1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE “UM PROJETO EDUCACIONAL SOBRE OS REFLEXOS DAS FORMAS DA ARTE NAS FORMAS DA MODA DO SÉCULO XX.” Por: Josiane da Costa Mattos Orientador Prof. Nilson Guedes de Freitas Rio de Janeiro 2005 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE “UM PROJETO EDUCACIONAL SOBRE OS REFLEXOS DAS FORMAS DA ARTE NAS FORMAS DA MODA DO SÉCULO XX.” Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes, como condição prévia para a conclusão do Curso de PósGraduação “Lato Sensu” em Docência do Ensino Superior. São os objetivos da monografia perante o curso, e não os objetivos do aluno, estabelecer um paralelo dos vários momentos em que há o compartilhamento de formas e idéias entre a criação artística e a criação estilística do século XX. Por: Josiane da Costa Mattos 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me abençoar com o dom de amar e por ser amada por ele. 4 DEDICATÓRIA Dedico esta monografia ao meu querido filho Lucas, que tanta paciência demonstrou por não dispor de minha companhia em todos os sábados do ano. À minha querida amiga Paula Acioli, cujo carinho e atenção pouparam desta pesquisa várias lacunas. E à minha querida amiga Adriana, que tantas vezes acolheu meu filho nas noites de sexta-feira. 5 RESUMO Estabelecendo um paralelo dos vários momentos em que há o compartilhamento de formas e idéias entre a criação artística e a criação estilística e, de como essa inspiração ocorreu, esta pesquisa busca implementar o estudo da História da Arte aos cursos superiores de formação de Estilistas de Moda, mais especificamente aos Currículos das Escolas Superiores Particulares de Moda do Rio de Janeiro, usando como metodologia a pesquisa bibliográfica. Serão citados nessa pesquisa os principais movimentos artísticos e os grandes estilistas do século XX. Arte; criação; referências; história; estilo. 6 METODOLOGIA Esta pesquisa teve como método de coleta de dados uma extensa pesquisa bilbliográfica em História da Arte e História da Moda, para justamente identificar, ao compilar as informações conseguidas, os vários episódios vividos em conjunto entre artistas plásticos e estilistas de moda. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I - O início do século e sua efervescência cultural 11 CAPÍTULO II - As guerras mundiais e seu legado artístico e sócio-cultural 19 CAPÍTULO III – O pós-guerra 28 CAPÍTULO IV – O império jovem 33 CONCLUSÃO 42 ANEXOS 44 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 58 ÍNDICE 59 FOLHA DE AVALIAÇÃO 63 8 INTRODUÇÃO O artista não se baseia apenas em sua experiência pessoal para criar. Sua arte reflete também todo um momento histórico, todo um movimento social e todo aspecto econômico por que passa a sociedade. A Arte dificilmente se encontra dissociada de seu berço social e histórico. O artista é fruto do meio. E, por conseguinte, sua expressão artística e sua criação, são fruto de sua força psíquica, física e sócio-cultural, enfim, de sua identificação, ou não, com o meio que o cerca. Para se comprender os acontecimentos que levaram os artistas de cada época à elaboração de seus trabalhos, deve-se partir do pressuposto que a Arte imita, ou procura retratar a vida ao seu redor. A Arte se inspira e se alimenta dos acontecimentos históricos que compõem a essência da evolução humana. Assim como a Arte se espelha na realidade sócio-cultural da humanidade num dado momento, ou em toda sua extensão, a Moda busca na Arte sua incessante fonte de inspiração, traduzindo toda essa informação em forma de indumentária, comportamento e tendências. As formas da Arte sempre influenciaram as criações dos vários estilistas do Século XX e dos dias atuais. Durante o Século XX múltiplas ações e movimentos provam o interesse recíproco entre os mundos da Arte e da Moda, como bem exemplifica Florence Müller: “Afinidades observadas visualmente: repensar a vida por meio do vestuário; imprimir alma à indústria, enfim, empregar o vestuário como suporte da expressão artística. Vestuário como identidade social. Para cada época, seus artistas ou estilistas criarão a expressão de uma ideologia ou crítica dessa sociedade.” ( Müller, Florence – ARTE E MODA – São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2002, p. 22) 9 A Moda transfere a Arte para o vestir. Torna possível à sociedade verse refletida em sua própria realidade, tão bem emoldura pelos criadores da Arte. O foco desta pesquisa está justamente na necessidade premente do ensino da História da Arte, e de seus vínvulos com a própria história humana, nos cursos superiores de Moda. Como tornar o criador, o trabalhador do ramo da Moda, alguém presente e integrado à sua realidade histórica, senão atendo-o ao legado cultural de sua comunidade, de seu povo, de seu país? Baseando-se em fatos históricos que impeliram a Arte a evoluir seu padrões e mudar seus paradigmas, encontra-se o elo entre a Moda e sua eficaz capacidade de traduzir tais eventos em suas criações. A pesquisa tem como objetivo geral estabelecer um paralelo dos vários momentos em que há o compartilhamento de formas e idéias entre a criação artística e a criação estilística. Como essa inspiração ocorreu, e ocorre. Então, como implementar o estudo da História da Arte aos cursos superiores de formação de Estilistas de Moda? A pesquisa quer provar, usando como metodologia uma extensa pesquisa bibliográfica, que a adoção do ensino de História da Arte no currículo regular das faculdades de formação de estilistas, mais especificamente nos Currículos das Escolas Superiores Particulares de Moda do Rio de Janeiro, conforme a delimitação adotada, traria como consequência, maior clareza de informações artísticas e culturais aos criadores de moda, dando a estes profissionais condições de traçar um paralelo entre sua criação e a linguagem artística que expressa as necessidades da sociedade atual. Dessa forma no primeiro capítulo: “O início do Século e sua efervescência cultural”, será enumerada a multiplicação de ações e movimentos que provam o interesse recíproco entre os mundos da Arte e da Moda neste período. A seguir, no segundo capítulo: “As guerras mundiais e seu legado artístico e sócio-cultural”, serão analisados o inconformismo e a rebeldia artística com a imensa destruição causada pela insanidade das guerras. 10 Destacando as consequências da Incomunicabilidade e enumerarando os reflexos imediatos da penúria econômica e social nos movimentos artísticos e no cotidiano das populações, assim como em sua indumentária. Mostrar que, assim como a Arte, a Moda retrata um projeto de vida interrompido e prejudicado, um lapso. No terceiro capítulo: “O pós-guerra”, será feito um retrato da euforia com a constatação do poder de recomeço, de reconstrução e revigoramento da sociedade civil, evidenciando o que ocorre, culturalmente, com o restabelecimento da comunicação entre a Europa e resto do mundo e a enorme influência do estilo americano, depois da libertação pelos Aliados, em toda a Europa. Mostrando também como se deu o renascimento da indústria de roupas, à partir dos novos conceitos de prático e moderno. E finalmente no quarto capítulo: “O império jovem”, será destacado como o crescimento econômico fez surgir uma nova entidade chamada juventude, dotada de poder de compra e do poder de propagar idéias que lhe são próprias, como filhos legítimos do baby boom, evidenciando a estreita ligação entre os movimentos artísticos e a moda desta época e retratando como essa influência segue até os dias de hoje. 11 1. O início do Século e sua efervescência cultural. O período entre os anos de 1900 a 1914 foi conhecido, na França, como La Belle Époque (A Bela Época). Foi marcado pela ostentação, pelo luxo e pela extravagância da classe rica. Um período também de muita criatividade nas artes, na decoração e na indumentária. Apesar de todo luxo que as classes mais abastadas estavam acostumadas a consumir, há um pensamento inovador por estes tempos, um frescor que inviabiliza qualquer possibilidade de estagnação criativa. “Mesmo recém nascida, a Belle Époque, cuidadosamente separada das classes inferiores vive suas últimas horas de glória.” (BAUDOT, 2002, p. 32) A indumentária da época primava por seu aspecto ornamental, mas a necessidade de democratizar as artes, o design e as vestimentas, são a verdadeira mola mestra, não só desse início de século, como também viria a ser a maior característica de todo o século XX. Este é um século de transformações nunca antes experimentadas. É ímpar pela quantidade de mudanças e experimentos em pintura, escultura, decoração, moda e design. Tudo isso moldado por uma motivação maior: a individualidade. A arte deste período tem toda sua motivação voltada para a pessoa humana. Desde a Revolução Francesa (1789) já houvera o primeiro rompimento com a tradição. Desde então, os artistas sentiram que os temas aceitos para obras de arte, como a história, a religião e a mitologia, não faziam necessariamente parte de suas vidas e das experiências que queriam expressar em seus trabalhos. Eles queriam pintar tudo aquilo que os agradava e este é o princípio do pensamento libertário que deu início a arte moderna. 12 Ao se preocupar com sua individualidade, com sua marca, e não com o tema a ser retratado, o artista assume uma postura que rompe definitivamente com o academicismo dos séculos anteriores e se insere num novo contexto de visão de obra de arte. Muitos artistas compartilharam desses novos ideais, e acabaram por criar a marca do criador, a essência de uma representação única. Mesmo que este artista aceitasse um tema pré-estabelecido para seu trabalho, este poderia, certamente, conter sua própria interpretação deste mesmo tema. Poderia sublinhar um determinado aspecto, exagerando-o, como fez Goya. Poderia usar a cor esperada para aquele tema, ou empregar uma cor inteiramente inesperada, cujo significado estaria diretamente ligado ao que bem aprouvesse ao artista, como fez Van Gogh. Poderia realizar experimentos científicos com a cor, com fez Seurat. Poderia tomar partes de uma paisagem, ou de uma natureza morta, tal como são vistas pelo olho em movimento, e recombiná-las numa só composição, como fez Cézanne. Ou poderia, ainda, fragmentar o tema e voltar a juntá-lo de maneira inusitada, como fizeram os cubistas. Apresentariam a imagem distorcida por seus próprios sentimentos, como tão bem o fizeram os expressionistas, ou quase abandonar o tema reconhecível, como fez Kandinsky, ao preencher o espaço do quadro com cores e sugestões de objetos, para expressar sentimentos e sensações. Estas não eram, é claro, idéias inteiramente novas, mas os artistas do século XX adotaram, consciente e deliberadamente, elementos singulares, que por eles foram descobertos e elaborados, como o princípio fundamental de sua arte. Não necessariamente, todos os artistas pertenceram a movimentos de caráter individual. Há, portanto, muitos exemplos de pintura, escultura e arquitetura em estilos tradicionais. Alguns artistas tão somente aproveitaram dos movimentos aquilo que queriam, gerando muitos tipos de arte no século XX. Se não soubermos de onde vieram as idéias de um artista, teremos 13 deficuldades em saber o que ele pretende dizer com sua criação, e por que escolheu determinada técnica. Esta é a essência dos movimentos artísticos do século XX. O artista como alguém presente em seu próprio mundo de sensações e necessidades e, ao mesmo tempo, amplamente inserido no contexto social e político de sua época. 1.1. Os Movimentos A seguir a multiplicação de ações e movimentos artísticos do início do século XX que atestam o interesse recíproco entre os mundos da Arte e da Moda neste período. O Art Nouveau caracteriza-se por linhas curvas graciosas e exageradas espirais inspiradas na natureza, traços alongados e linhas que se entrelaçam com ramagens e flores. É também conhecido como estilo floral e recebe, ainda, forte influência da arte oriental. O Cubismo busca um tratamento particular do tema, numa forma de o fragmentar e analisar, justapondo as partes de diferentes maneiras, simplificando o tema a fim de relacioná-lo mais intensamente com o espaço a sua volta. Busca um modo de abolir a pintura de um tema enquanto ilusão. Mesmo sem finalidade precisa, este movimento desfez quase todos os tabus e tradições da arte ocidental, dando aos artistas a liberdade, e a insegurança, de pintar sem regras. Seus ícones foram: Pablo Picasso, Georges Braque, também Juan Gris, Robert Delaunay e Fernand Léger. 14 O Fauvismo foi idealizado por um pequeno grupo de pintores que trabalhavam em Paris, no começo do século. Foram assim intitulados (fauves=feras) após sua exposição no Salão de 1905. O líder deste grupo foi Henri Matisse e dentre os demais membros estavam Derain, Vlaminck, Dufy e Braque. Sua principal característica era o emprego da cor, mais do que da luz e da sombra para sugerir espaço. No Expressionismo os estados mentais se tornam o tema principal e são representados de forma veemente, entretanto são temas pessoais demais. O quadro que bem exemplifica este movimento é “O Grito” de Edvard Munch. Algo desta tendência já existia no Art Nouveau, na sua forte tônica nas linhas tortuosas, retorcidas e espiraladas. Talvez não pela mesma inspiração por estados mentais, mas certamente não somente por mera intenção decorativa. O Die Brücke (1905), um movimento iniciado por quatro estudantes de arquitetura, tentava ligar o passado ao futuro. Os artistas usavam os temas de seus quadros para expressar seus próprios e intensos sentimentos, numa certa distorção. O quadro “Cinco Mulheres na Rua”, de Ernest Ludwig Kirchner, ilustra bem esta intenção, ao retratar cinco mulheres vestidas com roupas caras, olhando vitrines, mas numa atmosfera intensamente mórbida. A Secessão de Viena, fundada por Gustav Klimt, tenta buscar a interação da arte com a vida. Compartilhando destes ideais temos Egon Schiele, um grande admirador de Klimt, para quem a pintura deveria mostrar a verdade. 15 Em 1903, Moser e Hoffman, montam a oficina de artes e ofícios “Wiener Werkstätte”, baseada em simplicidade e unidade de estilo, seguindo os passos do inglês William Morris, criador do movimento “Arts and Crafts”, cuja regra era a de que todas as artes aplicadas deveriam ser julgadas pelos mesmos padrões da pintura e da escultura. Moser desenhou vestidos e Hoffman criou jóias para a esposa do maestro da Ópera de Viena. O Futurismo surgiu na Itália, entre 1909 e 1916. Foi liderado por Fillipo Marinetti. Dentre seus principais artistas estão Giacomo Balla, Umberto Boccioni, Gino Severine. Foram contemporâneos dos Cubistas, na França. Viam a Itália como um país aprisionado a um passado de glórias e precisando dar um passo adiante. Seu desejo era o de juntar a cultura européia ao glorioso mundo novo da tecnologia moderna. Negar o passado. Buscar fundamentalmente o dinamismo (juventude, máquinas, movimento, energia, velocidade). Sua maior contribuição foi a idéia de “simultaneidade” , ou seja, reunir num quadro coisas que acontecem sumultameamente, como som, luz e movimento. Então, por volta de 1910, o movimento moderno havia se propagado por toda a Europa. Com as facilidades para se viajar e se comunicar, houve uma superposição de movimentos e idéias. O maior exemplo disso está no quadro de Marcel Duchamp, “Nu descendo uma escada” (exposto em 1903, em Nova York), em que o tratamento dado à figura é cubista, a preocupação com o movimento é futurista e o todo lembra uma exposição fotográfica múltipla. Então, Vassíli Kandinsky “inventa” o Abstracionismo. Ele participou do segundo movimento expressionista alemão. Pintou “Cossacos” em 1910, onde ainda é possível perceber-se algumas formas reconhecíveis. O quadro é uma “paisagem” de sensações, segundo a crítica. De volta à Rússia (1914) 16 ele conhece o Raionismo, pintura abstrata desenvolvida por artistas russos desde 1911, inspirada em diferentes fontes, dentre elas o Cubismo e o Futurismo. A pintura abstrata de Kandinsky se originou do Expressionismo. É desta época também o movimento Suprematista que busca expressar estados “puros” da consciência, ou inconsciência. Um dos expoentes deste movimento, Vladímir Tatlin, em visita à Paris, em 1912, inicia a construção de modelos em relevo, influenciado por colegas cubistas, e forma as bases do Construtivismo, cujo veículo era o metal e suas esculturas eram montadas a partir de peças separadas (“construções”). Piet Mondrian trabalhou de 1895 a 1944. Sua obra influenciou todo o campo de design do século XX. Essência subjacente. A finalidade do artista é revelar esta estrutura oculta da realidade, essa harmonia universal. Como Kandinsky, Mondrian sentia forte atração pelo misticismo e manteve-se vinculado à Sociedade Teosófica durante toda sua vida. Ele e Theo van Doesberg tornaram-se co-fundadores (1917) de um movimento chamado “De Stijl” (O Estilo), também chamado Neoplasticismo, onde os elementos essenciais dos objetos, podem ser mostrados do modo mais simples possível, com linhas horizontais e verticais e cores primárias. É a buca da essência. Fundada pelo pintor e arquiteto belga, Henry van de Velde, em 1919, a Bauhaus (Casa de Construção) foi uma escola cujos aprendizes buscavam fazer coisas que fossem apropriadas para sua função, mas que expressassem as características de quem as fez. Kandinsky faria parte de seu corpo docente a partir de 1922. 17 1.2. As primeiras influências Na França da Belle Époque (1900 a 1914) os costureiros famosos determinam um moda clássica e severa para os homens, e outra sinuosa e pesada para as mulheres. Paul Poiret e Mariano Fortuny procuram reencontrar a simplicidade das roupas greco-romans, iniciando o esboço de grandes revoluções no mundo da moda. A Belle Époque traz para a moda suas linhas sinuosas e arqueadas, seus frufrus, ruchês de rendas em tons de flores esmaecidas, como a sociedade agonizante a que ornam. O primeiro a traduzir estes símbolos para a moda foi Jacques Doucet. Ele trata seus vestidos como flores de estufa. Doucet havia constituído uma das mais notáveis coleções de objetos de arte do século XVIII, mas após um leilão memorável, em 1912, desfez-se dela e voltou-se, então, para o Pós-impressionismo e, definitivamente, para o Cubismo. Mesmo não tendo traduzido para sua própria moda o estilo revolucionário das obras que colecionou (De Chirico, Braque, Miró, Picasso), serviu de ponte para esta interpretação na figura de Paul Poiret, seu amigo e assistente, a quem deu todo seu apoio profissional. Assim, após trabalhar como desenhista na maison Doucet, Paul Poiret abre, em 1904, sua próprio atelier. Ele lançou a moda dos turbantes, inspirado na arte oriental, e pela primeira vez algumas mulheres tiveram coragem de cortar os cabelos bem curtos. 18 O Art Nouveau foi introduzido na moda pela adoção da linha em “S” para a silhueta feminina, comprovadamente nocivo à saúde das mulheres, por se tratar de uma silhueta anti-natural. Outra influênca foram os bordados formando arabescos (ornato de origem oriental, no qual se entrelaçam linhas, ramagens, flores, frutos, etc...). A indumentária da época primava por seu aspecto ornamental. Paul Poiret contestou essa moda, excessivamente ornamentada, e procurou criar roupas mais confortáveis, Ele criou a linha Diretório. Vestidos cujas saias caiam retas até os pés, a partir da parte inferior do busto. As mulheres se desvencilham, então, dos espartilhos, em troca de cinturas altas firmadas por barbatanas. Em 1909, ele descobre o orientalismo e o adapta à moda de Paris, criando pantalonas bufantes, estampas em cores vivas e os famosos turbantes. Em seguida, junto com o jovem Raoul Dufy, começa a revolucionar o mundo rotineiro das estamparias. Através de suas entampas, manteve ligações com vários artistas, por ser grande incentivador da arte moderna. Fundou, em 1911, em Paris, uma oficina voltada ao ensino das artes decorativas. Colecionou quadros adquiridos diretamente de Matisse, Derian, Van Dongen, Picasso, Vlaminck e outros. Mariano Fortuny forma com Doucet e Poiret, um tríptico que descerra a moda do século XX em seus primórdios, encarnando sua vertente propriamente artística. A partir deles a moda passa a ter a marca do criador e roupas passam a ser assinadas, como obras de arte. Juntamente com sua esposa, Mariano Fortuny foi um criador incansável e entregou-se a praticamente todas as vertentes artísticas: pintura, escultura, fotografia, criação de tecidos, cenografia, desenho de móveis. Colecionou obras de arte variadas. Criou e patenteou vestidos para os quais criou maravilhosos plissês e novos processos de tingimento. 19 “Foi um experimentador, assim como os artistas de sua época. Seus vestidos foram chamados Delphos, por serem longos, colantes e ondeados.” (BAUDOT, 2002, p. 46) Muitas maisons tiveram artistas entre seus colaboradores. Dentre elas a Paquin (1891/1956) teve colaboradores como os desenhistas Léon Bakst e Paul Iribe. Criadores como Koloman Moser, um pintor da Secessão, desenhou vestidos soltos e harmoniosos, usados com as jóias criadas por Josef Hoffman, arquiteto e designer, para Alma Mahler, a esposa de Gustav Mahler, o então maestro da Ópera de Viena. Estes são os principais momentos de reciprocidade entre movimentos artísticos e criações do ramo da moda no início do século XX. A seguir estes momentos se juntam ao evento histórico das Guerras mundiais. 2. As guerras mundiais e seu legado artístico e sócio-cultural. Os fatos mais significativos deste período da História são os primeiros passos em direção à liberação feminina, com o corpo da mulher tendo, obrigatoriamente, que se adaptar a novas funções, antes reservadas unicamente aos homens. Com as Guerras Mundiais a humanidade passa por um processo de total reestruturação de conceitos e aptidões. E os movimentos artísticos retratam fortemente esse processo com seu inconformismo e seu poder de tradução para tão escatológico evento apresentado pelas Guerras Mundiais que varrem o solo europeu. 20 2.1 – Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918) O período que antecedeu à Primeira Guerra Mundial, o da Belle Époque, foi de muita sofisticação, luxo e alegria de viver. O período posterior caracteríza-se justamente pelo sentimento contrário. Entre os anos de 1914 e 1918, em que ocorre a Primeira Guerra Mundial, muitos aspectos da humanidade foram transformados. A ausência da figura masculina no ambiente de trabalho, uma vez que esta força motriz da sociedade fora deslocada para os campos de batalha, na Europa, fez com que a mulher tivesse que ocupar sua posição no setor produtivo, num processo que abrangeu todas as classes sociais. As mulheres passaram a ocupar espaços masculinos da área da saúde aos transportes, da agricultura à indústria, inclusive a bélica. Esse é o período da História em que tem início o processo de emancipação feminina, que durante a guerra, foi por necessidade, e, depois dela, por hábito. Durante a guerra a moda sofreu alguns ajustes por força dos tempos difíceis e de extrema carência de matérias-primas. Nas roupas deste período predominam os tons escuros e neutros. O preto impera. Pela primeira vez as revistas de moda consagram páginas inteiras às roupas de luto, que eram usadas por longos períodos. As formas foram bastante afetadas. As cinturas já haviam sido liberadas dos famigerados espartilhos por Paul Poiret, na Belle Époque, mas esta mudança só se transforma definitivamente num hábito durante a Primeira Guerra. Com a necessidade de trabalhar a mulher não poderia se apertar em rígidas formas. Nada que pudesse tolhir os movimentos seria, a partir de então, aceito. Das blusas das enfermeiras às calças das que estão empregadas nas fábricas de armamento, surge uma nova maneira de se vestir e de se comportar. 21 Nesta época, dois movimentos artísticos ocorriam, quase que simultaneamente: o Futurismo e o Cubismo. O Futurismo (1909 a 1916) foi um movimento literário e artístico italiano, no qual se destacaram artistas como Balla, Boccioni e Severini. Este movimento defendia o rompimento com o passado artístico e procurou integrar a arte ao glorioso mundo moderno da velocidade, da violência e da guerra. Na indumentária sua influência está no aspecto que dita regras contra a moda artificial e passadista, na busca por um vestuário lúdico, que visa criar o dinamismo pelo uso de cores fortes, pela assimetria do corte e pelo acréscimo de “modificadores”, que são objetos que modificam a aparência da pessoa, segundo seu estado de espírito. As idéias de Balla tornam possível a abertura da Casa d’Arte, onde artistas como Pampolini, Giannasttasio, Rizzo, Corona, Depero, Angelucci-Cominazzini, Tato, DalMonte e Thayaht fazem artezanalmente roupas, objetos e projetos de decoração. Os artistas apaixonados pelo aspecto “ideológico” do vestuário, tratam-no também pelo aspecto funcional. Thayaht cria a Tuta (espécie de macacão) extremamente funcional e elegante, para se usar em todas as ocasiões. Algo altamente inovador para a época. Entre os anos de 1907 e 1916 o mundo conheceu o Cubismo. Estilo de pintura criado por Picasso e Braque, que se caracterizava pelo abandono da representação de um ângulo do tema, que era então substituido pela combinação de vários ângulos sobrepostos, frequentemente de forma cubóide ou geométrica. O Cubismo criou um novo modo de ver. Ficou claro o porquê de uma transformação tão radical na moda, ocorridas entre 1908 e 1925. É inegável que as tranformações dos elementos essenciais da moda têm causas sociais, mas estas causas sozinhas são insuficientes para a escala de mudanças envolvidas, propostas principalmente por este movimento. Podemos sentir o Cubismo refletido na moda através da mudança na formas dos antigos vestidos cinturados, que passam a ter forma 22 tubular. As propostas de simplificação, antes determinadas por Paul Poiret, aconteceram, a partir de então, com certa naturalidade. 2.2 – O entre guerras “A Primeira inevitavelmente, Guerra o Mundial desenvolvimento interrompeu, nas artes.” (LAMBERT, 1981, p. 50). “Na verdade, durante a guerra houve uma estagnação na moda, e são poucas as informações de interesse com relação às vestimentas do período.” (MOUTINHO; VALENÇA, 2000, p. 70) Quando a Primeira Guerra Mundial terminou, em 1918, Paris se tornou o centro da atividade criativa. Nesta época, a França começou a se reorganizar com grande rapidez nas artes aplicadas e pôde voltar a ocupar uma posição destacada na produção de objetos com elevado grau de qualidade, estilo e elegância. Desta época temos o exemplo de René Lalique, que foi designer de jóias do estilo Art Nouveau. Em suas peças, combinou vidro colorido com pedras preciosas ou semipreciosas, e seus modelos foram muito representativos. Foi o criador dos vidros de perfume e das caixas de “pó-dearroz” da marca Coty e que estiveram em uso até os anos 50. Por essa época o movimento Cubista alcançava repercussão com uma tendência cada vez mais forte no uso de formas geométricas. As novas linhas limpas e as cores discretas, que seus criadores chamavam “modernistas”, significavam uma mudança e uma ruptura em relação às curvas sinuosas e desenhos florais que haviam sido trabalhados até a exaustão no Art Nouveau. 23 Com suas formas simples e ornamentação geométrica, o Art Déco tornou-se um estilo de arquitetura e decoração que buscava compatibilizarse com a indústria, ao contrário do Art Nouveau. “O Art Déco foi um movimento de design para a era da máquina.” (LAMBERT, 1981, p. 49) As mesmas influências que estabeleceram o Art Déco na França, também foram sentidas na Inglaterra, mas em menor escala e mais lentamente. No período do pós-guerra, o uso da cor brilhante no lar e a nova liberdade no vestuário refletiam o otimismo e a crença num futuro melhor. Com a exposição de Paris, de 1925 (Exposition Interncionale des Arts Décoratifs et Industriels Moderns), a França mostrou que havia se emancipado do Art Nouveau. Esta exposição marcou o advento do modernismo que tão bem se adaptava à nítida tendência a uma simplicidade geométrica que iria perdurar pela década de 20. A moda busca sua adequação aos novos tempos da simplicidade. E, se durante a Primeira Guerra, o sentimento era sombrio, nos anos do pósguerra, o que se poderia supor como um período de dor e estagnação, se torna, na verdade, motivo para o uso da criatividade e da busca de soluções e cores, muitas cores. Este período ficou, por conta disso, conhecido como “Anos Loucos” (1919/1929). As mudanças foram tantas e tão marcantes que se torna difícil desvincular a palavra “novo” dessa década. Foi no ano de 1915 que primeiro se ouviu falar o nome Chanel (1883/1971). Mademoiselle Gabrielle Chanel nasceu em Samur, França, mas ficou mundialmente conhecida por Coco Chanel. Ela fora criadora de chapéus exóticos antes da guerra. Pelo fato das matérias-primas estarem ainda em falta, após o término da guerra, ela desenha três modelos de tailleurs, espécie de duas peças, 24 como um terno feminino, constituido de saia (no lugar das calças do terno masculino convencional) e de um pequeno casaco. Com estes três modelos ela introduz na moda o jérsey (tecido de malha, macio e elástico), antes reservado às roupas de baixo. A partir de então o jérsey passou a ser a base de conjuntos práticos, que não amassavam. Chanel sofreu influência do Cubismo em suas criações ao formatar seus modelos com linhas retas e simples. Suas roupas eram usadas sem espartilho e feitas com menos forro para ficarem mais leves e menos rígidas. Os vestidinhos pretos de Chanel, criados logo depois da guerra, tornaram-se a peça base de todos os guardaroupas elegantes. Suas idéias e sua personalidade marcante a aproximaram de Picasso, Stravinski e Cocteau, que se tornaram seus amigos pessoais. A mulher, já emancipada, continuou a trabalhar, a ganhar seu próprio dinheiro e a consumir. E a palavra funcionalismo tornou-se a chave deste momento. Elas passaram a se divertir com a dança. Os ritmos em evidência, nos anos 20, eram o “charleston”, o “foxtrot” e o “jazz”. Com isso as bainhas das saias e vestidos continuaram subindo para melhor se adaptarem aos tempos de movimentos mais amplos na diversão. As formas básicas da década de 20 eram a cintura baixa, volume cilíndrico, cabelo curto, à la garçonne (à moda dos meninos) e chapéu cloche (em forma de cuia). Essa silhueta curta e tubular foi praticamente um eco dos novos padrões artísticos em vigência nesse momento, que eram o Art Déco e o Cubismo. Não só as formas das roupas foram influenciadas por estes movimentos artísticos, também as padronagens dos tecidos, as cores e a joalheria foram redirecionados, privilegiando as formas geométricas. A mulher tornou-se então um reflexo deste movimento vigente, negando toda e qualquer referência curvilínea. A adesão ao aspecto tubular das roupas tornou a mulher da década de 20 totalmente andrógina. Contemporânea de Chanel, Madeleine Vionnet (1876/1975) trouxe para a moda o enviesado (corte do tecido em diagonal) e criou vestidos atemporais. Sua grande inspiração foi, sem dúvida, a Antiguidade Clássica, 25 mas são dos tempos anárquicos do Dadaísmo e do Surrealismo, que cunhou suas idéias: “Se podemos dizer que existe hoje uma escola Vionnet, é sobretudo porque eu me mostrei uma inimiga da moda. Há nos caprichos sazonais, furtivos, um elemento superficial, instável, que choca meu sentido de beleza” , confessou Madeleine Vionnet, em 1937. Realmente esta grande arquiteta do vestido construiu modelos singulares e a frente de seu tempo. Sua clientela foi a mais refinada do entre-guerras. A preocupação com o que perdurasse e a aversão ao que era fugaz, fez com que ela montasse seus vestidos como verdadeiras esculturas. Ela os cortava, drapeava e moldava sobre bonecas, para só então, após ter alcançado o resultado desejado, reproduzi-los em escala humana. Assim como Chanel, Jean Patou (1880/1936) criou roupas para as mulheres ativas e modernas. Sua filosofia estética se baseava na simplicidade. Na década de 20 criou uma coleção de malhas totalmente original, baseada no Cubismo. Em sua breve mas fulgurante trajetória, Patou ocupou um lugar ímpar no seio da alta-costura dos “Anos Loucos”. Pureza de linhas, motivos predominantemente geométricos, preocupação com a funcionalidade e, ao mesmo tempo, grande luxo. Foi precursor da roupa esporte. Privilegiou uma paleta de cores com tons esmaecidos que iam do azul ao branco e, de forma inteiramente nova, permeavam todas as nuances do bege. Lançando assim uma moda em perfeita simbiose com as primeiras bandas de jazz e o estilo Art Déco. Foi um criador voltado para o progresso. Entre os anos de 1914 e 1929 outras figuras também tiveram grande importância no mundo da moda: Jeanne Lanvin (1867/1946) foi também influenciada pelo estilo Art Déco. Em 1920 o ornamentista e arquiteto de interiores Armand-Albert Rateau fez a decoração de sua maison e criou o frasco de seu famoso perfume “Arpége de Lanvin”, em forma de bola azul marinho com o emblema de sua marca estampada em dourado. Marca esta criada por Paul Iribe 26 (1883/1935), ilustrador de moda francês, especializado no desenho de vidros de perfumes e tecidos, além de ter criado bijuterias para Chanel. Paul Poiret também aderiu ao Art Déco ao se influenciar pela Exposição de Paris de 1925 e criou modelos inspirados no movimento. No período entre as guerras muitos artistas passaram a trabalhar para grandes costureiros. Elsa Schiaparelli (1890/1973) completa o quarteto de ases da costura parisiense, junto com Chanel, Vionnet e Lanvin, no período entre guerras. Elsa era italiana e mudou-se para Paris em 1920. Foi sinônimo de extravagância e excentricidade e caiu no gosto de Salvador Dalí, o mais conhecido dos surrealistas. Este movimento acompanha sua criação bem de perto. Houve muita integração entre o trabalho de Dalí, e também de outros artistas, como Jean Cocteau, com os modelos de Elza. No Surrealismo (1920) o artista explora o inconsciente e as imagens que não são controladas pela razão. O Surrealismo usa associações irreais, bizarras e provocativas. Elsa contratou vários artistas para desenhar tecidos e acessórios, como bijuterias e botões criativos. Mas foi com Dalí que ela mais se integrou. Ele desenhou para ela motivos de bordados e lhe inspirou vários modelos, como o tailleur escrivaninha, que tem quatro bolsos em forma de gaveta, o chapéu-sapato, o vestido de seda pintado com moscas e outro ornado com uma imensa lagosta. Dalí criou para ela uma coleção inteira de sapatos surrealistas. Elsa era muito criativa e queria, com muitos de seus modelos, chocar. Ao criar um terno rosa shocking fez com que esta cor se tornasse sua marca registrada. Sua maison era um templo de elegância excêntrica, delirante e provocativa. Com a tomada de Paris pelos nazistas, Elsa escapa para os Estados Unidos e só retornaria ao seu atelier com o fim da Segunda Guerra Mundial. 27 2.3 - Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) Pela primeira vez na história o pólo artístico e cultural saltava da Europa para a América. Muitos foram os artistas que, com a ocupação alemã, se deslocaram para Nova York, fazendo desta cidade o novo centro de cultura e tendências dos anos 30 e 40. Com a guerra se desenrolando em solo europeu, boa parte dos artistas e criadores de moda se instalaram em solo americano, mesmo que em visita, mas outros foram para ficar. A Bauhaus cerrou suas portas em 1933, por pressão política, e muitos de seus professores deixaram a Alemanha a caminho dos Estados Unidos. Um de seus fundadores, o arquiteto alemão Walter Gropius, viria a formar a New Bauhaus em Chicago, no ano de 1937. Dentre os artistas oriundos da Europa e que passaram a expor em Nova York podemos citar: Hans Hofmann (cujo trabalho foi muito influenciado por Matisse), os surrealista Max Ernst, Salvador Dalí e Masson, Joan Miró, Mondrian e Gabo. A chegada de todos eles foi determinante para fazer de Nova York um novo centro artístico e cultural. Um dos mais proeminentes destes artistas já residia de fato nos Estados Unidos desde 1920. Seu nome era Arshile Gorki e ele se tornou um dos criadores do Expressionismo Abstrato. Sua arte abstrata, não representativa e não geométrica, que enfatizava o ato de pintar, criou as bases deste movimento. Os expressionistas abstratos foram muito diferentes, e mal chegaram a formar um movimento bem delineado e conciso. O artista americano que melhor representou esse estilo foi Jackson Pollock. A arte no período de guerra voltou-se para o êxodo, a fuga, a sobrevivência. 28 A moda, por sua vez, tentava sobreviver num período marcado por muito racionamento. A palavra de ordem era recessão. A Segunda Guerra Mundial influenciou a moda e o modo feminino em atitudes e aspectos de masculinização. Com a recessão a moda se tornara monótona e desvinculada de graça. Muitos materiais sumiram do mercado. As maisons que permaneceram em funcionamento faziam roupas, sobretudo, para as esposas de oficiais alemães, durante a ocupação nazista. Foi uma época de muita criatividade para superar a carência de matéria-prima e os chapéus e turbantes nunca tiveram tanta importância na moda como naquele tempo, em que faltavam shampoos e muitos cabeleireiros haviam se alistado no exército. Devido à guerra este foi um período em que houve pouca, ou nenhuma, comunicação entre os mundos da arte e da moda. 3. O pós-guerra Com o fim da Primeira Guerra Mundial a mulher se viu liberada, pois havia se afastado do lar para ocupar funções antes reservadas apenas aos homens. Mas com o fim da Segunda Guerra Mundial houve o oposto: a mulher busca o lar, como uma forma de repatriar seus maridos, pais, irmãos e filhos. E para isso deseja se tornar mais bela e feminina. Menos retilínea e andrógina. Na verdade esta mulher quer ser mais um motivo para a alegre volta para casa dos sobreviventes. “A guerra acabou em 1945 e a alegria de viver voltou a reinar.” (BRAGA, 2004, p. 81). Na moda como na arte o criador busca a incessante inspiração na vida cotidiana e em seus novos desafios. Contrapor o horror da guerra ao luxo da moda é a essência deste momento histórico. 29 3.1 – Americanização “Ao libertar Paris, os americanos tornaram-na cativa de irresistível charme da sociedade de consumo made in USA.” (BAUDOT, 2002, p. 130). Com o centro artístico ainda em Nova York a arte é, neste momento, representada por Jackson Pollock e seu Expressionismo Abstrato. Há, sem dúvida, uma enorme fertilidade de expedientes dos artistas do século XX para encontrar novas coisas para fazer. Não sobra muito contra o que se rebelar, o inimigo principal está vencido e o poder de recomeço é evidente. Entretanto, a mera continuidade do que passou é impensável. Arte era, naquele momento, pura abstração, apesar da enorme pressão sofrida pelos artistas para que se renovassem e para que se firmassem e se convertessem em sucesso. Os novos tempos queriam que o artista ouvisse o som da moda e não o dos valores duradouros. Havia uma conversão de ideais. A sociedade precisava sobreviver e enriquecer logo, mesmo sobre os escombros de uma Europa devastada. Com o fim da guerra os americanos vão impor seu estilo de vida ao velho mundo. As grandes estrelas de Hollywood são copiadas às pencas pela mulher da década de 50. O cinema ainda não era visto como arte e sim como entretenimento, mas já causava espanto e sucitava tendências. A “Gilda”, de Rita Hayworth, devasta o mundo como um furacão. A imagem da femme fatale européia dá lugar ao ideal americano de garota e, assim nascem as pin-ups. A sociedade de consumo daria, então, seus primeiros passos. Surge, nos Estados Unidos, o ready to wear (pronto para vestir), pois a indústria americana estava bem estabelecida, principalmente pelo fato da guerra ter acontecido em solo europeu. Essa era uma nova maneira de produzir roupas em escala industrial e, em 1946, alguns empresários franceses foram aos Estados Unidos para conhecerem o novo método. O 30 americano produzia roupas com qualidade, com alguma autenticidade e expressão de estilo e com numeração variada de um mesmo modelo. Ao se apropriarem da idéia do ready to wear, os franceses o transformaram em prêt-à-porter, o jeito pronto para vestir parisiense. 3.2 – Resistência Francesa A alta-costura teve inúmeros problemas durante a guerra, mas que foram posteriormente resolvidos, resgatando seus valores e talentos. Vem de Paris a idéia de que a moda queria se tornar de novo sonhadora e feminina. Então, os mundos da arte e da moda se encontram naquilo que seria o grande lufar de frescor e vitalidade do poder de reconstrução parisiense: a exposição “Théâtre de la Mode” (O Teatro da Moda). Uma aventura excepcional organizada no Louvre, entre 1945 e 1946, cuja grande repercussão decidiu o destino da costura parisiense do pós-guerra. A França libertada estava despojada de tudo, após anos de privação. Mas, apesar deste quadro caótico, sua população busca retomar o gosto pela vida. Numa forma de soerguer a vitalidade da indústria de moda francesa, surge a idéia de se montar um exposição de moda, que pela penúria da época iria ser confeccionada em forma de miniatura. Os modelos da nova moda seriam então montados sobre bonecas, vestidas por todos os grandes nomes do luxo e glamour parisienses, que trabalhariam com materiais iguais, mas em escala menor, empregando assim uma quantidade mínima de tecido e matérias-primas. Aos costureiros juntaram-se Eliane Bonabel, uma exímia ilustradora, que concebe o modelo de boneca a ser vestido (e que em nada pudesse se parecer com um modelo infantil). A direção artística do evento ficou a cargo do pintor e decorador Christian Bérard. A iluminação dos diferentes cenários 31 foi entregue a Boris Kochno, antigo colaborador de Diaghilev na época dos Ballets Russes. São de Jean Cocteau os versos prolixos que dariam o tom geral desta incrível exposição. Muitos pintores e cenógrafos se revezaram na pintura e construção dos cenários em miniatura. Foram confeccionados 237 modelos para cada uma das bonecas dispostas pelos 13 cenários do pequeno “Teatro”, cada um deles funcionando como um espetáculo autônomo. As minúcias de cada vestimenta foram elaboradíssimas, nos mais surpreendentes e microscópicos detalhes. A partir de 27 de março de 1945, cerca de 200 mil pessoas se comprimiram no Museu de Artes Decorativas e se encantaram com a magia e a emoção deste maravilhoso universo que uniu criadores de moda e artistas parisienses. A indústria francesa de moda consegue se reerguer, apesar dos cinco anos de ocupação. O Teatro da Moda seria ainda levado, com estrondoso sucesso, para Londres, Barcelona, Copenhague, Estocolmo e Viena. E atravessaria o Atlântico rumo a Nova York, na primavera seguinte, onde foi ovacionada pela imprensa de moda local. A América inteira torna a seguir os passos da moda francesa, já num prenúncio do que ainda estava por vir com o “New Look” de Dior. Com esse exemplo notamos a garra e o talento para impôr tendências, não só dos criadores de moda, como dos artistas franceses. 3.3 – É preciso sonhar Os anos 50 traçam uma linha de demarcação entre aqueles que gostariam que tudo continuasse igual e aqueles que queriam fortes mudanças, não só nas artes decorativas, como no vestuário. 32 Mas, nunca uma sociedade foi tão paradoxal. Quando no início do século XX, Paul Poiret libertou as cinturas femininas das agruras do espartilho, quem poderia imaginar que meio século depois, com toda a liberdade e novas atuações sociais, a mulher fosse querer um retorno às cinturas marcadíssimas, muito justas, à opulência de materiais e jóias, num processo inverso à precariedade da guerra? Nunca a tendência zombou tanto da lógica. Pegando carona na vanguarda artística a moda se recria e se permite ousar em tempos de crise. É preciso fazer com que a mulher sonhe de novo, mesmo quando o movimento de libertação feminina alcança seu apogeu. “Justo no momento em que a Libertação vê a mulher conquIstar o direito de voto, de trabalhar, de guiar o próprio carro, na prática, a silhueta elegante se trai por nostálgicas lembranças da Belle Époque.” (BAUDOT, 2002, p. 143). Com Christian Dior (1905/1957) e seu New Look, a França retorna ao posto de berço da moda. Dior fez ressurgir a moda sofisticada para um público cada vez maior de aficcionados por elegância. Havia um impulso generalizado de satisfazer desejos reprimidos durante a guerra. Os vestidos do New Look foram, a princípio, denominados de “Linha Corola” por suas saias amplas se abrirem, a partir de uma cintura justíssima, como a corola de uma flor. Estas saias eram de uma feminilidade gritante. Chegavam a consumir de 6 a 9 metros de tecido. Em 1955, Dior buscou inspiração na arte oriental e criou casacos ricamente bordados com cores e motivos da Ásia e do norte da África. Apesar do glamour fancês, são os americanos que vão ditar os costumes a partir da década de 50. A sociedade de consumo norteamericana é a dona do dinheiro que movimenta o mundo do pós-guerra e este poder é visível e irreversível na história. 33 Embora os anos 50 tenham fama de pomposos, a mulher americana adotou, na verdade, a linha casual, pois depois do baby-boom (nascimento de muitos bebês como decorrência da volta dos homens da guerra) ela tornou-se mais caseira. As americanas quase não frequentavam bailes e festas, refletindo sua imagem de mãe e esposa exemplares. É o prenúncio de um novo movimento, baseado justamente neste momento em que a sociedade se volta para o lar e sua frágil idéia de segurança. 4. O Império Jovem A americanização prossegue com a adesão em massa da juventude da década de 50 ao jeans e ao rock and roll. Através desses itens tão marcantes da sociedade americana, os jovens mostravam que estavam melhor adaptados ao despojamento americano do que à sofisticação parisiense. 4.1 – Mudança de padrões Até então o padrão para os criadores de moda eram as senhoras. Em contraposição a isso a moda passa a se basear na juventude e segue assim até os dias de hoje. Os estilistas passaram a fazer moda para a mulher jovem e sofisticada. Os anos 50 foram de muito consumo (eletrodomésticos) e, com o advento da TV, hábitos e novos valores alcançavam um número cada vez maior de consumidores. 34 O momento seguinte é o da Pop Art, cuja inspiração vem justamente da sociedade de consumo, dando tratamento de objetos da vida cotidiana, produtos da cultura de massa, como anúncios, fotografias, latas de cerveja ou sopa, como formas de arte em si. As histórias em quadrinho e a mídia visual são os elementos de referência da Pop Art. Os artistam mais conhecidos deste movimento foram: Richard Hamilton, Allen Jones, Robert Rauschenberg, Jasper Johns, Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Tom Wesselman, Jim Dine, David Hockney e Claes. Muitos destes pintores, que haviam sido estudantes na década de 40, reagiram, na década de 60, contra o Expressionismo Abstrato ao produzir arte com imagens cotidianas, usando técnicas de filme, publicidade de televisão, jornais e revistas. Esses artistas talvez quizessem refletir a vida urbana, acompanhando os sinais e formas daquele tempo, fazendo da arte sinônimo de vida, repleta de coisas “superreais”. Embora pretendesse, como quase todo movimento artístico, contrapor as barreiras entre vida e arte, não o fez concretamente. Ao contrário, fez parecer que a arte tivesse passado a girar em torno de si mesma, evidenciando a capacidade da aplicação de esmeradas técnicas de estúdio. O artista se isola com muita liberdade na escolha do tema a ser tratado. Não houve, contudo, novidade no fato de se apresentar objetos urbanos e cotidianos como arte; os Dada já haviam feito isso para evidenciar sua repulsa ao tradicionalismo da arte acadêmica, na década de 20. Andy Warhol fez isso muito bem, na década de 60, aplicando técnicas gráficas ao tratar imagens de objetos e pessoas bastante conhecidas. Eis que entra em cena “o pequeno príncipe da costura”, Yves Saint Laurent, que lança, em julho de 1960, uma série inteira de modelos denominada “Coleção Pop Art”, com cores vibrantes e contrastantes e dedicada integralmente à mulher jovem. Yves foi o grande e magnífico sopro de juventude no mundo da moda, que sempre busca se reinventar. No ano anterior, no inverno de 1965, ele havia prestado uma linda e impecável homenagem ao pintor Piet Mondrian (1872/1974), ao adaptar o princípio de seus quadros abstratos a vestidos de linhas retas, confeccionados em jérsey. 35 Também numa volta ao passado, André Courrèges lança, em 1965, sua “Coleção Branca”, cuja pureza e minimalismo de formas monocromáticas busca referência no passado do Construtivismo russo e da Bauhaus. Também na década de 60 surge Paco Rabanne, uma figura de proa na vanguarda do vestuário, que propõe, como exímio escultor futurista, a utilização de materiais inusitados na montagem de seus modelos. Ele cria vestidos em ferro, plástico, couro, etc. Seus desfiles são encenados em ambientes futuristas, ao som de música concreta. Sua moda, além do aspecto experimental, adapta-se no ideal plástico da jovem mulher moderna. Emilio Pucci também buscou inspiração na arte ao criar vestidos cujos estampados estavam claramente espelhados na Op Art ou Optical Art (padrões e combinações geométricas de cores ofuscantes que geram a sensação de movimento em contraste com seu fundo). As tendências seguem as exigências das antigas crianças do babyboom do pós-guerra, que nas décadas de 60 e 70 se tornam uma juventude impaciente, muito mais emancipada que todas as gerações anteriores, que deseja mudar o mundo e rejeita a estrurura de vida dos pais. Esses jovens desprezam a sociedade de consumo e demonstram sua repugnância pelos confortos burgueses adotando a aparência das classes mais pobres: o blue jeans, o abandono da gravata, as jaquetas pretas de couro. Na França, em 1968, era impossível distinguir a classe social dos participantes das passeatas do movimento estudantil. 4.2 – Contracultura Nesse contexto surge o movimento Hippie, onde os jovens não só rejeitavam o estilo de vida dos pais, como rebelaram-se contra eles. Num processo de valorização da natureza eles abandonam seus lares modernos e confortáveis e vão viver em comunidades simples, sob o lema “Paz e 36 Amor”. Suas roupas são inspiradas em culturas de diferentes períodos e países. Estampas indianas colorem as camisas e inspiram os bordados feitos à mão sobre o jeans surrado. Essa postura de revolta, que alcançou, praticamente, todos os países do mundo, resultaria num irreversível e profundo questionamento sobre a política tradicional, sobre os costumes e o autoritarismo, num processo que introduziria no cotidiano valores como pacifismo, feminismo, ecologia, contracultura, música de protesto e som “pop”. Depois da famosa temporada dos Beatles na Índia, o mundo inteiro passou a usar modelos indianos e outras modas orientais. A arte pop aparecia em muitos modelos da época. Vários são os estilistas que buscam em suas criações, refletir essa busca frenética pelo novo. Os anos 60 foram um momento único na moda. Todas as tendências conviveram. Pierre Cardin lança a “Coleção Espacial”, em 1964, com inspiração futurista, em que não faltou, além das linhas retas, capacetes e macacões com mangas morcego (era espacial). Louis Fèraud também criou uma linha de macacões futuristas. Havia correntes que adotaram os modelos de inspiração étnica, como as túnicas indianas e casacos afeganes trabalhados com pele de carneiro. A britânica Laura Ashley criou roupas com inspiração no passado romântico das golinhas de renda e dos estampados florais. Ela foi um dos expoentes do Flower Power na moda. Um movimento espontâneo, vindo das ruas de Londres, inspira Mary Quant a criar a minissaia. Os anos 60 deixaram para a humanidade um legado de rupturas, questionamentos, mudanças e avanços que perduram até hoje. Nossa sociedade segue ainda enebriada pelo forte tufão que devastou costumes e posturas naquela época. 37 O período que compreende os anos 70 até meados dos anos 80 é caracterizado por um remanejamento das múltiplas e tumultuadas idéias lançadas nos anos 60. Andy Warhol segue com sua Pop Art, transformado no Jean Cocteau da América. E na moda segue a referência aos Hippies (Psicodelismo) que se renova no movimento negro americano do Black Power. A moda se torna extremamente diversificada assim como os movimentos artísticos do modernismo. Com a crise do petróleo os costureiros são obrigados a buscar materiais alternativos, uma vez que a maioria dos tecidos de então eram sintéticos. Buscou-se adaptação ao rústico da lã e da tapeçaria e couros. Ocorre então uma proposta muito excêntrica para a moda inspirada em grupos musicais. Era a época do movimento “glam”, também chamado “glitter”, influenciado pelo visual de líderes musicais do “glam rock” como Bryan Ferry, David Bowie e Rod Stewart, com sua excentricidade exagerada. O símbolo fashion desta era foi a bota de cano alto e salto plataforma. Com a onda do “Black is Beautiful” ( O Negro é bonito) as roupas e acessórios sofrem influência das culturas africana e caribenha. Surge o ritmo “soul”. Em Londres com jovens estudantes desempregados surge o lema dos “sem futuro”, que, na intensão de denunciar e agredir a falta de perspectivas da sociedade, lançam um visual totalmente inusitado e transgressor de roupas rasgadas, jaquetas pretas de couro, botas surradas e acessórios metálicos, como tachas, rebites e correntes. Nascia o movimento Punk. O grande expoente desta época foi Vivienne Westwood que criou como ninguém roupas para estes jovens contestadores. 38 4.3 – Conceito Com toda a diversidade de manifestações e referências surge então a idéia de “conceito”. Esse pensamento chega para mais uma vez mudar o mundo da moda. Ele torna possível o aparecimento dos “jovens criadores”. Começa a despontar uma diferenciação mais marcante, numa busca por imagens mais individuais. A idéia de Arte Conceitual está mais na obra que na habilidade técnica do artista e tornou-se um grande fenômeno mundo afora. Suas manifestações foram as mais diversas. Idéias e conceitos podem ser comunicados através de diversos meios (textos, mapas, diagramas, filmes, fotos, performances). Portanto as obras podem ser expostas em galerias ou ao ar livre. Os objetos e criações podem interagir com o ambiente, como nas instalações megalômanas de artistas com Christo, o escultor ambiental mundialmente famoso por embrulhar coisas como pontes, pontos turísticos ou montanhas. Ao transformar temporariamente uma ponte em uma obra de arte, ele buscou uma maneira nova e instigante de criar esculturas e abordar a sazonalidade das idéias e da própria existência física da obra. Em 1976 cobriu com 40 Km de pano branco as colinas da Califórnia. Com sua arte conceito Josef Beuys fez o caminho inverso dos estilistas e se inspirou na indumentária para criar sua obra “Terno de Feltro”. Beuys considerava a arte um instrumento de mudança social e política e conferia a certos objetos novos poderes e um novo significado, como no caso deste terno exibido como escultura da própria condição humana. As idéias expressas pelos artistas da Arte Conceitual eram extraídas da filosofia, do feminismo, da psicanálise, de estudos de cinema e do ativismo político. Subsequente à Arte Conceitual, a Arte Povera, se estabeleceu na Itália, e desenvolveu a idéia de conceito através do uso de materiais baratos e comuns. 39 Conceito é a busca justamente da mais importante estilista japonesa a aportar em Paris. Rei Kawakubo formou-se em Belas Artes em Tóquio e, ao se instalar em Paris, cria a companhia Comme de Garçons. Com o visual pobre de uma roupa em frangalhos ela encarna este movimento de vanguarda na moda. A estilista está sempre causando mal-estar, espanto e admiração ao desconstruir a roupa e reconstruí-la melhor. Com isso ela busca fazer do vestuário, além da necessária rentabilidade, um ato conceitual. Suas coleções apresentavam roupas rasgadas, amassadas e normalmente eram feitas de materiais grosseiros. Eram enrolados em torno do corpo, como verdadeiras instalações. Sendo, por isso, procurada por clientes como intelecualis e artistas, que apreciam roupas extravagantes e de vanguarda. No caminho inverso do conceito e apostando na impessoalidade a Arte Minimalista limita-se ao essencial. É puramente abstrata, objetiva e anônima, isenta de decorações ou gestos expressivos. A pintura e o desenho minimalistas são monocromáticos e baseados, frequentemente, em grades e matizes lineares, derivados matematicamente. Os escultores utilizam processos e materiais industriais (aço, acrílico, lâmpadas fluorescentes, etc.) e suas obras dependem de uma experiência física entre a obra e seu expectador. Os estilistas japoneses Issey Miyake e Yohji Yamamoto trouxeram o minimalismo para sua moda com o slogan “Less is More” (Menos é Mais). Diziam, em sua linguagem de moda, o máximo com o mínimo possível através do corte, cores e acabamento em suas roupas. As cores mais utilizados foram o preto e seus correlatos, chamados pretos coloridos (marron e marinho quase pretos e cinza chumbo). Essas cores traziam para as roupas o aspecto de austeridade, sobriedade e purismo impessoal desta proposta. A moda do preto foi muito bem absorvida pela décade de 80, tendo sido introduzida pelos punks, ela encontrou acolhida em diversas outras manifestações como os góticos (com referências da arte sacra), além dos minimalistas. 40 Outro grande nome da moda, o italiano Giogio Armani, foi ícone dos Yuppies (Young Urban Profissional Persons), jovens profissionais urbanos, oriundos principalmente do mercado financeiro e bastante endinheirados, tinham uma identidade particular de se vestirem, pois buscavam o que de melhor o dinheiro podia comprar, privilegiando a sofisticação que o ideal minimalista, correto e “arrumadinho”, poderia conter. Armani criou para eles uma moda cara, sofisticada, retilínea em sua pureza de formas e cortes perfeitos de acabamento esmerado. Nos anos 90 a face do mundo é cada vez mais plural. Com a proximidade do século XXI a moda caracteríza-se por uma enorme multiplicidade de tendências. Vive-se um verdadeiro mosaico cultural. O passado e o presente convivem. Chega ao fim a ditadura dos estilos. Usa-se de tudo. Num mundo altamente mecanizado e impessoal, muitos criadores buscam na natureza e no passado, menos tecnológico, o resgate da vida simples. A simplificação das roupas e o interesse pela praticidade se acentuam. Na visão dos artistas e criadores de moda do fim do século é preciso despertar o sonho. Moda e design se confundem. Os estilistas não se contentam em criar apenas roupas. Sua marca e inventividade passa aos objetos e acessórios (relógios, canetas, etc). Surge a logomania. O impulso do consumo por griffes famosas na esteira do desenvolvimento norteamericano e dos tigres asiáticos, loucos por adqueirir tudo que remeta ao ocidente. O século termina com a arte em busca do individual. O artista busca se expressar com materiais e linguagens próprias, valendo-se até de alta tecnologia. Já não há mais a idéia de movimento artístico. Cada um segue seus próprios caminhos de experimentação. O que é arte? O que é um artista? Eis no fundo o que se quer descobrir. No entanto após tantos experimentos e movimentos, a conclusão parece ser a seguinte: arte é tudo aquilo que uma pessoa decida apresentar 41 como arte. E desta mesma conclusão partilham todos os que considerem moda tudo aquilo que alguém decida apresentar como moda. Os vínculos entre o artista plástico e o artista da costura nunca cessam. Ambos compartilham de um espírito livre e criativo, empenhados que estão sempre em buscar o novo, em buscar aquilo que resiste a padrões impostos e unificantes, que não reflitam a particularidade e a essência da vida humana, que é inegavelmente a inspiração maior de todos eles. A globalização que chegou no limiar do século XXI e que poderia ter levado o mundo a uma unificação sem igual na história da humanidade, não conseguiu (apesar da rapidez com que a informação e as tendências chegam em torno do globo terrestre) formar uma uniformização de estilos e, felizmente, perdeu para o indivíduo. 42 CONCLUSÃO Ao ser estudada, a História da Arte do século XX, retrata que o que parece diferente é, na grande maioria dos casos, uma combinação de antigas e novas idéias. Muitos artistas do início do século buscaram inspiração em artistas do século anterior, sem nunca se repetirem ou deixarem de impor sua própria marca aos trabalhos que realizaram. O mesmo pode-se dizer dos grandes costureiros do século XX, que mesmo diante de uma grande obra de arte em busca de referências para sua criação de moda, não se curvaram a ela inteiramente, ao contrário, fizeram sobressair sua eficiência como artífices do novo. Artistas plásticos e estilistas de moda jamais percorrem o mesmo caminho de quem os inspira, mesmo que partam do mesmo ponto: a alma criadora e o senso estético e humano da arte, conforme citado no primeiro capítulo desta pesquisa, com a enumeração dos diversos momentos em que o mundo da Arte e o mundo da Moda se cruzam, numa incessante busca por referenciais que reflitam, através da indumentária, aquilo que a arte faz tão bem ao expor o momento histórico por que passa a humanidade. Para a presente pesquisa o problema foi a busca de um projeto educacional que visasse implementar o estudo da História da Arte nos cursos superiores de formação de Estilistas de Moda, sustentando-se como hipótese a necessidade da adoção do ensino de História da Arte no currículo regular das faculdades de formação de estilistas, que teria como consequência, maior clareza de informações artísticas e culturais aos criadores de moda, dando a estes profissionais condições de traçar um paralelo entre sua criação e a linguagem artística que expressa as necessidades da sociedade atual. A pesquisa sustentou-se como válida uma vez que conseguiu, através de amostragem de inúmeras evidências, que, em diversos momentos do século XX, muitos foram os criadores de moda buscaram inspiração para desenvolver seus modelos nos movimentos artísticos. Ao conhecer de que consistiu cada momento da arte os estudantes poderão perceber, baseados 43 na firmeza de informações, as referências de cada período por que passou a moda. A pesquisa suscitaria ainda outras pesquisas com temas pertinentes ao assunto aqui abordado, como as seguintes: Os reflexos dos estilos arquitetônicos na moda de roupas e acessórios, em função da confluência de referências sócio-culturais e artísticas envolvidas em ambas as atividades: arquitetura e moda. O estudo da história do figurino para teatro, ballet e cinema, uma vez que a abordagem transcorreria pelas diversas áreas da atividade cultural e artística. O apanhado dos momentos em que estilistas brasileiros se espelharam na produção artística e cultural puramente brasileira, que se justificaria por ampliar a área de estudo dos movimentos artísticos do Brasil, desde as artes plásticas, até a música e o folclore. Tal pesquisa provocaria um estudo mais profundo da arte brasileira através da moda. Portanto, todo o estudo voltado a enriquecer a moda de referenciais é extremamente válido do ponto de vista acadêmico e artístico. 44 ANEXOS Índice de anexos Anexo 1 >> GARCIA, Claudia. Yves Saint Laurent - Vida e Carreira. www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/moda 1-1p. 2005; Anexo 2 >> GARCIA, Claudia. Schiaparelli - Moda e Surrealismo. www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/moda 1-1 p. 2005; Anexo 3 >> GARCIA, Claudia. Courrèges - O Visionário da Moda dos 60. www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/moda 1-2 p. 2005; Anexo 4 >> GARCIA, Claudia. Anos 20 - A Era do Jazz. www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/moda 1-2 p. 2005; Anexo 5 >> GARCIA, Claudia. A Moda e a Guerra. www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/moda 1-3 p. 2005; Anexo 6 >> GARCIA. Claudia. A Época que mudou o mundo. www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/moda 1-4 p. 2005. 45 Yves Saint Laurent Modelo do famoso vestido tubinho inspirado no trabalho de Mondrian Na coleção de 1960 não agradou muito com seus blusões de couro preto sobre blusas de gola rolê. Mais tarde, o look se tornaria sucesso nas mãos de outros estilistas com o nome de "beatnik chic". Em setembro do mesmo ano, Saint Laurent foi chamado para servir na guerra da Argélia e acabou sendo substituído na maison Dior por Marc Bohan. Em 1961, decidiu abrir sua própria maison com a ajuda de Pierre Bergé, seu amigo e companheiro até os dias de hoje. Seu primeiro desfile com a marca Yves Saint Laurent aconteceu em 29 de janeiro de 1962 e, a partir daí, a sigla YSL se tornaria sinônimo de elegância e vendas, alavancadas por uma série de licenças da marca, como meias, lenços, chapéus, bolsas, bijuterias, cintos, óculos e perfumes distribuídos em diversos países. Em 1965, uniu moda e arte ao criar os vestidos tubinho inspirados nos trabalhos do holandês Piet Mondrian (1872-1944), artista plástico fundador do neoplasticismo [que usa um vocabulário restrito às verticais e horizontais e às cores puras]. O vestido se tornaria um ícone da moda. Outros artistas também o inspiraram em suas criações, como Pablo Picasso, Georges Braque, Andy Warhol, Velázquez e Delacroix. Por: Claudia Garcia 46 Schiaparelli Moda e Surrealismo A moda e a arte sempre caminharam juntas para Elsa Schiaparelli, uma italiana de alma francesa, que não criava apenas vestidos, chapéus e acessórios, mas verdadeiras obras de luxo e excentricidade. Suas roupas eram feitas para impressionar, para destacar a mulher que as usava. Schiap, como era conhecida em Paris, viveu o auge de seu sucesso durante a década de 30. Era amiga dos artistas da época, como Jean Cocteau e Christian Bérard, mas foi com o Surrealismo de Salvador Dalí que ela mais se identificou. Chegaram a trabalhar juntos em várias criações, como o chapéu-sapato, a bolsa em forma de telefone, o tailleur com vários bolsos em forma de gaveta e o vestido decorado com uma grande lagosta. "Quando o vento arranca o chapéu da sua cabeça e o faz voar cada vez mais longe, é preciso correr mais rápido que o vento para alcançá-lo. Eu sempre soube que para construir mais solidamente, às vezes somos obrigados a destruir, a fim de estabelecer uma nova elegância para as maneiras brutais da vida moderna." Elsa Schiaparelli 1953/Folha Imagem 47 A vida em rosa-choque Seu estilo moderno e excêntrico a fez criar um tom de rosa eletrizante, o qual ela chamou de "shocking", o famoso rosa-choque. Em 1938, Schiap lançou um perfume com o mesmo nome - "Shocking". O frasco foi desenhado pela pintora surrealista Leonor Fini e tinha a forma de um torso feminino. Na verdade, o da atriz Mae West, que encarnava a ousadia do estilo Schiap. O seu livro de memórias, lançado em 1954, também recebeu o nome da sua cor preferida. O estilo marcante de Elsa Schiaparelli talvez pudesse ser representado pelo seu rosa "Shocking, descrito por Yves Saint-Laurent como: "Uma provocação". Por CLAUDIA GARCIA 48 Courrèges Macacão espacial Courrèges A "Revolução Courrèges" e a mulher do ano 2000 Em suas idéias de futuro, a mulher do ano 2000 [nos anos 60, o ano 2000 era a data que representava o futuro] era andrógina, sempre vestida com roupas plásticas e metalizadas, numa visão espacial. Para tanto, Courrèges criou roupas com materiais sintéticos, plásticos e cores metálicas. Sua coleção chamada "space age" entrou para a história da moda representando a revolução Courrèges dos anos 60. O espírito jovem da época ficou então imortalizado nas suas garotas lunares, de minissaias, botas e óculos grandes. Tudo branco, prata e cores fluorescentes, no mais puro estilo viagem espacial. Por CLAUDIA GARCIA 49 Década de 20 A Era do Jazz Por CLAUDIA GARCIA Uma década de prosperidade e liberdade, animada pelo som das jazz-bands e pelo charme das melindrosas - mulheres modernas da época, que frequentavam os salões e traduziam em seu comportamento e modo de vestir o espírito da também chamada Era do Jazz. A sociedade dos anos 20, além da ópera ou do teatro, também frequentava os cinematógrafos, que exibiam os filmes de Hollywood e seus astros, como Rodolfo Valentino e Douglas Fairbanks. As mulheres copiavam as roupas e os trejeitos das atrizes famosas, como Gloria Swanson e Mary Pickford. A cantora e dançarina Josephine Baker também provocava alvoroço em suas apresentações, sempre em trajes ousados. Livre dos espartilhos, usados até o final do século 19, a mulher começava a ter mais liberdade e já se permitia mostrar as pernas, o colo e usar maquilagem. A boca era carmim, pintada para parecer um arco de cupido ou um coração; os olhos eram bem marcados, as sobrancelhas tiradas e delineadas a lápis; a pele era branca, o que acentuava os tons escuros da maquilagem. A silhueta dos anos 20 era tubular, com os vestidos mais curtos, leves e elegantes, geralmente em seda, deixando braços e costas à mostra, o que facilitava os movimentos frenéticos exigidos pelo Charleston - dança vigorosa, com movimentos para os lados a partir dos joelhos. As meias eram em tons de bege, sugerindo pernas nuas. O chapéu, até então acessório obrigatório, ficou restrito ao uso diurno. O modelo mais popular era o "cloche", enterrado até os olhos, que só podia ser usado com os cabelos curtíssimos, a "la garçonne", como era chamado. A mulher sensual era aquela sem curvas, seios e quadris pequenos. A atenção estava toda voltada aos tornozelos. Em 1927, Jacques Doucet (1853-1929), figurinista francês, subiu as saias ao ponto de mostrar as ligas rendadas das mulheres - um verdadeiro escândalo aos mais conservadores. A década de 20 foi da estilista Coco Chanel, com seus cortes retos, capas, blazers, cardigãs, colares compridos, boinas e cabelos curtos. Durante toda a década Chanel lançou uma nova moda após a outra, sempre com muito sucesso. Outro nome importante foi Jean Patou, estilista francês que se destacou na linha "sportswear", criando coleções inteiras para a estrela do tênis Suzanne Lenglen, que as usava dentro e fora das quadras. Suas roupas de banho também revolucionaram a moda praia. Patou também criava roupas para atrizes famosas. 50 Os anos 20, em estilo art-déco, começou trazendo a arte construtivista preocupada com a funcionalidade, além de lançamentos literários inovadores, como "Ulisses", de James Joyce. É o momento também de Scott Fitzgerald, o grande sucesso literário da época, com o seu "Contos da Era do Jazz". No Brasil, em 1922, a Semana de Arte Moderna, realizada por intelectuais, como Mário de Andrade e Tarsila do Amaral, levou ao Teatro Municipal de São Paulo artistas plásticos, arquitetos, escritores, compositores e intérpretes para mostrar seus trabalhos, os quais foram recebidos, ao mesmo tempo, debaixo de palmas e vaias. A Semana de Arte Moderna foi o grande acontecimento cultural do período, que lançou as bases para a busca de uma forma de expressão tipicamente brasileira, que começou a surgir nos anos 30. Em 1925, pela primeira vez, os surrealistas mostraram seus trabalhos em Paris. Entre os artistas estavam Joan Miró e Pablo Picasso. Foi a era das inovações tecnológicas, da eletricidade, da modernização das fábricas, do rádio e do início do cinema falado, que criaram, principalmente nos Estados Unidos, um clima de prosperidade sem precendentes, constituindo um dos pilares do chamado "american way of life" (o estilo de vida americano). Toda a euforia dos "felizes anos 20" acabou no dia 29 de outubro de 1929, quando a Bolsa de Valores de Nova York registrou a maior baixa de sua história. De um dia para o outro, os investidores perderam tudo, afetando toda a economia dos Estados Unidos, e, consequentemente, o resto do mundo. Os anos seguintes ficaram conhecidos como a Grande Depressão, marcados por falências, desemprego e desespero. 51 A Moda e a Guerra Por CLAUDIA GARCIA Em 1940, a Segunda Guerra Mundial já havia começado na Europa. A cidade de Paris, ocupada pelos alemães em junho do mesmo ano, já não contava com todos os grandes nomes da alta-costura e suas maisons. Muitos estilistas se mudaram, fecharam suas casas ou mesmo as levaram para outros países. A Alemanha ainda tentou destruir a indústria francesa de costura, levando as maisons parisienses para Berlim e Viena, mas não teve êxito. O estilista francês Lucien Lelong, então presidente da câmara sindical, teve um papel importante nesse período ao preparar um relatório defendendo a permanência das maisons no país. Durante a guerra, 92 ateliês continuaram abertos em Paris. Apesar das regras de racionamento, impostas pelo governo, que também limitava a quantidade de tecidos que se podia comprar e utilizar na fabricação das roupas, a moda sobreviveu à guerra. A silhueta do final dos anos 30, em estilo militar, perdurou até o final dos conflitos. A mulher francesa era magra e as suas roupas e sapatos ficaram mais pesados e sérios. A escassez de tecidos fez com que as mulheres tivessem de reformar suas roupas e utilizar materiais alternativos na época, como a viscose, o raiom e as fibras sintéticas. Mesmo depois da guerra, essas habilidades continuaram sendo muito importantes para a consumidora média que queria estar na moda, mas não tinha recursos para isso. Na Grã-Bretanha, o "Fashion Group of Great Britain", comandado por Molyneux, criou 32 peças de vestuário para serem produzidas em massa. A intenção era criar roupas mais atraentes, apesar das restrições. O corte era reto e masculino, ainda em estilo militar. As jaquetas e abrigos tinham ombros acolchoados angulosos e cinturões. Os tecidos eram pesados e resistentes, como o "tweed", muito usado na época. As saias eram mais curtas, com pregas finas ou franzidas. As calças compridas se tornaram práticas e os vestidos, que imitavam uma saia com casaco, eram populares. O náilon e a seda estavam em falta, fazendo com que as meias finas desaparecessem do mercado. Elas foram trocadas pelas meias soquetes ou pelas pernas nuas, muitas vezes com uma pintura falsa na parte de trás, imitando as costuras. Os cabelos das mulheres estavam mais longos que os dos anos 30. Com a dificuldade em encontrar cabeleireiros, os grampos eram usados para prendêlos e formar cachos. Os lenços também foram muitos usados nessa época. A maquilagem era improvisada com elementos caseiros. Alguns fabricantes apenas recarregavam as embalagens de batom, já que o metal estava sendo utilizado na indústria bélica. A simplicidade a que a mulher estava submetida talvez tenha despertado seu interesse pelos chapéus, que eram muito criativos. Nesse período surgiram muitos modelos e adornos. Alguns eram grandes, com flores e véus; e outros, menores, de feltro, em estilo militar. Durante a guerra, a alta-costura ficou restrita às mulheres dos comandantes alemães, dos embaixadores em exercício e àquelas que de alguma forma podiam frequentar os salões das grandes maisons. Alguns estilistas abriram novos ateliês em Paris durante a guerra, como Jacques Fath (1912-1954) - que se tornaria muito popular nos Estados Unidos após a guerra -, Nina Ricci (1883-1970) e Marcel Rochas (1902-1955), um dos primeiros a colocar bolsos em saias. Alix Grès (1903-1993) chegou a ter seu ateliê fechado 52 logo após a inauguração, em 1941, pelos alemães, por ter apresentado vestidos nas cores da bandeira francesa. Sua marca era a habilidade em drapear o jérsei de seda, com acabamento primoroso. Outro estilista importante foi o inglês Charles James (1906-1978), que, no período de 1940 a 1947, em Nova York, criou seus mais belos modelos. Chegou a antecipar, em alguns, o que viria a ser o "New Look", de Christian Dior. Durante a guerra, o chamado "ready-to-wear" (pronto para usar), que é a forma de produzir roupas de qualidade em grande escala, realmente se desenvolveu. Através dos catálogos de venda por correspondência com os últimos modelos, os pedidos podiam ser feitos de qualquer lugar e entregues em 24 horas pelos fabricantes. Sem dúvida, o isolamento de Paris fez com que os americanos se sentissem mais livres para inventar sua própria moda. Nesse contexto, foram criados os conjuntos, cujas peças podiam ser combinadas entre si, permitindo que as mulheres pudessem misturar as peças e criar novos modelos. A partir daí, um grupo de mulheres lançou os fundamentos do "sportswear' americano. Com isso, o "ready-to-wear", depois chamado de "prêt-à-porter" pelos franceses, que até então havia sido uma espécie de estepe para tempos difíceis, se transformou numa forma prática, moderna e elegante de se vestir. Com a falta de materiais em quase todos os setores e em todos os países envolvidos nos conflitos, novos materiais foram desenvolvidos e utilizados para a produção de objetos e móveis, como os potes flexíveis e duráveis, de polietileno, que ficaram conhecidos como Tupperware. Com a libertação de Paris, em 1944, a alegria invadiu as ruas, assim como os ritmos do jazz e as meias de náilon americanas, trazidas pelos soldados, que levaram de volta para suas mulheres o perfume Chanel nº 5. Em 1945, foi criada uma exposição de moda, com a intenção de angariar fundos e confirmar a força e o talento da costura parisiense. Como não havia material suficiente para a produção de modelos luxuosos, a solução foi vestir pequenas bonecas, moldadas com fio de ferro e cabeças de gesso, com trajes criados por todos os grandes nomes da altacostura francesa. Importantes artistas, como Christian Bérard e Jean Cocteau participaram da produção da exposição, composta por 13 cenários e 237 bonecas, devidamente vestidas, da roupa esporte ao vestido de baile, com todos os acessórios, lingeries, chapéus, peles e sapatos, tudo feito manualmente, idênticos, em acabamento e luxo, aos de tamanho natural. No dia 27 de março de 1945, "Le Théatre de la Mode" (O Teatro da Moda) encantou seus convidados em Paris. Mais de 200 mil franceses visitaram a exposição, que seguiu para vários países, como Espanha, Inglaterra, Áustria e Estados Unidos, sempre com muito sucesso. No pós-guerra, o curso natural da moda seria a simplicidade e a praticidade, características da moda lançada por Chanel anteriormente. Entretanto, o francês Christian Dior, em sua primeira coleção, apresentada em 1947, surpreendeu a todos com suas saias rodadas e compridas, cintura fina, ombros e seios naturais, luvas e sapatos de saltos altos. O sucesso imediato do seu "New Look", como a coleção ficou conhecida, indica que as mulheres ansiavam pela volta do luxo e da sofisticação perdidos. Dior estava imortalizado com o seu "New Look" jovem e alegre. Era a visão da mulher extremamente feminina, que iria ser o padrão dos anos 50. 53 A Época que Mudou o Mundo Por CLAUDIA GARCIA Os anos 50 chegaram ao fim com uma geração de jovens, filhos do chamado "baby boom", que vivia no auge da prosperidade financeira, em um clima de euforia consumista gerada nos anos do pós-guerra nos EUA. A nova década que começava já prometia grandes mudanças no comportamento, iniciada com o sucesso do rock and roll e o rebolado frenético de Elvis Presley, seu maior símbolo. A imagem do jovem de blusão de couro, topete e jeans, em motos ou lambretas, mostrava uma rebeldia ingênua sintonizada com ídolos do cinema como James Dean e Marlon Brando. As moças bem comportadas já começavam a abandonar as saias rodadas de Dior e atacavam de calças cigarette, num prenúncio de liberdade. Os anos 60, acima de tudo, viveram uma explosão de juventude em todos os aspectos. Era a vez dos jovens, que influenciados pelas idéias de liberdade "On the Road" [título do livro do beatnik Jack Keurouac, de 1957] da chamada geração beat, começavam a se opor à sociedade de consumo vigente. O movimento, que nos 50 vivia recluso em bares nos EUA, passou a caminhar pelas ruas nos anos 60 e influenciaria novas mudanças de comportamento jovem, como a contracultura e o pacifismo do final da década. Nesse cenário, a transformação da moda iria ser radical. Era o fim da moda única, que passou a ter várias propostas e a forma de se vestir se tornava cada vez mais ligada ao comportamento. Conscientes desse novo mercado consumidor e de sua voracidade, as empresas criaram produtos específicos para os jovens, que, pela primeira vez, tiveram sua própria moda, não mais derivada dos mais velhos. Aliás, a moda era não seguir a moda, o que representava claramente um sinal de liberdade, o grande desejo da juventude da época. Algumas personalidades de características diferentes, como as atrizes Jean Seberg, Natalie Wood, Audrey Hepburn, Anouk Aimée, modelos como Twiggy, Jean Shrimpton, Veruschka ou cantoras como Joan Baez, Marianne Faithfull e Françoise Hardy, acentuavam ainda mais os efeitos de uma nova atitude. Na moda, a grande vedete dos anos 60 foi, sem dúvida, a minissaia. A inglesa Mary Quant divide com o francês André Courrèges sua criação. Entretanto, nas palavras da própria Mary Quant: "A idéia da minissaia não é minha, nem de Courrèges. Foi a rua que a inventou". Não há dúvidas de que passou a existir, a partir de meados da década, uma grande influência da moda das ruas nos trabalhos dos estilistas. Mesmo as idéias inovadoras de Yves Saint Laurent com a 54 criação de japonas e sahariennes [estilo safári], foram atualizações das tendências que já eram usadas nas ruas de Londres ou Paris. O sucesso de Quant abriu caminho para outros jovens estilistas, como Ossie Clark, Jean Muir e Zandra Rhodes. Na América, Bill Blass, Anne Klein e Oscar de la Renta, entre outros, tinham seu próprio estilo, variando do psicodélico [que se inspirava em elementos da art nouveau, do oriente, do Egito antigo ou até mesmo nas viagens que as drogas proporcionavam] ou geométrico e o romântico. Em 1965, na França, André Courrèges operou uma verdadeira revolução na moda, com sua coleção de roupas de linhas retas, minissaias, botas brancas e sua visão de futuro, em suas "moon girls", de roupas espaciais, metálicas e fluorescentes. Enquanto isso, Saint Laurent criou vestidos tubinho inspirados nos quadros neoplasticistas de Mondrian e o italiano Pucci virou mania com suas estampas psicodélicas. Paco Rabanne, em meio às suas experimentações, usou alumínio como matéria-prima. Os tecidos apresentavam muita variedade, tanto nas estampas quanto nas fibras, com a popularização das sintéticas no mercado, além de todas as naturais, sempre muito usadas. As mudanças no vestuário também alcançaram a lingerie, com a generalização do uso da calcinha e da meia-calça, que dava conforto e segurança, tanto para usar a minissaia, quanto para dançar o twist e o rock. O unissex ganhou força com os jeans e as camisas sem gola. Pela primeira vez, a mulher ousava se vestir com roupas tradicionalmente masculinas, como o smoking [lançado para mulheres por Yves Saint Laurent em 1966]. A alta-costura cada vez mais perdia terreno e, entre 1966 e 1967, o número de maisons inscritas na Câmara Sindical dos costureiros parisienses caiu de 39 para 17. Consciente dessa realidade, Saint Laurent saiu na frente e inaugurou uma nova estrutura com as butiques de prêt-à-porter de luxo, que se multiplicariam pelo mundo também através das franquias. Com isso, a confecção ganhava cada vez mais terreno e necessitava de criatividade para suprir o desejo por novidades. O importante passaria a ser o estilo e o costureiro passou a ser chamado de estilista. Nessa época, Londres havia se tornado o centro das atenções, a viagem dos sonhos de qualquer jovem, a cidade da moda. Afinal, estavam lá, o grande fenômeno musical de todos os tempos, os Beatles, e as inglesinhas emancipadas, que circulavam pelas lojas excêntricas da Carnaby Street, que mais tarde foram para a famosa King's Road e o bairro de Chelsea, sempre com muita música e atitude jovens. Nesse contexto, a modelo Jean Shrimpton era a personificação das chamadas "chelsea girls". Sua aparência era adolescente, sempre de minissaia, com seus cabelos longos com franja e olhos maquiados. Catherine Deneuve também encarnava o estilo das "chelsea girls", assim como sua irmã, a também atriz Françoise Dorléac. Por outro lado, Brigitte Bardot encarnava o estilo sexy, com cabelos compridos soltos rebeldes ou coque no alto da cabeça [muito imitado pelas mulheres]. 55 Twiggy, o rosto dos 60 Entretanto, os anos 60 sempre serão lembrados pelo estilo da modelo e atriz Twiggy, muito magra, com seus cabelos curtíssimos e cílios inferiores pintados com delineador. A maquiagem era essencial e feita especialmente para o público jovem. O foco estava nos olhos, sempre muito marcados. Os batons eram clarinhos ou mesmo brancos e os produtos preferidos deviam ser práticos e fáceis de usar. Nessa área, Mary Quant inovou ao criar novos modelos de embalagens, com caixas e estojos pretos, que vinham com lápis, pó, batom e pincel. Ela usou nomes divertidos para seus produtos, como o "Come Clean Cleanser", sempre com o logotipo de margarida, sua marca registrada. As perucas também estavam na moda e nunca venderam tanto. Mais baratas e em diversas tonalidades e modelos, elas eram produzidas com uma nova fibra sintética, o kanekalon. O estilo da "swinging London" culminou com a Biba, uma butique independente, frequentada por personalidades da época. Seu ar romântico retrô, aliado ao estilo camponês, florido e ingênuo de Laura Ashley, estavam em sintonia com o início do fenômeno hippie do final dos anos 60. A moda masculina, por sua vez, foi muito influenciada, nos início da década, pelas roupas que os quatro garotos de Liverpool usavam, especialmente os paletós sem colarinho de Pierre Cardin e o cabelo de franjão. Também em Londres, surgiram os mods, de paletó cintado, gravatas largas e botinas. A silhueta era mais ajustada ao corpo e a gola rolê se tornou um clássico do guarda-roupa masculino. Muitos adotaram também a japona do pescador e até mesmo o terno de Mao. No Brasil, a Jovem Guarda fazia sucesso na televisão e ditava moda. Wanderléa de minissaia, Roberto Carlos, de roupas coloridas e como na música, usava botinha sem meia e cabelo na testa [como os Beatles]. A palavra de ordem era "quero que vá tudo pro inferno". Os avanços na medicina, as viagens espaciais, o Concorde que viaja em velocidade superior à do som, são exemplos de uma era de grande desenvolvimento tecnológico que transmitia uma imagem de modernidade. Essa imagem influenciou não só a moda, mas também o design e a arte que passaria a ter um aspecto mais popular e fugaz. 56 Trabalho de Andy Warhol, símbolo da Pop Art Nesse contexto, nenhum movimento artístico causou maior impacto do que a Pop Art. Artistas como Andy Warhol, Roy Lichetenstein e Robert Indiana usaram irreverência e ironia em seus trabalhos. Warhol usava imagens repetidas de símbolos populares da cultura norte-americana em seus quadros, como as latas de sopa Campbell, Elvis Presley e Marilyn Monroe. A Op Art [abreviatura de optical art, corrente de arte abstrata que explora fenômenos ópticos] também fez parte dessa época e estava presente em estampas de tecidos. No ritmo de todas as mudanças dos anos 60, o cinema europeu ganhava força com a nouvelle vague do cinema francês ["Acossado", de Jean-Luc Godard, se tornaria um clássico do movimento], ao lado do neo-realismo do cinema italiano, que influenciaram o surgimento, no início da década, do cinema novo [que teve Glauber Rocha como um dos seus iniciadores] no Brasil, ao contestar as caras produções da época e destacar a importância do autor, ao contrário dos estúdios de Hollywood. No final dos anos 60, de Londres, o reduto jovem mundial se transferiu para São Francisco (EUA), região portuária que recebia pessoas de todas as partes do mundo e também por isso, berço do movimento hippie, que pregava a paz e o amor, através do poder da flor [flower power], do negro [black power], do gay [gay power] e da liberação da mulher [women's lib]. Manifestações e palavras de ordem mobilizaram jovens em diversas partes do mundo. A esse conjunto de manifestações que surgiram em diversos países deu-se o nome de contracultura. Uma busca por um outro tipo de vida, underground, à margem do sistema oficial. Faziam parte desse novo comportamento, cabelos longos, roupas coloridas, misticismo oriental, música e drogas. No Brasil, o grupo "Os Mutantes", formado por Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sérgio Batista, seguiam o caminho da contracultura e afastavam-se da ostentação do vestuário da jovem guarda, em busca de uma viagem psicodélica. A moda passou a ser as roupas antes reservadas às classes operárias e camponesas, como os jeans americanos, o básico da moda de rua. Nas butiques chiques, a moda étnica estava presente nos casacos afegãos, fulares indianos, túnicas floridas e uma série de acessórios da nova moda, tudo kitsch, retrô e pop. Toda a rebeldia dos anos 60 culminaram em 1968. O movimento estudantil explodiu e tomou conta das ruas em diversas partes do mundo e contestava a sociedade, seus sistemas de ensino e a cultura em diversos aspectos, como a sexualidade, os costumes, a moral e a estética. No Brasil, lutava-se contra a ditadura militar, contra a reforma educacional, o que iria mais tarde resultar no fechamento do Congresso e na decretação do Ato Institucional nº 5. Talvez o que mais tenha caracterizado a juventude dos anos 60 tenha sido o desejo de se rebelar, a busca por liberdade de expressão e liberdade sexual. Nesse sentido, para as mulheres, o surgimento da pílula anticoncepcional, no início da 57 década, foi responsável por um comportamento sexual feminino mais liberal. Porém, elas também queriam igualdade de direitos, de salários, de decisão. Até o sutiã foi queimado em praça pública, num símbolo de libertação. Os 60 chegaram ao fim, coroados com a chegada do homem à Lua, em julho de 1969, e com um grande show de rock, o "Woodstock Music & Art Fair", em agosto do mesmo ano, que reuniu cerca de 500 mil pessoas em três dias de amor, música, sexo e drogas. 58 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Müller, Florence – Arte e Moda – São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2002 Baudot, François – Moda do Século – São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2002 Feghali, Marta Kasxnar / Dwyer, Daniela – As engrenagens da moda – Rio de Janeiro: Ed. Senac, 2001 Palomino, Erika – A moda – São Paulo: Publifolha, 2002 Moutinho, Maria Rita / Teixeira Valença, Máslova – A Moda no século XX – Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 2000 O Livro da Arte – Edição publicada por Livraria Martins Fontes Editora Ltda. – São Paulo, 1999 Lambert, Rosemary - “Cambridge introducing to the history of art: The twentieth century” – Copyright by Cambridge University Press, 1981 – Tradução: Álvaro Cabral Braga, João – História da Moda – São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004 - Coleção Moda e Comunicação / Katia Castilho (coordenação) Lehnert, Gertrude - História da Moda do Século XX - © 2001 da edição portuguesa Könemann Verlagsgesellschaft mbh Martin, Richard – Cubism and Fashion – New York: The Metropolitan Museum of Art, 1999 Veillon, Dominique – Moda e Guerra: um retrato da França ocupada – Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2004. 59 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8 CAPÍTULO I O início do século e sua efervescência cultural 11 1.1 – Os movimentos 13 1.2 – As primeiras influências 17 CAPÍTULO II As guerras mundiais e seu legado artístico e sócio-cultural 19 2.1 – Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918) 20 2.2 – O entre guerras 22 2.3 – Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) 27 CAPÍTULO III O pós-guerra 28 3.1 – Americanização 29 3.2 – Resistência Francesa 30 3.3 – É preciso sonhar 31 CAPÍTULO IV O império jovem 33 4.1 – Mudança de padrões 33 4.2 – Contracultura 35 4.3 – Conceito 38 CONCLUSÃO 42 ANEXOS 44 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 58 ÍNDICE 59 60 FOLHA DE AVALIAÇÃO UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE Pós-Graduação “Lato Sensu” em Docência de Ensino Superior Título da Monografia: “Um Projeto Educacional sobre os reflexos das formas da Arte nas formas da Moda do Século XX” Autor: Josiane da Costa Mattos Data da entrega: 29 de janeiro de 2005 Avaliado por: Conceito: