_____________, 18 de setembro de 2014 Ao Ministério Público Federal, Procuradoria da República do Estado de ______________. A Articulação Popular “São Francisco Vivo” (SFVivo), composta por dezenas de entidades representativas, movimentos, pastorais, comunidades e ONGs, que tem por finalidade fortalecer as iniciativas populares em defesa da revitalização socioambiental e dos direitos humanos, sociais e ambientais das populações, trabalhadores (as) e comunidades tradicionais da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, vem com base no direito de petição, previsto no Art. 5º, XXXIV, da nossa Constituição Federal, requerer do Ministério Público Federal medidas cabíveis contra os agentes governamentais e privados que violam direitos ao promover ou se omitir frente a degradação da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, mais evidente no atual quadro de estiagem, que agrava, mas não é a única causa da situação das águas da Bacia escassas e poluídas e da situação de pobreza e miséria de muitas comunidades ribeirinhas, conforme os fatos abaixo narrados, que fundamentam essa petição. Com base neles e ao respaldo da Lei Nacional de Recursos Hídricos, requeremos das autoridades competentes uma Moratória para o Rio São Francisco. Reza o Artigo 1º da referida Lei, no 9433 de 08 de Janeiro de 1997, no qual destacamos os incisos III e VI: Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. No conjunto da Bacia Hidrográfica, destacamos: - O baixo volume das águas em quase toda a Bacia coloca em risco a manutenção dos ecossistemas que a compõem, como também o abastecimento humano, a saúde pública e os meios principais de vida de milhares de pessoas e comunidades que dependem destes meios; - A falta de informação e de confiabilidade das informações disponíveis pelos órgãos responsáveis – Agência Nacional de Águas e Órgãos Ambientais dos Estados – referentes às outorgas e usos consuntivos das águas aponta para a necessidade de um amplo estudo, em caráter de urgência, das licenças e dos usos atuais das águas, matas, solos e subsolos da Bacia, em caráter de urgência, para definir parâmetros compatíveis com as demandas “naturais” e das comunidades; - Os grandes projetos que passam por processos de licenciamento ambiental ou que já estão em nível de planejamento pelo Estado, ao nível Federal e nos Estados, e Empresas Privadas acentuam o risco de colapso da Bacia, sendo urgente a verificação dos licenciamentos dos grandes e médios projetos que degradam a Bacia e que aumentam a demanda de água. - Em muitas das bacias afluentes do Rio São Francisco inexistem planos de bacias consolidados, o que dificulta uma análise sistêmica e um controle efetivo por parte das autoridades competentes e da população em vista do planejamento e execução de políticas públicas favoráveis ao rio e ao seu povo. Na região do Alto e Médio São Francisco em Minas Gerais, destacamos: - A barragem de Três Marias está com nível de reserva abaixo de 7%, sob eminente risco de interromper a vazão a jusante. Moradores próximos da barragem apontam que houve erro nas operações da CEMIG agravando ainda mais a situação; - O projeto Hidroagrícola Jequitaí, localizado no rio de mesmo nome, prevê uma barragem de aproximadamente 9.000 hectares de área inundada e um perímetro irrigado de 35.000 hectares. O licenciamento e o EIA/RIMA estão sendo feitos de forma fragmentada, considerando apenas o projeto de barragem, excluindo o de irrigação. Desta forma não foram feitas análises sobre o real impacto deste projeto na região e na Bacia Hidrográfica. E ainda existem possíveis irregularidades e falta de transparência nos processos de licenciamento; - Os usos da água nos empreendimentos do agronegócio e minerários colocam em risco a disponibilidade e qualidade da água restante para os demais usos. Por exemplo, o Projeto Jaíba continua irrigando grandes áreas de cana-de-açúcar para produção de etanol, dentre outros produtos. A baixa vazão e a poluição no Rio das Velhas, que recebe a carga de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte, já estão a causar o fenômeno das “cianobactérias” (algas azuis), que torna imprópria a água para quase todos os usos; - O risco de desabastecimento hídrico e caos social de populações urbanas, como as de Pirapora e de Jaíba. Na região do Médio São Francisco na Bahia, destacamos: - Apesar do Oeste Baiano abrigar a maior parte do Aquífero Urucuia-Areado, responsável por 51% da vazão de base no São Francisco, fonte de recarga de seus últimos grandes contribuintes – rios Carinhanha, Corrente e Grande –, esta região vem sofrendo os impactos da expansão da fronteira agropecuária, com recordes de desmatamento do Cerrado, de contaminação por agrotóxicos e de assoreamento, dos rios afluentes, das lagoas marginais (“criadeiras” dos peixes), das vazantes férteis e da calha principal do São Francisco; - As populações ribeirinhas e geraiseiras – “guardiãs do cerrado” - sentem-se cada vez mais incapazes de lidar com a severidade desta situação para manutenção dos seus modos de vida e de sua contribuição decisiva para a preservação dos ecossistemas do São Francisco. Calcula-se que mais de 1.000 nascentes, riachos e veredas já secaram nos últimos decênios. Rios caudalosos como o Carinhanha já se pode atravessar de motocicleta. Na margem direita o Verde Grande, sugado pela irrigação, corre durante poucos meses ao ano; - Não obstante as denúncias destes impactos se avolumarem nos órgãos responsáveis, inclusive no Ministério Público, têm sido concedidas novas outorgas de água e novas licenças para desmatamento e construção de barragens. Anunciam-se 165 novos barramentos e Pequenas Centrais Hidrelétricas no Oeste Baiano. Como exemplo, citamos o caso da Fazenda Santa Colomba, no município de Côcos-BA, que prevê a supressão de 108.000 ha de Cerrado, onde está sendo construído um canal para retirar água do rio Itaguari, a fim de abastecer pivôs lineares da referida fazenda. Multiplicam-se conflitos por territórios tradicionais entre as comunidades de Fundos e Fechos de Pasto e empresas grileiras, como a Planta 7, em Correntina-BA, e a Estrondo, em Formosa do Rio Preto - BA. Em alguns destas áreas já foram deflagrados processos discriminatórios em que se constatam fraudes nas escriturações destas fazendas. Como mediadores destes conflitos atuam a Coordenação de Desenvolvimento Agrário – CDA e a Procuradoria Geral do Estado da Bahia, em alguns casos, negligenciando os “escandalosos” processos de grilagem; - O alto grau de assoreamento muda a paisagem do rio, as “croas”, bancos de areia, surgem onde havia água corrente, estrangulando braços menores e já ameaçando o leito principal. Ribeirinhos estão a caminhar até 6 km para encontrar água. Comprometido já está o abastecimento de municípios como Bom Jesus da Lapa, Paratinga e Xique-Xique, sendo que este último pode em breve chegar ao colapso hídrico; - Outro importante impacto vivido na região é o comprometimento da navegação, pois o rio que foi símbolo da “integração nacional”, hoje já não possui calado para a navegabilidade de pequenas lanchas. O transporte fluvial de grãos entre Ibotirama e Petrolina já se encontra paralisado, e a travessia por balsas entre municípios como Muquém do São Francisco e Morpará, e Barra e Xique-Xique já vem sendo feita em condições de extrema dificuldade. Na região do Submédio São Francisco na Bahia e Pernambuco, destacamos: - O modelo de hortifruticultura irrigada para exportação adotado na região tem acumulado crescentemente sérias degradações ao Rio São Francisco. A concentração de terras e empreendimentos possibilita os monocultivos, em especial de uva, manga e cana-deaçúcar, com altas doses de agrotóxicos e grandes volumes de água do rio. A euforia lucrativa e o discurso sobre o “Eldorado da Irrigação” obscurecem a realidade de marcantes impactos e injustiças socioambientais. - Estudo de 2007 levantou o emprego na região de 108 agrotóxicos diferentes, classificados em 71 grupos ativos e 44 grupos químicos, sendo 56% inseticidas, 44% considerados como muito perigosos para o ambiente e 18% como extremamente tóxicos para a população. Evidenciou também despreparo na indicação, venda e aplicação dos produtos e falta de fiscalização. (Cf. Cheila N. G. Bedora, Lara O. Ramos, Marco A. V. Rego, Antonio C. Pavão e Lia G. S. Augusto, Avaliação e reflexos da comercialização e utilização de Agrotóxicos na região do Submédio do Vale do São Francisco. Disponível em: http://inseer.ibict.br/rbsp/index.php/rbsp/article/viewFile/1392/1028. Acessado 17/09/14). - É notório o caso da Agrovale (Agro-Indústrias do Vale do São Francisco) que cultiva cana irrigada em uma área de 21 mil hectares no município de Juazeiro (BA), retirando do Rio São Francisco mais de 13 milhões de m³ de água por ano. O valor pago por esta água é insignificante se comparado aos valores pagos pela população local. O site do Comitê de Bacia Hidrográfica do São Francisco informa que a Agrovale pagou somente R$ 9.073,38 no ano de 2012 pelos 13.259.072 m³ da água que tirou do rio. Esta água equivale à consumida pelas populações de Juazeiro e Casa Nova (BA) e Petrolina (PE) juntas. A empresa paga, porém, por esta água 89 vezes menos que a população destes municípios. Além da supressão da caatinga, a Agrovale foi responsável em 1984 pelo vazamento de vinhaça, rejeito de sua produção, que matou 300 toneladas de peixes e alterou irrecuperavelmente os ecossistemas do rio São Francisco abaixo do Riacho Tourão. Crime pelo qual jamais foi punida. Mais recentemente, a empresa iniciou o plantio de cana no Perímetro Irrigado do Salitre, desmatando mais de 2 mil hectares de caatinga e aumentando consideravelmente a retirada de água do Rio São Francisco. - O caso do Rio Salitre é emblemático, uma vez que de último contribuinte perene do São Francisco, passou a retirar dele volumes crescentes de água através de bombeamento para 35 barragens destinadas à irrigação em sua fértil e populosa Bacia. A disputa pela água, que já custou vidas, faz do Vale do Salitre cenário permanente de graves conflitos entre comunidades pobres e empresários, entre usos intensivos, sobrepostos e indisciplinados, sem que autoridades ajam a contento e usuários e comunidades cheguem a consensos pacificadores. - Ao par destes e de outros sérios problemas ambientais na região, como as várias poluições que levam à proliferação das plantas “baronesas”, o assoreamento a montante e a jusante do Lago de Sobradinho e a ocupação ilegal por condomínios nas Áreas de Proteção Ambiental das margens do rio, os altos índices de violência e criminalidade na região questionam o modelo de desenvolvimento e desmentem a propaganda do “Eldorado da Irrigação”. Na região do Baixo São Francisco, em Alagoas e Sergipe, destacamos: - Agrava-se a situação da região última da Bacia, que recebe as consequências dos impactos degradantes causadas ao longo de toda a Bacia, quadro comprovado em várias pesquisas acadêmicas realizadas na região e nas denúncias formalizados junto aos órgãos competentes. Com a redução da vazão em todo o percurso do rio e o consequente avanço do mar na foz, tem sido mais intenso o processo de salinização e de contaminação das águas que ainda restam; - As comunidades mais próximas ao rio têm sofrido maior dificuldade de acesso à água em mínima qualidade. Tais são os casos das comunidades de Potengy, em Piaçabuçu - AL, de Serrão, em Ilha das Flores - SE, de Saramen e de Resina, em Brejo Grande - SE, onde vivem cerca 6.000 pessoas. Entre esses estão pescadores artesanais, quilombolas, parceleiros plantadores de arroz e outros. Devido á implantação de grandes projetos na região, como os Perímetros Irrigados da Codevasf, o Projeto Platô de Neópolis e os de Piscicultura, estes moradores não conseguem mais, mesmo morando à beira do rio, ter uma água de mínima qualidade para o seu abastecimento. Muitos se veem obrigados a atravessar o rio para captar água melhor na outra margem do mesmo rio; outros se dirigem até as dunas, em distâncias de até 2,5 km, para escavar cacimbas em busca de água doce, sendo que já têm encontrado também aí água salobra; - Além da presença maior de espécies marinhas rio adentro em até 50 km da foz, são também mais evidentes, hoje, as mortes de espécies da ictiofauna e da vegetação nas ribeiras, nos brejos e nos mangues da foz. As plantas macrófitas aquáticas, por exemplo, conhecidas popularmente como “cabaceiros”, de suma importância na proteção das áreas de brejo, como também na reprodução dos peixes, estão diminuindo e tendem a desaparecer, suas raízes apodrecendo em consequência do alto nível de salinização das águas; - Algumas causas apontadas pelos atingidos para a péssima qualidade da água são a baixa vazão do rio, em consequência dos excessos nos usos, agravados com a seca, a falta de manutenção e de drenagem dos canais de irrigação que apodrece as águas e o uso indiscriminado de agrotóxicos, entre outros fatores. Com base no acima exposto, encaminhamos essa representação à Promotoria da Justiça Federal de _______________ com a intenção de que sejam tomadas providências quanto aos fatos e responsabilidades mencionados. E reafirmamos aqui, solicitando apoio do Ministério Público Federal, a proposta do Manifesto Moratória São Francisco Vivo, lançado por esta Articulação no dia 27 de agosto de 2014: “Neste momento de gravidade e caos eminentes, exigimos que as instituições dos Governos Federal e Estaduais da Bacia e o Comitê da Bacia declarem MORATÓRIA PARA O RIO SÃO FRANCISCO: suspensão de novos licenciamentos e outorgas de água para grandes e médios projetos e revisão dos já concedidos na Bacia do Rio São Francisco. Propomos que, além de retomar e ampliar o relegado Programa de Revitalização, realizem em caráter de urgência uma avaliação hidroambiental integrada de toda a Bacia, por pesquisadores das Universidades Públicas e técnicos do Estado, e a partir destes dados e informações se definam novos e mais restritivos parâmetros de uso das águas, matas e solos e subsolos da Bacia: 1º) em caráter de emergência, para as águas acumuladas nas barragens, para amenizar a situação atual; 2º) em caráter permanente, para garantir condição de vida para o Rio e o Povo do Rio e evitar a sua extinção.” Atenciosamente, assinatura(s) Nome(s) / Entidade(s) Pela Articulação Popular São Francisco Vivo. _______________, ?? de setembro de 2014.b