XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 nov. 2012
Da enxada ao cajado, às engrenagens e aos chips: a
sobrevivência do "coronelismo"1
Paulo Emílio Matos Martins
As Raízes do Autoritarismo no Brasil
A Bertrand Russel (1938) devemos a ideia de que “a energia é a categoria central da Física, assim como
o poder é a categoria central das Ciências Sociais”. A literatura sobre Administração, entretanto,
frequentemente parece ignorar o caráter eminentemente social do seu objeto de estudo: o “espaçodinâmica organizacional”2, o que significa dizer, olvidar a natureza política, histórica e simbólica do
fenômeno sobre o qual se debruça influenciada pelo sucesso dos trabalhos de seus autores pioneiros,
como Taylor (1911), Emerson (1912) e tantos outros, que focalizaram, principalmente, as dimensões
física, material e processual desse objeto para, somente décadas após, se voltarem para suas dimensões
humana e política e, só muito recentemente, para sua dimensão simbólica. Destarte ser, ainda, muito
comum no meio acadêmico o questionamento à cientificidade das epistemologias e metodologias não
funcionalistas e não positivistas de interpretação da ação administrativa.
Neste ensaio, focado na perspectiva histórica e simbólica da dimensão política da gestão, reflito sobre a
pertinência do emprego do referente “coronelismo” (LEAL, 1997; 1ª ed. 1947) como forma autoritária
e muito viva de manifestação de poder/autoridade no “espaço-dinâmica organizacional” brasileiro
contemporâneo. A questão que pretendo aqui responder é: seria o “coronelismo”, hoje, uma
representação anacrônica de poder nesse lócus?
Como tese sustento que o “coronelismo de enxada” [forma rural de autoritarismo estudada por Leal
(1997)] está praticamente esgotado no Brasil, enquanto que o mandonismo, traço central desse
fenômeno,permanece resignificado sob diferente formas na cultura política brasileira, tais como as dos:
“coronelismo empresarial” (VASCONCELLOS, 1995b); “coronelismo eletrônico” (STADNIK, 1991;
SANTOS e CAPPARELLI, 2005; LIMA, 2005; GARCIA, 2006; SANTOS, 2006, 2007; LIMA e
LOPES, 2007); e “coronelismo de cajado” (ZANI, BENHKEN e MARTINS, 2008), além de outras
aqui não estudadas.
A partir de uma análise histórico-semiológica dessas formas de significação histórica do referente
“coronel(ismo)” no imaginário coletivo nacional investigo a possibilidade de: (1) cometer-se
anacronismo ao empregarmos a representação genérica “coronel(ismo)” para designar as
representações contemporâneas de manifestação autoritária de poder em nossa sociedade ou; (2)
depararmo-nos, simplesmente, com resignificações desse referente de poder, em diferentes contextos,
preservados, entretanto, os seus traços semiológicos originais.
Dessa reflexão resulta a ideia de que o referente linguístico “coronel(ismo)”, ainda que cunhado para
representar o autoritarismo característico da República Velha brasileira (1889 – 1930), sobrevive no
“espaço–dinâmica organizacional” nacional (público e privado), adaptando-se às novas configurações
sociais, econômicas, demográficas, culturais, políticas e tecnológicas de nossa história.
1 Este trabalho relata a investigação realizada pelos pesquisadores: Paulo Emílio Matos Martins, Felipe Barbosa Zani,
Leandro Souza Moura, Luiz Mário Behnken e Takeyoshi Imasato, do “Programa de Estudos de Administração Brasileira
(ABRAS)”, no âmbito do projeto “O Pensamento Social Brasileiro no Ensino e na Pesquisa em Administração Pública”,
financiado pelo PROAD/CAPES.
2 Ver o conceito de “espaço-dinâmica organizacional” em: Martins (2011).
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Após esta introdução analisarei o “coronelismo de enxada”, conforme a proposição clássica de Victor
Nunes Leal (1997). Na seção seguinte tratarei do “coronelismo empresarial”, proposto por
Vasconcellos (1995b), para em seguida analisar o “coronelismo eletrônico” (STADNIK, 1991;
SANTOS e CAPPARELLI, 2005; LIMA, 2005; GARCIA, 2006; SANTOS, 2006, 2007; LIMA e
LOPES, 2007) e, finalmente, o “coronelismo de cajado” (ZANI, BENHKEN e MARTINS, 2008).
Concluindo, discuto a hipótese de resignificação desse referente linguístico, como forma histórica e não
datada de poder no “espaço-dinâmica organizacional” brasileiro, com base em uma análise semiológica
desse fenômeno a partir do modelo do “Tetraedro Semiológico das Organizações” (MARTINS, 1999a).
O “Coronelismo de Enxada”
Entre os clássicos da literatura interpretativa do Brasil “Coronelismo, Enxada e Voto (O Município e o
Regime Representativo no Brasil)”, de Victor Nunes Leal (1949), destaca-se ao estudar o fenômeno de
poder autoritário conhecido nacionalmente como “coronelismo”3. Seu autor caracteriza essa forma
arbitrária de manifestação política como uma troca de proveitos entre o poder público, cada vez mais
fortalecido, e o poder privado dos chefes locais em decadente influência, sobretudo o dos senhores de
terra do Brasil rural da transição do final do século XIX e início do XX. Segundo aquele autor é
impossível compreender esse fenômeno sem referência à estrutura agrária do país, pois, na sua visão, é
essa estrutura que fornece a base de sustentação das manifestações de poder privado, ainda visíveis no
interior do Brasil. O trabalhador rural, sem educação, analfabeto ou semianalfabeto, sem assistência
médica e informação, quase sempre, tem o patrão na conta de um benfeitor, sendo, portanto, ilusório
esperar-se que esse homem tenha consciência de seus direitos como cidadão, que lute por uma vida
melhor e que tenha independência política. Leal associa o “coronelismo” à estrutura agrária brasileira
que, obviamente, sofreu alterações significativas desde a publicação de seu trabalho, originalmente
apresentado como tese acadêmica à Universidade do Brasil em 1947, posteriormente publicado em
forma de livro.
Por outro lado, a análise dessa obra evidencia que seu autor relaciona a forma “coronelista” de
manifestação de poder/autoridade arbitrário, típica do “espaço-dinâmica organizacional” brasileiro do
período da República Velha, com algumas condições que, embora se originem na estrutura agrária
daquela época, são ainda uma realidade nos dias de hoje, tais como: concentração de renda, baixo
índice de alfabetização e de escolaridade dos segmentos mais pobres da sociedade, ausência de
consciência política, ineficácia do sistema judicial e de cidadania etc.
Um traço marcante da significação que Leal dá ao “coronelismo” é o paternalismo. Favores como, por
exemplo, emprego público aos aliados, sonegação de direitos aos adversários resvalando para a
ilegalidade, contribuem para organizar a administração municipal sob o poder do “coronel”.
Ainda de acordo com esse autor, outro componente que contribui para preservar a ascendência do
poder dos “coronéis” é o que Leal chama de “rarefação do poder público”, que fornece a esses chefes
locais condições de exercer extraoficialmente um grande número de funções do Estado em relação aos
seus dependentes.
Outro aspecto, também importante, que Leal usa para definir o “coronelismo” é o seu sistema de
reciprocidade, ou seja, os chefes municipais e os “coronéis” conduzem os eleitores para votar no
partido da situação política dominante no Estado e os primeiros os retribuem dispondo do erário, dos
empregos, dos favores e da força policial local.
3 Os “coronéis” detinham, em geral, a patente de coronel da Guarda Nacional.
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Como defesa da eficácia desta prática, Victor Nunes Leal destaca: “aquele que pode fazer o bem se
torna mais poderoso quando está em condições de fazer o mal”. Assim, para esse autor, o apoio do
Estado ao chefe do Município, seja por ação ou por omissão, é importantíssimo. Por esse motivo, a
nomeação dos delegado e subdelegado de polícia adquire suma relevância no acordo entre o Estado e o
chefe político local que possui, assim, um grande trunfo quando tem sob suas ordens a polícia do
Estado.
Complementarmente, Leal observa que nem todo “coronel” é aliado do oficialismo estadual. Mas, a
situação de oposicionista no âmbito do Município é tão desconfortável que só fica na oposição quem
não pode ficar no governo, pois o maior mal que pode acontecer ao chefe local é ter o governo do
Estado como adversário. Em suma, a essência do “coronelismo” para o autor de “Coronelismo, Enxada
e Voto” pode ser assim resumida: os chefes locais dão incondicional apoio aos candidatos do
oficialismo nas eleições municipais, estaduais e federais e, em troca, recebem carta branca da situação
em todos os assuntos relativos ao Município. Os cofres e os serviços municipais se tornam
instrumentos eficazes de formação da maioria desejada pelos governos nas eleições estaduais e
federais. Por esse motivo, os governos estaduais fazem vista grossa ao esbanjamento e à corrupção na
administração dos municípios, já que tais práticas correm por conta e risco dos chefes locais, não
cabendo aos governos estaduais qualquer responsabilidade.
Paradoxalmente, Leal assevera que o “coronelismo” é muito menos produto da importância e do vigor
dos senhores de terra do que de sua decadência. Os fazendeiros só apresentam força em contraste com a
grande massa que vive mesquinhamente sob seu domínio. O fenômeno de poder/autoridade do
“coronel” se assenta, portanto, em duas fraquezas que reciprocamente readquirem força: (1) a dos
donos de terra, que recuperam prestígio e poder com o custo da submissão política ao partido
dominante; e (2) a daqueles que vivem do trabalho na terra, ao submeterem-se às alianças políticas do
“coronel”. Nesse aspecto, os “coronéis” diferem daqueles poderosos e rebeldes senhores do período
colonial que, baseados na força de um sistema escravista e patriarcal, então no seu apogeu, eram o
governo e a Lei em seus domínios.
Apesar do “coronelismo” gerar consequências nacionais, ele atua no restrito cenário do governo local;
habita nos municípios rurais ou predominantemente rurais. Nele, o isolamento é fator importante nas
suas formação e manutenção, que pressupõem decadência do poder privado e funciona como processo
de conservação de seu conteúdo residual. É, portanto, um sistema político dominado por uma relação
de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido. Esta decadência do
poder privado é imprescindível para a compreensão do “coronelismo” porque, na medida em que
diminui a influência natural dos donos da terra, mais necessário se torna o apoio ao oficialismo para
garantir o predomínio estável de uma corrente política local.
Leal (1997) defende que o aperfeiçoamento do processo eleitoral contribui para abalar essa práxis. No
entanto, a ampliação do alistamento eleitoral opera no sentido inverso, pois aumenta as despesas de
promoção dos pleitos. Concomitantemente, a economia brasileira, a partir de 1930, já não era mais
essencialmente rural, já que a produção industrial rivalizava com a agrícola. A crise do café reduziu o
poder econômico dos fazendeiros em relação aos industriais, banqueiros e comerciantes. Ao mesmo
tempo, houve o crescimento da população das cidades e, também, de seu eleitorado, e a expansão dos
meios de comunicação e transportes, aumentando o contato entre as populações rurais e urbanas, com
reflexos na política. Tudo isso, segundo Leal (1997), contribuiu para corroer a estrutura econômica e
social do “coronelismo” (de enxada). A previsão daquele autor é de que a decomposição completa
desse fenômeno só ocorrerá com uma alteração fundamental em nossa estrutura agrária, sendo sua
desagregação um processo lento, ocasionado por diversos fatores, tais como: o esgotamento dos solos;
as variações dos preços das commodities no mercado internacional; o crescimento das cidades; a
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expansão das indústrias; as garantias legais dos trabalhadores urbanos; a mobilidade de mão-de-obra; e
o desenvolvimento dos transportes e das comunicações.
Ainda segundo Leal (1997), as consequências do “coronelismo” são: (1) a estagnação do mercado
interno, pois a vida encarece e a população rural não consegue consumir; (2) a sufocação da indústria
que, por não dispor de mercado, não prospera, não eleva seus padrões e se agarra à proteção oficial e;
(3) a irremediável degradação da agricultura, pela incapacidade de se estabilizar em alto nível dentro do
velho arcabouço.
Já na época de publicação de seu livro, o teórico do “coronelismo de enxada” constatara que a pobreza
do povo, especialmente da população rural, e o consequente atraso cívico e intelectual, constituem
sérios obstáculos às intenções de democratização da vida pública nacional e de elevação do nível
político do Brasil.
O “Coronelismo Empresarial”: Da Moenda de Cana de Açúcar às Engrenagens da Indústria
A ideia de que o “coronelismo de enxada” assumiria nas organizações brasileiras a forma resignificada
de “coronelismo empresarial” é uma proposição de João Gualberto Moreira Vasconcellos (1995b),
autor da tese de doutoramento apresentada à Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris e
publicada posteriormente em língua portuguesa, pela Universidade Federal do Espírito Santo, com o
título “A Invenção do Coronel: Ensaio sobre as Raízes do Imaginário Político Brasileiro” (1995a), e de
um breve ensaio: “O Coronelismo nas Organizações: A Gênese da Gerência Autoritária Brasileira”
(1995b).
Para Vasconcellos (1995b: 239): “o processo de industrialização no Brasil iniciou-se [...] com os
primeiros engenhos [de cana de açúcar]. As raízes do trabalho coletivo aqui [no Brasil], ao contrário do
que se deu na Europa, estão confundidos com a escravidão. É assim que o Coronel começa a entrar na
indústria. Porque ele era o grande proprietário dos engenhos, e porque sua lógica de ação estava
também presente no mundo do trabalho”.
Ainda nessa mesma obra seu autor (VASCONCELLOS, 1995b: 239) destaca:
Enquanto processava-se a Revolução Industrial nos países europeus, enquanto constituía-se a classe
operária como ator social capaz de dialogar - mesmo que com base na força – com os proprietários dos
meios de produção, no Brasil desenvolvia-se um processo de produção industrial com base no trabalho
escravo. A particularidade deste processo, em termos de administração, é que o escravo não é sequer
considerado um ser humano. Enquanto um homem livre negociava com um patrão inglês, por exemplo,
e este começava a pensar em uma forma de aumentar a produtividade através de políticas gerenciais
racionalmente definidas, como a especialização nos postos de trabalho, concebida por Adam Smith, a
prática gerencial brasileira era o chicote para o escravo.
Em defesa de sua tese do “coronelismo empresarial” Vasconcellos (1995b: 240) argumenta que os
traços do personagem central, o patriarca da casa grande e do engenho de açúcar de nossas
organizações econômicas pioneiras, passaram para o gestor das empresas industriais brasileiras
contemporâneas, desde o início do nosso processo de industrialização, e, mais tarde, para as empresas
privadas e organizações ligadas ao Estado, as quais convivem desde o início com a mesma lógica
gerencial daquelas pioneiras organizações da produção açucareira colonial, isto é: autoritarismo,
nepotismo, clientelismo, favoritismo, ausência de critérios internos nas organizações, bem como os
privilégios para sua inserção no mercado, concedidos pelo setor público, para os empresários amigos e
aliados políticos.
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Finalizando o seu trabalho Vasconcellos (1995b: 241) adverte que, mesmo o paradigma da grande
empresa norte-americana, transplantado para o Brasil no início do século passado, como o da
modernização neoliberal dos nossos dias: “coladas artificialmente à nossa realidade”, sucumbem aos
valores mais profundos da realidade histórica nacionalsem interagir com os mesmos, resultando na
fatalidade de existência de “algumas ilhas de racionalidade convivendo com os princípios herdados do
coronelismo clássico”.
O “Coronelismo Eletrônico”: Chips, as Novas Engrenagens do Poder
De acordo com Santos (2007), “coronelismo eletrônico” é o sistema organizacional da recente estrutura
brasileira de comunicações que se baseia no compromisso recíproco entre poder nacional e poder local,
configurando uma rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais,
proprietários de meios de comunicação.
Para Garcia (2006), esse novo tipo de “coronelismo” vem imperando em nosso país, com os grandes
proprietários de empresas de comunicação apoiando candidatos específicos e divulgando
ostensivamente sua candidatura dentro de seus veículos de comunicação. Com esse apoio, tais
proprietários obtêm favoritismo em relação à concessão de canais televisivos e/ou de rádio e
preferência em momentos de inserção de anúncios pagos. Lima e Lopes (2007) afirmam que emissoras
de rádio e televisão são, em boa parte, mantidas pela publicidade oficial e estão articuladas com as
redes nacionais dominantes, originando um tipo de poder não mais coercitivo, mas criador de
consensos políticos que, embora não garantam, facilitam a eleição ou a reeleição de representantes em
nível federal - deputados e senadores -, os quais, por sua vez, permitem circularmente a permanência
do “coronelismo” como sistema. Esses autores também defendem que, no “coronelismo eletrônico”,
como no velho “coronelismo”, a moeda de troca continua sendo o voto, só que não mais baseado na
posse da terra, mas sim no controle da informação e na consequente capacidade de influir na formação
da opinião pública.
Garcia (2006) afirma, ainda, estar o traço de mandonismo, também, presente no “coronelismo
eletrônico”, porém de forma totalmente diferente. Tal domínio, segundo esse autor, é manifesto sobre
as ideias e é exercido, muitas vezes, em forma de sedução, sem, no entanto, deixar de ser arbitrário e
impositivo, uma vez que se utiliza da persuasão até conseguir atingir o domínio das massas, mesmo que
parcialmente. Esse mesmo autor também destaca outros traços de identificação entre as formas de
“coronelismo de enxada” e o “eletrônico”: (1) o filhotismo ou apadrinhamento, exercido por meio de
tráfico de influência praticado por ambas essas formas de “coronelismo”; e (2) os personagens autônomo, colono e rendeiro, do “coronelismo tradicional”, trabalhadores em regime de parceria com
os “coronéis” e que compõem um grupo bem maior do que os pequenos proprietários de terra - são, de
certa forma, encontrados revividos no cenário do “coronelismo eletrônico” na figura das produtoras
independentes que produzem programas para as grandes e médias emissoras de TV, e que também
compram horários televisivos para a veiculação de seus programas. Tais empresas, sem dúvida,
representam um grupo maior do que o de pequenos empresários na área televisiva.
Segundo Lima (2005), o cruzamento da relação dos deputados que votaram em pelo menos uma das
reuniões da “Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI)” da Câmara
Federal em 2003 e 2004 com a relação de sócios e diretores das novas outorgas e renovações
aprovadas, foi possível constatar que aqueles que, além de legisladores, eram, também, sócios ou
proprietários de emissoras de rádio, participaram e votaram favoravelmente em reuniões de apreciação
de concessões de suas próprias emissoras.
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Para o referido autor, uma das consequências dessa prática é a perpetuação do velho “coronelismo” na
política brasileira, agora travestido de “coronelismo eletrônico”.
Lima e Lopes (2007) asseveram que, a partir das últimas décadas do século passado, surgiram na
imprensa escrita reportagens investigativas sobre o “coronelismo eletrônico”, sendo que ao longo dessa
década, veículos como o “Jornal do Brasil”, a “Folha de S. Paulo”, o “Correio Brasiliense” e as revistas
“Veja” e “Isto É/Senhor” trataram do assunto.
Nos dias atuais, além dos veículos já mencionados, os periódicos “Imprensa” e “Carta Capital” têm
publicado matérias sobre o tema. Aqueles autores citam como trabalho acadêmico pioneiro sobre o
tema a monografia de conclusão do curso de jornalismo na PUC do Rio Grande do Sul de Célia Stadnik
(1991). Em sequência, outros textos têm sido publicados sobre o assunto, como os de Santos e
Capparelli (2005), Santos (2006, 2007), Lima (2005) entre outros.
De acordo com Lima e Lopes (2007), em 1991, foi criado o “Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação (FNDC)” que, desde então, tem acompanhado com frequência esse fenômeno. Esses
mesmos autores citam, ainda, três sites da Internet que abordam o assunto: “Observatório da
Imprensa”, “Repórter Social” e “Congresso em Foco”.
Também Garcia (2006) afirma que a expressão “coronelismo eletrônico” vem sendo usada há tempos
para denominar o fenômeno político que se desenvolve no cenário da comunicação nacional, com os
donos de emissoras de TV e os políticos, seus representantes, ou seus cabos eleitorais, utilizando a
emissora para promoção de suas imagens e candidaturas. Como resultado, os serviços de comunicação
oferecidos pelas empresas dos “coronéis” são pobres, não têm condições de competitividade em termos
de qualidade de conteúdo ou de distribuição eficaz. Essa precariedade econômica, segundo a autora, é
herdada do “coronelismo” de Leal. 2005.
Santos (2007) também concorda com a inexpressividade econômica do “coronelismo eletrônico”, face
ao crescimento das elites comerciais e industriais, fato este que impeliu o “coronel” à valorização de
seu poder político também nessa manifestação desse fenômeno. Segundo essa autora, as empresas de
comunicação controladas pelos “coronéis” não atendem à lógica usual do mercado. Os veículos de
comunicação sob sua influência são financiados por verbas públicas e a direção das empresas no
âmbito local e regional é, normalmente, cedidos aos parentes ou afiliados, sem utilização de critérios
empresariais, tais como o da eficiência.
“Coronelismo de Cajado”: A Fé Como Mercadoria no Escambo do Poder
Zani, Benhken e Martins (2008) em recente trabalho intitulado: “Coronelismo, Cajado e Voto: a
Participação Política da Igreja Universal do reino de Deus” também contribuem para a análise do
mandonismo no “espaço-dinâmica organizacional” brasileiro ao destacarem a escalada crescente do
número de fiéis evangélicos (9% do total da população nacional em 1991; 15,5% dez anos mais tarde,
segundo dados do “Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística”, ou 22% da população do país, sendo
17% pentecostais - grupo da “Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) 4” – de acordo com pesquisa
realizada em 2007 pelo “Datafolha” -, formando, então, um universo de mais de 30 milhões de
seguidores) e as possíveis implicações desses dados no universo político nacional. Evidentemente, tal
fenômeno repercute em diversos setores da vida pública brasileira, inclusive nesse “espaço-dinâmica”.
Até meados dos anos 80, o pentecostalismo era tido pelos estudiosos como movimento apolítico,
percepção que muda no início dos anos 1990 como resultado da atuação dos parlamentares evangélicos
no “Congresso Nacional” e do apoio das comunidades pentecostais à candidatura de Collor à
4 As religiões evangélicas podem ser divididas em dois grupos: pentecostais e não pentecostais ou históricas.
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presidência da República (MACHADO, 2006). Maia (2006) acrescenta que desde a primeira metade do
século passado os evangélicos buscam atuar na arena política, mas somente a partir de 1986 passam a
atuar de modo significativo nesse espaço.
Por diversos fatores que serão discutidos ao longo deste trabalho, a “Igreja Universal do Reino de
Deus” tem atuação destacada no campo político. A IURD foi fundada em 1977 por Edir Macedo, mas
aparece na política somente a partir de 1986, ao eleger um deputado federal para a Assembleia
Nacional Constituinte. Sua participação só aumentou a partir deste momento. Em 1990, elegeu três
deputados federais e seis deputados estaduais. Quatro anos depois, foram seis deputados para a
“Câmara Federal” e mais oito para as “Assembleias Legislativas”. Nas eleições de 1998, elegeu 26
deputados às “Assembleias Legislativas” de 18 estados da federação e 17 deputados federais, sendo 14
egressos da própria Igreja e os outros três apoiados por ela (ORO, 2003).
Os triunfos eleitorais da IURD estão diretamente relacionados ao seu alto grau de interiorização, e à
sua organização burocrática e empresarial (FILHO, 2004; SEMÁN, 2001). Não é qualquer candidato
que pode se candidatar com apoio da IURD. Machado (2006) aponta que o Conselho de Bispos da
Igreja se reúne para definir o número de candidaturas, a pauta política, os prováveis candidatos e até as
regiões onde cada nome fará campanha, oferecendo, posteriormente, assessoria e financiamento para
essas campanhas políticas. São preferidos os candidatos pentecostais membros da hierarquia religiosa,
tanto pela maior influência que exercem sobre os fiéis quanto pela suposta fidelidade aos interesses da
Igreja caso sejam eleitos.
Oro (2003) explicita a engenharia institucional utilizada pela IURD durante as eleições. Segundo este
autor, antes do pleito, é realizada uma campanha para que os menores de 16 anos obtenham o título
eleitoral. Além disso, é efetuada uma espécie de “recenseamento” dos fiéis da Igreja, cujos dados são
utilizados para auxiliar na deliberação do número de candidaturas lançadas em cada localidade,
considerando, também, o quociente eleitoral dos partidos.
Definidos os candidatos, a instituição religiosa usa os cultos, as concentrações em massa e a mídia
própria para fazer publicidades deles, de acordo com a legislação eleitoral.
Utilizando exemplos da campanha política de 2002 em Porto Alegre, Oro narra a apresentação dos
candidatos escolhidos pela IURD aos fiéis/eleitores ao final dos cultos mais concorridos, afora os
ensinamentos didáticos oferecidos aos fiéis sobre como votar nos candidatos apoiados.
Carneiro (1997) afirma que a Universal destaca-se pelo perfil próprio dentro do mundo evangélico ao
envolver as lideranças e as bases da Igreja em seu esforço de mobilização eleitoral. Contudo, o sucesso
político da IURD aparentemente estaria produzindo um efeito mimético no campo religioso com outras
religiões, considerando-a como uma Igreja cujas práticas precisam ser imitadas (ORO, 2003).
O apoio que a instituição concede reflete claramente na atuação política dos candidatos eleitos. Gruman
(2005), numa perspectiva abrangente, visualiza certo corporativismo de viés religioso no
comportamento parlamentar de políticos pentecostais.
A análise realizada por Filho (2004) da seção política da “Folha Universal”, veículo oficial de
comunicação impressa da IURD, revela a existência de um bloco coeso de representação política da
Igreja fiel às diretrizes e à hierarquia do grupo religioso. Citando uma nota extraída deste jornal, esse
pesquisador supõe que aqueles que não se alinham à política hierárquica da IURD são retirados de seus
quadros.
Carneiro (1997) encontra evidências de que a bancada evangélica tem mais coesão do que os pequenos
partidos políticos, ao analisar os votos em treze plenárias do “Congresso Nacional”; ainda que evite
generalizações sobre este fato, por considerar sua amostra restrita. Esse mesmo autor também calcula
que a chance de um deputado evangélico se reeleger é duas vezes maior que a chance de um deputado
não evangélico.
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Ou seja, no plano individual, parece ser interessante aos políticos vinculados à IURD posicionar-se
politicamente segundo os interesses da Igreja.
Como resume Conrado, citado por Oro (2003), “o político eleito pela IURD tem o seu mandato nas
mãos dela, seguindo sua orientação nas questões de interesse da Igreja. A legitimidade da sua
representação deriva de um ‘ato de instituição’ que a organização faculta”.
Numa abordagem política do tema, Machado (2006, p.112) vislumbra este fenômeno no “bojo de um
processo institucional de ampliação da capacidade de influência do grupo na esfera pública”. Já
Campos (apud MAIA, 2006) percebe interesses patrimoniais, financeiros, burocráticos e corporativos
nesse fenômeno.
Obviamente, a IURD deseja influir sobre votações cujos assuntos em pauta sejam diretamente
relacionas à moral religiosa como, por exemplo, o aborto, a homossexualidade, a descriminalização das
drogas ou a pena de morte.
Maia (2006) informa que, durante a “Assembleia Constituinte” da década de 1980, a bancada
evangélica negociou votos em troca de concessões de utilização dos meios de comunicação de massa.
Carneiro (1997) identificou uma concentração de 36% dos deputados evangélicos na “Comissão de
Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática” do “Congresso Nacional”, onde ocupavam, então, a
primeira e a segunda vice-presidência e tinham mais quatro titulares e três suplentes. Nas demais
comissões, era discreta a participação dos políticos evangélicos.
Do acima exposto se pode inferir a proximidade do contexto descrito com o do “coronelismo”
tradicional qual seja, o sistema de reciprocidades entre a instituição “Igreja Universal do Reino de
Deus” e o governo. A IURD se insere no campo político para influir nos assuntos que lhe são
pertinentes e tratados exclusivamente no âmbito do Estado, como a legislação acerca da união civil dos
homossexuais ou as concessões de emissoras de rádio e televisão. Para tanto, a instituição depende da
fidelidade política dos candidatos eleitos; ou seja, ainda que não se possa falar em decadência do
poderio da IURD, como no caso dos chefes locais do “coronelismo de enxada”, pode-se falar em
relativa sujeição ao Estado que detém competência exclusiva para deliberar sobre uma gama de
assuntos.
Por outro lado, os candidatos e até mesmo os partidos não podem ignorar o capital político desta Igreja,
da mesma forma que os “coronéis” da Velha República não podiam dispensar o voto do proletário
rural, derivando daí o interesse por alianças políticas. Segundo Oro (2003) jamais, na história
republicana brasileira recente, ocorreu tão forte aproximação entre política e religião, com uma disputa
tão explícita pelos votos evangélicos.
Ainda que não disponham da prerrogativa de indicar o delegado e subdelegado de polícia, como no
“coronelismo” de Leal, o apoio eleitoral da IURD aos candidatos é retribuído com as concessões dos
veículos de comunicação, além de outras benesses públicas, como o repasse de verbas para suas obras
sociais, ações que lhe conferem poder e compõem o sistema de reciprocidade.
Em suma, observa-se uma situação na qual o ator religioso vale-se do apoio institucional conferido pela
Igreja e, uma vez eleito, privilegia as questões religiosas e assistenciais de acordo com os interesses da
Instituição. Aqueles que obtêm sucesso tratam de retribuir com leis corporativas e prestação de serviços
aos iurdianos (MACHADO, 2006).
Percebe-se, dessa forma, que a moeda de barganha política da IURD são os votos de seus fiéis. Alguns
dados são esclarecedores no sentido de apontar a fidelidade política dos membros da Universal.
Pesquisa realizada pelo “Instituto de Estudos da Religião (ISER)” mostrou que 95% dos fiéis da IURD
votaram nos candidatos da Igreja nas eleições de 1994 (ORO, 2003). Outra pesquisa realizada pelo
ISER sobre os evangélicos fluminenses, também na década de 1990, revelou que 78% dos membros
daquela Igreja concordam com a afirmação “o político que traz benefícios para minha Igreja merece
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meu voto”, enquanto somente 56% dos fiéis de outras denominações concordavam com a mesma
sentença. Percebe-se, assim, o forte envolvimento dos fiéis da IURD com as estratégias eleitorais de
seus lideres religiosos (MACHADO, 2006). Por se tratarem de dados da década final do século
passado, é importante verificar se o acirramento da competição religiosa e o envolvimento de políticos
iurdianos em denúncias de corrupção não alteraram este quadro.
Bohn (2004) comparando as opiniões dos diversos grupos religiosos mostra que aproximadamente
19,1% dos evangélicos elegeram o apoio de autoridades religiosas como quesito fundamental para a
decisão acerca da escolha partidária; percentual significativamente superior aos demais grupos. A
mesma autora constatou que as informações da Igreja sobre os candidatos a presidente afetam mais a
decisão de voto do eleitor filiado às denominações evangélicas.
Percebida a fidelidade política dos evangélicos e especificamente dos iurdianos, faz-se importante
buscar suas possíveis explicações. Alguns autores destacam as características socioeconômicas dos fiéis
da Universal. Bohn (2004) fornece informações precisas sobre o perfil dos evangélicos: 67,7% deles
recebem mensalmente, no máximo, dois salários mínimos e somente 8,9% recebem mais de seis
salários mínimos mensais. Além disso, 54% dos evangélicos sequer concluíram o ensino fundamental e
somente 5,6% possuem nível superior completo, evidenciando, assim, uma corelação linear negativa
entre nível educacional e o pertencimento à religião evangélica. Especificamente em relação aos fiéis
da IURD, 62,76% cursaram até o ensino fundamental e apenas 3,7% possuem diploma universitário.
Associado a isto, no grupo dos evangélicos, 51,9% não possui o hábito de ler jornais e 51% não
assistem o noticiário nacional na televisão. Apenas 29,8% dos evangélicos estão expostos a essas duas
mídias enquanto 32,6% não leem jornal nem assistem aos telejornais nacionais. A carência de
exposição às fontes de informação midiáticas transforma os fiéis evangélicos num público altamente
influenciável por seus líderes religiosos (BOHN, 2004).
Ainda recorrendo ao estudo de Bohn, percebe-se que os evangélicos têm um alto grau de exposição às
autoridades religiosas, dado que 82,6% deles vão ao culto uma ou mais vezes por semana. Destaque
para os fiéis da IURD, em que este índice ultrapassa os 90%. A pesquisadora conclui que a combinação
da alta exposição às autoridades religiosas com a baixa exposição aos veículos da imprensa possibilita
que os inputs eventualmente recebidos no campo religioso se transformem em orientações para a
formação de opiniões e crenças e também para o comportamento eleitoral e político concreto.
A associação entre baixa renda e baixo grau de escolaridade remete às condições gerais da população
rural descritas por Leal (1997): pobreza, ignorância e abandono. Passados mais de 70 anos desde a
publicação da primeira edição da obra clássica do “coronelismo” pode-se inferir que a alteração
fundamental na estrutura econômica tida à época como condição sine qua non para o fim do
coronelismo de enxada, nas palavras de Leal, ainda não ocorreu.
Outro traço que aproxima a prática política iurdiana do cenário descrito por Vitor Nunes Leal é a
atuação da Igreja Universal nos espaços de rarefação do poder público, em que o Estado não atua, a não
ser de modo repreensivo. Maia (2006), a partir do texto de Novaes, afirma que já é bem conhecida a
atuação dos evangélicos nas regiões mais carentes das cidades brasileiras, chegando às margens da
sociedade, nos lugares em que nenhuma outra instituição civil ou religiosa ousa se aproximar. Ao lado
de sua bem montada rede midiática, impressa e eletrônica, a Igreja universal faz uso de sua rede
assistencialista, capitaneada pela “Associação Beneficente Cristã (ABC)” - que foi criada em 1994 e
hoje concentra a ação social além de manter diversos projetos assistenciais da Igreja (ORO, 2003). Ou
seja, a base de sustentação da relação entre corporativismo religioso e o clientelismo político parece ser
a filantropia (MACHADO, 2006).
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Gruman (2005) fala de uma espécie de “clientelismo corporativo” – mais uma aproximação com o
“coronelismo de enxada” – em que, além da utilização dos serviços da “Associação Beneficente Cristã”
para constituir uma base eleitoral estável, os políticos da IURD propuseram leis “corporativas” como a
criação do passe livre para os agentes religiosos nas redes de ônibus intermunicipais; garantia de vagas
nas escolas públicas para os filhos de bispos, pastores, missionários e sacerdotes de qualquer culto
religioso; ou ainda a concessão de títulos de utilidade pública às entidades assistenciais, beneficiandoas com a diminuição de encargos tributários. Ou seja, como viu Leal (1997, p. 44) as populações
interioranas do Brasil da última década do século XIX e das primeiras do século XX:
O trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta de um benfeitor. E é dele, na
verdade, que recebe os únicos favores que sua obscura existência conhece. Em sua situação, seria
ilusório pretender que esse novo pária tivesse consciência do seu direito a uma vida melhor e lutasse
por ele com independência cívica. O lógico é o que presenciamos: no plano político, ele luta com o
“coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa
organização econômica rural.
A mobilização política da IURD não se esgota, entretanto, naquelas ações práticas antes referidas. É
necessário explorar também seus elementos simbólicos. Como bem alerta Gruman (2005), ao se limitar
o sucesso eleitoral dos pentecostais ao atendimento das mazelas sociais de seus seguidores, não se
obtêm subsídios suficientes para explicar as motivações das classes médias e da elite socioeconômica
de, também, serem adeptos destas confissões. Deve-se, pois, considerar, ainda, a dimensão do sagrado
enquanto experiência constitutiva da sociedade ou cultura da Instituição.
Oro (2003) atenta para o papel chave da simbólica da demonização no processo de conclamação dos
fiéis a participarem da política para vencer satanás. O autor narra fala de um bispo da Universal
enquanto presidia um culto em Porto Alegre: “não votem nos políticos que estão a serviço de satanás,
que não querem que a obra de Deus prospere”. Votar, pois, não seria somente um exercício de
cidadania, mas um gesto de exorcismo do demônio que se encontra na política.
As notícias veiculadas na imprensa nacional sobre a corrupção no campo político tendem a acionar o
milenarista dos iurdianos – fé esta compartilhada com outras confissões - expresso, por exemplo, na
frase de um importante líder da IURD, o bispo Rodrigues: “faz-se necessária uma grande reforma
espiritual na vida do povo brasileiro” (ORO, 2003). Já Semán (2001) afirma que “a santa política
contra os demônios da insensibilidade e da corrupção é o aríete com que os agentes religiosos
galvanizam a mentalidade cosmológica [...] e a mobilizam politicamente”.
Se não existem mais os mecanismos que permitiam aos “coronéis de enxada” controlar concretamente
o voto dos trabalhadores rurais, a invocação da simbologia religiosa combinada com o assistencialismo
pode desempenhar papel similar. Basta lembrar os 95% de fidelidade eleitoral dos membros da IURD
aos candidatos da Igreja. Além disso, enquanto os “coronéis” tradicionais gozavam de hegemonia
social em relação ao homem rural, devida principalmente à posse das terras, poder-se-ia cogitar uma
espécie de “hegemonia religiosa” no caso da IURD, conjugando elementos sacros e filantropia.
Outra aproximação do “coronelismo de cajado” com o “coronelismo de enxada” é revelada por Bohn
(2004) cujos dados levantados apontam que 54,3% dos evangélicos não votariam caso não houvesse a
obrigatoriedade da participação no processo eleitoral, enquanto que nos demais grupos, a exceção dos
não religiosos, formou-se uma maioria disposta a votar mesmo diante da não obrigatoriedade do voto.
Lembrando a afirmação de Leal de que o proletário rural não despendia qualquer esforço em votar,
correndo as despesas de participação no pleito eleitoral por conta do “coronel”, ainda que subsidiado
pelos cofres públicos, pode-se constatar o potencial mobilizador da IURD, cujos seguidores se
destacam com níveis mais altos de participação eleitoral entre os evangélicos (MACHADO, 2006).
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Ou ainda, nas palavras de Oro (2003, p.68), “os evangélicos constituem uma fonte de mobilização
política de setores sociais desfavorecidos. Para muitas pessoas, participar de uma igreja como a IURD
significa a primeira experiência de ‘conversar sobre política’ e de valorizar o voto”.
Em uma investigação anterior (MARTINS, 1999 a e 2001) analisei um importante movimento social
brasileiro, como a IURD, também, de inspiração no sagrado: a comunidade do Bello Monte de Antônio
Conselheiro (1893 – 1897) - ou a Canudos do “litoral”, como a denominaria Euclydes da Cunha - como
um fenômeno de poder do tipo ora denominamos de “coronelismo de cajado”. Naquela ocasião
constatei que a autoridade que emanava da muito expressiva liderança religiosa de Antônio Conselheiro
continha elementos semiológicos do “coronelismo de enxada” de Victor Nunes Leal e que, na falta de
melhor adjetivação, a denominei de “coronelismo com o sinal trocado” ou ainda “coronelismo pelo
avesso”, parodiando o autor de “Os sertões” na forma como se refere ao líder do caatinga baiana da
década final do século XIX: “um homem pelo avesso”.
“Coronelismo”: A Resignificação de um Referente de Poder Autoritário no “Espaço-Dinâmica
Organizacional” Brasileiro?
Como visto anteriormente, sob qualquer forma como o “coronelismo” se apresente no imaginário social
nacional, emerge desse referente de poder autoritário da dimensão política do “espaço-dinâmica
organizacional” brasileiro os mesmos conteúdos semiológicos, ainda que resignificados para cada
contexto histórico de ocorrência. Daí, ser este um tema ainda a ser incorporado e estudado no campo
dos estudos de Administração.
Vimos antes, também, que a análise administrativa clássica interpreta as organizações como estruturas
mecânicas, apolíticas e não históricas. Essa visão, ainda que satisfatória para levantamento e redesenho
de processos, limita-se à descrição do espaço físico e de suas funções, ignorando os determinantes
institucionais que estabelecem os significados desse universo em permanente (re)construção histórica.
Cumpre destacar que, no mundo onde a racionalidade econômica preside a lógica de uma sociedade
fundada segundo as leis do consumo/produção de massa, essa leitura das organizações é naturalizada
através de uma práxis de reificação geradora de valores e significados que a reproduzem
universalmente.
Essa difusão planetária, a partir das primeiras décadas do século passado, da cosmologia tayloristafordista de gestão - aumentando fantasticamente a eficiência dos sistemas produtivos, reduzindo os seus
custos, massificando a oferta e a demanda de seus produtos e serviços e transformando radicalmente o
mundo do trabalho - é evidência incontestável desse fato.
Por outro lado, a análise do espaço organizacional e de sua dinâmica como fenômeno social, o que
significa dizer, dotado de historicidade, político e simbólico, revela a completa inadequação do
emprego do paradigma das Ciências da Natureza - desenvolvido para a interpretação do universo físico
e dos fenômenos a ele associados -, nos estudos organizacionais.
Na perspectiva de resgate da esquecida dimensão simbólica desse universo e de sua historicidade, em
trabalho anterior (MARTINS, 1999a) proponho um modelo de análise do “espaço-dinâmica
organizacional” denominado “Tetraedro Semiológico das Organizações” (Figura 1, anexa).
Construído pela interseção do triângulo-base Li - Bi - Ti [representativo do “espaço-dinâmica
organizacional” i no tempo t (Oit), onde os seus vértices são, respectivamente, as dimensões: lógica
(processual); biológica (humana ou animal); e tecnológica (física ou material) da organização] com o
“Triângulo Semiótico de Ogden e Richards” (1924): R - S – I [em que R é o referente ou coisa
extralinguística desse espaço; S é o signo ou sinal linguístico de sua representação; e I representa a
ideia ou o significado associado ao referente R], este sólido desvela a dinâmica histórico-simbólica da
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práxis do “espaço-dinâmica” que modela o qual se realiza através do trabalho societário. Melhor
dizendo, o modelo tetraédrico-semiológico assim construído resgata a natureza simbólica e histórica da
análise organizacional ao reconhecer o caráter multidimensional e institucional desse espaço singular.
Nele o centro de gravidade (Ci) de sua base (Li - Bi - Ti ) representa o lugar de produção do simbólico
ou de suas representações culturais.
A natureza semiológica do modelo proposto considera que a práxis dessa dinâmica organizacional
estabelece, historicamente, por meio do processo de significação (relação S-I ou semiose de R), a ideia
ou o significado dos signos representativos dos referentes desse espaço. Daí a coincidência do ponto Ci
(baricentro do triângulo Li - Bi - Ti) com o vértice S (significante ou signo do “Triângulo Semiótico de
Ogden e Richards”) e de R com qualquer referente desse espaço [no caso estudado: a forma autoritária
de poder do “coronel(ismo)”]. Finalmente, o vértice superior (I) do mesmo tetraedro é o lugar
geométrico da ideia ou do significado que o signo “coronel(ismo)” assume no instante t do “espaçodinâmica” (Oi), como representação de poder (autoritário) desse espaço (ver a Figura 1).
Dessa forma a análise semiológica ora proposta se volta para a subjetividade historicamente
(re)construída do “espaço-dinâmica organizacional” revelando o seu caráter singular e a imprudência
de generalizações sobre o mesmo.
Para Blikstein (1990) o processo de captura do referente de qualquer universo pelo nosso sistema
cognitivo modela a realidade a partir da práxis e através dos traços de identificação e diferenciação;
das isotopias; dos traços ideológicos; e dos estereótipos – historicamente incorporados ao
significante - até alcançar a comunicação da ideia da realidade, assim construída e significada.
O “Tetraedro Semiológico das Organizações” põe em evidência que “não é a língua que recorta a
realidade, mas sim, o referente ou a realidade fabricada” (BLIKSTEIN, 1990: 47).
Ainda de acordo com esse mesmo autor: “uma releitura, por exemplo, das reflexões socráticas acerca
da relação entre nomes e coisas vai revelar que a noção de realidade ‘fabricada’ já estava implícita na
concepção platônica de linguagem; basta lembrar uma passagem do célebre Crátilo, de Platão, em que
Sócrates define o nome: ‘O nome é, assim, um instrumento para instruir e discernir a realidade.’”
(BLIKSTEIN, 1990. p. 47).
A seguir analiso, a partir do “Tetraedro Semiológico das Organizações”, o referente “coronel(ismo)”
como uma forma singular de manifestação de poder/autoridade [dimensão lógica (Li)], do “espaçodinâmica organizacional” brasileiro em diferentes tempos históricos, a saber: (1) “coronelismo de
enxada” (LEAL, 1997); (2) “coronelismo empresarial” (VASCONCELLOS, 1995b); (3) “coronelismo
eletrônico”(STADNIK, 1991; SANTOS e CAPPARELLI, 2005; LIMA, 2005; GARCIA, 2006;
SANTOS, 2006, 2007; LIMA e LOPES, 2007); e (4) “coronelismo de cajado” (ZANI, BENHKEN e
MARTINS, 2008). O Quadro 1 (anexo) resume essa análise de (re)significação desses referentes no
“espaço-dinâmica organizacional” brasileiro, nos seus diferentes momentos históricos de ocorrência.
“Coronel(ismo)”: um Significante Anacrônico?
A literatura sobre “coronelismo” é pródiga e controversa na discussão acerca da continuidade ou não
desse fenômeno no “espaço-dinâmica organizacional” brasileiro contemporâneo.
Já no prefácio da segunda edição de “Coronelismo, Enxada e Voto”, Barbosa Lima Sobrinho (in:
LEAL, 1975: XVI) assim discorre sobre o tema:
O fenômeno do “coronelismo” persiste, até mesmo como reflexo de uma situação de distribuição de
renda, em que a condição econômica dos proletários mal chega a distinguir-se da miséria. O desamparo
em que vive o Cidadão, privado de todos os direitos e de todas as garantias, concorre para a
continuação do “Coronel”, arvorado em protetor de um homem sem direitos.
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O próprio Vitor Nunes Leal, já na conclusão de sua clássica obra, é enfático ao afirmar que o fim do
“coronelismo” estava condicionado à reformulação da estrutura agrária do país, ainda que o voto
secreto e a vitalização dos municípios pudesse enfraquecer o sistema. Posteriormente, ele mesmo
circunscreveu sua análise à Primeira República, mas concorda com a possibilidade de continuidade
histórica desse fenômeno (LEAL, 1980).
Leal (1997) destaca que um dos mais importantes fatores da manutenção da estrutura “coronelista” são
as despesas eleitorais. Uma vez que o roceiro não tem dinheiro nem interesse para arcar com os custos
necessários para o exercício do voto, tais como transporte, alimentação, expedição de documentação e
redução em sua renda pelos dias de trabalho perdidos para sua qualificação e comparecimento às urnas,
os chefes locais arcam com todas essas despesas para que o trabalhador rural possa participar do pleito
eleitoral. Por este motivo, é totalmente compreensível que o eleitor obedeça à orientação de quem lhe
financia o exercício desse direito que, aliás, lhe é completamente indiferente. Entretanto, Leal relata
que, nas eleições de 1945 e 1947, houve algumas traições que, segundo este autor, observadores locais
atribuíram à propaganda radiofônica. Embora esse autor considere que o êxodo rural, que cresceu
bastante durante a Segunda Guerra Mundial, também tenha contribuído para tais traições, esse fato
demonstra, já naquela época, a influência da mídia, ainda que o autor aparentemente não tenha
considerado a hipótese de resignificação do “coronel” tradicional na figura posterior do “coronel
eletrônico”.
Por outro lado, José Murilo de Carvalho (1997) pressupondo a existência de imprecisão e
inconsistência no uso de conceitos básicos como mandonismo, clientelismo e mesmo o “coronelismo”,
é taxativo ao assinalar que este último morreu simbolicamente em 1930, quando da prisão dos grandes
“coronéis” baianos e foi definitivamente enterrado com a implantação do Estado Novo, em 1937.
Carvalho não poupa nem Leal, considerando incoerente sua sugestão de renascimento do coronelismo
visualizada na tentativa dos presidentes do regime militar pós-1964 de contatar diretamente os
municípios, passando por cima dos governadores, e afirma que esta nova situação nada tinha a ver com
o descrito em sua obra - já um clássico da literatura interpretativa do Brasil. Para esse historiador
(CARVALHO, 1998), o “coronelismo” é um sistema político que consiste em uma complexa rede de
relações, que vai desde o “coronel” até o Presidente da República, envolvendo compromissos
recíprocos. Este autor afirma que o “coronelismo” é um fenômeno historicamente datado e que surge
em virtude de dois fatores principais: o federalismo republicano, que substituiu o centralismo imperial,
e a decadência econômica dos grandes proprietários de terra, que passavam a necessitar da presença do
Estado para manter seu poder político em face de seus dependentes e rivais, revelando-se, assim, um
defensor da teoria de que o “coronelismo” é um fato político característico da Primeira República, não
tendo existido antes dela e não existindo depois. Na sua visão, aqueles que veem “coronelismo” no
meio urbano das fases recentes de nossa história estão falando simplesmente de clientelismo, onde
deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de
influir sobre o poder executivo. Dessa forma, ele defende que o clientelismo se ampliou com o fim do
“coronelismo” e o decréscimo do mandonismo.
À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles
deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar diretamente com os eleitores,
transferindo para estes a relação clientelística. Carvalho (1998) afirma ainda que, no “coronelismo”
tradicional, o controle do cargo público é mais importante como instrumento de dominação do que
como empreguismo. O emprego público adquire importância em si, como fonte de renda, exatamente
quando o clientelismo cresce e decresce o “coronelismo”.
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Em texto mais recente, entretanto, Carvalho (2001) revê sua posição sobre o caráter datado do
“coronelismo” tradicional, como sistema nacional de poder que teria acabado nos anos 1930, mais
precisamente em 1937, com a prisão do governador gaúcho Flores da Cunha. O centralismo estadonovista destruiu o federalismo de 1891 e reduziu o poder dos governadores e de seus “coronéis”,
todavia, surgiu o “novo coronel”, metamorfose do antigo, que vive da sobrevivência de traços, práticas
e valores remanescentes dos velhos tempos. Carvalho (2001) nos lembra, ainda, que, embora sejam
inegáveis as drásticas mudanças econômicas e demográficas que o país viveu desde 1950, algumas
coisas não mudaram tanto. Não mudaram significativamente a pobreza, a desigualdade e o nível
educacional da população. A pobreza e a baixa escolaridade, na visão deste autor, mantêm a
dependência de grande parte do eleitorado, cedendo um terreno fértil para o fortalecimento do
clientelismo.
Ainda de acordo com Carvalho (2001), o “coronel” de hoje não vive num sistema “coronelista” que
envolva os três níveis de governo, não derruba governadores, não tem seu poder baseado na posse da
terra e no controle da população rural. Apesar disso, mantêm algumas características típicas do antigo
“coronel”, por exemplo: a arrogância e a prepotência no trato com os adversários; a não adaptação às
regras da convivência democrática; a convicção de estar acima da lei; a incapacidade de distinguir o
público do privado; o uso do poder para conseguir empregos, contratos, financiamentos, subsídios e
outros favores para enriquecimento próprio e da parentela. Como o antigo “coronel”, o atual conta com
a conivência dos governos estaduais e do governo federal, prontos a comprar seu apoio para manter
base de sustentação, fazer aprovar leis e evitar investigações indesejáveis. Neste sentido, o “novo
coronel” de Carvalho é parte de um sistema clientelístico nacional. Assim, deste texto mais recente do
mesmo autor, pode-se inferir que o este considera datado o “coronelismo de enxada” de Leal, mas não
a forma de mandonismo “coronelista”, agora resignificada com outros conteúdos, ainda que,
essencialmente, sobrevivente como dimensão de poder (autoritário) em nosso “espaço-dinâmica
organizacional”.
Entretanto, mesmo esse ferrenho defensor da circunscrição histórica do coronelismo reconhece as
possibilidades de metamorfose do coronel e, consequentemente, a continuidade de alguns traços do
sistema coronelista: quando fala de “coronéis” hoje, usa a parte pelo todo. O coronel de hoje não vive
no sistema “coronelista” que envolvia os três níveis de governo, não derruba governadores, não tem seu
poder baseado na posse da terra e no controle da população rural. Mas, mantém do antigo “coronel” a
arrogância e a prepotência no trato com os adversários, a inadaptação às regras da convivência
democrática, a convicção de estar acima da lei, a incapacidade de distinguir o público do privado, o uso
do poder para conseguir empregos, contratos, financiamentos, subsídios e outros favores para
enriquecimento próprio e da parentela. Tempera tudo isso com o molho do paternalismo e do
clientelismo distribuindo as sobras das benesses públicas de que se apropria. Habilidoso, ele pode usar
máscaras, como a do líder populista, ou do campeão da moralidade. Para conseguir tudo isso, conta
hoje, como contava ontem, com a conivência dos governos estadual e federal, prontos a comprar seu
apoio para manter a base de sustentação, fazer aprovar leis, evitar investigações indesejáveis. Nesse
sentido, o novo “coronel” é parte de um sistema clientelístico nacional (CARVALHO, 2001).
Como vimos antes, para o autor de “Coronelismo, Enxada e Voto” os determinantes do “coronelismo”
estão na estrutura agrária do final do Império e das primeiras décadas da República e na precária
situação social do hinterland do país. Entretanto, se esses determinantes explicam a origem do
fenômeno “coronelismo”, não são capazes de explicar a sua manutenção e aparente sobrevivência ao
longo da História. As formas de “coronelismo” aqui estudadas decorrem, como já referido, não apenas
do analfabetismo e do baixo nível educacional das populações nacionais mais pobres, mas, ainda, do
forte traço de autoritarismo da sociedade brasileira, característica esta herdada de nosso processo de
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colonização e do longo e forte legado do período escravista de nossa formação econômica, traços estes
que extrapolam os limites do meio rural e se espraiam por todo o País. A concentração de renda, o
baixo nível educacional e a falta de consciência política fornecem, assim, contemporaneamente, amplo
terreno para que novos tipos de “coronelismo” cresçam e floresçam.
Essas novas formas de “coronelismo” seriam, então, essencialmente, resignificações do mesmo
fenômeno em diferentes contextos históricos, onde novas realidades sociais conservam, entretanto, a
antiga forma de autoritarismo/mandonismo do vazio do poder público e de marginalização do quadro
significativa parte da população nacional.
Por outro lado, cumpre observar que nas organizações públicas contemporâneas, muitos funcionários
que detêm poder burocrático agem de forma semelhante ao do “coronel”, ao se aproveitarem da
autoridade e do poder de influência de seus cargos para vantagens pessoais. Vasconcellos (1995b),
como vimos, desenvolve a ideia do “coronelismo empresarial” – resignificação dessa mesma forma de
mandonismo, presente nas empresas privadas brasileiras.
Também contestando a tese do “coronelismo” como fenômeno datado, Santos e Capparelli (2005)
afirmam que os “coronéis” se adaptaram a uma nova realidade. Para esses autores, o estabelecimento
do voto secreto, no governo provisório de Vargas, não deu fim ao “coronelismo” político e, desse
modo, o Brasil ainda vive uma deplorável situação, no ambiente dos pequenos municípios, com as
denúncias de torturas, execuções sumárias e trabalho escravo, entre outras.
Santos (2006) mostra preocupação nas apressadas adaptações dos conceitos originais de forma que
abarquem o “coronelismo eletrônico”, correndo o risco de resultar em noções enviesadas. Assim, a
autora busca resgatar um conjunto de enunciados deste sistema que possibilitem entender o modelo
brasileiro de comunicações. Segundo ela, seriam cinco os enunciados hereditários do coronelismo: a
circunscrição a um momento de transição do sistema político nacional; as relações clientelistas com
alto grau de reciprocidade; a debilidade da distinção entre interesses público e privado; o controle dos
meios de produção baseado no poder político em detrimento do poder econômico e; o isolamento da
municipalidade.
Ainda que não se possa mais falar em isolamento da municipalidade na mesma intensidade que no
período analisado por Leal, algumas regiões do Brasil são precariamente assistidas pelo Estado. Além
disso, à semelhança do coronelismo eletrônico, a necessidade de reportar-se ao governo federal visando
obter as concessões públicas de rádio e televisão, cujo interesse da IURD foi demonstrado neste
trabalho, favorece a troca de favores entre a União e a Igreja Universal.
Autores como Santos e Capparelli (2005) asseveram que os “coronéis” se adaptaram a uma nova
realidade. Para esses autores, o estabelecimento do voto secreto, no governo provisório de Vargas, não
deu fim ao “coronelismo” político e, desse modo, o Brasil ainda vive uma deplorável situação, no
ambiente dos pequenos municípios, com as denúncias de torturas, execuções sumárias e trabalho
escravo, entre outras. Por outro lado, Garcia (2006) afirma que o “voto de cabresto”, amplamente
explorado pelo “coronelismo”, tem também suas versões no sistema eletrônico e, em ambos os
sentidos, conduzindo votos para os candidatos apadrinhados pelas emissoras de rádio e televisão de
propriedade do “coronel” e seus familiares e desacreditando os seus adversários. Garcia compara tal
processo com os antigos feudos da Idade Média, com sistema fechado, fundamentado em torno da
propriedade, com autoridade absoluta dos suseranos - os atuais “coronéis eletrônicos” - e com os
vassalos – atuais afiliados -, totalmente dependentes dos seus senhores feudais. Ainda de acordo com
esse autor, assim como nos feudos, há uma relação direta entre autoridade e posse; no caso do
“coronelismo eletrônico”, essa relação também existe, só que não da terra, mas do canal televisivo.
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XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 nov. 2012
Em reforço à ideia de resignificação do “coronelismo”de Santos e Capparelli (2005) acrescento que,
também, nas versões resignificadas do “coronelismo empresarial”(VASCONCELLOS, 1995B) e do
“coronelismo de cajado”(ZANI, BENHKEN e MARTINS, 2008) subsiste essa relação direta entre
autoridade e posse só que nessas formas, respectivamente, nas figuras dos donos dos meios de
produção e dos emissários da fé. Quem sabe poderíamos estender, ainda, essa ideia para o espaço da
academia dos tempos atuais e definirmos um novo “coronel(ismo)”: o “coronel acadêmico”? Mas isto é
assunto para outra investigação.
Considerações Finais
A análisedo referente “coronelismo” aqui formulada evidencia que os traços de identificação; os traços
ideológicos; os corredores isotópicos, e os estereótipos que estabelecem a significação e a percepção
cognitiva das diversa formas desse referente são essencialmente os mesmos, e que seus traços de
diferenciação, quando muito, revelam os diferentes momentos históricos de ocorrência do fenômeno.
Daí que a afirmação de Carvalho (1998), no sentido de que o “coronelismo de enxada” seria um
fenômeno historicamente datado, é legítima apenas para esta forma de manifestação do fenômeno e não
deve ser generalizada às suas demais formas de ocorrência. Como, aliás, reconheceu esse mesmo autor
em texto mais recente. De outra forma, não haveria sentido em seguirmos utilizando hoje significantes
como, por exemplo, democracia, no sentido que lhe foi atribuído na ágora ateniense, tão distante no
espaço e no tempo de sua significação na sociedade contemporânea.
Portanto, do ponto adotado neste ensaio (uma análise histórico-semiológica) do fenômeno, podemos
afirmar que o “coronelismo”, contemporaneamente é uma resignificação de poder autoritário e
arbitrário (mandonismo) do tradicional autoritarismo tradicional do “coronelismo de enxada” de Leal ainda vivo e não superado em nossa sociedade. Ou ainda que, os processos de urbanização e de
desenvolvimento tecnológico não foram, ainda, capazes de causar a ruína do sistema “coronelista” de
relação de poder/autoridade no “espaço-dinâmica organizacional” brasileiro e que o “coronelismo” se
remodelou em um novo contexto social e se adaptou às novas configurações sociais, econômicas,
demográficas, culturais e tecnológicas dos nossos dias.
Esse fenômeno patológico de autoridade continua impregnando as relações entre as esferas de poder da
administração pública e da sociedade em geral, aparecendo, nos dias de hoje, como uma ameaça ao
processo de difusão da cidadania e como uma ameaça à democracia; que precisa ser extirpada.
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Resenha Biográfica
Paulo Emílio Matos Martins é doutor em Administração de Empresas (EAESP/FGV); mestre em
Administração Pública (EBAP/FGV); Engenheiro Mecânico (UFPA) e professor licenciado em
Desenho (UFPA). Tem Pós-Graduação (lato sensu) em: Administração de Projetos (EIAP/FGV);
Economia Internacional (UNU/FESP) e Política e Governo (Universidade do Texas). É professor do
Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGAd), coordenador do Programa de Estudos de
Administração Brasileira – ABRAS na Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-professor
titular na EBAPE/FGV. Pesquisador da CAPES e do CNPq; autor de livros, artigos em periódicos,
jornais e anais de congressos e orientador/supervisor de pesquisas de pós-doutoramento, teses,
dissertações e monografias acadêmicas; além de conferencista no Brasil e no exterior. Foi engenheiro
de planejamento e gerente de projetos industriais; coordenador do Programa de Desenvolvimento de
Recursos Humanos do Governo do Estado do Rio de Janeiro (FESP/RJ); vice-coordenador do Curso de
Administração (FACC/UFF); coordenador do Mestrado em Administração Pública (EBAP/FGV) e é
associado a diversas instituições culturais e de ensino e pesquisa nacionais e estrangeiras.
Endereço eletrônico: [email protected];
Telefone: 55 21 33226511.
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Quadros e Figuras
Quadro 1 – Semiose dos Referentes: “Coronelismo de Enxada”, “Coronelismo Empresarial”,“Coronelismo Eletrônico”, e “Coronelismo de
Cajado”
PROCESSO DE
SIGNIFICAÇÃO
“CORONELISMO
DE ENXADA”
“CORONELISMO
EMPRESARIAL”
TRAÇOS GERAIS
DE DEFINIÇÃO DO
FENÔMENO
 Manifestação de
poder local autoritário.
 Sistema político de
troca de proveitos entre
o poder público, cada
vez mais fortalecido, e
o poder privado, em
decadente influência,
dos chefes locais,
sobretudo dos senhores
de terra (quase sempre
detentores da patente –
comprada – de coronel
da Guarda Nacional).
 Fenômeno derivado
da estrutura agrária do
país e característico do
Brasil do final do
Século XIX e das
primeiras décadas do
Século XX.
•
Manifestação
autoritária do poder nas
organizações brasileiras.
•
Comportamento
característico dos
empresários/dirigentes
brasileiros forjado no
processo histórico de
formação econômica
nacional, legatário do modo
de produção colonial
patriarcal do “engenho de
cana”; da economia de
monocultura latifundiária
escravista e do retardatário
processo de
industrialização.
•
Sistema de
concessão de privilégios
(fiscais, aduaneiros,
financeiros etc.) ao setor
empresarial, através de seus
“caciques”, em troca de
financiamento de
campanhas eleitorais e
apoio político.
20
“CORONELISMO
ELETRÔNICO”
•
Manifestação
autoritária de poder pelos
proprietários/dirigentes das
empresas do sistema
nacional de comunicação.
“CORONELISMO DE
CAJADO”
•
Manifestação
autoritária de poder
político pelos pregadores
de algumas igrejas.
•
Modelo de
organização confessional
 Sistema organizacional
(principalmente das igrejas
da recente estrutura brasileira evangélicas pentecostais),
de comunicações, que se
de base empresarial e
baseia no compromisso
atuação política, baseado
recíproco entre poder
no compromisso recíproco
nacional e poder local,
de financiamento de
configurando uma rede de
candidaturas de seus
influências entre o poder
pastores e voto , por parte
público e o poder privado
de seus fiéis, em troca
dos chefes locais,
ações sociais, bênçãos e
proprietários de meios de
proteção divina, curas e
comunicação.
salvação das almas pela fé,
 Sistema de apoio eleitoral através da mediação de
seus pregadores.
a candidatos específicos por
parte dos grandes
•
Estratégia de
proprietários de empresas de constituição de uma
comunicação, que, por meio expressiva bancada
da divulgação ostensiva de
parlamentar, em nível
suas candidaturas dentro de
nacional, com poder de
seus veículos de
decisão no processo
TRAÇOS DE
IDENTIFICAÇÃO /
DIFERENCIAÇÃO
 Rarefação do poder
público.
 Sistema de
reciprocidade.
 Arrogância e
prepotência no trato
com os adversários.
 Não adaptação às
regras de convivência
democrática.
 Convicção de estar
acima da lei.
 Incapacidade de
distinguir o público do
privado.
 Uso do poder para
obtenção de ‘favores’ e
enriquecimento próprio
e da parentela
(CARVALHO, 2001).
 Moeda de troca:
Controle do voto (voto
de cabresto).
 Paternalismo.
 Clientelismo.
 Mandonismo.
 Sistema de
reciprocidade.
 Arrogância e
prepotência no trato com os
subordinados e com os
concorrentes.
 Não adaptação às regras
de concorrência leal e de
convivência democrática.
 Convicção de estar
acima da lei.
 Incapacidade de
distinguir o público do
privado.
 Uso do poder para
obtenção de “favores” e
enriquecimento próprio e do
grupo.
 Moeda de troca:
Financiamento eleitoral e
propina.
 Paternalismo.
 Clientelismo.
 Mandonismo.
 Apadrinhamento.
 Dependência.
21
comunicação, buscam obter
favoritismo em relação à
concessão de canais
televisivos ou de rádio;
preferência em momentos de
inserção de anúncios pagos e
perseguição aos adversários.
legislativo, em troca da
aprovação de Leis do
interesse dessas igrejas.
 Sistema de reciprocidade.
 Não adaptação às regras
de convivência democrática.
 Convicção de estar acima
da lei.
 Incapacidade de
distinguir o público do
privado.
 Uso do poder para
obtenção de “favores” e
enriquecimento próprio e da
parentela (CARVALHO,
2001).
 Moeda de troca: Controle
do voto; apoio político.
 Paternalismo.
 Clientelismo.
 Mandonismo.
 Filhotismo.
 Apadrinhamento.
 Dependência.
 Não cidadania.
 Exploração.
 Corrupção.
 Sistema de
reciprocidade.
 Não adaptação às
regras de convivência
democrática.
 Incapacidade de
distinguir o público do
privado.
 Uso do poder para
obtenção de “favores” e
enriquecimento próprio e
da Igreja.
 Moeda de troca:
Controle do voto; apoio
político.
 Paternalismo.
 Clientelismo.
 Mandonismo.
 Filhotismo.
 Apadrinhamento.
 Dependência.
 Não cidadania.
 Exploração da fé.
 Corrupção.






Filhotismo.
Apadrinhamento.
Dependência.
Não cidadania.
Exploração.
Corrupção.



Não cidadania.
Exploração.
Corrupção.
TRAÇOS
IDEOLÓGICOS
•
Desigualdade
econômica, política e
social (algumas vezes,
também, de gênero e
étnica).
 Superioridade da
classe econômica,
social e/ou do
partido/grupo político
de pertença.
 Desigualdade
econômica, educacional e
social (algumas vezes,
também, de gênero e
étnica).
 Superioridade da classe
cultural, social e econômica
de pertença.
 Desigualdade econômica,
política e social.(algumas
vezes, também, de gênero e
étnica).
 Superioridade do
segmento social, econômico
e/ou do alinhamento político
de pertença.
 Desigualdade religiosa,
educacional, e de
oportunidades.
 Poder da fé e das
Escrituras (cristãs de
orientação evangélica
neopentecostal).
 Salvacionista.
“CORREDORES
ISOTÓPICOS”
 Verticalidade
(hierárquica).
 Autoritarismo.
•
Masculinidade.
•
Corruptibilidade
.
•
Sucesso (a
qualquer custo).
•
Superioridade.
•
Nepotismo.
•
Venalidade.
 Verticalidade
(hierárquica).
•
Autoritarismo.
•
Competitividade.
•
Corruptibilidade.
•
Masculinidade.
•
Sucesso (a qualquer
custo).
•
Superioridade.
•
Competência
técnica.
•
“Levar vantagem em
tudo”.
•
Nepotismo.
•
Venalidade.
 Verticalidade
(hierárquica).
 Autoritarismo.
•
Masculinidade.
•
Corruptibilidade.
•
Sucesso (a qualquer
custo).
•
Superioridade.
•
Nepotismo.
•
Venalidade.
 Verticalidade
(hierárquica, sagrada).
 Autoritarismo
teocrático.
 Prosperidade
(material).
•
Corruptibilidade.
•
Superioridade da fé
cristã-evangélicaneopentecostal.
•
Nepotismo.
•
Venalidade.
22
ESTEREÓTIPOS
As figuras históricas
dos “coronéis”:
 Chico Heráclito
 Chico Romão
 Flores da Cunha
 José Abílio
 Veremundo Soares
 Etc.
As figuras históricas dos
empresários pioneiros da
indústria, do setor
financeiro e do comércio no
Brasil:
•
Delmiro Gouveia
•
Roberto Marinho
•
José de Magalhães
Pinto
•
Etc.
23
Os políticos:
 José Sarney
 Antônio das Graças Filho
 Kelton Pinheiro e
 Hermes Antônio Lemes.
 Etc.
Os pastores e bispos:
•
Edir Macedo (bispo
fundador da Igreja)
•
Sérgio Von Helde
(bispo que ficou famoso
pelo episódio dos pontapés
e socos dados na imagem
de Na Sa Aparecida em um
programa de televisão).
•
Etc.
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Figura 1 - O Tetraedro Semiológico das Organizações e a Captura do Referente “Coronelismo(ismo)”
PRÁXIS
Diferenciação
TRAÇOS
SEMIOSE
(Processo de
Significação)
Identificação
CORREDORES
ISOTÓPICOS
I≡?
TRAÇOS
IDEOLÓGICOS
Percepção
Cognição
ESTEREÓTIPOS
Bi
CORONELISMO
R ≡ Li
Ci ≡ S
Oi tn
Ti
Fonte: Adaptado de Martins, 1999b, p. 64.
24
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"coronelismo"1 Paulo Emílio Matos Martins