MASSACRE
NA
BAIXADA
Homens atiram a esmo, matam 30 pessoas e aterrorizam o Rio
DA SUCURSAL DO RIO – Folha de São Paulo 02-04-05
Em uma hora de ação na noite de anteontem, 30 pessoas foram
assassinadas por tiros que atingiram alvos a esmo em 11 locais
das cidades de Nova Iguaçu e Queimados, municípios da
Baixada Fluminense. Foi um massacre.
Entre os mortos, pelo menos sete eram menores de 18 anos e
apenas dois deles tinham ficha criminal. Duas outras pessoas
baleadas permaneciam internadas até a conclusão desta edição.
Susto, medo e indignação se espalharam ontem entre
moradores da região. Sob o choro de parentes e amigos dos
mortos, havia a tentativa de busca de uma razão para um
massacre injustificável.
Segundo a Secretaria de Segurança, a chacina foi uma
provável retaliação de policiais militares, intimidados por
investigação de envolvimento de agentes em crimes na
Baixada Fluminense. Tornou-se a mais violenta ação contra
comunidades carentes do Rio, desde o assassinato de 21
pessoas por policiais na favela de Vigário Geral em agosto de
1993.
"Ouvi muitos tiros. Parecia que o mundo iria acabar", relata a
doméstica Maria Helena Soares, 37, mãe de Felipe Soares
Carlos, 13, que morreu em um bar.
"Quem viu morreu", resumiu Karla Patrícia, 31, irmã de
Marcos Vinícius Cipriano Andrade, 15, uma das cinco vítimas
do Campo do Banha.
O chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins, disse que os
participantes do massacre não se preocuparam em esconder os
rostos durante a ação. "Fizeram tudo de cara limpa.”Nos oito
municípios mais populosos da Baixada, que concentram 23%
do eleitorado do Estado do Rio, com 2,8 milhões de
habitantes, apenas 7,8% dos homicídios são investigados.
FERREIRA GULLAR
Um passarinho me contou...
Ilustrada – Folha de São Paulo 10-04-05
Encontrei-o no calçadão do Leme, sentamos para tomar um
chope e falamos, entre outras coisas, da violência no Rio.
Cláudio -não é esse seu nome- disse-me que, hoje, não sabe se
tem mais medo do bandido ou da polícia. Devo acrescentar
que ele nasceu na Baixada Fluminense e ali morou até pouco
tempo. Um parente seu, que serve na Polícia Militar, contoulhe coisas que agora passo a vocês, sem poder atestar sua
veracidade.
Contou, por exemplo, que policial militar que trabalha na rua
tem de descolar pelo menos R$ 60 por dia para pagar suas
refeições e a gasolina que consome para ir trabalhar de carro,
já que, se tomar um ônibus, está arriscado a ser morto. Por isso
mesmo, todos querem ser escalados para trabalhar na
fiscalização de veículos, mas só é escalado quem der R$ 200
ao encarregado da escalação. Como cada patrulha tem uma
cota mínima de multas e apreensão de veículos por dia,
completada a cota, começa o achaque.
Há cotas igualmente para a apreensão de drogas e armas:
cumprida a exigência, tudo o que for apreendido numa favela
é vendido aos traficantes de outra favela. No fim do mês, o
comando do batalhão chama a imprensa e mostra as armas e
drogas apreendidas graças à ação da polícia militar.
Segundo Cláudio, seu parente PM contou-lhe que, certa noite,
na Barra da Tijuca, a patrulha em que estava parou um carro
suspeito e encontrou dentro dele fuzis, revólveres e até um
maçarico. Os ocupantes do carro, ao serem apertados,
confessaram que iam assaltar um bingo da Barra, cujo
segurança lhes havia informado haver no cofre uns R$ 250
mil.
E propuseram rachar a grana com os policiais se estes os
liberassem. "Está nos achando com cara de otários? Vocês com
essas armas e com o dinheiro vão é se mandar. Nada feito."
Então os bandidos fizeram outra proposta: dariam aos policiais
dez milhas ali, na hora. Os policiais contrapropuseram 20
milhas. Os bandidos toparam, começaram a telefonar para
tentar conseguir a grana, mas, como não conseguiram, foram
levados presos para o quartel juntamente com as armas e o
maçarico. As armas foram completar a cota de apreensão do
mês e exibidas aos jornalistas que noticiaram o fato: "PM
impede assalto a um bingo da Barra".
Se a PM faz uma incursão numa favela e apreende grande
quantidade de dinheiro, drogas e armas -teria contado o primo
dele-, parte das armas e da droga é levada para o quartel; a
outra parte será vendida e o dinheiro, dividido entre os
integrantes da patrulha.
Acrescentou que, certa vez, participou da incursão numa
favela sob o comando de um aspirante a oficial, que fazia sua
estréia. Terminada a operação, ele deu ordem para que todas as
armas, drogas e dinheiro fossem postos em sua viatura e
levados para o quartel.
- Essa não!, protestou um dos policiais.
-Quem comanda sou eu, reagiu o aspirante. Vai tudo para o
quartel.
- Mata ele, falou outro soldado. Mata logo esse babaca!
O jovem oficial, embora assustado, manteve-se firme. Foi aí
que um outro soldado o chamou à parte e lhe explicou que o
pessoal ganhava pouco para arriscar a vida naquelas
operações. A compensação era ficar com parte do que
apreendiam.
- Mas isso é crime, respondeu o aspirante.
-Então você escolhe. Para nós, não custa nada te dar um tiro na
cabeça e dizer que foram os bandidos.
O tenente cedeu e foi advertido de que, se os denunciasse,
seria executado. Não há muita escolha, afirmou Cláudio, ou o
cara se corrompe ou morre.
Mal podia acreditar no que ouvia e, por isso, perguntei se
achava que tudo aquilo era de fato verdade.
- Por que ele iria inventar tudo isso se também se confessa
envolvido na coisa?
-Para você, isso é exceção ou é a regra?
- Pelo que ele me disse, é a regra, embora dependa da ocasião.
- Não acredito que toda a PM seja corrupta.
- Bem, há uns tantos, como os evangélicos, que pedem para
trabalhar no quartel, porque sabem que na rua é difícil não
entrar no jogo dos outros.
E me contou outra história que ouvira de seu parente. Uma
patrulha saiu para uma operação levando dois fuzis que
pertenciam à corporação. Ao chegarem à favela, o sargento
que comandava a patrulha ordenou que as armas fossem
postas em sua viatura, mas um soldado protestou, alegando
que os fuzis tinham sido retirados do paiol sob sua
responsabilidade. De nada adiantou e, ao terminar a operação,
os fuzis haviam desaparecido.
O sargento então acusou o soldado que protestara de ter se
apossado das armas. Armou-se uma discussão que terminou na
denúncia levada ao comando pelo soldado. Foram todos
detidos para averiguação e aberto um inquérito que concluiu
pela culpabilidade do sargento.
Ficou demonstrado que ele dera sumiço nos fuzis para vendêlos a traficantes. Mas não foi nem preso muito menos expulso
da corporação. Continua lá, trabalhando, e todo mês é
descontado de seu soldo parte do valor dos fuzis.
- É como se ele tivesse comprado os fuzis a prestações, disse
eu.
E ele, rindo:
-É mais ou menos isso.
Dois dias depois desta conversa, policiais militares mataram
aleatoriamente 30 pessoas na Baixada Fluminense, ao que
tudo indica para advertir o comando que ameaçou punir alguns
deles.
PROPOSTAS DE PRODUÇÃO DE TEXTO
1. Redija um texto dissertativo de 20 a 30 linhas ,
discutindo coerentemente uma explicação plausível para o
tema analisado em aula: a violência policial.
2. Redija um parágrafo dissertativo (até 10 linhas),
expondo sua opinião sobre a violência retratada na chacina
da Baixada Fluminense.
3. Redija um parágrafo dissertativo, expondo sua opinião
sobre a veracidade das informações da crônica do escritor
Ferreira Gullar.
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AULA SOBRE GÊNERO NARRATIVO