INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE QUÍMICA: UMA PROPOSTA DE AÇÃO INTEGRADA ENVOLVENDO ESTUDOS SOBRE ALIMENTOS Kelly Karina Cardoso ([email protected]) Eniz Conceição de Oliveira ([email protected]) Marlise Hermann Grassi ([email protected]) Contextualização Para propor uma prática pedagógica é necessário ter não apenas uma única visão, mas sim uma visão multifacetada. A aplicação de uma prática de ensino interdisciplinar e contextualizada contribui para o desenvolvimento do aluno em todos os componentes curriculares, tornando-o uma pessoa mais crítica e participativa. Esta prática procura fazer com que os professores fiquem atentos a todas as mudanças no campo da educação e façam uma avaliação continuada da sua prática pedagógica (MALDANER, 1999). Ivani C. A. Fazenda dedicou sua pesquisa de mestrado à investigação da interdisciplinaridade no ensino, baseando-se em Japiassú, Gusdorf, bem como em outros autores que também estavam trabalhando sobre o tema. Fazenda (2002) afirma que: Interdisciplinaridade é uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão (FAZENDA, 2002, p.11). Nogueira (2003) afirma que: [...] foutro passo para a quebra de paradigmas, seria integrar de forma mais organizada os conhecimentos prévios dos alunos correlacionando os conteúdos do cotidiano aos conhecimentos científicos tornado assim uma aprendizagem significativa (NOGUEIRA, 2003, p. 33). De acordo com Moreira (2006) apoiado em Ausubel, aprendizagem significativa é um processo pelo qual, uma nova informação relaciona-se com 1 um aspecto especificamente relevante da estrutura do conhecimento do indivíduo, ou seja, propõe que o educador avalie o que o aluno já sabe e então organize o ensino de acordo com esses conhecimentos. O que é muito comum hoje em dia nas escolas é o aprendizado mecânico, onde o aluno memoriza os conceitos aprendidos sem que necessariamente esses conceitos tenham algum significado. Com a aprendizagem significativa o aluno não apenas recebe as informações como também participa, mostrando o conhecimento já aprendido, de modo que o aluno vai construindo e aperfeiçoando seu próprio conhecimento. A proposta foi desenvolvida durante o ano letivo de 2012 com quatro turmas de 3º ano do Ensino Médio de uma Escola Pública Estadual localizada na serra Gaúcha. Participaram 116 alunos, com idades entre 16 e 17 anos, do turno da manhã e noite. A avaliação foi feita apenas com a turma 34 que era composta por 16 alunos. Foram envolvidos na proposta interdisciplinar os professores de Química, Biologia, Matemática, Português, Geografia, Educação Física e História. O Colégio atende em três turnos, alunos do Ensino Médio oriundos de vários bairros, necessitando de transporte coletivo ou particular. A maior parte dos pais trabalha na indústria moveleira, alimentícia, vinícola e metalúrgica, vindos de cidades do interior do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, formando um grupo étnico diverso (de origem italiana, alemã e polonesa, todos em busca de melhores condições de vida). Objetivos Possibilitar interação e colaboração entre os professores de ciências exatas e demais componentes curriculares, por meio do planejamento integrado de atividades sobre a Química Orgânica dos Alimentos. Proporcionar aos alunos atividades interdisciplinares envolvendo conteúdos relacionados à química dos alimentos, na perspectiva de diferentes áreas do conhecimento e de vivências cotidianas. 2 Detalhamento das atividades As práticas pedagógicas que foram desenvolvidas pelos professores das sete disciplinas envolvidas no trabalho e estão relatadas a seguir. Aulas expositivas – Cada professora fez uma apresentação oral utilizando os recursos didáticos disponíveis. Essas aulas sempre tiveram a participação ativa dos alunos. Leitura de artigos científicos – nas aulas de Biologia, Química e Português foi feita leitura de artigos científicos com os alunos. Debates – após a leitura dos artigos da Química Nova na Escola o professor de Português fez um debate sobre o assunto “alimentação saudável x atividades físicas” com os alunos. Soluções de problemas – Nas aulas de matemática foi feita a discussão sobre preço dos alimentos que compõem a cesta básica fundamentada nos artigos trabalhados em aula. Foi levantada com os alunos uma problematização: “se os alimentos que vêm na cesta básica são saudáveis?”. Trabalhos em grupos – A turma foi divida em três grupos para desenvolver a pesquisa teórica e posteriormente elaborar a apresentação do trabalho. Este procedimento possibilitou a troca de experiências entre os alunos. Seminários – Os alunos apresentaram a parte teórica sobre o tema para todos os professores envolvidos no trabalho. Mostra Cultural – foi realizada no dia 15 de setembro de 2012, onde todos os alunos envolvidos no trabalho fizeram uma apresentação com pratos típicos da culinária gaúcha, mostrando de forma expositiva o seu aprendizado. No início do trabalho foi aplicado um questionário de ideias prévias com os alunos sobre o tema “Alimentos”, e após a mostra cultural o mesmo questionário foi reaplicado para uma análise comparativa. A coleta de dados foi realizada através de registros fotográficos, relatórios, trabalhos de pesquisa entregue pelos alunos. Também durante o 3 desenvolvimento do trabalho foram elaboradas questões relativas ao conteúdo proposto, para avaliar o aprendizado dos alunos. A finalização do trabalho ocorreu com a mostra cultural. Para o desenvolvimento da pesquisa foram realizados encontros com os professores das disciplinas envolvidas na prática pedagógica para planejar as aulas. A Figura 1 apresenta o fluxograma da proposta de trabalho que foi desenvolvida pelos professores das disciplinas e aplicada com o terceiro ano do Ensino Médio, sendo construída para organizar os temas abordados na atividade interdisciplinar. Figura 1: Fluxograma construído para organizar os temas abordados na atividade interdisciplinar. Os conteúdos apresentados a seguir foram os trabalhados por cada disciplina durante o ano letivo, sempre partindo do tema central alimentos. Química: foi feita a relação entre a química orgânica e os alimentos; Biologia: as professoras de biologia e química elaboraram a pirâmide alimentar, fazendo a ligação com as doenças que podem ser desenvolvidas com uma alimentação inadequada. Matemática: os alunos construíram gráficos com os dados coletados a partir da cesta básica; 4 Português: com os artigos de revistas o professor analisou gêneros textuais, intertextualidade, elementos intra e extra textuais, função persuasiva; Educação física: o professor fez aulas de atividades mais intensivas e outras com menos intensidade para relacionar com a perda de calorias, e também fez junto com a professora de Matemática o cálculo do índice de massa corporal (IMC) dos alunos e com isso foram construídos gráficos; Geografia: a professora fez discussão com os alunos sobre a forma cultural da alimentação, fazendo como comparativo com a alimentação saudável; História: o professor realizou uma pesquisa com os alunos sobre a história de alguns alimentos da nossa região, e após junto com a professora de química foi feito a relação das classes funcionais e nutricionais desses alimentos. Os alunos foram avaliados durante o processo através de trabalhos de pesquisa, relatórios, seminários, e de uma apresentação feita na Mostra Cultural. A Mostra Cultural possibilitou os alunos porem em prática as vivências das experiências científicas aprendidas durante a aplicação do trabalho, fazendo com que os mesmos relacionassem o aprendizado ao seu cotidiano. Primeiramente os alunos pesquisaram a evolução dos hábitos alimentares nos períodos Neolítico e Paleolítico e os hábitos alimentares adotados atualmente, apresentaram os resultados de suas pesquisas de forma oral e criativa com auxílio de recursos didáticos (retroprojetor, Power Point, cartazes, som, vídeo, paródia, teatro de fantoches, entre outros). Cada grupo foi orientado para a leitura de artigos relacionados à Química Orgânica e Alimentos para depois da leitura e das discussões pudessem montar uma apresentação criativa (apresentação através de exemplos ilustrativos, entre outros). Após esta apresentação discutiram processos de conservação de alimentos, caseiros e industriais, e ainda o uso de aditivos alimentares, o fato de alguns alimentos não especificarem com clareza os seus aditivos químicos. Além disso, a questão de que uma alimentação exclusivamente de produtos industrializados, somaria no organismo quantidades prejudicial de aditivos químicos, esta discussão se 5 iniciou através de uma atividade proposta onde se utilizou embalagens de alimentos e verificaram-se quais os principais aditivos utilizados e suas funções. Com isso os alunos produziram cartazes em sala de aula, para mostrar as funções orgânicas envolvidas em alguns alimentos da região em vivem, como por exemplo, a canela presente no sagu, como mostra a Figura 2. Figura 2: Estrutura orgânica do princípio ativo presente na canela, um dos ingredientes do sagu. Na disciplina de Biologia, os estudos foram sobre a pirâmide alimentar, doenças ligadas à alimentação e elaboração de uma dieta saudável. Num primeiro momento os alunos ouviram a explanação das teorias referente à pirâmide alimentar feitas pela professora de Biologia e Química, e fizeram a leitura de textos que explicavam sobre cada alimento, após o estudo foi solicitado aos alunos que confeccionassem a pirâmide alimentar (Figura 3). Figura 3: Pirâmide alimentar feita no caderno de um aluno. 6 A professora de Matemática realizou atividades relacionadas ao Custo benefício da cesta básica, com construção de gráficos (dados estatísticos). Os alunos foram em busca desses dados nos supermercados da cidade e juntamente com o professor de Educação Física, fizeram os cálculos do Índice de Massa Corporal (IMC), onde os mesmos construíram o gráfico de IMC da turma, conforme a figura 4. Figura 4: Gráfico de IMC construído pelos alunos. Nas linguagens o professor de Português abordou os gêneros textuais, intertextualidade, elementos intra e extra textuais, função persuasiva, usando como recurso artigos da Revista Química Nova na Escola. A abordagem de textos de Química a partir de temas relevantes que permitam a contextualização do conhecimento fez com que os alunos trabalhassem de forma interdisciplinar com a Língua Portuguesa e a disciplina de Química. Na disciplina de Educação física as atividades realizadas foram atividade física relacionada com a dieta alimentar, elaborada na aula de biologia e o cálculo do IMC, na aula de matemática. Foi realizado também treinos com maior intensidade, para perda de calorias e outros com menos intensidade, para que fosse feita uma comparação. A professora de Geografia realizou uma mesa redonda para comentar sobre o que as diversas culturas abordam sobre esse tema, bem como as curiosidades sobre os nomes de alguns alimentos, visto que no Brasil algumas comidas mudam de nome dependendo o estado ou região que se mora. 7 O professor de História trabalhou junto com a professora de Química, onde montaram uma linha cronológica com a evolução dos alimentos e os conceitos de beleza que foram sendo criados durantes os anos. Resultados obtidos Na contemporaneidade, abordar a questão da interdisciplinaridade no Ensino Médio, especificamente no ensino de Química, significa entrar em contato com as discussões que permeiam a organização do trabalho educacional nos níveis teórico e prático. Assim, cada vez mais se faz necessária uma reflexão sobre o tema, tendo em vista as diferentes formas de abordá-lo. No decorrer desta pesquisa, pode-se verificar que alguns professores desenvolveram atividades educativas com características interdisciplinares. Alguns professores infelizmente não se motivaram a participar desse trabalho, pois os mesmos relataram não estarem preparados para trabalhar de forma interdisciplinar, alguns apenas disseram não gostar de trabalhar desse modo. As maiores dificuldades apontadas pelos professores para a realização dessa prática interdisciplinar ficaram atreladas às condições vivenciadas no cotidiano escolar, tais como: ausência de interação entre alguns professores do colégio durante o planejamento falta de tempo e recursos, e o trabalho solitário na prática pedagógica. Foi evidenciado neste trabalho que alguns professores ainda mantêm um ensino fragmentado e compartimentalizado, revelando uma prática tradicional de ensino pautada na transmissão dos conhecimentos científicos. Outros realizam um ensino contextualizado, de forma a romper com a fragmentação e linearidade dos conhecimentos. Dessa forma, apresentam uma atitude interdisciplinar, ao trazerem para o contexto do ensino as implicações sociais dos conhecimentos. Acredita-se que o ensino-aprendizagem terá a relevância que merece, quando os professores alcançarem a compreensão e consciência de que a realização de práticas de ensino interdisciplinares e contextualizadas favoreçam uma educação que possibilite a formação de pessoas críticas, 8 participativas, capazes de transformar seu entorno e a realidade na qual estão inseridos. Para isso, é necessária reflexão sobre nossas atitudes e práticas pedagógicas no processo ensino-aprendizagem nas escolas. Também se percebeu que um trabalho interdisciplinar produz uma mudança significativa no ensino, já que os alunos mostram grande interesse na produção dessa pesquisa. Mas para alcançar essas mudanças foi preciso relacionar os conhecimentos armazenados na memória do aluno com os novos conhecimentos, de forma bem planejada para mostrar a importância da aprendizagem e assim tornando-a significativa. Com essas mudanças, e não são tão fáceis de serem realizadas, porém com muita leitura sobre o assunto, é possível promover uma quebra de paradigmas entre alunos e professores na hora de trabalhar de forma interdisciplinar, produzindo assim uma nova prática pedagógica nas escolas. Referências FAZENDA, I. C. Didática e interdisciplinaridade. São Paulo: Papirus, 2003. MALDANER, O, A. A pesquisa como perspectiva de formação continuada do professor de química. Química Nova, v.22, n.2, 1999. MOREIRA, M. A. A teoria da aprendizagem significativa e sua implicação em sala de aula. Brasília: UnB, 2006. NOGUEIRA, N. R. Interdisciplinaridade aplicada. São Paulo: Ética, 2003. 9