PIPE
2008
II PROJETO INTEGRADO DE PRÁTICA EDUCACIONAL DO CURSO DE LETRAS
18 de fevereiro a 26 de maio de 2008
FICÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (2000-2007)
Um beijo de Colombina, de Adriana Lisboa
Resenha produzida por
Daniela Pereira Gonçalves
Fabrício José Fernandes Pereira
1ª edição
Editora Rocco
Rio de Janeiro, 2003
138 páginas
Contexto
Adriana Lisboa nasceu em 25 de abril de 1970, no Rio de Janeiro, onde morou a maior parte de sua vida. Graduou-se em Música
e se especializou em Literatura. Também morou em Paris e Avignon (França), e hoje vive em Denver (Estados Unidos).
Além de Um beijo de Colombina, publicou os romances: Os fios da Memória, Sinfonia em Branco, Rakushisha, Caligrafias e os
infanto-juvenis Língua de Trapos e O coração que às vezes pára de bater. Ainda integrou várias antologias de contos no Brasil e
no exterior.
Recebeu vários prêmios literários, sendo o mais importante o “Prêmio José Saramago”, por Um Beijo de Colombina. Ganhou o
prêmio Bunge, o prêmio revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Foi escolhida para o Projeto Bogotá 39/Hay
Festival, que escolheu os mais importantes autores latinos de até 39 anos.
Também traduziu textos de autores famosos e foi co-autora do roteiro do filme Bodas de papel, de André Sturm.
Enredo
No romance Um beijo de Colombina um jovem professor de latim vê-se desnorteado com a recente suposta morte de sua
namorada, Teresa, que teria saído em uma tarde para nadar no mar fluminense de Mangaratiba e não voltou mais nem teve seu
corpo encontrado. Tentando compreender o que teria ocorrido, ele passa a escrever, ainda que em uma desordem cronológica,
suas memórias dos últimos oito meses desde que conhecera Teresa, além de inserir, de vez em quando, lembranças de sua
própria infância. Teresa, uma professora particular de português e escritora, cujo próximo projeto era fazer uma obra baseada
nos poemas de Manuel Bandeira, ganhara dois importantes prêmios e começava a ganhar destaque na mídia. Após o incidente,
suas obras, inclusive as primeiras que não tinham destaque, e sua vida passam a ser assuntos recorrentes na imprensa, com
direito a entrevista com sua ex-parceira, também chamada Teresa. No decorrer de suas narrações, o jovem professor trava
diálogos imaginários com Boy, a cachorra que demonstrava grande afeto por Teresa, e acaba reencontrando Marisa, uma exnamorada, com quem passa a morar e se envolve novamente, tentando encontrar um novo rumo para o seu caminho. No
entanto, o destino o coloca diante de fatos inquietantes, obrigando-o a decidir urgentemente o que fazer.
Análise
A obra Um beijo de Colombina é um romance estruturado em 13 capítulos, contado em 1ª pessoa por um narradorprotagonista, que expõe ao leitor fatos de sua vida. O espaço no qual é ambientado é o Rio de Janeiro. Dentre os vários aspectos
encontrados no romance, um que é facilmente notável é o tempo, seja no enunciado (o que é dito), ou na enunciação (o dizer)
da narrativa. No decorrer da narrativa, o narrador-protagonista descreve fatos de sua situação atual, fazendo uso de analépses –
retrospecto no tempo da narrativa – e de prolépses – avanços no tempo da narrativa – que dão ao leitor informações de fatos
que ocorreram com as personagens. Tem-se já no primeiro capítulo (Maçã, p.13), a idéia de que a história a ser contada
pertence ao passado, devido ao uso de verbos no pretérito imperfeito, como podemos observar em "Cheguei da rua, não quis
incomodá-la, fui me sentar na cozinha e despejei um pouco de café frio num daqueles copinhos de cachaça que nós usavamos
no lugar das xícaras." No entanto, a partir do capítulo seguinte (Belo Belo, p.18), notam-se interrupções na narrativa, que sai do
passado, para que o narrador-protagonista reflita sobre o momento da enunciação. Em outros termos, é a partir daí que se inicia
o processo de “vai-vem” do tempo. Ora conta-se o que se retrata ou uma breve informação da vida do narrador-protagonista,
como em “Depois tudo se tornou difuso, confuso, absurdo até, mas naquele dia não tinha sido nada anormal ouvir o
despertador tocar às quinze para as sete, levantar-me da cama, depois receber o bom-dia pastoso com que Tereza me afagava,
ficar olhando até ela mergulhar outra vez no sono, em seguida fazer a barba e repetir o programa quase automatizado das
minhas manhãs de sexta-feira” (p.14), ou informações mais relevantes para a caracterização das personagens ou dos fatos a que
estão envolvidos, como em: “A primeira vez que vi Tereza, reparei nas pernas. Achei estúpidas. Mais curioso ainda, achei que a
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FICÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (2000-2007)
cara parecia uma perna. Na festa, ela dançava. Eu devia apagar dos ouvidos a música tecno e inventar outra trilha sonora para
Tereza” (p.16); ora o narrador-protagonista situa-se no presente com suas ações e reflexões atuais, o que percebemos em
“Amanheceu e eu pensava nela. Nela, Marisa, o mar e a brisa e o espírito de Deus pairava sobre a face das águas. E eu me
lembrava de alguma coisa vagamente” (p.121). É preciso frisar que, embora a narrativa seja desenvolvida por recuos e avanços
temporais, não se trata de, em um momento falar no presente, outro no passado, outro no futuro. Esse processo de
recuo/avanço, dá-se mais no passado, ou seja, refere-se a um passado recente ou a um passado remoto. Em “Veio rápido, ela
disse, ao abrir o portão da vila onde ficava a sua casa. Fez um carinho na cabeça de Boy, mas não perguntou que diabo de
cachorro era aquele, e caminhamos ladeira acima. Marisa morava bem no final. Na frente da casa, em seu pequeno jardim, ela
plantara um monte de bromélias” (p.79), podemos comprovar isso pela presença de verbos em dois pretéritos diferentes:
pretérito imperfeito e pretérito mais-que-perfeito. Também em “Poucos meses antes, Tereza e eu passeávamos em plena
Presidente Vargas (...) como é que eles podiam não gostar daquela maravilhosa de luzes, cores e brilhos.” (p.114), pois o
narrador-protagonista já está em uso da analépse, quando narra o dia em que passou na Presidente Vargas com Tereza, e faz
um novo recuo na narrativa, quando se lembra de um fato que ocorreu em sua infância. Nesse romance o tempo não progride
linearmente, apresentando quebras, ou seja, transcorre de modo anacrônico: “Na primeira tarde que passei em casa sem Tereza
(...) Eu também não tirei do lugar o livro que ela lia antes daquela fatídica tarde em Mangaratiba.” (p. 25). Inicia-se por um
momento recente e discorre, desde então, fatos de momentos anteriores que auxiliam na construção do contexto vivido pelo
narrador-protagonista e que fazem com que o leitor passe a compreender a narrativa e se faça de “acompanhante” da
personagem central, seguindo-a pelos fatos que transcorrerão após a primeira cena apresentada. O que talvez tenha levado Um
beijo de Colombina a receber o "Prêmio José Saramago", além da importância que esta obra tem como referência literária em
língua portuguesa, seja a habilidade com a qual esta obra foi escrita, pois produzir uma narrativa não-linear sem que o leitor a
estranhe ou a rejeite requer muito conhecimento e domínio sobre a escrita literária.
Referências
LISBOA, Adriana - Um beijo de Colombina. Rio de Janeiro: Rocco, 2003
LISBOA, Adriana - Biografia. Dispnível em: http://www.adrianalisboa.com.br/biografia/index.html. Acesso em 11/04/2008.
NUNES, Benedito - O tempo na narrativa. São Paul: Ática, 2002
RICOUER, Paul - O tempo e narrativa tomo II. Trad. de Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1995
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