Desmistificando os morros: a evolução do cenário da
bicicleta em Belo Horizonte
Augusto Diniz de Ulhoa Cintra Schmidt, voluntário da BH em Ciclo e do Bike Anjo
BH
Introdução
Historicamente, Belo Horizonte nunca foi considerada uma cidade muito favorável à
utilização da bicicleta como meio de transporte, principalmente em função do relevo
muito acidentado. Porém, milhares de pessoas usam a bicicleta para seus
deslocamentos diários na cidade (são os chamados ciclistas invisíveis) e,
recentemente, uma série de iniciativas têm incrementado significativamente o
cenário da bicicleta na cidade. O principal objetivo deste artigo é tentar responder a
pergunta: “o fato de Belo Horizonte ter muitos morros é uma barreira para a
expansão do uso da bicicleta na cidade?” e mostrar as iniciativas que estão
transformando a capital mineira em uma “cidade que pedala”.
Desmistificando os morros
A maioria dos ciclistas urbanos de Belo Horizonte dirá que é uma simples questão
de costume: em cerca de um mês é possível se acostumar com os constantes
“sobes e desces” da cidade. Tudo isso se torna mais fácil com a tecnologia das
marchas - hoje a maioria das bicicletas vendidas conta com pelo menos 21 marchas,
ajudando em muito nas subidas.
Além disso, vale ressaltar que grande parte das principais avenidas de BH
(Andradas, Pedro II, Silva Lobo, Barão Homem de Melo, Silviano Brandão, etc) são
praticamente planas (estão em fundos de vale), possibilitando a ligação das regiões
da cidade sem grandes aclives. As declividades do relevo de 0 a 15% nos eixos
norte, leste e oeste correspondem a cerca de 55% da área englobada, localizandose nessas regiões os principais eixos viários apropriados para a expansão da rede
cicloviária municipal (BHTRANS, 2007). A Figura 1 mostra o mapa de declividades
de Belo Horizonte.
Há ainda a possibilidade da intermodalidade: com uma bicicleta dobrável ou
utilizando as bicicletas compartilhadas é possível fazer parte do trajeto de bicicleta e
o restante de transporte público. Além disso, os modelos de bicicletas elétricas, cuja
tração auxiliar ajuda muito nas subidas, tendem a ficar mais populares à medida em
que os preços caem. Se tudo isso ainda não der certo, basta “descer e empurrar”.
Figura 1 - Mapa de declividades de Belo Horizonte (BHTRANS, 2007)
A evolução do cenário da bicicleta em Belo Horizonte
Até 2009, BH possuía apenas cerca de 23,8 km de ciclovias (BHTRANS, 2014). A
partir de 2011, foi colocado em prática o projeto Pedala BH (criado em 2006), e hoje
já são 70,4 km (BHTRANS, 2014). Apesar de ainda poucas e com qualidade
questionável (ESTADO DE MINAS, 2012), são um sinal de que a bicicleta como
meio de transporte começa a ser reconhecida pelo poder público. Em função
principalmente dos inúmeros problemas encontrados nas ciclovias, foi criado o GT
Pedala BH, que reúne ciclistas e BHTrans (empresa reponsável pelo trânsito em BH)
todos os meses para discutir o programa de mobilidade por bicicletas do município.
Desde junho de 2014, a cidade também conta com um sistema de bicicletas
compartilhadas,, que vem incrementando o uso da bicicleta.
Apesar de ainda existirem
xistirem poucas pesquisas a respeito do aumento do uso da
bicicleta em Belo Horizonte, alguns números já começam a representá-lo.
representá
Segundo
a Pesquisa Origem-Destino,
Destino, o número de viagens de bicicleta realizadas por dia em
BH saltou de 7.661 em 1995 para 24.525
24.525 em 2002, um aumento significativo (cerca
de 220%). Já em 2012 o aumento foi mais tímido, passando para 26.217 viagens de
bicicleta/dia (BHTRANS, 2014). Em termos de porcentagem na divisão modal, a
tendência na última década foi de queda, conforme ilustrado
ilustrado na Figura 2. Uma
reportagem do Estado de Minas
Mina mostra números também significativos:
significativos em
comparação com 2011, ano em que a ciclovia da Savassi foi implantada, em 2014 a
circulação de ciclistas por lá aumentou 146%, de 6,5 ciclistas por hora, em média,
m
para 16 por hora (ESTADO DE MINAS, 2014).
Figura 2 - Índice de utilização do modo bicicleta (BHTRANS, 2014)
Em 2012, foi criada a BH em Ciclo - Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo
Horizonte, que vem atuando na promoção e fomento do uso da bicicleta através da
implementação de uma política pública de mobilidade urbana por bicicletas. Já
houve grandes conquistas, como a aprovação da emenda orçamentária ao Plano
Plurianal de Ação Governamental (PPAG),
(PPAG), que garantiu R$800.000,00 em recursos
para campanhas educativas relacionadas à bicicleta entre 2015 e 2017, algo inédito
na cidade (BH EM CICLO, 2014). Desde 2012 também, a cidade conta com forte
atuação do Bike Anjo, uma rede internacional de voluntários que ensinam pessoas a
pedalar e ajudam
m aqueles que já sabem pedalar, mas querem começar a usar a
bicicleta como meio de transporte.
Desde há muito
uito tempo, existem diversos grupos de pedalada noturna, que fazem
passeios pela cidade, como o RUTs (Rolê Urbano das Terças). Apesar do caráter
marcadamente de lazer, são extremamente importantes, pois muitas vezes
configuram o primeiro contato das pessoas com a bicicleta no meio urbano,
incentivando a sua adoção como meio de transporte. Da sociedade civil vêm
surgindo inúmeras iniciativas, como o Tweed Ride BH e o Pedal de Salto Alto
(pedaladas “Cycle Chic”), o Clube BH Vintage, o Clube Dobrável, o Bike Polo BH, o
Gatos do Asfalto (competições de Alleycat), o Velódromo da Raul Soares
(velódromo improvisado de rua), o Bloco da Bicicletinha (bloco de carnaval que
celebra a bicicleta), o Ciclo Bazar de Rua, o Pedal dos Rôia (pedalada para
iniciantes realizada pelo Bike Anjo BH), o Pedal do Chaves (pedalada para crianças
realizada pelo Bike Anjo BH), o Dizzy Express (entregas por bicicleta), o Atelier
Bicicine (cicloficina popular), a Massa Crítica (celebração, horizontal e sem líderes,
da bicicleta como meio transporte, que acontece em todo mundo, geralmente na
última sexta-feira de cada mês), entre outros.
Em Janeiro de 2014, a Massa Crítica reuniu cerca de 500 participantes, recorde que
foi um marco na história do movimento ciclístico em BH. Este momento está bem
ilustrado na Figura 3.
Figura 3 – Massa Crítica de Janeiro/2014 em BH. Créditos: Edvaldo Aquino
Conclusão
Apesar de ainda de forma tímida, Belo Horizonte tem mostrado avanços no que
tange as políticas públicas de incentivo à bicicleta como modo de transporte. A
sociedade civil tem se organizado e dado um verdadeiro “show” de iniciativas que
celebram esse modal. Aparentemente a existência de morros parece ser mais uma
"barreira psicológica" do que uma "barreira real". É uma “desculpa” mais utilizada por
quem "não pedala" que por quem está pedalando. O uso da bicicleta vem
crescendo, mesmo que timidamente, mas é evidente o enorme crescimento de
movimentos políticos e sociais em favor da bicicleta, o que é um fator que,
seguramente, se desdobrará em mais uso em um curto prazo. Em resumo, o cenário
em geral é promissor e tem mostrado que, sim, é possível pedalar em Belo
Horizonte.
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