Percepções dos participantes do Programa Bolsa Família residentes em Campinas (SP) em relação à exigência de frequência escolar mínima para crianças e jovens. TAINAH BIELA DIAS Faculdade de Ciências Sociais Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas E-mail: [email protected] PROF. Dr. ANDRÉ PIRES Grupo de Pesquisa: Gestão e Políticas Públicas em Educação Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas E-mail: [email protected] 1. INTRODUÇÃO Resumo: A presente pesquisa objetivou analisar como a exigência de freqüência escolar mínima para crianças e jovens do Programa Bolsa Família (PBF) é percebida e avaliada de acordo com a visão de oito beneficiárias residentes na região sul de Campinas (SP). Todas as mães entrevistadas relataram que seus filhos estariam na escola independente da condicionalidade prevista no Programa, reforçando o fato de que essas mães consideram o ingresso à escola como um direito dos filhos. A pesquisa ainda indicou que a maioria das mães espera o mínimo da escola, em termos de conteúdo, para seus filhos, isto é, o letramento e equações básicas. Em nosso entender, tais percepções, longe de denotarem somente certo fatalismo das beneficiárias em relação a sua condição social, indicam que elas compreendem de maneira muito precisa as clivagens dos usos dos serviços públicos no Brasil. Na consideração da maioria das entrevistadas, é difícil esperar algo além do mínimo da escola pública, já que a educação de melhor qualidade é aquela oferecida em escolas pagas. A análise das entrevistas sugere que estas percepções sobre os serviços educacionais públicos podem estar relacionadas à própria experiência das entrevistadas, as quais, em sua maioria, freqüentaram a escola pública e não possuem o ensino básico completo. Concluímos que o grau de escolaridade das mães tem influência nas suas percepções sobre a educação e a escola. Palavras-chave: Programa Bolsa Educação, Frequência Escolar. A pesquisa objetivou analisar como a exigência de frequência escolar mínima presente no desenho do Programa Bolsa Família (PBF) é percebida percepções e avaliada de de acordo beneficiárias do com as programa residentes em Campinas (SP). As principais questões abordadas nesta pesquisa dizem respeito à opinião dos beneficiários sobre o Programa Bolsa Família, sobre a escolaridade, sobre a frequência escolar e sobre a escola. Para atingir os objetivos propostos realizamos oito entrevistas semi-estruturadas com beneficiários do Programa Bolsa Família no período de Agosto de 2012 a Julho de 2013. Todas as entrevistas foram concedidas por mulheres beneficiárias que frequentaram, no referido período, o Departamento de Assistência Social da região Sul de Campinas (DAS-Sul), região que, de acordo com o Censo 2010, reúne 40% dos beneficiários do PBF na cidade. Família, Área do Conhecimento: Grande área do conhecimento – Ciências Humanas, Área do conhecimento – Educação. 2. RESULTADOS OBTIDOS Ao término dessa pesquisa pudemos observar que a questão da exigência de frequência escolar mínima é vista como algo que proporcionaria novas possibilidades aos filhos das beneficiárias do Programa Bolsa Família. As beneficiárias também disseram que os filhos estariam na escola independente da existência da condicionalidade, o que mostra que percebem o ingresso à escola como um direito dos filhos, atrelado a um sentimento de dever cumprido em relação à suas obrigações como mães e responsáveis por seus filhos e pelo benefício do Programa. A percepção da maioria das mães em relação ao que esperam da escola para seus filhos caracteriza-se por aquilo que Libâneo (2012) denominou como o mínimo para a sobrevivência, ou seja, o letramento e equações básicas, tidos como necessários param se conseguir um emprego. Em nosso entender, tais percepções, longe de denotarem somente certo fatalismo das beneficiárias em relação a sua condição social, indicam que elas compreendem de maneira muito “Ah, [a escola] é pra aprender alguma coisa. Eu penso assim. Aprender a ler, entrar nos lugares...”(Silvana, 25 anos, 1ª série). “A escola é tudo pra quem quer aprender né. É lá que elas [as filhas] vão aprender primeiro a independência delas, e elas sabem que estando na escola, os professores são como se fossem eu, elas tem que respeitar. Lá elas estão aprendendo a educação, a ter mais independência, e o estudo, que nem eu disse, é tudo pra elas.”(Adelaide, 46 anos, Ensino Médio completo). Através dessas falas podemos perceber que, enquanto as duas primeiras concentram-se na questão do mínimo apresentada por Libâneo, a terceira fala, que pertence à mãe que possui Ensino Médio completo, reforça a importância dos estudos para a própria independência das filhas, atribuindo a ideia de melhoria de vida não só ao mínimo, em termos de conteúdos, que a escola pode oferecer. precisa as clivagens dos usos dos serviços públicos no Brasil. Na consideração da maioria das entrevistadas, é difícil esperar algo além do 3. CONCLUSÕES mínimo da escola pública, já que a educação de A melhor qualidade é aquela oferecida em escolas expectativas mínimas em relação à escola e os pagas. Caso tivessem condições financeiras, conteúdos nela oferecidos referem-se tanto ao mimetizariam o comportamento dos mais ricos e tipo de serviço oferecido pela escola pública (e colocariam seus filhos em escolas particulares, que já é o “esperado” pelas mães) quanto às como atestam as falas das beneficiárias. A experiências e escolaridade das próprias mães. análise das percepções entrevistas sobre os sugere serviços que análise das mesmas sugere que as estas educacionais públicos podem estar relacionadas à própria experiência das entrevistadas, as quais, em sua maioria, freqüentaram a escola pública e não possuem o ensino básico completo. Assim, os resultados indicam que o grau de escolaridade das mães tem influência nas suas percepções sobre a educação e a escola, tal como pode-se observar nas falas de algumas delas abaixo: “Eu tô contente [com a escola], porque na escola você tem que estudar né, porque a pessoa que não estuda não sabe ler, escrever né, e se você não aprende você vira uma pessoa analfabeta”(Janete, 48 anos, 5ª série). Observamos também que a escola particular torna-se melhor alternativa do que a escola pública. As mães beneficiárias, portanto, tem plena consciência da diferença de qualidade entre serviços públicos e privados no Brasil. Esperam, utilizando palavras Célia Kerstenetzky (2012), “programas básicos de serviços básicos”, por já estarem acostumadas, seja por experiências próprias ou dos filhos, a receber menos do que receberiam se pagassem pela educação ou pela saúde. Por esses motivos é difícil, para essas beneficiárias, esperar algo que vá além do mínimo. Concluímos que o grau de escolaridade das mães tem influência nas suas percepções 7. FONSECA, A. M. M. Transferencias condicionadas, estrategias de combate alhambre y ladesnutricionen América Latina y el Caribe. Santiago: FAO, 2009. sobre a educação e a escola AGRADECIMENTOS À Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio à pesquisa; ao Prof. Dr. André Pires que orientou os trabalhos de pesquisa, à Margô, responsável pelo DAS-Sul, pela atenção e auxílio durante a pesquisa, aos meus pais por todo os sacrifícios para me darem a oportunidade de 8. KERSTENETZKY, C. L. O Estado do Bem-Estar Social na Idade da Razão: a reivenção do Estado social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 9. LIBÂNEO, J. C. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. São Paulo, Educação e Pesquisa, vol. 38, n. 1, pp. 13-28, 2012. estudar e à minha namorada, Thais, que me acompanhou em todas as entrevistas e sempre me apoiou durante a pesquisa. REFERÊNCIAS 1. ANTUNES, R. As formas contemporâneas de trabalho e a desconstrução dos direitos sociais. In: SILVA, M. O. S.; YAZBEK, M. C. (Orgs.). Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo.3 ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 59 – 71. 2. CASTEL, R.Elascenso de lasincertidumbres: Trabajo, protecciones, estatuto del individuo.1 Ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010. 3. COHN, A. Cartas ao Presidente Lula: Bolsa Família e Direitos Sociais. 1 Ed. Rio de Janeiro: Pensamento Brasileiro, 2012. 4. __________. O PBF e seu potencial como política de Estado.In: J. A. Castro, & L. Modesto.Bolsa Família 2003-2010: avanços e desafios (pp. 215-234). Brasília: Ipea, 2010. 5. DRAIBE, S. Prefácio. In: SILVA, M. O. S. (Org.). Renda mínima e reestruturação produtiva.1 ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 7 – 17. 6. ELIAS, Norbert; e SCOTSON, John. L.; Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. 10. MONNERAT, G. L.; SENNA, M.; SCHOTTZ, V.; MAGALHÃES, R.; BURLANDY, L. Do direito incondicional à condicionalidade do direito:as contrapartidas do programa Bolsa Família. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, p. 1453-1462, 2007. 11. PIRES, A. Relações de troca e reciprocidade entre os participantes do Programa Bolsa Família em Campinas (SP). Política & Trabalho, João Pessoa, número 38, 2013, pp. 171-195. 12. ______. Afinal, para que servem as condicionalidades do Programa Bolsa Família? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro. (2013) No prelo 13. ______. Relações de gênero e orçamento familiar: percepções dos recursos do Programa Bolsa Família como dinheiro feminino. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 42, n. 145, p. 130-161, jan./abr. 2012. 14. REIMERS, F.; SILVA, C. D.; TREVINO, E. Whereisthe “Education” in Conditional Cash Transfers in Education? Montreal: UnescoInstituteofStatistics, 2006.