1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO LINHA DE PESQUISA: LITERATURA E ENSINO Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos do 3º ano do Ensino médio Luzia Rita Nunes de Lira Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves Campina Grande- PB Dezembro - 2012. 2 LUZIA RITA NUNES DE LIRA Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos do 3º ano do Ensino Médio Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), para obtenção do título de Mestre em Linguagem e Ensino. Orientador: Prof.Dr. José Helder Pinheiro Alves Campina Grande- PB Dezembro -2012 3 FOLHA DE APROVAÇÃO LUZIA RITA NUNES DE LIRA Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos do 3º ano do Ensino Médio Trabalho dissertativo apresentado como requisito para obtenção do título de Mestre em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande. Aprovado em _____ / _____ / _____. Prof. Dr. Jose Helder Pinheiro Alves - UFCG Orientador Profª. Dra. Naelza de Araujo Wanderley – UFCG Examinadora Profª. Dra. LÍlian de Oliveira Rodrigues – UERN Examinadora 4 À minha querida mãe, Raimunda, que, com sua simplicidade e sabedoria, ensinou-me a perceber a grandiosidade e a beleza da vida, além de me fazer acreditar que conseguiria, DEDICO. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, meu refúgio, meu sustento, minha alegria, minha luz; A minha mãe, querido alicerce da minha vida; Aos meus filhos, Humberto e Ana Lis; e a meu esposo, Joscenildo, pela paciência de, muitas vezes, serem privados da minha companhia em decorrência dos estudos; Aos meus irmãos, pela enorme ajuda em tudo, em especial, a Mariana, pelos momentos de escuta de minhas angústias e de meus sonhos; A Gilberlânia, pelo carinho e zelo com que cuidou de minha casa e de meus filhos nos momentos de minha ausência; A minha família como um todo, por sempre acreditar em mim; A todos os amigos que sempre estiveram torcendo por mim; Em especial, ao Prof.Dr. José Hélder Pinheiro Alves, pela amizade, paciência e precisão nos momentos de orientação; Aos membros da banca examinadora, Profª Drª Líliam de Oliveira Rodrigues e Profª Drª Naelza de Araujo Wanderley, pelas valiosas contribuições prestadas ao enriquecimento deste trabalho; A todos os meus professores nesta longa caminhada, pelas contribuições e por fazerem parte da minha formação profissional e humana; A Nadege, por sua indispensável colaboração; Aos alunos da turma da terceira série, pelo aprendizado mútuo; A todos os meus companheiros de turma, pela convivência agradável nos momentos alegres e também nos difíceis. Pelos conselhos, troca de ideias, incentivo e amizade constante, em especial, a Adriana, pela amizade que incentiva. 6 A poesia de cordel é uma das manifestações mais puras do espírito inventivo, do senso de humor e da capacidade crítica do povo brasileiro. (Carlos Drummond de Andrade) 7 LIRA, Luzia Rita Nunes de Lira. Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos do 3º ano do Ensino Médio. Campina Grande, 2012. (Dissertação de Mestrado em Linguagem e Ensino Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades). RESUMO Nesta pesquisa realizamos e relatamos um experimento de leitura de poemas satíricos de Leandro Gomes de Barros, em uma turma da terceira série do ensino médio de uma escola pública da cidade de Teixeira-PB. O objetivo do experimento foi o de estudar e refletir sobre a recepção dos alunos aos poemas satíricos do poeta paraibano, a partir da seguinte problemática: de que forma a leitura de textos da literatura popular repercute entre os jovens leitores? Os textos selecionados foram os folhetos: O dinheiro, O cavalo que defecava dinheiro e As proezas de um namorado mofino; todos de autoria de Leandro Gomes de Barros. Os principais instrumentos de coleta de dados foram questionários respondidos pelos alunos e pela professora de Língua Portuguesa da turma; gravações dos momentos de leitura em áudio e/ou vídeo; diário reflexivo da pesquisadora. Como referenciais teóricos, utilizamo-nos das reflexões de estudiosos como Bordini e Aguiar (1988); Cosson (2009); Colomer (2007); Marinho e Pinheiro(2012) e Zilbermam (2004),no que se refere as implicações para o ensino de Literatura. Acerca da análise da sátira presente nos folhetos objeto da pesquisa, apoiamo-nos nos pressupostos de Bakhtin (1981); Nortrop Frye (1957); Bosi (1988); Salvatore D‟Onofrio (1968). Igualmente, contamos com as contribuições de Curran (1979); Diégues Jr. (1986); Abreu (1999) e Batista (1977) no que se refere ao conhecimento sobre Literatura de Cordel, bem como sobre a obra de Leandro Gomes de Barros. Como base de reflexão para a nossa experiência didática, tomamos as OCEMs (2008) e os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006). Os resultados da pesquisa nos indicam que o tom satírico dos folhetos objeto desta pesquisa pode se tornar um bom aliado na tarefa de formar leitores de literatura. Na leitura de folhetos como O dinheiro, pudemos observar a reflexão em torno de questões como corrupção, suborno e injustiças, fato comprovado pelos pertinentes comentários durante os debates propostos. A contribuição de metodologias embasadas em teorias como a Estética da Recepção está no fato de os alunos se mostrarem mais motivados para o trabalho com a literatura quando percebem que podem se manifestar acerca dos textos, tendo a sua voz como um valor singular diante da leitura. Dessa maneira, eles exercem sua autonomia, tornando-se capazes de descobrir ligações entre os textos e a sua própria experiência de vida. Assim, o leitor passa a conceber a literatura como uma manifestação da experiência humana e, por isso, universal. Palavras- chave: Ensino de Literatura. Sátira. Leandro Gomes de Barros. 8 LIRA, Luzia Rita Nunes de Lira. Satire on Leandro Gomes de Barros: a reading experience with students of the 3rd year of high school. Campina Grande, 2012. (Dissertation in Language and Education, Federal University of Campina Grande, Center for the Humanities). ABSTRACT In this survey we conducted an experiment and report reading satirical poems Leandro Gomes de Barros, in a class of third year of high school at a public school in the city of Tan-PB. The goal of the experiment was to study and reflect on the reception of students to satirical poems of the poet Paraiba, from the following problem: how to read texts of popular literature resonates among young readers? The texts were selected handouts: The money, the horse defecated The exploits of money and a boyfriend wretched, all authored by Leandro Gomes de Barros. The main instruments of data collection were questionnaires completed by the students and the teacher of Portuguese class; recordings of the moments of reading audio and / or video; researcher's reflective diary. How we use the theoretical reflections of scholars like Bordini & Aguiar (1988); Cosson (2009); Colomer (2007); Marine & Pinheiro (2012) and Zilbermam (2004), regarding the implications for teaching Literature . About the analysis of satire present in leaflets object of research, we rely on the assumptions of Bakhtin (1981); Nortrop Frye (1957); Bosi (1988), Salvatore D'Onofrio (1968). Also we eat contributions Curran (1979); Diegues Jr. (1986), Abreu (1999) Batista (1977) with regard to knowledge about Cordel Literature, as well as on the work of Leandro Gomes de Barros. Furthermore, as a basis for reflection for our teaching experience, we take OCEMs (2008) and Benchmarks for High School Curriculum of Paraíba (2006). The research results indicate that in the satirical tone of the leaflets object of this research, it can become a good ally in the task of educating readers of literature. In reading handouts as, for example, the money, we can see that instigates reflection on lathes issues like corruption, bribery and injustice. Checked by relevant comments during debates proposed. Moreover, the great contribution of methodologies grounded in theories like Aesthetics of Reception is in fact prove students more motivated to work with the literature when they perceive that may manifest about the texts, and his voice as a singular value before reading. Thus, it exerts its autonomy, becoming capable of discovering connections between texts and their own life experience, so the reader begins to conceive of literature as an expression of human experience and therefore universal. Keywords: Teaching Literature. Satire.Leandro Gomes de Barros. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 1. O ESPAÇO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA ........................................... 16 1. 1 A LITERATURA NA ESCOLA .................................................................................... 16 1.2 O LETRAMENTO LITERÁRIO E OS DOCUMENTOS OFICIAIS ........................................... 19 1.3 REFLEXÕES METODOLÓGICAS SOBRE LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA........................ 23 1.3.1 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E A LEITURA LITERÁRIA EM SALA DE AULA. ....................... 25 1.3.2 A LEITURA DE FOLHETOS NA ESCOLA: UMA POSSIBILIDADE DE FORMAR LEITORES ...... 29 2. CONTRIBUIÇÕES DA TRADIÇÃO SATÍRICA PARA LEITURA DE FOLHETO.35 2.1 A TRADIÇÃO SATÍRICA ............................................................................................ 35 2.2 SOBRE A POESIA SATÍRICA DE LEANDRO GOMES DE BARROS ................................... 39 2.3 O DINHEIRO E O CAVALO QUE DEFECAVA DINHEIRO: O VIÉS SATÍRICO......................... 44 2.4 AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO: PRESENÇA DA MULHER .............................. 54 3. RELATO REFLEXIVO .......................................................................................... 58 3.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS .................................................................................. 59 3.2 ENTRANDO EM CAMPO ............................................................................................ 62 3.3 CONHECENDO OS COLABORADORES ....................................................................... 66 3.4 VIVENCIANDO A LEITURA EM SALA DE AULA.............................................................. 72 3.4.1 O PODER EM DEBATE: LEITURA DE O DINHEIRO ...................................................... 72 3.4.2 A IMAGEM DO ESPERTO NA LITERATURA DE FOLHETOS: LEITURA DE O CAVALO QUE DEFECAVA DINHEIRO. ................................................................................................... 76 3.4.3. QUEM É O ESPERTO? LEITURA DE AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO. ............ 81 3.4.4 EXPANDIDO A EXPERIÊNCIA: ENCONTRO COM VIOLEIROS LOCAIS ............................. 85 3.4.5. DIVERSIFICANDO A LEITURA DE FOLHETOS. ........................................................... 88 3.4.6 REVIVENDO O CORDEL ........................................................................................ 90 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 92 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95 APÊNDICES ............................................................................................................. 98 ANEXOS ................................................................................................................. 121 10 INTRODUÇÃO [...] o popular propicia, ainda hoje, algum, encanto, mas a ele é reservado um lugar bem delimitado: o lugar do folclórico, do exótico, do primitivo. Nas aulas de literatura pouco ou nada se estuda sobre as composições populares. (Márcia Abreu) 11 INTRODUÇÃO Entre críticos literários e professores de literatura muitas têm sido as discussões a respeito dos atuais métodos de ensino de literatura. Há grande preocupação em torno de questões como: o que fazer para despertar o interesse do aluno pelo texto literário? Porque e como ensinar literatura? Existe realmente a preocupação de se formarem alunos leitores? Esses questionamentos, muitas vezes, ficam sem respostas e esbarram em problemáticas como o fato de o ensino de literatura, muitas vezes, ocorrer num espaço onde a leitura não é privilegiada. O que se verifica, quase sempre, é um ensino condicionado à historiografia e à teoria literária. Sendo assim, o estudo das chamadas escolas literárias assume um lugar de destaque nas aulas de literatura, em que o aluno deve decorar nomes de autores, datas e características dos movimentos literários. Sabemos, contudo, que é função da escola orientar e conduzir o aluno a compreender qual o papel da literatura na sua formação humana, qual a função social desta manifestação artística e por que se deve estudá-la. Se o horizonte de expectativa do aluno não consegue estabelecer essa relação com o texto literário, ele não irá perceber a literatura como um espaço de construção de mundos possíveis que dialoguem com a realidade. Desta forma, faz-se necessário trabalhar leitura literária como instrumento de humanização, identificação e como meio de “ler o mundo”. Sabemos que a literatura em si não deve ser objeto que tem como pretexto ensinar. O que precisa ser ensinado é a leitura literária, para que o leitor possa alargar sua visão de mundo e, com isso, atribuir sentido a partir de suas próprias intervenções. Conforme os PCNs (BRASIL, 2002 p.145), o ensino de literatura visa “ao aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Ainda de acordo com esse documento, o ensino de literatura deve “recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura”. (BRASIL, 2002 P.147). 12 As atuais práticas de ensino de literatura não refletem o que o referido documento orienta, já que muitos alunos do nível médio confessam não se sentirem motivados para as aulas de literatura e se sentem pouco estimulados para o contato mais aprofundado com o texto literário. Isso se deve, muitas vezes, ao fato de as aulas de literatura se transformarem em instrumentos de informações e de suporte para o estudo da gramática. Também a falta de repertório de leitura e as interpretações retóricas que a maioria dos livros didáticos traz têm causado, a nosso ver, o desinteresse do aluno pela literatura. Rever a prática de ensino de literatura e propor metodologias que favoreçam a interação entre o texto literário e o leitor deve ser uma preocupação constante da escola. Para isso, é preciso oferecer condições para que o educando tenha acesso à leitura e que a seleção de textos a serem ofertados contemple suas necessidades e curiosidades, levando-os à reflexão e, consequentemente, ao desenvolvimento do senso crítico. Na tentativa de contribuir para melhoria da qualidade de leitura e compreensão na escola, com ênfase para a leitura literária, optamos, em nossa pesquisa, por trabalhar com cordéis de Leandro Gomes de Barros, já que se tratam de narrativas jocosas que se cruzam com o universo do alunado do sertão nordestino, campo desta experiência, de forma engraçada e criativa. Buscou-se funcionar como caminho possível para introdução dos alunos no universo literário. Assim, nossa proposta buscou realizar uma experiência de leitura em sala de aula a partir de uma metodologia que valorizasse os elementos do gênero a ser trabalhado: o cordel, considerando a importância da leitura acompanhada e orientada em sala de aula; professor lendo com o aluno, levando-o a posicionar-se questionando, refletindo e fazendo suas próprias intervenções. Esta proposta se justifica pela necessidade de buscar uma metodologia de leitura literária que valorize os elementos constituintes do gênero selecionado para abordagem, aspectos, linguagem e outros. A ideia é também tentar mostrar que é possível diminuir a prática de leitura com fins apenas didáticos ainda estabelecidos na escola. Acreditamos que, se desenvolvermos atividades de leitura que despertem a criticidade e a curiosidade do aluno, e que ele possa perceber o texto como objeto de reflexão, ele será capaz de compreender as especificidades do texto. Para isto, é 13 necessário que o professor reflita e redimensione a sua prática, no sentido de propiciar ao seu aluno uma aproximação entre o mundo ficcional e o mundo real. A ideia de trabalhar com o cordel deve-se também por se observar que é um gênero ainda pouco estudado na escola, além de dialogar perfeitamente com a realidade do público sujeito de nossa pesquisa. Também acreditamos que o cordel tenha espaço na sala de aula, como texto literário de valor que não se difere dos textos eruditos. Dadas suas peculiaridades estéticas, como a extensão de suas narrativas, a musicalidade de seus versos, torna-se instrumento ideal para que o aluno entre em contato com o texto literário em sua integralidade e não mais de forma fragmentada. Além disso, o foco que resolvemos dar à obra de Leandro, a sátira, constante na literatura, e desenvolvida por Leandro de modo muito significativo. Conforme Diegues Jr. (1986, p. 317), “Sua originalidade, seu humor, e especialmente sua sátira, vistos no comentário social, fazem de seus folhetos obrasprimas na Literatura de Cordel”. A opção pelos cordéis O dinheiro, As proezas de um namorado mofino e O cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros, deve-se ao fato de o escritor pontuar a sátira, construindo histórias jocosas, criando uma atmosfera de protesto, própria dos poetas populares. Segundo Diegues Jr. (1986, p. 311) “Dos múltiplos ciclos ou temas da Literatura de cordel, talvez o mais interessante seja aquele contido nos folhetos de comentário social”. A sátira e o espírito jocoso nesses cordéis caracterizam o estilo pessoal do escritor, ainda conforme identifica Diegues Jr (1986, p.318), “como os outros poetas populares, ele devia sentir um desejo e mesmo obrigação, como poeta do povo, de criticar a falta de justiça daquela época, e de oferecer soluções, embora muitas vezes jocosas ou pessoais, para os problemas da sociedade”. Partindo de uma situação problema de ensino de Literatura pouco estimulante e da ausência de leituras de textos da Literatura Popular no ambiente escolar, tivemos por objetivo geral estudar a recepção de folhetos satíricos de Leandro Gomes de Barros por alunos da 3ª série de Ensino Médio de uma Escola Pública. Quanto aos objetivos específicos, buscamos observar como se constrói a sátira em folhetos de Leandro Gomes de Barros, além de formar leitores de cordel a partir de folhetos satíricos do poeta escolhido. Buscou-se, também, a utilização de uma metodologia de caráter dialógico. 14 O presente trabalho encontra-se desenvolvido em três capítulos. No primeiro, apresentamos alguns aspectos relativos à leitura literária na escola e o posicionamento dos documentos oficiais em relação a essa questão, acentuando a relevância dos documentos mais recentes sobre o ensino de literatura. Procuramos refletir acerca de sugestões metodológicas para o trabalho com a leitura literária em sala de aula, além de abordar algumas sugestões de trabalho com o cordel, visto que essas concepções norteiam nossa prática e balizam a nossa experiência de leitura. No segundo capítulo, propusemo-nos a realizar uma leitura mais apurada dos folhetos objetos da pesquisa. Inicialmente, apresentamos algumas considerações a respeito da sátira menipeia estudada por Bakhtin (1981), buscando aproximações entre as concepções apresentadas pelo teórico Russo e a obra de Leandro Gomes de Barros, observando de que modo a teoria formulada por Bakhtin ilumina a leitura de alguns folhetos de Leandro. O terceiro capítulo é dedicado à apresentação e reflexão sobre a experiência de leitura, antecedida por uma breve caracterização da pesquisa e da metodologia utilizada durante a realização do experimento. Em meio à descrição dos encontros, tecemos nossas reflexões acerca dos elementos observados através dos diálogos transcritos. Por fim, apresentamos nossas considerações finais, seguidas das referências, dos apêndices e anexos. 15 O ESPAÇO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA Em matéria de leitura, o encontro entre leitor e texto é que deve ser respeitado. Um momento íntimo e privilegiado. Se as políticas de leitura se preocuparem em garantir um acervo de qualidade, e um tempo e um espaço na escola para que esse encontro possa acontecer, já estarão cumprindo sua missão. (Ana Maria Machado) 16 1 O ESPAÇO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA 1. 1 A Literatura na escola A Literatura é uma arte com manifestações observadas na maioria das culturas da humanidade. O espaço que melhor promove a socialização do saber na maioria das sociedades humanas é (ou deveria ser) a escola. No Brasil, após muito apelo de artistas, professores e das academias, notamos que, na última década, houve certo movimento político no tocante à implantação de programas que busquem democratizar o acesso à literatura. Silva (2008, p.41), comentando essa tentativa de democratização literária, afirma que [...] muito já se produziu, na última década, no Brasil, em termos de pesquisas científicas, ensaios acadêmicos e, até mesmo, programas governamentais de abrangência nacional, voltados, em sua maioria, para o Ensino Fundamental como o Literatura em Minha Casa. Poderíamos citar, mais recentemente, o programa do governo federal denominado PNBE – Plano Nacional de Biblioteca Escolas – que seleciona e distribui, anualmente, livros para a escola básica de todo o país. Um levantamento da UNESCO com 52 países mostra que o Brasil tem um dos piores índices de leitura e compreensão de textos. Podemos então depreender que a situação não é animadora e esbarra em questões ainda distantes de uma melhora significativa. Um dos entraves está na questão da diminuição do número de analfabetos em contraposição ao aumento de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que conseguem apenas decodificar, mas não entendem o que leem e, consequentemente, não conseguem progredir nos estudos. Como prova disso, podemos destacar a diminuição do público do Ensino Fundamental para o Médio e deste para o Superior. Outro fator relevante para esta reflexão está na formação dos nossos professores da Educação Básica, aliada à precária situação profissional dos mesmos (baixos salários, jornada exaustiva de trabalho, entre outras), que se tornam pontos cruciais para a qualidade das aulas nas escolas públicas brasileiras e, consequentemente nas aulas de Literatura. Neste âmbito da formação, não 17 podemos esquecer a falta de orientação metodológica para o trabalho com o texto literário, fato que afeta, inclusive, professores advindos dos cursos de Letras. Sabemos, contudo, que existem esforços no sentido de tentar superar esse perfil da educação brasileira. Pereira, em seu artigo A literatura no tear das práticas lúdicas e formadoras do ser (2008, p.61), a respeito da leitura literária na escola, defende que: Alguns estudiosos e educadores levantam a bandeira de que o caminho ideal para alcançar tal objetivo está na revalorização da arte e da cultura lúdica como instrumentos imprescindíveis à educação dos sentimentos e dos valores, enfim, à formação humana. É evidente, também, a ascensão das discussões em torno de teorias como a Estética da Recepção (formulada por Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, na década de sessenta do século XX), que concebem a leitura como um momento criativo de interação entre o texto e o leitor. Desse modo, promover na escola espaços para que se desenvolva esse tipo de leitura em que o leitor se torna coautor do texto é uma das possibilidades de enriquecimento do processo educativo e da formação de leitores. Discutiremos mais adiante um pouco sobre a Estética da Recepção e a ligação com esta pesquisa. Entre professores de Língua Portuguesa do ensino básico da rede pública brasileira, muitos são os questionamentos das relações que existem entre a arte literária e a Literatura enquanto disciplina curricular, a qual, na verdade, nem existe, uma vez que Literatura aparece no currículo como uma extensão do ensino de Língua. Porém, não vemos problema nisso, mesmo porque não acreditamos que o estudo da Literatura esteja dissociado do estudo de Língua, ou mesmo, não enxergamos em que ponto essa divisão (ensino de Língua – ensino de Literatura) poderia ser mais proveitosa. De fato, os problemas aparecem principalmente em relação ao olhar e tratamento dado à Literatura em sala de aula, além da importância atribuída (ou a falta dela) a essa disciplina na visão coletiva da comunidade escolar. Parece senso comum, entre professores de outras disciplinas, e até mesmo entre alguns professores de Língua, a literatura ser vista como algo secundário ou que serve apenas para deleite e entretenimento. Dessa visão temos como resultado o fato de muitas escolas reservarem apenas uma ou duas aulas 18 semanais para o trabalho com a Literatura, sem contar com o fato de que esse pouco espaço ainda ser muitas vezes mal utilizado. Com relação a essa problemática, Cosson (2009, p.10) afirma que Vivemos nas escolas uma situação difícil com os alunos, os professores de outras disciplinas, os dirigentes educacionais e a sociedade, quando a matéria é literatura. Alguns acreditam que se trata de um saber desnecessário. Os impasses acerca do ensino de Literatura estão longe de encontrarem uma solução única, talvez porque uma “única” solução de fato não exista. Felizmente, muitos estudos e pesquisas vêm contribuindo para melhoria desse quadro. Alguns desses trabalhos, assim como a nossa pesquisa, apostam no caminho que leve à sala de aula a leitura literária como base do ensino de literatura. Algumas tentativas, por parte dos governos, também têm apostado na democratização da leitura, como a criação dos já mencionados Literatura em Minha Casa e PNBE (criados no início do século XXI). Contudo, mesmo nessas iniciativas, encontram-se problemas. Tavares (2008, p. 38), em um estudo sobre as concepções de leitura e o acesso dos alunos ao livro do programa Literatura em Minha Casa, aponta que Há um quadro inverso, as coleções acabam permanecendo na biblioteca da escola, compondo seu acervo e fugindo do objetivo primordial do projeto [...] Alem disso, há outro lado da promoção da leitura na escola: os professores. Estes vivenciam problemas como: acesso aos livros, desconhecimento dos autores e suas próprias dificuldades de leitura. Infelizmente, os problemas apontados por Tavares (2008), em relação ao programa Literatura em Minha Casa, especificamente, podem perfeitamente, estender-se às outras esferas do ensino de Literatura: professores com dificuldades individuais de leitura e pouco acesso a livros literários ou teórico-metodológicos, que são uma realidade constante em muitas escolas brasileiras. Tornar a experiência de leitura literária algo significativo para os nossos alunos deveria ser uma preocupação de todos os professores, mas, principalmente, para nós, professores de Língua, é que essa preocupação é mais contundente. É necessário um empenho maior no sentido de planejar, dinamizar atividades e ter 19 critérios de seleção para os textos a serem levados à sala de aula. Todas essas preocupações são sentidas por professores que buscam até mais do que a leitura literária, buscam o que hoje entendemos como o Letramento Literário (COSSON, 2009), tema que buscaremos abordar no próximo tópico. Ainda em relação aos impasses sofridos pela Literatura na escola, encontramos, no Ensino Médio, nível em que a disciplina ganha um espaço mais específico, o velho problema da Historicização da Literatura, que leva as aulas por um caminho que passa longe da leitura de obras. Cosson (2009, p.21) afirma que, No ensino médio, o ensino de literatura limita-se à literatura brasileira, ou melhor, à história da literatura brasileira, usualmente na sua forma mais indigente, quase como apenas uma cronologia literária, em uma sucessão dicotômica entre estilos de época, cânone e dados biográficos dos autores, acompanhadas de rasgos teóricos sobre gêneros, formas fixas e alguma coisa de retórica em uma perspectiva para lá de tradicional. Muitas são, portanto, as dificuldades encontradas pelo ensino de Literatura na escola; porém, reflexões, estudos e principalmente a busca por metodologias para amenização dessa situação devem ser levadas em consideração para que se possa pensar em uma formação de leitores que tenha como base o letramento literário, de que trataremos em tópico posterior. 1.2 O Letramento Literário e os documentos oficiais O ensino de literatura tem, assim com todo ensino nas escolas brasileiras, passado por transformações e reestruturações dos métodos didáticos. Devido a esse processo de construção democrática em andamento no país, sobretudo na pratica educativa, o professor tem sido levado a trabalhar com conteúdos resultantes das experiências de vida dos alunos. Com base na LDBEN 9.394/96, em seu Inciso III, um dos objetivos a serem alcançados pelo Ensino Médio é o “aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Acreditamos que é para concretização desse objetivo, exposto no Inciso III da LDBEN, que o ensino de Literatura deve e pode contribuir, visto que as 20 experiências de leitura devem ser motivadas por impulsos que possibilitem descobertas, curiosidades e o despertar das emoções. As propostas oficiais do Ministério da Educação e das Secretarias de educação dos estados de Pernambuco1 e da Paraíba, com relação ao ensino de literatura nas escolas, pretendem oferecer ao professor da educação básica subsídios para o trabalho com a disciplina em sala de aula. Um panorama geral, que se pode observar com a análise desses documentos, aponta para uma mudança significativa na maneira pela qual a disciplina Língua Portuguesa deva ser ensinada, priorizando os objetivos de ensino em detrimento das tradicionais listas de conteúdos. Como consequência imediata dessa mudança, há um novo enfoque do ensino de língua sem a divisão do ensino por frentes: gramática, (história) da literatura e redação. Além disso, observa-se que essas diretrizes oficiais apontam para o mesmo sentido de defender a flexibilidade da organização curricular, que deve levar em consideração a diversidade do tempo e modo de aprendizagem escolar individual, das culturas e das situações em que estão inseridas. O documento pernambucano orienta que “O princípio de que não existem, intrinsecamente, opções culturais melhores ou mais perfeitas que as outras podem representar, para a escola, um valioso parâmetro de definição de currículo, objetivos e atividades”. (PERNAMBUCO, BCC, 2008, p.47-48) Nesse sentido, observamos positivamente as sugestões apontadas nos atuais documentos. As OCEMs (2008), por exemplo, sinalizam uma separação entre o ensino de Língua e o de Literatura, sem, contudo, fazer com que essas áreas sejam interpretadas como distintas. O documento organiza da seguinte forma o primeiro volume dedicado à área de Linguagem, Código e suas Tecnologias: Conhecimentos de Língua Portuguesa, Conhecimentos de Línguas Estrangeiras, Conhecimentos Conhecimentos de Literatura, de Espanhol, Conhecimentos de Arte e Conhecimentos de Educação Física. Dessa maneira, acreditamos que a Literatura ganhou um lugar de destaque, não mais sendo tratada como parte secundária no ensino de Língua. 1 Citamos o referido documento por sermos professora da rede Estadual de Ensino do Pernambuco e acreditarmos que o documento tenha contribuído para a nossa percepção de ensino de Literatura. 21 No tocante aos Conhecimentos de Literatura, o documento retoma a discussão sobre a necessidade da Literatura no ensino escolar, reforçando a ideia de que a Literatura é vital à formação do ser humano e por isso, um direito de todos. Em relação a essa preocupação, o documento, (BRASIL, 2008, p.57) nos coloca questionamentos a serem refletidos pelo professor de Literatura, no momento de selecionar os textos a serem apresentados aos alunos, tais como: Há ou não intencionalidade artística? A realização correspondente à intenção? Quais os recursos utilizados para tal? Qual o seu significado histórico social? Proporciona ele o estranhamento, o prazer estético? Percebemos que a avaliação do texto a ser levado à sala de aula deve passar pelo crivo do professor, que, conforme já afirmamos, deve selecionar os textos a serem trabalhados em sala de aula. Atendendo aos critérios de seleção, o texto passa a ser oferecido aos leitores pela escola, que deve mediar o contato entre leitor e leitura, para que aquele seja capaz de ir além, de construir sentido a partir do texto lido. Cosson (2009, p.30) afirma que É justamente para ir além da simples leitura que o letramento literário é fundamental no processo educativo. Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas sim, e, sobretudo, porque nos fornece como nenhum outro tipo de leitura faz os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem. O documento também defende a necessidade de se priorizar o trabalho com textos advindos da Literatura Brasileira, sem, contudo, impedir a leitura de obras de outras nacionalidades. Há, também, discussões que passam pelas contribuições de teóricos, como Bakhtin, Antonio Candido, Umberto Eco, Ítalo Calvino, entre outros. Além disso, as OCEMs (2008) apontam aos professores possíveis caminhos metodológicos para se alcançar o objetivo de formar leitores. Para isso, são influenciadas por teorias, a exemplo da Estética da Recepção, que posiciona o leitor como peça fundamental para a realização da obra literária em detrimento do antigo pensamento de que a obra tem seu fim em si mesmo, além disso, através da utilização do Método Recepcional, criado a partir dessa teoria, enfatiza-se a sondagem do horizonte de expectativa dos alunos no momento de selecionar os 22 textos a serem ofertados, uma vez que esse seria um fator importante para a atribuição de sentido à obra por parte do leitor. Quanto aos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba, notamos que esse documento reforça as ideias expostas nas OCEMs (2008), 2 no que se refere ao foco principal da disciplina Literatura. Os Referenciais da Paraíba também assumem a postura de que, no ensino de Literatura, o objetivo principal deva ser a formação do Leitor Literário. Além do mais, o documento (PARAÍBA, 2006, p.82) afirma que O leitor de Literatura que se deseja formar deverá ser aquele que, mesmo diante de algumas dificuldades, tenta superá-las, consciente de que muitas vezes, a leitura mais exigente pode gerar uma satisfação maior, um prazer de ler mais duradouro. Com isso, percebemos que também há nesse documento a preocupação com o letramento literário, exposto nas OCEMs (2008), quando tenta chamar atenção para o fato de que as leituras feitas no Ensino Fundamental muitas vezes não levam os alunos à formação crítica, tão almejada nas escolas. Cabe então ao Ensino Médio oportunizar o encontro dos alunos com uma leitura mais exigente. Conforme as OCEMs (BRASIL, 2008, p.70), O desafio será levar o jovem à leitura de obras diferentes desse padrão − sejam obras da tradição literária, sejam obras recentes, que tenham sido legitimadas como obras de reconhecido valor estético −, capazes de propiciar uma fruição mais apurada, mediante a qual terá acesso a outra forma de conhecimento de si e do mundo. Para isso, o documento da Paraíba ressalta o caminho do “dialogismo” como sendo um dos mais apropriados para o trabalho com a leitura literária em sala de aula, por acreditar que é na troca de experiências e de comentários que se vão descobrindo muitos dos elementos das obras. Esse tipo de metodologia leva o aluno “a dialogar com o texto e a dialogar com os colegas e o professor sobre questões suscitadas pelo texto.” (PARAIBA, 2006, p.83). Outro ponto de destaque nesse documento é a proposta de se trabalhar a partir dos gêneros (PARAIBA, 2006, p.84) 2 O referido documento é uma Reimpressão da 1ª publicação, ocorrida em 2006. 23 [...] estamos propondo que, no primeiro ano, seja estudada poesia, narrativa (conto e/ou crônica) e Literatura dramática; no segundo, narrativa (romance) e já iniciar, neste ano, com um panorama de história da literatura brasileira. As escolas devem ter a liberdade de optar por que gêneros vão iniciar o ensino de literatura. Os atuais documentos oficiais têm tentado contribuir com o ensino de literatura voltado para a leitura literária, além de deixar clara a flexibilização do currículo a ser adotado pelas escolas. Cabe então ao professor e a escola, embasados nesses documentos oficiais procurar caminhos coerentes para a realização de um trabalho proveitoso com a leitura literária em sala de aula. Esse deve ser o principal papel do ensino de literatura o de proporcionar: o contato efetivo do aluno com a obra literária. 1.3 Reflexões metodológicas sobre leitura literária na escola O planejamento de atividades que trilhem os caminhos desejáveis para a formação de alunos leitores e, no nosso caso especificamente, leitores literários é um dos princípios que norteiam nossa pesquisa. Nesse afã, buscamos nos orientar através das reflexões teóricas, entre outras, de Aguiar e Bordini (1988), Colomer (2007) e Cosson (2009), os quais trazem reflexões e sugestões consideráveis para o desenvolvimento de um proveitoso trabalho com o ensino de literatura na escola. Na obra Andar entre livros de Teresa Colomer (2007), além da abordagem reflexiva da atual situação da leitura nas escolas, no contexto espanhol, (e na qual encontramos aproximação com a situação de leitura no Brasil), que, para ela, já passou do processo de provação da importância da democratização da leitura, iremos encontrar diversas sugestões de trabalho com a leitura literária na escola. Entre elas, está a criação de espaços para leitura individual de obras em sua integralidade. Segundo Colomer (2007, p. 124), Seja qual for a forma que se dê a cada projeto educativo em cada escola, nossa intenção é dar elementos para sustentar que “ler livros” deveria converter-se em uma atividade mais precisa e menos sujeita aos avatares do tempo escolar ou da decisão individual dos professores, como está sendo agora na prática escolar. 24 Podemos perceber que a criação de espaços para leitura livre ajudaria muito nos problemas temporais da escolarização da leitura, tão questionados pelos professores. Para esses espaços, poderiam servir “uma biblioteca de classe ou central, um mural coletivo de avaliações e recomendações, um caderno pessoal onde se anotem as leituras realizadas (e talvez também as que decidiu-se abandonar)” (COLOMER, 2007, p.126-127). Em conjunto com esses espaços está o trabalho do professor, que deve consultar os registros, as opções de leitura e, no momento de criação do espaço, cuidar da seleção dos livros a serem expostos. Deve, ainda, haver, por parte da escola, a existência dos mediadores (que podem ser diretores, supervisores ou os próprios professores), que deverão levar os alunos até os livros e sugeri-los. Outra estratégia que pode ser explorada na escola é a leitura compartilhada, foco principal da abordagem de leitura na escola para Colomer (2007). Essa estratégia permitirá experimentar a literatura em sua dimensão socializadora, fazendo com que o aluno se sinta parte de uma comunidade de leitores. Para Colomer (2007, p.143), “Compartilhar as obras com outras pessoas é importante porque torna possível beneficiar-se da competência dos outros para construir o sentido e obter o prazer de entender mais e melhor os livros.” As sugestões para esse tipo de atividade podem adotar muitas formas: leituras em duplas, discussão em grupos, clubes de leituras, uso dos meios eletrônicos com a criação de blogs para discussões. Teresa Colomer (2007, p.149) afirma que Vale tudo na busca do sentido, já que sabemos de sobra que a discussão em grupo favorece a compreensão. Serve para enriquecer a resposta própria com matizes e os aportes da interpretação do outro, já que literatura exige e permite distintas ressonâncias individuais. Além de pensar essas atividades, o professor deve, novamente, dar uma atenção especial à seleção da leitura a ser compartilhada por seus alunos, uma vez que essa deve oferecer algum tipo de dificuldade, para que instigue entre os alunos a busca por compreensão. Outro ponto relevante, ressaltado por Colomer (2007), é a questão da expansão e conexão da leitura com outros mecanismos de aprendizagem como é o caso da ligação intrínseca da leitura com a escrita. “Sabemos que ler e escrever são duas faces da mesma moeda na missão de facilitar o acesso à cultura escrita que se 25 encomendou à escola.” (COLOMER, 2007, p.162). Para os alunos, a atividade de leitura literária é mais intensa do que a de escrita literária, tendo em vista que nem todos terão competência artística para escrever literatura, porém essa metodologia muito ajudará na atividade de leitura em geral e, com certeza, isso contribuirá na apropriação dos recursos utilizados na expressão escrita no momento necessário. Segundo Aguiar e Bordini (1988), uma das necessidades específicas para o trabalho com o texto literário em sala de aula começa antes mesmo de se chegar até esse espaço, que seria a necessidade de se valer de alguns critérios na seleção dos textos a serem trabalhados em sala de aula. Os textos escolhidos devem atender aos interesses e expectativas dos estudantes. Para as autoras, “o primeiro passo para a formação do hábito de leitura é a oferta de livros próximos à realidade do leitor, que levantem questões significativas para ele” (AGUIAR e BORDINI, 1988, p. 18). Sabemos que os interesses dos leitores têm elementos determinantes como idade, escolaridade, sexo, entre outros. As autoras apontam cinco diferentes métodos de ensino dos fatos literários, que, para elas possuem metas explícitas e bem diferenciadas. São eles: o Método Científico, o Método Criativo, o Método Recepcional, o Método Comunicacional e o Método Semiológico. Durante as abordagens, busca-se apontar os embasamentos teóricos acerca de cada método apresentado, além de situá-los dentro da concepção de educação a que se propõe. Dentro da nossa perspectiva, enfatizaremos o Método Recepcional, (Embasado na Estética da Recepção), por acreditarmos que esse método não se submete à tradição, ainda dominante, de tratar a obra literária como um sistema fechado ou definitivo. Para os fundadores dessa teoria, “a recepção é concebida [...] como uma concretização pertinente à estrutura da obra, tanto no momento da sua produção como da sua leitura, que pode ser estudada esteticamente, o que dá o ensejo à denominação da teoria de estética da recepção.” (AGUIAR e BORDINI, 1998, p. 82). Por se tratar de um método que orientou nosso experimento de leitura, trataremos dele, a seguir, em tópico específico. 1.3.1 A estética da recepção e a leitura literária em sala de aula 26 Surgida na década de 60 e apresentada por Hans Robert Jauss, em seu ensaio Provocação durante uma conferência na cidade de Constância, na Alemanha, a Estética da Recepção pré-anuncia as inquietações de Hans Robert Jauss enquanto professor, pesquisador e estudioso. Ele propunha um novo olhar sobre as investigações literárias, esse deveria se voltar para o receptor (leitor) e os seus horizontes de expectativa. “Jauss propõe uma inversão metodológica na abordagem dos fatos artísticos: sugere que o foco deve recair sobre o leitor ou a recepção, e não exclusivamente sobre o autor e sua produção” (ZILBERMAN, 2004, p. 49). Dessa forma, a voz do leitor passa a ser, também, analisada no campo literário, e o estudo dessa arte se redimensiona, tendo em vista os horizontes de expectativas dos leitores, observando o efeito causado pela obra em seu público alvo e enfatizando a recepção dada à obra literária. A divulgação atual da Estética da Recepção e de outras teorias que valorizem o leitor tem proporcionado uma postura mais reflexiva entre professores e pesquisadores quanto às metodologias de leitura desenvolvidas em sala de aula, porém, na prática, o trabalho balizado pelos métodos inspirados nessa teoria ainda tem deixado muito a desejar no que diz respeito à abordagem do texto literário. Para Jauss (1994), só a partir da receptividade de uma obra realizada por seus leitores é que se pode medir o seu valor estético. Esse efeito pode contrariar, afirmar ou reforçar a expectativa do público leitor. De acordo com Jauss (1994), o resgate para a qualificação de uma obra literária não deve ser medido por meio do registro cronológico e biográfico, mas através dos critérios da recepção e do efeito produzido pela leitura da obra. Nesse contexto, como já afirmamos, o leitor passa a ser um elemento importante na instância da recepção, que leva em consideração a relação dialógica entre o leitor e a obra. De acordo com essa teoria, o horizonte do leitor pode ou não ser ampliado por meio da leitura. Quanto mais o texto se distancia das expectativas, mais ele amplia os horizontes. Em contrapartida, quando ele lê um texto que não apresenta nenhuma ou pouca novidade, menor será o horizonte de expectativa. Jauss (1994, p.31) comenta que A distância entre o horizonte de expectativa de uma obra, entre o já conhecido da experiência estética anterior e a “mudança de horizonte” 27 exigida pela acolhida à nova obra, determina, do ponto de vista da estética da recepção, o caráter artístico de uma obra literária. Com essa nova concepção de recepção do texto, a obra literária passa a ser definida pela relação que se estabelece entre literatura e leitor, com suas implicações tanto estéticas quanto históricas. “A história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete”. (JAUSS, 1994, p.25) Com base nas funções comunicativas da experiência estética, é possível perceber a liberdade e autonomia que o leitor tem diante das obras artísticas. Mesmo em face de sua criação, o autor não consegue limitar e impor o sentido que compusera a sua obra, haja vista a liberdade de pensamento e a multiplicidade de significações que as imagens verbais ou não verbais podem sugerir aos seus inúmeros leitores. Desse modo, para que o professor possa proporcionar leituras em que se estabeleça a comunicação e efeitos entre texto e o leitor, faz-se necessária a sondagem do universo de expectativas de seus alunos, como já mencionamos, atentando para o contexto no qual eles estão inseridos, contribuindo para o aflorar dessa liberdade e multiplicidade do pensamento dos leitores. Outro teórico do grupo de Constância que contribui para construção desses conceitos é Wolfgang Iser (1979), que enfatiza que há, em todos os textos, vazios que poderão ser preenchidos a partir da interação entre os envolvidos no processo de leitura e afirma que “os vazios textuais são assimetria fundamental entre o texto e o leitor, originam a comunicação no processo de leitura” (ISER, 1979, p. 88). Interessante, também, das metodologias que se inspiram nessas teorias é o fato de elas, ao proporcionarem o encontro dos alunos com leituras que partem do seu próprio horizonte de expectativas, provocam situações de questionamento desse horizonte fazendo-o se distanciar, ao mesmo tempo em que rompe e alarga esse horizonte. Com a ideia de que a literatura não se esgota no texto, mas completa-se com a leitura do mesmo, o professor é instigado a promover atividades que propiciem a interação ativa do texto com o leitor. 28 O Método Recepcional sugerido por Aguiar e Bordini (1988), mesmo tendo suas raízes na década de oitenta, torna-se pertinente ao momento atual, uma vez que o ensino de Literatura nas escolas brasileiras persiste, ainda, em percorrer os caminhos da historicidade da literatura como base da formação literária dos nossos alunos. Criado a partir das ideias apontadas pela Estética da Recepção, esse método tem por objetivos 1) Efetuar leituras compreensivas e criticas; 2) Ser receptivo a novos textos e a leitura de outrem; 3) questionar as leituras efetuadas em relação a seu próprio horizonte cultural;4) Transformar os próprios horizontes de expectativas bem como os do professor, da escola, da comunidade familiar e social. O Método Recepcional de ensino de Literatura tem como base o debate constante, seja ele oral, escrito, com professores, com colegas, consigo mesmo, etc. Além disso, preza-se também pela produção de textos pelos alunos, os quais passam a fazer parte dos textos lidos e por eles questionados, materializando, assim, o acervo a eles ofertado. Quanto à avaliação, nesse método, dar-se-á através da dinâmica do processo de cada leitura realizada, pode-se, nesse momento, evidenciar a capacidade de comparação entre as atividades realizadas, de questionamento ante sua própria atuação e a de seu grupo, bem como a realização, ao final do processo, de uma leitura mais exigente que a inicial. O processo de recepção do texto tem início antes mesmo do contato do leitor com a obra, visto que esse possui um horizonte que o limita, mas que, durante o processo de leitura, pode se transformar e abrir-se a outras possibilidades de enxergar o seu mundo e o mundo que o cerca. Para Aguiar e Bordini (1998), esse horizonte é o do mundo de sua vida, com tudo que o povoa: vivências pessoais, culturais, sócio-históricas e normas filosóficas, religiosas, estéticas, jurídicas, ideológicas, que orientam e explicam tais vivências. Sabemos, contudo, que o texto pode confirmar ou perturbar esse horizonte. Sendo assim, o primeiro passo do professor que pretende utilizar o Método Recepcional em suas aulas deverá ser a determinação do horizonte de expectativas da turma, seguida do atendimento desse horizonte. Para isso, o professor pode tentar conhecer os elementos temáticos ou estruturais que mais atraem seus alunos. 29 As etapas seguintes sugeridas pelas autoras seriam a ruptura do horizonte, pela introdução de textos que ponham em dúvida as certezas dos alunos, fazendoos refletirem sobre a leitura realizada; ao mesmo tempo em que surgem os questionamentos acerca do mundo que está a sua volta e outra fora daquele espaço. As autoras acreditam que essas reflexões e questionamentos implicarão a ampliação do horizonte do aluno propiciado pala vivência com textos literários. “Cotejando seu horizonte inicial de expectativa com os interesses atuais, verificam que suas exigências tornaram-se maiores, bem como, sua capacidade de decifrar o que não é conhecido foi aumentada.” (AGUIAR e BORDINI, 1988, p. 90-91) 1.3.2 A leitura de folhetos na escola: uma possibilidade de formar leitores A tarefa de repensar a formação de leitores, como já mencionamos, faz-nos refletir acerca da escolha de textos literários apropriados a serem oferecidos aos alunos. As práticas de sala de aula que mais têm demonstrado bons resultados são aquelas em que os alunos são levados a se envolverem com textos que se aproximem de suas experiências de vida. Da vasta quantidade das produções de que a literatura dispõe e com as quais a escola se propõe a trabalhar, grande é a quantidade de textos que podem render bons resultados, mas ainda são desprestigiados. Como exemplo, podemos citar os textos da Literatura Popular, Pinheiro (2008, p.16) afirma que Se fizéssemos um levantamento sobre a presença da cultura popular e, mais especificamente, da literatura oral no currículo do ensino básico, descobriríamos que ela quase não é referida nas primeiras séries; e quando aparece é quase sempre nas semanas do folclore ficando de fora o resto do ano. (...) quando há presença da cultura popular no trabalho de algumas escolas e até mesmo de secretarias de educação, muitas vezes a concepção que se tem é de resgate de algo que já tenha morrido. No entanto, devemos chamar a atenção para o fato de que a Literatura de Cordel não é algo morto, vive e de maneira muito fértil em alguns lugares; como exemplo disso, podemos citar, em Campina Grande, Manoel Monteiro, Maria Godelivie; em Patos PB, Jandhui Dantas; em Mossoró, o Antônio Francisco; em São 30 José do Egito, Arlindo Lopes e tantos outros cordelistas de diferentes lugares do Nordeste e de outras regiões do Brasil. A inquietação que o cordel pode proporcionar aos jovens, além da presença constante do aspecto satírico, pode ser uma porta de entrada para o despertar do gosto pela leitura literária e, consequentemente, para formação de leitores. Trazer os folhetos para a sala de aula com objetivo de apreciação permite, além do contato com o texto literário, o despertar dessa inquietação. Ler os poemas em voz alta, ou ainda recitá-los dramatizando-os pode ser o primeiro passo para conquistar novos leitores, pois a realização de leituras empolgantes fará com que os jovens queiram ouvir e sintam vontade de ler eles mesmos. Uma maneira de se trabalhar com folhetos na sala de aula é partir deles para outras formas de expressão, como, por exemplo, rodas de discussões, debates, atividades que deixem os jovens à vontade para apreciação e o desenvolvimento da oralidade, tendo sempre o cuidado com a escolha dos poemas, que deve ser coerente com o interesse desses jovens. Pode-se, por exemplo, aproveitar a diversidade de folhetos existente e oferecer uma variedade de opções para que os alunos possam escolher a temática que lhes chame atenção. “Levar aos alunos uma diversidade de temas poderá favorecer o interesse, principalmente de quem não teve ainda experiência de leitura desta modalidade da cultura popular.” (PINHEIRO, 2008, p.22). Outro procedimento metodológico interessante de ser adotado no trabalho com a literatura popular no Ensino Médio é a comparação entre os folhetos e os textos da chamada literatura erudita, ou mesmo entre folhetos, atentando para possíveis diálogos entre os textos literários e as outras artes, que podem ser de ordem formal ou mesmo temáticos. Muito pertinente nesse procedimento é realizar Leitura Compartilhada, apontada em tópico anterior, como maneira de aproximar os alunos da leitura. O trabalho com a pesquisa acerca do conhecimento prévio dos alunos também é muito pertinente. Para Pinheiro (2008 p.21-22), Saber se algum familiar faz esse tipo de poesia (mesmo que não tenha publicado), se há poetas na comunidade, se algum aluno faz poemas. Caso se descubra algum poeta, é desejável tentar trazê-lo à escola, ouvir seu depoimento (como aprendeu, o que já escreveu que sentido atribui a seu trabalho, etc.), discutir com ele, por exemplo, algum possível preconceito que se perpetua em sua produção, alguma visão de mundo, etc. 31 O professor ou a escola que deseje desenvolver um trabalho com a cultura popular entre seus alunos deveria se voltar para a comunidade em que a escola está inserida e procurar saber se houve ou há cantadores tradicionais, poetas, repentistas, etc. Uma liberdade maior foi dada ao professor de literatura para o trabalho com esse tipo de texto desde a recente publicação das OCEMs (BRASIL, 2008, p.57), defendendo o trabalho com textos da chamada cultura popular, uma vez que se trata de expressão de grupos, afirmando-se que Muitas das obras de grande valor cultural têm escasso valor estético, até mesmo porque não se propuseram a isso: é o caso, por exemplo, dos escritos de José do Patrocínio; outros, mesmo produzidos por artistas não letrados, mas que dominam o fazer literário- ainda que quase instintivamente-, certamente deverão ser considerados no universo literário. Corroborando a ideia de letramento literário, pensamos ser possível que o professor aja com discernimento para oferecer ao aluno inúmeras possibilidades de contato com o texto literário, seja com obras da tradição literária e/ou incluindo obras significativas de produção popular. A recente publicação do livro O cordel no cotidiano escolar (2012), de Ana Cristina Marinho Lúcio e José Helder Pinheiro Alves, convida os professores de diferentes áreas do conhecimento a compreender e a trabalhar com o cordel na sala de aula. O livro enfatiza que o trabalho com o cordel deve atentar principalmente para natureza poética das produções, que promovem o encantamento, o envolvimento de seus leitores, como todo texto literário de valor estético. Dentre as várias sugestões de trabalho com o cordel na sala de aula, os autores enfatizam que a atividade fundamental é mesmo a leitura oral “E ler em si, mesmo sem fazer nada a partir disto, já é grande coisa. [...] Depois se vai ampliando a experiência de leitura vai-se abrindo a visão às vezes estreita do leitor adolescente” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p.127-128). A ideia de adaptar as sugestões à realidade escolar ajuda a aproveitar muitas das atividades elencadas pelos autores. São sugeridas oito atividades diferentes para o trabalho com a leitura de cordel na sala de aula. Dentre elas destacamos o debate, tendo em vista a diversidade temática que encontramos na literatura de folhetos “Essa riqueza de abordagens assume tons diferenciados, visões de mundos às vezes conflitantes, ideologias diversas. Essa diversidade pode 32 ser aproveitada para instigar debates, discussões em sala de aula.” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p. 129). Também nos parece interessante a realização do jogo dramático3, que tende a recuperar a capacidade fantasiosa dos alunos, principalmente os do Ensino Fundamental. Há também sugestões que atendem à perspectiva interdisciplinar como é o caso de discutir e trabalhar com a xilogravura, que pode ser feita em conjunto com a disciplina Artes. Pode-se, também, realizar uma feira de Literatura de Cordel, na qual poderão se desenvolver variadas atividades. Marinho e Pinheiro (2012, p.132-133) sugerem que haja a) folheteiros vendendo seus folhetos; b) emboloadores e violeiros cantando, fazendo desafios, improvisando; c) exposição de xilogravuras e de folhetos antigos e /ou novos; d) murais com reportagens sobre cordelistas; e) palestras e oficinas de criação de poemas de cordel, realizadas por poetas locais; f) encenações de histórias de cordel adaptadas para o teatro ou de peças inspiradas em folhetos; g) apresentação de músicas populares influenciadas pela Literatura de Cordel; h) sessões de cinema com filmes inspirados em folhetos ou que, de algum modo, toquem na questão da Literatura de Cordel. A feira pode e deve ser adaptada às condições locais, tudo dependerá de como o trabalho foi desenvolvido em sala de aula. Muitas outras ideias podem surgir dos próprios alunos durante a organização do evento. O importante é que o envolvimento deles com esse tipo de atividade os empolgue na busca por novas leituras e na valorização da Literatura de Cordel como um produto cultural que merece ser preservado e integrado às experiências de vida das atuais gerações. Dessa forma, entendemos, conforme Marinho e Pinheiro (2012), que a maneira como se trabalha com o texto literário revela muitas vezes as nossas próprias posturas diante daquele tipo de texto e, no caso do trabalho com textos advindos da cultura popular, pressupõem uma empatia com tais textos. O que pretendemos com o ensino de literatura em geral, de fato, é contribuir para a formação do leitor literário. 3 “Trata-se de uma improvisação a partir de qualquer situação” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p.131) 33 Diante do exposto, é perceptível que a atual concepção norteadora do ensino de Literatura abre espaço para a leitura da obra literária, sem que seja necessário defini-la como popular ou erudita. Percebemos, portanto, que, na literatura, o objeto de estudo não deve centrar-se no texto ou no seu autor, mas sim no conjunto, levando em consideração, principalmente, o leitor e a recepção que ele tem da obra no momento de leitura. No anseio de que as reflexões caminhem no patamar da teoria para prática, realizaremos, no próximo capítulo, uma leitura dos folhetos O dinheiro, O cavalo que defecava dinheiro e As proezas de um namorado mofino, tentando perceber de que forma a tradição satírica, abordada por críticos como Bakhtin (1981 e 1987); Northop Frye (1957) e Salvatore D‟Onofrio (1968), ilumina a percepção de sátira presente nos folhetos a serem levados à sala de aula. Essa leitura é antecedida por uma explanação a respeito da sátira menipeia abordada por Bakhtin (1981), bem como de uma breve apresentação da poesia satírica de Leandro Gomes de Barros, autor dos folhetos objetos desta pesquisa. 34 Contribuições da tradição satírica para leitura de folhetos A poesia não pode ser um luxo para alguns iniciados: é o pão cotidiano de todos, uma aventura simples e grandiosa do espírito. (Murilo Mendes) 35 2 Contribuições da tradição satírica para leitura de folhetos 2.1 A tradição satírica Um aspecto que a crítica tem destacado na obra de Leandro Gomes de Barros é o caráter satírico de seus folhetos. Possuindo um aspecto multiforme, a sátira não se configura como gênero 4e pode se fazer presente nos mais diversos veículos, sejam eles literários ou não. Motivada pela insatisfação e pela recusa dos costumes, a sátira requer uma consciência alerta, que seja capaz de observar as incongruências do homem e da sociedade. Partindo do pressuposto de que a exposição de tais incongruências pode acarretar a correção dos vícios e desvios, produzindo uma melhoria do caráter humano, bem como das instituições sociais, é possível afirmar que ela se vincula ao que é intimamente humano, uma vez que expressa a insatisfação e a esperança. A tentativa de encontrar definição para o termo sátira se faz presente neste trabalho. Contudo, dada a diversidade de discussões a respeito de uma possível definição, buscaremos circunscrever algumas definições ou aproximações, as quais consideramos pertinentes aos nossos interesses. Segundo o Dicionário de termos Literários organizado por Massaud Moisés (1978, p.469-470), Sátira do Latim sátira(m), de lanx satura prato cheio de frutos sortidos que se ofereciam a Ceres, deusa das sementeiras (satum), modalidade literária ou tom narrativo a sátira consiste na crítica das instituições ou pessoas, na censura dos males da sociedade ou indivíduos. Vizinha da comédia e do humor burlesco. Sendo um procedimento literário voltado para censura dos costumes, das instituições e das ideias em tom irônico, mordaz e não raro jocoso, os textos satíricos assumem um discurso crítico e maldizente, que se define por caricaturar e relegar ao ridículo os defeitos e vícios da vida em sociedade. Acreditamos que esse 4 Vale destacar que ao tratarmos da sátira menipeia (diferentemente da ideia de sátira que se faz na atualidade, a qual é entendida como uma tonalidade do discurso), iremos considerá-la gênero, uma vez que nos embasamos em teóricos como Bakhtin (1981). 36 aspecto possa corroborar para um bom resultado com a leitura de cordéis em sala de aula de Ensino Médio. Mikhail Bakhtin (1981), em estudo de grande importância sobre a obra de Dostoievski, examina de forma minuciosa a “sátira menipeia”, a qual muito se aproxima do aspecto que nos propomos a explorar neste trabalho. Bakhtin (1981, p. 97) afirma que a sátira menipeia “exerceu uma influência muito grande na literatura cristã antiga (do período antigo) e na literatura bizantina (e, através desta, na escrita russa antiga)”. Na antiguidade clássica, os gêneros ligados ao campo do cômico-sério, a exemplo do diálogo socrático, das fábulas, da poesia bucólica, da sátira menipeia, entre outros, eram geralmente tidos como opostos aos chamados gêneros sérios, como a tragédia, a epopeia e a retórica. Para Bakhtin (1981), esses gêneros estão conjugados com o folclore carnavalesco, variando de grau de um gênero para outro. Em seu estudo, o teórico russo aponta três peculiaridades para os gêneros do cômico-sério. A primeira seria o tratamento dado à realidade, à atualidade viva à representação do dia a dia. A segunda é o fato de não se basearem em lendas e sim na experiência e na fantasia livre, e a terceira seria a pluralidade de estados e variedade de vozes, observando-se, por exemplo, a presença de gêneros intercalados, a fusão da prosa e do verso, o bilinguismo e o uso de dialetos e jargões, etc. Em seu texto, o teórico discute a procedência da vinculação das obras de Dostoievski, a variedade que leva à linha carnavalesca, denominada por ele de variedade dialógica. Nesta, dois gêneros do campo do cômico-sério são determinantes: o diálogo socrático e a sátira menipeia. Após discorrer sobre as peculiaridades históricas do diálogo socrático, Bakhtin (1981, p.97) percorre as origens e os representantes das menipeias antigas e afirma que Esse gênero deve a sua denominação ao filósofo do século III a.C Menipo de Gadare, que lhe deu forma clássica (...) Mas o gênero propriamente dito surgiu bem antes e talvez o seu primeiro representante tenha sido Antistheno, discípulo de Sócrates e talvez um dos autores dos diálogos socráticos. Discorrendo a respeito das típicas peculiaridades da categoria literária conhecida como sátira menipeia ou simplesmente menipeia, Mikhail Bakhtin (1981), 37 apresenta as características deste gênero divididas em catorze tópicos, os quais tentaremos sintetizar da seguinte forma: 1. Excessiva importância dada ao elemento cômico; 2. Liberdade, excepcional, de invenção temática e filosófica; livre das lendas, a menipeia não está presa às exigências da verossimilhança externa. “É possível que em toda a literatura não encontremos um gênero tão livre pela invenção e a fantasia do que a menipeia”; 3. As peripécias, as fantasias, as situações fantásticas, mesmo as mais ousadas, são justificadas como tendo um fim ideal e ideológico de provocar e experimentar a verdade; 4. A combinação de situações aparentemente inconjugáveis, o símbolo e, às vezes, o elemento místico- religioso fundem-se com um naturalismo de submundo, extremado e grosseiro; 5. Uma espécie de reflexão sobre os problemas do mundo através de uma ousada imaginação combinada com um naturalismo filosófico; 6. Manifestação de uma estrutura triplanar, em que ações com base no universalismo filosófico se deslocam da terra para o Olimpo (céu) e deste para o inferno. “Na menipeia, teve grande importância a representação do inferno, onde germinou o gênero específico dos “diálogos dos mortos”, amplamente difundido na literatura europeia do Renascimento, dos séculos XVII e XVIII.”; 7. Surgimento da modalidade do fantástico experimental, isto é, análise e observação dos fenômenos a partir dos pontos de vista e focos de visão inusitados; 8. Aparecimento da experimentação moral e psicológica. Representação de toda espécie de loucura: dupla personalidade, sonhos e devaneios, temáticas suicidas, isto é, de situações limítrofes entre a sanidade e a loucura; 9. Uso de categorias como excentricidade, o escândalo. Declarações inoportunas, violações às normas e às etiquetas comportamentais e de discursos; 10. Presença de jogos de oximoros, de antíteses e contradições violentas; 11. Incorporação de elementos da utopia social, introduzidos sob a forma de sonhos ou viagens a países misteriosos; 12. Intercalação de gêneros (cartas, novelas, discurso típicos da oratória ou do jornalismo, sermões, etc.) ou fusão da prosa e do verso; 38 13. Multiplicidade de estilos e enfoque conferido à palavra, enquanto portadora de plurissignificações dentro do universo literário; 14. Presença de temas voltados à literatura político-social, ou publicística, caracteristicamente centrados na atualidade. A vinculação da “publicística” às peculiaridades da menipeia faz coro com a dessacralização, os contrastes e as alegorias carnavalizadas. A menipeia, assim como os outros gêneros englobados pelo cômico-sério, busca sua organização na cosmovisão carnavalesca, ou seja, procura o livre contato familiar entre os homens (BAKHTIN, 1981), a eliminação das distâncias sociais e hierárquicas, a excentricidade, a profanação formada pelos sacrilégios carnavalescos. Capaz de penetrar em todos os outros gêneros e de explorar o elemento cômico como nenhum outro, a sátira menipeia se torna “mais livre pela invenção e pela fantasia” (BAKHTIN, 1981, p.98). Essa liberdade se apresenta também como uma experimentação da moral, cheia de filosofia e psicologia, colocando o homem em diálogo com sua própria consciência. Além disso, apresenta-se através de personagens que vivem situações extremas. Como afirma Bakhtin (1981, p.101), A menipeia é plena de contrastes agudo e jogos de oximoros: a hetera virtuosa, a autêntica liberdade do sábio e sua posição de escravo, a decadência moral e a purificação, o luxo e a miséria, o bandido nobre, etc. A menipeia gosta de jogar com passagens e mudanças bruscas, o alto e o baixo, ascensões e decadências, aproximações inesperadas do distante e separado, com toda sorte de casamentos desiguais. O teórico russo conclui seu percurso sobre a menipeia afirmando que Dostoievski não foi um estilizador de gêneros antigos. Em termos gerais, pode-se dizer que quem conservou as particularidades da menipeia antiga não foi a “memória subjetiva” de Dostoievski, mas a “memória objetiva” do próprio gênero com o qual ele trabalhou. Dessa forma, podemos entender a sátira menipeia como sendo um gênero que muito se aproxima do que chamamos apenas de sátira ou tom satírico, sendo que, atualmente, a crítica inclina-se a tratar a sátira mais como uma tonalidade do 39 que como uma forma literária delineada solidificada pelos preceitos de um gênero5. Alfredo Bosi (1988, p.278), ao discorrer sobre Perspectiva e tom na interpretação da obra literária, afirma que As classificações dos gêneros e subgêneros literários guardam uma base tonal. Tom patético, tom elegíaco, tom satírico, tom fúnebre [...] Se o leitor conseguir dar, em voz alta o tom justo ao poema, ele já terá feito uma boa interpretação. Entendemos, portanto, que essa tonalidade de aspecto satírico é uma vertente literária que perpassa desde clássicas produções até as produções de cunho popular e talvez seja nesse espaço que ele ganhe mais força em consequência da liberdade de produção existente no âmbito da Literatura Popular. Abordaremos a seguir as características específicas da obra do paraibano cordelista Leandro Gomes de Barros, que muito utilizou o aspecto satírico em suas composições. 2.2 Sobre a poesia satírica de Leandro Gomes de Barros Leandro Gomes de Barros, nascido no sertão paraibano, foi o primeiro poeta popular a viver exclusivamente de escrever versos populares. Segundo alguns estudiosos, ele abriu portas para o sucesso de centenas de cantadores e cordelistas nordestinos. Um aspecto de destaque na obra de Leandro foi a sátira, que perpassa a maioria dos seus poemas em tom jocoso, de caráter brincalhão, que provoca no leitor o riso e a criticidade frente ao enredo de muitos de seus folhetos e conforme podemos constatar no que diz Batista (1977 p.XXIV): [...] a maior glória do nosso romanceiro cabe a Leandro Gomes de Barros (1865)-19180, que foi, indiscutivelmente, o maior poeta popular do Brasil, “que se localizando no Recife inaugurou e vulgarizou no nordeste a literatura de cordel, publicando de sua autoria mais de mil produções cada 5 Na literatura brasileira, a sátira é constantemente associada ao poeta Gregório de Matos, que, durante o período colonial, foi o que mais produziu poemas satíricos, Outro escritor, cujas obras estão sendo frequentemente analisadas na perspectiva da abordagem satírica, é Machado de Assis. Assimilando em suas produções diversos traços estilísticos da sátira menipeia, Machado criou obras por onde perpassam o humor e a sátira de forma mordaz. 40 uma mais irônica e mais adequada à sua inteligência aguda e vivamente repassada daquela mordacidade que era a linha vertical do seu caráter. A qualidade artística dos seus versos e sua originalidade deram a Leandro um lugar de destaque no Cânone da Literatura Popular do Brasil. Além disso, conforme já citado anteriormente, a sua vasta produção e seu importante papel na divulgação desse tipo de poesia lhe renderam elogios feitos por seus companheiros de profissão e posteriormente por diversos estudiosos da área. O poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade publicou uma crônica no Jornal do Brasil em 9 de setembro de 1976, intitulada Leandro, o poeta, onde questiona o título de Príncipe dos poetas brasileiros conferido ao poeta Olavo Bilac pela, então, famosa revista Fon Fon e nos mostra as razões pelas quais Leandro foi por ele consagrado no cânone da Literatura Popular. Observe-se parte da declaração de Drummond (MEDEIROS, 2002, p.18) Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173, elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros. Atribuo o resultado à má informação porque o título, a ser concebido, só poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de Janeiro, local da eleição promovida pela revista FON-FON, mas vastamente popular no Nordeste do país, onde suas obras alcançaram divulgação jamais sonhada pelo autor de „Ouvir Estrelas‟. [...] Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro. Além das declarações de Drummond, alguns estudiosos da cultura popular e, especificamente, da Literatura de Cordel exaltaram a figura de Leandro como sendo o mais importante representante dessa literatura brasileira. Diégues Jr. (1986, p.316), por exemplo, declara que “Leandro Gomes de Barros foi o epítome do poeta popular do Nordeste. Foi não só um dos primeiros a escrever e imprimir folhetos que incluíam o melhor da tradição oral, mas também o mais prolífico dos poetas populares.”. Acreditamos que Barros desbravou um campo hoje vasto, que é o da produção de versos no nordeste brasileiro, sendo dono de uma vasta obra em se tratando de quantidade e diversidade temática. Como prova das qualidades artísticas e principalmente da atualidade temática da obra desse poeta, podemos citar o fato de até os dias atuais existirem novas edições em editoras de renome, a 41 exemplo da recente publicação do folheto Juvenal e o Dragão, destinado ao público infantil. Além disso, há escritores contemporâneos que se inspiram em folhetos de Leandro para escrever. Ariano Suassuna é um exemplo vivo de como escritores realizam adaptações dos folhetos em suas obras. No caso de Ariano, podemos citar sua mais famosa peça teatral O Auto da Compadecida, escrita em 1955 e encenada pela primeira vez em 1957. Após várias remontagens, a peça foi adaptada para o cinema pelo cineasta Guel Arraes em 1995. Inspirada na Literatura Popular, a obra foi produzida a partir de três folhetos, sendo que dois são de autoria de Leandro: O dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro, dos quais utiliza até mesmo citações diretas transferidas dos folhetos, como os versos “Que animal inteligente! Que sentimento tão nobre!”, retirados do folheto O dinheiro. Suassuna recria as ações e argumentos utilizados nos folhetos adaptandoas para forma dramática. O próprio Dramaturgo assume suas inspirações na obra do poeta paraibano. Curran (1973, p.61) afirma que “Suassuna conhece muita coisa da poesia de Leandro e o tem louvado como melhor dos poetas populares.” Escritores continuam bebendo em sua fonte e fazendo sucesso com a divulgação de seus folhetos através de produções artísticas inspiradas nas obras de Leandro. Acreditamos que a obra Leandro Gomes de Barros obteve uma repercussão ampla, suscitando o diálogo com outros gêneros, como o Dramático, por exemplo. Segundo estudiosos como Curran, Diégues Jr., entre outros, Leandro é exemplo da verdadeira expressão artística do povo brasileiro e continua desempenhando papel importante na Literatura e confirmando a sua posição de destaque no cânone da Literatura Popular brasileira. Em virtude de seu papel importante como iniciador da Literatura de Cordel 6 editada e de sua vasta produção, Leandro foi escolhido para este estudo. Quanto à numerosa produção atribuída a esse poeta, devemos observar que há entre pesquisadores, alguns pontos de vista diferentes: uns dizem ter chegado a mil produções diferentes, outros afirmam que foram seiscentos. A Fundação Casa Rui Barbosa, que possui um grande acervo de Literatura de Cordel aqui no Brasil, tem 6 Vale lembrar que o termo cordel é de uso recente e instituído mais pela academia que pelos poetas, os quais na época das produções de Leandro, eram conhecidos por nomes como folhetos ou folhetos de feira, folhetins, entre outros. 42 atualmente arquivado, em seu banco de dados, cerca de 400 folhetos desse poeta sertanejo. De fato sabemos que reedições de muitos de seus folhetos são produzidas e vendidas em todo o Brasil até os dias atuais. Também se acredita que ele seja o poeta popular brasileiro dos mais conhecidos, ao lado de nomes como Patativa do Assaré, João Martins de Athayde, Manoel Camilo dos Santos, dentre os mais revisitados. Outra característica particular do autor foi o fato de ele ter sustentado grande família exclusivamente da venda de seus folhetos. Tendo vivido até os 15 anos na cidade de Teixeira-PB, berço da poesia popular do nordeste brasileiro, conviveu com grandes cantadores, como Inácio da Catingueira, Romano de Mãe d‟água, Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Ungolino Nunes da Costa e Nicandro Nunes da Costa. Acredita-se que foi deles que herdou o legado da poesia popular. Em suas composições, é notório o talento com que produz o humor, o sarcasmo de uma forma surpreendentemente natural. Muitos estudiosos tentaram realizar uma classificação da poesia Leandrina, mas essa tarefa esbarra em algumas dificuldades, como, por exemplo, os problemas de autoria. Conforme Curran (1973, p.15), “Em toda poesia popular ou poesia com características folclóricas, a autoria é um grande problema. As coleções de poesia em geral, são poucas vezes completas.” Além disso, a precariedade do material em que eram publicados os folhetos fez com que muitos se perdessem com o tempo. Outro fator que muito prejudicou a preservação da obra deste autor foi o fato de, após sua morte, seus direitos autorais terem sido vendidos ao também poeta João Martins de Ataíde, que, muitas vezes, publicava as obras de Leandro como se fossem de sua autoria. Discorrendo sobre essa problemática, Curran (1973, p.37) afirma que “A única dificuldade, e é importante para o estudioso do assunto, é que só casualmente Ataíde indicava a autoria de Leandro”. Outra dificuldade para a classificação seria a diversidade da poesia desse autor. Podem ser encontrados Abcs, Pelejas, Romances, entre outros. Mesmo com todos esses entraves, alguns estudiosos se atreveram a essa tarefa. Diegues Jr. (1986), por exemplo, usando o princípio temático, classificou da seguinte forma: 1. Os tempos difíceis; 2. Os estrangeiros no Brasil; 3. O governo, a política e a guerra; 4. A mulher, o casamento e a sogra; 5. O jogo do bicho; 6. A religião; 7. A cachaça e a aguardente; 8. O cangaço, e Antonio Silvino. 43 Entre os poemas de Leandro que ainda hoje atraem a atenção dos leitores, estão, conforme já mencionamos, os de aspectos satíricos. Igualmente a muitos poetas populares, Leandro se sentia um representante de seu povo e, para isso, escrevia em estilo ligeiro e jocoso, muitas vezes, afiava a língua e produzia belas obras sarcásticas. Curran (1973, p. 40) afirma que “é a crítica social que representa o melhor de sua obra. Como muitos poetas, ele sentiu certa responsabilidade e até obrigação como representante do povo- de criticar as injustiças da sociedade e oferecer soluções, embora pessoais para elas.” Diegues Jr. (1977, p.347) comenta que “A sátira e a crítica social nele são aspectos de uma poesia em traje de passeio, mas cheia de filosofia popular.” Dentre as obras publicadas até hoje, podemos citar A história da Donzela Teodora; O cachorro dos Mortos; História do Boi Misterioso; O cavalo que Defecava Dinheiro; A alma de uma sogra; O casamento; Uma viagem ao céu; O dinheiro; Discussão de Leandro Gomes com uma velha de Sergipe; Suspiros de um Sertanejo; Juvenal e o Dragão; Peleja de Riachão com o Diabo; Segunda Peleja de Romano com Inácio da Catingueira; História da Princesa da Pedra Fina; Índia Necy; História de João da Cruz, entre outras. Nos subtópicos que se seguem, tentaremos realizar uma análise mais precisa do aspecto satírico presente nos folhetos levados à sala de aula. Optamos por analisar o folheto As proezas de um namorado mofino separadamente dos folhetos O dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro, por entendermos que ele se distingue entre eles, situando a discussão em outro âmbito que traz como foco principal a questão da mulher em situação diferenciada, sem, contudo, deixar de se utilizar do aspecto satírico. A priori, dentre os folhetos estudados e as possíveis aproximações com a sátira menipeia, podemos destacar a primeira característica que trata da excessiva importância dada ao elemento cômico, traço recorrente nos três folhetos analisados. Quanto aos folhetos As proezas de um namorado mofino e O cavalo que defecava dinheiro, especificamente, poderíamos associá-los à terceira característica que trata das peripécias e fantasias. Ao folheto O dinheiro, podemos associar a quarta característica, que trata da combinação de situações aparentemente inconjugáveis, tendo em vista não ser natural que um cachorro tenha um enterro cristão. Além disso, ainda em relação ao folheto O dinheiro, poderíamos associá-lo à décima 44 quarta característica pela presença de temas voltados à literatura político-social ou publicística. Outro teórico que ilumina a percepção de sátira presente nesses folhetos é Northop Frye (1957), que traz importantes reflexões sobre a ironia e a sátira e que, em alguns momentos, comungam com a ideia que Bakhtin tem sobre a sátira. Também nos utilizamos das contribuições de Bosi (1988) e de Salvatore D‟Onofrio (1968). 2.3 O dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro: o viés satírico Os poetas populares do nordeste brasileiro, na maioria das vezes, têm suas inspirações associadas a manifestações do imaginário popular. Nos folhetos O dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros, percebemos que o poeta representa, em seus versos, o poder que o dinheiro e que a ambição exercem na sociedade e, para isso, cria situações com o objetivo de satirizar instituições. O folheto O dinheiro é composto por 34 sextilhas com esquema rímico que segue a tradição dos folhetos nordestinos ABCBDB, ou popularmente chamado de xaxaxa. Nele encontramos a história de um inglês 7 que suborna um vigário fazendoo realizar um enterro cristão para o seu cachorro de estimação. O padre, ao saber que o cachorro deixou um testamento em que o beneficiaria, passa por cima das leis da igreja e realiza o dito enterro. O enredo divide-se em duas partes. Na primeira, o autor apresenta 19 sextilhas em que, em diversas situações, o dinheiro é destaque, 15 estrofes no início e 04 estrofes no final do folheto. Intercalada a essas estrofes está o que chamaremos de segunda parte. Veja-se a estrutura da primeira parte: Porque só mesmo o dinheiro Tem maior utilidade, É farol que mais brilha Perante a sociedade. O código dali é ele 7 Vale salientar que o inglês faz parte de uma série de folhetos, em que Leandro satirizava essa figura e que Diégues Jr. (1986) classificou como tema “Os estrangeiros no Brasil". 45 A lei é sua vontade. (BARROS, 2002, p.102) As instituições tidas como moralmente irrepreensíveis ou poderosas são criticadas por Leandro, que busca provocar polêmica através do desmascaramento, trazendo luz a verdades correntes em instituições como a igreja, o poder judiciário e até mesmo a família. O homem tendo dinheiro Mata até o próprio pai, A justiça fecha os olhos A polícia lá não vai, Passam-se cinco ou seis meses Vai indo o processo cai Ainda que vá a júri Compra logo atenuante, Dá um unto aos jurados Se livra no mesmo instante, Tem o juiz a favor, Jurados e assim por diante (BARROS, 2002, p.102) Outro fator de destaque nesse poema é a presença da comparação do ser humano com o animal. Acreditamos que o autor buscava suscitar a reflexão em torno do tema discutido no folheto: o valor do homem na sociedade, tendo dinheiro vale muito, se não, até mesmo um animal vale mais. Pois o homem sem dinheiro É como um velho demente, Um gato que não tem unha, Cobra que não tem dente Cachorro que não tem faro Cavalo magro e doente. (BARROS, 2002, p.103) Northrop Frye (1957), ao discorrer sobre a sátira, comenta que “chamar um homem de porco ou jaritataca ou uma mulher de cadela proporciona uma satisfação fortemente limitada, pois muitas das qualidades desagradáveis do animal são projeções humanas.” (FRYE, 1957, p.221). É justamente nesse patamar de destacar as qualidades desagradáveis do homem, que não tem dinheiro, que o autor constrói tais comparações com os animais. Entendemos nesse folheto, que a 46 revelação da moral, implícita em seus versos, demonstra as características essenciais à sátira: “O humor e o ataque” (FRYE, 1957). Baseado na fantasia e nas comparações entre o homem e o animal, o autor ataca a ganância pelo dinheiro, presente em todas as instituições sociais, que torna o homem, sem dinheiro, inferior perante a sociedade. Também podemos destacar que o discurso do poeta tem uma forte ligação com o seu conhecimento de mundo, uma vez que essa aproximação do homem com a natureza é típica da relação existente entre o homem sertanejo e o seu universo. A segunda parte do folheto tenta comprovar tudo que foi afirmado na primeira, contando a história “verídica” do inglês que consegue corromper a instituição considerada uma das mais poderosas da época em que o folheto foi publicado: a igreja católica, cuja missão era considerada sublime. Isso só foi possível porque, no testamento do animal, constava como herdeiro o vigário. Em nossa observação, notamos que o enredo busca ser denunciativo e faz isso através, muitas vezes, do riso, da ironia, tentando expor a verdade sem sofrer sanções por isso. As expressões satíricas, presentes na maior parte das produções do poeta, recorrem à possibilidade de um riso crítico, que pressupõe a superioridade de quem ri face ao alvo do riso ou suscitado pelos defeitos daquilo ou de quem se ri. Um inglês tinha um cachorro De uma grande estimação Morreu o dito cachorro E o inglês disse então: Mim enterra o cachorro Inda que gaste um milhão Coitado! Disse o vigário, De que morreu esse pobre? Que animal inteligente! Que sentimento tão nobre! Antes de partir do mundo Fez-me presente o cobre. (BARROS, 2002, p.103) Ele antes de morrer Um testamento aprontou Só quatro contos de réis Para o vigário deixou. Antes do inglês findar O vigário suspirou. A sátira é enfatizada pelo discurso do padre, que demonstra uma brusca mudança de comportamento (fala dócil), de atitude (o suspiro) e da atribuição de sentimento ao animal. Segundo Frye (1957, p.224), 47 Se um satirista apresenta, digamos um clérigo como tolo ou hipócrita, ele não está, qua satirista, atacando nem um homem nem uma igreja [...]. Ele esta atacando um mau homem protegido por sua igreja, e tal homem é um monstro gigantesco: monstruoso porque não é o que deveria ser gigantesco porque protegido por sua posição e pelo prestígio dos bons clérigos o hábito poderia fazer o monge, se não fosse pela sátira. Portanto, o ataque feito à instituição religiosa, nesse folheto, dá-se através do desmascaramento de um mau clérigo, protegido por sua igreja, o que não representa a composição geral dessa instituição, que, para o autor, continua sendo vista como sublime e, justamente por isso, necessita desse desmascaramento. Encontramos, também, nesse folheto, uma grande aproximação com a sátira menipeia explorada por Bakhtin (1981). Em seu estudo, Bakhtin (1981, p.102), ao falar sobre as sátiras de Luciano de Samósata (escritor da antiguidade clássica), remete-nos de imediato às produções do cordelista paraibano, e mais detidamente ao folheto O dinheiro. As sátiras de Luciano são, no conjunto, uma autêntica enciclopédia da sua atualidade: são impregnadas de polêmica aberta e velada com diversas escolas ideológicas, filosóficas, religiosas e científicas, com tendências e correntes da atualidade, são plenas de imagens e figuras atuais ou recémdesaparecidas, dos “senhores das ideias” em todos os campos da vida social e ideológica (citados nominalmente ou codificados), são plenas de alusões a grandes e pequenos acontecimentos da época, perscrutam as novas tendências da evolução do cotidiano, mostram os tipos sociais em surgimento em todas as camadas da sociedade. Percebemos que, assim como as obras de Luciano são impregnadas de polêmica aberta e velada com diversas escolas ideológicas, filosóficas, religiosas e cientificas, também o folheto em análise se utiliza desses procedimentos para compor seu enredo, uma vez que coloca em discussão, em forma de diálogo com o interlocutor, além de outras, as atitudes e reações do vigário e do bispo, sinalizadas pela presença do ponto de interrogação, que abre espaço para a reflexão da temática, veja-se: Mandaram dar parte ao bispo Que o vigário tinha feito O enterro do cachorro, Que não era de direito O bispo aí falou muito Mostrou-se mal satisfeito. O vigário entregou-lhe 48 Os dois contículos de réis. O bispo disse é melhor Do que diversos fiéis. E disse: provera Deus Que assim lá morresse uns dez E se não fosse o dinheiro? A questão ficava feia Desenterrava o cachorro O vigário ia pra cadeia Mas como o cobre correu Ficou qual letras na areia (BARROS, 2002, p.103-104) Novamente o discurso entra no poema como forma de satirizar. Desta vez é o discurso do bispo que irá destacar o efeito satírico, demonstrado pela mudança de tom na fala e nas atitudes do bispo perante a situação ocorrida. Além disso, percebemos que essas estrofes encerram a segunda parte sem, contudo, encerrar o poema, pois há, nesse momento, um retorno à primeira parte do folheto, em que o autor vai apresentar, novamente, situações em que o dinheiro é determinante das ações humanas. Judas era um homem santo Pregava a religião Era discípulo de Cristo, Tinha toda direção Porém por 30 dinheiros Dispensou a salvação. Havendo muito dinheiro Casa-se irmã com irmão, O bispo dispensa um quarto Vai ao papa outo quinhão O vigário dá-lhe o unto E porque não casam, então? ((BARROS, 2002, p.104) O aspecto satírico tão presente nas obras de Leandro encontra-se acentuado nesse folheto. Nele o poeta satiriza o Inglês, a igreja católica na figura de seus representantes hierárquicos, critica o poder judiciário, revela as fraquezas humanas perante o dinheiro, tudo isso em um tom mordaz, porém jocoso. O folheto O cavalo que defecava dinheiro é escrito em 77 sextilhas em redondilhas maiores, com esquema rímico que novamente segue a tradição. O enredo narra a história de um fazendeiro invejoso e avarento chamado na história de Duque8, que, por várias vezes, é ludibriado por um compadre matuto. O poema está estruturado em quatro partes. Na primeira, faz-se a apresentação dos personagens e narra-se o primeiro “quengo” aplicado pelo matuto, que, nesse tipo de produção, significa armar alguma situação embaraçosa para 8 Era de costume do povo sertanejo a atribuição de título de nobreza a grandes fazendeiros. 49 constranger o outro. Segundo Farias (2010, p14.), “Não há uma definição formulada para esse termo, mas em nossa perspectiva o quengo consiste na capacidade do personagem se safar de situações difíceis a partir de planos inteligentes, frutos de sua própria cabeça, ou, na linguagem popular, de seu quengo.” Nesse folheto, o primeiro “quengo” consistia em fazer o duque acreditar que o cavalo defecava dinheiro para assim atiçar a cobiça do duque e lucrar um bom dinheiro com a venda do cavalo, que já estava magro e doente Na cidade de Macaé Antigamente existia posso negoci Um duqueEu velho invejoso Que nada o satisfazia Desejava possuir Todo objeto que via Quando o duque velho soube Que ele tinha esse cavalo Disse pra velha duquesa: -Amanhã vou visitá-lo Se o animal for assim Faço o jeito de comprá-lo! Esse duque era compadre De um pobre muito atrasado Que morava em sua terra Num rancho todo estragado Sustentava seus filhinhos Na vida de alugado. Saiu o duque vexado Fazendo que não sabia, Saiu percorrendo as terras Como quem não conhecia Foi visitar a choupana, Onde o !pobre residia. Se vendo o compadre pobre Naquela vida privada Foi trabalhar nos engenhos Longe da sua morada Na volta trouxe um cavalo Que não servia pra nada -É muito certo compadre Ainda não melhorei Porque andava por fora Faz três dias que cheguei Mas breve farei fortuna Com um cavalo que comprei (BARROS, 1999, p.1-3) Vamos inventar um "quengo" Pra ver se o querem comprar Esse primeiro golpe, aplicado pelo matuto desencadeia todo o desenvolvimento do folheto, pois o compadre sabendo que o duque, ao descobrir sua armação voltará para pedir-lhe explicação adianta-se a planejar o próximo golpe, que é narrado na segunda parte do enredo. O matuto, desta vez, com a ajuda ! da esposa, vende uma rabeca velha ao duque, fazendo-o acreditar que a rabeca tem poderes mágicos de ressuscitar mortos. Aí o velho zangou-se Começou logo a falar: -Como é que meu compadre Se atreve a me enganar? Eu quero ver amanhã O que ele vai me contar. 50 O pobre entusiasmado Disse-lhe: _Já conheceu Quando esta rabeca estava Na mão de quem me vendeu, Tinha feito muitas curas De gente que já morreu! Disse-lhe o compadre pobre: _O senhor faz muito bem, Quer me comprar a rabeca Não venderei a ninguém Custa seis contos de réis, Por menos nem um vintém. (BARROS, 1999, p.08-10) Mas ela me está tão cara Que não me convém dizer. O velho que tinha vindo Somente propor questão, Por que o cavalo velho Nunca botou um tostão Ao voltar para casa, o duque decide dar uma lição em sua esposa e, para isso, aplica-lhe golpes de faca, pensando que conseguirá ressuscitá-la com a dita rabeca mágica. Ele pensa que, com isso, fará com que a mulher considerada por ele muito “estouvada”, se tornasse subserviente, porém o plano não dá certo, tendo em vista que a rabeca é mais uma das armações do matuto. O duque acaba assassinando a própria esposa e se arrependendo muito por isso. O velho que confiava Na rabeca que comprou Disse a ela: -Cale a boca! O mundo agora virou Dou-lhe quatro punhaladas, Já você sabe quem sou. Ele findou as palavras A velha ficou teimando, Disse ele: -Velha dos diabos Você ainda está falando? Deu-lhe quatro punhaladas Ela caiu arquejando... O velho muito ligeiro Foi buscar a rabequinha, Ele tocava e dizia: -Acorde, minha velhinha! Porém a pobre da velha, Nunca mais comeu farinha. (BARROS, 1999, p.11) Essa artimanha deixa o duque furioso, ao ponto de querer vingar-se a todo custo. Então, contrata capangas para matarem o matuto, porém o matuto, sempre esperto, aproveita a distração dos capangas e consegue ludibriar um boiadeiro que passava por eles no momento em que ele ia ser empurrado de um penhasco. O boiadeiro também cai na conversa do esperto e, pensando que irá se casar com uma milionária, aceita trocar de lugar com o matuto e acaba por ser assassinado em seu lugar. 51 Mandou chamar dois capangas: -Me façam um surrão bem feito Façam isto com cuidado Quero ele um pouco estreito Com uma argola bem forte, Pra levar este sujeito! Quando acabar de fazer Mande este bandido entrar, Para dentro do surrão E acabem de costurar O levem para o rochedo, Para sacudi-lo no mar. Está muito bem, companheiro Vamos tomar a bicada! (Assim falou o capanga Dizendo pro camarada) Seguiram ambos pra venda Ficando além da estrada... Todos os meus possuídos Vão aqui nessa boiada... Fica o senhor como dono, Pode seguir a jornada! O pobre quando se viu Livre daquela enrascada, Montou-se num bom cavalo E tomou conta da boiada, Saiu por ali dizendo: -A mim não falta mais nada. Os capangas nada viram Porque fizeram ligeiro, Pegaram o dito surrão Com o pobre do boiadeiro Voaram de serra abaixo Não ficou um osso inteiro. (BARROS, 1999, p.12-14) O boiadeiro lhe disse: -Eu dou-lhe de mão beijada, Passado algum tempo, o matuto esperto volta à fazenda do duque com o dinheiro que conseguiu com a venda da boiada. O duque fica admirado com riqueza daquele que ele pensava ter dado um fim. Novamente o duque cai na conversa do matuto e, pensando ir encontrar muito dinheiro, é jogado do penhasco ao mar, encerrando assim o enredo do folheto. Fazia dois ou três meses Que o pobre negociava A boiada que lhe deram Cada vez mais aumentava Foi ele um dia passar, Onde o compadre morava... O velho ia pensando De encontrar muito dinheiro, Porém sucedeu com ele Do jeito do boiadeiro, Que quando chegou embaixo Não tinha um só osso inteiro. (BARROS, 1999, p.15-16) O compadre matuto representa o claro exemplo do anti-herói das histórias de folhetos. Personagem da mesma descendência de Pedro Malasartes, João Grilo, 52 Cancão de Fogo, entre outros. Um sujeito pobre e feio que consegue sobreviver somente pela sua astúcia e destreza ao aplicar o que, na literatura de folhetos, conhecemos como “quengos”. O enredo do folheto desliza no imaginário popular com a criação de personagens enraizados na cultura do povo do sertão. A sátira nesse caso se dá através da inversão de papeis, e novamente podemos retomar aspectos da sátira menipeia. Conforme Bakhtin (1981, p.101), “A menipeia é plena de contrastes agudos e jogos de oximoros: a hetera virtuosa, a autêntica liberdade do sábio e sua posição de escravo, o imperador convertido em escravo, à decadência moral e a purificação, o luxo e a miséria, o bandido nobre”. Temos, nessa história, um personagem oprimido que vence pela astúcia, mesmo que, para isso, valha-se de meios questionáveis, como é o fato de matar o boiadeiro e fazer acreditar que os fins justificam os meios. Outro personagem que enfatiza esse destronamento é o duque, que sai de sua posição de superioridade e passa para a posição de inferioridade diante da esperteza do compadre. O fato de fazer o “duque” acreditar que o compadre tinha um cavalo que defecava dinheiro demonstra o tamanho da ambição do personagem chegando a torná-lo ingênuo. Esse é mais um aspecto de aproximação entre a obra satírica de Leandro e a Menipeia, para Bakhtin (1981, p.99), “a ousadia da invenção e do fantástico combina-se na menipeia com um excepcional universalismo filosófico e uma extrema capacidade de ver o mundo.” Essa invenção, que recobre a moral de que a ambição é algo maléfico, para a sociedade, aparece de forma grotesca9 no folheto. Para Frye (1957, p.220), “A sátira requer pelo menos uma fantasia mínima, um conteúdo que o leitor reconhece como grotesco e, pelo menos, um padrão moral implícito, sendo o último essencial, numa atitude combativa. Vejam-se as estrofes 5 e 6: Foi na venda de lá trouxe Três moedas de cruzado Sem dizer nada a ninguém Pra não ser censurado. No fiofó do cavalo Foi o dinheiro guardado. 9 No geral, o termo grotesco assume, atualmente, o sentido de bizarro, extravagante, caprichoso, mau gosto, irregular e mesmo ridículo. 53 Do fiofó do cavalo Ele fez um mealheiro Saiu dizendo: Sou rico Inda mais que um fazendeiro Por que possuo um cavalo Que só defeca dinheiro. (BARROS, 1999, p.2-3) Outro fator importante para o desenvolvimento do aspecto satírico é o trabalho com a linguagem. A escolha de alguns termos chulos é determinante para causar o efeito humorístico, como podemos perceber com a utilização do termo “fiofó” nessas estrofes. O trágico final vivido pelo duque avarento tende a não gerar piedade e sim o sentimento de vingança. Veja-se a forma como o autor desenvolve essa parte do enredo: O velho ia pensando De encontrar muito dinheiro Porém sucedeu com ele Do jeito do boiadeiro Que quando chegou embaixo Não tinha um só osso inteiro (BARROS, 1999, p.16) A expressão da oralidade, em conjunto com as situações embaraçosas, satiriza o personagem prepotente em suas tentativas sempre frustradas de se sair bem. Daí podemos entender que a criação desses personagens cheios de oxímoros, o compadre muito pobre e duque muito ambicioso, que perpassam todo o desenrolar do enredo e se completa com o final trágico para o duque avarento e a vitória para o compadre pobre. A sátira elaborada por Leandro Gomes de Barros, nesses dois folhetos, mostra-se através de histórias em que personagens representam imagens ou tipos sociais e refletem a vontade presente no ideário popular e, desta forma, consegue agradar o público leitor que se satisfaz com a revelação das fraquezas humanas diante da ambição pelo poder e pelo dinheiro. 54 2.4 As proezas de um namorado mofino: presença da mulher Percorrendo os folhetos do poeta paraibano Leandro Gomes de Barros, percebemos que há, em alguns, uma espécie de desconforto em relação à postura da mulher e os “novos tempos”. O poeta tende a explorar as mudanças sociais a partir da mudança de comportamento da mulher. Dentre os folhetos que versam sobre essas questões, podemos citar: O peso de uma mulher, A mulher hoje em dia, A mulher e o imposto, A mulher em tempos de crise, entre outros. Esse desconforto em relação às atitudes femininas pode ser entendido como uma possível leitura do papel que a mulher assumia na sociedade da época em que os folhetos foram escritos. Se levarmos em consideração que, entre os séculos XVIII e XIX, as mulheres não tinham espaço no mercado de trabalho e suas obrigações se restringiam ao trabalho doméstico e à educação dos filhos, podemos depreender que era “natural” a mulher depender financeiramente do marido, o qual tinha obrigação de trabalhar para o sustento de todos da família. Talvez essa tenha sido a realidade que influenciou o autor a escrever obras que retratem a mulher como sendo megera, gastadeira, além disso, em alguns folhetos, encontraremos a mulher como sendo um ser frágil e romântico. No folheto As proezas de um namorado mofino, o leitor se depara com uma personagem que assume muitas das características predominantes nos folhetos que abordam as atitudes comportamentais da mulher. Neste enredo, Marocas (protagonista) é uma mulher autoritária que tiraniza literalmente o namorado Zé Pitada. Segundo Frye (1957, p.224-225), há [...] o predomínio, na sátira ficcional, do que podemos chamar o tipo Onfale, o homem intimidado ou dominado por mulheres, que tem sido preeminente na sátira através de toda a sua história, e abrange uma vasta área do humor contemporâneo, tanto popular como refinado. Assim como Onfale10, percebemos, nesse folheto, que a personagem central, Marocas, demonstra uma enorme capacidade de dominação, utilizando-se dos seus atributos femininos no início da trama, quando se faz parecer frágil e gentil, 10 Na mitologia Grega, Onfale foi rainha da Lídia e ficou famosa por seu tino comercial e poder de sedução, tendo, inclusive, tido Hércules como seu escravo. 55 ao mesmo tempo em que articula um plano para desmascarar a valentia do namorado. O folheto é composto por 26 sextilhas que seguem o esquema métrico ABCBDB (xaxaxa) e 01 quintilha. Narra a história de Zé Pitada e Marocas, um casal apaixonado, porém proibido pelo pai da moça de se relacionar. O pai de Marocas, satiricamente, tem o nome de João Mole, mesmo representando na história o valente (vale salientar que na literatura de folhetos os nomes dos personagens geralmente sugerem ou desviam o caráter do personagem). O casal resolve fugir e a moça, desconfiada da valentia do namorado, resolve pregar-lhe um “quengo”. Conforme já mencionamos, nesse tipo de produção, significa armar alguma situação embaraçosa para constranger o outro. Neste folheto, Marocas arma uma cilada com o intuito de desmascarar a valentia do namorado. A armação da personagem faz com que Zé Pitada, ao acreditar ter sido descoberto pelo pai da moça, mostre-se um verdadeiro covarde ao ponto de “sujar” as próprias calças,conforme se percebe na seguinte estrofe: Antes eu hoje estivesse Encerrado na cadeia, De que morrer na desgraça, E de uma morte tão feia, Veja se pode arrastar-me, Que minha calça está cheia (BARROS, 2002, p.235) Frequentemente, na Literatura de Folhetos, a figura do “esperto” que prega esses quengos é masculina, como é o caso dos personagens João Grilo, Cancão de Fogo, entre outros. Na leitura do folheto analisado, podemos constatar que há um rompimento ou quebra de expectativa, que se dá a partir da leitura do título iniciado pelo substantivo “proezas”, que poderia ser entendido como espertezas (como é o caso do folheto As proezas de João Grilo). No desenrolar do enredo, percebe-se que a figura feminina, apresentada no início da narrativa como sendo de uma donzela frágil e romântica, mostrar-se á uma mulher astuciosa e autoritária, a qual realizará a verdadeira proeza da história, enquanto que Zé Pitada, que se mostra valente, revelar-se-á um verdadeiro covarde. Veja-se a seguinte estrofe em que, em conversa com Marocas, ele se diz um valentão: 56 Diga que hora hei de ir, Eu dou conta do recado Inda seu pai sendo fogo, Por min será apagado, Eu juro contra minha alma Que seu pai corre assombrado. (BARROS, 2002, p.234) Conforme Jauss (1967, p. 31), “a maneira pela qual uma obra literária, no momento histórico de sua aparição, atende, decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferece-nos claramente um critério para determinação de seu valor estético”. Nesse folheto, podemos perceber claramente que o enredo contraria a expectativa dos leitores, uma vez que, ao aplicar o “quengo”, há um desmascaramento tanto do caráter do namorado que, no início, era tido como valente e, no desenvolver da história mostra-se um covarde, quanto da namorada, que no início mostra-se frágil e romântica, seguindo até mesmo a imagem de donzela que se tinha no momento histórico da produção do folheto (entre os anos 1865 e 1918, anos de nascimento e morte de Leandro, pois não se tem ao certo a data em que foi escrito o folheto) e, no decorrer da história, mostra-se astuciosa e autoritária. Veja - se esta estrofe em que Marocas ao perceber que o namorado havia sujado o seu jardim com sua “covardia”, obriga-o a limpá-lo: E deu-lhe ali uma lata, Dizendo: está aí o poço, Você o lava o quintal Ou come um cachorro insosso, Se não eu meto-lhe os pés Não lhe deixo inteiro um osso (BARROS, 2002, p.235) Já no início desta análise, comentamos que a maneira como Leandro Gomes de Barros trata a mulher, em alguns de seus folhetos (também já citados), é bem peculiar, ressaltamos, porém, que, muitas vezes, o que se pode depreender dessa leitura é que há, nesse modo próprio de versar sobre a mulher, uma demonstração dos de padrões sociais vigentes em muitos lugares e épocas da história, sendo recorrente na sátira. Para Frye (1957, p.221), Todo humor exige que se concorde em que certas coisas, como o desenho de uma mulher surrando o marido numa historieta cômica são convencionalmente divertidas. Introduzir uma historieta cômica na qual o 57 marido sova a mulher enfadaria o leitor, porque isso significaria a aprendizagem de uma nova convenção. Percebemos que é o homem que está o tempo todo se queixando e chamando a atenção para o temperamento difícil da mulher. Essa característica é marcante nesse folheto, uma vez que, ao Zé Pitada se dizer um valente e se mostrar um covarde, revela perfeitamente a fraqueza humana sendo satirizada pelo autor. Tão forte é esse traço que, ao final, esse personagem diz nunca mais querer se envolver com mulher alguma. Veja: Disse o Zé quando saiu: Eu juro por Deus agora, Ainda uma moça sendo Filha de Nossa Senhora, E olhar para mim, eu digo: Desgraçada, vá embora. (BARROS, 2002, p.236) No plano satírico, perpetrado contra a imagem de valentia do homem, neste folheto, funciona como um destronamento, uma vez que retira o homem de sua posição de valente e o coloca como covarde, somando, assim, o papel imaginário (presente no ideário coletivo) com o papel real vivido pelo homem no cotidiano. No capítulo que se segue, apresentaremos os relatos reflexivos da experiência de leitura dos folhetos, ora analisados, em sala de aula. 58 Relato Reflexivo [...] a aula de Literatura é, antes de qualquer coisa, uma aula de compartilhamento da leitura, na qual professor e alunos descobrem juntos as várias camadas de sentido do texto. (Rildo Cosson) 59 3 Relato Reflexivo 3.1 Caminhos metodológicos Antes de seguirmos para o relato da experiência, achamos por bem mostrarmos os percursos metodológicos pelos quais tentamos trilhar nosso caminho. Adotamos, para isso, um trabalho descritivo-interpretativo - de análise qualitativa dos dados, uma vez que nosso procedimento metodológico considerou o exame de aspectos subjetivos da recepção do texto literário efetuado pelos alunos. A partir de algumas ideias apontadas pela Estética da Recepção, que desenvolveu seus estudos dando destaque à figura do leitor e às relações estabelecidas entre este e o texto, muitas pesquisas voltadas para o ensino de literatura passaram a centrar-se na recepção que o aluno leitor tem das obras. Embasamo-nos, para isso, no método recepcional, por acreditarmos que ele nos auxiliaria no alcance dos nossos objetivos de formar leitores de literatura. Segundo Bordini e Aguiar (1988, p.31), “A obra é tanto mais valiosa quanto mais emancipatória, ou seja, quanto mais propõe ao leitor desafios que as expectativas deste não previam”. Nesse sentido, procuramos desenvolver atividades de leitura que possibilitassem observar o modo de recepção e os efeitos causados pelo texto no leitor, além de propiciar o contato efetivo com a leitura de cordel na sala de aula. A relevância desta intervenção se deu a partir da necessidade de apontar sugestões metodológicas para o trabalho com a Literatura de Cordel em sala de aula. Sugerimos que a leitura literária fosse privilegiada, além disso, pretendíamos contribuir para a disseminação da leitura de cordel na escola. Bell (2008, p.101) afirma que “os métodos são selecionados por fornecerem dados que você precisa para produzir uma peça de pesquisa completa”. Portanto, nessa tentativa de verificar com mais precisão o trabalho com a literatura em sala de aula, é preciso dominar algumas técnicas que possam fornecer dados seguros e pertinentes. A priori, observamos a prática do professor de literatura e, posteriormente, aplicamos um questionário sociocultural para verificar a qualificação profissional e as 60 experiências docentes. O mesmo procedimento foi feito como os alunos colaboradores, a fim verificar suas experiências de leitura. Os questionários constaram de questões abertas e de múltipla escolha, que serviram de instrumentos para traçarmos o perfil da professora e dos alunos colaboradores, os quais já foram analisados em tópico anterior. Além disso, utilizamos, durante todo o percurso, um diário de pesquisa, em que eram registradas em forma de relato as experiências obtidas durante os encontros com os nossos colaboradores. Utilizamos a pesquisa-ação por considerar que ela nos orientou no decorrer da nossa experiência, fornecendo dados sobre como criar e formular estratégias que possam ajudar a desenvolver competências e habilidades de leitura. “A pesquisaação é eminentemente pedagógica e política. Ela pertence por excelência à categoria da formação, quer dizer, a um processo de criação de formas simbólicas interiorizadas, estimulado pelo sentido do desenvolvimento do potencial humano” (BARBIER, 2002, p. 19). Portanto, nossa experiência pautou-se em dois tipos de procedimentos: a apreciação crítica e pesquisa-ação. Apreciação crítica no que se refere à leitura e à análise de folhetos de Leandro Gomes de Barros e pesquisa-ação no decorrer da nossa experiência com a leitura de folhetos na sala de aula. Concluída a fase de observação e verificação, partimos para a leitura dos cordéis, delimitados como corpus literário do nosso trabalho: O dinheiro, As proezas de um namorado mofino, O cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros. O objetivo maior era estudar a recepção desses textos, bem como formar o repertório de leitura de cordéis do autor, de maneira que o aluno pudesse posicionar-se observando como se constrói a sátira nesses cordéis. Os cordéis que serviram de objeto de estudo foram entregues aos alunos conforme elaboração e organização das atividades da sequência didática. De forma geral, o encaminhamento das aulas seguiu uma sequência básica para o letramento literário proposto por Rildo Cosson (2009): motivação; introdução; leitura; e interpretação, ou, respectivamente, construção de situações de envolvimento dos alunos na prática literária; contextualização do texto a ser analisado; realização de uma leitura interativa; e reflexão sobre o texto através do contato do aluno com o texto e da socialização das experiências de leitura literária. 61 Sabemos que a leitura de um texto é um processo complexo, que engloba algumas fases como compreensão e levantamento de diferentes hipóteses de significação. Nessa perspectiva, trabalhar com o texto literário na sala de aula exige do professor um planejamento e organização das atividades de leitura. Pensar estratégias de leitura de cordel na sala de aula presume, antes de tudo, certa empatia por parte do pesquisador Marinho e Pinheiro (2012, p.126) afirmam que “qualquer sugestão metodológica no campo do trabalho com a literatura de cordel pressupõe esse envolvimento afetivo com a cultura popular”. Atividade essencial para um trabalho proveitoso com o cordel na sala de aula é a leitura oral. Neste sentido, procuramos desenvolver algumas atividades que propiciassem o contato direto do aluno com o texto literário, para que ele pudesse atribuir sentido à leitura e às discussões em sala de aula. Propusemos, também, que os alunos partissem da leitura de cordel para outras formas de expressão, como, por exemplo, rodas de discussões, ilustração, atividades que deixassem os jovens à vontade para desenvolverem a criticidade e a oralidade. Buscando propiciar o contato direto dos alunos com a cultura popular, também proporcionamos o encontro dos mesmos com poetas locais, para troca de experiências e valorização dessa cultura, uma vez que a cidade campo da experiência foi, durante muitos anos, conhecida como o berço da poesia popular do Nordeste brasileiro. Como etapa final do nosso experimento, propusemos a realização de uma feira literária de cordel, onde foram expostas para a comunidade escolar as atividades realizadas no decorrer da experiência, como: exposição dos cordéis trabalhados e as produções dos alunos, além da participação de repentistas cantadores de viola, ocorrida durante a Feira de Ciência e Tecnologia, organizada pela escola sede do experimento. Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizados questionários, conforme já mencionamos, além de um diário de pesquisa. Os encontros foram gravados em áudio/e ou vídeo, para que pudéssemos fazer a transcrição de alguns depoimentos que compõem o corpus de análise de dados dessa dissertação. Os alunos colaboradores que participaram dessa experiência, tanto respondendo ao questionário (total de doze) quanto participando dos encontros de 62 leitura, foram identificados por meio de um número (aluno 1 a 12), de acordo com a participação destes na experiência. 3.2 Entrando em campo Relatar a experiência nos faz retomar as primeiras etapas do trabalho, quando nos perguntávamos sobre como iniciar a experiência e o que realmente desejávamos pesquisar. Tínhamos a certeza de que o trabalho com textos literários em sala de aula deveria ser prazeroso e instigante para que, a partir daqueles encontros, os alunos pudessem eles mesmos, buscar a literatura nas suas mais diversas realizações. A perspectiva que adotamos para a realização deste trabalho está em conformidade com que sugerem os PCNs (2002, p.145), quando mencionam que a literatura deve “recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura”. Acreditamos que o estudo da literatura deve partir da leitura do texto literário, por isso decidimos seguir, durante os nossos encontros, um percurso que assim o fizesse. Pautados na nossa experiência como professora da educação básica, consideramos que a melhor hipótese seria desenvolvermos nossa proposta com alunos da terceira série do ensino médio, primeiro por acreditarmos que o aspecto satírico, explorado em nossa pesquisa, exigiria um pouco mais de maturidade dos leitores, mesmo sabendo que essa maturidade nem sempre se concretiza pela faixa etária ou pelos anos de estudo. Outro fator que também influenciou nossa decisão foi o fato de acreditarmos que os textos da literatura popular dialogassem bem como o conteúdo curricular que é proposto para esse segmento, tendo em vista que essa etapa de ensino engloba os estudos da chamada Literatura Regional, e o estudo de personagens se destaca pelo aparecimento do Jeca Tatu, personagem de Urupês, de Monteiro Lobato, que marca esse período da Literatura Brasileira, a qual passa a direcionar, também, seu olhar para a Literatura produzida no nordeste do Brasil. Os folhetos objetos da pesquisa apresentam personagens que se aproximam das características desse Jeca Tatu, como, por exemplo, o compadre matuto do folheto 63 O cavalo que defecava dinheiro. Com essa escolha, buscávamos, também, não interferir muito no andamento das aulas de Literatura que eles vinham recebendo. Tínhamos em mente trabalhar em nossa cidade pela histórica ligação com a literatura popular11. A escola, estabelecimento da rede pública onde foi realizada a experiência, localiza-se na Rua Cônego Serrão, na cidade de Teixeira PB. A referida escola funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno, atendendo a uma clientela escolar composta por 822 alunos, sendo os turnos distribuídos em ensinos fundamental e médio. Para atender à clientela, a escola conta com um quadro funcional composto por 13 funcionários administrativos e serviços gerais, 01 diretora, 01 vicediretor, 01 orientador pedagógico 01 secretária e 31 professores. O corpo docente que leciona na escola, segundo fonte cedida pela secretária da mesma, é formado por 2 em nível médio e 29 em nível superior. Quanto à clientela da escola, esta se apresenta diversificada entre alunos de nível social médio e baixo. Nosso primeiro contato foi com a equipe gestora da escola, a qual nos atendeu muito bem e cedeu todo espaço e tempo que desejássemos para realizarmos a pesquisa. Vale salientar que a cidade só tem uma escola de Ensino Médio, portanto a escolha da escola não nos era um empecilho. Em nosso primeiro encontro com a professora da turma, decidimos que nossas conversas poderiam ser na escola mesmo. Esses momentos tinham como objetivo traçarmos o percurso a ser trilhado e o espaço de tempo que a professora poderia nos ceder. Nos momentos de conversas informais com a professora, procurávamos sondar o perfil leitor da turma procurando saber de que forma eles encaravam a leitura literária. Tivemos uns poucos encontros, porém a professora deu-nos a entender que tinha vontade de fazer com que seus alunos gostassem da disciplina, pois a mesma era adepta de leituras literárias, principalmente de romances românticos. 11 Teixeira, localizada no sertão paraibano, é uma cidade tida por alguns estudiosos e poetas como berço da poesia popular do nordeste brasileiro, devido ao fato de ter, em suas origens, nomes de muitos dos mais renomados cantadores repentistas do Nordeste como, por exemplo, Inácio da Catingueira, Romano de Mãe d‟água, Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Ungolino Nunes da Costa e Nicandro Nunes da Costa, o poeta do absurdo Zé Limeira, Francisco das Chagas Batista, Pedro Batista, entre outros. 64 Logo nos primeiros encontros, pedimos à professora para responder a um questionário que nos auxiliaria na coleta de informações a respeito de seu trabalho com a turma. Ela se propôs a nos auxiliar e, depois de alguns dias, recebemos o questionário respondido. A partir dele, tentamos montar o perfil da professora colaboradora, o qual apresentaremos a seguir. Havia concluído sua licenciatura no ano de 2004 e se tornado especialista em Língua, Linguística e Literatura em 2007. Atualmente, lecionava em uma escola da rede Estadual e uma da rede Municipal, mas também já havia passado pela rede Particular. Nas duas escolas em que trabalha, transita entre o Ensino Fundamental e o Médio. Não possui nenhum vínculo efetivo, sendo, portanto, contratada pelos dois poderes. Leciona há oito anos sempre a disciplina Língua Portuguesa. Sobre o trabalho com a leitura literária em sala de aula, afirmou que costuma utilizar o que o livro didático oferece. A professora também contou-nos, em conversas informais, que, durante esse ano, a escola, sede da experiência, vinha passando por grandes dificuldades, como a falta de direção no começo do ano, a demora nos contratos dos professores e frequentes mudanças de turmas distribuídas aos professores. Esses foram alguns dos fatores, apontados pela professora, que contribuíram para que os alunos perdessem muitas aulas e ficassem dispersos e desmotivados. Um exemplo claro, comentado pela professora, foi o de que os alunos não costumavam permanecer na escola para assistirem à última aula, e isso era um grande entrave no desenvolvimento das aulas de Literatura, visto que, em um total de quatro aulas de Língua de que eles dispunham, duas eram nos últimos horários; logo, essas aulas estavam constantemente prejudicadas pela ausência total ou parcial de alunos. Outra dificuldade destacada por ela foi o fato de ter havido mudança curricular que os deixou apenas com quatro aulas de Língua Portuguesa, e duas delas eram as últimas. Ela acreditava que a turma tinha sido muito prejudicada, porém nada podia ser feito por ela, uma vez que se tratava de um problema pertencente à esfera administrativa da escola. Apesar das dificuldades, a professora afirmou-nos manter um bom relacionamento com a turma e que, durante as aulas de Literatura, procura abrir espaço para reflexão e para o debate diante das leituras realizadas. Quando questionada sobre um tempo reservado para leitura literária, ela afirmou que toda 65 semana, nas aulas da sexta-feira, costumava levá-los à biblioteca da escola para que ficassem à vontade para lerem. Porém, com a mudança da carga horária das aulas de Língua Portuguesa, que diminuíram para que houvesse espaço de tempo para aulas de Filosofia, esse momento de leitura foi prejudicado12. O trabalho com a leitura continuou apenas com a indicação de livros da biblioteca para serem lidos em casa, “eles levam os livros para casa, depois devolvem”. Quanto à seleção de textos que oferecia aos alunos na sala de aula, a professora voltou a afirmar que costumava seguir as indicações do livro didático. Afirmou-nos também que considerava excelente o acervo da biblioteca da escola, porém, pela dificuldade mencionada anteriormente, apenas indicava as leituras aos alunos. Sobre a utilização de outros materiais didáticos que utilizava, citou-nos uma lista de livros didáticos que a ajudavam no desenvolvimento de suas aulas. Também afirmou-nos que costumava trabalhar com textos cujos temas se aproximassem da realidade do aluno, com os clássicos, e com os indicados para o vestibular. Citou alguns autores e obras que já havia trabalhado com a turma durante esse ano. Entre eles, citou Os sertões, Triste Fim de Policarpo Quaresma e Urupês. Entre os autores trabalhados, foram citados Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Morais. A respeito do seu conhecimento acerca dos documentos oficias parametrizadores, afirmou que conhecia e que acreditava que eles faziam com que os alunos se aproximassem e se interessassem por livros. Quanto ao trabalho com a Literatura Popular, ela afirmou que costumava relacionar a Literatura com as outras artes através de “explicações comparativas” e que acredita que os alunos recepcionam melhor o texto quando o mesmo expressa algo do mundo deles. Afirmou-nos que conhece a Literatura de Cordel, mas não costuma ler e citou apenas dois folhetos que disse já ter trabalhado em sala de aula, mas não com essa turma, que foram: Caminhos sob os signos do cordel e Cordel de Troncoso; disse também que não sentiu dificuldade alguma para trabalhar com esse tipo de texto, pois os alunos acham muito divertidos. A forma vaga como a professora relata sua experiência de leitura de folhetos na sala de aula nos faz 12 As escolas públicas e particulares do Ensino Médio tiveram prazo de três anos, a contar de 2009, para oferecer plenamente as disciplinas de filosofia e sociologia a todos os estudantes. A regra está na Resolução nº 1/2009, da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. 66 refletir acerca das palavras de Marinho e Pinheiro (2012, p.128), quando mencionam que É inegável que o prazer de ler deve ser cultivado, mas ele não pode ser bestializado. Isto é, em nome do prazer de ler há uma tendência forte de cultivar a facilitação, de eliminar o esforço pessoal, o trabalho de compreensão. Desta forma, tudo fica confortável, mas descartável. Sabemos, contudo, que a postura da professora colaboradora, diante da leitura do folheto, é o reflexo da precária formação no âmbito do trabalho com textos da cultura popular e carrega os resquícios ainda tão enraizados em nossas escolas de tratar a leitura literária como simples entretenimento. Não que isso seja um problema (e não é), porém, não se pode relegar a literatura, somente, a essa função. O ideal é que possamos fazer com que leitura literária vá além da simples leitura; na escola, ela deve nos ajudar a ler melhor, assim como fornecer os instrumentos necessários para conhecer e articular com segurança o mundo da linguagem. Através das conversas e das respostas obtidas com o questionário, podemos perceber que o ensino naquele espaço se desenvolvia de forma precária e desmotivadora tanto para os professores, que enfrentam as dificuldades administrativas e organizacionais, quanto para os alunos. Reconhecemos o esforço da professora em aproveitar o bom acervo da biblioteca da escola para indicar obras para a leitura fora do espaço escolar, porém acreditamos que o trabalho com a leitura depende muito de um mediador mais ativo, que possa compartilhar o momento de leitura com seus alunos. Se a leitura integral de um romance, por exemplo, não for possível, dadas as questões de tempo, caberia a discussão de alguns aspectos importantes no desenvolvimento da obra e, quem sabe, a leitura socializada de alguns capítulos. Achamos, nesse momento, que teríamos mais dificuldades do que imaginávamos, contudo isso nos impulsionava a seguir com a pesquisa. 3.3 Conhecendo os colaboradores O primeiro contato efetivo que tivemos com os alunos da turma foi no dia 26/09/2011. Antes disso, havíamos observado três aulas da professora, nas quais 67 pudemos perceber o bom relacionamento que ela mantinha com os alunos, além de observar a veracidade do fato relatado por ela quanto à dificuldade de realização da última aula. Em um desses encontros, a aula teve início às 11:00h da manhã e seu término foi às 11:15h .Esse fato isolado não representaria problema algum se fosse esporadicamente, porém a professora já havia nos relatado que, por eles só terem quatro aulas de língua portuguesa semanais, duas delas estavam sendo constantemente prejudicadas, tornando o tempo, que já era pouco, insuficiente para o trabalho com a leitura literária. Em outro momento de observação, apenas sete alunos permaneceram em sala, o restante simplesmente já havia ido embora. Nesse dia, iríamos mais uma vez observar a aula, mas, ao chegarmos à escola, fomos informados de que dois professores da turma faltaram ao trabalho, inclusive a professora de Língua Portuguesa, e, por esse motivo, os alunos seriam dispensados na terceira aula. Fiquei apreensiva, achando que, naquele dia, não conseguiria dados para pesquisa, porém, em conversa informal com um dos alunos da turma, ele afirmou que, se quiséssemos ir conversar com eles, a turma ficaria. De imediato, foi o que fizemos e, para minha surpresa, a turma se prontificou a permanecer na escola. Isso desfazia aos poucos a ideia que alguns professores (na sala dos professores) tentavam passar da turma, de que a mesma era apática ou desinteressada. Ao entrar na sala, cumprimentamos e agradecemos por terem permanecido na escola; então iniciamos nossa conversa perguntando o que eles achavam das aulas de literatura. As respostas foram um tanto tímidas e não passando mais do que “boas”, “é bom”. Alguns alunos comentaram que o aluno que havia respondido “é bom” era um poeta. Pudemos perceber que realmente parecia que aquele aluno era o que mais tinha contato com a literatura. Continuamos a conversa perguntando quantos livros eles tinham lido naquele ano, e dois alunos confessaram terem começado a leitura de um livro, quando a professora os levava a biblioteca, porém não haviam concluído a leitura. O aluno “poeta” respondeu que havia lido três e, entre eles, citou A lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo. Perguntamos se haviam lido poemas nas aulas de Literatura e, como resposta, obtivemos o silêncio e a negação, gesticulando com a cabeça. Perguntamos então se haviam realizado outros tipos de leituras literárias, e a resposta foi da mesma forma: tímida e vaga. Insistimos em saber se se lembravam de alguma crônica, poema ou mesmo 68 romance que houvesse sido lido em sala de aula. Então alguns alunos folhearam os cadernos tentando encontrar alguma coisa, e um aluno encontrou um poema que havia sido trabalhado em sala de aula: Quero, de Carlos Drummond de Andrade, e todos confirmaram que realmente tinham lido esse poema. Como já estávamos com os questionários prontos, pedimos que colaborassem um pouco mais com a pesquisa respondendo às questões. Eles se prontificaram a responder e então os entreguei. Fizemos a leitura oral para a turma e, depois de quinze minutos, todos responderam. Como alguns alunos haviam faltado, pedimos a um dos que estavam presentes que entregasse a eles e pedisse que respondessem e depois nos entregassem. Falamos que havia grande possibilidade de nos encontrarmos novamente na quarta- feira e que, naquela ocasião, leríamos um texto interessante. Despedimo-nos da turma um pouco receosos pela timidez e as poucas respostas ante os questionamentos feitos, mas com esperanças de que o próximo encontro fosse bem melhor. Através dos dados coletados com o questionário, montamos um breve perfil dos colaboradores, que descreveremos a seguir: Era uma turma de 12 alunos, 8 homens e 4 mulheres, com idades entre 16 e 19 anos, a maioria residente na zona urbana (apenas uma aluna morava na zona rural). Dos 12 alunos, apenas quatro trabalhavam quando não estavam na escola, onze afirmaram serem solteiros, apenas um afirmou não ser solteiro nem casado (marcou a opção outro). Nenhum deles havia ficado algum período sem estudar, porém 3 deles já haviam repetido de série. Quanto aos hábitos de leitura, 5 alunos responderam que mantinham esse hábito, 6 responderam que não costumavam ler e 1 aluno não respondeu a essa pergunta. Quanto ao tipo de leitura que eles realizam, obtivemos os seguintes dados: 69 Gráfico1-Questionário respondido pelos alunos colaboradores-10ª Questão - Com que frequência você 0% 5% JORNAL REVISTA 21% 0% lê: 16% LIVRO DIDÁTICO CORDEL 16% 32% 10% POESIA ROMANCES CRÔNICAS OUTROS 0% Fonte (LIRA 2012) Pudemos perceber que a maioria dos alunos afirma realizar com frequência a leitura do livro didático, o que, talvez seja influência das ações da professora que, em seu discurso, afirma utilizar-se muito desse suporte. Também percebemos que a leitura literária ocupa um espaço de desvantagem em comparação com a leitura de jornais e de revistas, o que nos deixou um pouco apreensiva quanto ao fato de um dos motivos que nos levaram a escolher tal série tenha sido uma possível maturidade leitora. Ao mesmo tempo, acreditamos ser positivo o fato de nossos colaboradores realizarem com frequência algum tipo de leitura. Ao serem questionados se na escola lhes eram indicados livros para leitura em casa, obtivemos o seguinte resultado que, de início, nos pareceu positivo: Gráfico2 - Questionário respondido pelos colaboradores-11ª Questão - Na sua escola são indicados livros para leitura em casa¿ Colunas1 SIM NÃO Fonte (LIRA, 2012) 70 Esse resultado também confirmava o que dissera a professora que costumava levá-los à biblioteca para que pudessem escolher livros para lerem, Porém, ao serem questionados se realizavam as leituras indicadas obtivemos os seguintes resultados: Gráfico 3 - Questionário respondido pelos colaboradores- 12ª Questão- Você costuma ler livros indicados pela professora¿ Colunas1 7 SIM NÃO 5 Fonte (LIRA, 2012) Pudemos então depreender que a maioria, mesmo sendo indicado pela professora, não realiza as leituras, o que nos leva a refletir sobre a mediação problemática feita naquele ambiente escolar, pois acreditamos que só a atitude de indicar a leitura de obras, sem estabelecer algum tipo de conexão mais efetiva durante as aulas de literatura, desestimula os alunos a iniciarem ou mesmo continuarem uma leitura. Sabemos, portanto, que as dificuldades pessoais de leitura dos professores podem afetar diretamente a formação de alunos leitores. Vale ressaltar que um dos alunos que afirmaram não realizar as leituras indicadas nos procurou posteriormente para destacar que teria respondido “não”, porém isso não significava que não lia, mas que não lia porque era indicado e sim lia 71 o que lhe dava vontade. Entendemos essa resposta como sendo uma forma desse aluno firmar sua autonomia e identidade. Ressaltamos, ainda, que esse aluno era o mesmo que os colegas afirmavam ser poeta; a sua procura nos fez acreditar que estávamos conseguindo nos aproximar harmoniosamente da turma e até mesmo ganhar confiança. Ao serem questionados se conheciam algum poeta popular, 5 alunos responderam que não e 6 responderam que sim. Porém, ao completarem a questão, citando o poeta popular que conheciam, citaram nomes como Carlos Drummond de Andrade, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Pedro Bandeira e João Cabral de Melo Neto e Chorão (Vocalista e compositor do grupo musical CBJr.). Essas respostas demonstraram que a turma não consegue fazer distinção entre poetas, romancistas ou mesmo compositores musicais e também não identificam nenhum poeta realmente popular. Quanto aos escritores que eles conheciam, dentre uma lista que lhes foi apresentada no questionário, obtivemos os seguintes resultados: Gráfico 4 - Questionário respondido pelos colaboradores – 14ª Questão- Dentre os escritores abaixo identifique o(s) que você conhece. 0% 0% 12% 35% 20% 18% 3% 9% 3% Carlos Drummond de Andrade Cecília Meireles Leandro Gomes de Barros Pedro Bandeira Patativa do Assaré Olavo Bilac Arlindo Lopes Jandhui Dantas José Limeira Fonte (LIRA, 2012) Percebemos que é grande ainda o conhecimento acerca dos escritores já renomados e cuja relevância está cristalizada na sociedade, enquanto que o conhecimento dos escritores populares se apresenta de modo tímido, mesmo aqueles escritores nascidos em sua cidade, como é o caso do poeta Zé Limeira, que apenas quatro alunos afirmaram conhecerem, isso representa menos de 40 % da turma. Quando interrogados se já haviam lido textos dos escritores que afirmaram 72 conhecer, tivemos respostas que variavam entre os que confirmavam e citavam títulos de obras e os que afirmavam terem lido, mas que não lembravam títulos das obras. Apenas 3 alunos afirmaram nunca terem lido nada de nenhum dos escritores, e 2 alunos não responderam à questão. Quanto à leitura de cordel, 09 alunos responderam que já haviam lido algum folheto na vida, e 3 responderam que nunca haviam lido nenhum folheto. Por fim, foi indagado se costumavam assistir a programas com violeiros ou cantorias e se conheciam algum poeta popular ou cantador da região. Foram unânimes em responder que não costumam assistir a programas com violeiros ou cantorias. Porém, 7 responderam que conheciam algum poeta ou cantador da sua região, e o restante respondeu que não. Concluímos a análise dos dados coletados através do questionário observando que o contato que esses alunos tiveram durante a educação básica (visto que se encontravam na última etapa) com a literatura foi um tanto superficial e que a aproximação com a leitura literária é vaga. 3.4 Vivenciando a leitura em sala de aula 3.4.1 O poder em debate: leitura de O dinheiro O primeiro encontro sugeria a leitura do folheto O dinheiro, partindo do pressuposto de que trata Colomer (2007), quando afirma que “compartilhar a leitura significa socializá-la, ou seja, estabelecer um caminho a partir da recepção individual até a recepção no sentido de uma comunidade cultural que a interpreta e avalia.” (COLOMER, 2007, p.147). Decidimos então realizar a leitura seguida de debate. Preparamos o ambiente (a sala de vídeo cedida pela direção da escola), dispondo as carteiras em círculos para facilitar a interação durante a leitura e o debate, e pregamos notas de dinheiro de brinquedo para chamar atenção e criar expectativas quanto à leitura. Iniciamos a aula comentando que havia, nas carteiras, algo de que todos gostavam e, de imediato, alguns começaram a rir e confirmar com gestos afirmativos. Então perguntamos o que fariam se tivessem ou ganhassem muito 73 dinheiro e nesse momento, houve uma boa participação, conforme revelam as respostas a seguir: Aluno 1: Investiria para não gastar tudo de uma vez; Aluno 2: Criaria uma marca de skate com o meu nome; Aluno 3: Abriria uma escola de música aqui em Teixeira; Aluno 4: (criticando a escolha do colega): Tu pensa pequeno, querer abrir uma escola de música aqui. Houve risos de alguns, e o clima parecia bem descontraído, então indaguei sobre o que eles achavam do poder que o dinheiro exercia na sociedade, e obtivemos novamente uma boa participação, veja-se: Aluno 5: É hoje em dia quem manda é o dinheiro; Aluno 6: O prefeito de Maturéia só ganhou as eleições porque comprou os votos; Aluno 7:Se um rico comete um assassinato está livre; Aluno 2: Eu soube de uma mulher que roubou uma margarina e passou mais de um mês presa; Aluno 1: É! se alguém chega a um hospital e tem dinheiro recebe um tratamento diferente daquele que não tem. A turma, como um todo mostrou-se bastante interessada no tema que era posto em discussão, mesmo os que não participavam fazendo comentários se mostravam através de gestos e olhares afirmativos ou mesmo através do riso. Ainda não havíamos realizado a leitura, contudo percebíamos grande envolvimento da turma como um todo e, assim, acreditamos ter cumprido com êxito o que Rildo Cossom (2009, p.77) chama de “motivação”, quando afirma que “A motivação consiste em uma atividade de preparação, de introdução dos alunos no universo a ser lido”. Nesse momento, falamos que a nossa proposta de leitura seria com folhetos e distribuímos entre eles o folheto para que pudessem perceber os aspectos físicos da obra. A seguir, pedimos que observassem a capa, a xilogravura e comentamos que aqueles eram aspectos peculiares da Literatura de Cordel, mas que, em outro momento, aprofundaríamos essa discussão a respeito dessas particularidades dos folhetos. Sugerimos, então, que observassem e comentassem o que eles percebiam através da xilogravura, se, a partir dali, já dava pra se ter uma ideia do que tratava o 74 enredo da obra. Nesse momento, chegaram dois alunos que, até então, não haviam entrado na sala, pedimos que se acomodassem. Fizemos um breve resumo do que tinha acontecido até aquele momento, eles se acomodaram e nós voltamos à discussão: Aluno 3: Parece com a história do Auto da Compadecida; Aluno 1: É mesmo, o testamento do cachorro; Aluno 5: Alguém já assistiu? Aluno 8: Onde você viu isso? Aluno 1: Na capa, o subtítulo. Todo mundo já assistiu, né! Aluno 8: É mesmo. Iniciamos a leitura seguindo a sugestão de Marinho e Pinheiro (2012, p.84) de que “a leitura oral dos folhetos, como já afirmamos, é indispensável. Portanto a primeira atividade deve ser a leitura em voz alta”. A nosso ver, a primeira leitura de folhetos em sala de aula deve ser feita pelo professor, tendo em vista que ele conhece bem o texto e poderá realizá-la com maior qualidade. Realizamos então a leitura. Os alunos acompanhavam com os seus folhetos. Notamos que muitos alunos riram enquanto líamos a estrofe 14: A moça tendo dinheiro Sendo feia como a morte Caracteriza-se, enfeita-se. Sempre melhora de sorte Mais de mil aventureiros A desejam por consorte (BARROS, 2002, p.103) Outra estrofe que também gerou risos durante a leitura por nós realizada foi a 29: O vigário entregou-lhe Os dois contículos de réis O bispo disse é melhor De que diversos fiéis E disse prouvera Deus Que assim lá morresse um dez (BARROS, 2002, p.104) Encerramos esse momento e propusemos então que fizessem nova leitura, dessa vez, individual, tentando destacar as estrofes que mais lhe chamassem a atenção. Conforme Marinho e Pinheiro (2012, p.84), “repetidas leituras em voz alta é 75 que vai tornando o folheto uma experiência para o leitor”. Logo obtivemos a participação dos alunos, que fizeram a leitura de algumas estrofes. O Aluno 1 leu a estrofe 32: O dinheiro só não pode Privar do dono morrer, Parar o vento no ar E proibir de chover O resto se torna fácil Para o dinheiro fazer (BARROS, 2002, p. 104) E afirmou: “nem tudo o dinheiro pode, né? O aluno 9 leu para a turma a estrofe que mais lhe chamou atenção: O homem tendo dinheiro Mata até o próprio pai, A justiça fecha os olhos A polícia lá não vai, Passam-se cinco ou seis meses Vai indo o processo cai. (BARROS, 2002, p.102) E comentou: “a pessoa não se importa nem com a família, tendo dinheiro”. Então relembramos que alguns dos comentários surgidos no início da aula se efetivavam na leitura do texto. Então indaguei se havia alguma estrofe que eles achavam mais engraçada, tentamos observar se eles percebiam o aspecto satírico da obra. Então o aluno leu a estrofe 14, justamente a que havia provocado o riso discreto enquanto realizávamos a leitura, confirmando nossa percepção. Ao percebermos que certo silêncio tomava conta da sala, continuamos a sugerir que alguém destacasse alguma outra estrofe que tenha achado engraçada. Então o aluno 7 fez a leitura da estrofe 13: O bacharel por dinheiro Só macaco por banana Ou gato por gabiru Ou um guaxinim por cana Só sagüi pela resina Ou bode por jutirana. (BARROS, 2002, p. 107) “É bem engraçada a comparação!” 76 O debate seguiu-se ainda por alguns minutos em que obtivemos comentários que diziam o seguinte: “é engraçado, mas é desse jeito que acontece!”; “É tudo verdade!”. Acreditamos que esses comentários remetem a uma das peculiaridades da sátira menipeia apontadas por Bakhtin (1981), quando menciona que ela gera uma espécie de reflexão sobre os problemas do mundo através de uma ousada imaginação e, de fato, podemos perceber que a leitura do texto impulsionou a reflexão acerca dos problemas humanos, fazendo com que os leitores se posicionassem a favor do que estava escrito. Outra observação interessante é que os nossos colaboradores realizam a identificação direta do texto com os problemas sociais da atualidade, mesmo sendo um texto escrito em época distinta da atual, e essa atualidade temática é uma característica de muitos dos folhetos de Leandro Gomes de Barros. Como já estávamos próximos de encerrar o tempo que nos foi concedido, decidimos encaminhar a atividade de pesquisa planejada durante a elaboração da sequência didática. Indaguamos se algum deles conhecia o autor da história, e as respostas foram todas negativas. Então propusemos que eles realizassem uma pesquisa oral, em que indagariam parentes, vizinhos ou professores sobre o conhecimento acerca desse autor. Pedi que trouxessem os dados obtidos para o nosso próximo encontro. Eles aceitaram a nossa proposta e comentaram ainda terem gostado muito da leitura. Despedi-me da turma com a certeza de ter realizado um proveitoso e prazeroso encontro com leitura de folhetos. O importante, também, foi ter quebrado a expectativa negativa que nos tentaram transmitir a respeito da turma durante as visitas de observação, uma vez que esta participou ativamente da leitura e do debate proposto. 3.4.2 A imagem do esperto na Literatura de Folhetos: leitura de O cavalo que defecava dinheiro. O segundo encontro com a turma aconteceu no dia 07 de outubro de 2011, e deu-se em um clima muito favorável; parecia até que já éramos conhecidos ou que realmente fazíamos parte do grupo de professores daqueles alunos; todos nos 77 cumprimentavam ao chegarmos à escola. Estavam interessados em saber se iríamos nos encontrar na sala de aula naquele dia, e a resposta afirmativa parecia empolgá- los. O folheto a ser trabalhado tinha apenas uma edição atualizada, então não consegui folhetos suficientes, por isso resolvemos xerografar uma parte, assim garantiríamos o acesso ao texto por parte de todos. Entramos na sala de aula com o intuito de motivá-los para a leitura que iríamos propor. Para isso, indagamos se havia ali entre eles alguém que eles consideravam como sendo o esperto da turma, ao que obtivemos as seguintes respostas: Aluno 1: indicou falando o nome de um colega; Aluno 3: É ele sempre quer se dar bem! Aluno 2: É, mas, Raissa também! Aluno 3: Pelo visto temos muitos “espertos” aqui. Comentamos, que na história que leríamos, havia um personagem que iria tentar se sair bem em todas as situações. Antes de realizarmos a leitura, perguntamos se haviam feito a pesquisa que havíamos combinado, e alguns se mostraram apreensivos por terem esquecido. Apenas quatro alunos disseram terem realizado a pesquisa e nos apresentaram o resultado, que mostrava que as pessoas com quem eles conversaram nunca haviam ouvido sequer falar nesse autor e, por isso, não conheciam nenhum de seus textos. Distribuímos os folhetos explicando o porquê de alguns serem cópias xerografadas. Pedimos que observassem a xilogravura atentando para as imagens e tentassem identificar a figura do esperto no enredo. Figura 1- Capa do folheto O cavalo que defecava dinheiro 78 Conforme combinado no encontro anterior, tecemos alguns comentários a respeito das particularidades físicas dos folhetos (estrutura em versos, tipo de papel, presença de xilogravuras, entre outras). Como resposta a nossa indagação sobre o enredo do folheto, obtivemos os seguintes comentários: Aluno 4: com certeza é esse gordinho! Aluno 5: o de chapéu! Aluno 7: Parece com (aluno3)! Todos: Riram e confirmavam com gestos! Aluno 5: Esse gordinho tem o olhar de que sempre quer se aproveitar. Sugerimos que fizéssemos a leitura, dessa vez, em forma de jogral, para que pudéssemos compartilhá-la. Segundo Colomer (2007, p. 144), “as atividades de compartilhar são as que melhor respondem a esse antigo objetivo de „formar o gosto‟ a que aludimos”. Eles concordaram, e iniciamos a leitura. Outro fator que nos influenciou a sugerir essa metodologia foi fato de o texto ser um pouco mais longo que o primeiro, uma vez que é composto em 77 sextilhas. Acreditamos, também, que, neste caso, a leitura feita oral, somente pelo professor, tornar-se-ia enfadonha. Iniciamos a leitura e pudemos notar que todos os alunos possuíam uma boa entonação de voz para a leitura oral de cordel, pois eles conseguiam demarcar com bastante expressividade as rimas e, mesmo tendo afirmado, em sua maioria, não terem contato com o cordel, a participação se deu de forma que superou nossas expectativas. Durante a leitura, também pudemos notar que algumas estrofes chamaram mais a atenção dos leitores, e isso se deu talvez pelo aspecto satírico das estrofes, enfatizado pelo tom humorístico, principalmente pelo uso de determinadas expressões, a exemplo das estrofes 5 e 6, que provocaram o riso da maioria dos alunos: Foi na venda de lá trouxe Três moedas de cruzado Sem dizer nada a ninguém Para não ser censurado. No fiofó do cavalo Foi o dinheiro guardado Do fiofó do cavalo Ele fez um mealheiro Saiu dizendo: sou rico 79 Inda mais que um fazendeiro Por que possuo um cavalo Que só defeca dinheiro (BARROS, 1999, p.2) Encerrada a leitura, não houve necessidade de provocar o debate, visto que este se deu de maneira espontânea. Veja alguns dos comentários suscitados: Aluno 8: É o esperto aí foi o pobre; Aluno 2: Tem que sobreviver; Aluno 5: É a lei da sobrevivência. Perguntamos se eles confirmavam a ideia que tiveram ao observarem a xilogravura, e obtivemos as seguintes respostas: Aluno 5: Não, pensei que o esperto fosse o gordinho, fazendeiro! Os outros confirmavam com palavras como “eu também”. Notamos que a prática comunga com a teoria da estética da recepção, uma vez que, conforme Jauss (1994), só a partir da receptividade de uma obra realizada por seus leitores, é que se pode medir o seu valor estético. Esse efeito pode contrariar, afirmar ou reforçar a experiência do público leitor. Aluno 6: É, mas, nem sempre o rico é mais esperto. Percebemos que o destronamento 13 contribui muito no desenvolvimento do aspecto satírico e, neste folheto, torna-se fator decisivo na construção do enredo. Este fato é facilmente percebido pelos nossos alunos, que apontam, logo de início, a surpresa pelo fato de o esperto ser o que, de início, aparentava ignorância. Pedimos, então, que alguém lesse a estrofe que mais chamou atenção, dentre outras, obtivemos a leitura da seguinte estrofe, acompanhada de comentário: Aluno 2: Tive pena da velhinha, coitada! O velho muito ligeiro 13 “O cerimonial do rito do destronamento se opõe ao rito da coroação; o destronado é despojado de suas vestes reais, da coroa e de outros símbolos de poder, ridicularizado e surrado”. (BAKHTIN, 1981, p.107) 80 Foi buscar a rabequinha, Ele tocava e dizia: Acorde, minha velhinha; Porém a pobre da velha, Nunca mais comeu farinha. (BARROS, 1999, p.11) Acreditamos que o sentimento de piedade foi suscitado nesse aluno, uma vez que percebeu a maldade como meio de o matuto “esperto” se sair bem das situações embaraçosas por ele provocadas. Outro aluno destacou as estrofes 5 e 6, confirmando a nossa observação de que essas estrofes tinham realmente chamado atenção pelo tom satírico do autor enfatizado, certamente, pelo trabalho com a linguagem na seleção de termos considerados de baixo calão. Acreditamos que esse cuidado com a seleção das palavras contribui para o tom humorístico do folheto, remetendo-nos à primeira característica da sátira menipeia, “excessiva importância dada ao elemento cômico” (BAKHTIN, 1981). Ao serem lidas novamente as estrofes pelo aluno, todos voltaram a rir. Conforme comentamos durante a análise do folheto percebemos (e nossos colaboradores destacaram) que a ousadia da invenção, que recobrem a moral de que a ambição é algo maléfico para a sociedade, aparecem de forma grotesca no folheto, uma vez que o fato de fazer o “duque” acreditar que o compadre tinha um cavalo que defecava dinheiro demonstra o tamanho da ambição do personagem, chegando a torná-ló ingênuo. Esse é mais um aspecto de aproximação entre a obra satírica de Leandro e a menipeia. Para Bakhtin (1981, p.99), “a ousadia da invenção e do fantástico combina-se na menipeia com um excepcional universalismo filosófico e uma extrema capacidade de ver o mundo.”. Também tínhamos planejado para esse encontro fazermos uma visita a duas bibliotecas: a da escola e a municipal. Nossa intenção, previamente já comprovada em visita anterior a esses locais, era de que eles observassem a ausência desse tipo de literatura no município, pois, em nenhum espaço público, era possível encontrar um folheto sequer. Propus que visitássemos esses espaços, buscando ver quais folhetos existiam por lá. A proposta obteve dois tipos de reação: um grupo se prontificou imediatamente, e outro reclamou por já estarmos na sexta aula (esse fato 81 confirmava o comentário da professora, durante nosso momento de observação, de que os alunos tinham o costume de não ficar para assistir à última aula; mas acabamos por convencer a todos e fomos à biblioteca da escola). Lá os alunos puderam observar, conforme o previsto, que nenhum folheto existia naquele lugar. Partimos então para a biblioteca municipal que se localiza a poucos metros da escola; porém, ao chegarmos lá, já estava fechada. Outro aluno sugeriu que fossemos à biblioteca de uma família particular, que ficava na mesma rua e era aberta ao público e foi o que fizemos. Porém, lá também constatamos a ausência total de folhetos. Pedimos ajuda ao funcionário da biblioteca, e o mesmo reafirmou o que havíamos constatado. Realizadas as visitas, voltamos para a escola onde propusemos que discutíssemos as visitas feitas no próximo encontro. 3.4.3 Quem é o esperto? Leitura de As proezas de um namorado mofino No dia 31 de outubro, realizamos o nosso terceiro encontro e, neste, notamos os alunos com um interesse maior, parecia que já estavam familiarizados com as leituras; por isso, antes de entrarmos na sala, alguns já nos questionavam sobre a história que seria lida, outros afirmavam terem lido os folhetos em casa para familiares ou mesmo colegas os quais teriam gostado muito das histórias; até mesmo os alunos das outras turmas nos questionavam se não iríamos levar os folhetos para suas turmas. Essa procura dos alunos fora da sala de aula nos fazia acreditar que a experiência estava produzindo frutos positivos e levando os alunos a expandirem a leitura de folhetos para além do espaço escolar. Comprovamos que a leitura obteve significado para o aluno quando ele lê e comenta, resume, recomenda para o outro que não teve acesso a essa leitura. Dessa forma, bastante incentivados pelo resultado do trabalho, começamos a aula comentando as visitas que havíamos realizado no encontro anterior e obtivemos os seguintes comentários: Aluno 5: o povo daqui não sabe o que é cultura; Aluno 3: não é que não sabe é que não dá valor; Aluno 2: Nós também, nunca tínhamos parado para ler cordel; 82 Aluno 3: Eu já; 14 Aluno 9: Também sua tia escreve; Aluno 5: também essas bibliotecas são pequenas demais; Aluno 8: E é porque foi aqui que tudo começou né! Percebemos, no discurso dos alunos, que eles procuravam culpados para a ausência dos folhetos nas bibliotecas e também acreditavam que a população não dava valor a esse tipo de produção, mesmo tendo sido essa cidade considerada por muitos estudiosos e poetas como berço da poesia popular durante muitos anos. Consideramos relevantes todos os comentários e acreditamos termos conseguido alcançar o objetivo das visitas que era de fazê-los perceberem a ausência da literatura de folhetos na comunidade. Após mais algumas discussões, partimos para a leitura do folheto planejado para a aula. De início, perguntamos se algum dos alunos tinha relacionamento amoroso, ao que obtivemos duas respostas positivas. Colocamos para a turma que a história que leríamos era de um casal de namorados e, de imediato, ouvimos o comentário “hummmm” por parte de alguns alunos. Fizemos isso no intuito de promover a motivação para leitura, visto que “A construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou posicionar-se diante de um tema é uma das maneiras usuais de construção da motivação” (COSSON, 2009, p.55). Continuamos a aula entregando os folhetos para serem observados e pedimos que eles atentassem para o fato de estarem recebendo cópias por ser um folheto do qual não se tem publicação. Contudo, tentamos preservar o formato dos folhetos tradicionais. Pedimos também que observassem o título e tentassem pensar sobre o que seria aquela história. Um dos alunos logo indagou: “O que é mofino”? Outro também enfatizou “Eu nunca ouvi esse nome!” Perguntamos se alguém sabia o significado daquela palavra e não obtivemos respostas. Perguntamos se alguém tinha alguma sugestão, ao que um aluno respondeu: “deve ser alguém magro, feio sei lá!”. Sugerimos que iniciássemos a leitura e que, diante dela, eles mesmos poderiam tirar suas conclusões sobre o sentido daquele adjetivo. Iniciamos a leitura expressiva e pedimos que eles acompanhassem com os seus próprios folhetos. Notamos que algumas estrofes arrancavam risos dos nossos 14 O aluno citado é sobrinho da poetisa paraibana Julita Nunes 83 alunos, a exemplo da leitura das estrofes 13 e 14, que narram o momento em que o namorado cai na armadilha da namorada e se revela um covarde: Valha-me Nossa Senhora! Respondeu ele gemendo, Que diabo eu faço agora¿ E caiu no chão tremendo, Oh! Minha Nossa Senhora! A vos eu me recomendo. Nisso um gato derrubou Uma lata na dispensa, Ele pensou que era o velho, Gritou: oh! Que dor imensa! Parece que estou ouvindo Jesus lavrar-me a sentença (BARROS, 2002, p.235) Outras estrofes em que notamos reações de risos foram aquelas em que Marocas impõe ao namorado que limpe a sujeira: Então a moça lhe disse: O senhor lava o quintal Olhe uma tabica aqui!... Lava por bem ou por mal, Covardia para mim, É crime descomunal. (BARROS, 2002, p.233) Ao término da leitura, novamente o debate se deu de forma espontânea: Aluno1: Essa é das minhas! Aluno8: Parece que é paraibana! Aluno5: Esse cabra é mole, viu! Aluno 8: É ela é que é esperta! Nesses comentários, pudemos notar a identificação dos leitores com a obra; além disso, observamos o destaque dado à ideia presente no imaginário popular de que a mulher da Paraíba é valente, como se observa no comentário do aluno 8. Perguntamos, diante do enredo revelado, se eles já podiam me dizer o que era Mofino, ao que o aluno 3 respondeu: “é um covarde”, e então perguntamos: E quanto ao substantivo proezas¿Obtivemos as respostas: 84 Aluno 2: Lembrei daquele As proezas de João Grilo; Aluno 6: é só que a namorada é que é esperta; Aluno 2: é ela deu a volta no namorado. Confirmamos as indagações dos alunos e tecemos alguns comentários a respeito do personagem e da semelhança com João Grilo, tentando destacar a diferença ali existente entre o esperto João Grilo e Marocas. Pedimos, então, que observassem a capa do folheto15, que, como não havia edição atual, ele estava sem ilustração. Sugerimos que eles representassem, através de ilustração, algum aspecto do enredo desse folheto. Alguns não gostaram da ideia, mas muitos se empolgaram com a atividade. Tentamos deixá-los à vontade para essa realização. Vejamos alguns dos resultados: Figura 2 - ilustrações feitas pelos colaboradores 3,6,2,1 15 Pelo fato de não haver edição atual para esse folheto, nós mesmos tivemos que confeccioná-lo e então, propositalmente, deixamo-lo sem gravuras na capa. 85 Podemos supor que a primeira ilustração,realizada por um de nossos colaboradores, pode ter sido influenciada pelo conhecimento e ligação que o aluno realizou entre a obra abordada naquele momento e a obra Urupês, de Monteiro Lobato, uma vez que a primeira imagem representa o personagem Jeca Tatu. No questionário respondido pela professora, ela nos afirmou ter trabalhado com a obra de Lobato em sala de aula. Além disso, o aluno tentou representar justamente a imagem que existe em seu manual didático, confirmando a ligação direta que ele realizou entre as obras. Outra imagem reflete a valentia da personagem no momento em que obriga o namorado a limpar a sujeira que havia feito. Temos, também, a ilustração que traz o gato como peça importante no desenrolar do enredo, uma vez que, ao fazer barulho no momento que o namordao acredita ter sido descoberto pelo pai da jovem, acentua mais ainda a revelação da covardia do namorado.Temos ainda a ilustração que traz o lado romântico da história, remetendo para o fato de o casal ser proíbido de se relacionar. O mais importante foi notar que os nossos colaboradores não se prenderam a nenhum aspecto específico do folheto e sim tentaram representar momentos diversos do enredo atentando, assim, para os elementos que construíram a narrativa16. Ao término da aula, provocamos uma situação de expectativa ao revelarmos que, no próximo encontro, teríamos uma visita especial. 3.4.4 Expandido a experiência: encontro com violeiros locais Concluída a fase de leitura dos três folhetos, passamos ao momento que denominamos de expansão da vivência. Isto é, momento em que os alunos podem perceber que as leituras feitas dizem respeito não só a uma tarefa escolar, mas ao modo com veem seu mundo e, desse modo, entram num processo de constante enriquecimento cultural e social. 16 Outras ilustrações podem ser observadas nos apêndices deste trabalho. 86 Esse dia foi muito especial, primeiro por termos conseguido proporcionar o encontro dos alunos com dois poetas repentistas do município 17 e, depois, por termos alcançado uma mudança significativa na atitude dos alunos diante desses artistas durante o encontro. Preparamos a biblioteca para ser o local do nosso encontro por ter um espaço mais privilegiado, além da mobília necessária ao evento, e também para não atrapalhar as outras aulas da turma. Esperamos os artistas, que logo chegaram, e os direcionamos ao local preparado para o encontro e fomos convidar a turma. Notamos que, logo na entrada do local, os alunos se entreolhavam e cochichavam a respeito dos violeiros. A priori deu-nos a impressão de que um clima de preconceito tomava conta do local, uma vez que os alunos demonstravam ares de riso perante a simplicidade dos nossos convidados. Quando todos já estavam acomodados, os artistas iniciaram o seu discurso agradecendo o convite e dizendo o quanto se sentiam privilegiados por estarem ali como convidados, visto que tinham pouca experiência com estudo, (os dois artistas não concluíram o Ensino Fundamental). Eles expuseram para os alunos algumas experiências que tinham vivido com o repente, como começaram e os desafios que já haviam enfrentado. No momento em que os poetas discursavam, notamos que o preconceito linguístico tomava conta de todos e alguns, em certo momento, até deixavam escapar risos quando os artistas pronunciavam alguma palavra fora da norma padrão da língua. Felizmente, nossos artistas não notaram ou não deram importância ao fato e, depois de algumas palavras, começaram a declamar alguns versos e, aos poucos foram envolvendo os alunos. A certa altura do encontro, os alunos estavam já tão envolvidos com os versos, principalmente com o improviso que os poetas estavam fazendo com os nomes deles, que esqueceram o preconceito e aplaudiram de pé os artistas. Supomos que aquela atitude do grupo sugere que, quando há esta aproximação do artista popular com a comunidade, pode se dar uma troca de experiência, uma valorização do trabalho do artista, conforme as OCEMS (2008). 17 Os artistas convidados foram Pedro Ivo Catanduba, poeta e locutor na Rádio Comunitária Teixeira FM, em que apresenta o Programa “Entardecer de repente”; e João Batista de Oliveira, poeta e vereador, atualmente participa de vários Festivais de Repente da Região. 87 O encontro continuou com uma rodada de questionamentos feitos pelos alunos aos convidados. Muitas perguntas foram feitas aos poetas e também alguns alunos pediram versos de determinados temas, e um aluno improvisou até mesmo um mote, revelando que já havia assistido a um desafio de repentistas. Figura 3- alunos participando do encontro com violeiros Fonte – Lira ( 2012) Infelizmente, o nosso tempo era curto para o encontro, dispúnhamos apenas de uma aula o que equivale a quarenta e cinco minutos. Já havíamos superado até mesmo os quinze minutos de intervalo dos nossos colaboradores e, por isso, tivemos que interromper o encontro para que os alunos voltassem à sala de aula. 88 Finalizamos esse encontro com a certeza de termos avançado na divulgação desse tipo de arte. 3.4.5 Diversificando a leitura de folhetos No dia 07 de novembro, tivemos o nosso último encontro de leitura em sala de aula. O objetivo desse encontro era o de proporcionar aos nossos colaboradores o contato com folhetos de diversos autores e que abordassem temáticas variadas, para que eles pudessem perceber a riqueza de possibilidades que existe nesse tipo de literatura. Para isso, tentamos organizar um espaço propício para leitura na própria sala de aula. Colocamos as carteiras em círculo e, no centro da sala, dispusemos uma mesa com diversos cordéis de nossa coleção pessoal. Ao entrarem na sala, percebemos que os alunos se empolgavam com a organização do espaço e alguns, de imediato, aproximaram-se da mesa ao centro, contudo se continham em apenas olhar e em seguida procuravam lugar para se acomodar. Quando todos se acomodaram, iniciamos o encontro enfatizando que, naquele momento, eles iriam poder escolher a própria leitura a ser realizada. O interessante desse momento foi que, mesmo sem imposição, a maioria dos alunos optou por ler folhetos que, assim como os folhetos de Leandro, também enveredavam pelo viés satírico, como, por exemplo, As proezas de João Grilo, de João Ferreira de Lima, A chegada de Lampião no Inferno, de José Pacheco, e O gostosão, de Maria Godelivie. Enquanto os alunos escolhiam o cordel a ser lido, tentávamos motivá-los falando sobre os cordéis, atiçando a curiosidade que se mostrava através de perguntas como: Esse aqui fala de quê? Tem alguma história de amor? Enquanto realizavam a leitura individual, percebíamos empolgação de alguns que riam e teciam comentários. O aluno 3, que tinha escolhido As proezas de João Grilo, por exemplo, comentava: “Esse João Grilo não tem a pareia não, viu!” Após esse momento de leitura, sugerimos que cada um falasse sobre o cordel que havia lido. Através dos comentários surgidos, pudemos perceber que, talvez buscando encontrar o mesmo aspecto das histórias que tínhamos lido, alguns se surpreenderam ao encontrarem histórias de amor ou mesmo adaptações de contos infantis. Veja alguns dos comentários: 89 Aluna 6: Eu nunca tinha visto Chapeuzinho vermelho em verso, é bem legal! Aluno 3: Esse de Lampião é bem divertido! Olha o que ele diz quando fala onde Lampião deve estar no inferno não ficou; no céu também não chegou; por certo está no sertão! Ele deve está aqui mesmo! Aluno 7: Essa é bem triste e romântica! Percebemos, em comentários como o da aluna 6, que realmente o conhecimento da Literatura de Cordel por esses alunos era superficial, pois é grande a quantidade de adaptações dos contos de fada na literatura de folhetos, e essa aluna afirma não saber da existência desse tipo de produção. Leandro Gomes de Barros, por exemplo, no século XIX, já produzia adaptações, os folhetos: Branca de neve e o soldado guerreiro e A bela adormecida no bosque. Outro comentário interessante foi o do aluno 3, ao tratar do folheto A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco. A imagem que ele faz do sertão, em seu tom de fala, parece que ele entende o sertão como um lugar pior que o inferno; essa ligação entre o sertão e lugar ruim e quente muito se aproxima da imagem de inferno presente no imaginário popular e propagado pelas religiões que apontam o inferno como o lugar seco e quente, onde as pessoas más pagarão seus pecados. “Assim será na consumação do século: sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos, e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes”. (Mt 41,42,49,50). O comentário efetuado pelo aluno 7 é sobre o folheto Uma tragédia de amor ou a Louca dos caminhos, do poeta Manoel Monteiro . Após os comentários, apresentamos aos colaboradores a ideia de compartilhar com a comunidade escolar as atividades de leitura que havíamos realizado. Tínhamos pensado nesse momento em propor a Feira de Literatura de Cordel. Foi então que surgiu, por parte deles, a ideia desse evento ser a participação da turma deles na Feira de Ciências que a escola iria promover para encerramento das atividades do ano letivo. Eles achavam que os trabalhos que eles haviam pensado em organizar estavam atrasados e “sem graça” (como diziam alguns) e prefeririam que pudéssemos ajudá-los com essa tarefa. Consideramos que a ideia era bastante pertinente e, conforme Marinho e Pinheiro (2012, p. 132), “A feira pode [...] ser uma atividade específica, mas também figurar dentro de uma semana cultural, artística etc.”. Nesse momento, decidimos que assim o faríamos, então passamos direto para organização da Feira. Dividimos as tarefas de divulgação, confecção de 90 cartazes, exposição dos folhetos lidos, confecção de lembrancinhas, ornamentação do espaço e, por último, decidimos escolher o título da Feira. Como surgiram três sugestões (Caminhos do Cordel; Literatura de Cordel e Revivendo o Cordel), achamos por bem decidirmos com uma votação, que acabou por eleger “Revivendo o Cordel” como título para o nosso evento. Também ficou decidido que eles levariam os folhetos que tinham lido naquele dia e trariam alguma atividade (podia ser uma ilustração, uma pesquisa acerca do autor do folheto, entre outros) para que pudéssemos expor no dia do evento. O acompanhamento dessa atividade ficou por conta da professora colaboradora. 3.4.6 Revivendo o Cordel O último encontro que tivemos com os nossos colaboradores foi muito especial. Na realidade, não foi apenas um encontro e sim dois, o primeiro ocorreu no dia 01/12/11, durante a organização do local, momento em que pudemos perceber grande entrosamento entre os alunos. Também pudemos contar com a ajuda da professora colaboradora, que muito se empenhou para que tudo funcionasse de maneira positiva. Nesse espaço, dispusemos cartazes confeccionados pelos alunos sobre a obra de Leandro Gomes de Barros. Também por ideia dos alunos, organizamos um mural com alguns trabalhos de cordelistas de nossa cidade, a exemplo do poeta do absurdo, Zé Limeira, e Dona Julita Nunes. Montamos uma banca de venda de folhetos de diversos autores, e um aluno, que desenha especialmente bem, grafitou uma imagem de Leandro, em que expusemos folhetos do autor. Organizamos o Cantinho dos Violeiros, onde os repentistas que estiveram conosco durante a experiência puderam realizar uma breve apresentação. Expusemos, também, as atividades produzidas pelos alunos, entre elas, estavam a confecção das capas para o folheto As proezas de um namorado mofino; ampliação de algumas xilogravuras; uma pesquisa sobre a vida de lampião; uma nova versão em quadrinhos para o folheto Chapeuzinho Vermelho, de Manoel Monteiro, entre outras atividades. O outro encontro foi no dia 02/12/11, em que tivemos a oportunidade de compartilhar com a comunidade escolar a nossa experiência de leitura e as atividades desenvolvidas pelos alunos. Além disso, contamos com a participação 91 dos violeiros com os quais tivemos contato durante o experimento. Eles realizaram uma breve apresentação que empolgou a todos que visitavam o evento. Esse momento foi realmente muito especial, pois a escola estava toda envolvida nas atividades,visto que o evento foi realizado durante a feira de ciências da própria escola. Figura 4 - Alunos participando do evento “Revivendo o Cordel” Fonte – Lira ( 2012) Outras imagens do evento e de outros momentos da experiência podem ser observadas nos apêndices deste trabalho. 92 Considerações Finais A formação de leitores na escola percorre um caminho que passa por questões relevantes, tais como: as condições de apresentação dos textos, os suportes utilizados, a formação literária dos mediadores e os momentos de recepção. Os textos de origem popular foram, durante muitos anos, mantidos fora do ambiente escolar, o qual privilegiava os textos canônicos. Quando se designava algum espaço para a Literatura Popular, esta era transformada em folclore e vista como algo morto e distante da vivência dos leitores. Visto que consideramos a Literatura de Cordel uma manifestação de grande valor cultural e produtiva e que acreditamos que ela deva ser experimentada pelos leitores, adotamos, para a realização desta pesquisa, metodologias que oportunizassem o encontro dos leitores com a experiência cultural ali representada. Primeiramente, devemos explicitar que, após refletirmos sobre nossa experiência de leitura, podemos afirmar que, de fato, ao optarmos por desenvolver a experiência, tendo como objeto poemas satíricos, eliminamos uma barreira inicial, que era o contato dos alunos com a Literatura de Cordel de forma agradável, comprovada pelo envolvimento deles com as leituras e pelos diversos momentos de descontração e riso. Procuramos realizar uma reflexão sobre como outras perspectivas de ensino (diferentes do historicismo a que estavam acostumados) podem contribuir para enriquecer a experiência do aluno com a literatura em sala de aula. É necessário destacar a postura da professora da turma, que buscava aliar a orientação curricular ao incentivo à leitura literária e fazia isso através de visitas à biblioteca. Quando não eram possíveis essas visitas, ela se dispunha, a indicar leituras disponíveis no acervo da biblioteca da escola, tentando, com isso, não distanciar os alunos dos livros ali existentes. Porém, acreditamos que o incentivo à leituras, por parte do professor de Literatura, deve ser mais comprometido, e, principalmente, compartilhado em sala de aula; deve ir além da mera indicação de títulos de obras. Também se faz necessário refletir acerca da falta que faz o conhecimento ou esclarecimento dos documentos parametrizadores do ensino de Literatura. 93 Observamos que esse fato deixa a professora sujeita a recursos precários de orientação metodológica e presa às orientações do livro didático. Quanto ao nosso questionamento em relação ao modo como se daria a recepção dos textos satíricos, podemos afirmar que a recepção se deu a partir da aproximação dos textos com a realidade dos alunos, proporcionada pela atualidade dos cordéis lidos em sala de aula. Podemos de certa forma, dizer que nossas hipóteses iniciais foram confirmadas, visto que, durante os debates suscitados, os alunos, mesmo sem mencionarem termos teóricos, atentaram para o fato de que, de forma jocosa, a sátira fazia a diferença naqueles folhetos, pois instigava a reflexão acerca de determinadas situações e da condição humana. A partir dos elementos analisados e destacados por nossos alunos durante a leitura do folheto O dinheiro, podemos desfazer a imagem que tínhamos feito da turma, tida quase sempre pelos professores, como apátic e desinteressada. Também observamos, com a leitura desse folheto, que os alunos de imediato estabeleceram relação entre a obra lida e a peça teatral O Auto da Compadecida, do dramaturgo Ariano Suassuna. Da leitura do folheto O cavalo que defecava dinheiro, podemos destacar que, assim como enfatizamos em nossa análise no capítulo II desta dissertação, o destronamento foi o aspecto que mais chamou atenção dos alunos, comprovado pelos seguintes comentários: aluno 8: “é, o esperto aí foi o pobre!” e do aluno 6: “Mas nem sempre o rico é mais esperto!”. Percebemos que esse fator é decisivo para a compreensão do enredo. Quanto às atividades direcionadas ao trabalho de pesquisa oral, sentimos que a falta de uma atividade mais concreta possa ter contribuído para o não compromisso da turma no momento de sua realização. Acreditamos que, se tivéssemos elaborado a atividade em uma folha a ser entregue, ao invés de deixar a atividade somente na oralidade, talvez tivéssemos obtido dados mais concretos. Quanto à leitura do folheto As proezas de um namorado mofino, percebemos que a forma como o autor discute o machismo chama atenção dos jovens leitores pela atualidade temática e pela provocação do sentimento de identificação, principalmente das leitoras, como podemos notar no comentário da aluna1: “Essa é das minhas!”, querendo dizer que se identificava pessoalmente com a personagem. A participação da turma e, em especial, o envolvimento deles durante a realização da Feira de Literatura de Cordel, a qual eles intitularam de “Revivendo o 94 Cordel”, mostra que existe entre eles uma identificação e aproximação com a Literatura Popular, por menor que seja. Além disso, durante o encontro com os poetas repentistas, notamos aparente mudança no comportamento dos nossos colaboradores, uma vez que, no início do encontro mostraram-se tímidos e, até mesmo, em alguns momentos, pareceram-nos preconceituosos; mas, no decorrer do encontro, envolveram-se totalmente, aparentando admiração pela forma como os artistas improvisavam os versos. Assim como em toda pesquisa, há momentos em que esperávamos que os alunos se envolvessem mais e achassem graça; no entanto, contrariando nossas expectativas, obtivemos comentários valiosos quando menos esperávamos, por exemplo, na leitura do folheto As proezas de um namorado mofino, em que as alunas identificaram características próprias das mulheres paraibanas (presentes no imaginário popular) e a personagem do enredo, fato para que, nem em nossa própria leitura do folheto, tínhamos atentado. Quanto à perspectiva de leitura literária norteadora de nossa pesquisa, constatamos que a sala de aula, enquanto espaço de experiência literária significativa, precisa dar lugar a textos literários que não constam nos manuais didáticos, auxiliando no desenvolver da criticidade dos alunos. De uma maneira geral, a pesquisa mostra que o trabalho com o folheto pode compor um corpus mais amplo de indicação de obras literárias para leitura na escola. No entanto, como em qualquer trabalho com o texto literário, exige planejamento adequado, metodologia que favoreça a participação do jovem leitor e constância. Neste sentido, a experiência comprova que o trabalho com o folheto pode contribuir para a formação de leitores de literatura. 95 REFERÊNCIAS Cordéis e antologia BARROS, Leandro Gomes de. O dinheiro (o testamento do cachorro). In: MEDEIROS, Irani. No reino da poesia sertaneja; antologia Leandro Gomes de Barros. João Pessoa: Ideia, 2002. ______, As proezas de um namorado mofino. In: MEDEIROS, Irani. No reino da poesia sertaneja; antologia Leandro Gomes de Barros. João Pessoa: Ideia, 2002. ______, Leandro Gomes de. O cavalo que defecava dinheiro. Fortaleza: Tupynaquim.1999. Fontes Teóricas ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Campinas: Mercado de Letras, 1999. AGUIAR, Vera Teixeira. BORDINI, Maria da Glória. A formação do Leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988, 176p. AYALA, Maria Ignez Novais. Aprendendo a aprender a cultura popular. In: Pesquisa em Literatura. Campina Grande: Bagagem, 2003. BABIER, René. A Pesquisa-ação. Tradução de Lucie Dido. Brasília: Líber Livro Editora, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981. BATISTA, Sebastião Nunes. Antologia da Literatura de Cordel. Natal: Fundação José Augusto, 1977. BELL, Judith. Projeto de pesquisa: guia para pesquisadores iniciantes em educação, saúde e ciências sociais. 4. ed. 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Entrando em campo Objetivos: - Observar aulas de Literatura; - Apresentar a proposta da pesquisa aos colaboradores; - Conversar e entregar questionário à professora; - Aplicar questionário na turma em que será realizada a experiência. Tempo: aproximadamente 5 aulas II. Vivenciando a leitura de folhetos em sala de aula 2.1 Primeiro Encontro OBJETIVOS: - Ler o folheto O dinheiro de Leandro Gomes de Barros; - Observar a recepção da leitura; - Propor uma discussão dos temas abordados no enredo do folheto; - Situar o autor a partir da leitura do folheto. Recursos didáticos: - dinheiro de brinquedo - fita adesiva - folhetos Duração: duas aulas (90 minutos) Procedimentos metodológicos: - Colocar nas carteiras notas de dinheiro (de brinquedo) e deixar que os alunos ao entrarem na sala de aula já criem alguma expectativa a respeito do desenvolvimento da aula; 100 - Iniciar a conversa perguntando o que eles comprariam se tivessem muito dinheiro; - Comentar que um personagem da história que eles irão conhecer comprou um enterro cristão para o seu cachorro que havia falecido; - Distribuir os folhetos entre eles e deixar que observem por um tempo e em seguida realizar a leitura expressiva; - Suscitar a discussão através de questionamentos do tipo: gostaram¿ Por quê¿ quais estrofes chamaram mais atenção¿quais trechos acharam mais divertidos¿ para tentar perceber a recepção à leitura; - Enfocar, também, a questão da atualidade do folheto; - Finalizar perguntando se alguém conhece o autor da história, caso a resposta seja negativa pedir para que eles realizem em casa uma breve pesquisa acerca do autor e traga para o próximo encontro, lembrar que essa pesquisa pode ser feita perguntando aos pais, avós, vizinhos, professores, tios, entre outros. 2.2 Segundo Encontro Objetivos: - Retomar as informações sobre o autor a partir de pesquisa realizada; - Ler o folheto O cavalo que defecava dinheiro; - Discutir os aspectos do enredo; - Visitar a biblioteca municipal com intuito de perceber ausência da Literatura de folhetos na comunidade. Duração: duas aulas (90 minutos) Recursos didáticos: - folhetos Procedimentos metodológicos: - Organizar a sala em círculo; - Iniciar a aula perguntando se alguém fez a pesquisa e deixar que eles exponham o que acharam e então tecer alguns comentários a respeito de Leandro Gomes de Barros; - Distribuir os folhetos e deixar que eles manuseiem a vontade e então sugerir que façam a leitura em forma de jogral; - Propor uma roda de discussão a partir de questões como: O que acharam das atitudes dos personagens¿ Concordam¿ O que mais chamou a atenção¿ 101 - Convidá-los a fazer uma breve visita à biblioteca municipal para observarem a presença da Literatura Popular na mesma; - Comentar que, no próximo encontro, terão uma visita especial. 2.3 Terceiro Encontro Objetivos: - Aproximar os alunos de artistas populares locais; - Realizar uma breve Roda de conversa com o(s) artista (s); - Apreciar a leitura de algum cordel do (s) poeta (s) que participar (em) da Roda de conversa. Duração: uma aula (45 minutos) Procedimentos metodológicos: - Apresentar o poeta à turma; - Pedir para o poeta falar um pouco sobre o cordel e sua presença nessa região; - Abrir espaço para questionamentos dos alunos; - Pedir que o poeta apresente e leia alguns dos folhetos de sua autoria. 2.4 Quarto Encontro Objetivos: - Ler o folheto As proezas de um namorado mofino; - Suscitar a discussão em torno das questões que envolvem a temática o presente no enredo do folheto; - Propor a leitura dramatizada por dois alunos; - Propor a realização de um evento para divulgação e encerramento desta etapa da pesquisa. Duração: duas aulas (90 minutos) Recursos didáticos: folhetos Procedimentos metodológicos: - Iniciar a conversa perguntando se alguém tem um relacionamento amoroso na turma, com o intuito de criar um horizonte de expectativa a respeito da leitura a ser realizada, deixar que os comentários fluam e então ir aproveitando para envolvê-los na leitura; 102 - Distribuir o folheto, deixar que eles percebam os aspectos físicos da obra e então realizar a leitura expressiva do mesmo; - Propor uma nova discussão a respeito do enredo e destacar os aspectos estruturais da obra; - Questioná-los se eles acham justo a Literatura Popular sofrer esse descaso no meio escolar e propor a finalização dos encontros com a realização de um evento em que possamos divulgar o que ocorreu na experiência vivenciada por todos durante os encontros; - Propor que dois alunos façam uma leitura dramatizada para uma nova apreciação da leitura do folheto. 2.5 Quinto Encontro Objetivos: - Apreciar a leitura de folhetos de autores diversos; - Propor uma atividade de representação do folheto por outro tipo de expressão; - Sugerir a organização de uma Feira de Literatura de Cordel. Duração: 01 aula (45 minutos). Recursos didáticos: folhetos Procedimentos metodológicos: - Organizar uma mesa com vários folhetos de autores diferentes e deixar que os alunos escolham à vontade o folheto que desejarem ler; - Pedir que façam uma primeira leitura do folheto que seria a leitura individual; - Após a leitura, pedir que se organizem em duplas e escolham, entre os folhetos que leram, um que possam expor, digam se gostaram, por que gostaram, por que escolheram aquele; - Feita essa breve apresentação, sugerir que tentem representar o folheto através de outra forma de expressão que poderá ser uma apresentação teatral, uma ilustração, um poema, um texto informativo e propor que esses trabalhos sejam expostos em uma Feira de Literatura de Cordel; - Pedir sugestões de Organização para Feira, como o nome a ser dado ao evento, o que deve ser exposto, como deve ser feito, local a ser realizado o evento; - Dividir as tarefas para realização do evento. 103 2.6 Sexto Encontro Objetivo: Realizar evento de divulgação da experiência. Duração: a definir com a turma. Recursos didáticos: a definir com a turma. Procedimentos metodológicos: Organização e realização de evento de encerramento, com apresentação de cantadores e declamadores. REFERÊNCIAS ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Campinas: Mercado de Letras, 1999. AGUIAR, Vera Teixeira. BORDINI, Maria da Glória. A formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988, 176p. BARROS, Leandro Gomes de. O dinheiro (o testamento do cachorro). In: MEDEIROS, Irani. No reino da poesia sertaneja; antologia Leandro Gomes de Barros. João Pessoa: Ideia, 2002. ______. As proezas de um namorado mofino. In: MEDEIROS, Irani. No reino da poesia sertaneja; antologia Leandro Gomes de Barros. João Pessoa: Ideia, 2002. ______. O cavalo que defecava dinheiro. Fortaleza: Tupynaquim.1999. COLOMER, Teresa. Andar entre livros. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2007. COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 1.ed. São Paulo: Contexto, 2009.135p. 104 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO A pesquisa intitulada: “Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos do 3º ano do Ensino Médio”, desenvolvida por Luzia Rita Nunes de Lira, aluna regularmente matriculada no Mestrado Linguagem e Ensino da UFCG, objetiva estudar a recepção de cordéis satíricos de Leandro Gomes de Barros por alunos do 3ºano de uma escola pública. Para que a pesquisa alcance seu objetivo, gostaríamos de solicitar a V.S.a esforços no sentido de responder, com o máximo de seriedade, a este questionário, que visa obter informações sobre o trabalho desenvolvido com a leitura literária em sala de aula. Ressaltamos que, na escritura da Dissertação e em todos os documentos anexos a ela, os nomes dos colaboradores serão mantidos em sigilo, evitando assim, especulações desnecessárias. Pesquisadora: Luzia Rita Nunes de Lira Orientador: José Helder Pinheiro Alves Público alvo: alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual da cidade de Teixeira-PB I. Informações Pessoais 1. Nome: ________________________________________________________ 105 2. Idade:_________________ 3. Sexo: ( )feminino ( ) masculino 4. Turmas em que atua: 5. Trabalha em mais de uma escola? ( ) NÃO ( ) SIM, leciono em outra (s) escola(s). 6. Onde cursou e em que ano concluiu a sua graduação? 7. Cursou/cursa alguma pós-graduação? SIM ( ). Qual¿ __________________________________________ NÃO ( ) 8. Há quantos anos atua como professor de língua portuguesa? II. A respeito da leitura literária em sala de aula: 1. De que forma você costuma trabalhar com textos literários? 2. Há um tempo reservado para a leitura literária em sala de aula? ( ) Se SIM - Como estes textos são selecionados? ( ) Se NÃO - Como a literatura é apresentada aos alunos? 3. Há biblioteca na escola? ( ) SIM ( ) NÃO 106 4. Se sim, o que você acha do acervo literário dela? 5. Costuma utilizar o acervo da biblioteca em suas aulas? ( ) SIM ( ) NÃO 6. Se sim, de que forma você utiliza? 7. Costuma indicar a leitura de livros da biblioteca da escola para que os alunos leiam fora do horário das aulas? 8. A escola adota algum Livro Didático? ( ) SIM ( ) NÃO 9. Se sim, qual é o livro e como você costuma utilizá-lo? 10. .Você costuma utilizar outros livros didáticos além deste? Quais? 11. Em uma escala, onde o número 01 representa os textos literários que você geralmente leva para os seus alunos e 07 representa aqueles que você não leva com frequência, enumere as seguintes proposições: textos cujos temas se aproximem da realidade do aluno textos que não apresentam ligações com a realidade do aluno textos clássicos textos indicados para o concurso vestibular textos mais recentes, atuais textos que representem os conteúdos estudados durante as aulas textos presentes nos livros didáticos/manuais 107 12. Como se dá a recepção dos alunos aos textos literários com os quais você trabalha?Há interesse? 13. Você conhece os documentos oficiais parametrizadores para o Ensino Médio no Brasil? ( ) SIM ( ) NÃO 14. Se sim, acredita que trazem alguma contribuição para o trabalho com a Literatura? Qual? 15. Que obras literárias ( poemas, contos, crônicas, romances) foram trabalhados/lidos com esta turma de 3ºano? III. Sobre o trabalho com a Literatura Popular 1. Você costuma relacionar a literatura a outras artes, como cinema, pintura e música, durante as aulas? Como?Dê exemplos. 2. Costuma relacionar as suas aulas a aspectos da cultura regional? Acredita que esta prática favorece a recepção dos alunos aos textos literários? 3. Conhece Literatura de Cordel? 4. Costuma ler? Poderia citar algum folheto? 5. Já levou esse tipo de leitura para sala de aula?Poderia citar algum. 6. Se sim, sentiu alguma dificuldade ao trabalhar com esse tipo de leitura?Comente um pouco. 108 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos do 3º ano do Ensino Médio Pesquisadora: Luzia Rita Nunes de Lira Orientador: José Helder Pinheiro Alves Questionário para levantamento de perfil dos colaboradores da pesquisa Olá! Ajude-nos a conhecê-lo respondendo a este questionário com o máximo de seriedade. Suas informações são de fundamental importância para o desenvolvimento da nossa pesquisa. 1. Nome_________________________________________________________ 2. Endereço ( ) zona urbana ( ) zona rural 3. Idade ( ) entre 14 e 15 anos ( ) entre 16 e 17 anos ( ) entre 18 e 19 anos ( ) entre 20 e 21 anos ( ) mais de 22 anos 4. Trabalha ¿ ( ) sim ( ) não 5. Estado civil ( ) solteiro(a) ( ) casado(a) ( ) outro 109 6. Sexo ( ) masculino ( ) feminino 7. Ficou algum período sem estudar ¿ ( ) não ( ) sim. Quanto tempo¿ _______ 8. Já repetiu o ano (série) ¿ ( ) sim. Quantas vezes¿ ________ ( ) não 9. Tem o hábito de leitura¿ ( ) sim ( ) não 10. Com que frequência você lê: Raramente nunca Com frequência De vez em quando Jornais ( ) ( ) ( ) ( ) Revistas ( ) ( ) ( ) ( ) Livro didático ( ) ( ) ( ) ( ) Cordel ( ) ( ) ( ) ( ) Poesia ( ) ( ) ( ) ( ) Romances ( ) ( ) ( ) ( ) Crônicas ( ) ( ) ( ) ( ) Outros ( ) ( ) ( ) ( ) 11. Na sua escola, são indicados livros para leitura em casa¿ ( ) sim ( ) não 12. Você costuma ler livros indicados pela professora¿ ( ) não 13. Você conhece algum poeta popular¿ ( ) sim ( ) sim. Qual¿ _____ 14. Dentre os escritores abaixo, identifique o que você conhece a. ( ) Carlos Drummond de Andrade b. ( ) Cecília Meireles c. ( ) Leandro Gomes de Barros d. ( ) Pedro Bandeira ( ) não 110 e. ( ) Patativa do Assaré f. ( ) Olavo Bilac g. ( ) Alindo Lopes h. ( ) Jandhui Dantas i. ( ) José Limeira 15. Dentre os escritores da questão anterior, que você conhece, já leu algum texto dele(s) ¿ Lembra o título¿. 16. Já leu algum folheto de cordel¿ 17. Conhece algum poeta /cantador de sua região¿ ( ) sim ( ) não 18. Assiste, com frequência a cantorias, programas com violeiros¿( ) sim ( ) não Obrigada por sua colaboração! Luzia Rita 111 Figura 5- Capas do folheto As proeza de um namorado mofino, ilustradas pelos alunos Fonte – Lira ( 2012) 112 Fonte (LIRA, 2012) 113 Fonte – Lira ( 2012) 114 Fonte- Lira ( 2012) 115 Fonte (LIRA, 2012) Fonte –Lira ( 2012) 116 Fonte- Lira ( 2012) Fonte – Lira ( 2012) 117 Fonte- Lira ( 2012) Fonte – Lira ( 2012) 118 Fonte – Lira (2012) 119 Fonte – Lira (2012) 120 Fonte – Lira (2012) 121 ANEXOS 122 As proezas de um namorado mofino (Leandro Gomes de Barros) Semore adotei a doutrina Ditada pelo rifão, De ver-se a cara do homem Mas não ver-se o coração, Entre a palavra e a obra Há enorme distinção. Zé-pitada era um rapaz Que em tempos idos havia Amava muito uma moça O pai dela não queria… O desastre é um diabo Que persegue a simpatia. Vivia o rapaz sofrendo Grande contrariedade Chorava ao romper da aurora Gemia ao virar da tarde A moça era como um pássaro Privado da liberdade. Porque João-mole, o pai dela era um velho perigoso, Embora que Zé-pitada Dizia ser revoltoso, Adiante o leitor verá Qual era o mais valoroso. Marocas vivia triste Pitada vivia em ânsia, Ele como rapaz moço No vigo de sua infância, Falar depende de fôlego Porém obrar é sustância. Disse pitada a Marocas, Eu preciso lhe falar Já tenho toda certeza, Que é necessário a raptar, À noite espere por mim Que havemos de contratar. Disse Marocas a Zezinho: Papai não é de brincadeira, Diz Zé-pitada, ora esta! Você pode ver-me as tripas, Poré não verá carreira. Diga a que hora hei de ir, Eu dou conta do recado Inda seu pai sendo fogo, Por mim será apagado, Eu juro contra minh‟alma Que seu pai corre assombrado. Disse Marocas, meu pai Tem tanta disposição Que uma vez tomou um preso Do poder de um batalhão, Balas choviam nos ares, O sangue ensopava o chão. Disse ele, eu uma vez Fui de encontro a mil guerreiros, Entrei pela retaguarda, Matei logo os artilheiros, Em menos de dez minutos O sangue encheu os barreiros. Disse Marocas, pois bem Eu espero e pode ir, Porém encare a desgraça, Se acaso meu pai nos vir, Meu pai é de ferro e fogo, É duro de resistir. Marocas não confiando Querendo experimentar, Olhou para Zé-pitada Fingindo querer chorar, Disse meu pai acordou, E nos ouviu conversar. Valha-me Nossa Senhora! Respondeu ele gemendo, Que diabo eu faço agora?!… E caiu no chão tremendo, Oh! Minha Nossa Senhora! A vós eu me recomendo 123 Nisso um gato derrubou Uma lata na dispensa, Ele pensou que era o velho, Gritou, oh!, que dor imensa!. Parece qu‟stou ouvindo Jesus lavrar-me a sentença. Meu pai ainda não veio Eu hoje estou sozinha, Zé-pitada aí se ergueu, E disse, oh minha santinha! A moça meteu-lhe o pé, Dizendo: vai-te murrinha! A febre já me atacou, Sinto frio horrivelmente. Com muita dor de cabeça, Uma enorme dor de dente, Esta me dando a erisipela, Já sinto o corpo dormente. E deu-lhe ali uma lata, Dizendo: está aí o poço, Você ou lava o quintal Ou come um cachorro ensolso, Se não eu meto-lhe os pés Não lhe deixo inteiro um osso. Antes eu hoje estivesse Encerrado na cadeia, De que morrer na desgraça, E d‟uma morte tão feia, Veja se pode arrastar-me, Que minha calça está cheia. Disse ele, oh! meu amor! O corpo todo me treme, Minha cabecinha está, Que só um barco sem leme, Parece-me faltar o pulso, O Anjo da Guarda geme. Por alma de sua mãe, E pela sagrada paixão, Me arraste por uma perna E me bote no portão, A moça quis arrastá-lo, Não teve onde pôr a mão. Então a moça lhe disse: O senhor lava o quintal Olhe uma tabica aqui!… Lava por bem ou por mal, Covardia para mim, É crime descomunal. Ela tirou-lhe a botina, Para ver se o arrastava, Mas era uma fedentina, Que a moça não suportava, Aquela matéria fina Já todo o chão alagava. E lá foi nosso rapaz Se arrastando com a lata, A moça ali ao pé dele, Lhe ameaçando a chibata, Ele exclama chorando Por amor de Deus não bata. Disse a moça: quer um beijo? Para ver se tem melhora? Ele com cara de choro, Respondeu-lhe, não, senhora, Beijo não me salva a vida, Eu só desejo ir-me embora. Vai miserável de porta Quero já limpo isso tudo, Um homem de sua marca Pequeno, feio e pançudo, Só tendo sido criado Onde se vende miudo. Então lhe disse Marocas, Desgraçado!… eu bem sabia, Que um ente de teu calibre, Não pode ter serventia. Creio que fostes nascido Em fundo de padaria. Disse o Zé quando saiu: Eu juro por Deus agora, Ainda uma moça sendo Filha de Nossa Senhora, E olhar para mim, eu digo: Degraçada, vá embora. 124 O Cavalo que Defecava Dinheiro Leandro Gomes de Barros Uma coisa eu aprendi que ninguém faz discordância Riqueza só é um mal aumentada a importância Dinheiro não é ruim O ruim é a ganância Na cidade de Macaé Antigamente existia Um duque velho invejoso Que nada o satisfazia Desejava possuir Todo objeto que via Esse duque era compadre De um pobre muito atrasado Que morava em sua terra Num rancho todo estragado Sustentava seus filhinhos Na vida de alugado. Se vendo o compadre pobre Naquela vida privada Foi trabalhar nos engenhos Longe da sua morada Na volta trouxe um cavalo Que não servia pra nada Disse o pobre à mulher: ─ Como havemos de passar? O cavalo é magro e velho Não pode mais trabalhar Vamos inventar um "quengo" Pra ver se o querem comprar. Foi na venda e de lá trouxe Três moedas de cruzado Sem dizer nada a ninguém Para não ser censurado No fiofó do cavalo Foi o dinheiro guardado Do fiofó do cavalo Ele fez um mealheiro Saiu dizendo: ─ Sou rico! Inda mais que um fazendeiro, Porque possuo o cavalo Que só defeca dinheiro Quando o duque velho soube Que ele tinha esse cavalo Disse pra velha duquesa: ─ Amanhã vou visitá-lo Se o animal for assim Faço o jeito de comprá-lo! Saiu o duque vexado Fazendo que não sabia, Saiu percorrendo as terras Como quem não conhecia Foi visitar a choupana, Onde o pobre residia. Chegou salvando o compadre Muito desinteressado: ─ Compadre, Como lhe vai? Onde tanto tem andado? Há dias que lhe vejo Parece está melhorado... ─ É muito certo compadre Ainda não melhorei Porque andava por fora Faz três dias que cheguei Mas breve farei fortuna Com um cavalo que comprei. ─ Se for assim, meu compadre Você está muito bem! É bom guardar o segredo, Não conte nada a ninguém. Me conte qual a vantagem Que este seu cavalo tem? Disse o pobre: ─ Ele está magro Só o osso e o couro, Porém tratando-se dele Meu cavalo é um tesouro Basta dizer que defeca Níquel, prata, cobre e ouro! Aí chamou o compadre E saiu muito vexado, Para o lugar onde tinha O cavalo defecado O duque ainda encontrou Três moedas de cruzado. Então exclamou o velho: ─ Só pude achar essas três! Disse o pobre: ─ Ontem à tarde Ele botou dezesseis! 125 Ele já tem defecado, Dez mil réis mais de uma vez. ─ Enquanto ele está magro Me serve de mealheiro. Eu tenho tratado dele Com bagaço do terreiro, Porém depois dele gordo Não tem quem vença o dinheiro... Disse o velho: ─ meu compadre Você não pode tratá-lo, Se for trabalhar com ele É com certeza matá-lo O melhor que você faz É vender-me este cavalo! ─ Meu compadre, este cavalo Eu posso negociar, Só se for por uma soma Que dê para eu passar Com toda minha família, E não precise trabalhar. O velho disse ao compadre: ─ Assim não é que se faz Nossa amizade é antiga Desde os tempo de seus pais Dou-lhe seis contos de réis Acha pouco, inda quer mais? ─ Compadre, o cavalo é seu! Eu nada mais lhe direi, Ele, por este dinheiro Que agora me sujeitei Para mim não foi vendido, Faça de conta que te dei! O velho pela ambição Que era descomunal, Deu-lhe seis contos de réis Todo em moeda legal Depois pegou no cabresto E foi puxando o animal. Quando ele chegou em casa Foi gritando no terreiro: ─ Eu sou o homem mais rico Que habita o mundo inteiro! Porque possuo um cavalo Que só defeca dinheiro! Pegou o dito cavalo Botou na estrebaria, Milho, farelo e alface Era o que ele comia O velho duque ia lá, Dez, doze vezes por dia... Aí o velho zangou-se Começou logo a falar: ─ Como é que meu compadre Se atreve a me enganar? Eu quero ver amanhã O que ele vai me contar. Porém o compadre pobre, (Bicho do quengo lixado) Fez depressa outro plano Inda mais bem arranjado Esperando o velho duque Quando viesse zangado... O pobre foi na farmácia Comprou uma borrachinha Depois mandou encher ela Com sangue de uma galinha E sempre olhando a estrada Pré ver se o velho vinha. Disse o pobre à mulher: ─ Faça o trabalho direito Pegue esta borrachinha Amarre em cima do peito Para o velho não saber, Como o trabalho foi feito! Quando o velho aparecer Na volta daquela estrada, Você começa a falar Eu grito: ─ Oh mulher danada! Quando ele estiver bem perto, Eu lhe dou uma facada. Porém eu dou-lhe a facada Em cima da borrachinha E você fica lavada Com o sangue da galinha Eu grito: ─ Arre danada! Nunca mais comes farinha! Quando ele ver você morta Parte para me prender, Então eu digo para ele: ─ Eu dou jeito ela viver, O remédio tenho aqui, Faço para o senhor ver! 126 ─ Eu vou buscar a rabeca Começo logo a tocar Você então se remexa Como quem vai melhorar Com pouco diz: ─ Estou boa Já posso me levantar. Quando findou-se a conversa Na mesma ocasião O velho ia chegando Aí travou-se a questão O pobre passou-lhe a faca, Botou a mulher no chão. O velho gritou a ele Quando viu a mulher morta: ─ Esteja preso, bandido! E tomou conta da porta Disse o pobre: ─ Vou curá-la! Pra que o senhor se importa? ─ O senhor é um bandido Infame de cara dura Todo mundo apreciava Esta infeliz criatura Depois dela assassinada, O senhor diz que tem cura? Compadre, não admito O senhor dizer mais nada, Não é crime se matar Sendo a mulher malcriada E mesmo com dez minutos, Eu dou a mulher curada! Correu foi ver a rabeca Começou logo a tocar De repente o velho viu A mulher se endireitar E depois disse: ─ Estou boa, Já posso me levantar... O velho ficou suspenso De ver a mulher curada, Porém como estava vendo Ela muito ensangüentada Correu ela, mas não viu, Nem o sinal da facada. O pobre entusiasmado Disse-lhe: ─ Já conheceu Quando esta rabeca estava Na mão de quem me vendeu, Tinha feito muitas curas De gente que já morreu! No lugar onde eu estiver Não deixo ninguém morrer, Como eu adquiri ela Muita gente quer saber Mas ela me está tão cara Que não me convém dizer. O velho que tinha vindo Somente propor questão, Por que o cavalo velho Nunca botou um tostão Quando viu a tal rabeca Quase morre de ambição. ─ Compadre, você desculpe De eu ter tratado assim Porque agora estou certo Eu mesmo fui o ruim Porém a sua rabeca Só serve bem para mim. ─ Mas como eu sou um homem De muito grande poder O senhor é um homem pobre Ninguém quer o conhecer Perca o amor da rabeca... Responda se quer vender? ─ Porque a minha mulher Também é muito estouvada Se eu comprar esta rabeca Dela não suporto nada Se quiser teimar comigo, Eu dou-lhe uma facada. ─ Ela se vê quase morta Já conhece o castigo, Mas eu com esta rabeca Salvo ela do perigo Ela daí por diante, Não quer mais teimar comigo! Disse-lhe o compadre pobre: ─ O senhor faz muito bem, Quer me comprar a rabeca Não venderei a ninguém Custa seis contos de réis, Por menos nem um vintém. 127 O velho muito contente Tornou então repetir: ─ A rabeca já é minha Eu preciso a possuir Ela para mim foi dada, Você não soube pedir. Pagou a rabeca e disse: ─ Vou já mostrar a mulher! A velha zangou-se e disse: ─ Vá mostrar a quem quiser! Eu não quero ser culpada Do prejuízo que houver. ─ O senhor é mesmo um velho Avarento e interesseiro, Que já fez do seu cavalo Que defecava dinheiro? ─ Meu velho, dê-se a respeito, Não seja tão embusteiro. O velho que confiava Na rabeca que comprou Disse a ela: ─ Cale a boca! O mundo agora virou Dou-lhe quatro punhaladas, Já você sabe quem sou. Ele findou as palavras A velha ficou teimando, Disse ele: ─ Velha dos diabos Você ainda está falando? Deu-lhe quatro punhaladas Ela caiu arquejando... O velho muito ligeiro Foi buscar a rabequinha, Ele tocava e dizia: ─ Acorde, minha velhinha! Porém a pobre da velha, Nunca mais comeu farinha. O duque estava pensando Que sua mulher tornava Ela acabou de morrer Porém ele duvidava Depois então conheceu Que a rabeca não prestava. Quando ele ficou certo Que a velha tinha morrido Botô os joelhos no chão E deu tão grande gemido Que o povo daquela casa Ficou todo comovido. Ele dizia chorando: ─ Esse crime hei de vingá-lo Seis contos desta rabeca Com outros seis do cavalo Eu lá não mando ninguém, Porque pretendo matá-lo. Mandou chamar dois capangas: ─ Me façam um surrão bem feito Façam isto com cuidado Quero ele um pouco estreito Com uma argola bem forte, Pra levar este sujeito! Quando acabar de fazer Mande este bandido entrar, Para dentro do surrão E acabem de costurar O levem para o rochedo, Para sacudi-lo no mar. Os homens eram dispostos Findaram no mesmo dia, O pobre entrou no surrão Pois era o jeito que havia Botaram o surrão nas costas E saíram numa folia. Adiante disse um capanga: ─ Está muito alto o rojão, Eu estou muito cansado, Botemos isto no chão! Vamos tomar uma pinga, Deixe ficar o surrão. ─ Está muito bem, companheiro Vamos tomar a bicada! (Assim falou o capanga Dizendo pro camarada) Seguiram ambos pra venda Ficando além da estrada... Quando os capangas seguiram Ele cá ficou dizendo: ─ Não caso porque não quero, Me acho aqui padecendo... A moça é milionária O resto eu bem compreendo! 128 Foi passando um boiadeiro Quando ele dizia assim, O boiadeiro pediu-lhe: ─ Arranje isto pra mim Não importa que a moça Seja boa ou ruim! O boiadeiro lhe disse: ─ Eu dou-lhe de mão beijada, Todos os meus possuídos Vão aqui nessa boiada... Fica o senhor como dono, Pode seguir a jornada! Ele condenado à morte Não fez questão, aceitou, Descoseu o tal surrão O boiadeiro entrou O pobre morto de medo Num minuto costurou. O pobre quando se viu Livre daquela enrascada, Montou-se num bom cavalo E tomou conta da boiada, Saiu por ali dizendo: ─ A mim não falta mais nada. Os capangas nada viram Porque fizeram ligeiro, Pegaram o dito surrão Com o pobre do boiadeiro Voaram de serra abaixo Não ficou um osso inteiro. Fazia dois ou três meses Que o pobre negociava A boiada que lhe deram Cada vez mais aumentava Foi ele um dia passar, Onde o compadre morava... Quando o compadre viu ele De susto empalideceu; ─ Compadre, por onde andava Que agora me apareceu?! Segundo o que me parece, Está mais rico do que eu... ─ Aqueles seus dois capangas Voaram-me num lugar Eu caí de serra abaixo Até na beira do mar Aí vi tanto dinheiro, Quanto pudesse apanhar! ─ Quando me faltar dinheiro Eu prontamente vou ver. O que eu trouxe não é pouco, Vai dando pra eu viver Junto com a minha família, Passar bem até morrer. ─ Compadre, a sua riqueza Diga que fui eu quem dei! Pra você recompensar-me Tudo quanto lhe arranjei, É preciso que me bote No lugar que lhe botei!.. Disse-lhe o pobre: ─ Pois não, Estou pronto pra lhe mostrar! Eu junto com os capangas Nós mesmo vamos levar E o surrão de serra abaixo Sou eu quem quero empurrar! O velho no mesmo dia Mandou fazer um surrão. Depressa meteu-se nele, Cego pela ambição E disse: ─ Compadre eu estou À tua disposição. O pobre foi procurar Dois cabras de confiança Se fingindo satisfeito Fazendo a coisa bem mansa Só assim ele podia, Tomar a sua vingança. Saíram com este velho Na carreira, sem parar Subiram de serra acima Até o último lugar Daí voaram o surrão Deixaram o velho embolar... O velho ia pensando De encontrar muito dinheiro, Porém sucedeu com ele Do jeito do boiadeiro, Que quando chegou embaixo Não tinha um só osso inteiro. 129 Este livrinho nos mostra Que a ambição nada convém Todo homem ambicioso Nunca pode viver bem, Arriscando o que possui Em cima do que já tem. Cada um faça por si, Eu também farei por mim! É este um dos motivos Que o mundo está ruim, Porque estamos cercados Dos homens que pensam assim. O homem tendo dinheiro Mata até o próprio pai, A justiça fecha os olhos A policia lá não vai, Passam-se cinco ou seis meses Vai indo, o processo cai. O dinheiro (O testamento do cachorro) Compra cinco testemunhas Que depõem a seu favor, Aluga dois escrivãos E compra o procurador, Faz dois doutores de prata, Pronto o homem, meu senhor. O dinheiro neste mundo Não há força que o debande, Nem perigo que o enfrente, Nem senhoria que o mande Tudo está abaixo dele Só ele ali é o grande. Ainda que vá a júri Compra logo atenuante, Dá um unto nos jurados Se livra no mesmo instante, Tem o juiz a favor, Jurados e assim por diante. Ele impera sobre um trono Cercado de ambição, O chaleirismo a seus pés Sempre está de prontidão, Perguntando-lhe com cuidado -O que lhe falta, patrão? Essas questões muito sérias Que vão para o tribunal, Ali exige os papéis Que levem prova legal, Cédulas de quinhentos fachos, É o papel principal. No dinheiro tem se visto Nobreza desconhecida, Meios que ganham questão Ainda estando perdida, Honra por meio da infâmia, Gloria mal adquirida. Dinheiro faz eloqüência A quem nunca teve estudo, Imprime coragem ao fraco, Dá animação a tudo, Vence batalha sem arma, Faz vez de lança e escudo. Porque só mesmo o dinheiro Tem maior utilidade, É o farol que mais brilha Perante a sociedade. O código dali é ele A lei é sua vontade. Aonde não há dinheiro Todo trabalho é perdido, Toda questão esmorece, Todo negócio é falido, Todo cálculo sai errado, Todo debate é vencido. 130 Pois o homem sem dinheiro É como um velho demente, Um gato que não tem unha, Cobra que não tem um dente, Cachorro que não tem faro, Cavalo magro e doente. Um inglês tinha um cachorro De uma grande estimação Morreu o dito cachorro E o inglês disse então: Mim enterra esse cachorro Inda que gaste um milhão. Porque perante o dinheiro Tudo ali se torna mole, Porque não há objeto Que sobre os seus pés não role, Bote dinheiro no morto Que a ossada dele bole. Foi ao vigário e lhe disse: Morreu cachorra de mim E urubu do Brasil Não poderá dar-lhe fim... -Cachorro deixou dinheiro? Perguntou o vigário assim. O bacharel por dinheiro Só macaco por banana Ou gato por guabiru, Ou um guaxinim por cana Só sagüi pela resina Ou bode por jitirana. Mim quer enterrar cachorra! Disse o vigário: Oh! Inglês Você pensa que isto aqui É o país de vocês? Disse o inglês: Oh! Cachorra Gasta tudo desta vez. A moça tendo dinheiro Sendo feia como a morte Caracteriza-se, enfeita-se, Sempre melhora de sorte, Mais de mil aventureiros A desejam por consorte. Ele antes de morrer Um testamento aprontou Só quatro contos de réis Para o vigário deixou. Antes de o inglês findar O vigário suspirou. Porque o dinheiro na terra É capa que tudo encobre Cubra um cachorro com ouro Que ele tem que ficar nobre, É superior ao dono Se acaso o dono for pobre. Coitado! Disse o vigário, De que morreu esse pobre? Que animal inteligente! Que sentimento mais nobre! Antes de partir do mundo Fez-me presente do cobre. Eu já vi narrar um fato Que fiquei admirado, Um sertanejo me disse Que nesse século passado Viu enterrar um cachorro Com honras de um potentado. Leve-o para o cemitério Que vou o encomendar Isto é, traga o dinheiro Antes dele se enterrar, Estes sufrágios fiados É factível não salvar. 131 E lá chegou o cachorro O dinheiro foi na frente, Teve momento o enterro, Missa de corpo presente, A Ladainha e seu rancho Melhor do que certa gente. O vigário entregou-lhe Os dois contículos de réis. O bispo disse: É melhor Do que diversos fiéis. E disse: proverá Deus Que assim lá morresse uns dez. Mandaram dar parte ao bispo Que o vigário tinha feito O enterro do cachorro, Que não era de direito O bispo aí falou muito Mostrou-se mal satisfeito. E se não fosse o dinheiro? A questão ficava feia Desenterrava o cachorro O vigário ia pra cadeia Mas como o cobre correu Ficou qual letras na areia. Mandou chamar o vigário Pronto, o vigário chegou Às ordens, sua excelência... O bispo lhe perguntou: Então que cachorro foi, Que seu vigário enterrou? Judas era um homem santo Pregava a religião Era discípulo de Cristo, Tinha toda direção Porém por 30 dinheiros Dispensou a salvação. Foi um cachorro importante Animal de inteligência Ele antes de morrer Deixou à vossa excelência Dois contos de réis em ouro... Se errei, tenha paciência. O dinheiro só não pode Privar do dono morrer, Parar o vento no ar E proibir de chover. O resto se torna fácil, Para o dinheiro fazer. Não foi erro, Sr. Vigário, Você é um bom pastor Desculpe eu incomodá-lo A culpa é do portador, Um cachorro como este SE vê que é merecedor. O sacerdote no templo Inda estando no sermão Chega um ateu na Igreja E traga-lhe meio milhão Que ele vai encontrá-lo Bota-o na palma da mão. O meu informante disse-me Que o caso tinha se dado E eu julguei que isso fosse Um cachorro desgraçado, Ele lembrou-se de mim? Não o faço desprezado! Havendo muito dinheiro Casa-se irmã com irmão O bispo dispensa um quarto Vai ao papa outro quinhão O vigário dá-lhe o unto E porque não casam, então? 132