 100 50 0 Dez - 82 Dez - 83 Dez - 84 Dez - 85 Dez - 86 Dez - 87 Dez - 88 Dez - 89 Dez - 90 Dez - 91 Dez - 92 Dez - 93 Dez - 94 Dez - 95 Dez - 96 Dez - 97 -50 Fonte: http://www.ecen.com/content/eee6/divpub2.htm 76 AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL Figura 3: Dívida pública brasileira 300 Total pública 250 200 150 100 50 Interna Líquida externa Bruta externa Reservas Dez - 82 Dez - 83 Dez - 84 Dez - 85 Dez - 86 Dez - 87 Dez - 88 Dez - 89 Dez - 90 Dez - 91 Dez - 92 Dez - 93 Dez - 94 Dez - 95 Dez - 96 Dez - 97 0 Fonte: http://www.ecen.com/content/eee6/divipub2.htm 4.3 O sistema global de reservas Algo de profundamente errado acontece com o sistema financeiro mundial: 5 O dinheiro escorre na direção errada, indo dos pobres para os ricos. O país mais rico do mundo, os Estados Unidos, não consegue viver com seus próprios meios e toma emprestado 2 bilhões de dólares por dia de países mais pobres (Stiglitz, 2007, p. 380). Os empréstimos citados por Stiglitz (2007) e com os quais 10 os Estados Unidos se mantêm vêm da compra de títulos feita pelos países em desenvolvimento que os transferem para seus sistemas de reserva. A alta liquidez dos títulos (bom para quando o país precisar de dinheiro vivo) é atraente o suficiente para fazer com que os países acreditem que 15 vale a pena a baixa renda de juros. Além disso, o dinheiro em reserva (a maioria em dólares) permite administrar a taxa cambial com mais folga e, ainda por cima, administrar os riscos aos quais estão expostas as economias locais: a quantia a ser reservada, geralmente, representa alguns meses 20 de importação para cobrir momentos de necessidade pelos quais os países podem vir a passar. 77 Unidade IV As quantias guardadas em reservas vêm aumentando significativamente, provavelmente porque muitos países perceberam a instabilidade da economia mundial quando tiveram que lidar com a crise do leste asiático de 97, e passaram 5 a perceber as reservas como alternativa aos empréstimos do FMI. O problema maior está na rentabilidade das reservas, em torno de 1 a 2%; se investidas em outros projetos, a renda alcançaria de 10 a 15%. A diferença entre o que poderia ser 10 ganho e o que é de fato ganho é chamado, pelos economistas, de “custos de oportunidade”. Também ocorre a transferência do setor público do país em desenvolvimento para o privado. As dívidas contraídas pelas empresas privadas acabam se tornando passivos de 15 responsabilidade do governo, o que compromete os orçamentos públicos e impede investimentos em obras de infraestrutura e de interesse social. Para Stiglitz (2007), o dinheiro utilizado para comprar os títulos que constituirão a reserva poderia ser utilizado para 20 estimular a economia global, gerando empregos ou contribuindo na demanda de bens e serviços (demanda agregada global). 25 30 78 Para perceber a magnitude do problema, observemos que as economias mundiais guardam mais de 4,5 trilhões de dólares de reservas, que aumentam a uma taxa de cerca de 17% ao ano. Em outras palavras, a cada ano, em torno de 750 bilhões de dólares de poder de compra são removidos da economia mundial, um dinheiro que é efetivamente enterrado (Stiglitz, 2007, p. 397). Os Estados Unidos, por sua vez, não se importam com os déficits que vêm acumulando, desde que sua economia continue crescendo – ainda mais quando o dinheiro é emprestado a juros AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL baixos. E como se dá o processo, especialmente em relação aos déficits fiscais e comerciais? Conforme Stiglitz (2007), o país da moeda reserva vende sua moeda ou títulos do Tesouro para outros países, uma vez 5 que não consegue arcar com os gastos públicos – as pessoas investem mais do que poupam – e importa mais do que exporta. O dinheiro que toma emprestado serve para equilibrar a balança, mas, quando o déficit fiscal aumenta (com o aumento dos empréstimos públicos), geralmente o déficit comercial 10 também o faz (a não ser que a poupança privada aumente ou os investimentos privados diminuam). Além do mais, a exportação de títulos não gera empregos, como faz a exportação de qualquer outro bem ou serviço. É claro que os Estados Unidos podem devolver o que 15 devem. 20 Mas, como o crescente endividamento, há um risco também crescente de uma redução do valor real da dívida pela inflação. Até mesmo um leve aumento na taxa de inflação pode ter grandes efeitos na depreciação do valor real da dívida (Stiglitz, 2007, p. 391). A confiança no dólar ficou abalada com a percepção do mercado em relação à crescente dívida dos Estados Unidos e, ultimamente, alguns bancos centrais vêm compondo suas 25 reservas com outras moedas, como anunciou a China em 2005. De acordo com Stiglitz (2007), outro fator importante na gestão financeira é a diversificação. Para não deixar seu dinheiro de reserva sujeito às variações de uma só moeda, o melhor que o país tem a fazer é comprar em moedas diferentes (como, por 30 exemplo, o euro, embora a Europa não pretenda ser a referência da moeda reserva, porque isso faria com que a moeda ficasse muito cara e dificultasse as exportações). 79 Unidade IV 4.4 Democratizando a globalização Vimos, ao longo de todo o texto, as origens, dinâmicas e consequências da globalização, modelo integrador mas injusto, e que vem provocando desigualdades, tanto entre países como dentro das próprias economias nacionais. O século XX “(...) foi o 5 século dos paradoxos. (...) Mas a desigualdade não diminuiu. Ao contrário, mantém-se e há, inclusive, indicadores de que tenha aumentado nas últimas décadas” (Paiva, 2002a, p. 2). O modelo globalizador é alvo de críticas: países centrais ou periféricos, políticos, acadêmicos, representantes de importantes 10 segmentos da sociedade, todos são unânimes em apontar os problemas de um processo que só vem criando desigualdade e injustiça. Segundo Stiglitz (2007, p. 411), 15 20 Supunha-se que a globalização traria benefícios sem precedentes para todos. Contudo, curiosamente, ela passou a ser vilipendiada tanto no mundo em desenvolvimento como no desenvolvido. Os Estados Unidos e a Europa veem a ameaça da terceirização; os países em desenvolvimentos veem os países industriais avançados inclinando o regime mundial contra eles. Os dois lados veem os interesses das grandes empresas serem promovidos à custa de outros valores. Não apenas os países ricos ficaram mais ricos e os países pobres ficaram mais pobres. Dentro de cada nação, os que 25 eram ricos continuaram ricos e concentrando a maior parte da riqueza; em contrapartida, os pobres continuaram excluídos e, na verdade, dada a face tecnológica e inovadora da revolução globalizadora, a exclusão tornou-se maior ainda. Em resumo, podemos dizer que as possibilidades de mudança tornaram-se mais improváveis, e a mobilidade social, mais 30 complexa. Sachs (1994, p. 9) já anunciava que, “De acordo com 80 AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL as estimativas do UNDP, entre 1975 e o ano 2000, a produção global da economia no mundo mais que (...) [duplicaria], enquanto que o total de empregos (...) [aumentaria] em menos de 50%”. Portanto, não se trata apenas de estabelecer regras justas nas 5 relações entre países, mas de defender modelos econômicos que permitam a geração de empregos e a adoção de políticas sociais agressivas que possam fazer contrapartida aos efeitos maléficos do receituário neoliberal. Qualquer política econômica deve, assim, partir do princípio de que desenvolvimento requer, acima 10 de tudo, bem-estar social. O Brasil não escapou dos efeitos da globalização, tanto positivos quanto negativos. Desde o governo Collor, as políticas nacionais vêm se pautando pela abertura comercial e pela adoção das políticas preconizadas pelo capital internacional. 15 Assim, se por um lado o país percebeu um incremento significativo no aumento quantitativo da produção e na posse de bens tecnológicos, aumentou também, e de forma inequívoca, a desigualdade social. A figura 4 mostra as transformações da Curva de Lorenz, da década de 60 até os anos 90. Lembre-se: 20 A Curva de Lorenz é a curva que se forma pela união dos pontos bidimensionais onde em um eixo (eixo y) temos a proporção acumulada da renda apropriada e no outro (eixo x) a proporção acumulada da população. Quando a distribuição é perfeita, a Curva de Lorenz assume a forma de uma reta de 45º. Nesse caso, a proporção da renda apropriada é sempre igual à proporção acumulada da população: 10% da população ganham 10% da renda, 20% da população ganham 20% da renda, etc. (segundo nota técnica nº 14 do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará – IPECE)1. 25 30 Disponível em http://www.ipce.ce.gov.br/publicacoes/notas_tecnicas/ NT_14.pdf 1 81 Unidade IV Figura 4: Evolução do bem-estar, pobreza e desigualdade no Brasil Curva de Lorenz 100 90 80 70 60 50 1960 40 1970 30 20 10 0 1980 1990 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Fontes: Construído com base nos dados dos Censos Demográficos de 1960, 1970,1980 e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 1990. Obs.: a distribuição utilizada é a da população economicamente ativa segundo a renda individual. Disponível em: http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/ view/789/729 Mais: não apenas a renda vem se distribuindo de forma mais injusta, como a participação do trabalho na composição do PIB 5 vem decrescendo, ano a ano. Quadro 2: Composição do PIB no Brasil no período 1990-2004 82 Anos Excedente operacional bruto Impostos sobre produção e importação Rendimento do trabalho (Empreg. + Aut.) Total 1990 32,6 15,1 52,3 100 1991 38,5 12,9 48,7 100 1992 38,0 12,2 49,8 100 1993 35,4 13,2 51,4 100 1994 38,4 15,8 45,8 100 1995 40,3 15,6 44,2 100 1996 41,0 14,8 44,2 100 1997 42,8 14,2 43,0 100 1998 41,6 14,0 44,5 100 1999 40,5 15,6 43,8 100 2000 40,6 16,2 43,2 100 2001 40,9 17,0 42,1 100 2002 41,9 17,4 40,7 100 2003 43,0 16,9 40,1 100 Fonte:http://www.scielo.br/img/revistas/pci/v13n1/a06tab01.gif AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL Segundo Sachs (1994, p. 8), 5 Os três grupos de países — do Sul, do Leste e do Norte, em resumo — vivem hoje, sob formas e intensidades diferentes, o problema do desemprego estrutural e do subemprego, bem como o consequente fenômeno de marginalização social, exclusão e segregação. Além disso, esses países têm pago um alto preço ambiental por seu inédito crescimento econômico na segunda metade deste século. 10 Pensar na democratização da globalização requer, portanto, que sejam repensadas as estratégias de crescimento e desenvolvimento, e não somente no que diz respeito à geração do presente, mas, especialmente, das gerações futuras. Os críticos da globalização resumem a questão da seguinte forma: 15 é necessário, mais do que nunca, rever as políticas preconizadas pelo Consenso de Washington. Segundo Sachs (1994, p. 9), 20 25 30 Qual será, neste contexto, o efeito de uma abertura indiscriminada das economias, prescrita igualmente ao Sul e ao Leste, pelo chamado consenso de Washington? Que critérios devem ser usados para distinguir a competitividade genuína da espúria? Enquanto até países industrializados mais avançados acham difícil manter a atual velocidade de mudança tecnológica, de que forma evitar que a destrutividade criativa, postulada por Schumpeter, se transforme em destrutividade tout court? Que lugar deveria ser reservado, nas estratégias de desenvolvimento, para a abertura do mercado interno e para os não comercializáveis? As sugestões para um desenvolvimento que incorpore ética envolvem, portanto: a) políticas de sustentabilidade, que considerem premente a necessidade de um uso mais racional dos recursos naturais; 83 Unidade IV b) fortalecimento das instituições e órgãos internacionais responsáveis pela vigilância da paz e da justiça; 5 c) inclusão social e tecnológica das nações menos favorecidas e, dentro de todas as nações, inclusão social e tecnológica dos grupos sociais marginalizados; d) a proteção às políticas sociais, colocando sua existência como condição na concessão de empréstimos e financiamentos para nações em desenvolvimento; 10 e) apoio aos pequenos e médios negócios, em todos os países; f) apoio às técnicas de uso intensivo de mão de obra, especialmente nos projetos financiados com recursos internacionais. Democratizar a globalização significa desenvolvimento 15 sustentável com justiça social. Segundo Paiva (2002, p. 5), 20 25 30 84 Um dos principais desafios nos nossos dias é o de encontrar o caminho do desenvolvimento econômico sustentável que simultaneamente resulte em ganhos de produtividade, de renda per capita e de justiça social. Se para crescer a economia tem que buscar cada vez maior eficiência e buscar a melhor alocação dos recursos escassos, isto não pode resultar em exclusão de segmentos crescentes da população. Da mesma maneira, o desenvolvimento deve ser sustentável na sua dimensão temporal, vale dizer, manter-se ao longo dos anos sem comprometer os recursos que deveriam estar disponíveis às gerações futuras. Assim, os desafios da busca da equidade tem duas dimensões: sua relação com a eficiência e sua relação com o meio ambiente e com o equilíbrio fiscal permanente. AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL Para que isso aconteça, é necessário, portanto, que os empréstimos feitos a nações em desenvolvimento não funcionem como verdadeiras camisas-de-força, o que significa dizer que os países não devem abrir mão de seus projetos nacionais de 5 desenvolvimento para pagar os serviços das dívidas externas. Pelo contrário, para Sachs (1994, p. 18), “o financiamento da dívida, dentro de limites razoáveis, deveria ser condicionado ao incentivo do trabalho gerido por métodos altamente intensivos de mão de obra, uma vez que a reserva de bens salariais é elástica”. 10 15 20 25 30 Da mesma forma, governos não devem ser obrigados a declinar das políticas sociais, como se essas fossem possíveis apenas para os países ricos. O mesmo autor acrescenta: Ao invés de tratar os Welfare States como um luxo acessível apenas aos países ricos, os países em desenvolvimento poderiam inverter a sequência histórica seguida pelos industrializados. Naqueles países onde grassam a pobreza, a exclusão e o desemprego, o Welfare State é necessidade imediata (Sachs, 1994, p. 18). Democratizar a globalização significa criar instituições internacionais eficazes e imparciais. Segundo Stiglitz (2007, p. 421), Os repetidos fracassos do FMI na gestão de crises da década passada foram o coup de grace, após anos de insatisfação com seus programas na África e em outros lugares, inclusiva a austeridade abusiva que impôs a essas nações. O fracasso dos países que seguiram as diretrizes ideológicas do Consenso de Washington propostas pelo FMI e o Banco Mundial e o contraste com o sucesso em andamento dos países do Leste Asiático (...) não ajudaram a restaurar a confiança nessas instituições. 85 Unidade IV Democratizar a globalização significa diminuir o déficit democrático na gestão das questões econômicas mundiais. Se nosso texto se iniciou com uma imagem, a das bandeiras dos muitos países sendo corroídas por formigas, nós o encerramos 5 com outra imagem: não apenas o Fórum Social Mundial ocorrendo simultaneamente ao Fórum Econômico de Davos, mas os dois fóruns trabalhando em conjunto, o que não pode estar separado no tempo, no espaço e na história da humanidade Figura 57: Davos e Belém, 2009 10 Segundo Stiglitz (2007, p. 441), As coisas não devem ser assim. Podemos fazer a globalização funcionar, não apenas para os ricos e poderosos, mas para todos, inclusive aqueles que vivem nos países mais pobres. A tarefa será longa e árdua. Já esperamos demais. O momento de começar é agora. 15 Montagem feita a partir de imagens das seguintes fontes: http://www.galizacig.com/avantar/opinion/30-1-2009/forumsocial-mundial-o-ano-do-futuro; http://www.outubrovermelho. com.br/2009/02/02/direto-do-forum-social-mundial-2009/; http:// www.rfi.fr/actufr/articles/109/article_77887.asp; http://www.flickr. com/photos/worldeconomicforum/374705913/. 5 86 AMBIENTE ECONÔMICO GLOBAL Em outras palavras, como escreveu Thiago de Mello (1978) em Para os que virão: 5 10 É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. Se trata de ir ao encontro. (Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros) Se trata de abrir o rumo. Referências bibliográficas BARBOSA, Alexandre de Freitas. O mundo globalizado: política, sociedade e economia. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (ipece). 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