UniFMU Curso de Direito Teoria da Ação Afirmativa Marcos Rafael Pereira Piscino R.A.: 456493-1 - Turma: 3109-A Tels: (11) 6977.9327 / (11) 7636.9056 e.mail: [email protected] 1 UniFMU Curso de Direito Teoria da Ação Afirmativa Marcos Rafael Pereira Piscino R.A.: 456493-1 Orientador: Prof. Paulo A. Casseb Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Direito da UniFMU como requisito parcial para a obtenção do grau Bacharel em Direito, sob a Orientação do Prof. Paulo Adib Casseb. São Paulo, 03 de março de 2006. 2 _________________________ Professor Orientador: Paulo Adib Casseb _________________________ Professor Argüidor _________________________ Professor Argüidor Resultado da Avaliação:_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Nota: _ _ _ _ _ _ _ (_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _) 3 SINOPSE Historicamente, alguns segmentos da sociedade foram oprimidos e discriminados por outros grupos sociais, chamados de dominantes, que se encontravam em clara posição de vantagem sobre aqueles. A solução encontrada para acabar com as desigualdades entre dominados e dominantes foi a de atribuir-se, por tempo indeterminado, à classe dominada, certos privilégios, até que a efetiva igualdade fosse restabelecida. A esta atribuição de privilégios dá-se o nome de Ação Afirmativa; Ação Positiva; ou, Discriminação Positiva. A Ação Afirmativa, portanto, é um meio de dirimir desigualdades préexistentes na sociedade no momento de sua implementação. E, em razão de atribuir certos privilégios a quem nunca os teve, sendo sempre inferiorizados pelos “dominantes”, a Ação Afirmativa encontra muitas barreiras para ver-se implementada. Deste modo, muito embora seja alegado pelas pessoas que não são tão favoráveis à implantação deste tipo de política pública, a Ação Afirmativa está em perfeita harmonia com o princípio da isonomia, previsto em nossa Constituição Federal; haja vista que tal preceito determina uma igualdade substancial entre as pessoas, ou seja, popularmente falando, um tratamento igual aos iguais, na medida de sua igualdade, e um tratamento desigual aos desiguais. Ademais, mesmo não constando expressa previsão neste sentido, a Constituição Federal consagra implicitamente políticas de Ação Afirmativa, como no caso do artigo 37, VIII, no qual é previsto reserva de cotas para deficientes físicos em cargos e empregos públicos. 4 Pretende-se, ainda, demonstrar que a Ação Afirmativa pode se exteriorizar de diversos modos, sendo aquele que institui reserva de cotas, em determinados lugares, a serem ocupadas por indivíduos pertencentes aos grupos dominados, o mais conhecido. Contudo, o que é importante salientar é que, mesmo sendo o mais conhecido, este não é o único meio existente, havendo, ainda, outros, como a concessão de incentivos fiscais etc. Finalmente, discute-se alguns argumentos jurídicos e sociológicos contrários à implementação das políticas públicas de Ação Afirmativa. 5 TEORIA DA AÇÃO AFIRMATIVA SUMÁRIO I. Introdução .................................................................................. pg. 07 II. Conceito de Ação Afirmativa ..................................................... pg. 08 III. Origem e Evolução da Ação Afirmativa ..................................... pg. 11 IV. Ação Afirmativa e o Princípio Constitucional da Igualdade ....... pg. 16 V. Previsões Constitucionais de Políticas de Ação Afirmativa ....... pg. 29 VI. Metodologia da Ação Afirmativa ................................................ pg. 35 VII. Críticas à Ação Afirmativa .......................................................... pg. 37 VIII. Conclusão .................................................................................. pg. 40 IX. Bibliografia ................................................................................. pg. 43 6 I. INTRODUÇÃO Num momento histórico em que as classes econômicas menos abastadas cada vez mais reivindicam seus direitos; em que um ex-operário exerce o cargo de chefe do Poder Executivo Federal; um negro exerce o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, faz-se necessário buscar quais são as formas de dirimir-se as diferenças existentes na sociedade, de eliminar-se os preconceitos sociais e raciais presentes nesta mesma sociedade. Uma das formas encontradas para se alcançar estes objetivos é por meio da Ação Afirmativa e é por esta razão que o tema Teoria da Ação Afirmativa foi escolhido para o Trabalho de Curso, por tratar-se de questão de grande relevância na atual conjuntura do direito pátrio. Assim, após a escolha e delimitação do tema, foi elaborado um projeto, através do qual foram colhidos informações e dados, obtidos em diversas fontes, quais sejam, leitura de livros e artigos que versam acerca da problemática em questão, pesquisas jurisprudenciais e de campo, por meio de participação em debates, entrevistas, sempre confrontadas com a Constituição Federal. Finalmente, o Trabalho de Curso foi elaborado de forma a trazer conceitos e os principais meios pelos quais as políticas de Ação Afirmativa podem se exteriorizar, bem como, analisar a constitucionalidade de tal problemática. 7 II. CONCEITO DE AÇÃO AFIRMATIVA O termo ação afirmativa tem conceito amplo e significa, em linhas gerais, o conjunto de políticas públicas e, muitas vezes, privadas, realizadas com o fim de neutralizar discriminações, atribuindo-se, para tanto, privilégios a grupos sociais que historicamente encontraram-se inferiorizados e em posição desvantajosa em relação a certos segmentos tidos como dominantes. A ação afirmativa também é conhecida pelas expressões “ação positiva” e “discriminação positiva”. No entendimento de Paulo Lucena de Menezes 1, ação afirmativa “é um termo de amplo alcance que designa o conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas que visam favorecer grupos ou segmentos sociais que se encontrem em piores condições de competição em qualquer sociedade em razão, na maior parte das vezes, da prática de discriminações negativas, sejam elas presentes ou passadas. Colocando-se de outra forma, pode-se asseverar que são medidas especiais que buscam eliminar os desequilíbrios existentes entre determinadas categorias sociais até que sejam neutralizados, o que se realiza por meio de providências efetivas em favor das categorias que se encontram em posições desvantajosas”. Já para o Ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa Gomes 2, “as ações afirmativas se definem como políticas públicas (e privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física”. ______________________________ 1. A Ação Afirmativa...; pg. 27 2. Ações Afirmativas...; pg. 21 8 Focando-se no problema do preconceito racial e citando o predito autor, o Professor Luiz Fernando Martins da Silva 3 ensina que: “as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como, para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”. Ainda, o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra, criado durante a gestão do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, definia as ações afirmativas como “medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros” 4. Finalmente, a Câmara de Deputados formou uma Comissão Especial para apreciar e dar parecer no Projeto de Lei nº 3.198/2000, que foi posteriormente aprovado pelo Senado Federal, de autoria do Deputado Federal Paulo Paim – PT/RS, que instituía o Estatuto da Igualdade Racial. O Substitutivo adotado por esta Comissão Especial, no § 5º, do artigo 1º, estipula que, para efeito do Estatuto da Igualdade Racial, “consideram-se ação afirmativas os programas e medidas especiais adotados pelo Estado para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades”. Diante do exposto nos parágrafos acima, pode-se concluir que a ação afirmativa é utilizada como forma de reverter situações ocorridas no passado, ______________________________ 3. Ob. cit.; pg. 63 4. ob. cit.; pg. 96 9 mediante a intervenção do Poder Público, seja nas funções inerentes ao Executivo, ou naquelas inerentes ao Legislativo ou ao Judiciário, que confere legitimidade às medidas implantadas pelos outros Poderes; ou, ainda, da iniciativa privada. Fundamento. Assim como todos os institutos que compõem todas as disciplinas do direito, a ação afirmativa também possui um fundamento jurídicofilosófico. Da simples análise do conceito de ação afirmativa, pode-se inferir que tal política tem como fundamento a compensação e baseia-se no postulado da justiça compensatória, ou seja, visa a corrigir, na atualidade, discriminações sofridas no passado pelos grupos que vêm sendo dominados. Não se pode olvidar que a ação afirmativa não se refere a um direito de grupos minoritários, no que diz respeito à quantidade numérica dos indivíduos que façam parte deste grupo, mas, sim, da posição inferiorizada que tais pessoas se encontravam no passado e continuam se encontrando no presente. Paulo Lucena de Menezes 5 suscita, ainda, outro ponto controvertido pelos doutrinadores. Questiona ele se a ação afirmativa seria forma de justiça compensatória ou forma de justiça contributiva; explicando, na seqüência que para os defensores da primeira corrente, a ação afirmativa seria um ressarcimento por danos causados, já para os adeptos da segunda corrente, a ação afirmativa seria um meio de evitar e eliminar privilégios, obtendo-se uma igualdade proporcional entre os componentes da sociedade. É válido supor, entretanto, que a ação afirmativa pode assumir as duas feições, dependendo do caso concreto. É que em dadas circunstâncias, a ação afirmativa propiciaria vantagens aos membros dos grupos minoritários, visando a uma reparação por eventuais danos sofridos por seus antepassados; e, em outras ocasiões, seria apenas uma forma de alcançar o bem comum, tornando a sociedade mais justa e igualitária. _____________________________ 5. Ob. cit; pg. 35 10 III. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA AÇÃO AFIRMATIVA A ação afirmativa surgiu nos Estados Unidos da América, tendo sido utilizado pela primeira vez pelo então Presidente John F. Kennedy. Naquela oportunidade, ele expediu determinação de que as empresas que celebrassem contratos com o Governo Federal não poderiam discriminar, de qualquer maneira, os seus próprios funcionários, bem como, que seriam implantadas políticas internas para que todos os empregados obtivessem iguais oportunidades para serem admitidos, promovidos e transferidos. Ainda nos Estados Unidos da América, em 02 de julho de 1964, foi criado o Civil Right Act, impondo a vedação de qualquer forma de discriminação em logradouros públicos, no mercado de trabalho e no ensino superior. Em 24 de setembro de 1965, foi promulgada a Executive Order n. 11.246, pela qual foi exigido que os contratantes com o governo federal deveriam estabelecer medidas efetivas em favor de membros de minorias étnicas e raciais, com a finalidade de atenuar discriminações presentes ou passadas 6. É também datada do ano de 1965 a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil foi signatário. Tal Convenção passou a fazer parte de nosso ordenamento jurídico a partir de sua promulgação por meio do Decreto nº 65.810, de 08 de dezembro de 1969. Voltando aos Estados Unidos, no ano de 1971, foi feito o Philadelphia Plan, dispondo, novamente, que os contratantes com o Governo Federal deveriam desenvolver, anualmente, programas de ação afirmativa, com a finalidade de _____________________________ 6. Paulo Lucena de Menezes; ob. cit.; pg. 91 11 identificar e corrigir deficiências existentes em relação às mulheres e a grupos minoritários, o que se daria pelo cumprimento e pela observância de determinadas metas numéricas na contratação de empregados, as quais seriam fixadas de acordo com a participação dessas mesmas minorias no mercado de trabalho 7. Outro diploma de suma importância foi o Higher Education Act, editado em 1972, que vedava a discriminação entre homens e mulheres nas instituições de ensino federal. A Ação Afirmativa nos Tribunais Norte-Americanos. Diante do quadro que se formou, não tardaria para que o Poder Judiciário dos Estados Unidos da América fosse compelido a manifestar-se quanto às políticas de ação afirmativa. Conforme nos ensina Ronald Dworkin 8, em 1971, um cidadão branco, chamado Marco DeFunis, candidatou-se a uma vaga na Faculdade de Direito da Universidade de Washington, não tendo sido aceito por não ter obtido notas suficientemente altas para concorrer com os demais postulantes, bem como não se enquadrava em nenhum grupo minoritário e, por conseqüência, não fazia juz às vagas que haviam sido destinadas a estes. O candidato preterido pela política adotada pela Universidade de Washington pediu à Suprema Corte que fosse declarada que tal prática violava direitos que lhe eram assegurados por Emenda Constitucional. Contudo, lhe foi permitido que freqüentasse o curso de Direito enquanto a questão restasse pendente; sendo que na época do julgamento, DeFunis estava prestes a se formar e, bem por isso, os Ministros da Suprema Corte Norte-Americana extinguiram o processo sem julgar seu mérito. _____________________________ 7. Paulo Lucena de Menezes; ob. cit.; pg. 92 8. Levando os Direitos a Sério, pg. 343 12 O segundo caso de destaque envolveu novamente um cidadão branco, chamado Alan Bakke. Depois de ser reprovado três vezes consecutivas em exames de admissão em Faculdades de Medicina, Bakke, tendo conhecimento de que a última faculdade que o reprovara, qual seja, a Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, mantinha um programa de ação afirmativa que separava algumas vagas para candidatos hipossuficientes economicamente e para membros de grupos minoritários, decidiu processar a faculdade, alegando que ter sido discriminado em razão de sua raça. A decisão do processo envolvendo a Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia e Alan Bakke foi um marco divisório para as políticas de ação afirmativa. Se por um lado os Ministros da Supre Corte determinaram que Bakke deveria ser admitido no curso de Medicina; por outro, pela primeira vez afirmaram que a raça e a etnia poderiam ser utilizadas elemento seletivo para programas de ação afirmativa, desde que preenchidos determinados requisitos. Houve, ainda, outro caso de suma importância, desta vez englobando o mercado de trabalho. O sindicato United Steelworkers e a empresa Kaiser Aluminium and Chemical Company firmaram um acordo que instituía um programa de ação afirmativa, que estabelecia treinamento e reserva de determinadas vagas para pessoas negras, com intuito de favorecer-lhes a ascensão profissional. Para tanto, ficou estabelecido que a antiguidade seria um dos critérios de seleção para o predito programa de treinamento. Brian Weber, um trabalhador que, por ser branco, não poderia participar dos treinamentos internos da Kaiser Aluminium and Chemical Company, ajuizou ação em face da empresa, alegando que o programa de ação afirmativa violava seu direito de Igual Proteção. A Suprema Corte decidiu, por maioria de votos, que a Cláusula de Igual Proteção não vedada a instituição de programas de ação afirmativa baseados em critérios raciais. 13 Tal decisão, conforme bem salienta o professor Paulo Lucena de Menezes, definiu algumas diretrizes pelas quais os casos envolvendo ações afirmativas seriam julgados pela Suprema Corte Norte-Americana. São elas: • Os interesses dos indivíduos brancos poderiam ser limitados em uma certa extensão, mas não em um grau desnecessário, sendo que nenhum trabalhador branco poderia ser demitido para ceder lugar a um trabalhador negro; • O desenvolvimento profissional dos indivíduos brancos não poderia ser cerceado por barreiras intransponíveis; • Os programas de ação afirmativa deveriam ser temporários, devendo contemplar uma data limite ou uma meta específica a ser alcançada; • Os programas não poderiam ser usados para manter um equilibro racial, mas apenas para eliminar um desequilíbrio racial evidente. 9 Finalmente, provocada novamente nos casos International Association of Firefighters v. City of Cleveland e Sheet Metal Workers Intern. Ass’n v. EEOC, a Suprema Corte decidiu que os programas de ação afirmativa poderiam ser constitucionais, mesmo que beneficiassem indivíduos que não haviam sido vítimas efetivas da discriminação a ser corrigida. Desta maneira, foi reconhecida a improcedência da concepção exclusivamente compensatória da ação afirmativa. 10 Ação Afirmativa no Canadá. Após os inúmeros casos envolvendo ação afirmativa nos Estados Unidos, o Canadá incluiu expressamente programas de ação afirmativa em seu ordenamento jurídico, por meio do Charter of Rights, veiculado por intermédio da Constitution Act de 1982. _____________________________ 9. Ob. cit.; pg. 110 10. Paulo Lucena de Menezes; ob. cit; pg116 14 Com efeito, dispunha o artigo 15, §§ 1º e 2º, do Charter of Rights: “15 (1): Todos os indivíduos são iguais perante e sob a lei, e têm direito à igual proteção e ao igual benefício da lei, sem discriminação e, em particular, sem discriminação baseada em raça, origem nacional ou étnica, cor, religião, sexo idade, ou deficiência física ou mental”. “15 (2): A subsecção (1) não impede qualquer lei, programa ou atividade que tenha como seu objeto a melhoria das condições de indivíduos ou grupos desfavorecidos, incluindo aqueles que estão em desvantagem devido a raça, origem étnica ou nacional, cor, religião, sexo, idade, ou deficiência física ou mental” A ação afirmativa na África do Sul. Talvez, o maior exemplo da necessidade de implantar-se programas de ação afirmativa tenha ocorrido na África do Sul. É que em tal país houve a implantação de um regime oficial de discriminação racial que levou os cidadãos negros a uma condição de extrema inferioridade, tanto no que se refere à educação, quanto às condições de trabalho etc. Com o fim do regime do apartheid, era imperativo que fosse elaborado um novo texto constitucional, que refletisse valores sociais e políticos diversos daqueles que vinham sendo utilizados. Assim, a Constituição de 1996, que entrou em vigor em fevereiro de 1997, adotou políticas de ação afirmativa nos seguintes termos: “9 (2) A igualdade perante a lei inclui a plena e igual fruição de todos os direitos e liberdades. Para promover a obtenção dessa igualdade, medidas legislativas e outras que vissem proteger ou favorecer pessoas, ou categorias de pessoas prejudicadas por discriminação injusta poderão ser tomadas”. 15 IV. AÇÃO AFIRMATIVA E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE O foco dos debates acerca da implementação de políticas de ação afirmativa reside em sua adequação ao princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 5º, caput, da Carta Magna de 1988. O artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, está previsto no Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais – e prevê que todos são iguais perante a lei, nos seguintes termos: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”. Assim, diante do predito artigo é que surge a questão: “As políticas públicas de ações afirmativas têm respaldo constitucional no ordenamento jurídico brasileiro?”. Sim. O princípio da ação afirmativa é perfeitamente compatível com o atual direito constitucional vigente no Brasil, já havendo, inclusive, algumas previsões, em nossa Constituição Federal, de políticas destinadas ao favorecimento de certos grupos minoritários. Antes de aprofundarmos nosso estudo, cumpre ressaltar que o conceito de igualdade entre os indivíduos ganhou força a partir da Revolução Francesa, com o surgimento do Estado liberal burguês. Naquela oportunidade e durante muito tempo, o conceito de que todos são iguais perante a lei, foi tido como forma e garantia da concretização da liberdade. Tratava-se, portanto, de um conceito formal de igualdade. 16 Joaquim Barbosa Gomes, afirma que o conceito formal de igualdade não passava de mera ficção. Citando Guilherme Dray, afirma nosso ilustre jurista que: “a concepção de uma igualdade puramente formal, assente no princípio geral da igualdade perante a lei, começou a ser questionada, quando se constatou que a igualdade de direitos não era, por si só, suficiente para tornar acessíveis a quem era socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. Importaria, pois, colocar, os primeiros ao mesmo nível de partida. Em vez de igualdade de oportunidades, importava falar em igualdade de condições” 11. Com as imperfeições constatadas na percepção até então vigente da igualdade perante a lei, uma nova concepção de igualdade começou a ganhar contornos. Cuidava-se da igualdade substancial dos indivíduos perante a lei, isto é, a lei deveria impor um tratamento igual aos iguais e um tratamento desigual àqueles tidos como desiguais. Assim, conforme ensinamento de referido mestre, o atual conceito substancial de igualdade dos indivíduos perante a lei traduz uma noção dinâmica de igualdade, pela qual são avaliadas as diferenças concretas existentes, de forma que as situações desiguais sejam tratadas de maneira desigual, com o intuito de evitarse a perpetuação das desigualdades já presentes na sociedade. 12 O novo conceito do princípio da igualdade ensejou a criação da igualdade de oportunidades, ou seja, a adoção de políticas sociais de apoio a determinados grupos socialmente e historicamente fragilizados. _____________________________ 11. Ob. cit.; pg. 19 12. Ob. cit; pg. cit. 17 Essa nova concepção de igualdade passou a delinear o indivíduo em sua especificidade como ser dotado de características singularizantes. Citando Flávia Piovesan, Joaquim Barbosa Gomes indica que: “do ente abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, idade, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Daí apontar-se não mais o indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo “especificado”, considerando-se categorizações relativas ao gênero, idade, etnia, raça etc” 13. E é este indivíduo que será alvo das novas políticas sociais, oriundas da concretização do conceito substancial da igualdade. A estas novas políticas dá-se a denominação de ação afirmativa, discriminação positiva, ou ainda, de ação positiva. Corroborando as informações supra expostas, Alexandre de Moraes, em sua obra Direitos Humanos Fundamentais, afirma que: “A Constituição Federal adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada não só por meio de leis, mas também, pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”. 14 _____________________________ 13. Ob. cit; pg. 20 14. Direitos Humanos Fundamentais; pg. 92 18 Prossegue, dizendo que “o princípio da igualdade consagrado pela Constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos, e medidas provisórias, impedindo que possa criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.” 15 Continua, indicando que: “a desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis verificada a existência de uma com a Constituição Federal finalidade razoavelmente quando proporcional ao fim visado” . 16 Finalmente, persiste, citando a lição de San Tiago Dantas: “Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase ____________________________ 15. Ob. cit.; pg. cit 16. Ob. cit; pg. Cit 19 sempre atende a diferença de sexo, de profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre se distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre lhes distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme a repercussão que têm no interesse geral. Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e racional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o princípio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir as leis arbitrárias das leis conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a tarefa do órgão do Poder Judiciário”. 17 Não se pode esquecer, ainda, das lições do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, que afirma que o legislador pode instituir programas de ação afirmativa tendo em vista que a lei pode escolher qualquer elemento presente nas coisas, pessoas ou situações como fator discriminatório, desde que haja, além de uma relação lógica abstrata, uma relação lógica concreta entre o fator diferencial e a diferenciação conseqüente. Transcrevo a seguir os ensinamentos de referido mestre: “Supõe-se, habitualmente, que o agravo à isonomia radica-se na escolha, pela lei, de certos fatores diferenciais existentes nas pessoas, mas que poderiam ter sido eleitos como matriz do discrímen. Isto é, acredita-se que determinados elementos ou _____________________________ 17. Alexandre de Moraes; Direito Constitucional; pg. 66 20 traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem escolhidos pela norma como raiz de alguma diferenciação, pena de se porem às testilhas com a regra da igualdade”. “Assim, imagina-se que as pessoas não podem ser legalmente desequiparadas em razão da raça, ou do sexo, ou da convicção religiosa (art. 5º caput da Carta Constitucional) ou em razão da cor dos olhos, da compleição corporal, etc”. “Descabe, totalmente, buscar aí a barreira insuperável ditada pelo princípio da igualdade. É fácil demonstra-lo. Basta configurar algumas hipóteses em que estes caracteres são determinantes do discrímen para se aperceber que, entretanto, em nada se chocam com a isonomia”. “Os vários exemplos aduzidos desde o início deste estudo 18 servem para demonstrar que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações, pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é no traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico”. “Os mesmos exemplos, tanto como os formulados na parte vestibular deste trabalho, servem para sugerir, claramente, que as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição”. “Com efeito, por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações _____________________________ 18. Aqui, o autor refere-se a concurso público para preenchimento de vagas de enfermeiros que possuam resistência física a certas doenças, entre outros. 21 fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita, o quanto possível, tais resultados, posto que, exigindo igualdade, assegura que os preceitos genéricos, os abstratos e atos concretos colham a todos sem especificações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentosas para os atingidos”. “Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões: a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados”. “Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impede analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles”. “Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata ente o fator diferencial e a diferenciação conseqüente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância 22 dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição”. 19 Prossegue renomado autor, referindo-se à isonomia e fator de discriminação, nestes termos: “Sob este argumento, colocaremos em pauta dois requisitos, a saber: a) a lei não pode erigir em critério diferencial um traço tão específico que singularize no presente e definitivamente, de modo absoluto, um sujeito a ser colhido pelo regime peculiar; b) o traço diferencial adotado, necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para assujeitá-las a regimes diferentes”. “É inadmissível, perante a isonomia, discriminar pessoas ou situações ou coisas (o que resulta, em última instância, na discriminação de pessoas) mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes. Por isso, são incabíveis regimes diferentes determinados em vista de fator alheio a elas; quer-se dizer: que não seja extraído delas mesmas”. “Sintetizando: aquilo que é, em absoluto rigor lógico, necessária e irrefragavelmente igual para todos não pode ser tomado como fator de diferenciação, pena de hostilizar o princípio isonômico. Diversamente, aquilo que é diferenciável, que é, por algum traço ou aspecto, desigual, pode ser diferençado, fazendo-se remissão à existência ou à sucessão daquilo que dessemelhou as situações”. _____________________________ 19. Conteúdo Jurídico...; pg. 15 23 “O que autoriza a discriminar é a diferença que as cosias possuam em si e a correlação entre o tratamento desequiparador e dos dados diferenciais radicados nas coisas”. 20 Finalmente, conclui Celso Antônio Bandeira de Mello, que para uma diferenciação legal não estar em confronto com o princípio da igualdade deve haver a incidência concomitante de quatro fatores, quais sejam, que a desequiparação não atinja a um único indivíduo; que as pessoas desequiparadas sejam efetivamente distintas entre si; que exista uma correlação lógica, em abstrato, entre os fatores de diferenciação e o regime jurídico adotado; e, que, em concreto, o vínculo de correlação lógica esteja em consonância com interesses constitucionalmente protegidos. Transcrevo: “Para que um discrímen legal seja convivente com a isonomia, consoante visto até agora, impende que concorram quatro elementos: a) que a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto, um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nelas residentes, diferençados; c) que exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela norma jurídica; d) que, in concreto, o vínculo de correlação supra-referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público”. 21 _____________________________ 20. Ob. cit.; pg. 34 21. Ob. cit.; pg. 41 24 Em suma, as políticas públicas de ação afirmativa são perfeitamente compatíveis com o atual conceito de igualdade, qual seja, a igualdade material entre os indivíduos, que traduz que situações desiguais devem ser tratadas de maneira desigual, de forma a impedir a perpetuação das desigualdades já presentes na sociedade. Ademais, o novo conceito de isonomia, que leva em consideração diferenças específicas entre os seres humanos, faz surgir um indivíduo determinado e específico, que pode e deve ser alvo das mais diversas formas de ação afirmativa. O que o princípio da igualdade, previsto constitucionalmente no artigo 5º, caput, veda são as diferenciações arbitrárias entre as pessoas, isto é, tratamento abusivamente diferenciado a pessoas que se encontram em situações idênticas. Contudo, as discriminações deixam de ser arbitrárias na exata medida em que exista uma justificativa objetiva e razoável para sua implementação; uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado, como é o caso de evitar-se a continuidade de discriminações já presentes no seio da sociedade. Desta maneira, conclui-se que as discriminações, e por conseqüência as políticas de ação afirmativa, são perfeitamente compatíveis com o princípio da isonomia, desde que haja um vínculo lógico entre o fator diferencial e a efetiva desigualdade de tratamento, bem como, que esta seja compatível com outros interesses previstos na Constituição Federal. Faz-se necessário, ainda, que as políticas de ação afirmativa não atinjam a um único indivíduo, e que os indivíduos que forem efetivamente contemplados com tais políticas públicas se encontrem em situações efetivamente distintas com outros membros da coletividade. Nossos Tribunais Superiores, em especial o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, quando compelidos a se manifestarem quanto ao princípio da igualdade, o fizeram de modo a permitir a ocorrência de determinados 25 casos específicos e justificados, sem que tais situações fossem conflitantes com o princípio isonômico, nos seguintes termos: “O princípio isonômico revela a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas” (STF – 2ª T. – Agravo de Instrumento nº 207.130-1/SP – rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 3 abr. 1998, p. 45). “Não ofende a qualquer princípio jurídico ou postulado de igualdade o ato judicial que autoriza o candidato, com pequena disfunção motora, a executar a prova de datilografia em máquina elétrica” (Ementário STJ nº 15/516 – RMS nº 5.121-0 – BA rel. Min. Willian Patterson. 6ª T. Unânime, DJ 15-4-96). Em outra decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro mostrou-se favorável às políticas públicas de ação afirmativa que foram implementadas nos exames vestibulares para Universidades Estaduais o ano de 2003. Transcrevo a seguir referida decisão: "APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DO WRIT. SISTEMA DE COTA MÍNIMA PARA POPULAÇÃO NEGRA E PARDA E PARA ESTUDANTES ORIUNDOS DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DE ENSINO. LEIS ESTADUAIS 3524/00 E 3708/01. EXEGESE DO TEXTO CONSTITUCIONAL. A ação afirmativa é um dos instrumentos possibilitadores da superação do problema do não cidadão, daquele que não participa política e democraticamente como lhe é na letra da lei fundamental assegurado, porque não se lhe reconhecem os meios efetivos para se igualar com os demais. Cidadania não combina com desigualdades. República não combina com preconceito. Democracia não combina com descriminação. Nesse cenário sócio-político e econômico, não 26 seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que lhe buscasse a alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história pelas mãos calejadas dos discriminados. É preciso ter sempre presentes essas palavras. A correção das desigualdades é possível. Por isso façamos o que está a nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal, porque, na vida, não há espaço para o arrependimento, para a acomodação, para o misoneísmo, que é a aversão, sem se querer perceber a origem, a tudo que é novo. Mas mãos à obra, a partir da confiança na índole dos brasileiros e nas instituições pátrias. O preceito do art. 5o, da CR/88, não difere dos contidos nos incisos I, III e IV, do art. 206, da mesma Carta. Pensar-se o inverso é prender-se a uma exegese de igualização dita estática, negativa, na contramão com eficaz dinâmica, apontada pelo Constituinte de 1988, ao traçar os objetivos fundamentais da República Brasileira. É bom que se diga que se 45% dos 170 milhões da população brasileira é composta de negros (5% de pretos e 40% de pardos); que se 22 milhões de habitantes do Brasil vivem abaixo da linha apontada como de pobreza e desses 70% são negros, a conclusão que decorre é de que, na realidade, o legislador estadual levou em conta, quando da fixação de cotas, o número de negros e pardos excluídos das universidades e a condição social da parcela da sociedade que vive na pobreza, como posto pela Procuradoria do Estado em sua manifestação. O único modo de deter e começar a reverter o processo crônico de desvantagem dos negros no Brasil é privilegiá-la conscientemente, sobretudo naqueles espaços em que essa ação compensatória tenha maior poder de multiplicação. Eis porque a implementação de um sistema de cotas se torna inevitável. Na medida em que não poderemos reverter inteiramente esta questão em curto prazo, podemos pelo menos 27 dar o primeiro passo, qual seja, incluir negros na reduzida elite pensante do país. O descortinamento de tal quadro de responsabilidade social, de postura afirmativa de caráter nitidamente emergencial, na busca de uma igualdade escolar entre brancos e negros, esses parcela significativa de elementos abaixo da linha considera como de pobreza, não permite que se vislumbre qualquer eiva de inconstitucionalidade nas leis 3.524/00 e 3708/01, inclusive no campo do princípio da proporcionalidade, já que traduzem tãosomente o cumprimento de objetivos fundamentais da República. Ainda que assim não fosse interpretada a questão exposta nos presentes autos, verifica-se da documentação instrutória do recurso que para o Curso de Letras a Apelada ofereceu 326 vagas, distribuídas entre os dois vestibulares (SADE, para alunos da rede pública, e o Vestibular Estadual 2003, para alunos que estudaram em escolas particulares). A Apelante concorreu a esse último, ou seja, a 163 vagas, optando pelas subopções G1 e G2, havendo para cada uma a oferta de 18 vagas. Ocorre que no cômputo final de pontos veio a alcançar, na sua melhor colocação, na opção G2 a 57a posição, o que deixa evidenciado que mesmo que não houvesse a reserva de cota para negros e pardos não alcançaria classificação, razão pela qual, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se in totum a decisão hostilizada". 22 _____________________________ 22. Fonte: www.jusnavigandi.com.br 28 V. PREVISÕES CONSTITUCIONAIS DE POLÍTICAS DE AÇÃO AFIRMATIVA A Constituição Federal de 1988 não trouxe nenhuma previsão expressa que autorizasse a prática de políticas de ação afirmativa; pelo menos, não utilizou, de forma expressa, o termo ação afirmativa. Contudo, se analisarmos nossa Lei Maior como um todo, poderemos inferir que os legisladores constituintes estabeleceram direitos e deveres e fixaram princípios jurídicos voltados para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que não fosse dotada de quaisquer formas de preconceito. Com efeito, o próprio preâmbulo da Constituição Federal admite que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é o de assegurar “a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”. Assim, sistematizando-se o entendimento que o Estado Democrático se destina a assegurar o exercício dos direitos e garantias fundamentais, é possível se apontar, por todo o texto constitucional, diversos exemplos de políticas que, mesmo não chamadas de ação afirmativa, se destinam ao cumprimento da diretriz acima aduzida. O primeiro dispositivo embasador das políticas de ação afirmativa é o artigo 3º, da Constituição Federal, que traduz que: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I. construir uma sociedade livre, justa e solidária; II. garantir o desenvolvimento nacional; III. erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; 29 IV. promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. De uma simples leitura do precitado artigo, infere-se que as ações afirmativas estão em consonância com a Constituição Federal, e constituem interesses constitucionalmente previstos, quais sejam, o de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Ora, e o que são as políticas de ação afirmativa, senão uma forma de diminuir a pobreza e marginalização, fazendo uma inclusão sócio-econômica daqueles que sempre se encontraram em situação inferiorizada, bem como de evitar-se a perpetuação das desigualdades historicamente presentes em nossa sociedade? Realmente, o artigo 3º, não previu expressamente o termo ação afirmativa, ou qualquer expressão que o valha; contudo, instituiu diretrizes a serem seguidas pelo Estado brasileiro e, é a partir dessas diretrizes básicas que a ação afirmativa ganha seus contornos. É a partir destes preceitos que a ação afirmativa se torna constitucional e, por conseqüência, perfeitamente possível de ser implantada em nosso ordenamento jurídico. Se já não bastasse tal previsão, o artigo 5º, §§ 1º e 2º, da mesma Constituição Federal (cláusula pétrea, portanto), prevê que outros direitos e garantias fundamentais oriundos de tratados dos quais o Brasil seja signatário, também são aplicáveis, imediatamente, a todas as pessoas que se encontrem no território nacional, nos seguintes termos: “Art. 5º. (...) § 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela 30 adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Neste sentido, a República Federativa do Brasil é signatária de diversos tratados internacionais que instituem direitos e garantias fundamentais, e que, bem por isso, possuem aplicabilidade no território nacional. Dentre os principais tratados, podemos citar dois de maior relevância, quais sejam, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, sendo que tais pactos permitem expressamente a utilização de políticas públicas de ação afirmativa como forma a dirimir os efeitos da discriminação. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que foi ratificada pelo Brasil em 1968, dispõe em seu artigo 1º, 4, que: “Art. 1º. 4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos”. Já o artigo 4º, 1, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 1984, dispõe que: “Art. 4º. 1. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato 31 entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados”. Estes dois pactos assinados e ratificados pelo Brasil (que, bem por isso, estão em pleno vigor em nosso ordenamento jurídico), prevêem, de forma expressa, a adoção de medidas especiais, ou seja, de ações afirmativas, com o intuito de findarem discriminações raciais e contra a mulher. Ora, o entendimento não poderia ser outro senão o de que tais pactos estão de pleno acordo com a Constituição Federal de 1988, e dão respaldo à efetiva criação de políticas públicas de ação afirmativa por parte daqueles Estados que os assinaram e que tiveram suas diretrizes integralizadas ao ordenamento jurídico interno. Há, ainda, outros artigos que consagram de forma implícita a ação afirmativa, como o artigo 23, X, da Carta Magna de 1988, que indica que: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”. Ademais, o artigo 37, VIII, da atual Constituição Federal, prevê uma modalidade de ação afirmativa, denominada cota, para provimento de cargos e empregos públicos para deficientes, nos seguintes termos: “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Complementando o artigo 3º, da Constituição Federal, o artigo 170, VII, do mesmo diploma legal, reafirma que a redução das desigualdades regionais e sociais 32 é um princípio norteador da República Federativa do Brasil, in verbis: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) redução das desigualdades regionais e sociais”. Finalmente, complementando o artigo 37, VIII, da Constituição Federal, o artigo 227, § 1º, II, do mesmo diploma legal, estipula que o Estado deverá criar programas de integração social ao adolescente portador de deficiência física, nos seguintes termos: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar á criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. §1º. O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: I. (...) II. criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”. 33 Por todo o exposto, verifica-se que, mesmo não havendo previsão expressa, a ação afirmativa está implicitamente presente em nossa Constituição Federal, seja no que se refere aos deficientes físicos, seja por meio de princípios que visem dirimir desigualdades sociais, ou ainda, através da possibilidade de tratados internacionais versando a respeito de garantias fundamentais fazerem parte de nosso sistema jurídico. Também é certo que não há nenhum texto na Constituição Federal cujo significado claro proíba a prática de políticas de ação afirmativa. Assim, em não havendo proibição e diante da previsão implícita, as políticas públicas de ação afirmativa são plenamente compatíveis com nossa Carta Magna e com o ordenamento jurídico pátrio. 34 VI. METODOLOGIA DA AÇÃO AFIRMATIVA Existem diversas maneiras de implantar-se as ações afirmativas. A seguir, citaremos apenas as formas que vem sendo mais utilizadas pelos governos que adotaram políticas de ação afirmativa. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que ação afirmativa não se confunde, tampouco se limita ao sistema de fixação de cotas, que dizem respeito à reserva de número determinado de lugares a serem ocupados pelos membros de grupos sociais beneficiados pelas políticas de ação afirmativa. Com efeito, o sistema de cotas é, sim, a forma mais usual das políticas públicas de ação afirmativa; contudo, não é a única. As políticas de ação afirmativa podem, ainda, ser implantadas por meio de: • Estabelecimento de Preferências: por este sistema, a pessoa que detivesse o poder de decisão acerca de determinado fato estabeleceria uma preferência para o membro de um grupo tido como minoritário e, portanto, beneficiário das políticas de ação afirmativa; por exemplo, no momento da contratação de mão-de-obra por pessoas jurídicas públicas ou privadas, seja por meio de concurso, ou por processo de seleção, se os candidatos possuíssem qualificação equivalente, haveria a preferência por aquela pessoa que pertencesse ao chamado grupo social minoritário. O mesmo pensamento poderia ser aplicado no que se refere às vagas nas Universidades, sejam elas públicas ou privadas. • Concessão de Incentivos Fiscais: este sistema seria aplicável ao setor privado. Por este meio, haveria uma proporção aritmética contabilizada da seguinte forma: quanto maior o número de contratados pertencentes aos grupos minoritários, beneficiários das políticas de ação afirmativa, maiores os incentivos fiscais. • Implementação de Políticas de Combate à Pobreza e à Distribuição de Renda: através deste sistema, o administrador público implantaria medidas efetivas 35 para acabar com a concentração da renda, distribuindo-a de maneira mais igualitária entre as camadas da sociedade e beneficiando, portanto, integrantes das camadas sociais inferiorizadas. • Melhoria do Ensino Público de Primeiro e Segundo Graus: com um ensino público de qualidade, os grupos inferiorizados concorreriam em condições semelhantes com outros indivíduos, tanto no mercado de trabalho, quanto nas vagas em Universidades Públicas e Privadas. • Criação de Cursos Pré-Vestibulares: concomitantemente à melhoria do ensino público, que atingiria os estudantes que estivessem iniciando sua vida acadêmica, a criação de curso pré-vestibular para população pertencente aos grupos minoritários possibilitaria que tais indivíduos concorressem em igualdade de condições às vagas nas Universidades Públicas com os estudantes privilegiados por pertencerem aos grupos tidos como dominantes. • Concessão de Bolsas de Estudo: este sistema é um complemento ao método de Concessão de Incentivos Fiscais. As Escolas e Universidades Privadas, para gozarem de incentivos fiscais, concederiam bolsas de estudo para população marginalizada. • Ampliação das Vagas nas Universidades Públicas: neste caso, estabelecer-se-ia uma qualificação mínima a ser atingida, sendo que concorreriam às vagas já existentes todos os inscritos no vestibular, e às vagas ampliadas somente indivíduos que pertencessem aos grupos minoritários. A escolha de uma metodologia mais rígida, como a reserva de cotas, ou mais flexível, como a concessão de incentivos fiscais ou criação de cursos prévestibulares, é fator preponderante para o sucesso da ação afirmativa a ser implantada. Portanto, mister se faz que o legislador, ao criar algum programa de ação afirmativa, esteja atento aos anseios e à necessidade da sociedade, bem como, à metodologia do programa a ser implantado. 36 VII. CRÍTICAS À AÇÃO AFIRMATIVA A Ação Afirmativa enfrenta diversos percalços para sua implementação. Dentre os principais obstáculos, podemos citar as críticas que tais políticas sofrem. Conforme já fora dito anteriormente, a principal crítica jurídica acerca da implementação das políticas de Ação Afirmativa diz respeito ao princípio constitucional da igualdade. Aqueles que são contrários a tais políticas indicam que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, prevê que a isonomia perante a lei significa que a lei não pode criar distinções entre os indivíduos; ou seja, tais pessoas afirmam que o princípio isonômico se refere à igualdade formal entre os seres humanos. Neste sentido, defendem que a Ação Afirmativa seria inconstitucional na exata medida em que criaria distinções a determinados grupos societários. Contudo, além desta crítica jurídica, outras, de caráter sociológico, também são feitas às políticas de Ação Afirmativa. Em uma pesquisa de campo 23 , realizada por amostra, com os estudantes de curso de pós-graduação da Universidade de Brasília, acerca da implementação da Ação Afirmativa naquela instituição, obteve como resultado que 38,6% dos entrevistados eram favoráveis à implantação das políticas que ora se discute, ao passo que a maioria absoluta dos entrevistados foi contrária a esse tipo de política pública, atingindo-se o percentual de 55,4%. _____________________________ 23. Pesquisa retirada da obra Ações Afirmativas Políticas Públicas Contra as Desigualdades Raciais, da publicação de autoria de Sales Augusto dos Santos; páginas 83 e seguintes. 37 Os principais argumentos, utilizados como justificativa para a não implantação das políticas de ação afirmativa, daqueles que se mostraram contrários foram: • Que o mérito deveria ser critério exclusivo de seleção para a universidade; sendo preciso selecionar-se os melhores, independentemente do grupo social ao qual o candidato pertencesse; • Que aqueles que fossem contemplados com cota seriam ainda mais discriminados e estigmatizados, podendo ser vistos como incompetentes; • Que o não ingresso das pessoas que seriam beneficiadas pelas políticas de Ação Afirmativa na Universidade de Brasília se dava em razão da falta de ensino público de qualidade do Brasil; • Que as políticas de Ação Afirmativa seriam inconstitucionais, ferindo o artigo 5º, da Constituição federal, que afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; • Que ao conceder-se o benefício da Ação Afirmativa para determinados grupos, estaria combatendo-se injustiças mediante a prática de outra forma de injustiça; e, • Que a reserva de cotas poderia garantir o acesso à universidade, mas não a permanência do beneficiado na mesma. A Ação Afirmativa é um tema recente e ainda muito controvertido no Brasil. Por concederem benefícios àqueles que sempre foram oprimidos e discriminados, retirando privilégios da classe dominante, tais políticas sempre encontrarão barreiras a serem transpostas, como as diversas críticas que são feitas a seu respeito, sejam elas de caráter jurídico, ou de caráter sociológico. Assim como outros institutos presentes em nosso ordenamento jurídico, As políticas públicas de 38 Ação Afirmativa ainda tem um longo caminho pela frente a ser percorrido, e aqueles que pretendem a sua implantação não podem desistir jamais. 39 VIII. CONCLUSÃO A escolha do tema Ação Afirmativa para o Trabalho de Curso foi extremamente proveitosa. Pude analisar diversas opiniões acerca da problemática aqui exposta; bem como observar quais as questões levantadas pelos autores cujas obras foram objeto das leituras realizadas. Neste sentido, nas pesquisas de campo que foram realizadas, como o Debate acerca da Igualdade Racial, realizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, visualizei as diversas formas como a Ação Afirmativa foi e está sendo implementada em diversas localidades, como em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Nesta mesma experiência, na qual houve a participação de pessoas que pertenceriam aos chamados grupos dominados e, bem por isso, seriam beneficiadas pelas políticas de Ação Afirmativa, compreendi o que tais pessoas anseiam, no que se refere a igualdade de condições, concorrência, oportunidades etc. Pude, ainda, aprofundar meus estudos no tocante ao princípio da isonomia; base fundamental de todos os ordenamentos jurídicos ocidentais do século XXI. No mérito, a conclusão a qual cheguei foi a de que a Ação Afirmativa é perfeitamente compatível com o princípio constitucional da igualdade e com a própria Constituição Federal. O princípio da igualdade significa, numa visão atual, uma igualdade substancial entre os indivíduos, ou seja, o tratamento deveria ser igual para pessoas que estivessem em igualdade, e desigual, para aquelas que não desfrutassem de prerrogativa. 40 Assim, para se alcançar uma igualdade efetiva entre as pessoas, deve haver um fator discriminatório, residente em características pessoais e concretas, que atinja a grupos determinados, beneficiando-os e lhes dando iguais condições e oportunidades, em relação aos grupos que não seriam agraciados com as políticas propostas. Estas diferenciações são válidas, na exata medida em que estiverem em acordo com outros interesses constitucionalmente previstos. E, é neste sentido que se afirma que a Ação Afirmativa está amparada por nossa Constituição Federal, ainda que não prevista expressamente. É que a Carta Magna, de 1988, prevê, entre outros, que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é o de erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades sociais. Ora, se há um interesse constitucionalmente previsto e, se a igualdade material entre os indivíduos permite fatores diferenciadores entre estes mesmos indivíduos, verifica-se que a Ação Afirmativa não encontra nenhum óbice para sua implementação. E agora faço uma crítica àqueles que defendem a não implementação das políticas de ação afirmativa, porque tais medidas ofenderiam o princípio pelo qual todos são iguais perante a lei. Se a igualdade fosse uma máxima em nosso país, se realmente todos fossem efetivamente iguais perante a lei, não haveria a necessidade de se prever um objetivo fundamental em nossa Constituição Federal para acabar com as desigualdades. Finalmente, com a realização do presente Trabalho de Curso, pude saber que as políticas de Ação Afirmativa podem se exteriorizar de diversas maneiras, como por meio de reserva de cotas, ou por meio de concessão de incentivos fiscais, 41 entre outros. Sei também que o sucesso da Ação Afirmativa está diretamente ligado à forma pela qual esta será implementada. O método ideal para implementação é sempre aquele que mais atende as necessidades da comunidade à qual se destina, trazendo benefícios a curto, médio e longo prazo. 42 IX. BIBLIOGRAFIA DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Edição, 12ª Tiragem. Brasil: Malheiros Editores, 2004. MENEZES, Paulo Lucena de. A Ação Afirmativa (Affirmative Action) no Direito Norte-Americano. Brasil: Editora Revista dos Tribunais, 2001. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª Edição. São Paulo: Atlas. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 4ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2002. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. 3ª Edição, Revista e Atualizada. São Paulo: Saraiva, 2001. PINHEIRO, Paulo Sérgio e, GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (organizadores). Direitos Humanos no século XXI. IPRI. SANTOS, Renato Emerson dos e, LOBATO, Fátima. Ações Afirmativas Políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Outras fontes bibliográficas: Reunião de Trabalho Destinada à Discussão do Tema O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IGUALDADE RACIAL, realizada em 15 de agosto de 2005, na sede do Ministério Público do Estado de São Paulo, Capital, SP. www.jusnavigandi.com.br 43