Brazil and its charismatic influences
Obra de Evandro Carlos Jardim
O Brasil e suas
carismáticas influências
INFLUENCES
Jaraguá, sinais, manchas e sombras - 1979
INFLUÊNCIAS
por Silvana Baierl
“Várias telas são documentos sobre o destino do
homem, mais do que sua vida.”
apurado estudo sobre a natureza tropical, constituída por
Pietro Maria Bardi
A
”
relles uma leitura atenta sobre a carta. Além de realizar um
embaúbas, coqueiros e folhagens. Baseado nessa pesquisa, o pintor concluiu aquele que seria seu trabalho mais
primeira missa no Brasil” é uma das pinturas
famoso. Quinze anos após sua primeira aparição pública,
mais conhecidas sobre cenas brasileiras. Um
o quadro foi encaminhado aos Estados Unidos, para repre-
trabalho de Victor Meirelles (1832 – 1903),
sentar o Brasil na Exposição Centenária da Filadélfia, em
que retratou o primeiro tema focado na História do Brasil.
1876. Foi depois disso que ele veio para o Brasil, sendo
E como tudo o que envolve nossas culturas, histórias e
parte da Academia de Belas Artes. Hoje, está exposta no
lendas, esse quadro tem inúmeras curiosidades. Apesar de
Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro/RJ.
reproduzir um fato ocorrido em solo brasileiro, foi pintado
A imagem sintetiza o comportamento do nosso País, se
em Paris, a partir do ano de 1853. E não surgiu ao acaso,
analisarmos o depoimento de Pinheiro Chagas: “A Primeira
porque representou um grande desafio ao seu autor.
Missa no Brasil é uma página brilhante, porque resume
A obra exigiu aprimoramento técnico e habilidade,
a existência desse país e simboliza seu papel na história
porque a cena seria reproduzida em uma tela de grandes
da civilização das Américas. A entrada dos europeus no
proporções, com uma composição complexa, repleta de
México e Peru assume cenas de horror. Os pintores me-
referências históricas. Uma pintura erudita, enfim, que
xicanos e peruanos, que desejavam retratar em suas telas
condensou hábitos locais, ambiente tropical, vestimentas
o episódio da entrada dos emissários da Europa em seus
portuguesas e elementos indígenas. Pura magia, se nos
países, pintaram o assassínio de Atahualpa ou o suplício de
posicionamos diante da obra e nos entregamos à simplici-
Montezuma. No Brasil, a cena era de paz e amor”.
dade de contemplá-la.
Mas onde (ou como) Victor Meirelles buscou inspiração para reproduzir uma pintura tão perfeita, rica em
Mais de 510 anos se passaram. Uma carta e a sen-
detalhes e ícones de um novo mundo, ainda desconhecido
sibilidade de retratar um ambiente tornou uma pintura
e com tanto a ser explorado, cerca de 350 anos após ser
possível e consagrada. Atualmente, porém, vivemos uma
descoberto pelos portugueses? Conta a história do Des-
sociedade mais livre, norteada por tecnologias da eletrô-
cobrimento do Brasil, que Pero Vaz de Caminha, ao aqui
nica. Computadores, TV e Internet nos mantêm em rede
chegar, escreveu para a corte uma carta. Um minucioso
nacional e internacional. Ferramentas virtuais exportam
relato sobre a paisagem tropical e um testemunho sobre a
informações de uma cultura a outra, de um país a outro,
raça humana da nova terra. Caminha descreveu os habi-
interligando os pontos mais longínquos da terra com um
tantes, o entorno repleto de palmeiras, aves de diferentes
simples toque dos dedos.
cores, vastos campos e arvoredos.
Para realizar a pintura, foi recomendada a Victor Mei-
008
Em linguagem global
A ideia de Aldeia Global, na sociedade contemporânea, defendida pelo acadêmico e teórico em Comunicações
“Several pictures are documents about the destination of
humanity, more than just about life.”
Pietro Maria Bardi
“The First Mass in Brazil” is one of the best known paintings about Brazilian scenes, a work by Victor Meirelles (1832
– 1903), who painted the first ever issue focused on Brazilian
History. Like everything that involves our cultures, historical
episodes and legends, this picture has a lot of curiosities. Despite the fact that it shows a fact which occurred on Brazilian soil,
the painting was actually painted in Paris, starting in 1853. In
addition, it did not arise by chance, as it represented a major
challenge for its painter.
The work required technical enhancement and skill, as
this scene would be reproduced on a large screen, through
a complex composition, full of historical references. This is,
after all, an erudite painting which condensed local habits, a
tropical environment, Portuguese clothing and Native Brazilian
elements. Pure magic, if we position ourselves before the work
and indulge ourselves in the simplicity of contemplating it.
But, after all, where (or how) did Victor Meirelles seek
the inspiration to reproduce such a perfect painting, rich in
details and icons of a new world, as yet undiscovered and with
so much to be explored, some 350 years after it was discovered
by the Portuguese? It tells the story of the Discovery of Brazil,
and also the fact that Pero Vaz de Caminha, on coming to these
shores, wrote a letter to the Portuguese court. This letter was
a detailed report about the tropical landscape and also a testimonial presenting the human race in this new land. Caminha
described the inhabitants, the surroundings full of palm trees,
birds of different colours, vast fields and clusters of trees.
To carry out the painting, it was recommended that Victor
Meirelles should embark on a careful read of the letter, apart
from carrying out an accurate study of tropical nature, consisting of embaúbas, coconut trees and foliage. Based on this
research study, the painter concluded what would become his
most famous work. Fifteen years after its first public appearance, the picture was sent to the United States to represent Brazil
at the Centenary Exhibition in Philadelphia, in 1876. It was
after this event that the painting came to Brazil, being part of
the Academy of Fine Arts. The picture is now on show at the
National Museum of Fine Arts, in the city of Rio de Janeiro/RJ.
The picture sums up the behaviour of our country, is we
009
INFLUÊNCIAS
INFLUENCES
Marchall McLuhan, deixou de ser um conceito para se
Renascimento; seguindo para as influências das máquinas,
tornar realidade. E usando o progresso como preceito,
na Era Moderna; até culminar nas linguagens virtuais das
sem importar se ele é benéfico ou não, tudo é possível em
mídias eletrônicas, tão presentes na contemporaneidade.
nossos dias. Então, como todos esses novos rumos da nossa
Tanto que a arte muitas vezes parece nos apresentar um
sociedade influenciam a arte e seus autores? Poderia a tec-
revival de si própria. Porque fatores externos sempre re-
nologia excessiva distanciar os artistas de seus materiais, ou
percutiram e criaram tendências nas expressões artísticas.
poderia travar uma luta de resgate às antigas linguagens?
Ao estudarmos o assunto, encontramos os ismos, muitas
Em 2012, a pintora Tomie Ohtake se contrapôs a tudo
vezes precedidos do nome de um artista, de uma cidade,
isso, em uma mostra na Fundação Iberê Camargo, em Porto
de um momento ou de uma obra, enfim, que foi capaz de
Alegre/RS, que apresentou uma série de 40 trabalhos, pro-
desencadear movimentos e transpor fronteiras.
analyse the statement made by Pinheiro Chagas: “The First
Mass in Brazil is a brilliant page, as it sums up the very existence of the country and also represents its role in the history
of civilisation in the Americas. The arrival of Europeans to
Mexico and Peru takes on scenes of horror. Indeed, Mexican
and Peruvian painters, who wished to show, on their pictures,
the episode of the arrival of European representatives in their
countries, painted the murder of Atahualpa or Montezuma’s
plea. In Brazil, it was a scene of peace and love“.
In global language
Over 510 years passed. A letter and the sensitivity of
representing an environment have made a painting both possible and acknowledged. However, nowadays we live in a freer
society which is largely guided by electronic gadgets. Computers, television and the Internet keep us in a national and an
international network. Virtual tools pass information from one
culture to another, one country to another, interconnecting the
most remote parts of Earth with a touch of the finger.
The idea of a Global Village, in corporate society, as
defended by the academic and communications theorist, Marchall McLuhan, stopped being a concept to become reality.
duzidos entre 1959 e 1962. A exposição mereceu o título
de “Pinturas Cegas”. A artista se isolou mediante todas
“Como a vida e a natureza se encontram sempre na
as formas de influências, ao confrontar a pintura com as
pintura, aquele que tem experiência de vida e conhecimento
influências óticas. Propôs a si mesma o desafio de testar
da natureza está em posição privilegiada para compreender
os limites da pintura, vendando seus olhos e trabalhando
os valores da arte.”
Lionello Venturi
cegamente sobre as telas. Deixou-se levar inteiramente
pela experiência livre de pintar, revelando a importância
apenas do gesto, testemunhando suas habilidades na pureza
Herança cultural
do ato de pintura.
Supondo um paralelo entre a História da Arte e das
Disposta a não ver a obra e sua criação, ela nos fez
Civilizações, podemos traçar as bases da História da Arte
questionar a relação entre cegueira e arte. No entanto, mui-
Brasileira. Vamos criar um limite imaginário, e focar ape-
tas coisas permanecem retidas na memória de todo artista.
nas nas manifestações praticadas aqui, e como a arte teve
O resultado dos trabalhos de Tomie Ohtake apresentou
seu início em nosso País. Quais são as influências que o
algo semelhante a grandes oceanos. Ela não deu título a
Brasil provoca ou recebe. O quê determina um vai e vem
nenhum deles, exatamente para não influenciar a visão do
de ações, reações ou manifestações. Porque a cultura bra-
espectador. Assim, cada um pode encontrar seu próprio
sileira é uma síntese de muitas influências, provocadas por
significado e viver uma experiência íntima, conectando-se
vários povos e etnias, que hoje formam a sua população,
à pintura sem agentes influenciadores.
de maneira geral. Não há um núcleo de origem, mas um
010
tempos tão distantes – Victor Meirelles e Tomie Ohtake
Em uma primeira fase histórica, o Brasil viveu três
-, podemos avaliar como as Artes Plásticas se comportam
séculos sob a colonização portuguesa, recebendo uma
diante de influências muitas vezes difíceis de controlar, ou
herança cultural lusa, que compunha toda a unidade do
agem como uma ferramenta de preservação histórica das
País, e no qual todos passaram a falar a mesma língua
civilizações. A arte tem o poder de provocar questionamen-
portuguesa, sendo também quase todos cristãos. Mas havia
tos, reflexões, euforias, mudanças positivas e negativas na
pequenas mesclas de influências indígenas, africanas e, ao
História da Humanidade. Evolui paralelamente à ciência, à
longo do tempo, também italianas, francesas, japonesas e
política ou à religião. Seus deslocamentos são semelhantes
alemãs. Influências e miscigenações que persistem até os
àqueles que ocorrem na sociedade.
nossos dias.
Em toda História da Arte, notamos como ela acom-
Notamos que os estados do Norte e Nordeste ainda
panha os processos industriais, apontando um universo
preservam a presença da cultura indígena, e outras agregam
teocêntrico, na Idade Média; uma fase antropocêntrica, no
influências africanas. No sul do Brasil, estão inerentes as
Foto: Silvana Baierl
mosaico de diferentes formações e informações.
Anjos - Catedral de Brasília/DF - Obra de Alfredo Ceschiatti
Comparando-se dois exemplos tão distintos e em
And, using progress as a justification, regardless of whether
it is beneficial or not. everything is possible these days. So,
how do these new paths trailed by society influence art and
the authors? Could excessive technology make the artists more
distant from their materials, or could they fight a fight to bring
back the old languages?
In 2012, painter Tomie Ohtake made a counterpoint to
all this, at an exhibition at the Iberê Camargo Foundation, in
Porto Alegre/RS, that showed a series of 40 works, produced
between 1959 and 1962. This exhibition deserved the title of
“Blind Paintings”. The artist isolated herself from all types of
influence, on confronting painting with optical influences. She
proposed to herself the challenge of testing the limits of poetry,
blindfolding herself and working on the paintings as if blind.
She let herself be carried away entirely by the free experience
of painting, showing the importance of the gesture alone, witnessing her skills in the purity of the act of painting.
Wishing not to see her work and creation, she made us
consider the relationship between blindness and art. However,
many things remain in the memory of all artists. The results
of the work of Tomie Ohtake had something similar to great
oceans. She did not give any of the pieces a title; this was done
011
tugueses, agregou ao Brasil muitas tradições do calendário
nária, música, folclore e dialetos. Outras etnias deixaram
religioso, como festas e procissões. O Carnaval, a Festa
sua contribuição, como os espanhóis, árabes, japoneses e
do Divino e as festas juninas baseiam-se nessa influência.
poloneses, presentes na região Sudeste.
Assim como a cavalhada, o bumba-meu-boi, o fandango
camente não encontramos vestígios ou práticas artísticas. A
não ser pela presença da Arte Rupestre, a qual, aliás, pode
assumir um caráter genuinamente brasileiro.
Foto: Reproduzida de Postal
e a farra do boi, as lendas, brincadeiras e cantigas infantis.
Muitas delas têm origem na imigração portuguesa.
E com a presença da Família Real no Brasil, surgem
novas perspectivas. Vamos testemunhar, nesta época,
Num primeiro estágio, a colônia portuguesa respon-
pinturas que revelam figuras da realeza. O império de D.
sabilizou-se pela introdução dos grandes movimentos
João XVI marca a construção dos primeiros museus, da
artísticos europeus, no Brasil. Entre eles, o Renascimento,
Academia Imperial de Belas Artes, de conventos e mos-
Maneirismo, Barroco, Rococó e Neoclássico. Havia, en-
teiros. Exemplares que enalteciam a arquitetura, escultura,
tão, uma arte notadamente lusitana, que revolucionou o
pintura e ourivesaria. O Império decide pela abertura dos
ambiente da arte nativista.
portos e a vinda das primeiras missões artísticas, a partir
Todo o cenário de colonização sofre mudanças repen-
Os Passos: Jesus carregando a cruz - Escultura de Aleijadinho - Congonhas/MG
Os Passos: A Ceia - Obra de Aleijadinho - Congonhas/MG
manifestações italianas e alemãs, que seguem até a culi-
Porém, foram 322 anos de colonização, no qual prati-
012
INFLUENCES
Foto: Reproduzida de Postal
INFLUÊNCIAS
de 1808, dando início aos processos imigratórios.
tinas a partir de 1808, com a vinda da corte de D. João XVI
A expedição de Maurício de Nassau traz em um grupo
ao Brasil, o que ocasionou grandes transformações polí-
de arquitetos, cientistas, militares e artistas. Entre eles,
ticas, econômicas e, obviamente, culturais. Vale lembrar,
estavam Frans Post e Albert Eckhout, nascidos respec-
porém, que a imigração portuguesa não foi interrompida
tivamente em Haarlem e Groningen, ambas na Holanda.
com a independência do País. Portugal continuou sendo
Aqui chegaram com a tarefa de documentar o novo mundo.
uma fonte de influências importante até meados do século
Antes deles, nada registra a presença reconhecida das Ar-
XX. Além do idioma, o catolicismo, enraizado entre os por-
tes Plásticas, no Brasil, apesar dos movimentos barrocos
013
INFLUENCES
Floresta dos Verdes Claros - 120 x 160 cm - 2010
Obra de Nelson Screnci
INFLUÊNCIAS
on purpose so as not to influence the view of the spectator.
Thus, each person can find his or her own meaning and live
an intimate experience, connecting to painting without any
external influencing agents. By comparing two examples, so
different and in such distant ages – Victor Meirelles and Tomie
Ohtake -, we can see how Plastic Arts behave when faced with
influence factors that are often difficult to control, or act as a
tool for the historical preservation of civilisations. Art has the
power of provoking queries, thoughts, periods of euphoria,
positive changes and also negative changes, in the History of
Humanity. He evolves parallel to Science, politics or religion.
His movements are similar to those which occur in society.
In the whole History of Art, we see how it follows industrial
processes, suggesting a theocentric universe, in the Middle
Ages; an anthropocentric phase, in the Renaissance; then proceeding to the influence of machines in the Modern Age; and
finally reaching its climax in the virtual languages of electronic
media, so much present in contemporary life. This, so much that
art often seems to present us with a revival of itself, because external factors have always had a repercussion and have always
created trends in forms of artistic expression. On studying the
issue, we find the isms, which are often preceded by the name
of an artist, a city, a moment or a specific work, after all, that
has been able to trigger off movements and surpass frontiers.
“As life and nature always meet in poetry, the person
who has an experience of life and knowledge of nature is in an
excellent position to understand the underlying values of art.”
Lionello Venturi
destacados, principalmente, entre igrejas de Minas Gerais,
com o mar. Tema amplamente explorado por Debret, artista
Goiás e Bahia.
vindo na missão francesa de Joachim Lebreton.
Frans Post foi o primeiro artista a retratar nosso país,
Jean-Baptista Debret (1768 – 1848) deixou como he-
no século XVII, deixando-se embriagar pelas belezas
rança um vasto material iconográfico, com alta fidelidade.
naturais de Olinda, Ilha de Itamaracá, Recife e arredores.
Lecionou pintura na Academia Imperial de Belas Artes. Ao
Em sua obra, nota-se a influência de todo o ambiente ao
retornar para seu país de origem, publicou o livro “Viagem
seu redor, vivendo a experiência de pintar rios caudalosos,
Pitoresca ao Brasil” (1834 – 1839), no qual documentou
coqueiros esguios e frutas, muitas frutas tropicais. Eckhout
aspectos da natureza, da sociedade, do homem brasileiros
dominava a figura humana, encantando-se com persona-
do início do século XIX.
gens temáticos: os diferentes tipos raciais, entre índios,
negros, mulatos, mamelucos e brancos. Ambos vieram ao
Fragilidade regional
Brasil como documentaristas, já que naquela época ainda
Pintores constantemente se influenciavam pelas cenas
não havia a fotografia.
014
do cotidiano brasileiro: o negro caminhando seminu ao lado
Enquanto isso, o Rio de Janeiro, porta de entrada do
de seu senhor. Ao mesmo tempo, os franceses e a Família
Brasil na ocasião, serviria de inspiração para inúmeras
Real influenciavam a moda, com o uso de sedas, mantilhas
pinturas, que enfatizavam sua paisagem exuberante, seus
de rendas e cabeleiras bem penteadas. E muitas pinturas
contornos rochosos e montanhas em perfeita harmonia
dessa época reproduzem personagens da Corte, feitas a
Cultural Heritage
Imagining a parallel between History of Art and History
of Civilisations, we can establish the foundations of History
of Brazilian Art. Wes hall establish an imaginary border and
focus on the expressions as practiced here, and as Art started
in our Country. What are the influences that Brazil causes or
receives, and what determines a coming and going sequence
of actions, reactions or expressions. This is because Brazilian
culture is indeed a synthesis of many types of influence, caused
by different peoples and ethnic groups, which now comprise the
population in general. There is no nucleus of origin, but rather
a mosaic of different formations and information.
In the first historical phase, Brazil passed three centuries
under Portuguese colonisation, thus receiving a Lusitanian
cultural background which comprised the whole country, and in
which everyone started specking Portuguese and where almost
all are also Christian. However, there were small elements of
Native Brazilian influence and African traits and then, over
time, also Italians, French, Japanese and German. These are
influences and racial mixes that remain to this day.
We see that the states of the Brazilian North and Northeast
still preserve the presence of Native Brazilian culture, while
others add African influence. In the South of Brazil, we have
Italian and German cultural expressions, which also affect the
local cuisine, music, folklore and dialects. Other ethnic groups
also left their contributions, including the Spanish, Arabic,
Japanese and also the Poles, present in the Southeast Region.
In fact there were 322 years of colonisation, of which we
hardly find any traces or artistic practices. This, except for
the presence of Rock Art which, indeed, can take on typical
Brazilian characteristics.
In this first phase, the Portuguese colony was responsible
for introducing the main European artistic movements, including the Renaissance, Maneirism, Baroque, Rococó and Neoclassicism. There was, therefore, a significantly Lusitanian form
of art, which turned the environment of nativist art on its head.
The whole scenario of colonisation underwent sudden
changes as from 1808, when the Royal Family of Dom John
XVI came to Brazil, bringing significant political, economic
and, obviously, cultural transformations. It is also worth noting
that Portuguese immigration was never interrupted by the independence of the country. Portugal remained as a strong source
of important influences until the middle of the 20th Century.
Apart from the language, Roman Catholicism, which was well
established among the Portuguese, also brought to Brazil many
traditions from the religious calendar, including parties and
processions. Carnival, the Festa do Divino religious festivals,
and the famous June festivities are based on this influence.
This was also the case with cavalhada, the bumba-meu-boi,
the fandango and farra do boi, as well as legends, play activities and children’s songs. Many of them have their origins in
Portuguese immigration.
With the presence of the Royal Family in Brazil, new
possibilities arise. At this time we see paintings that show
members of the Royal Family. The Empire of Dom João XVI
also brought the construction of the first museums, the Imperial
Academy of Fine Arts, convents and monasteries. These are
examples that would praise architecture, sculpture, painting and
metalworking. The Empire decides to open the ports and also
the arrival of the first artistic missions, as from 1808, starting
the immigration processes.
Maurice of Nassau’s expedition brings a group of architects, scientists, military personnel and artists, including Frans
Post and Albert Eckhout, who were born in Haarlem and Groningen respectively, both these cities being in the Netherlands.
They came here with the mission of documenting the New
World. Before them, there is nothing to register the accepted
presence of Fine Arts, in Brazil, despite the highlighted baroque movements, especially among churches in Minas Gerais,
Goiás and Bahia. Franz Post was the first artist to depict our
country, in the 17th Century, letting himself be bowled over by
the natural beauties of Olinda, Itamaracá Island, Recife and
surroundings. In his work, we see the influence of the whole of
015
Não se pode negar que a vinda da Família Real é de
escultor brasileiro, que viveu durante o início das missões
europeias, e permaneceu fiel às suas origens.
suma importância para o Brasil. A Academia Imperial de
Aleijadinho viveu o auge da decadência do ouro, re-
Belas Artes, que depois se tornou na Escola de Belas Artes,
cebendo influências do ambiente cultural da sociedade mi-
estabeleceu um centro acadêmico de pintura, iniciando a
neradora. Trabalhou com brilhantes arquitetos, escultores e
formação de artistas notáveis, como Victor Meirelles, Pedro
pintores e, por ser tão conservador, não deixou seguidores.
Alexandrino, Pedro Américo, Rodolfo Amoedo, Almeida
Tanto que hoje ouvimos muitos estudiosos denominarem
Júnior e tantos outros.
seu trabalho como “estilo Aleijadinho”.
Obra de Nelson Screnci
pedido do Imperador, para presentear amigos da Europa.
INFLUENCES
Centros da Cidade - 100 x 130 cm - 2001
INFLUÊNCIAS
No entanto, tudo parecia muito frágil, para a arte
genuinamente nacional. Enquanto os artistas brasileiros
“Arte é também o melhor retrato e a maior herança de
lutavam por seus ideais, e muitas vezes eram renegados ao
uma sociedade. É a materialização dos anseios expressivos
esquecimento, o que vinha do exterior era extremamente
de uma cultura.”
Nelson Screnci
valorizado. O movimento Barroco, vivido no Brasil, no
século XVIII exemplifica bem essa tese. Muito se perdeu
durante a colonização, na qual os escultores eram conside-
País marcado por expedições
rados meros entalhadores, com obras raramente assinadas,
Mas a América continuava despertando a curiosi-
comprovando a austeridade da nobreza. E justificando a
dade estrangeira, diante do desconhecido, impenetrável
ausência das Artes Plásticas até a chegada da Família Real.
e misterioso. O Brasil reunia raças exóticas, paisagens
Nesse período, encontramos três grandes nomes.
pitorescas, natureza abundante, o que estimulou três perfis:
Bento Sabino dos Reis esculpiu inúmeras imagens, as
os conquistadores de terras, os cobiçadores por riquezas
quais transformaram os templos religiosos da Bahia em
e os estudiosos.
verdadeiros museus. Manoel da Costa Ataíde pintou gran-
A natureza selvagem aguçava a inspiração do artista
de parte das igrejas de Minas Gerais. Foi militar, pintor e
que aqui chegava, pronto para explorar todas as imagens
decorador. Nem todas as suas obras foram documentadas
de um ambiente desconhecido. As pinturas desta época
e, várias delas foram trabalhadas em parceria com o grande
são ricas em arvoredos, cipós, palmeiras, arbustos, ervas,
mestre Aleijadinho.
riachos e cachoeiras. Espécies que aguçavam a inspiração
Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, trabalhou
016
e a criatividade.
com materiais disponíveis pelas terras de Minas Gerais,
Porque para o artista estrangeiro, o Brasil tinha a
incluindo a pedra-sabão. Apesar de enriquecer a arquitetura
vegetação mais verde, as quaresmeiras mais lindas, o sol
do Brasil, com suas esculturas, foi após sua morte que o
mais brilhante e uma terra de alucinantes contrastes.
incansável mestre mineiro teve todo o conjunto de sua obra
A partir do século XIX, o Brasil transforma-se em
reconhecido. Vitima de um mal súbito, que aos poucos
agente inspirador para a arte europeia. As missões que
consumia seu corpo, manteve-se ativo trabalhando com
aqui vieram contribuíram diretamente na História da Arte
as ferramentas amarradas aos seus punhos. É interessante
Brasileira, iniciando uma segunda fase pós-colonial.
notar como a doença influenciou sua obra, assim como
De 1822 a 1829, o Barão G. H. Von Langsdorff vem
a presença dos jesuítas. Na sua fase sadia, Aleijadinho
ao Brasil com uma expedição francesa. O pintor alemão Jo-
produziu esculturas harmoniosas, de fisionomias serenas,
hann Moritz Rugendas (1802-1858) o acompanha partindo
sempre perseguindo um ideal barroco. Nos últimos anos
da Fazenda Mandioca, no Rio de Janeiro, e percorrendo até
de vida, sua obra é muito mais expressionista, porém
Minas Gerais. Para a viagem até Mato Grosso, destaca-se
sempre mantendo um talento para a perfeição, sem se
a presença do pintor e desenhista francês Aimé-Adriaen
deixar influenciar por outros estilos. É o primeiro grande
Taunay (1803-1828). Também fez parte da expedição o
the surrounding atmosphere, living the experience of painting
volumous rivers, sleek coconut trees and also many tropical
fruit. Eckhout dominated the human figure, getting enchanted
with theme personalities: different racial types, including
Native Brazilians, Afro-Brazilians, mulattoes, mamelucos and
white people. Both came over to Brazil as documentarists, as
photography had not yet been invented at the time.
In the meantime, Rio de Janeiro, the gateway to Brazil at
the time, would be an inspiration for several paintings, which
stressed the city’s exuberant landscape, rocky contours, and
mountains in perfect harmony with the sea. This issue was well
exploited by Debret, an artist who came over on the French
mission of Joachim Lebreton.
Jean-Baptiste Debret (1768 – 1848) left as his main heritage a vast iconographical collection of materials, with high
fidelity. He taught painting at the Imperial Academy of Fine
Arts. On returning to his home country, he published the book
“A Picturesque Trip to Brazil” (1834 – 1839), in which he documented aspects of nature, society, and the Brazilian human
population at the start of the 19th Century.
Regional frailness
Painters would constantly be influenced by scenes of Brazilian daily life: a black person walking seminaked alongside
his or her master. At the same time, the French and the Royal
Family influenced fashion, with the use of silk, lace mantillas
and well-combed hairdos. Many paintings of this era reproduce
Royal Court personalities, made at the request of the Emperor,
to give as presents to friends in Europe.
One cannot deny that the coming of the Royal Family was
very important for Brazil. The Imperial Academy of the Fine
Arts, which later became the School of Fine Arts, established
an academic centre for painting, including the qualification of
important artists, such as Victor Meirelles, Pedro Alexandrino,
Pedro Américo, Rodolfo Amoedo, Almeida Júnior and so many
others.
However, everything seemed so fragile, for genuinely national art. While Brazilian artists fought for their ideals, and
were often sentenced to be forgotten, what came from abroad
was extremely well valued. The Baroque movement experienced
in Brazil in the 18th Century is a good example of this theory. A
lot was lost during the colonisation, in which the sculptors were
017
INFLUENCES
Sementes (inspiradas em sementes brasileiras) - Esculturas em Cerâmica
Obra de Mieko Ukeseki
INFLUÊNCIAS
considered as merely wood carvers, with works that are rarely
signed, proving the austerity of the nobility, and also justifying
the absence of the Plastic Arts until the Royal Family arrived.
In this period, we find three important names: Bento Sabino dos Reis, who sculpted countless images, which turned the
Bahian religious temples into true temples; Manoel da Costa
Ataíde painted many of the churches in Minas Gerais. He was
a soldier, painter and decorator. Not all his works have been
documented and many of them were worked on in partnership
with the great master Aleijadinho.
Antonio Francisco Lisboa, or Aleijadinho (the Little
Physically Challenged One), worked with the materials that he
had available in Minas Gerais, including soapstone. Despite
enriching Brazilian architecture, with his sculptures, it was only
after his death that the tireless master from Minas Gerais had
his work recognised. Victim of an ailment that slowly consumed
his body, he kept active with the tools tied to his wrists. It is
interesting to note how the illness influenced his work, as also
the presence of the Jesuits. In his healthy phase, Aleijadinho
produced harmonious sculptures, with serene physiognomies,
always in pursuit of a Baroque ideal. In the last years of his life,
his work is much more expressionist, while always keeping a talent for perfection, without being influenced by other styles. This
is the first important Brazilian sculptor to live through the start
of the European missions, and remained loyal to his origins.
Aleijadinho lived through the peak of the gold crisis, receiving influence from the cultural environment of the mining
society. He worked with brilliant architects, sculptors and
painters and also, being so conservative, he did not leave any
followers, so much so that even today we hear many specialists
refer to his work as the “Aleijadinho Style”.
“Art is also the best portrait and the best heritage of a
society. It is the materialisation of the significant desires of a
culture.”
Nelson Screnci
desenhista francês Antoine Hercule Romuald Florence,
interior ainda contido, repleto de elementos que inspiraram
conhecido no Brasil como Hércules Florence (1804-1879),
diferentes obras.
um profundo admirador das Artes e da Ciência.
018
Nesse período, encontramos excelentes desenhos de
E exatamente no momento em que o Brasil proclama
Rugendas, assim como obras que focalizam o ambiente
sua independência, os artistas percorrem um vasto territó-
do Pantanal, Cerrado e Amazônia. A expedição percorre
rio, que ainda preservava uma estrutura econômico-social
o país por meio de rios e florestas, cidades e povoados.
com bases coloniais. A expedição de Langsdorff presen-
Esse período destaca obras que retratam a luta dos brancos
ciou dois países em um só, dividido pelo crescimento
contra os índios, no traço de Rugendas. Florence desenha
nas cidades litorâneas, com uma vida mais urbana; e um
os índios da tribo Mundurucu, na Amazônia. Taunay pinta
A country with many expeditions
However, America continued to arouse foreign curiosity,
faced with the unknown, the impenetrable and the mysterious.
Brazil had the presence of exotic races, picturesque landscapes,
abundant nature, and this encouraged three profiles: the land
conquerors, those seeking wealth, and the specialists studying
the issue. Wild nature aroused the inspiration of the artists that
came over here, ready to exploit all the images of an unknown
environment. The paintings of this era are rich in trees, branches, palm trees, shrubs, herbs, streams and waterfalls, as well
as species that led to inspiration and creativity, because, in the
opinion of the foreign artists, Brazil had the greenest vegetation,
the most beautiful pink and purple glory trees, the most brilliant
sunshine and also a land of significant contrasts.
Starting in the 19th Century, Brazil becomes an agent of
inspiration for European art. The missions that came over here
have made direct contributions to the History of Brazilian Art,
starting a second post-colonial phase.
Between 1822 and 1829, Baron G. H. Von Langsdorff
came to Brazil with a French expedition. The German painter
Johann Moritz Rugendas (1802-1858) goes with him from the
Fazenda Mandioca, in Rio de Janeiro, and travelling over to
Minas Gerais. For the trip to Mato Grosso, we highlight the
presence of French painter and designer Aimé-Adriaen Taunay
(1803-1828). The expedition also included French designer Antoine Hercule Romuald Florence, known in Brazil as Hércules
Florence (1804-1879), a deep admirer of Arts and Science.
At the very moment when Brazil declares its independence,
the artists travel along a vast territory, which still had an economic and social structure with colonial bases. Langsdorff’s
exhibition thus witnessed two countries in one, divided by the
growth of the coastal cities, with a more urban lifestyle; and
a countryside which is still limited, while full of elements that
have inspired different work projects.
In this period we find excellent works by Rugendas, including artistic works that focus on the environment of the Pantanal, Cerrado and the Amazon Region. The expedition traverses
the country along rivers and forests, cities and hamlets. This
period highlights works that depict the fights between whites and
Native Brazilians, in the strokes of Rugendas. Florence draws
the Native Brazilians of the Munducuru tribe, in Amazonia. Taunay painted large palm trees, identified as buritis, a plant native
to the Chapadas region. There are also records of how they got
surprised with the geographical depressions, infinite varieties
of coastal vegetation, birds of different hues and colours, in a
country which Landsdorff would define as “enchanting, with
one of the most perfect languages ever created by humanity,
with extensive treasures of nature”.
Here we can see the counterpoints, in the paintings that establish images of animals, forests, trees, tents, Native Brazilian
utensils, together with paintings that synthesise common attire
and habits of the rich people in the cities, the skin-melaninated
slave and his or her life in the senzala (slave quarters), together
with farm mansions, waterfalls and rodeos.
The foundation of the School of Fine Arts and also the presence of foreign missions encouraged academic teaching in the
Plastic Arts, generating influences on Brazilian art that would
persist through to the 20th Century. However, in general, the art
as here practiced would continue to follow the European lines.
French influence would deserve a topic in itself, as there
is a lot to be considered. Ever since the country was first discovered, Brazil has always been part of French imagination
and, to this day, the relationships between Brazil and France
are close. Even though there is not a significant percentage, in
colonisation, France has contributed to the construction of a
Brazilian identity, especially if we remember that many European countries have discovered South America through Brazil,
019
nativas das Chapadas. Registros do quanto se surpreenderam com as depressões geográficas, variedades infinitas de
vegetações serranas, pássaros de diferentes cores e tons, em
um país que Langsdorff definiria como “encantado, com
uma das linguagens mais perfeitas criadas pelo homem,
com extensos tesouros da natureza”.
E notamos os contrapontos, nas pinturas que concretizam imagens de animais, selvas, árvores, tendas, utensílios
indígenas, ao lado de pinturas que sintetizam as vestimentas
comuns e os hábitos dos ricos habitantes das cidades, o
negro escravo e sua vida na senzala, ao lado de casarios
de fazendas, cachoeiras e rochedos.
Brasil - Portugal 500 Anos - Painel - 1994 (inspirada nos 500 Anos do Descobrimento do Brasil)
grandes palmeiras, identificadas como os buritis, plantas
A fundação da Escola de Belas Artes e a presença das
missões estrangeiras estimularam o ensino acadêmico nas
Artes Plásticas, gerando influências na Arte Brasileira até o
século XX. Mas, de uma forma geral, a arte aqui praticada
continuaria seguindo as correntes europeias.
As influências francesas merecem um tópico a parte,
porque há muito para ser considerado. Desde seu descobrimento, o Brasil passou a ser parte do imaginário francês.
E até hoje, as relações entre Brasil e França são estreitas.
E apesar de não existir uma porcentagem significativa,
na colonização, a França contribui na construção de uma
identidade brasileira. Principalmente se lembrarmos de que
muito países da Europa descobriram a América do Sul por
intermédio do Brasil. E sem choques crônicos. Mundos
tão diferentes que convivem harmoniosamente, trocando
influências e informações.
E como a arte influencia a própria arte, nos anos 90,
Alfonso Hugo, diretor do Instituto Goethe de Brasília/DF,
decidiu refazer a expedição de Langsdorff. Dieter Straus,
diretor da instituição desde agosto de 1994, apoiou a ideia,
e sugeriu incluir trabalhos de Rugendas, Florence e Taunay. O resultado da nova missão foi exposta no Museu de
Arte de São Paulo, entre novembro de 1995 e fevereiro de
1996. Também foi exposta na Galeria Atos Vulcão e Casa
França-Brasil. O projeto permitiu uma reflexão sobre o
século XIX e XX, gerando um novo diálogo entre artistas
brasileiros e alemães.
020
INFLUENCES
Obra de Luiz Ventura - Projeto Arte no Metrô - Estação Restauradores de Lisboa/Portugal
INFLUÊNCIAS
Apoteose oriental
No início do século XX, o Brasil abriu as portas para
a colônia japonesa, que se espalhou em várias regiões, mas
mantendo no estado de São Paulo sua maior presença. Além
da agricultura, penetraram em todos os setores, ganhando
notoriedade na culinária, arquitetura e nas artes plásticas.
Aos poucos, foram conquistando seu espaço em museus,
bienais e revelando suas verdadeiras vocações. Nomes com
a importância de Tomie Ohtake, Macabu Mabel, Yoshida
Tanaka e Flávio Shire estão entre os mais respeitáveis dos
movimentos contemporâneos.
A maioria deles chegou ao Brasil ainda jovens, concluindo sua formação escolar ou iniciando carreiras em solo
brasileiro. Tisique Kumasaka (1901) é um dos pioneiros a
se estabelecer aqui e se dedicar à pintura. Em 1988, ano em
que se comemorou os 80 Anos da Imigração Japonesa no
Brasil, os trabalhos apresentados em uma grande exposição
com artistas que retratavam as paisagens típicas do nosso
País. Yoshiya Takaoka retratou a Casa dos Azulejos de
Salvador (1966); Tomoo Handa pintou o quadro “Paisagem
de Diamantina (1977); Masako Oninaka inspirou-se em
Ouro Preto (1980) e Iwao Nakajima pintou a Catedral da
Sé e o Marco Zero (1988). A mostra contou com trabalhos
and without chronic conflict situations. These are worlds that
are so very different yet live in harmony, exchanging influences
and information.
And as art has an influence on art itself, in the 1990s,
Alfonso Hugo, the director of the Goethe Institute in Brasília,
in Brazil’s Federal District, decided to retrace the expedition
embarked on by Langsdorff. Dieter Straus, the Head of the
Institution since August 1994, gave his support to the idea and
also suggested the inclusion of work by Rugendas, Florence
and Taunay. The result of this new mission was shown at the
Museum of Art of São Paulo (MASP), between November 1995
and February 1996. It was also shown at the Atos Vulcão Art
Gallery and in the Brazil-France House. This project enabled
a thought about the 19th and 20th Centuries, generating a new
dialogue between Brazilian and German artists.
in both geographical and cultural terms. “The exchange of
information was a contribution to my work. Brazil is a generous
country, both in terms of nature and culture. Brazilians are also
generous, and that brings out, in the artist, this desire to create
and to show things through art”, she says.
After leaving Japan, Mieko only saw Brazil and decided
to stay, due to the opportunity to work in a more spontaneous
manner, without any kind of prejudice. “The civilised societies
of the First World also coexist with some barriers that prevent
the artist from expressing himself or herself. For this reason,
these possibilities are greater in Brazil. For this reason, in
Brazil the possibilities are higher. This is a country that is so
generous it can be frightening to begin with. Slowly, the artist
perceived a true significance in these regional characteristics
that are present only in Brazil”, Mieko ponders.
An Oriental apotheosis
At the start of the 20th Century, Brazil opened its doors to
the Japanese colony which spread out among several regions,
while having its most significant presence in the state of São
Paulo. Apart from agriculture, the Japanese community entered
all segments, becoming particularly well known in the areas
of cooking, architecture and plastic arts. Slowly but surely,
they started to gain ground in museums and Biennial Exhibitions, and also started to show their true vocations. Names as
important as those of Tomie Ohtake, Macabu Mabel, Yoshida
Tanaka and Flávio Shire are among the most respectable names
of contemporary movements.
Most of them came to Brazil while still young, completing
their schooling or starting careers on Brazilian soil. Tisique
Kumasaka (1901) is one of the pioneers that settled here and
was dedicated to painting. In 1988, the year in which the 80th
Anniversary of Japanese Immigration into Brazil was commemorated, the work was presented in a major exhibition with
artists showing the typical landscapes of our country. Yoshiya
Takaoka showed the Tiles House in Salvador (1966); Tomoo
Handa painted “Landscape of Diamantina” (1977); Masako
Oninaka was inspired by Ouro Preto (1980) and Iwao Nakajima
painted the Sé Cathedral and the Geographical Centre of the
City (1988). The exhibition continues with works in Ceramic
Art by Megumi Yuasa, Akinori Nakatani and Shoko Suzuki.
Another mark of the colony from the Land of the Rising Sun
was the Tea Mansion, an architectural landmark in the city of
Mogi das Cruzes, in 1942, and discontinued in 1968. This is
a building that mixes the Japanese and Brazilian styles, in all
its architecture, sustained by eucalyptus trunks with a roof in
Oriental contours and stonework inspired by regional architecture from Minas Gerais.
Plastic artist Mieko Ukeseki came to Brazil in the 1970s
and settled in Cunha, in the State of São Paulo. She was not
shaken by the cultural differences, and, in fact, she sought inspiration in living a new experience, so far from her birthplace,
Italian Presence
With the start of the First World War, Europeans migrated
to other countries. The Italians arrived in Brazil, starting a new
process, and a new type of influence. Many of them prospered,
working on farms, while others got established in commercial
and industrial activities. Among these, there is the presence
of the Italo-Brazilian Francisco Matarazzo Sobrinho (1898 –
1977), who in 1946 would found the Modern Art Museum of
São Paulo (MASP) and later, in 1951, the Biennial Exhibition
of São Paulo, which he presided until his death.
We see that, at several different moments within the History
of Brazilian Art, Italians have made their presence felt. Many
settled in Brazil so well that they were often mistaken for people born in the country. Important names became famous in
Plastic Arts and became famous and recognised in art galleries,
important exhibitions and also in the Biennial Exhibitions that
followed: Eliseu Visconti, Nicolao Antonio Facchinetti, Giovanni Battista Castagneto, Enrico Bianco, Victor Nanni Brecheret, Ernesto De Fiori and Alfredo Volpi. This is in addition
to Brazilians of Italian descent, including such names as Anita
Malfatti, Cândido Portinari, Giuseppe José Gianini Pancetti,
Iberê Camargo, Bruno Giorgi, Aldo Cláudio Felipe Bonadei
and Alfredo Ceschiatti.
The Neapolitan painter Alejandro Ciccarelli (1811-1879)
very well exploited the Brazilian contrasts in his paintings. A
sea surrounded by giant mountains and Atlantic rain forest, the
means of transport, the big farms and their linear plantations,
and the daily life activities of many Native Brazilian tribes.
According to the teacher of History of Art at the Brazilian
Sculpture Museum (MuBE), Rosângela Gonçalves, as from the
19th Century immigration became constant for many reasons.
This brought to Brazil a healthy coexistence between workers,
labourers and shopkeepers, and also among artists who could
therefore develop their talent and creativity. Despite the many
missions of different nationalities that came to Brazil, today
the most famous foreign artists are within the Japanese and
021
se adaptaram ao Brasil, de tal forma, que chegavam a
Shoko Suzuki. E a colônia ainda teve como marco o Ca-
se confundir entre as pessoas nascidas no país. Grandes
sarão do Chá, um marco arquitetônico erguido na cidade
nomes se consagraram nas Artes Plásticas, e se tornaram
de Mogi das Cruzes, em 1942, e desativado em 1968. Uma
reconhecidos em galerias, grandes exposições e nas Bienais
edificação que mistura o estilo japonês com o brasileiro, em
que se seguiram: Eliseu Visconti, Nicolao Antonio Facchi-
toda sua arquitetura, sustentado por troncos de eucaliptos,
netti, Giovanni Battista Castagneto, Enrico Bianco, Victor
com um telhado que segue linhas orientais e alvenaria em
Nanni Brecheret, Ernesto De Fiori e Alfredo Volpi. Além
linhas inspiradas na arquitetura mineira.
dos descendentes italianos, os quais nasceram no Brasil:
A artista plástica Mieko Ukeseki chegou ao Brasil
Anita Malfatti, Cândido Portinari, Giuseppe José Gianini
na década de 70 e se estabeleceu em Cunha/SP. Ela não
Pancetti, Iberê Camargo, Bruno Giorgi, Aldo Cláudio
se abalou com as diferenças culturais. Na verdade, ela
Felipe Bonadei e Alfredo Ceschiatti.
buscou inspiração ao viver uma nova experiência, num
O pintor napolitano Alejandro Ciccarelli (1811-1879)
País distante de sua terra natal, em termos geográficos e
tão bem explorou em suas pinturas os contrastes brasileiros.
culturais. “A troca de informações foi uma contribuição
Um mar cercado de gigantescas montanhas e mata atlân-
ao meu trabalho. O Brasil é um país generoso, tanto na
tica, os meios de transporte, as grandes fazendas e suas
natureza quanto culturalmente. Os brasileiros também são
plantações lineares, o cotidiano das muitas tribos indígenas.
generosos, o que manifesta no artista esta vontade de criar,
De acordo com a professora de História da Arte do
de se manifestar através da arte”, afirma.
Obra de Gontran Guanaes Netto - Painel instalado na Estação Marechal Deodoro de São Paulo - SP - Brasil
em Arte Cerâmica de Megumi Yuasa, Akinori Nakatani e
INFLUENCES
Traços das Populações Brasileiras - Painel - 1989
INFLUÊNCIAS
MuBE-Museu Brasileiro de Escultura, Rosângela Gonçal-
Desde que saiu do Japão, Mieko conheceu apenas o
ves, a partir do século XIX a imigração se fez constante
Brasil e decidiu ficar, exatamente pela oportunidade de
por diferentes razões. Trouxe ao Brasil um convívio salutar
trabalhar de forma mais espontânea e sem preconceitos.
entre trabalhadores, operários e comerciantes, e também
“As sociedades civilizadas, de primeiro mundo, também
entre artistas, que puderam desenvolver seu talento e cria-
convivem com algumas barreiras, que impedem o artista
tividade. Apesar das muitas missões de diferentes naciona-
de se expressar. Por isso, no Brasil essas possibilidades
lidades vindas ao Brasil, hoje os artistas estrangeiros mais
são maiores. É um país com uma generosidade que até
destacados estão entre as colônias japonesas e italianas.
assusta, num primeiro momento. E aos poucos, o artista
“No século XX, podemos destacar a importância dos ita-
vai percebendo todo sentido nessas características regionais
lianos e seus descendentes, o que desencadeou a formação
presentes somente no Brasil”, considera Mieko.
dos grupos de artistas, como o Santa Helena, Guanabara,
Grupo dos 15 e Seibi, sendo este último formado com a
Presença italiana
contribuição dos artistas japoneses”, acrescenta.
Com o início da I Guerra Mundial, os europeus mi-
Rosângela lembra, porém, que a globalização faz
gram para outros países. E os italianos desembarcam no
com que outros países também recebam influências es-
Brasil, dando início a um novo processo, a uma nova influ-
trangeiras, inclusive do Brasil. “A arte está cada vez mais
ência. Muitos deles prosperam, trabalham em fazendas, se
universal, eliminando barreiras. Hoje, todos vivemos
estabelecem no comércio e na indústria. Entre eles, o ítalo-
sob as mais diversas influências, ao mesmo tempo e em
-brasileiro Francisco Matarazzo Sobrinho (1898 – 1977),
espaços diferentes. O que identifica um país é sua forma
que iria fundar, em 1946, O Museu de Arte Moderna de São
de decifrar a arte, o que cada artista explora para retratar
Paulo e, em 1951, a Bienal de São Paulo, a qual presidiu
a sua realidade”, completa.
até seu falecimento.
Nota-se que em diversos momentos da História da
Arte Brasileira, os italianos se fazem presentes. Muitos
022
Antropofagia libertária
Nas primeiras décadas do século XX, o Brasil demons-
023
INFLUENCES
trava suas primeiras intenções de se liberar das amarras
nietta também é pintora, escultora e ceramista, e confessa
estrangeiras. Acontece a Semana de Arte Moderna e, em
ter uma formação construída também em tendências e
seguida, o movimento antropofágico marca o Modernismo,
instruções recebidas de artistas estrangeiros. Ela vivenciou
no Brasil. Era uma tentativa de deglutir o mundo para que
intensamente os movimentos coletivos em ateliês, como
a arte descobrisse seu próprio país. O movimento tomou
o Grupo Santa Helena, que ainda hoje inspira jovens ar-
forma, emergindo nomes como o escritor Mário de An-
tistas na formação de processos artísticos coletivos. “A
drade, o pintor Di Cavalcanti e o compositor e maestro
realidade urbana de São Paulo recebeu muitas influências
Heitor Villa-Lobos. A Semana de Arte Moderna de 1922
estrangeiras, de várias partes do mundo, que também con-
acontece exatamente 100 anos após a Independência do
tribuiu com a formação de uma nova paisagem na cidade,
Brasil, celebrando 100 anos de liberdade.
com o trabalho de escultores como Victor Brecheret, Lasar
“Só a Antropofagia nos une”. A frase abriria o Mani-
Segall e Domenico Calabroni. E todos os demais estados
festo Antropofágico, escrito por Oswald de Andrade, 1928.
do Brasil convivem com essa conexão e influência entre
Os artistas reagiam contra as consciências e culturas impor-
artistas estrangeiros”, salienta.
tadas. A elite perpetuava sua preferência pelos modismos
Antonietta lembra que todos os países latino-america-
europeus, em detrimento aos valores da História do Brasil.
nos foram fortemente influenciados por seus colonizadores.
Em 1929 que Tarsila do Amaral pintou a obra Antropo-
Porém, o Brasil se destaca por seu real desprendimento em
fagia, um trabalho em óleo sobre tela, com 126 x 142 cm.
assumir essa miscigenação, o que resulta em reconheci-
Uma referência desse anseio de liberdade. Porque apesar
mento mundial, principalmente na área das Artes Plásticas.
das influências de seus mestres parisienses Léger e André
“No entanto, somos uma nação constantemente em busca
Lisboa; e de seus contatos com a linguagem surrealista,
de uma identidade própria”, finaliza.
a artista conseguiu desenvolver uma linguagem muito
própria e original.
“A pintura das crianças não é obra de arte. Para elas,
“A Negra” foi pintada em Paris, em 1923; assim como
não passa de divertimento, enquanto para os primitivistas
Antropofagia, sendo este último uma tradução do com-
trata-se do objetivo de suas vidas. Elas abolem o tempo,
plexo de ideais do Manifesto Antropofágico de Oswald
remontam à fontes, a esses paraísos infantis perdidos e,
de Andrade.
afinal, reencontrados. O naif começa onde morre criança”.
Analisando esses processos, nos dias atuais, a presidente do SINAPESP-AIAP-UNESCO - Sindicato Nacio-
Anatole Jakovsky
nal dos Artistas Plásticos e Comitê Nacional Brasileiro
da AIAP - Associação Internacional das Artes Plásticas
Arte Naif – Uma fonte inesgotável de referências
– UNESCO, Antonietta Tordino, observa que o Brasil
O sociólogo Souza Barros cita, em seu livro Arte,
caracteriza-se mundialmente pela riqueza de culturas,
Folclore, Subdesenvolvimento, a imposição dos meios de
raças, religiões, crenças, hábitos e contrastes, que forma
comunicação, a qual não se restringe aos grandes centros.
uma gigantesca nação cultural, e não apenas territorial. “Há
Estabelece, nas áreas afastadas do interior, a criação de um
uma riqueza ambiental que fortalece o artista e o ajuda a
denominador comum de preferências e seduções. Trocando
concretizar sentimentos. É comum, em todo processo ar-
em miúdos, gera influências alheias ao ambiente natural
tístico, essa necessidade de transpor na pintura a realidade
das civilizações. “Vai matando os motivos locais, apresen-
ao seu redor, e seu trabalho pode até provocar mudanças no
tando fatores de distorção e suprimindo as iniciativas mais
meio social. A Semana de 22 e, sem dúvida, um exemplo
ingênuas e puras do folclore. Por outro lado, o homem do
desse comportamento”, acrescenta.
campo informa-se de uma série de outros fatores que não
Além de presidir o SINAPESP-AIAP-Unesco, Anto-
024
lhe chegavam facilmente ao conhecimento (...)”.
Obra de Maria Bonomi
INFLUÊNCIAS
Italian colonies. “In the 20th Century, we can mention the importance of the Italians and their descendants, which triggered
the establishment of groups of artists, such as Santa Helena,
Guanabara, Grupo dos 15 and Seibi, with this latter group
consisting of contributions from Japanese artists”, she adds.
Rosângela also remembers, however, that globalisation
has meant that other countries have also received foreign
influence, including the influence from Brazil. “Art is getting
more and more universal, with the elimination of barriers. Now
we all live under the same influences. at the same time, but in
different spaces. What really identifies a country is its way of
deciphering art, which is explored by each artist to portray his
or her reality”, she completes.
Libertarian Anthropophagy
In the first decades of the 20th Century, Brazil showed its
first intentions of breaking free from foreign ties. The Modern
Art Week took place and, soon afterwards, the Anthropophagic
Movement marked Modernism in Brazil. This was an attempt to
swallow the world, so that art could discover its own country.
The movement took shape, and thus arose names like Mário
de Andrade, painter Di Cavalcanti, and musical composer and
maestro Heitor Villa-Lobos. The Modern Art Week of 1922 takes
place exactly one hundred years after Brazil’s Declaration of
Independence, so commemorating a century of freedom.
“Only Anthropophagy brings us together”. This phrase
would open the Anthropophagic Manifesto, penned by Oswald
de Andrade in 1928. Artists reacted to imported cultures and
consciences. The elite perpetuated its preference for European
fashions, in preference to the values of History of Brazil.
It was in 1929 that Tarsila do Amaral painted the work
Anthropophagy, an oil painting measuring 126 cm x 142 cm.
This work was a reference point in this yearning for freedom,
because, despite the influence of her Parisian masters Léger
and André Lisboa, and her contact with surrealist language,
the artist has managed to develop a highly original language
of her very own.
“The Skin-Melaninated Woman” was painted in Paris in
1923; just like Anthropophagy itself, this is a translation of the
complex set of ideals of the Anthropophagic Manifesto produced
by Oswald de Andrade.
Analysing these processes, at the present time, the President of the National Plastic Artists’ Trade Union and also the
Brazilian National Committee of the Plastic Arts International
Association – UNESCO (SINAPESP-AIAP-UNESCO), Antonietta Tordino, observes that Brazil is globally characterised
by richness of cultures, ethnicities, creeds, habits and contrasts,
which melt into a nation that is gigantic culturally, and not only
in terms of territory. “There is an environmental richness that
strengthens the artist and helps him to make feelings materialise. It is common, throughout the artistic process, that there
is this need to bring out the surrounding reality in painting,
and his work can even cause social changes. The Modern Art
Week of 1922 is, without any doubt, a clear example of such
behaviour”, she adds.
Apart from presiding over SINAPESP-AIAP-Unesco,
Antonietta is also a painter, sculptor and ceramic artist, and
confesses that she has qualifications that are also based on
025
A importância da pintura naif é inquestionável para a
E quando consideramos seus diferentes elementos,
Arte Brasileira, e não poderia ser desconsiderada, exata-
testemunhamos que o mar, a fauna, a flora, a geologia
mente por relatar as ricas tradições populares. Reflete toda a
enfim, são agentes influenciadores dos muitos estilos re-
capacidade dos pintores de captar um olhar brasileiro sobre
velados pelas Artes Plásticas praticadas no Brasil, assim
a realidade ao seu redor. Representa a memória coletiva
como entre os artistas de outros países que aqui chegam
do povo brasileiro, com uma documentação visual artística
e, muitas vezes, jamais retornam ao seu país de origem.
em louvor aos costumes, usos, comportamentos urbanos e
Existem duas obras consagradas, as quais mostram o
regionais, sem influências intelectuais. É uma visão sim-
quanto esse elemento natural se torna presente no trabalho
ples do que é visto, de forma pura. As raízes de um povo,
artístico: A balsa da Medusa, de Theodore Géricault e Na-
enfim. Apesar de o cantor e compositor baiano Gilberto
vio de Emigrantes, de Lasar Segall. Este último, pintado
Gil ironicamente argumentar, certe vez, o contrário: “Raiz
entre 1939 e 1941, hoje é parte do acervo do Museu Lasar
para mim é aipim”.
Segall, em São Paulo/SP.
Num mundo moderno, no qual a linguagem artística
A Balsa da Medusa concretiza o imaginário do artis-
tende cada vez mais a se influenciar por diferentes ten-
ta, numa situação de naufrágio, e no qual os personagens
dências internacionais, muitas vezes sufocando sua na-
acenam para um barco à distância, na tentativa de uma
cionalidade, o próprio Gilberto Gil defende as influências
salvação. Uma revolução, na História da Arte, naquela
afro-baianas na sua música. Ou seja, muitas vezes parece
ocasião, já que os artistas trabalhavam sempre momentos
haver uma negação à qualquer tentativa de defesa de uma
de coroações de imperadores e grandes batalhas. Theodoro
identidade brasileira, não apenas nas Artes Plásticas, como
Géricault surge com uma nova proposta, uma embarcação
também em outros setores.
que transporta sobreviventes e cadáveres.
A Arte Naif e suas possíveis relações com as “normas
Lasar Segall imprime na tela o triste relato da condição
cultas” parece criar uma empatia com o público. Enquanto
humana das embarcações. A pintura revela pouco sobre
os intelectuais a definem como uma arte menor, muitas
o mar e o céu, numa pintura de luz clássica, homogênea,
vezes esse conceito não corresponde à realidade. Porque
onde cada personagem tem sua parcela de luz. Segall
é uma arte atuante, existente e persistente. Que luta contra
transmite na obra todo o seu sentimento, com personagens
as indiferenças, num País de origens colonizadoras. Talvez
que choram ou riem. Mistura tédio e melancolia, leveza
possa ser considerada ingênua, exatamente por retratar nos-
e tristeza, abandonando as convenções pictóricas de sua
sa identidade cultural, o nosso ambiente real e o nosso co-
época. Navio de Emigrantes se transformou em sua pintura
tidiano. Porém, está emaranhada de grandes nomes, como
mais marcante, e uma obra histórica para o Brasil, mesmo
Elisa Martins da Silveira, Cardosinho, Heitor dos Prazeres,
não seguindo um tema usual na pintura moderna.
Nilson Machado, Nil Rosa, Pablo Lobato, Alexandre da
Nos nossos tempos, podemos vislumbrar a obra de
Cunha, Adão Domiciano, Deraldo Clemente, Danbeco,
Frans Krajcberg, artista que refez o seu destino, no Brasil,
Enzo Ferrara, Agostinho Batista de Freitas e tantos outros.
por intermédio do contato com a natureza local. Certa vez,
ele declarou que “no Brasil senti o impacto da natureza.
O oceano sem limites
Em todo o mundo, a arte interliga os períodos da
Bruno Lechwski, nos anos 30, mestre de Pancetti,
história, da religião, política, ciência ou tecnologia. A na-
defendia que “em qualquer parte onde esteja, sinto-me
tureza está em todas as manifestações artísticas, inclusive
nos braços da minha mãe – a natureza. Porque a pátria é
na arte abstrata, mesmo que sua presença ocorra de forma
uma só, a natureza. Ambos se naturalizaram brasileiros.
subjetiva, num processo de reinvenção. São inegáveis as
influências que o entorno exerce sobre o artista.
026
Aqui nasci pela segunda vez”.
Entre nomes consagrados, encontramos a obra Jaguari, de Iberê Camargo, datada de 1941. Johann Moritz
INFLUENCES
Obra de Antonio Peticov
INFLUÊNCIAS
trends and instructions received from foreign artists. She has
intensely experienced the group movements in studios, such as
the Santa Helena Group, which still today inspires young artists
in the establishment of collective artistic processes. “The urban
reality of São Paulo has received a lot of foreign influence,
from several parts of the world, which has also played a part
in the establishment of a new landscape in the city, with the
work of sculptors such as Victor Brecheret, Lasar Segall and
Domenico Calabroni. In addition, all the other states of Brazil
coexist with this connection with, and influence of, foreign
artists”, he stresses.
Antonietta remembers that all the Latin American countries have been strongly influenced by their colonists. However,
Brazil stands out for its real detachment in taking on this racial
mix, which results in world acclaim, especially in the area of
Plastic Arts. “However, we are a nation that is constantly in
search of its own identity”, she finalises.
“Paintings by children are not works of art. For them, this
is nothing more than a bit of fun, while for the primitivists it is
the aim of their lives. They abolish time, make use of sources,
these lost infant paradises which have finally been found again.
Naïf starts where children die”.
Anatole Jakovsky
Naïve Art – an inexhaustible source of references
Sociologist Souza Barros mentions, in his book Art,
Folklore and Underdevelopment, the imposition of the means
of communication, which is not restricted to major centres.
However, in the more remote parts of the countryside, the creation of a common denominator of preferences and seductions
is established. Summarising, this generates influences beyond
the scope of the natural environment of civilisations. “This is
killing off the local reasons, presenting distortion factors and
suppressing the most naïve and pure initiatives of folklore. On
the other hand, the rural people get informed about a series of
other factors that do not easily become known (...)”.
The importance of naïve painting is undeniable, in the case
of Brazilian Art, and could not be ignored, exactly as it reports
on the rich popular traditions. It reflects the whole capacity of
the painters in obtaining a Brazilian view of the surrounding
reality. This represents the collective memory of the Brazilian
people, with a visual and artistic documentation in praise of
customs, practices, and also urban and regional patterns of
behaviour, without any intellectual influences. This is a simple
vision of what is seen, in pure form. The roots of a people, after
all, even though the Bahian singer and composer Gilberto Gil
once argued the contrary: “Roots, for me, are manioc roots”.
In the modern world, in which artistic language gets more
and more influenced by different international trends, often suffocating nationality, Gilberto Gil himself defends Afro-Bahian
influences on his music. In other words, there often seems to be
a denial of any attempt to defend a Brazilian identity, not only
in Plastic Arts, as also in other segments.
Naïve Art and its possible relationship with the “cultured
standards” seem to create empathy with the public. While
intellectuals define this as a smaller art, often this concept
does not correspond to reality, because it is an active form
of art, that is both existent and persistent. A form of art that
fights against indifference, in a country with colonist origins.
This could be considered naïve for the fact that it represents
our cultural identity, our real identity and also our daily lives.
However, this is full of important names such as Elisa Martins
da Silveira, Cardosinho, Heitor dos Prazeres, Nilson Machado,
027
INFLUÊNCIAS
INFLUENCES
Dieter Straus – Editora Estação Liberdade – 1995.
Rugendas pintou a Floresta Brasileira, em 1824. Manuel
Nil Rosa, Pablo Lobato, Alexandre da Cunha, Adão Domiciano,
Deraldo Clemente, Danbeco, Enzo Ferrara, Agostinho Batista
de Freitas and so many others.
O Brasil na Visão do Artista – A Natureza e as Artes
de Araujo Porto-Alegre retratou a Floresta Brasileira, em
Plásticas – Frederico Morais – Projeto Cultural Sudameris
1853.
– Prêmio Editorial Ltda – 2001.
O pintor pós-impressionista francês, Paul Cézanne
(1839-1906), mantinha o hábito de sair de casa com um
Revista E – SESC SP – 2007
caderno de notas. Era um meio de registrar esboços e as-
Aleijadinho – Catálogo Geral da Obra – Márcio Jardim – Editora RTKF – 2006
pectos variados da natureza, no entorno de seu ateliê. Tudo
Aldemir Martins – O Viajante Amigo – Jacob Klinto-
o que lhe parecia excessivo ou superficial ganhava menor
witz – SESC SP – 2006
atenção, focando-se no essencial da natureza: o mundo
Vida e Arte dos Japoneses no Brasil – 80 Anos da
visível e concreto, desconsiderando o artificial.
O pintor Aldemir Martins hoje é considerado o mestre
Imigração Japonesa no Brasil – Museu de Arte de São
do imaginário brasileiro. Em seus 83 anos de existência,
Paulo Assis Chateaubriand – Banco América do Sul - 1988.
buscou uma incessante compreensão de seu País, pintando
figuras típicas do Nordeste: cangaceiros, rendeiras, gatos,
peixes, frutas e horizontes, sempre repletos de cores fortes.
Exercitou todas as técnicas do desenho, gravura, pintura,
ilustração, ourivesaria, cerâmica, desenho industrial, objetos e projetos gráficos.
Exemplos que justificam o pensamento de Pietro Maria Bard, o qual definia que as Américas assumiram, desde
sua formação por meio dos processos colonizadores, um
influências do Ocidente e Oriente, superando e ampliando
os espaços ao seu redor.
Bibliografias
A Arte Brasileira em 25 quadros - 1790/1930 – Editora
Record – Rafael Cardoso – 2008.
A Arte Naif no Brasil, de Jacques Ardies – Editora
Empresa das Artes/1998 – Textos de Geraldo Edson de
Andrade.
Pinturas Cegas – Tomie Ohtake / Paulo Herkenhoff
– 2012.
Influência Histórica Social da Missão Artística Francesa na Arte Brasileira – Odorico Pires Pinto – Tese apresentada à Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade
do Brasil – 1950.
O Brasil de Hoje no Espelho do Século XX – Artistas
Alemães e brasileiros refazem a expedição Langsdorff – 4ª
edição – Por Maria de Fátima G. Costa, Pablo Diener e
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Foto: Silvana Baierl
ras. Sendo assim, a Arte Brasileira convive com múltiplas
Interior da Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador/BA - Pinturas no teto do Mestre Athayde e peças também atribuídas a Aleijadinho
ponto de encontro das mais variadas procedências e cultu-
The ocean without borders
Throughout the whole world, art interconnects the periods
of history, religion, politics, science or technology. Nature is
in all artistic forms of expression, including abstract art, even
if its presence occurs in a way that is subjective, in a process
of reinvention. The influences that the surroundings have upon
the artist are undeniable.
When we consider its different elements, we witness the
fact that the sea, plant and animal life, and also geology, are
influencing agents of the different styles that have been revealed
by Plastic Arts in Brazil, as also among artists of other countries that arrive here and often do not return to their countries
of origin.
There are two famous works, which show just how much
this natural element becomes present in artistic work: The
Raft of the Medusa, by Theodore Géricault, and the Ship of
Emigrants, by Lasar Segall. This last work, painted between
1939 and 1941, is now part of the collection of the Laser Segall
Museum in São Paulo, Brazil.
The Raft of the Medusa materialises the imagination of
the artist, in a shipwreck situation and in which the characters
wave to a distant ship, in the hope of being saved. A revolution
in the History of Art at that time, as the artists always worked
on moments of coronations of emperors and major battles.
Theodore Géricault comes along with a new proposal, a ship
which transports survivors and corpses.
Lasar Segall prints on the screen the sad report of the
human conditions aboard the ships. The paintings say little
about the sea and the sky, in a painting with classic light, homogeneous, where each character has his or her part of light.
In the work, Segall transmits his whole feelings, with characters
that laugh or cry. This is a mixture of tedium and melancholy,
lightness and sadness, thereby abandoning the pictorial conventions of his time. The Ship of Emigrants ended up becoming his
most significant painting work, and also a historical work for
Brazil, even though it does not follow a theme which is usual
in modern painting.
In our days, we can envisage the work of Frans Krajcberg,
an artist that reset his destination, in Brazil, through contact
with local nature. On one occasion, he declared that “in Brazil I
felt the impact of nature. Here I was born for the second time”.
In the 1930s, Bruno Lechwski, Pancetti’s master, defended
the concept that “wherever I may be, I felt I was in my mother’s
arms – my mother being Nature. This, because a country is only
one unit, its nature. Both ended up naturalising as Brazilian
citizens.
Among famous names, we find the work by the name of
Jaguari, by Iberê Camargo, dated from 1941. Johann Moritz
Rugendas painted the Brazilian Forest in 1824, while Manuel de
Araujo Porto-Alegre also painted the Brazilian Forest in 1853.
The French post-impressionist painter, Paul Cézanne
(1839-1906), kept the habit of leaving the house with a notepad.
This was one way that he used to record drafts and miscellaneous aspects of nature around his studio. Everything that
seemed excessive or superficial was given less attention, with
the focus being aimed on the essential aspects of nature: the
visible and concrete world, disregarding the artificial.
Painter Aldemir Martins is now considered the master
of Brazilian imagination. In his 83 years of life, be sought a
constant understanding of his country, painting typical figures
from the Brazilian Northeast: cangaceiros, lace workers, cats,
fish, fruits and horizons, always full of strong colours. He also
used all techniques of drawing, engraving, painting, illustration, metalworking, ceramics, industrial design, objects and
graphical projects.
These are examples that justify the thoughts of Pietro
Maria Bardi, who defined that the Americas have taken on,
ever since their formation through colonisation processes, the
aspect of a meeting point of several origins and cultures. This
way, Brazilian Art coexists with multiple influences of both East
and West, exceeding and expanding the spaces around.
Bibliography
Brazilian Art in 25 Pictures - 1790/1930 – Editora Record
– Rafael Cardoso – 2008.
Naïve Art in Brazil, by Jacques Ardies – Editora Empresa
das Artes/1998 – Texts by Geraldo Edson de Andrade.
Blind Paintings – Tomie Ohtake / Paulo Herkenhoff – 2012.
The Social Historical Influence of the French Artistic
Mission in Brazilian Art – Odorico Pires Pinto – Thesis presented to the National Architecture School of the University of
Brazil - 1950.
Today’s Brazil Mirroring the 20th Century – German and
Brazilian Artists recreate the Langsdorff Expedition – 4th edition – By Maria de Fátima G. Costa, Pablo Diener and Dieter
Straus – Editora Estação Liberdade – 1995.
Brazil as Seen by the Artist – Nature and Plastic Arts
– Frederico Morais – Sudameris Cultural Project – Prêmio
Editorial Ltda – 2001.
E Magazine – SESC SP – 2007
Aleijadinho – General Catalogue of Work – Márcio Jardim
– Editora RTKF – 2006
Aldemir Martins – The Friendly Traveller – Jacob Klintowitz – SESC SP – 2006
Life and Art of Japanese People in Brazil – 80 Years of
Japanese Immigration to Brazil – Assis Chateaubriand Art
Museum of São Paulo – América do Sul Bank - 1988.
029
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O Brasil e suas carismáticas influências