VERSÃO PRELIMINAR MARIO DIAS RIPPER 1 UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES: O DESAFIO ATUAL NO BRASIL* Mario Dias Ripper Desde a privatização do Sistema Telebrás, o Brasil fez um enorme progresso na democratização do acesso ao serviço telefônico. Os números de 2002 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, divulgados no dia 10 de outubro, mostram que o serviço de telefonia foi, entre os serviços públicos, o que mais se expandiu em dez anos. De 1992 a 2002, o percentual de domicílios com linha telefônica (fixa ou só celular) passou de 19,0% para 61,6%. Descontados os domicílios que só possuem telefones celulares, esse percentual seria de 52,8%. A maior parte dessa expansão foi realizada depois de 1999, quando 37,6% dos domicílios possuíam telefones. O serviço de energia elétrica ainda é o mais universalizado: em 2002, 96,7% dos domicílios tinham iluminação elétrica. Mas, cresceu muito menos nesse mesmo período: 7,9 pontos percentuais. O número de domicílios com saneamento básico é bem menor do que os que contam com telefones: 50% das residências brasileiras não são servidas por redes de esgoto. A pesquisa também mostra a contribuição da telefonia móvel para o serviço de universalização: em 2002, 8,8% dos domicílios tinham somente um telefone celular. A expansão do serviço de telefonia fixa comutada (STFC), no nível em que se deu, foi conseqüência de uma decisão política do governo. O acesso universal aos serviços básicos de telecomunicações é um dos objetivos do modelo brasileiro e o modo como ele foi inserido no arcabouço regulatório obrigou as operadoras, depois da privatização da Telebrás, a realizarem grandes investimentos para cumprir obrigações de universalização. O marco regulatório do setor, a Lei Geral de Telecomunicações, estabelece em seu artigo 2º que o objetivo básico da regulação promovida pelo Estado deve ser a garantia de acesso às telecomunicações a tarifas e preços razoáveis e condições adequadas. Define, também, o serviço telefônico fixo como um serviço prestado em regime público, atribuindo deveres de universalização aos seus prestadores. Os deveres de universalização têm por objetivo possibilitar o acesso de qualquer pessoa aos serviços de telecomunicações, independente de sua localização geográfica ou condição sócio-econômica. A lei detalha fontes de financiamento dessas obrigações, a fim de cobrir a parcela dos custos que não pode ser recuperada com a exploração eficiente do serviço – uma vez que supõe que os serviços que podem ter seus custos recuperados não precisam ser objeto de obrigações. Sua oferta se dará naturalmente, por serem comercialmente viáveis. * Outubro 2003. 2 As obrigações das operadoras foram definidas em seus contratos de concessão e incluem o atendimento ao Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU – Decreto 2592, de 15.05.1998) e ao Plano Geral de Metas de Qualidade (PGMQ). Pelo PGMU, ao final deste ano, as concessionárias terão que atender solicitações de acessos individuais, em cidades com mais de 600 habitantes, em até duas semanas e prover acessos coletivos (TUPs) em cidades com mais de 300 habitantes. Além disso também terão que garantir uma densidade mínima de 7,5 telefones de uso público (TUPs) por mil habitantes. Nas cidades com mais de 600 habitantes, as pessoas deverão ter acesso a um telefone público a menos de 300 metros. A exposição de motivos da Lei Geral de Telecomunicações afirma que as obrigações de universalização, por se tratarem de uma questão de natureza eminentemente social, podem variar com o tempo à medida que objetivos forem atingidos e que o país registre evolução em sua economia, no desenvolvimento regional, em questões demográficas e na distribuição da renda. De acordo com esse princípio, o PGMU definiu metas até 2005. Um novo plano de metas entra em vigor a partir de 2006, ano da prorrogação dos atuais contratos de concessão. O desafio de ampliar a universalização do serviço de telecomunicações e as metas futuras, tanto as que ainda precisam ser implantadas no marco do atual PGMU, como as definidas no novo plano são o foco da discussão desse trabalho. O governo decidiu ampliar ainda mais o escopo do acesso ao serviço individual e incluir acesso público à Internet nas novas obrigações de universalização. No novo PGMU (decreto 4.769, de 27 de junho de 2003), o poder público estabelece metas a serem cumpridas pelas concessionárias a partir de 2006. Entre outras obrigações, cria os Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs), nos quais deverá haver terminais para acesso à Internet. Os PSTs deverão estar disponíveis a pelo menos 20% da população brasileira a partir de janeiro de 2007. Essa base deverá ser ampliada ao longo dos anos. No nosso entender, há um grande potencial de alocação ineficaz de recursos para a realização de novas obrigações de universalização, que adotam, em sua definição, o mesmo método utilizado em 1998, de estabelecer obrigações macro para todo o país. Primeiro, porque o modelo atingiu os objetivos a que se tinha proposto até 2003, como por exemplo, em termos de atendimento da população, como mostram os números do IBGE, o cenário é totalmente diferente do de 1998. A demanda reprimida que havia há cinco anos já foi atendida e a planta de telefones fixos em serviço está praticamente estática desde o fim de 2002. A planta de telefonia fixa não cresce mais porque, uma vez atendida a demanda, o grande e principal obstáculo para a expansão do acesso é a renda per capita do país, pequena e mal distribuída. Outro problema é que os novos objetivos pouco levam em conta a evolução da telefonia móvel, que exerceu um papel importante na ampliação do acesso individual e que deverá continuar se expandindo, graças a uma utilização particularmente brasileira: o uso dos pré-pagos com ligações automáticas a cobrar. Além disso, não há indicação de grandes evoluções nas tecnologias disponíveis que permitam reduzir os custos de implantação de terminais fixos a valores mais compatíveis com a renda dos brasileiros. E, a determinação de metas macro, comuns a todo o país, é uma forma ineficaz de alocar recursos. Seria mais apropriado, agora que a fase de expansão acelerada da 3 planta se encerrou, definir metas micro, mais focadas, avaliando criteriosamente o ganho social que elas podem trazer à região afetada. O desejo de ampliar o conceito de universalização continua expresso, a nível político, no Decreto 4.733, de 10 de junho de 2003, que definiu novas diretrizes para o setor. Nesse decreto, o poder público expressa o desejo de assegurar acesso individualizado, por parte de todos os cidadãos, a pelo menos um serviço de comunicação. E, de “garantir o acesso a todos os cidadãos à rede mundial de computadores (Internet)”. Também se expressa no recente anúncio, pelo Ministério das Comunicações, que se está formulando um novo serviço universal, além do STFC, para acesso à Internet de banda larga. Este aparece em medidas de regulamentação da agência. O projeto de oferecer acesso local à Internet em todos os municípios do país, contemplado no regulamento sobre o 0i00 em estudo pela Anatel depois de uma fase de consultas públicas, é um exemplo disso. Vamos utilizar esse trabalho para mostrar como a definição de metas macro, sem a devida análise da relação entre custos e benefícios gerados, pode criar uma impressão equivocada do seu impacto junto à população. A FASE HERÓICA Entre a privatização do Sistema Telebrás, em 1998, e a atual discussão sobre as novas obrigações de universalização, a densidade do serviço telefônico fixo no Brasil mais do que dobrou - de 13,6% para 28,4% (1998-2002) em linhas instaladas por 100 habitantes. A densidade por residência é bem mais alta como visto no início pelos dados do IBGE.. Os investimentos realizados pelas operadoras para atender a demanda e cumprir as obrigações do PGMU 1999–2005 garantiram esse significativo crescimento no número de acessos individuais. Somente a Telemar investiu R$ 20 bilhões na expansão de sua planta, entre 1998 e 2002. Os investimentos do setor somaram, neste mesmo período, R$ 70 bilhões. 4 FIGURA 1- LINHAS INSTALADAS – BRASIL Telefonia Fixa linhas instaladas (milhões) 28,2% Telefonia Móvel usuários (milhões) 28,4% Taxa de penetração Taxa de penetração Região Telemar Região Telemar Brasil Brasil 19,8% 30,0 Privatização 23,1% 20,0 18,0 17,0% Privatização 25,0 16,0 14,0% 14,0 20,0 16,8% 12,0 47,9 13,6% 8,6% 9,3% 10,4% 11,4% 49,6 9,1% 15,0 5,1 5,6 94 14,9 4,5% 6,0 6,4 15,0 16,9 7,5 95 10,8 12,8 18,0 1,7% 1,0% 0,75 1,64,4 0,75 2,7 0,6 17,0 0,5% 0,0 96 97 98 4,0 2,7% 5,0 8,8 8,0 23,2 10,0 27,8 14,6 10,0 28,7 38,3 22,1 12,7 34,7 99 00 01 02 94 95 7,4 7,2 1,2 2,7 96 9,6 12,0 15,6 2,0 0,0 2,1 97 98 99 00 01 02 Os acessos coletivos (orelhões) também tiveram sua densidade, em terminais instalados por 1000 habitantes, ampliada de 3,62% em 1998 para 7,83% ao final de 2002, por força do cumprimento dessas obrigações – e mais da metade (717 mil) do 1,37 milhão de telefones públicos em serviço no Brasil estão na área da Telemar. O acesso da população aos serviços de telecomunicações cresceu, também, por conta da expansão da telefonia móvel celular, que não é objeto do plano oficial de metas de universalização. A densidade da telefonia móvel cresceu de 4,5% em 1998 para 19,8%, ao final de 2002, em telefones celulares por 100 habitantes, graças ao serviço pré-pago. No início do segundo semestre de 2003, o número de telefones celulares no Brasil ultrapassou o de terminais fixos em serviço. A PNAD 2002 e uma pesquisa recente da Telemar demonstram que a telefonia celular já é uma alternativa crescente à rede fixa. AS CONTRADIÇÕES DO PODER PÚBLICO Com o plano de metas, o governo conseguiu atingir o objetivo de ampliar significativamente o acesso ao serviço fixo comutado. Ao mesmo tempo – e contraditoriamente – tomou decisões econômicas que afastaram o país do cumprimento desse objetivo. Três decisões críticas exemplificam bem essa incoerência: 1. Nos leilões de privatização da telefonia, a métrica utilizada para escolher o vencedor teve como objetivo maximizar o preço de venda da concessão, ou seja, a arrecadação do governo. A alternativa potencial a esse modelo de outorga, recentemente anunciada como instrumento importante das novas concessões a serem outorgadas pelo setor elétrico, seria a métrica do menor preço do serviço, ou seja, ganharia o leilão a operadora que se comprometesse a praticar as menores tarifas. Foram poucos os governos que usaram tal critério. O governo de Israel assim procedeu no leilão de licenças de telefonia celular. Em pouco tempo, com um serviço bastante barato, Israel obteve um acesso quase universal no serviço celular. 5 2. A carga tributária do setor de telecomunicações no Brasil é uma das mais altas do mundo, em particular no que se refere ao ICMS, imposto de valor adicionado. A cada R$ 1,00 cobrado pela concessionária ao usuário se acrescentam tipicamente R$ 0,43 somente de ICMS. Isso onera o serviço e o torna inacessível a uma parte importante da população. E é muito pouco provável que essa carga seja reduzida na reforma tributária. A Telemar arrecadará, somente em 2003, mais de R$ 4 bilhões para os governos estaduais. 3. Os recursos do Fundo de Universalização (FUST), desde sua criação, estão contingenciados, para que o governo atinja suas metas de superávit primário. A contribuição de 1% da receita operacional bruta das empresas, que vai representar cerca de R$ 700 milhões este ano, continua a onerar o serviço sem que nenhuma contrapartida tenha sido obtida para as pessoas de menor renda. A prática do governo, nessas importantes questões, tem sido contrária ao desejo expresso de universalizar o acesso às telecomunicações. O poder público optou por satisfazer outros objetivos de curto prazo, em vez de viabilizar uma redução das tarifas e com isso ampliar a abrangência do serviço, protegendo as pessoas de menor renda. A REALIDADE A realidade é que o Brasil tem hoje uma densidade de acesso a telefonia fixa individual (em linhas fixas por 100 habitantes) superior a que se deduziria do rendimento médio da população (em PIB per capita), baseado na correlação entre esses dois indicadores para um conjunto extenso de países – a “curva Jipp”. Essa constatação é coerente com o alto índice Gini de distribuição de renda e a extensão de nosso território. Desde 2002, o país se encontra com uma densidade de telefonia fixa acima da média de países do seu grupo de renda, como Argentina, México e Malásia, segundo a classificação da União Internacional das Telecomunicações (UIT)i. Mas, muito abaixo da dos países de renda alta como EUA, França, Reino Unido, Espanha e Portugal, que têm densidades superiores a 60%. É importante notar que o acesso praticamente universal ao serviço telefônico, medido por número de linhas fixas por residências, é um fenômeno relativamente recente mesmo no mundo desenvolvido. Ou seja, a menos dos Estados Unidos e Canadá, estes países somente alcançaram o patamar de 90% no início dos anos 90 e, em condições bem mais favoráveis que as nossasii. A maior parte desses países ricos tem dimensões geográficas pequenas ou médias, enquanto a nossa é continental. Suas diferenças regionais foram superadas e as nossas ainda são muito grandes. A renda, aqui baixa e concentrada, nos países ricos é alta e bem distribuída. A universalização parcial do acesso individual / residencial que alcançamos com investimentos enormes depois da privatização, já era significativa nesses países, antes de o setor passar às mãos da iniciativa privada. Deste modo, como vivemos em um país relativamente pobre, é natural que encontremos enormes empecilhos no caminho de uma universalização ampla do acesso individual. FALTA RENDA A barreira estrutural mais séria a ser enfrentada no Brasil, para cumprir a meta de oferecer acesso residencial universal aos serviços de telefonia, é a da concentração de renda. A Figura 2 , da PNAD 2002 apresenta os domicílios particulares e o valor do 6 rendimento médio mensal domiciliar por situação do domicílio, segundo as classes de rendimento mensal domiciliar - Brasil No Brasil, somente 4,9% dos domicílios possuem renda superior a 20 salários mínimos, com um rendimento mensal de R$ 7,300 mil por mês. Os domicílios que possuem renda maior que 2 e até 5 salários mínimos representam 35,8%, com um rendimento médio mensal de R$ 671,00. Finalmente, os domicílios que possuem renda de até 2 salários mínimos representam 32,5% do total dos domicílios, com um rendimento médio mensal de R$ 260,00. A média de rendimento desses 68% dos domicílios brasileiros é de R$ 470 por mês. FIGURA 2 - DOMICÍLIOS PARTICULARES E VALOR DO RENDIMENTO MÉDIO MENSAL DOMICILIAR, POR SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO, SEGUNDO AS CLASSES DE RENDIMENTO MENSAL DOMICILIAR - BRASIL Classes de rendimento mensal domiciliar (1) Domicílios particulares Total.............................................. ....... Até 2 salários mínimos....................................................... .... Mais de 2 a 5 salários mínimos........................................... Mais de 5 a 10 salários mínimos......................................... Mais de 10 a 20 salários mínimos....................................... Mais de 20 salários mínimos............................................... Total 46 037 427 % 100,0 0% 14 846 586 16 487 313 8 397 345 4 051 688 2 254 495 32,25 % 35,81 % 18,24 % 8,80 % 4,90 % Valor do rendimento médio mensal domiciliar (R$) (1) (2) Total 260 671 1 427 2 809 7 324 Na região da Telemar, por uma pesquisa de 2001, somente 3% dos domicílios que pertencem à classe A são responsáveis por 21,8% do consumo total, com um gasto médio de R$ 8,060 mil por mês. Os domicílios da classe D, que representam 40% do total dos domicílios, são responsáveis por 18,7% do consumo da região, com um gasto médio mensal de R$ 615,00. Os da classe E representam 18% e são responsáveis por 3,9% do consumo da região, com um gasto médio mensal de R$ 273,00. Praticamente 60% dos domicílios na região da Telemar, correspondentes às classes D e E, têm renda domiciliar media inferior a R$ 600,00. FIGURA 3 – CARACTERÍSTICAS DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA REGIÃO DA TELEMAR 7 Consumo Número de domicílios urbanos Número de domicílios R$ milhões Consumo mensal por domicílio % % R$ A 3% B 13% 666.883 64.504 21,8 8.060 2.404.454 88.862 31,1 3.080 C 26% 4.823.549 75.501 25,5 1.304 D 40% 7.492.258 55.304 18,7 615 E 18% 3.492.049 11.434 3,9 273 Esmiuçando o orçamento das famílias de classe D, vemos que em média, para terem acesso ao serviço telefônico individual em suas residências, teriam que despender da ordem de 5% de seu orçamento familiar. No mundo, esse percentual médio é de cerca de 2% a 3% do orçamento familiariii. Para contextualizar esse dispêndio, observa-se que despesas com educação e saúde representam somente 10,5% dos gastos desses domicílios. E, mais da metade da renda familiar é usada em compras para a casa (comida, bebida, limpeza e remédios). Assim, uma casa típica de classe D está no seu limite de renda para ter acesso a um telefone fixo. Uma outra pesquisa recente da Telemar (junho de 2003) em residências de diversos estados em sua região de atuação, com famílias que possuem renda familiar da ordem de R$ 400,00, indicou que 56% dos moradores de baixa renda que vivem nessa região, mas não são seus clientes, possuem telefones celulares. Porém, fazem 88% de suas ligações a partir de orelhões. 18% usam também telefones de vizinhos e, somente 12% usam seus celulares para originar chamadas. Esses clientes gastavam 17% do seu orçamento em contas de serviços básicos (luz, água, gás e telefonia), enquanto que nos clientes Telemar esse total era de 26%. Os investimentos na expansão da planta telefônica pós-privatização ampliaram o acesso, principalmente nas famílias de renda mais baixa, porque as classes de maior poder aquisitivo já estavam bem servidas. Em 1998, 89% dos domicílios de classe A, na região da Telemar, tinham telefones fixos. FIGURA 4 - CARACTERÍSTICAS POR DOMICÍLIO – CLASSE D / E REGIÃO TELEMAR – 06/2003 Atualmente, como faz ligações telefônicas? Não Clientes Telemar Clientes Telemar Telefone fixo 96% Telefone celular 31% 15% Orelhão 2% 88% 3% 18% 12% 8 Casa de vizinho / amigo / parente Posse de telefone celular na residência Clientes Telemar Não Clientes Telemar 80% 60% 40% 20% 0% Total RJ BH SAL REC Na classe D, apenas 10%. Em 2002, o percentual de domicílios da classe A com telefones chegou praticamente a 100%. Na classe D, aumentou para 52%. Dos 8,2 milhões de terminais instalados pela Telemar nesse período, 92% foram em domicílios das classes C e D. A elasticidade em preço do acesso ao serviço telefônico para domicílios de renda baixa, no entanto, é muito grande. Até porque, como vimos, um grande número desses usuários da classe D já gasta, em vários serviços básicos, uma parte considerável do seu orçamento. Todos os meses, desde o início de 2003, 250 mil clientes saem e entram na base da Telemar, a maioria das vezes porque deixam de ter renda para pagar sua assinatura ou porque voltam a ter receita para instalar um telefone em casa. Quase 5% dos assinantes da operadora são como ondas na praia: vêm e voltam o tempo todo. 9 FIGURA 5 - TELEMAR – DOMICÍLIOS COM TELEFONE FIXO POR FAIXA DE RENDA (%) 2002 Domicílios (mil) 1998 7.512 92% dos acessos individuais instalados foram nas classes C e D Domicílios (mil) 6.809 5.008 4.540 2.648 2.400 692 627 A B C D Penetração 89 nos domicílios (%) 80 42 10 A Penetração nos domicílios 100 (%) B C D 96 94 52 ALGUMAS METAS ONEROSAS COM BENEFÍCIOS RESTRITOS No entanto, nessa expansão acelerada, alguns dos desafios colocados pelo PGMU e PGMQ (Plano Geral de Metas de Qualidade) originais para 1999 => 2003 se demonstraram demasiadamente ambiciosos e, desse modo, muito onerosos em relação aos benefícios obtidos. A meta preconizada de instalação de telefones públicos fez com que o Brasil tenha hoje, em unidades, a terceira maior rede de orelhões do mundo, somente atrás dos EUA e da China. Em relação a densidade de terminais coletivos por 1000 habitantes, somos o segundo país com maior densidade no mundoiv. E isso antes do cumprimento das obrigações do PGMU de 2004 a 2005. Com essa densidade, verifica-se que praticamente 65% dos telefones públicos na região da Telemar não geram receita capaz de cobrir seus custos operacionais e que um número significativo desses terminais (22%) gera menos de 250 créditos por mês, incluindo 5,3% que não são usados. A menos de comunidades onde esses telefones são a única via de comunicação com o mundo externo, existe um claro exagero. A meta de instalação de uma nova linha em duas semanas após o pedido de um usuário, meta que passará a ser de 1 semana a partir do fim deste ano, em qualquer parte do território nacional, faz com que mesmo em áreas onde a demanda potencial é muito baixa seja necessário colocar uma capacidade ociosa considerável para atender essa obrigação. Em 1.050 localidades onde hoje o serviço individual é disponível, a demanda efetiva é quase nula. Em comunidades entre 600 e 650 habitantes, a demanda também é muito baixa. A meta de qualidade de no máximo 2,5% de reparos por ano que passará a ser de 2% a partir do fim deste ano, por linha, por área de numeração também é responsável por projetos de engenharia conservadores, e conseqüentemente caros. Ela exige que o tempo médio de reparo de uma linha seja de 50 anos !!! Confiabilidade 10 extremamente complexa de ser obtida em equipamentos e linhas sujeitos a todas as intempéries. Se comparado com médias de qualquer tipo de país, inclusive os ricos, (média de 10,5% ao ano em 2001 - UIT), esse percentual é muito alto. FIGURA 6 - ACESSO RESIDENCIAL Telefones fixos 100 Computadores 95 81 76 46 41 9 A B C DE A Acesso à Internet B C 1 DE Acesso a Banda Larga 73 31 4 A B C 16 0 DE A 4 B 0 C 0 DE Fornecer acesso a comunidades remotas onde hoje não existe nem mesmo energia elétrica comercial disponível pode ser um objetivo social válido. No entanto, manter o serviço nessas localidades exige um investimento pesado, ainda mais com as metas atuais de disponibilidade e de qualidade exigidas. A Telemar atende 800 localidades nessas condições através de painéis solares. E, infelizmente, um grande número de roubos é registrado. Somente no Pará onde existem 85 localidades sem energia, em julho e agosto desse ano, 15 dessas localidades foram objeto de roubo – desde baterias à totalidade dos painéis, a um custo de reposição superior a R$ 150 mil por painel. Além disso, mais de 860 localidades são atendidas via satélite. Esses e outros exemplos indicam que a fase heróica de expansão do acesso telefônico já trouxe, junto com todos os benefícios, principalmente para as classes de menor renda, uma ineficiência de alocação de investimentos, que onera o serviço como um todo. De qualquer modo, verifica-se (Figura 6) que a renda per capita é a principal alavanca de acesso aos serviços telefônico e a outros serviços mais sofisticados de telecomunicações. 11 O DESAFIO Como então enfrentar o desafio da continua universalização do acesso aos serviços de comunicações – em particular o de voz – além do atual patamar, conforme expresso nos desejos do governo federal? Na gráfico abaixo (Figura 7) estão referenciadas as duas principais dimensões do desejo a conquistar : o da pobreza e o isolamento geográfico. FIGURA 7 – MODELO CONCEITUAL “Gap” de Acesso Pobreza Político e Socialmente Desejável Comercialmente viável Isolamento Geográfico Na figura seguinte (figura 8) está ilustrada, nessas dimensões e em relação ao acesso de serviços de voz, a atual situação brasileira. De um certo modo, nas condições atuais, a fronteira da prestação de serviços comercialmente viáveis está praticamente preenchida, com uma potencial exceção em relação ao celular pré-pago. Ao mesmo tempo é indicado que tanto o fornecimento de acesso individual como de acessos públicos (TUPs) já foi universalizado além desta fronteira, para atendimentos e regiões onde a receita do fornecimento do serviço não paga o custo. As metas de expansão universalização de acesso do PGMU 03 => 05 expandirão ainda mais essa fronteira. Novos serviços de telecomunicações, inclusive de acesso a Internet e a serviços de banda larga, poderiam ser colocados nesse mesmo gráfico.Desse uma maneira praticamente óbvia, as soluções mais adequadas devem tentar estender ao máximo a área do comercialmente viável e reduzir ao mínimo o custo de prover acesso nas regiões onde isso não é possível. FIGURA 8 – MODELO CONCEITUAL - SITUAÇÃO BRASILEIRA ATUAL 12 “Gap” de Acesso Pobreza Político e Socialmente Desejável Comercialmente viável Acesso Celular Pré Pago Acesso Público (TUP’s) Metas de expansão de acesso (PGMU 03/06) Residências com Acesso Individual Isolamento Geográfico Vamos analisar a pergunta inicial deste capítulo sob diversas perspectivas: Pela Demanda : Renda / Subsídios / Impostos Pela Oferta : Redução de Custos / Tecnologia Pela Oferta : Diversidade de Opções Pela Eficácia : Custo / Benefício – Soluções Focadas PELA DEMANDA : RENDA / SUBSÍDIOS / IMPOSTOS Renda - A solução mais duradoura para obter maior abrangência do acesso ao serviço telefônico adviria quase que naturalmente do crescimento econômico do país, principalmente se associado a uma distribuição de renda mais justa e equitativa. Infelizmente, isso só será viável no longo prazo, como resultado de uma ação firme e consistente com esses objetivos. Recursos Orçamentários - Outra alternativa seria utilizar recursos orçamentários do Estado para subsidiar o serviço para usuários de renda baixa. Dadas as outras necessidades mais prementes dessas pessoas (alimentação, saúde, educação...), é fácil perceber que essa possibilidade é muito restrita. Carga Tributária - Uma terceira alternativa, que teria efeito semelhante à anterior, seria reduzir a carga tributária, em particular o ICMS, sobre serviços de telecomunicações. Como visto, esses impostos oneram sobremaneira o serviço. Com a elasticidade de demanda existente, sua redução traria rapidamente acesso a um número considerável de novas residências. No entanto, dado o peso da contribuição desses tributos no total da arrecadação dos Estados, nada nos permite acreditar que isso ocorra. Diversas mobilizações para obter uma redução foram feitas no passado, ainda que somente para terminais coletivos, argumentando que esses geram menos de 10% da arrecadação e que são usados pela parcela mais pobre da população. Mesmo assim, muito 13 pouco foi conseguidov. Hoje, na realidade, os serviços de telecomunicações estão entre os maiores contribuintes da receita dos Estados, em níveis muito superiores a essa contribuição em países mais ricos. FUST - A liberação dos recursos do FUST tem se demonstrado difícil, ultimamente devido a aspectos legais. A atual tentativa de solução nos parece demasiadamente complexa e ilógica. Criar um novo serviço universal de acesso em banda larga tendo por origem a decisão do TCUvi de 13 de agosto, que tem objeto principal o de liberar recursos do FUST, parece um contra-senso. Ainda mais se colocada na perspectiva da dificuldade e da falta de recursos para prover acesso universal a um serviço bem mais simples e barato como a telefonia. Nenhum país do mundo formalizou esse desafio em textos legaisvii, exatamente pela necessidade substancial de recursos para alcançá-lo. Países como o Estados Unidos e a Inglaterraviii não incluíram, em suas recentes revisões das obrigações de universalização, o acesso a Internet através da telefonia discada a 56 kbit/s exatamente pelo custo adicional requerido para incrementar a rede das operadoras de forma a permitir esse acesso. No entanto, prover acesso a Internet a escolas e hospitais gradualmente, com acesso discado ou de banda larga, nos parece um objetivo a ser perseguido. As soluções para o presente desafio da universalização têm que ser procuradas dentro de outras ópticas que não a acima. PELA OFERTA : REDUÇÃO DE CUSTOS / TECNOLOGIA Outra dimensão potencial para ampliar o acesso ao serviço seria através da redução do custo das tecnologias de acesso, já que a maior parte dos investimentos necessários estão associados a esses elementos. O gráfico abaixo (Figura 9), originado de um trabalho do Banco Mundialix apresenta algumas das tecnologias básicas de acesso em função da distância das centrais e da densidade de usuários. Vamos nos deter em três delas: satélite, rádio multi-acesso e telefonia celular. As duas primeiras são mais críticas para áreas remotas. A celular, conforme veremos a seguir, é hoje um importante componente no atendimento a serviços de voz em áreas de maior densidade. 14 FIGURA 9 – AS DIMENSÕES DO ACESSO Satélite Área de baixa densidade Celular e Sem-fio Rádio Multi-acesso Vantagens semfio para multiacesso & satélite Área de alta densidade Fio Normal Fio & Microondas, Cabo ou Fibra Distância da central Satélite - Para comunidades mais isoladas, o uso de satélite é ainda a opção mais barata. No entanto, apesar da redução significativa de custos desta solução na ultima década e de alguns projetos pioneiros de tentativa de universalização de acesso por esta tecnologia, o provimento de serviços de comunicação por satélite continua a ser substancialmente mais caro que os tradicionais em áreas de maior densidade. Somente uma redução substancial de custo possibilitaria o seu uso, em áreas remotas de renda baixa, sem subsídios. Isso não parece viável a curto prazo. Rádio multi-acesso - Para comunidades remotas, mas não tão isoladas, a solução economicamente mais adequada é a da utilização de transmissão por rádio multi-acesso, a partir de comunidades já conectadas a estas. O componente de transmissão rádio se demonstra o elemento principal de custo desse atendimento. No entanto, mais uma vez é uma solução cara. Em países de dimensão continental, como o Brasil, os rádios são elementos importantes da rede. Um potencial desafio tecnológico para o país, associado a demanda concreta desses equipamentos para atender a interconexão de comunidades menores, seria tentar desenvolver tecnologias de rádio de melhor custo / performance. Mais uma vez a possibilidade, porém, de atingirmos um nível de custo que viabilize o serviço sem subsídios parece também remota. Aparelho celular - Em comunidades de maior densidade populacional, o acesso através da telefonia celular tem se demonstrado cada vez mais importante. Nesse acesso, o custo do aparelho celular é o elemento mais significativo. O investimento em infra-estrutura para a incorporação de usuários de renda baixa é relativamente pequeno, devido ao baixo tráfego desses aparelhos em um sistema pré-pago com tarifa elevada. Qual seria, então, a esperança de contarmos com celulares mais baratos ? Os fabricantes mundiais desses aparelhos vêm se concentrado no provimento de terminais para a faixa de renda mais alta da população, hoje da ordem de 1,1 bilhão de pessoas. 15 Como se prevê ainda um aumento substancial dessa base, isso poderia indicar que o desenvolvimento de modelos mais baratos seria um objetivo importante e atingível. No entanto, a maioria dos lançamentos tem sido de celulares de menores dimensões, maior funcionalidade e mais facilidades para incorporação de novos serviços, a exemplo das telas coloridas e da capacidade de tirar fotos. Esta dinâmica lembra a dos computadores pessoais (PCs), em que a mesma dinâmica de funcionalidade (Microsoft + Intel) limitou muito a queda do preço unitário. A concentração da fabricação de celulares em poucas empresas, as economias de escala necessárias e o potencial risco de canibalização das vendas nos momentos de substituição de aparelhos mais caros por outros de custo baixo fazem vislumbrar que não será do interesse desses fabricantes – a menos de dinâmicas novas – a redução de modo significativo do preço desses aparelhos. Isso marginaliza os usuários e países mais pobres. Deste modo, infelizmente também aqui, apesar de existirem possibilidades concretas, há pouca esperança de mudanças muito radicais no curto prazo, a menos talvez da China... PELA OFERTA : DIVERSIDADE DE OPÇÕES Uma direção bem mais frutífera no desafio da universalização do serviço fixo comutado é a de mudar o âmbito deste desafio, pois na prática isto já está sendo feito. O conceito da universalização através da telefonia fixa comutada advém da experiência dos países ricos e da dificuldade de prever-se, há cinco anos, a enorme taxa de crescimento da telefonia celular, em particular dos pré-pagos, no Brasil e no mundo. A maioria dos países ricos tinha, vinte anos atrás, uma penetração de telefonia fixa da ordem de 50% das residências, menor que à brasileira hoje. Somente na década passada este percentual cresceu para acima de 90%. Assim sendo, quando houve a privatização do setor nesses países, o desafio de universalização do STFC estava praticamente superado. Nesta mesma época, a taxa de penetração da telefonia celular era muito baixa. Desta maneira, o conceito de universalização adotado por nós, herdado do dos países ricos, apesar da flexibilidade demonstrada na exposição de motivos da LGT, foi o de acessos fixos (STFC) em residências.x O crescimento da telefonia celular, como é sabido, tem sido impressionante. Hoje não só no Brasil, como em todo mundo, há mais telefones celulares que telefones fixos. Previsões de crescimento de celulares, como as da UIT, indicam para os próximos anos um crescimento substancial (de 1.154 milhões em 2002 para 1,76 bilhão em 2005), contra um crescimento bem mais limitado na telefonia fixa (de 1,098 bilhão em 2002 para 1,15 bilhão em 2005). Uma serie de características da telefonia celular continuam a garantir o seu crescimento. Uma certamente é a sua conveniência, mesmo que somente para receber ligações. O custo de interconexão das ligações de telefones fixos para as redes celulares, principalmente na Europa e também no Brasil, é alto. Deste modo, ligações de telefones fixos para telefones celulares trazem aos operadores celulares uma receita considerável. Por isso, mesmo os telefones pré-pagos, que geram pouca ou mesmo nenhuma receita de tráfego originado, são lucrativos para as operadoras celulares. Se incluirmos o fato de que no Brasil o usuário pode fazer ligações a cobrar de modo automático a partir do seu celular, podemos perceber que existe um “novo” serviço – para receber ligações: celular pré-pago, isto é sem custo para o assinante de assinatura mensal, idem para capturar recados. Para 16 originar ligações : ligações a cobrar do celular, também sem custo para o usuário, ou utilização do telefone público. Este serviço de custo muito baixo, a menos da aquisição de um aparelho, é muito interessante para um usuário de renda baixa que não queira ou não possa ter o compromisso mensal de pagar a assinatura de um telefone fixo. O acesso ao serviço é feito, na realidade, pela compra de um bem, o telefone, comportamento semelhante ao usado para aquisição de outros bens como geladeira e televisão de forte, penetração em famílias de renda mais baixa. Pesquisas da Telemar e os dados da PNAD 2002, onde se verifica que 8,8% das residências hoje só dispõem de telefone celular, corroboram com essa percepção.xi Essa conscientização de que a universalização pode e está sendo feita com mais alternativas, por meio de novos serviços e não somente do STFC, permite um maior otimismo em relação ao seu sucesso. A telefonia celular na sua modalidade pré-pago com ligações automáticas a cobrar e alto custo de interconexão de rede – portanto indiretamente subsidiada –, em uso simbiótico com a telefonia fixa, só tem limite no preço do aparelho ou as áreas de cobertura da telefonia móvel. Modelagem interessante, com objetivo de dar acesso a comunidades remotas, foi adotada no Chilexiixiii. Neste país, o regulador, através do seu Fundo de Universalização, criou condições para provimento de acesso através de telefones públicos (TUPs), entre 1995 e 2000, para 6 mil comunidades rurais. O elemento mais importante na modelagem utilizada foi prover um custo de interconexão para essas comunidades semelhante ao das redes celulares, isto é, exercitando o instrumento usado no celular de subsídio indireto – simbiótico através da telefonia fixa. O método utilizado foi realizar, ao longo dos anos, um conjunto grande de licitações nas quais a empresa que pedisse a menor remuneração do fundo ganharia a concessão. O requerido das empresas era garantir a disponibilidade de um telefone público por 10 anos nessas comunidades. O interessado também receberia, caso desejado, o direito de explorar serviço de telefone fixo individual, Internet, freqüências. A medida que comunidades mais remotas foram incluídas, o recurso mínimo solicitado ao fundo cresceu substancialmente, em uma relação de 1 a 40 por TUP instalado. Desse modo, novas concepções de universalização, não “clássicas” e não necessariamente através da telefonia fixa comutada, mas normalmente de modo simbiótico com esta, estão trazendo uma expansão considerável no acesso aos serviços de comunicações. Para os países mais pobres, este entendimento da natureza do desafio permite uma abordagem mais ampla e dá uma maior esperança no acesso a serviços de telecomunicações. PELA EFICÁCIA : CUSTO / BENEFÍCIO – SOLUÇÕES FOCADAS Fora das áreas onde é comercialmente viável oferecer serviços de telecomunicações, o componente mais importante do desafio é reduzir ao mínimo o custo de prover acesso nas regiões / populações onde isso não é possível. Isto requer estabelecer metas eficazes e pragmáticas de universalização. Uma vez encerrada a fase heróica da expansão, onde a demanda reprimida facilitava uma solução, é preciso formular com grande cuidado os desafios a serem propostos. Metas que podem parecer justas e razoáveis, em sua 17 formulação, nem sempre têm o efeito desejado quando aplicadas, principalmente por conta das dificuldades, já abordadas, que a limitação e concentração de renda e a extensão territorial brasileira representam. De modo a ilustrar essa questão, vamos utilizar a proposta de prover acesso local à Internet em todos os municípios do país, na forma do projeto 0i00, colocada em consulta pública pela Anatel, e em fase de análise final pela agência. 0i00 - A Figura 10 apresenta o número de domicílios urbanos por faixa de renda nos municípios da região da Telemar nos quais há hoje acesso local a Internet (porque possuem portas da rede IP da operadora) e também os domicílios onde esse acesso não é disponível. Na Figura 6, já apresentamos a média de residências por faixa de renda que têm acesso à Internet no Brasil. FIGURA 10 - ACESSO LOCAL À INTERNET EM TODO O BRASIL (0I00) - O CASE NA TELEMAR Domicílios com rede IP Número de domicílios urbanos % A 3% B 13% Penetração estimada de Internet* % Domicílios urbanos mil Domicílios sem rede IP Domicílios urbanos sem IP mil Penetração potencial de Internet* % 491 73% 97 73% 1.595 31% 516 31% C 26% 2.771 4% 1.438 4% D 40% 3.437 0% 3.049 0% E 18% 1.254 0% 1.718 0% 964 mil domicílios com acesso local à Internet Demanda potencial de 289 mil domicílios para acesso local à Internet Assumindo que essa mesma distribuição seja valida para a região da Telemar, pode-se estimar em aproximadamente 960 mil domicílios que teriam hoje esse acesso e em 289 mil domicílios passariam a utilizar a Internet, caso houvesse acesso local. A maioria desses domicílios seria das classes A e B. Os 4,76 milhões de domicílios das classes D e E que seriam agregados à área de cobertura com acesso local continuariam sem acesso, da mesma forma que os 4,7 milhões que hoje poderiam acessar localmente a rede IP e não o fazem. Por falta de renda. O investimento necessário para ampliar a rede IP na região da Telemar para todos os municípios, estimado em mais de R$ 1 bilhão, demandaria um aumento da ordem de 15% no valor das assinaturas básicas, a ser pago por todos os clientes, sem distinção de classe. 18 Esse aumento beneficiaria, na realidade, apenas 2% dos usuários residenciais – os 289 mil domicílios que passariam a ter acesso local à Internet. O desafio de ampliar a disponibilidade de acesso local, portanto, é aparentemente bom, mas se efetivado traria um efeito social na realidade negativo. Esses investimentos beneficiariam apenas os usuários de classes A e B, em detrimento de um custo incremental do serviço, que afetaria principalmente as pessoas de renda mais baixa, muitas das quais estariam incapacitadas de continuar a dispor de seu telefone fixo. Por isso, a obrigação de acesso local à Internet em todo o país, nas condições atuais, seria altamente injusta. PGMU (2003 => 2005). Outro exemplo que merece revisão é o das obrigações adicionais do atual PGMU (2003 => 2005). Por este plano de metas de universalização, ao final de 2005 as concessionárias terão que atender solicitações de acessos individuais, em cidades com mais de 300 habitantes, em até uma semana e prover acessos coletivos (TUPs), em cidades com mais de 100 habitantes. Nas cidades com mais de 300 habitantes, as pessoas deverão ter acesso a um telefone público a menos de 300 metros. Na região da Telemar estima-se em 7.600 as localidades entre 100 e 300 habitantes das quais 3.400 já são atendidas por acesso coletivo. Do mesmo medo estima-se em 4.700 o numero de localidades entre 300 e 600 habitantes das quais 450 já atendidas por acesso individual. Restam pois a atender da ordem de 8.500 localidades. O ganho social de estender o acesso a telefones públicos para as comunidades entre cem e 300 habitantes, apesar do alto investimento não rentável, tem por mérito permitir interligação de comunidades hoje mudas, com todos os ganhos sociais e econômicos daí advindos. Isto é, provavelmente, o custo – benefício é adequado, apesar do subsídio necessário. Mas o benefício social resultante da meta de estender o acesso a telefones individuais, em comunidades entre 300 e 600 habitantes, será muito baixo, principalmente porque muito poucas pessoas terão renda para contratar esse serviço. A experiência do Chile colabora com essa percepçãoxiv. No Chile, a obrigação para pequenas áreas rurais foi de prover um acesso coletivo (TUP) e não foi colocada nenhuma obrigação de atender acessos individuais, a menos que as operadoras desejassem fornecer este serviço. A relação deste provimento foi de 1,13% acessos individuais por 100 habitantes. 6.000 comunidades, compreendendo 2,2 milhões de habitantes e 25 mil linhas individuais. Para atender essa meta, será preciso implantar rotas de transmissão de rádio ou satélite capazes de permitir uma demanda de tráfego individual, todas soluções de alto custo, simplesmente pelo potencial de existirem usuários demandando acesso individual. O investimento para cumprir essa meta, comparado ao provável pequeno número de pessoas beneficiadas, sugere que certamente será possível utilizar esse mesmo investimento em outros serviços, como por exemplo acesso à Internet a escolas, com benefício social muito superior. O foco das novas metas de universalização do setor deve, portanto, se voltar a soluções pragmáticas, geralmente de menor escala, focadas em iniciativas que maximizem os benefícios reais para as classes mais necessitadas. Para isso, alguns cuidados devem ser tomados: 1) As metas devem ter, a priori, um claro entendimento do custo-benefício econômico / social, ou seja, seu custo estimado tem que ser compatível com os benefícios gerados. No modelo atual do setor, as concessionárias têm a obrigação de realizar o 19 investimento para cumprir as obrigações impostas pelo poder concedente. No entanto, também têm o direito de – caso não haja um retorno econômico no fornecimento do serviço, como nas obrigações de universalização – obter uma remuneração adequada por esse investimento adicional, quer através de recursos adicionais do governo, quer através de repasse às tarifas, gerando ônus para todos os assinantes. Esse ônus tem que ser compatível com o benefício social obtido. 2) Deve haver eficácia na formulação para melhor gestão dos recursos, ou seja, é necessário fazer o máximo com o menor investimento possível. Objetivos macro são mais fáceis de serem formulados, mas não necessariamente os mais eficazes. Considerações sobre o perfil temporal da demanda a fornecedores e de uma política industrial devem também fazer parte da formulação. CONCLUSÃO A primeira fase da universalização do acesso no Brasil, que chamamos de fase heróica, por conta dos investimentos realizados e dos resultados alcançados, se encerrou. Não é mais possível desenvolver políticas para ampliar o acesso da população aos serviços de telecomunicações – sejam telefones fixos ou Internet – com grandes objetivos, definidos sem levar em conta a heterogeneidade das regiões atendidas pelas operadoras e o real efeito dos investimentos a serem realizados. Graças à política de universalização, a densidade de telefones fixos no Brasil é superior a que seria permitida por sua estrutura de renda e pelas desigualdades regionais. Essa expansão, no entanto, encontra um limite quase intransponível na baixa renda da maioria da população brasileira. O crescimento sustentado do país e medidas para reduzir a concentração de renda poderiam incluir milhões de pessoas na base de usuários de serviços de telecomunicações, mas não são soluções simples nem prováveis no curto e médio prazo. Para continuar a ampliar rapidamente o acesso, seriam necessários substanciais investimentos do Estado ou uma redução expressiva da carga tributária sobre o setor. Como essas alternativas também são remotas, resta abandonar a fase heróica de expansão e começar uma nova fase, com a busca de soluções focadas e uma gestão regulatório micro. As novas obrigações, ao contrário de algumas recentemente formuladas, devem priorizar acessos de uso coletivo e levar em conta uma visão mais realista do custo financeiro envolvido e dos benefícios sociais efetivos. Se essa equação não for montada de modo adequado, o país, que não tem recursos sobrando, corre o risco de investir mais do que o necessário em soluções não eficazes. 20 21 i NOTAS e REFERÊNCIAS ITU – World Telecommunications Development Report – 2002 – Reinventing Telecoms – Março 2002 ii ITU – World Telecommunications Development Report – 1998 - Universal Access – Março 1998 iii Telecommunicatios and Information Services for the Poor – Towards a Strategy for Universal Access – World Bank - Juan Navas- Sabatter et all – April 2002 – pg 10 iv Idem ref 1 v Nos Estados da Bahia, Pernambuco e Sergipe o ICMS para cartões é de 25% e para outros serviços de telecomunicações de 27%. vi Em uma decisão de 13.08.03, contrária ao parecer do Ministério Público, o TCU entendeu que os recursos do FUST devem ser regulados pela Lei Geral de Telecomunicações e não pela Lei de Licitações. Nesta decisão, o ministro afirmou que para atender os objetivos do FUST e utilizar os seus recursos do FUST. seria necessário criar um novo serviço universal de telecomunicações - acesso por banda larga e que para tal o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá publicar um decreto formalizando esse serviço e posteriormente um novo Plano Geral de Outorgas e de um Plano Geral de Metas de Universalização para esse novo serviço. vii A Islândia foi o único páis do mundo a colocar como obrigação a disponibilização universal de linhas ISDN (128 kbbit/s) em agosto de 2000 e estar considerando agora estender essa obrigação a 2 Mbit/s) . Birth of Broadband – ITU - Internet Reports – Setembro 2003. viii OFTEL – Review of Universal Telecommunication Services – September 2000 ix Telecommunicatios and Information Services for the Poor – Towards a Strategy for Universal Access – World Bank - Juan Navas- Sabatter et all – April 2002 – pg 17 x Exposição de Motivos da LGT - “A idéia da universalização do acesso contempla duas situações genéricas: Serviços de telecomunicações individuais, com níveis de qualidade aceitáveis, devem ser fornecidos, a tarifas comercialmente razoáveis, dentro de um prazo razoável, a qualquer pessoa ou organização que os requisitar Outras formas de acesso a serviços de telecomunicações...àquelas pessoas que não tiverem condições econômicas de pagar tarifas comerciais razoáveis por serviços individuais Na primeira dessas situações, as tarifas cobrem os custos operacionais e proporcionam retorno comercialmente atrativo ao capital investido, de modo que os provedores de serviço buscarão, normalmente, satisfazer a esses clientes como parte de sua estratégia de negócios. Já a segunda situação diz respeito àqueles casos em que o custo de prover o acesso físico seja elevado...ou em que os clientes potenciais disponham de renda inferior à que seria necessária para criar uma oportunidade de investimento atrativa para algum provedor se serviço. Nesse caso, o acesso a serviços de telecomunicações poderá requerer algum tipo de subsídio...” xi Pela PNAD 2002 a porcentagem de residências somente com telefone móvel do total de residências com telefone no Brasil é de 14,2%. Em regiões mais pobres de nosso pais como a norte e nordeste esse percentual é respectivamente bem mais alto 22,3% e 18,7% enquanto que em regiões mais ricas como a sudeste é de 10,7%. Esses dados mais uma vez sugerem da importância do celular como instrumento de universalização. Em agosto de 2003 pré pagos compunham 74% da base total de celulares no pais. xii Closing the Gap in Access to Rural Communication : Chile 1995 – 2002 – World Bank – Bjorn Wellenius – Nov 2001 xiii Model Universal Services / Access – Policies, regulations and Procedures – Part II: Minimum subsidy competitive auction mechanisms for fundinf public telecommunicatios Access in rural áreas and tariff / interconnection regulation for the promotion of universal services / Access. UIT / CTU - Edgardo Sepulveda – Novembro 2002 xiv No Chile, onde a obrigação as empresas de telecomunicação era para pequenas áreas rurais somente a de fo colocar um TUP, ficando para estas caso desejado fornecer o serviço individual , a demanda econômica foi de 1,13% - 6.000 comunidades, compreendendo 2,2 milhões de habitantes e 25 mil linhas individuais instaladas. Fonte : Bjorn Wellenius acima.