SEGURANCA AERONAUTICA
Nº 82
2007-04-27
Meu Caro,
Da minha primeira aula do curso de pilotagem, retive duas ideias principais. A primeira ideia
é uma ideia totalmente pacífica. Avisaram-me que eu iria exercer a minha actividade de
piloto num meio hostil. Não estou a referir-me de maneira alguma a aqueles perigos que
advém de entidades que armadilham a Aviação Geral. Isso, aprendi mais para diante, no
curso. Na primeira lição aprendi os perigos do Espaço onde voamos. Os perigos da Mãe
Natureza.
A segunda ideia, igualmente importante, foi a do Triângulo da Confiança. A confiança PilotoControlador-Manutenção. Uma confiança baseada no respeito mútuo e para a qual cada um
contribui com a sua quota-parte.
Porém, nenhum dos “vértices” se deve imiscuir nas funções e responsabilidades dos outros.
Também sei que há sempre as zonas cinzentas de fronteira que poderão ser zonas de
conflito. Contudo, ninguém está interessado em sustentar conflitos. Todos estarão
interessados em fazer prevalecer o bom senso e a segurança.
A Aviação tal como a conhecemos só pode funcionar se o Triângulo da Confiança for
respeitado. Doutra maneira, o perigo é eminente. Perde-se a Segurança Aeronáutica, esse
bem precioso pelo qual pugnamos todas as semanas.
AS RESPONSABILIDADES DO PILOTO-COMANDANTE
Provavelmente, na segunda lição, aprendi que, depois de Deus, o Piloto-Comandante (Pilotin-Comand), representa o poder máximo dentro do avião.
Pode ler-se na FAR Part 91 §91.3 o seguinte:
a) O piloto-comandante de um avião é directamente responsável por, e é a autoridade
máxima a bordo, pela operação do avião.
b) Numa situação de emergência em voo, que requeira uma acção imediata, o pilotocomandante pode deixar de cumprir qualquer regra desta Parte, na medida do
necessário à manutenção da segurança.
Isto é legislação americana. As regras ICAO são, porém, idênticas. Neste caso, insertas no
Anexo II. Não as traduzimos para não perder o peso da sintaxe e da semântica da língua em
que estão escritas:
“2.3 Responsibility for compliance with the rules of the air
2.3.1 Responsibility of pilot-in-command
The pilot-in-command of an aircraft shall, whether manipulating the controls or not, be
responsible for the operation of the aircraft in accordance with the rules of the air,
except that the pilot-in-command may depart from these rules in circumstances that
render such departure absolutely necessary in the interests of safety.
2.4 Authority of pilot-in-command of an aircraft
The pilot-in-command of an aircraft shall have final authority as to the disposition of
the aircraft while in command.”
Na Aviação Comercial, o piloto-comandante distingue-se facilmente. Afinal, ele usa quatro
galões que o identificam nas suas funções. Na Aviação Geral, nós, normalmente, não
usamos farda e, muito menos, galões. Porém, não é por isso que deixamos de ser pilotocomandante quando efectivamente exercemos essas funções.
Outra coisa que aprendi foi que o Controlador não dá “ordens” ao comandante. Se isso
acontecesse, estar-se-ia a violar o princípio enunciado na alínea a) do §91.3 acima descrito.
Isto não significa, porém, que o piloto não tenha de seguir as instruções do Controlador.
Porém, o piloto só as segue se isso, por exemplo, não representar um perigo para a
aeronave. Quem pilota o avião, afinal é ele. É neste jogo de responsabilidades que está a
beleza do Triângulo da Confiança. Tem de haver confiança mútua entre o Piloto e o
Controlador para que a navegação aérea decorra com a segurança que todos desejamos.
Porém, é preciso saber quem é quem neste jogo. Nenhuma das partes pode ser
irresponsável ao ponto de interferir nas funções da outra.
Volto a frisar: o piloto-comandante de um avião é directamente responsável por, e é a
autoridade máxima a bordo, pela operação do avião. Não exercer as suas funções é uma
quebra grave das suas responsabilidades. Nunca deixes de as assumir conscientemente.
Porém, nunca deixes de respeitar a função “Controlador”. É óbvio porquê.
Contudo, há uma situação em que o piloto-comandante passa, definitivamente, a ser
soberano. Uma situação de emergência em voo. Porém, não basta que consideres que
estás numa situação de emergência. Naturalmente, tens de declarar essa situação de
emergência. Só assim todos os intervenientes poderão perceber que estás efectivamente
em emergência. A partir desse momento, aplica-se o conceito expresso na alínea b) do
§91.3.
Para melhor concretizarmos ideias vou relatar-te um facto ocorrido nos USA, no ano
passado. Trata-se de uma situação ocorrida no domínio da Aviação Comercial, mas podia
ter-se passo no universo da Aviação Geral. O facto de ter ocorrido no domínio da Aviação
Comercial só agrava as prevaricações.
Em Agosto de 2006, um comandante de um Boeing 757 da American Airlines declarou uma
emergência e avisou o Controlador que necessitava aterrar de imediato devido a um
problema de combustível. Uma situação típica da alínea b) do §91.3.
No momento em que declarou a emergência, o avião estava a norte do Aeroporto
Dallas/Fort Worth Internacional. Como tal o comandante solicitou um “straight-in approach”
para uma aterragem directa na pista 17C. O Controlo, porém, instruiu o piloto para executar
um circuito normal para aterragem na pista 31R. Como é fácil de perceber, esta manobra
implicou mais uns quantos minutos de voo.
Como resultado, o Controlador foi justificadamente punido por usurpar a autoridade do piloto
numa situação de emergência. Contudo, o piloto-comandante procedeu igualmente mal por
ter obedecido às “ordens” do Controlador. Afinal, a emergência não era uma qualquer
emergenciazinha. Os sistemas do avião tinham avisado uma situação de possível falta total
de combustível o que, naturalmente, obriga a uma aterragem imediata. Afinal, o que o terá
levado a seguir as instruções do Controlador? Numa situação destas a única atitude
possível ao Piloto-comandante era informar o Controlo de Tráfego Aéreo, dum modo
inquestionável, que devido à situação de emergência iria mesmo fazer um “straight-in
approach” à pista 17C. Parágrafo.
Ao Controlador competia exercer as suas responsabilidades, afastando, de imediato, todo o
tráfego conflituante. Afinal, numa situação em que o Piloto-comandante declare uma
emergência, o espaço aéreo e o aeroporto ficam completamente à sua descrição.
Esta situação vem demonstrar uma desagradável tendência dos Pilotos-comandante em
deixar usurpar funções que são da sua respectiva responsabilidade. É bom que tenhas isto
em mente. Também é bom que tenhas em mente que estas situações são muito complexas
e que tens de estar absolutamente certo que tomas a atitude correcta, exercendo e
assumindo as tuas responsabilidades. Porém, se achares que a tua emergência é
suficientemente válida, nunca deixes de exercer os teus privilégios de Piloto-comandante. É
uma obrigação.
Este caso acabou em bem pois, felizmente, tratou-se duma simples avaria no sistema de
medição de combustível. E se não fosse? Talvez tivesse acabado do mesmo modo que o
voo Avianca 052 que se despenhou sobre New York, sem combustível, enquanto se discutia
a ordem de aterragem.
O FAA (entidade responsável pelo controle de tráfego aéreo) admitiu o erro e os
Controladores foram submetidos a um curso de refrescamento.
Este incidente serve para te pedir duas coisas:
a) Nunca deixes de assumir as tuas funções de Piloto-comandante. Afinal é uma
obrigação que tens.
b) Nunca deixes de respeitar o “Triângulo da Confiança”
Dois conselhos do Fernando. Afinal só assim manténs a segurança de voo. 4
Deixa-me terminar recomendando-te que te associes à AOPA Portugal. Perguntarás, de
imediato, como o poderás fazer. Visita o site da AOPA Portugal em www.aopa.pt e manda
as tuas perguntas para o Presidente da AOPA Portugal através do seguinte e-mail address:
[email protected]. Gostaria de contar com a tua presença na nossa AOPA. 4
Como sempre, um abração do
Fernando
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