Ação Afirmativa em Educação para Negros: Primeiras Aproximações
Adir Simão de Souza
Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar e refletir sobre a produção recente em
periódicos das ciências humanas e sociais sobre ações afirmativas em educação,
assim como tentar explicitar o conceito ou categoria “raça” como desencadeadora de
políticas compensatórias nas universidades brasileiras. A ação afirmativa é uma
discriminação positiva ou a garantia de direitos? Buscar-se-á também obter um olhar
alargado sobre o mito da democracia racial e a difícil tarefa de definir quem é negro
no Brasil. O texto também faz uma breve incursão sobre a questão identitária e o
mérito como critério para o ingresso na universidade.
Palavras-chave: ação afirmativa, igualdade de oportunidades, cota racial.
Introdução
Este artigo busca no discurso acadêmico sobre Ações Afirmativas em
educação presentes em periódicos e está estruturado da seguinte forma: a questão
identitária do negro e políticas de Ação Afirmativa e o desdobramento da política de
Estado no Brasil após a Conferência de Durban (2001).
Ficam eleitos como problemas de pesquisa as seguintes questões: as
desigualdades raciais agudizam as desigualdades sociais entrebrancos e negros?
As Ações Afirmativas em educação, especialmente cotas raciais no
ensinosuperior contribuem para diminuir a desigualdade e possibilitam a mobilidade
social dos negros?
As políticas públicas compensatórias ou de reparação, são elementos novos
na sociedade brasileira que sempre apregoou ao mundo o fato de vivermos em uma
pretensa democracia racial livre de conflitos.
Sobre o tema em questão, vejamos o que Silva(2006) nos apresenta:
Particularidades como a relação entre raça e classe social na
hierarquização das pessoas, as idéias sobre o “embranquecimento”,
o “mito da democracia racial” construídas na história das relações
raciais brasileiras, mantêm-se atuantes. O racismo “a brasileira” se
constrói e reconstrói mantendo desvantagens para a população
negra no acesso a bens materiais e simbólicos.(Silva, 2006, p.33)
A chamada discriminação positiva ou Ações Afirmativas em educação vem de
algum modo corrigir esta desigualdade que ficou bastante evidenciada na pesquisa
de Hansebalg (1979) onde foi constatado através da análise do PNAD (Pesquisa
Nacional por Amostra Domiciliar) que a pobreza tem cor, sendo os negros menos
escolarizados, ocupando os piores postos de trabalho, quando este trabalho existe.
Sobre
a
constituição
de
iniciativas
parlamentares
na
tentativa
de
implementação de Ações Afirmativas, Moehlecke (2002) transcreve alguns pontos do
projeto apresentado por Abdias do Nascimento em 1983.
Somente nos anos de 1980 haverá a primeira formulação de um
projeto de lei neste sentido. O então deputado federal Abdias do
Nascimento, em seu projeto de lei n. 1332, de 1983, propõe uma
“ação compensatória”, que estabeleceria mecanismos de
compensação para o afro-brasileiro após séculos de discriminação.
Entre as ações figuram: reserva de 20% de vagas para mulheres
negras e 20% para homens negros na seleção de candidatos ao
serviço público; bolsa de estudos; incentivos às empresas do setor
privado para a eliminação da prática da discriminação racial;
incorporação da imagem positiva da família afro-brasileira ao
sistema de ensino e a literatura didática e para-didática, bem como
introdução da história das civilizações africanas e dos africanos no
Brasil: O projeto não e aprovado pelo Congresso Nacional, mas as
reinvindicações continuam.(Moélecke, 2002)
Como podemos notar na citação em questão, a luta pelo reconhecimento e
ações de reparação já tem uma história que não pode ser esquecida, sob pena de
cometermos uma injustiça com aqueles que antes de nós, lutaram e contribuíram
para a consolidação de uma sociedade minimamente igual.
Sobre o conceito de Ação Afirmativa é pertinente reportar-se à definição de
Munanga (2003):
Elas visam oferecer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento
diferenciado para compensar as desvantagens devido à sua situação de
vítima do racismo e de outras formas de discriminação. Daí as terminologias
de Equal Opportunity Policies, Ação Afirmativa, ação positiva, discriminação
positiva ou políticas compensatórias (Munanga, 2003)
A cota racial para ingresso no ensino superior não é uma unanimidade no meio
acadêmico, havendo um número considerável de defensores de políticas públicas
universalizantes e um dos argumentos utilizados para defender a posição é que a
mestiçagem ou o hibridismo racial presente em nossa sociedade, não nos permitiria
reconhecer a categoria “raça” como critério para desencadear políticas afirmativas.
Àqueles que julgam legítimas as Ações Afirmativas para os negros no ensino
superior, uma tarefa que se impõe é a luta pela valorização da identidade negra.
Apesar de um esforço por parte do Estado para normatizar através das Diretrizes
Curriculares Nacionais e da lei 10.639/2003 e 11465/2008, deve-se lutar para que
isso se transforme definitivamente em currículo, ou seja, aquilo que vai ser ensinado,
inclusive na formação inicial e continuada de professores. No caso específico do
Colégio Estadual Silveira da Motta em São José dos Pinhais já a algum tempo vem
se tentando implementar a lei, sendo importante destacar o trabalho desenvolvido
pelas docentes de arte que buscam romper com o estereótipo do negro brasileiroi ou
africano representado numa situação de miséria absoluta.
Não existe
uma unanimidade quanto ao tema, mas os professores de
literatura do ensino médio já incluem no programa de sua disciplina conteúdos
relativos à poesia e literatura negra. Houve também um avanço considerável na
sociologia que a partir das chamadas teorias raciais desconstroem o mito da
superioridade racial do branco. Concretamente no ensino superior os avanços são
mais significativos com a adoção de cotas para ingresso.
A política de cotas é necessariamente uma política de identidade para superar
o estigma que a ancestralidade negra carrega, conforme Bernardino ( p.247-273,
2002): “o que está por trás deste mecanismo brasileiro de ascensão social é a
concordância da pessoa negra em negar sua ancestralidade africana, posto que está
carregada de significado negativo”. Sempre houve no Brasil um ideal de
embranquecimento e as pessoas que ascendiam socialmente eram segundo
Fernandes (1965) “negros de alma branca” que incorporavam valores culturais
diferentes de sua pertença racial, constantemente negada.
A universidade brasileira necessita, em especial nos cursos de formação de
professores, repensar seu currículo no sentido de incluir conteúdos e metodologias
que reforcem positivamente a identidade negra.
O Estado brasileiro quando promoveu no final do século XIX, após a abolição,
a imigração européia, visava não somente substituir a mão-de-obra, mas o
embranquecimento da população, sendo que “o ideal de embranquecimento
pressupunha uma solução para o problema racial brasileiro através da gradual
eliminação do negro, que seria assimilado pela população branca” Bernardino(2002).
Nos livros de história sobre São José dos Pinhais há uma omissão criminosa
sobre o papel do negro na formação da cidade, como se a cidade só existisse a
partiir da imigração européia no final do século XIX, ignorando o fato de haver até o
enforcamento de um escravo de nome Joaquim no ano de 1853, conforme atesta
correspondência do juiz de direito da comarca ao então presidente da província.
Atentemos para a opinião do diretor do Museu Nacional no Primeiro
Congresso Universal de Raças, em 1911, em Londres.
[...] já se viram filhos de métis apresentarem, na terceira geração,
todos os caracteres físicos da raça branca. [ alguns ] retêm uns
poucos traços de sua ascendência negra por influência do atavismo
[ ... ], [ mas] a influência da seleção sexual [ ... ] tende a neutralizar a
do atavismo, e remover dos descendentes dos métis todos os
traços da raça negra [ ... ] Em virtude desse processo de redução
ética, é lógico esperar que no curso de mais um século os métis
tenham desaparecido do Brasil. Isso coincidirá com a extinção
paralela da raça negra em nosso meio. ( Apud Skidmore, 1976,p.83)
Gobineau, teórico do racismo científico entendia a mestiçagem como
degenerativa, enquanto o então diretor do Museu Nacional, enxergava a solução
para o problema racial no Brasil, está aí um precursor do chamado “darwinismo
social”. Já se passou quase um século e o Brasil continua negro e mestiço, com as
feridas de séculos de escravidão ainda não cicatrizadas.
O ministro extraordinário de assuntos estratégicos Roberto Mangabeira
Unger, assim como Florestan, fala na necessidade de uma nova abolição e dentro
daquilo que definimos como política de Estado propõe: “a contestação é para atacar
o mecanismo que faz da distribuição desigual de oportunidades econômicas e
educativas o meio para a reprodução da injustiça racial: usar o direito e os tribunais
para exigir primeiro das maiores escolas e das maiores empresas e depois de
empresas e escolas menores que recrutem brasileiros negros e mestiços. E que
ajudem quando necessário, a qualificá-los”.
Calcado em políticas de branqueamento da raça e no mito da democracia
racial
é
uma
tarefa
penosa
desconstruirmos estes conceitos que
estão
emblematicamente grudados nos imaginário do povo brasileiro.
Um outro entrave às Ações Afirmativas é o chamado “mérito” , que está
ancorado no princípio da igualdade formal, “todos são iguais” , logo deveriam
concorrer às vagas nas universidades em condições de igualdade com os demais
candidatos, independente da cor ou pertença racial. Já foi fartamente comprovado
por pesquisas acadêmicas empíricas que as carreiras de maior prestígio social nas
universidades públicas são preenchidas por alunos que fizeram toda a sua
escolarização em instituições privadas de ensino, onde a qualidade da educação
ofertada, seria teoricamente melhor e onde não teríamos negros e pobres, portanto
se constitui num mecanismo perverso de perpetuação da elite econômica no meio
acadêmico, excluindo o pobre e o negro, daí a validade das Ações Afirmativas. Dada
a extensão do problema, o mesmo não seria resolvido com cursinhos preparatórios
para negros e “carentes” como propõe a USP e alguns segmentos do movimento
negro. Ainda sobre o “mérito” nas palavras de Dubet (2004):
Também é importante sublinhar uma certa crueldade no modelo
meritocrático. Na verdade quando adotamos o ideal da competição
justa e formalmente pura os “vencidos”, os alunos que fracassaram,
não são mais vistos como vítimas de uma injustiça social e sim
como responsáveis por seu fracasso, pois a escola lhes deu, a
priori, todas as chances para ter sucesso como os outros. (Dubet, p.539
555,2004)
Um outro argumento contrário às cotas raciais no ensino superior, seria que
este tratamento diferenciado na seleção comprometeria a qualidade do ensino, mas
o que a avaliação dos programas de Ação Afirmativa tem demonstrado é o contrário:
alunos cotistas têm desempenho igual ou superior ao não cotista.
Dentre os periódicos acadêmicos consultados, os que apresentam maior
produção sobre o tema são: Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas e
Estudos
Afro-Asiáticos
da
Universidade
Cândido
Mendes,
também
foram
importantes para a construção deste trabalho o dossiê O Negro no Brasil da revista
Estudos Avançados vol. 18 n. 50 de 2004 da USP e a revista ADVIR da Associação
de Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n.19 de setembro de
2005 com o título Cotas.
Ações Afirmativas e Identidade Negra
Hoje temos cerca de 30 universidades publicas que adotam Ações Afirmativas
(cotas) raciais para candidatos negros e reacende na academia a polêmica sobre a
categoria “raça”.
“Desde o século XVIII a espécie humana foi dividida em três raças estanques
que resistem até hoje no imaginário coletivo e na terminologia científica”. Munanga,
(2004).
O modelo americano de classificação racial é baseado em fatores de
hipodescendência biológica, ou seja, é uma sociedade bi racial onde não se admite o
meio termo ou híbrido. No Brasil diferentemente, apesar da classificação utilizada
oficialmente pelo IBGE desde 1991 (branco, preto, pardo, amarelo e indígena)
existem dezenas de autoclassificações, fruto da mestiçagem, que torna difícil e
doloroso definir quem é negro no Brasil, uma vez que a ancestralidade africana é
comumente
negada.
Conforme
Oliveira
(2004)
“ou
seja,
ser
negro,
é,
essencialmente, um posicionamento político, onde se assume a identidade negra”.
A ambigüidade classificatória é um entrave ao desenvolvimento de Ações
Afirmativas para a população negra no Brasil, sendo necessário ter claro que isso
repercute nas desigualdades educacionais ,onde o percentual de estudantes negros
nas universidades é ínfimo comparado à enorme população descendente de negros.
Em minhas pesquisas, então, são negras as pessoas que se
autoclassificam como pretas e pardas, conforme os procedimentos
do IBGE. Tais processos de classificação e de nomeação têm se
revelado suficientes, para apreender a constância e a coerência das
desigualdades educacionais no Brasil à luz da pertença racial.
Homogeneamente, o padrão das desigualdades educacionais,
separa brancos (com melhores oportunidades) de negros (com
piores oportunidades). (Rosemberg, 2004, p.61)
Para corroborar com as afirmações de Rosemberg acima, fazendo uma
distinção entre brancos e negros, Hofbauer (2006) escreve.
A partir da década de 1980, pesquisadores ligados ou inspirados
nos Estudos das Relações Raciais têm conseguido – com uma
grande quantidade de trabalhos empíricos e com dados estatísticos
detalhados – comprovar a existência da discriminação do grupo dos
“negros” em relação aos “brancos” em todos os âmbitos da vida
social. As reflexões teóricas dos Estudos das Relações Raciais, que,
em termos metodológicos, partem da premissa que existem “grupos
raciais ou de cor” com limites fixos, têm se adaptado bem ao uso de
métodos quantitativos e ao uso de categorias do censo oficial
brasileiro. Já nos seus primeiros trabalhos, Hasenbalg,pioneiro em
estudos empíricos sobre discriminação e desigualdades raciais
baseados em dados estatísticos, fundia as categorias “pardo” e
“negro”, usados nos censos oficiais, para criar uma dicotomização
analítica entre “brancos e não-brancos” (Hofbauer, p.9-56, 2006)
A idéia da democracia racial é incorporada pelo Estado no período Vargas e o
discurso de uma nação mestiça também faz parte do ideário trabalhista, segundo
Guimarães (2006).
Simbolicamente, o ideal modernista de uma nação mestiça foi
absorvida pelo Estado e as manifestações artísticas, folclóricas e
simbólicas dos negros brasileiros foram reconhecidas como cultura
afro-brasileira. O “afro”, entretanto, designava apenas a origem de
uma cultura que, antes de tudo,era definida como regional, mestiça
e, como o próprio negro, crioula. A ideologia política da democracia
racial, como pacto social, foi predominante o trabalhismo, tendência
que data da Primeira República( ver,por exemplo, a ideologia de um
Manoel Querino) e que foi continuada por novas lideranças, como
Abdias do Nascimento. (Guimarães, p.269-287,2006)
A partir dos elementos apresentados no texto acima, fica evidenciado que “a
idéia de raça e a forma como as pessoas se classificam ou são classificadas
racialmente, só podem ser combatidas com ações e políticas que reforcem essas
identidades raciais. Ou seja, as políticas de ações afirmativas requeriam políticas de
identidade” (Guimarães, 2006).
Como vimos até aqui não se trata apenas de instituir cotas raciais para o
acesso do negro ao ensino superior, mas de garantir sua permanência com sucesso
e reafirmar sua identidade negra. Para que isso aconteça é necessário um esforço
gigantesco em direção a efetivação das Diretrizes Curriculares Nacionais (Res. N. 1,
de 17/06/2004) e da Lei 10.639/2003 e 11465/2008 em práticas pedagógicas. É
notável o avanço em termos de normatização, mas a norma por si só não basta.
Necessário se faz também reconhecer que muito do que temos em termos de
legislação é fruto da luta do movimento negro e da coroação do projeto de lei
apresentado pelo então deputado federal Abdias do Nascimento ao Congresso
Nacional nos anos 80.
Analisando a questão das cotas versus universalismo, Pereira (2003)
apresenta uma conclusão bastante coerente para o embate teórico em torno das
Ações Afirmativas em educação:
Preconizar a adoção de cotas fortalece a questão da raça – o que é
um problema. Mas como um movimento tático, de caráter
emergencial e temporário, cumpre o duplo papel de tensionar a
sociedade em direção ao enfrentamento das desigualdades e de
expor a fragilidade, do pensamento social brasileiro, obrigando-o a
se voltar sobre si mesmo,observando suas lacunas, com a
oportunidade de engajar-se na efetiva construção do universalismo,
em vez de esvaziá-lo em insensata proclamação idealista.(Pereira,
p. 463-482,2003)
Sobre o problema da desigualdade social e racial, e importante levar-se em
conta a opinião de Guimarães (2006): “as políticas públicas racializadas, ou
multiculturais, não superam ou suprimem as desigualdades por si só, mas apenas as
reproduzem num quadro mais claro e preciso. Ou seja, regulamentam o conflito
distributivo em novas bases, sem pôr em risco a reprodução do sistema como um
todo”.
A citação acima sintetiza uma resposta bastante convincente à pergunta
inicial do presente trabalho. A invisibilidade do negro deixa de existir, porém não se
muda estruturalmente o modo que a sociedade se organiza para produzir e distribuir
estes bens produzidos, tanto materiais quanto simbólicos.
Um outro problema de pesquisa levantado sobre mobilidade social,
Hasenbalg numa entrevista concedida a Antonio Sérgio Alfredo Guimarães(2006)
responde com muita propriedade: “a desigualdade educacional entre brancos e
negros irá se refletir posteriormente em padrões diferenciados de inserção destes
grupos de cor na estrutura ocupacional”.
Sobre o quadro atual de exclusão do negro da universidade, é pertinente
analisar o ponto de vista de Santos (2005) sobre a necessidade de um acerto de
contas com a história por parte da academia.
A avaliação crítica do acesso e, portanto dos obstáculos ao aceso –
como, de resto a discussão das áreas de extensão e da ecologia
dos saberes – deve incluir explicitamente o caráter colonial da
universidade moderna. A universidade não só participou da exclusão
das raças e etnias ditas inferiores, como teorizou sua inferioridade
que estendeu aos conhecimentos produzidos pelos grupos
excluídos em nome da propriedade epistemológica concedida à
ciência. As tarefas de democratização do acesso são, assim,
particularmente exigentes porque questionam a universidade no seu
todo, não só quem a freqüenta, como os conhecimentos que são
transmitidos a quem as freqüenta. (Santos, 7-9, 2005)
As Ações Afirmativas no ensino superior não representam um favor, mas sim
um direito que aponta um caminho na superação das desigualdades no ingresso e a
afirmação identitária de uma população a quem foi por séculos negada a condição
de sujeitos.
Pós-Durban: um Debate Inconcluso
Por ocasião da Marcha Zumbi, os representantes do movimento negro
brasileiro apresentam uma pauta de reinvindicações ao governo, onde aparece o
pedido de Ações Afirmativas (cotas) para negros no ensino superior, ainda em
novembro de 1995, sendo que o então presidente Fernando Henrique Cardoso,
institui por decreto o Grupo de Trabalho Interministerial – GTI para desenvolver
políticas públicas que valorizem e promovam a população negra.
Este movimento iniciado em 1995 ganha força após a Conferência Mundial
contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata realizada
em Durban, África do Sul em 2001. Faz-se necessário refletir sobre ações realizadas
no Brasil em termos de políticas afirmativas para ingresso e permanência no ensino
superior após a Conferência.
A ação de maior impacto político no campo das ações afirmativas
para a população negra até 2002 consistiu na aprovação da reserva
de vagas para alunos negros em universidades estaduais, a
começar pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e
pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), seguidas
de outras universidades estaduais e federais ao longo dos meses
seguintes. (Heringer, 2005, p.55-64)
No
momento
da
implantação
das
Ações
Afirmativas,
diferentes
posicionamentos presentes na sociedade brasileira vieram à tona: de um lado os que
acreditam tratar-se do resgate de uma dívida histórica com a população negra do
país, e de outro aqueles que acreditam que a Ação Afirmativa é um privilégio e que
este tipo de política, não universalizante acirraria o racismo.
É importante notar o que representantes deste segundo grupo argumentam
contra as cotas, baseados na análise de cartas de leitores enviadas ao jornal “O
Globo”.
O argumento de que as cotas acabarão incentivando animosidades “raciais”
não pode ser facilmente descartada, porque a sua lógica é cristalina, não se
vence o racismo celebrando o conceito “raça”, sem o qual, evidentemente, o
racismo não pode existir” (Maggie e Fry, 2004, p.67-80)
O argumento acima não se sustenta e a disputa no início da implantação das
cotas se deu no âmbito jurídico, questionando a legalidade destas políticas, de um
debate já então superado.
A Conferência de Durban aparece como uma guinada rumo a implementação
de Ações Afirmativas de forma mais concreta.
De fato, em Durban, o empenho pessoal do presidente levou a chancelaria
brasileira a aposentar definitivamente a doutrina da “democracia racial”
reconhecendo ,em fórum internacional as desigualdades raciais do país e se
comprometendo a revertê-las pela adoção de políticas afirmativas. Como
conseqüência depois de Durban vários segmentos da
administração pública brasileira passaram a adotar cotas de empregos para
negros, tais como os ministérios da Justiça e da Reforma Agrária. No
entanto, no setor crucial, a educação, tudo que se logrou foi a criação de
uma comissão de trabalho. (Guimarães,
2003, p.255,256)
Como já frisado anteriormente, Durban foi um marco decisivo para a adoção
das cotas para ingresso no ensino superior, porém um ponto fulcral da questão não
foi tocado: o vestibular e seu caráter meritocrático, ainda com a cota, o negro não
consegue ingressar nos cursos de maior prestigio social devido ao caráter
excludente do modelo de vestibular vigente.
Apesar dos problemas estruturais relativos à forma de ingresso da população
negra na universidade e ressalvas em relação ao PROUNI, ainda assim cabe
salientar o otimismo de Hansenbalg relativo às cotas.
O efeito esperado das políticas de cotas raciais nas universidades
públicas e de vagas para alunos carentes nas universidades
privadas, incluindo pretos e pardos, por meio do PROUNI, é o
aumento da presença de não-brancos em posições sociais de
destaque. Isso, por sua vez, deverá socavar os estereótipos
negativos que, como já mencionei, delimitam os “lugares
apropriados” para os não-brancos. Trata-se de acelerar
significativamente a incorporação de não-brancos em papeis que
propiciem modelos de identificação (role models).
As Ações Afirmativas têm um caráter transitório, até que haja uma melhora na
qualidade da educação básica pública, onde estudam a maioria dos negros,
entendendo como legítimas e com um caráter de urgência na correção, pelo menos
em parte , de tamanha desigualdade.
Algumas Considerações Finais
Há muitos avanços no sentido de políticas públicas afirmativas para negros,
porém há dúvidas sobre a ampliação ou manutenção destas conquistas, que podem
ser consideradas como políticas de Estado. Futuramente quando novos governos
assumirem o poder, com novas ideologias, estas conquistas permanecerão? O
movimento negro tem meios e condições para salvaguardar estes direitos até aqui
conquistados?
Aos problemas levantados no presente trabalho, algumas respostas foram
encontradas, porém há ainda lacunas, omissões e imprecisões de ordem conceitual
e terminológica, que necessitam ser aprofundadas.
Atualmente há cerca de 30 universidades públicas com programa de Ações
Afirmativas (cotas) para negros e as avaliações feitas até o presente momento são
animadoras, mas o grande mérito das chamadas cotas, foi introduzir na sociedade
brasileira a discussão sobre raça, direito, preconceito e racismo.
Pela primeira vez neste país a história e a identidade negra passou a fazer
parte do currículo escolar na educação básica, contribuindo para a construção de
relações sociais e raciais mais democráticas.
A incorporação das Diretrizes nos currículos escolares e a transformação
destes em práticas pedagógicas, são significativos ganhos para a afirmação da
identidade negra.
A universidade deve criar meios para o ingresso e permanência do aluno
negro, assegurando o respeito a sua matriz identitária, procurando reforçá-la em seu
currículo, em especial os curso de formação de professores, conforme dispõe a lei.
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