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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
LINHA DE PESQUISA: LITERATURA E ENSINO
Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de
leitura com alunos do 3º ano do Ensino médio
Luzia Rita Nunes de Lira
Orientador: Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves
Campina Grande- PB
Dezembro - 2012.
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LUZIA RITA NUNES DE LIRA
Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos
do 3º ano do Ensino Médio
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e
Ensino (PPGLE) da Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG), para obtenção do
título de Mestre em Linguagem e Ensino.
Orientador: Prof.Dr. José Helder Pinheiro Alves
Campina Grande- PB
Dezembro -2012
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FOLHA DE APROVAÇÃO
LUZIA RITA NUNES DE LIRA
Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos
do 3º ano do Ensino Médio
Trabalho dissertativo apresentado como
requisito para obtenção do título de
Mestre em Linguagem e Ensino da
Universidade
Federal
de
Campina
Grande.
Aprovado em _____ / _____ / _____.
Prof. Dr. Jose Helder Pinheiro Alves - UFCG
Orientador
Profª. Dra. Naelza de Araujo Wanderley – UFCG
Examinadora
Profª. Dra. LÍlian de Oliveira Rodrigues – UERN
Examinadora
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À minha querida mãe, Raimunda, que, com sua
simplicidade e sabedoria, ensinou-me a
perceber a grandiosidade e a beleza da vida,
além de me fazer acreditar que conseguiria,
DEDICO.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu refúgio, meu sustento, minha alegria, minha luz;
A minha mãe, querido alicerce da minha vida;
Aos meus filhos, Humberto e Ana Lis; e a meu esposo, Joscenildo, pela paciência
de, muitas vezes, serem privados da minha companhia em decorrência dos estudos;
Aos meus irmãos, pela enorme ajuda em tudo, em especial, a Mariana, pelos
momentos de escuta de minhas angústias e de meus sonhos;
A Gilberlânia, pelo carinho e zelo com que cuidou de minha casa e de meus filhos
nos momentos de minha ausência;
A minha família como um todo, por sempre acreditar em mim;
A todos os amigos que sempre estiveram torcendo por mim;
Em especial, ao Prof.Dr. José Hélder Pinheiro Alves, pela amizade, paciência e
precisão nos momentos de orientação;
Aos membros da banca examinadora, Profª Drª Líliam de Oliveira Rodrigues e Profª
Drª Naelza de Araujo Wanderley, pelas valiosas contribuições prestadas ao
enriquecimento deste trabalho;
A todos os meus professores nesta longa caminhada, pelas contribuições e por
fazerem parte da minha formação profissional e humana;
A Nadege, por sua indispensável colaboração;
Aos alunos da turma da terceira série, pelo aprendizado mútuo;
A todos os meus companheiros de turma, pela convivência agradável nos momentos
alegres e também nos difíceis. Pelos conselhos, troca de ideias, incentivo e amizade
constante, em especial, a Adriana, pela amizade que incentiva.
6
A poesia de cordel é uma das
manifestações mais puras do espírito
inventivo, do senso de humor e da
capacidade crítica do povo brasileiro.
(Carlos Drummond de Andrade)
7
LIRA, Luzia Rita Nunes de Lira. Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma
experiência de leitura com alunos do 3º ano do Ensino Médio. Campina Grande,
2012. (Dissertação de Mestrado em Linguagem e Ensino Universidade Federal de
Campina Grande, Centro de Humanidades).
RESUMO
Nesta pesquisa realizamos e relatamos um experimento de leitura de poemas
satíricos de Leandro Gomes de Barros, em uma turma da terceira série do ensino
médio de uma escola pública da cidade de Teixeira-PB. O objetivo do experimento
foi o de estudar e refletir sobre a recepção dos alunos aos poemas satíricos do
poeta paraibano, a partir da seguinte problemática: de que forma a leitura de textos
da literatura popular repercute entre os jovens leitores? Os textos selecionados
foram os folhetos: O dinheiro, O cavalo que defecava dinheiro e As proezas de um
namorado mofino; todos de autoria de Leandro Gomes de Barros. Os principais
instrumentos de coleta de dados foram questionários respondidos pelos alunos e
pela professora de Língua Portuguesa da turma; gravações dos momentos de leitura
em áudio e/ou vídeo; diário reflexivo da pesquisadora. Como referenciais teóricos,
utilizamo-nos das reflexões de estudiosos como Bordini e Aguiar (1988); Cosson
(2009); Colomer (2007); Marinho e Pinheiro(2012) e Zilbermam (2004),no que se
refere as implicações para o ensino de Literatura. Acerca da análise da sátira
presente nos folhetos objeto da pesquisa, apoiamo-nos nos pressupostos de Bakhtin
(1981); Nortrop Frye (1957); Bosi (1988); Salvatore D‟Onofrio (1968). Igualmente,
contamos com as contribuições de Curran (1979); Diégues Jr. (1986); Abreu (1999)
e Batista (1977) no que se refere ao conhecimento sobre Literatura de Cordel, bem
como sobre a obra de Leandro Gomes de Barros. Como base de reflexão para a
nossa experiência didática, tomamos as OCEMs (2008) e os Referenciais
Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba (2006). Os resultados da pesquisa nos
indicam que o tom satírico dos folhetos objeto desta pesquisa pode se tornar um
bom aliado na tarefa de formar leitores de literatura. Na leitura de folhetos como O
dinheiro, pudemos observar a reflexão em torno de questões como corrupção,
suborno e injustiças, fato comprovado pelos pertinentes comentários durante os
debates propostos. A contribuição de metodologias embasadas em teorias como a
Estética da Recepção está no fato de os alunos se mostrarem mais motivados para
o trabalho com a literatura quando percebem que podem se manifestar acerca dos
textos, tendo a sua voz como um valor singular diante da leitura. Dessa maneira,
eles exercem sua autonomia, tornando-se capazes de descobrir ligações entre os
textos e a sua própria experiência de vida. Assim, o leitor passa a conceber a
literatura como uma manifestação da experiência humana e, por isso, universal.
Palavras- chave: Ensino de Literatura. Sátira. Leandro Gomes de Barros.
8
LIRA, Luzia Rita Nunes de Lira. Satire on Leandro Gomes de Barros: a reading
experience with students of the 3rd year of high school. Campina Grande, 2012.
(Dissertation in Language and Education, Federal University of Campina Grande,
Center
for
the
Humanities).
ABSTRACT
In this survey we conducted an experiment and report reading satirical poems
Leandro Gomes de Barros, in a class of third year of high school at a public school in
the city of Tan-PB. The goal of the experiment was to study and reflect on the
reception of students to satirical poems of the poet Paraiba, from the following
problem: how to read texts of popular literature resonates among young readers?
The texts were selected handouts: The money, the horse defecated The exploits of
money and a boyfriend wretched, all authored by Leandro Gomes de Barros. The
main instruments of data collection were questionnaires completed by the students
and the teacher of Portuguese class; recordings of the moments of reading audio
and / or video; researcher's reflective diary. How we use the theoretical reflections of
scholars like Bordini & Aguiar (1988); Cosson (2009); Colomer (2007); Marine &
Pinheiro (2012) and Zilbermam (2004), regarding the implications for teaching
Literature . About the analysis of satire present in leaflets object of research, we rely
on the assumptions of Bakhtin (1981); Nortrop Frye (1957); Bosi (1988), Salvatore
D'Onofrio (1968). Also we eat contributions Curran (1979); Diegues Jr. (1986), Abreu
(1999) Batista (1977) with regard to knowledge about Cordel Literature, as well as on
the work of Leandro Gomes de Barros. Furthermore, as a basis for reflection for our
teaching experience, we take OCEMs (2008) and Benchmarks for High School
Curriculum of Paraíba (2006). The research results indicate that in the satirical tone
of the leaflets object of this research, it can become a good ally in the task of
educating readers of literature. In reading handouts as, for example, the money, we
can see that instigates reflection on lathes issues like corruption, bribery and
injustice. Checked by relevant comments during debates proposed. Moreover, the
great contribution of methodologies grounded in theories like Aesthetics of Reception
is in fact prove students more motivated to work with the literature when they
perceive that may manifest about the texts, and his voice as a singular value before
reading. Thus, it exerts its autonomy, becoming capable of discovering connections
between texts and their own life experience, so the reader begins to conceive of
literature as an expression of human experience and therefore universal.
Keywords: Teaching Literature. Satire.Leandro Gomes de Barros.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1. O ESPAÇO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA ........................................... 16
1. 1 A LITERATURA NA ESCOLA .................................................................................... 16
1.2 O LETRAMENTO LITERÁRIO E OS DOCUMENTOS OFICIAIS ........................................... 19
1.3 REFLEXÕES METODOLÓGICAS SOBRE LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA........................ 23
1.3.1 A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E A LEITURA LITERÁRIA EM SALA DE AULA. ....................... 25
1.3.2 A LEITURA DE FOLHETOS NA ESCOLA: UMA POSSIBILIDADE DE FORMAR LEITORES ...... 29
2. CONTRIBUIÇÕES DA TRADIÇÃO SATÍRICA PARA LEITURA DE FOLHETO.35
2.1 A TRADIÇÃO SATÍRICA ............................................................................................ 35
2.2 SOBRE A POESIA SATÍRICA DE LEANDRO GOMES DE BARROS ................................... 39
2.3 O DINHEIRO E O CAVALO QUE DEFECAVA DINHEIRO: O VIÉS SATÍRICO......................... 44
2.4 AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO: PRESENÇA DA MULHER .............................. 54
3. RELATO REFLEXIVO .......................................................................................... 58
3.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS .................................................................................. 59
3.2 ENTRANDO EM CAMPO ............................................................................................ 62
3.3 CONHECENDO OS COLABORADORES ....................................................................... 66
3.4 VIVENCIANDO A LEITURA EM SALA DE AULA.............................................................. 72
3.4.1 O PODER EM DEBATE: LEITURA DE O DINHEIRO ...................................................... 72
3.4.2 A IMAGEM DO ESPERTO NA LITERATURA DE FOLHETOS: LEITURA DE O CAVALO QUE
DEFECAVA DINHEIRO. ................................................................................................... 76
3.4.3. QUEM É O ESPERTO? LEITURA DE AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO. ............ 81
3.4.4 EXPANDIDO A EXPERIÊNCIA: ENCONTRO COM VIOLEIROS LOCAIS ............................. 85
3.4.5. DIVERSIFICANDO A LEITURA DE FOLHETOS. ........................................................... 88
3.4.6 REVIVENDO O CORDEL ........................................................................................ 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 92
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95
APÊNDICES ............................................................................................................. 98
ANEXOS ................................................................................................................. 121
10
INTRODUÇÃO
[...] o popular propicia, ainda hoje,
algum, encanto, mas a ele é
reservado um lugar bem delimitado: o
lugar do folclórico, do exótico, do
primitivo. Nas aulas de literatura pouco
ou nada se estuda sobre as
composições populares.
(Márcia Abreu)
11
INTRODUÇÃO
Entre críticos literários e professores de literatura muitas têm sido as
discussões a respeito dos atuais métodos de ensino de literatura. Há grande
preocupação em torno de questões como: o que fazer para despertar o interesse do
aluno pelo texto literário? Porque e como ensinar literatura? Existe realmente a
preocupação de se formarem alunos leitores?
Esses questionamentos, muitas vezes, ficam sem respostas e esbarram em
problemáticas como o fato de o ensino de literatura, muitas vezes, ocorrer num
espaço onde a leitura não é privilegiada. O que se verifica, quase sempre, é um
ensino condicionado à historiografia e à teoria literária. Sendo assim, o estudo das
chamadas escolas literárias assume um lugar de destaque nas aulas de literatura,
em que o aluno deve decorar nomes de autores, datas e características dos
movimentos literários.
Sabemos, contudo, que é função da escola orientar e conduzir o aluno a
compreender qual o papel da literatura na sua formação humana, qual a função
social desta manifestação artística e por que se deve estudá-la. Se o horizonte de
expectativa do aluno não consegue estabelecer essa relação com o texto literário,
ele não irá perceber a literatura como um espaço de construção de mundos
possíveis que dialoguem com a realidade. Desta forma, faz-se necessário trabalhar
leitura literária como instrumento de humanização, identificação e como meio de “ler
o mundo”.
Sabemos que a literatura em si não deve ser objeto que tem como pretexto
ensinar. O que precisa ser ensinado é a leitura literária, para que o leitor possa
alargar sua visão de mundo e, com isso, atribuir sentido a partir de suas próprias
intervenções.
Conforme os PCNs (BRASIL, 2002 p.145), o ensino de literatura visa “ao
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Ainda de acordo
com esse documento, o ensino de literatura deve “recuperar, pelo estudo do texto
literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio
representativo da cultura”. (BRASIL, 2002 P.147).
12
As atuais práticas de ensino de literatura não refletem o que o referido
documento orienta, já que muitos alunos do nível médio confessam não se sentirem
motivados para as aulas de literatura e se sentem pouco estimulados para o contato
mais aprofundado com o texto literário. Isso se deve, muitas vezes, ao fato de as
aulas de literatura se transformarem em instrumentos de informações e de suporte
para o estudo da gramática.
Também a falta de repertório de leitura e as interpretações retóricas que a
maioria dos livros didáticos traz têm causado, a nosso ver, o desinteresse do aluno
pela literatura.
Rever a prática de ensino de literatura e propor metodologias que favoreçam
a interação entre o texto literário e o leitor deve ser uma preocupação constante da
escola. Para isso, é preciso oferecer condições para que o educando tenha acesso à
leitura e que a seleção de textos a serem ofertados contemple suas necessidades e
curiosidades, levando-os à reflexão e, consequentemente, ao desenvolvimento do
senso crítico.
Na tentativa de contribuir para melhoria da qualidade de leitura e
compreensão na escola, com ênfase para a leitura literária, optamos, em nossa
pesquisa, por trabalhar com cordéis de Leandro Gomes de Barros, já que se tratam
de narrativas jocosas que se cruzam com o universo do alunado do sertão
nordestino, campo desta experiência, de forma engraçada e criativa. Buscou-se
funcionar como caminho possível para introdução dos alunos no universo literário.
Assim, nossa proposta buscou realizar uma experiência de leitura em sala
de aula a partir de uma metodologia que valorizasse os elementos do gênero a ser
trabalhado: o cordel, considerando a importância da leitura acompanhada e
orientada em sala de aula; professor lendo com o aluno, levando-o a posicionar-se
questionando, refletindo e fazendo suas próprias intervenções.
Esta proposta se justifica pela necessidade de buscar uma metodologia de
leitura literária que valorize os elementos constituintes do gênero selecionado para
abordagem, aspectos, linguagem e outros. A ideia é também tentar mostrar que é
possível diminuir a prática de leitura com fins apenas didáticos ainda estabelecidos
na escola. Acreditamos que, se desenvolvermos atividades de leitura que despertem
a criticidade e a curiosidade do aluno, e que ele possa perceber o texto como objeto
de reflexão, ele será capaz de compreender as especificidades do texto. Para isto, é
13
necessário que o professor reflita e redimensione a sua prática, no sentido de
propiciar ao seu aluno uma aproximação entre o mundo ficcional e o mundo real.
A ideia de trabalhar com o cordel deve-se também por se observar que é um
gênero ainda pouco estudado na escola, além de dialogar perfeitamente com a
realidade do público sujeito de nossa pesquisa. Também acreditamos que o cordel
tenha espaço na sala de aula, como texto literário de valor que não se difere dos
textos eruditos. Dadas suas peculiaridades estéticas, como a extensão de suas
narrativas, a musicalidade de seus versos, torna-se instrumento ideal para que o
aluno entre em contato com o texto literário em sua integralidade e não mais de
forma fragmentada. Além disso, o foco que resolvemos dar à obra de Leandro, a
sátira, constante na literatura, e desenvolvida por Leandro de modo muito
significativo. Conforme Diegues Jr. (1986, p. 317), “Sua originalidade, seu humor, e
especialmente sua sátira, vistos no comentário social, fazem de seus folhetos obrasprimas na Literatura de Cordel”.
A opção pelos cordéis O dinheiro, As proezas de um namorado mofino e O
cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros, deve-se ao fato de o
escritor pontuar a sátira, construindo histórias jocosas, criando uma atmosfera de
protesto, própria dos poetas populares. Segundo Diegues Jr. (1986, p. 311) “Dos
múltiplos ciclos ou temas da Literatura de cordel, talvez o mais interessante seja
aquele contido nos folhetos de comentário social”.
A sátira e o espírito jocoso
nesses cordéis caracterizam o estilo pessoal do escritor, ainda conforme identifica
Diegues Jr (1986, p.318), “como os outros poetas populares, ele devia sentir um
desejo e mesmo obrigação, como poeta do povo, de criticar a falta de justiça
daquela época, e de oferecer soluções, embora muitas vezes jocosas ou pessoais,
para os problemas da sociedade”.
Partindo de uma situação problema de ensino de Literatura pouco estimulante
e da ausência de leituras de textos da Literatura Popular no ambiente escolar,
tivemos por objetivo geral estudar a recepção de folhetos satíricos de Leandro
Gomes de Barros por alunos da 3ª série de Ensino Médio de uma Escola Pública.
Quanto aos objetivos específicos, buscamos observar como se constrói a sátira em
folhetos de Leandro Gomes de Barros, além de formar leitores de cordel a partir de
folhetos satíricos do poeta escolhido. Buscou-se, também, a utilização de uma
metodologia de caráter dialógico.
14
O presente trabalho encontra-se desenvolvido em três capítulos. No
primeiro, apresentamos alguns aspectos relativos à leitura literária na escola e o
posicionamento dos documentos oficiais em relação a essa questão, acentuando a
relevância dos documentos mais recentes sobre o ensino de literatura. Procuramos
refletir acerca de sugestões metodológicas para o trabalho com a leitura literária em
sala de aula, além de abordar algumas sugestões de trabalho com o cordel, visto
que essas concepções norteiam nossa prática e balizam a nossa experiência de
leitura.
No segundo capítulo, propusemo-nos a realizar uma leitura mais apurada dos
folhetos objetos da pesquisa. Inicialmente, apresentamos algumas considerações a
respeito da sátira menipeia estudada por Bakhtin (1981), buscando aproximações
entre as concepções apresentadas pelo teórico Russo e a obra de Leandro Gomes
de Barros, observando de que modo a teoria formulada por Bakhtin ilumina a leitura
de alguns folhetos de Leandro.
O terceiro capítulo é dedicado à apresentação e reflexão sobre a experiência
de leitura, antecedida por uma breve caracterização da pesquisa e da metodologia
utilizada durante a realização do experimento. Em meio à descrição dos encontros,
tecemos nossas reflexões acerca dos elementos observados através dos diálogos
transcritos. Por fim, apresentamos nossas considerações finais, seguidas das
referências, dos apêndices e anexos.
15
O ESPAÇO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA
Em matéria de leitura, o encontro
entre leitor e texto é que deve ser
respeitado. Um momento íntimo e
privilegiado. Se as políticas de leitura
se preocuparem em garantir um acervo
de qualidade, e um tempo e um espaço
na escola para que esse encontro
possa acontecer, já estarão cumprindo
sua missão. (Ana Maria Machado)
16
1 O ESPAÇO DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA
1. 1 A Literatura na escola
A Literatura é uma arte com manifestações observadas na maioria das
culturas da humanidade. O espaço que melhor promove a socialização do saber na
maioria das sociedades humanas é (ou deveria ser) a escola. No Brasil, após muito
apelo de artistas, professores e das academias, notamos que, na última década,
houve certo movimento político no tocante à implantação de programas que
busquem democratizar o acesso à literatura. Silva (2008, p.41), comentando essa
tentativa de democratização literária, afirma que
[...] muito já se produziu, na última década, no Brasil, em termos de
pesquisas científicas, ensaios acadêmicos e, até mesmo, programas
governamentais de abrangência nacional, voltados, em sua maioria, para o
Ensino Fundamental como o Literatura em Minha Casa.
Poderíamos citar, mais recentemente, o programa do governo federal
denominado PNBE – Plano Nacional de Biblioteca Escolas – que seleciona e
distribui, anualmente, livros para a escola básica de todo o país.
Um levantamento da UNESCO com 52 países mostra que o Brasil tem um
dos piores índices de leitura e compreensão de textos. Podemos então depreender
que a situação não é animadora e esbarra em questões ainda distantes de uma
melhora significativa. Um dos entraves está na questão da diminuição do número de
analfabetos em contraposição ao aumento de analfabetos funcionais, ou seja,
pessoas que conseguem apenas decodificar, mas não entendem o que leem e,
consequentemente, não conseguem progredir nos estudos. Como prova disso,
podemos destacar a diminuição do público do Ensino Fundamental para o Médio e
deste para o Superior. Outro fator relevante para esta reflexão está na formação dos
nossos professores da Educação Básica, aliada à precária situação profissional dos
mesmos (baixos salários, jornada exaustiva de trabalho, entre outras), que se
tornam pontos cruciais para a qualidade das aulas nas escolas públicas brasileiras
e, consequentemente nas aulas de Literatura. Neste âmbito da formação, não
17
podemos esquecer a falta de orientação metodológica para o trabalho com o texto
literário, fato que afeta, inclusive, professores advindos dos cursos de Letras.
Sabemos, contudo, que existem esforços no sentido de tentar superar esse
perfil da educação brasileira. Pereira, em seu artigo A literatura no tear das práticas
lúdicas e formadoras do ser (2008, p.61), a respeito da leitura literária na escola,
defende que:
Alguns estudiosos e educadores levantam a bandeira de que o caminho
ideal para alcançar tal objetivo está na revalorização da arte e da cultura
lúdica como instrumentos imprescindíveis à educação dos sentimentos e
dos valores, enfim, à formação humana.
É evidente, também, a ascensão das discussões em torno de teorias como a
Estética da Recepção (formulada por Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, na
década de sessenta do século XX), que concebem a leitura como um momento
criativo de interação entre o texto e o leitor. Desse modo, promover na escola
espaços para que se desenvolva esse tipo de leitura em que o leitor se torna coautor
do texto é uma das possibilidades de enriquecimento do processo educativo e da
formação de leitores. Discutiremos mais adiante um pouco sobre a Estética da
Recepção e a ligação com esta pesquisa.
Entre professores de Língua Portuguesa do ensino básico da rede pública
brasileira, muitos são os questionamentos das relações que existem entre a arte
literária e a Literatura enquanto disciplina curricular, a qual, na verdade, nem existe,
uma vez que Literatura aparece no currículo como uma extensão do ensino de
Língua. Porém, não vemos problema nisso, mesmo porque não acreditamos que o
estudo da Literatura esteja dissociado do estudo de Língua, ou mesmo, não
enxergamos em que ponto essa divisão (ensino de Língua – ensino de Literatura)
poderia ser mais proveitosa. De fato, os problemas aparecem principalmente em
relação ao olhar e tratamento dado à Literatura em sala de aula, além da
importância atribuída (ou a falta dela) a essa disciplina na visão coletiva da
comunidade escolar. Parece senso comum, entre professores de outras disciplinas,
e até mesmo entre alguns professores de Língua, a literatura ser vista como algo
secundário ou que serve apenas para deleite e entretenimento. Dessa visão temos
como resultado o fato de muitas escolas reservarem apenas uma ou duas aulas
18
semanais para o trabalho com a Literatura, sem contar com o fato de que esse
pouco espaço ainda ser muitas vezes mal utilizado. Com relação a essa
problemática, Cosson (2009, p.10) afirma que
Vivemos nas escolas uma situação difícil com os alunos, os professores de
outras disciplinas, os dirigentes educacionais e a sociedade, quando a
matéria é literatura. Alguns acreditam que se trata de um saber
desnecessário.
Os impasses acerca do ensino de Literatura estão longe de encontrarem
uma solução única, talvez porque uma “única” solução de fato não exista.
Felizmente, muitos estudos e pesquisas vêm contribuindo para melhoria desse
quadro. Alguns desses trabalhos, assim como a nossa pesquisa, apostam no
caminho que leve à sala de aula a leitura literária como base do ensino de literatura.
Algumas
tentativas,
por
parte
dos
governos,
também
têm
apostado
na
democratização da leitura, como a criação dos já mencionados Literatura em Minha
Casa e PNBE (criados no início do século XXI). Contudo, mesmo nessas iniciativas,
encontram-se problemas. Tavares (2008, p. 38), em um estudo sobre as
concepções de leitura e o acesso dos alunos ao livro do programa Literatura em
Minha Casa, aponta que
Há um quadro inverso, as coleções acabam permanecendo na biblioteca da
escola, compondo seu acervo e fugindo do objetivo primordial do projeto [...]
Alem disso, há outro lado da promoção da leitura na escola: os professores.
Estes vivenciam problemas como: acesso aos livros, desconhecimento dos
autores e suas próprias dificuldades de leitura.
Infelizmente, os problemas apontados por Tavares (2008), em relação ao
programa Literatura em Minha Casa, especificamente, podem perfeitamente,
estender-se às outras esferas do ensino de Literatura: professores com dificuldades
individuais de leitura e pouco acesso a livros literários ou teórico-metodológicos, que
são uma realidade constante em muitas escolas brasileiras.
Tornar a experiência de leitura literária algo significativo para os nossos
alunos deveria ser uma preocupação de todos os professores, mas, principalmente,
para nós, professores de Língua, é que essa preocupação é mais contundente. É
necessário um empenho maior no sentido de planejar, dinamizar atividades e ter
19
critérios de seleção para os textos a serem levados à sala de aula. Todas essas
preocupações são sentidas por professores que buscam até mais do que a leitura
literária, buscam o que hoje entendemos como o Letramento Literário (COSSON,
2009), tema que buscaremos abordar no próximo tópico.
Ainda em relação aos impasses sofridos pela Literatura na escola,
encontramos, no Ensino Médio, nível em que a disciplina ganha um espaço mais
específico, o velho problema da Historicização da Literatura, que leva as aulas por
um caminho que passa longe da leitura de obras. Cosson (2009, p.21) afirma que,
No ensino médio, o ensino de literatura limita-se à literatura brasileira, ou
melhor, à história da literatura brasileira, usualmente na sua forma mais
indigente, quase como apenas uma cronologia literária, em uma sucessão
dicotômica entre estilos de época, cânone e dados biográficos dos autores,
acompanhadas de rasgos teóricos sobre gêneros, formas fixas e alguma
coisa de retórica em uma perspectiva para lá de tradicional.
Muitas são, portanto, as dificuldades encontradas pelo ensino de Literatura
na escola; porém, reflexões, estudos e principalmente a busca por metodologias
para amenização dessa situação devem ser levadas em consideração para que se
possa pensar em uma formação de leitores que tenha como base o letramento
literário, de que trataremos em tópico posterior.
1.2 O Letramento Literário e os documentos oficiais
O ensino de literatura tem, assim com todo ensino nas escolas brasileiras,
passado por transformações e reestruturações dos métodos didáticos. Devido a
esse processo de construção democrática em andamento no país, sobretudo na
pratica educativa, o professor tem sido levado a trabalhar com conteúdos resultantes
das experiências de vida dos alunos. Com base na LDBEN 9.394/96, em seu Inciso
III, um dos objetivos a serem alcançados pelo Ensino Médio é o “aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico”.
Acreditamos que é para concretização desse objetivo, exposto no Inciso III
da LDBEN, que o ensino de Literatura deve e pode contribuir, visto que as
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experiências de leitura devem ser motivadas por impulsos que possibilitem
descobertas, curiosidades e o despertar das emoções.
As propostas oficiais do Ministério da Educação e das Secretarias de
educação dos estados de Pernambuco1 e da Paraíba, com relação ao ensino de
literatura nas escolas, pretendem oferecer ao professor da educação básica
subsídios para o trabalho com a disciplina em sala de aula.
Um panorama geral, que se pode observar com a análise desses
documentos, aponta para uma mudança significativa na maneira pela qual a
disciplina Língua Portuguesa deva ser ensinada, priorizando os objetivos de ensino
em detrimento das tradicionais listas de conteúdos. Como consequência imediata
dessa mudança, há um novo enfoque do ensino de língua sem a divisão do ensino
por frentes: gramática, (história) da literatura e redação. Além disso, observa-se que
essas diretrizes oficiais apontam para o mesmo sentido de defender a flexibilidade
da organização curricular, que deve levar em consideração a diversidade do tempo e
modo de aprendizagem escolar individual, das culturas e das situações em que
estão inseridas. O documento pernambucano orienta que “O princípio de que não
existem, intrinsecamente, opções culturais melhores ou mais perfeitas que as outras
podem representar, para a escola, um valioso parâmetro de definição de currículo,
objetivos e atividades”. (PERNAMBUCO, BCC, 2008, p.47-48)
Nesse sentido, observamos positivamente as sugestões apontadas nos
atuais documentos. As OCEMs (2008), por exemplo, sinalizam uma separação entre
o ensino de Língua e o de Literatura, sem, contudo, fazer com que essas áreas
sejam interpretadas como distintas. O documento organiza da seguinte forma o
primeiro volume dedicado à área de Linguagem, Código e suas Tecnologias:
Conhecimentos
de
Língua
Portuguesa,
Conhecimentos
de
Línguas
Estrangeiras,
Conhecimentos
Conhecimentos
de
Literatura,
de
Espanhol,
Conhecimentos de Arte e Conhecimentos de Educação Física. Dessa maneira,
acreditamos que a Literatura ganhou um lugar de destaque, não mais sendo tratada
como parte secundária no ensino de Língua.
1
Citamos o referido documento por sermos professora da rede Estadual de Ensino do Pernambuco e
acreditarmos que o documento tenha contribuído para a nossa percepção de ensino de Literatura.
21
No tocante aos Conhecimentos de Literatura, o documento retoma a
discussão sobre a necessidade da Literatura no ensino escolar, reforçando a ideia
de que a Literatura é vital à formação do ser humano e por isso, um direito de todos.
Em relação a essa preocupação, o documento, (BRASIL, 2008, p.57) nos coloca
questionamentos a serem refletidos pelo professor de Literatura, no momento de
selecionar os textos a serem apresentados aos alunos, tais como:
Há ou não intencionalidade artística? A realização correspondente à
intenção? Quais os recursos utilizados para tal? Qual o seu significado
histórico social? Proporciona ele o estranhamento, o prazer estético?
Percebemos que a avaliação do texto a ser levado à sala de aula deve
passar pelo crivo do professor, que, conforme já afirmamos, deve selecionar os
textos a serem trabalhados em sala de aula. Atendendo aos critérios de seleção, o
texto passa a ser oferecido aos leitores pela escola, que deve mediar o contato entre
leitor e leitura, para que aquele seja capaz de ir além, de construir sentido a partir do
texto lido. Cosson (2009, p.30) afirma que
É justamente para ir além da simples leitura que o letramento literário é
fundamental no processo educativo. Na escola, a leitura literária tem a
função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação
do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas sim, e, sobretudo,
porque nos fornece como nenhum outro tipo de leitura faz os instrumentos
necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito
linguagem.
O documento também defende a necessidade de se priorizar o trabalho com
textos advindos da Literatura Brasileira, sem, contudo, impedir a leitura de obras de
outras nacionalidades. Há, também, discussões que passam pelas contribuições de
teóricos, como Bakhtin, Antonio Candido, Umberto Eco, Ítalo Calvino, entre outros.
Além disso, as OCEMs (2008) apontam aos professores possíveis caminhos
metodológicos para se alcançar o objetivo de formar leitores. Para isso, são
influenciadas por teorias, a exemplo da Estética da Recepção, que posiciona o leitor
como peça fundamental para a realização da obra literária em detrimento do antigo
pensamento de que a obra tem seu fim em si mesmo, além disso, através da
utilização do Método Recepcional, criado a partir dessa teoria, enfatiza-se a
sondagem do horizonte de expectativa dos alunos no momento de selecionar os
22
textos a serem ofertados, uma vez que esse seria um fator importante para a
atribuição de sentido à obra por parte do leitor.
Quanto aos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba,
notamos que esse documento reforça as ideias expostas nas OCEMs (2008),
2
no
que se refere ao foco principal da disciplina Literatura. Os Referenciais da Paraíba
também assumem a postura de que, no ensino de Literatura, o objetivo principal
deva ser a formação do Leitor Literário. Além do mais, o documento (PARAÍBA,
2006, p.82) afirma que
O leitor de Literatura que se deseja formar deverá ser aquele que, mesmo
diante de algumas dificuldades, tenta superá-las, consciente de que muitas
vezes, a leitura mais exigente pode gerar uma satisfação maior, um prazer
de ler mais duradouro.
Com isso, percebemos que também há nesse documento a preocupação
com o letramento literário, exposto nas OCEMs (2008), quando tenta chamar
atenção para o fato de que as leituras feitas no Ensino Fundamental muitas vezes
não levam os alunos à formação crítica, tão almejada nas escolas. Cabe então ao
Ensino Médio oportunizar o encontro dos alunos com uma leitura mais exigente.
Conforme as OCEMs (BRASIL, 2008, p.70),
O desafio será levar o jovem à leitura de obras diferentes desse padrão −
sejam obras da tradição literária, sejam obras recentes, que tenham sido
legitimadas como obras de reconhecido valor estético −, capazes de
propiciar uma fruição mais apurada, mediante a qual terá acesso a outra
forma de conhecimento de si e do mundo.
Para isso, o documento da Paraíba ressalta o caminho do “dialogismo” como
sendo um dos mais apropriados para o trabalho com a leitura literária em sala de
aula, por acreditar que é na troca de experiências e de comentários que se vão
descobrindo muitos dos elementos das obras. Esse tipo de metodologia leva o aluno
“a dialogar com o texto e a dialogar com os colegas e o professor sobre questões
suscitadas pelo texto.” (PARAIBA, 2006, p.83). Outro ponto de destaque nesse
documento é a proposta de se trabalhar a partir dos gêneros (PARAIBA, 2006, p.84)
2
O referido documento é uma Reimpressão da 1ª publicação, ocorrida em 2006.
23
[...] estamos propondo que, no primeiro ano, seja estudada poesia, narrativa
(conto e/ou crônica) e Literatura dramática; no segundo, narrativa (romance)
e já iniciar, neste ano, com um panorama de história da literatura brasileira.
As escolas devem ter a liberdade de optar por que gêneros vão iniciar o
ensino de literatura.
Os atuais documentos oficiais têm tentado contribuir com o ensino de
literatura voltado para a leitura literária, além de deixar clara a flexibilização do
currículo a ser adotado pelas escolas. Cabe então ao professor e a escola,
embasados nesses documentos oficiais procurar caminhos coerentes para a
realização de um trabalho proveitoso com a leitura literária em sala de aula. Esse
deve ser o principal papel do ensino de literatura o de proporcionar:
o contato
efetivo do aluno com a obra literária.
1.3 Reflexões metodológicas sobre leitura literária na escola
O planejamento de atividades que trilhem os caminhos desejáveis para a
formação de alunos leitores e, no nosso caso especificamente, leitores literários é
um dos princípios que norteiam nossa pesquisa. Nesse afã, buscamos nos orientar
através das reflexões teóricas, entre outras, de Aguiar e Bordini (1988), Colomer
(2007) e Cosson (2009), os quais trazem reflexões e sugestões consideráveis para o
desenvolvimento de um proveitoso trabalho com o ensino de literatura na escola.
Na obra Andar entre livros de Teresa Colomer (2007), além da abordagem
reflexiva da atual situação da leitura nas escolas, no contexto espanhol, (e na qual
encontramos aproximação com a situação de leitura no Brasil), que, para ela, já
passou do processo de provação da importância da democratização da leitura,
iremos encontrar diversas sugestões de trabalho com a leitura literária na escola.
Entre elas, está a criação de espaços para leitura individual de obras em sua
integralidade. Segundo Colomer (2007, p. 124),
Seja qual for a forma que se dê a cada projeto educativo em cada escola,
nossa intenção é dar elementos para sustentar que “ler livros” deveria
converter-se em uma atividade mais precisa e menos sujeita aos avatares
do tempo escolar ou da decisão individual dos professores, como está
sendo agora na prática escolar.
24
Podemos perceber que a criação de espaços para leitura livre ajudaria
muito nos problemas temporais da escolarização da leitura, tão questionados pelos
professores. Para esses espaços, poderiam servir “uma biblioteca de classe ou
central, um mural coletivo de avaliações e recomendações, um caderno pessoal
onde se anotem as leituras realizadas (e talvez também as que decidiu-se
abandonar)” (COLOMER, 2007, p.126-127). Em conjunto com esses espaços está o
trabalho do professor, que deve consultar os registros, as opções de leitura e, no
momento de criação do espaço, cuidar da seleção dos livros a serem expostos.
Deve, ainda, haver, por parte da escola, a existência dos mediadores (que
podem ser diretores, supervisores ou os próprios professores), que deverão levar os
alunos até os livros e sugeri-los. Outra estratégia que pode ser explorada na escola
é a leitura compartilhada, foco principal da abordagem de leitura na escola para
Colomer (2007). Essa estratégia permitirá experimentar a literatura em sua
dimensão socializadora, fazendo com que o aluno se sinta parte de uma
comunidade de leitores. Para Colomer (2007, p.143), “Compartilhar as obras com
outras pessoas é importante porque torna possível beneficiar-se da competência dos
outros para construir o sentido e obter o prazer de entender mais e melhor os livros.”
As sugestões para esse tipo de atividade podem adotar muitas formas: leituras em
duplas, discussão em grupos, clubes de leituras, uso dos meios eletrônicos com a
criação de blogs para discussões. Teresa Colomer (2007, p.149) afirma que
Vale tudo na busca do sentido, já que sabemos de sobra que a discussão
em grupo favorece a compreensão. Serve para enriquecer a resposta
própria com matizes e os aportes da interpretação do outro, já que literatura
exige e permite distintas ressonâncias individuais.
Além de pensar essas atividades, o professor deve, novamente, dar uma
atenção especial à seleção da leitura a ser compartilhada por seus alunos, uma vez
que essa deve oferecer algum tipo de dificuldade, para que instigue entre os alunos
a busca por compreensão.
Outro ponto relevante, ressaltado por Colomer (2007), é a questão da
expansão e conexão da leitura com outros mecanismos de aprendizagem como é o
caso da ligação intrínseca da leitura com a escrita. “Sabemos que ler e escrever são
duas faces da mesma moeda na missão de facilitar o acesso à cultura escrita que se
25
encomendou à escola.” (COLOMER, 2007, p.162). Para os alunos, a atividade de
leitura literária é mais intensa do que a de escrita literária, tendo em vista que nem
todos terão competência artística para escrever literatura, porém essa metodologia
muito ajudará na atividade de leitura em geral e, com certeza, isso contribuirá na
apropriação dos recursos utilizados na expressão escrita no momento necessário.
Segundo Aguiar e Bordini (1988), uma das necessidades específicas para o
trabalho com o texto literário em sala de aula começa antes mesmo de se chegar até
esse espaço, que seria a necessidade de se valer de alguns critérios na seleção dos
textos a serem trabalhados em sala de aula. Os textos escolhidos devem atender
aos interesses e expectativas dos estudantes. Para as autoras, “o primeiro passo
para a formação do hábito de leitura é a oferta de livros próximos à realidade do
leitor, que levantem questões significativas para ele” (AGUIAR e BORDINI, 1988, p.
18).
Sabemos que os interesses dos leitores têm elementos determinantes como
idade, escolaridade, sexo, entre outros. As autoras apontam cinco diferentes
métodos de ensino dos fatos literários, que, para elas possuem metas explícitas e
bem diferenciadas. São eles: o Método Científico, o Método Criativo, o Método
Recepcional, o Método Comunicacional e o Método Semiológico. Durante as
abordagens, busca-se apontar os embasamentos teóricos acerca de cada método
apresentado, além de situá-los dentro da concepção de educação a que se propõe.
Dentro da nossa perspectiva, enfatizaremos o Método Recepcional,
(Embasado na Estética da Recepção), por acreditarmos que esse método não se
submete à tradição, ainda dominante, de tratar a obra literária como um sistema
fechado ou definitivo. Para os fundadores dessa teoria, “a recepção é concebida [...]
como uma concretização pertinente à estrutura da obra, tanto no momento da sua
produção como da sua leitura, que pode ser estudada esteticamente, o que dá o
ensejo à denominação da teoria de estética da recepção.” (AGUIAR e BORDINI,
1998, p. 82). Por se tratar de um método que orientou nosso experimento de leitura,
trataremos dele, a seguir, em tópico específico.
1.3.1 A estética da recepção e a leitura literária em sala de aula
26
Surgida na década de 60 e apresentada por Hans Robert Jauss, em seu
ensaio Provocação durante uma conferência na cidade de Constância, na
Alemanha, a Estética da Recepção pré-anuncia as inquietações de Hans Robert
Jauss enquanto professor, pesquisador e estudioso. Ele propunha um novo olhar
sobre as investigações literárias, esse deveria se voltar para o receptor (leitor) e os
seus horizontes de expectativa. “Jauss propõe uma inversão metodológica na
abordagem dos fatos artísticos: sugere que o foco deve recair sobre o leitor ou a
recepção, e não exclusivamente sobre o autor e sua produção” (ZILBERMAN, 2004,
p. 49).
Dessa forma, a voz do leitor passa a ser, também, analisada no campo
literário, e o estudo dessa arte se redimensiona, tendo em vista os horizontes de
expectativas dos leitores, observando o efeito causado pela obra em seu público
alvo e enfatizando a recepção dada à obra literária.
A divulgação atual da Estética da Recepção e de outras teorias que
valorizem o leitor tem proporcionado uma postura mais reflexiva entre professores e
pesquisadores quanto às metodologias de leitura desenvolvidas em sala de aula,
porém, na prática, o trabalho balizado pelos métodos inspirados nessa teoria ainda
tem deixado muito a desejar no que diz respeito à abordagem do texto literário. Para
Jauss (1994), só a partir da receptividade de uma obra realizada por seus leitores é
que se pode medir o seu valor estético. Esse efeito pode contrariar, afirmar ou
reforçar a expectativa do público leitor.
De acordo com Jauss (1994), o resgate para a qualificação de uma obra
literária não deve ser medido por meio do registro cronológico e biográfico, mas
através dos critérios da recepção e do efeito produzido pela leitura da obra. Nesse
contexto, como já afirmamos, o leitor passa a ser um elemento importante na
instância da recepção, que leva em consideração a relação dialógica entre o leitor e
a obra. De acordo com essa teoria, o horizonte do leitor pode ou não ser ampliado
por meio da leitura. Quanto mais o texto se distancia das expectativas, mais ele
amplia os horizontes. Em contrapartida, quando ele lê um texto que não apresenta
nenhuma ou pouca novidade, menor será o horizonte de expectativa. Jauss (1994,
p.31) comenta que
A distância entre o horizonte de expectativa de uma obra, entre o já
conhecido da experiência estética anterior e a “mudança de horizonte”
27
exigida pela acolhida à nova obra, determina, do ponto de vista da estética
da recepção, o caráter artístico de uma obra literária.
Com essa nova concepção de recepção do texto, a obra literária passa a ser
definida pela relação que se estabelece entre literatura e leitor, com suas
implicações tanto estéticas quanto históricas. “A história da literatura é um processo
de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários
por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do
crítico, que sobre eles reflete”. (JAUSS, 1994, p.25)
Com base nas funções comunicativas da experiência estética, é possível
perceber a liberdade e autonomia que o leitor tem diante das obras artísticas.
Mesmo em face de sua criação, o autor não consegue limitar e impor o sentido que
compusera a sua obra, haja vista a liberdade de pensamento e a multiplicidade de
significações que as imagens verbais ou não verbais podem sugerir aos seus
inúmeros leitores.
Desse modo, para que o professor possa proporcionar leituras em que se
estabeleça a comunicação e efeitos entre texto e o leitor, faz-se necessária a
sondagem do universo de expectativas de seus alunos, como já mencionamos,
atentando para o contexto no qual eles estão inseridos, contribuindo para o aflorar
dessa liberdade e multiplicidade do pensamento dos leitores.
Outro teórico do grupo de Constância que contribui para construção desses
conceitos é Wolfgang Iser (1979), que enfatiza que há, em todos os textos, vazios
que poderão ser preenchidos a partir da interação entre os envolvidos no processo
de leitura e afirma que “os vazios textuais são assimetria fundamental entre o texto e
o leitor, originam a comunicação no processo de leitura” (ISER, 1979, p. 88).
Interessante, também, das metodologias que se inspiram nessas teorias é o
fato de elas, ao proporcionarem o encontro dos alunos com leituras que partem do
seu próprio horizonte de expectativas, provocam situações de questionamento
desse horizonte fazendo-o se distanciar, ao mesmo tempo em que rompe e alarga
esse horizonte. Com a ideia de que a literatura não se esgota no texto, mas
completa-se com a leitura do mesmo, o professor é instigado a promover atividades
que propiciem a interação ativa do texto com o leitor.
28
O Método Recepcional sugerido por Aguiar e Bordini (1988), mesmo tendo
suas raízes na década de oitenta, torna-se pertinente ao momento atual, uma vez
que o ensino de Literatura nas escolas brasileiras persiste, ainda, em percorrer os
caminhos da historicidade da literatura como base da formação literária dos nossos
alunos. Criado a partir das ideias apontadas pela Estética da Recepção, esse
método tem por objetivos
1) Efetuar leituras compreensivas e criticas; 2) Ser receptivo a novos textos
e a leitura de outrem; 3) questionar as leituras efetuadas em relação a seu
próprio horizonte cultural;4) Transformar os próprios horizontes de
expectativas bem como os do professor, da escola, da comunidade familiar
e social.
O Método Recepcional de ensino de Literatura tem como base o debate
constante, seja ele oral, escrito, com professores, com colegas, consigo mesmo, etc.
Além disso, preza-se também pela produção de textos pelos alunos, os quais
passam a fazer parte dos textos lidos e por eles questionados, materializando,
assim, o acervo a eles ofertado.
Quanto à avaliação, nesse método, dar-se-á através da dinâmica do
processo de cada leitura realizada, pode-se, nesse momento, evidenciar a
capacidade de comparação entre as atividades realizadas, de questionamento ante
sua própria atuação e a de seu grupo, bem como a realização, ao final do processo,
de uma leitura mais exigente que a inicial.
O processo de recepção do texto tem início antes mesmo do contato do
leitor com a obra, visto que esse possui um horizonte que o limita, mas que, durante
o processo de leitura, pode se transformar e abrir-se a outras possibilidades de
enxergar o seu mundo e o mundo que o cerca.
Para Aguiar e Bordini (1998), esse horizonte é o do mundo de sua vida, com
tudo que o povoa: vivências pessoais, culturais, sócio-históricas e normas filosóficas,
religiosas, estéticas, jurídicas, ideológicas, que orientam e explicam tais vivências.
Sabemos, contudo, que o texto pode confirmar ou perturbar esse horizonte.
Sendo assim, o primeiro passo do professor que pretende utilizar o Método
Recepcional em suas aulas deverá ser a determinação do horizonte de expectativas
da turma, seguida do atendimento desse horizonte. Para isso, o professor pode
tentar conhecer os elementos temáticos ou estruturais que mais atraem seus alunos.
29
As etapas seguintes sugeridas pelas autoras seriam a ruptura do horizonte,
pela introdução de textos que ponham em dúvida as certezas dos alunos, fazendoos refletirem sobre a leitura realizada; ao mesmo tempo em que surgem os
questionamentos acerca do mundo que está a sua volta e outra fora daquele
espaço. As autoras acreditam que essas reflexões e questionamentos implicarão a
ampliação do horizonte do aluno propiciado pala vivência com textos literários.
“Cotejando seu horizonte inicial de expectativa com os interesses atuais, verificam
que suas exigências tornaram-se maiores, bem como, sua capacidade de decifrar o
que não é conhecido foi aumentada.” (AGUIAR e BORDINI, 1988, p. 90-91)
1.3.2 A leitura de folhetos na escola: uma possibilidade de formar leitores
A tarefa de repensar a formação de leitores, como já mencionamos, faz-nos
refletir acerca da escolha de textos literários apropriados a serem oferecidos aos
alunos. As práticas de sala de aula que mais têm demonstrado bons resultados são
aquelas em que os alunos são levados a se envolverem com textos que se
aproximem de suas experiências de vida. Da vasta quantidade das produções de
que a literatura dispõe e com as quais a escola se propõe a trabalhar, grande é a
quantidade de textos que podem render bons resultados, mas ainda são
desprestigiados. Como exemplo, podemos citar os textos da Literatura Popular,
Pinheiro (2008, p.16) afirma que
Se fizéssemos um levantamento sobre a presença da cultura popular e,
mais especificamente, da literatura oral no currículo do ensino básico,
descobriríamos que ela quase não é referida nas primeiras séries; e quando
aparece é quase sempre nas semanas do folclore ficando de fora o resto do
ano. (...) quando há presença da cultura popular no trabalho de algumas
escolas e até mesmo de secretarias de educação, muitas vezes a
concepção que se tem é de resgate de algo que já tenha morrido.
No entanto, devemos chamar a atenção para o fato de que a Literatura de
Cordel não é algo morto, vive e de maneira muito fértil em alguns lugares; como
exemplo disso, podemos citar, em Campina Grande, Manoel Monteiro, Maria
Godelivie; em Patos PB, Jandhui Dantas; em Mossoró, o Antônio Francisco; em São
30
José do Egito, Arlindo Lopes e tantos outros cordelistas de diferentes lugares do
Nordeste e de outras regiões do Brasil.
A inquietação que o cordel pode proporcionar aos jovens, além da presença
constante do aspecto satírico, pode ser uma porta de entrada para o despertar do
gosto pela leitura literária e, consequentemente, para formação de leitores.
Trazer os folhetos para a sala de aula com objetivo de apreciação permite,
além do contato com o texto literário, o despertar dessa inquietação. Ler os poemas
em voz alta, ou ainda recitá-los dramatizando-os pode ser o primeiro passo para
conquistar novos leitores, pois a realização de leituras empolgantes fará com que os
jovens queiram ouvir e sintam vontade de ler eles mesmos.
Uma maneira de se trabalhar com folhetos na sala de aula é partir deles
para outras formas de expressão, como, por exemplo, rodas de discussões,
debates, atividades que deixem os jovens à vontade para apreciação e o
desenvolvimento da oralidade, tendo sempre o cuidado com a escolha dos poemas,
que deve ser coerente com o interesse desses jovens. Pode-se, por exemplo,
aproveitar a diversidade de folhetos existente e oferecer uma variedade de opções
para que os alunos possam escolher a temática que lhes chame atenção. “Levar
aos alunos uma diversidade de temas poderá favorecer o interesse, principalmente
de quem não teve ainda experiência de leitura desta modalidade da cultura popular.”
(PINHEIRO, 2008, p.22).
Outro procedimento metodológico interessante de ser adotado no trabalho
com a literatura popular no Ensino Médio é a comparação entre os folhetos e os
textos da chamada literatura erudita, ou mesmo entre folhetos, atentando para
possíveis diálogos entre os textos literários e as outras artes, que podem ser de
ordem formal ou mesmo temáticos. Muito pertinente nesse procedimento é realizar
Leitura Compartilhada, apontada em tópico anterior, como maneira de aproximar os
alunos da leitura. O trabalho com a pesquisa acerca do conhecimento prévio dos
alunos também é muito pertinente. Para Pinheiro (2008 p.21-22),
Saber se algum familiar faz esse tipo de poesia (mesmo que não tenha
publicado), se há poetas na comunidade, se algum aluno faz poemas. Caso
se descubra algum poeta, é desejável tentar trazê-lo à escola, ouvir seu
depoimento (como aprendeu, o que já escreveu que sentido atribui a seu
trabalho, etc.), discutir com ele, por exemplo, algum possível preconceito
que se perpetua em sua produção, alguma visão de mundo, etc.
31
O professor ou a escola que deseje desenvolver um trabalho com a cultura
popular entre seus alunos deveria se voltar para a comunidade em que a escola está
inserida e procurar saber se houve ou há cantadores tradicionais, poetas,
repentistas, etc. Uma liberdade maior foi dada ao professor de literatura para o
trabalho com esse tipo de texto desde a recente publicação das OCEMs (BRASIL,
2008, p.57), defendendo o trabalho com textos da chamada cultura popular, uma vez
que se trata de expressão de grupos, afirmando-se que
Muitas das obras de grande valor cultural têm escasso valor estético, até
mesmo porque não se propuseram a isso: é o caso, por exemplo, dos
escritos de José do Patrocínio; outros, mesmo produzidos por artistas não
letrados, mas que dominam o fazer literário- ainda que quase
instintivamente-, certamente deverão ser considerados no universo literário.
Corroborando a ideia de letramento literário, pensamos ser possível que o
professor aja com discernimento para oferecer ao aluno inúmeras possibilidades de
contato com o texto literário, seja com obras da tradição literária e/ou incluindo obras
significativas de produção popular.
A recente publicação do livro O cordel no cotidiano escolar (2012), de Ana
Cristina Marinho Lúcio e José Helder Pinheiro Alves, convida os professores de
diferentes áreas do conhecimento a compreender e a trabalhar com o cordel na sala
de aula. O livro enfatiza que o trabalho com o cordel deve atentar principalmente
para natureza poética das produções, que promovem o encantamento, o
envolvimento de seus leitores, como todo texto literário de valor estético.
Dentre as várias sugestões de trabalho com o cordel na sala de aula, os
autores enfatizam que a atividade fundamental é mesmo a leitura oral “E ler em si,
mesmo sem fazer nada a partir disto, já é grande coisa. [...] Depois se vai ampliando
a experiência de leitura vai-se abrindo a visão às vezes estreita do leitor
adolescente” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p.127-128).
A ideia de adaptar as sugestões à realidade escolar ajuda a aproveitar
muitas das atividades elencadas pelos autores. São sugeridas oito atividades
diferentes para o trabalho com a leitura de cordel na sala de aula. Dentre elas
destacamos o debate, tendo em vista a diversidade temática que encontramos na
literatura de folhetos “Essa riqueza de abordagens assume tons diferenciados,
visões de mundos às vezes conflitantes, ideologias diversas. Essa diversidade pode
32
ser aproveitada para instigar debates, discussões em sala de aula.” (MARINHO e
PINHEIRO, 2012, p. 129).
Também nos parece interessante a realização do jogo dramático3, que tende
a recuperar a capacidade fantasiosa dos alunos, principalmente os do Ensino
Fundamental. Há também sugestões que atendem à perspectiva interdisciplinar
como é o caso de discutir e trabalhar com a xilogravura, que pode ser feita em
conjunto com a disciplina Artes. Pode-se, também, realizar uma feira de Literatura
de Cordel, na qual poderão se desenvolver variadas atividades. Marinho e Pinheiro
(2012, p.132-133) sugerem que haja
a) folheteiros vendendo seus folhetos;
b) emboloadores e violeiros cantando, fazendo desafios, improvisando;
c) exposição de xilogravuras e de folhetos antigos e /ou novos;
d) murais com reportagens sobre cordelistas;
e) palestras e oficinas de criação de poemas de cordel, realizadas por
poetas locais;
f) encenações de histórias de cordel adaptadas para o teatro ou de peças
inspiradas em folhetos;
g) apresentação de músicas populares influenciadas pela Literatura de
Cordel;
h) sessões de cinema com filmes inspirados em folhetos ou que, de algum
modo, toquem na questão da Literatura de Cordel.
A feira pode e deve ser adaptada às condições locais, tudo dependerá de
como o trabalho foi desenvolvido em sala de aula. Muitas outras ideias podem surgir
dos próprios alunos durante a organização do evento. O importante é que o
envolvimento deles com esse tipo de atividade os empolgue na busca por novas
leituras e na valorização da Literatura de Cordel como um produto cultural que
merece ser preservado e integrado às experiências de vida das atuais gerações.
Dessa forma, entendemos, conforme Marinho e Pinheiro (2012), que a
maneira como se trabalha com o texto literário revela muitas vezes as nossas
próprias posturas diante daquele tipo de texto e, no caso do trabalho com textos
advindos da cultura popular, pressupõem uma empatia com tais textos. O que
pretendemos com o ensino de literatura em geral, de fato, é contribuir para a
formação do leitor literário.
3
“Trata-se de uma improvisação a partir de qualquer situação” (MARINHO e PINHEIRO, 2012, p.131)
33
Diante do exposto, é perceptível que a atual concepção norteadora do ensino
de Literatura abre espaço para a leitura da obra literária, sem que seja necessário
defini-la como popular ou erudita. Percebemos, portanto, que, na literatura, o objeto
de estudo não deve centrar-se no texto ou no seu autor, mas sim no conjunto,
levando em consideração, principalmente, o leitor e a recepção que ele tem da obra
no momento de leitura.
No anseio de que as reflexões caminhem no patamar da teoria para prática,
realizaremos, no próximo capítulo, uma leitura dos folhetos O dinheiro, O cavalo que
defecava dinheiro e As proezas de um namorado mofino, tentando perceber de que
forma a tradição satírica, abordada por críticos como Bakhtin (1981 e 1987); Northop
Frye (1957) e Salvatore D‟Onofrio (1968), ilumina a percepção de sátira presente
nos folhetos a serem levados à sala de aula. Essa leitura é antecedida por uma
explanação a respeito da sátira menipeia abordada por Bakhtin (1981), bem como
de uma breve apresentação da poesia satírica de Leandro Gomes de Barros, autor
dos folhetos objetos desta pesquisa.
34
Contribuições da tradição satírica para leitura de folhetos
A poesia não pode ser um
luxo para alguns iniciados: é o
pão cotidiano de todos, uma
aventura simples e grandiosa do
espírito. (Murilo Mendes)
35
2 Contribuições da tradição satírica para leitura de folhetos
2.1 A tradição satírica
Um aspecto que a crítica tem destacado na obra de Leandro Gomes de
Barros é o caráter satírico de seus folhetos. Possuindo um aspecto multiforme, a
sátira não se configura como gênero 4e pode se fazer presente nos mais diversos
veículos, sejam eles literários ou não. Motivada pela insatisfação e pela recusa dos
costumes, a sátira requer uma consciência alerta, que seja capaz de observar as
incongruências do homem e da sociedade.
Partindo do pressuposto de que a exposição de tais incongruências pode
acarretar a correção dos vícios e desvios, produzindo uma melhoria do caráter
humano, bem como das instituições sociais, é possível afirmar que ela se vincula ao
que é intimamente humano, uma vez que expressa a insatisfação e a esperança.
A tentativa de encontrar definição para o termo sátira se faz presente neste
trabalho. Contudo, dada a diversidade de discussões a respeito de uma possível
definição, buscaremos circunscrever algumas definições ou aproximações, as quais
consideramos pertinentes aos nossos interesses. Segundo o Dicionário de termos
Literários organizado por Massaud Moisés (1978, p.469-470),
Sátira do Latim sátira(m), de lanx satura prato cheio de frutos sortidos que
se ofereciam a Ceres, deusa das sementeiras (satum), modalidade literária
ou tom narrativo a sátira consiste na crítica das instituições ou pessoas, na
censura dos males da sociedade ou indivíduos. Vizinha da comédia e do
humor burlesco.
Sendo um procedimento literário voltado para censura dos costumes, das
instituições e das ideias em tom irônico, mordaz e não raro jocoso, os textos
satíricos assumem um discurso crítico e maldizente, que se define por caricaturar e
relegar ao ridículo os defeitos e vícios da vida em sociedade. Acreditamos que esse
4
Vale destacar que ao tratarmos da sátira menipeia (diferentemente da ideia de sátira que se faz na
atualidade, a qual é entendida como uma tonalidade do discurso), iremos considerá-la gênero, uma
vez que nos embasamos em teóricos como Bakhtin (1981).
36
aspecto possa corroborar para um bom resultado com a leitura de cordéis em sala
de aula de Ensino Médio.
Mikhail Bakhtin (1981), em estudo de grande importância sobre a obra de
Dostoievski, examina de forma minuciosa a “sátira menipeia”, a qual muito se
aproxima do aspecto que nos propomos a explorar neste trabalho. Bakhtin (1981, p.
97) afirma que a sátira menipeia “exerceu uma influência muito grande na literatura
cristã antiga (do período antigo) e na literatura bizantina (e, através desta, na escrita
russa antiga)”.
Na antiguidade clássica, os gêneros ligados ao campo do cômico-sério, a
exemplo do diálogo socrático, das fábulas, da poesia bucólica, da sátira menipeia,
entre outros, eram geralmente tidos como opostos aos chamados gêneros sérios,
como a tragédia, a epopeia e a retórica. Para Bakhtin (1981), esses gêneros estão
conjugados com o folclore carnavalesco, variando de grau de um gênero para outro.
Em seu estudo, o teórico russo aponta três peculiaridades para os gêneros do
cômico-sério. A primeira seria o tratamento dado à realidade, à atualidade viva à
representação do dia a dia. A segunda é o fato de não se basearem em lendas e sim
na experiência e na fantasia livre, e a terceira seria a pluralidade de estados e
variedade de vozes, observando-se, por exemplo, a presença de gêneros
intercalados, a fusão da prosa e do verso, o bilinguismo e o uso de dialetos e
jargões, etc.
Em seu texto, o teórico discute a procedência da vinculação das obras de
Dostoievski, a variedade que leva à linha carnavalesca, denominada por ele de
variedade dialógica. Nesta, dois gêneros do campo do cômico-sério são
determinantes: o diálogo socrático e a sátira menipeia. Após discorrer sobre as
peculiaridades históricas do diálogo socrático, Bakhtin (1981, p.97) percorre as
origens e os representantes das menipeias antigas e afirma que
Esse gênero deve a sua denominação ao filósofo do século III a.C Menipo
de Gadare, que lhe deu forma clássica (...) Mas o gênero propriamente dito
surgiu bem antes e talvez o seu primeiro representante tenha sido
Antistheno, discípulo de Sócrates e talvez um dos autores dos diálogos
socráticos.
Discorrendo a respeito das típicas peculiaridades da categoria literária
conhecida como sátira menipeia ou simplesmente menipeia, Mikhail Bakhtin (1981),
37
apresenta as características deste gênero divididas em catorze tópicos, os quais
tentaremos sintetizar da seguinte forma:
1. Excessiva importância dada ao elemento cômico;
2. Liberdade, excepcional, de invenção temática e filosófica; livre das lendas, a
menipeia não está presa às exigências da verossimilhança externa. “É possível que
em toda a literatura não encontremos um gênero tão livre pela invenção e a fantasia
do que a menipeia”;
3. As peripécias, as fantasias, as situações fantásticas, mesmo as mais ousadas,
são justificadas como tendo um fim ideal e ideológico de provocar e experimentar a
verdade;
4. A combinação de situações aparentemente inconjugáveis, o símbolo e, às vezes,
o elemento místico- religioso fundem-se com um naturalismo de submundo,
extremado e grosseiro;
5. Uma espécie de reflexão sobre os problemas do mundo através de uma ousada
imaginação combinada com um naturalismo filosófico;
6. Manifestação de uma estrutura triplanar, em que ações com base no
universalismo filosófico se deslocam da terra para o Olimpo (céu) e deste para o
inferno. “Na menipeia, teve grande importância a representação do inferno, onde
germinou o gênero específico dos “diálogos dos mortos”, amplamente difundido na
literatura europeia do Renascimento, dos séculos XVII e XVIII.”;
7. Surgimento da modalidade do fantástico experimental, isto é, análise e
observação dos fenômenos a partir dos pontos de vista e focos de visão inusitados;
8. Aparecimento da experimentação moral e psicológica. Representação de toda
espécie de loucura: dupla personalidade, sonhos e devaneios, temáticas suicidas,
isto é, de situações limítrofes entre a sanidade e a loucura;
9. Uso de categorias como excentricidade, o escândalo. Declarações inoportunas,
violações às normas e às etiquetas comportamentais e de discursos;
10. Presença de jogos de oximoros, de antíteses e contradições violentas;
11. Incorporação de elementos da utopia social, introduzidos sob a forma de sonhos
ou viagens a países misteriosos;
12. Intercalação de gêneros (cartas, novelas, discurso típicos da oratória ou do
jornalismo, sermões, etc.) ou fusão da prosa e do verso;
38
13. Multiplicidade de estilos e enfoque conferido à palavra, enquanto portadora de
plurissignificações dentro do universo literário;
14. Presença de temas voltados à literatura político-social, ou publicística,
caracteristicamente centrados na atualidade. A vinculação da “publicística” às
peculiaridades da menipeia faz coro com a dessacralização, os contrastes e as
alegorias carnavalizadas.
A menipeia, assim como os outros gêneros englobados pelo cômico-sério,
busca sua organização na cosmovisão carnavalesca, ou seja, procura o livre contato
familiar entre os homens (BAKHTIN, 1981), a eliminação das distâncias sociais e
hierárquicas,
a
excentricidade,
a
profanação
formada
pelos
sacrilégios
carnavalescos.
Capaz de penetrar em todos os outros gêneros e de explorar o elemento
cômico como nenhum outro, a sátira menipeia se torna “mais livre pela invenção e
pela fantasia” (BAKHTIN, 1981, p.98). Essa liberdade se apresenta também como
uma experimentação da moral, cheia de filosofia e psicologia, colocando o homem
em diálogo com sua própria consciência. Além disso, apresenta-se através de
personagens que vivem situações extremas. Como afirma Bakhtin (1981, p.101),
A menipeia é plena de contrastes agudo e jogos de oximoros: a hetera
virtuosa, a autêntica liberdade do sábio e sua posição de escravo, a
decadência moral e a purificação, o luxo e a miséria, o bandido nobre, etc. A
menipeia gosta de jogar com passagens e mudanças bruscas, o alto e o
baixo, ascensões e decadências, aproximações inesperadas do distante e
separado, com toda sorte de casamentos desiguais.
O teórico russo conclui seu percurso sobre a menipeia afirmando que
Dostoievski não foi um estilizador de gêneros antigos. Em termos gerais, pode-se
dizer que quem conservou as particularidades da menipeia antiga não foi a
“memória subjetiva” de Dostoievski, mas a “memória objetiva” do próprio gênero com
o qual ele trabalhou.
Dessa forma, podemos entender a sátira menipeia como sendo um gênero
que muito se aproxima do que chamamos apenas de sátira ou tom satírico, sendo
que, atualmente, a crítica inclina-se a tratar a sátira mais como uma tonalidade do
39
que como uma forma literária delineada solidificada pelos preceitos de um gênero5.
Alfredo Bosi (1988, p.278), ao discorrer sobre Perspectiva e tom na interpretação da
obra literária, afirma que
As classificações dos gêneros e subgêneros literários guardam uma base
tonal. Tom patético, tom elegíaco, tom satírico, tom fúnebre [...] Se o leitor
conseguir dar, em voz alta o tom justo ao poema, ele já terá feito uma boa
interpretação.
Entendemos, portanto, que essa tonalidade de aspecto satírico é uma
vertente literária que perpassa desde clássicas produções até as produções de
cunho popular e talvez seja nesse espaço que ele ganhe mais força em
consequência da liberdade de produção existente no âmbito da Literatura Popular.
Abordaremos a seguir as características específicas da obra do paraibano
cordelista Leandro Gomes de Barros, que muito utilizou o aspecto satírico em suas
composições.
2.2 Sobre a poesia satírica de Leandro Gomes de Barros
Leandro Gomes de Barros, nascido no sertão paraibano, foi o primeiro poeta
popular a viver exclusivamente de escrever versos populares. Segundo alguns
estudiosos, ele abriu portas para o sucesso de centenas de cantadores e cordelistas
nordestinos. Um aspecto de destaque na obra de Leandro foi a sátira, que perpassa
a maioria dos seus poemas em tom jocoso, de caráter brincalhão, que provoca no
leitor o riso e a criticidade frente ao enredo de muitos de seus folhetos e conforme
podemos constatar no que diz Batista (1977 p.XXIV):
[...] a maior glória do nosso romanceiro cabe a Leandro Gomes de Barros
(1865)-19180, que foi, indiscutivelmente, o maior poeta popular do Brasil,
“que se localizando no Recife inaugurou e vulgarizou no nordeste a
literatura de cordel, publicando de sua autoria mais de mil produções cada
5
Na literatura brasileira, a sátira é constantemente associada ao poeta Gregório de Matos, que,
durante o período colonial, foi o que mais produziu poemas satíricos, Outro escritor, cujas obras estão
sendo frequentemente analisadas na perspectiva da abordagem satírica, é Machado de Assis.
Assimilando em suas produções diversos traços estilísticos da sátira menipeia, Machado criou obras
por onde perpassam o humor e a sátira de forma mordaz.
40
uma mais irônica e mais adequada à sua inteligência aguda e vivamente
repassada daquela mordacidade que era a linha vertical do seu caráter.
A qualidade artística dos seus versos e sua originalidade deram a Leandro um
lugar de destaque no Cânone da Literatura Popular do Brasil. Além disso, conforme
já citado anteriormente, a sua vasta produção e seu importante papel na divulgação
desse tipo de poesia lhe renderam elogios feitos por seus companheiros de
profissão e posteriormente por diversos estudiosos da área. O poeta brasileiro
Carlos Drummond de Andrade publicou uma crônica no Jornal do Brasil em 9 de
setembro de 1976, intitulada Leandro, o poeta, onde questiona o título de Príncipe
dos poetas brasileiros conferido ao poeta Olavo Bilac pela, então, famosa revista
Fon Fon e nos mostra as razões pelas quais Leandro foi por ele consagrado no
cânone da Literatura Popular. Observe-se parte da declaração de Drummond
(MEDEIROS, 2002, p.18)
Em 1913, certamente mal informados, 39 escritores, num total de 173,
elegeram por maioria relativa Olavo Bilac príncipe dos poetas brasileiros.
Atribuo o resultado à má informação porque o título, a ser concebido, só
poderia caber a Leandro Gomes de Barros, nome desconhecido no Rio de
Janeiro, local da eleição promovida pela revista FON-FON, mas vastamente
popular no Nordeste do país, onde suas obras alcançaram divulgação
jamais sonhada pelo autor de „Ouvir Estrelas‟. [...] Não foi príncipe de
poetas do asfalto, mas foi no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e
do Brasil em estado puro.
Além das declarações de Drummond, alguns estudiosos da cultura popular e,
especificamente, da Literatura de Cordel exaltaram a figura de Leandro como sendo
o mais importante representante dessa literatura brasileira. Diégues Jr. (1986,
p.316), por exemplo, declara que “Leandro Gomes de Barros foi o epítome do poeta
popular do Nordeste. Foi não só um dos primeiros a escrever e imprimir folhetos que
incluíam o melhor da tradição oral, mas também o mais prolífico dos poetas
populares.”.
Acreditamos que Barros desbravou um campo hoje vasto, que é o da
produção de versos no nordeste brasileiro, sendo dono de uma vasta obra em se
tratando de quantidade e diversidade temática. Como prova das qualidades
artísticas e principalmente da atualidade temática da obra desse poeta, podemos
citar o fato de até os dias atuais existirem novas edições em editoras de renome, a
41
exemplo da recente publicação do folheto Juvenal e o Dragão, destinado ao público
infantil. Além disso, há escritores contemporâneos que se inspiram em folhetos de
Leandro para escrever.
Ariano Suassuna é um exemplo vivo de como escritores realizam
adaptações dos folhetos em suas obras. No caso de Ariano, podemos citar sua mais
famosa peça teatral O Auto da Compadecida, escrita em 1955 e encenada pela
primeira vez em 1957. Após várias remontagens, a peça foi adaptada para o cinema
pelo cineasta Guel Arraes em 1995. Inspirada na Literatura Popular, a obra foi
produzida a partir de três folhetos, sendo que dois são de autoria de Leandro: O
dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro, dos quais utiliza até mesmo citações
diretas transferidas dos folhetos, como os versos “Que animal inteligente! Que
sentimento tão nobre!”, retirados do folheto O dinheiro.
Suassuna recria as ações e argumentos utilizados nos folhetos adaptandoas para forma dramática. O próprio Dramaturgo assume suas inspirações na obra do
poeta paraibano. Curran (1973, p.61) afirma que “Suassuna conhece muita coisa da
poesia de Leandro e o tem louvado como melhor dos poetas populares.” Escritores
continuam bebendo em sua fonte e fazendo sucesso com a divulgação de seus
folhetos através de produções artísticas inspiradas nas obras de Leandro.
Acreditamos que a obra Leandro Gomes de Barros obteve uma repercussão
ampla, suscitando o diálogo com outros gêneros, como o Dramático, por exemplo.
Segundo estudiosos como Curran, Diégues Jr., entre outros, Leandro é exemplo da
verdadeira expressão artística do povo brasileiro e continua desempenhando papel
importante na Literatura e confirmando a sua posição de destaque no cânone da
Literatura Popular brasileira.
Em virtude de seu papel importante como iniciador da Literatura de Cordel 6
editada e de sua vasta produção, Leandro foi escolhido para este estudo. Quanto à
numerosa produção atribuída a esse poeta, devemos observar que há entre
pesquisadores, alguns pontos de vista diferentes: uns dizem ter chegado a mil
produções diferentes, outros afirmam que foram seiscentos. A Fundação Casa Rui
Barbosa, que possui um grande acervo de Literatura de Cordel aqui no Brasil, tem
6
Vale lembrar que o termo cordel é de uso recente e instituído mais pela academia que pelos poetas,
os quais na época das produções de Leandro, eram conhecidos por nomes como folhetos ou folhetos
de feira, folhetins, entre outros.
42
atualmente arquivado, em seu banco de dados, cerca de 400 folhetos desse poeta
sertanejo. De fato sabemos que reedições de muitos de seus folhetos são
produzidas e vendidas em todo o Brasil até os dias atuais. Também se acredita que
ele seja o poeta popular brasileiro dos mais conhecidos, ao lado de nomes como
Patativa do Assaré, João Martins de Athayde, Manoel Camilo dos Santos, dentre os
mais revisitados.
Outra característica particular do autor foi o fato de ele ter sustentado grande
família exclusivamente da venda de seus folhetos. Tendo vivido até os 15 anos na
cidade de Teixeira-PB, berço da poesia popular do nordeste brasileiro, conviveu com
grandes cantadores, como Inácio da Catingueira, Romano de Mãe d‟água,
Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Ungolino Nunes da Costa e Nicandro Nunes
da Costa. Acredita-se que foi deles que herdou o legado da poesia popular. Em suas
composições, é notório o talento com que produz o humor, o sarcasmo de uma
forma surpreendentemente natural.
Muitos estudiosos tentaram realizar uma classificação da poesia Leandrina,
mas essa tarefa esbarra em algumas dificuldades, como, por exemplo, os problemas
de autoria. Conforme Curran (1973, p.15), “Em toda poesia popular ou poesia com
características folclóricas, a autoria é um grande problema. As coleções de poesia
em geral, são poucas vezes completas.” Além disso, a precariedade do material em
que eram publicados os folhetos fez com que muitos se perdessem com o tempo.
Outro fator que muito prejudicou a preservação da obra deste autor foi o fato de,
após sua morte, seus direitos autorais terem sido vendidos ao também poeta João
Martins de Ataíde, que, muitas vezes, publicava as obras de Leandro como se
fossem de sua autoria. Discorrendo sobre essa problemática, Curran (1973, p.37)
afirma que “A única dificuldade, e é importante para o estudioso do assunto, é que
só casualmente Ataíde indicava a autoria de Leandro”.
Outra dificuldade para a classificação seria a diversidade da poesia desse
autor. Podem ser encontrados Abcs, Pelejas, Romances, entre outros. Mesmo com
todos esses entraves, alguns estudiosos se atreveram a essa tarefa. Diegues Jr.
(1986), por exemplo, usando o princípio temático, classificou da seguinte forma: 1.
Os tempos difíceis; 2. Os estrangeiros no Brasil; 3. O governo, a política e a guerra;
4. A mulher, o casamento e a sogra; 5. O jogo do bicho; 6. A religião; 7. A cachaça e
a aguardente; 8. O cangaço, e Antonio Silvino.
43
Entre os poemas de Leandro que ainda hoje atraem a atenção dos leitores,
estão, conforme já mencionamos, os de aspectos satíricos. Igualmente a muitos
poetas populares, Leandro se sentia um representante de seu povo e, para isso,
escrevia em estilo ligeiro e jocoso, muitas vezes, afiava a língua e produzia belas
obras sarcásticas.
Curran (1973, p. 40) afirma que “é a crítica social que representa o melhor de
sua obra. Como muitos poetas, ele sentiu certa responsabilidade e até obrigação como representante do povo- de criticar as injustiças da sociedade e oferecer
soluções, embora pessoais para elas.” Diegues Jr. (1977, p.347) comenta que “A
sátira e a crítica social nele são aspectos de uma poesia em traje de passeio, mas
cheia de filosofia popular.” Dentre as obras publicadas até hoje, podemos citar A
história da Donzela Teodora; O cachorro dos Mortos; História do Boi Misterioso; O
cavalo que Defecava Dinheiro; A alma de uma sogra; O casamento; Uma viagem ao
céu; O dinheiro; Discussão de Leandro Gomes com uma velha de Sergipe; Suspiros
de um Sertanejo; Juvenal e o Dragão; Peleja de Riachão com o Diabo; Segunda
Peleja de Romano com Inácio da Catingueira; História da Princesa da Pedra Fina;
Índia Necy; História de João da Cruz, entre outras.
Nos subtópicos que se seguem, tentaremos realizar uma análise mais precisa
do aspecto satírico presente nos folhetos levados à sala de aula. Optamos por
analisar o folheto As proezas de um namorado mofino separadamente dos folhetos
O dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro, por entendermos que ele se distingue
entre eles, situando a discussão em outro âmbito que traz como foco principal a
questão da mulher em situação diferenciada, sem, contudo, deixar de se utilizar do
aspecto satírico.
A priori, dentre os folhetos estudados e as possíveis aproximações com a
sátira menipeia, podemos destacar a primeira característica que trata da excessiva
importância dada ao elemento cômico, traço recorrente nos três folhetos analisados.
Quanto aos folhetos As proezas de um namorado mofino e O cavalo que defecava
dinheiro, especificamente, poderíamos associá-los à terceira característica que trata
das peripécias e fantasias. Ao folheto O dinheiro, podemos associar a quarta
característica, que trata da combinação de situações aparentemente inconjugáveis,
tendo em vista não ser natural que um cachorro tenha um enterro cristão. Além
disso, ainda em relação ao folheto O dinheiro, poderíamos associá-lo à décima
44
quarta característica pela presença de temas voltados à literatura político-social ou
publicística.
Outro teórico que ilumina a percepção de sátira presente nesses folhetos é
Northop Frye (1957), que traz importantes reflexões sobre a ironia e a sátira e que,
em alguns momentos, comungam com a ideia que Bakhtin tem sobre a sátira.
Também nos utilizamos das contribuições de Bosi (1988) e de Salvatore D‟Onofrio
(1968).
2.3 O dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro: o viés satírico
Os poetas populares do nordeste brasileiro, na maioria das vezes, têm suas
inspirações associadas a manifestações do imaginário popular. Nos folhetos O
dinheiro e O cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros,
percebemos que o poeta representa, em seus versos, o poder que o dinheiro e que
a ambição exercem na sociedade e, para isso, cria situações com o objetivo de
satirizar instituições.
O folheto O dinheiro é composto por 34 sextilhas com esquema rímico que
segue a tradição dos folhetos nordestinos ABCBDB, ou popularmente chamado de
xaxaxa. Nele encontramos a história de um inglês 7 que suborna um vigário fazendoo realizar um enterro cristão para o seu cachorro de estimação. O padre, ao saber
que o cachorro deixou um testamento em que o beneficiaria, passa por cima das leis
da igreja e realiza o dito enterro.
O enredo divide-se em duas partes. Na primeira, o autor apresenta 19
sextilhas em que, em diversas situações, o dinheiro é destaque, 15 estrofes no início
e 04 estrofes no final do folheto. Intercalada a essas estrofes está o que
chamaremos de segunda parte. Veja-se a estrutura da primeira parte:
Porque só mesmo o dinheiro
Tem maior utilidade,
É farol que mais brilha
Perante a sociedade.
O código dali é ele
7
Vale salientar que o inglês faz parte de uma série de folhetos, em que Leandro satirizava essa figura
e que Diégues Jr. (1986) classificou como tema “Os estrangeiros no Brasil".
45
A lei é sua vontade.
(BARROS, 2002, p.102)
As instituições tidas como moralmente irrepreensíveis ou poderosas são
criticadas por Leandro, que busca provocar polêmica através do desmascaramento,
trazendo luz a verdades correntes em instituições como a igreja, o poder judiciário e
até mesmo a família.
O homem tendo dinheiro
Mata até o próprio pai,
A justiça fecha os olhos
A polícia lá não vai,
Passam-se cinco ou seis meses
Vai indo o processo cai
Ainda que vá a júri
Compra logo atenuante,
Dá um unto aos jurados
Se livra no mesmo instante,
Tem o juiz a favor,
Jurados e assim por diante
(BARROS, 2002, p.102)
Outro fator de destaque nesse poema é a presença da comparação do ser
humano com o animal. Acreditamos que o autor buscava suscitar a reflexão em
torno do tema discutido no folheto: o valor do homem na sociedade, tendo dinheiro
vale muito, se não, até mesmo um animal vale mais.
Pois o homem sem dinheiro
É como um velho demente,
Um gato que não tem unha,
Cobra que não tem dente
Cachorro que não tem faro
Cavalo magro e doente.
(BARROS, 2002, p.103)
Northrop Frye (1957), ao discorrer sobre a sátira, comenta que “chamar um
homem de porco ou jaritataca ou uma mulher de cadela proporciona uma satisfação
fortemente limitada, pois muitas das qualidades desagradáveis do animal são
projeções humanas.” (FRYE, 1957, p.221). É justamente nesse patamar de destacar
as qualidades desagradáveis do homem, que não tem dinheiro, que o autor
constrói tais comparações com os animais. Entendemos nesse folheto, que a
46
revelação da moral, implícita em seus versos, demonstra as características
essenciais à sátira: “O humor e o ataque” (FRYE, 1957). Baseado na fantasia e nas
comparações entre o homem e o animal, o autor ataca a ganância pelo dinheiro,
presente em todas as instituições sociais, que torna o homem, sem dinheiro, inferior
perante a sociedade.
Também podemos destacar que o discurso do poeta tem uma forte ligação
com o seu conhecimento de mundo, uma vez que essa aproximação do homem com
a natureza é típica da relação existente entre o homem sertanejo e o seu universo.
A segunda parte do folheto tenta comprovar tudo que foi afirmado na
primeira, contando a história “verídica” do inglês que consegue corromper a
instituição considerada uma das mais poderosas da época em que o folheto foi
publicado: a igreja católica, cuja missão era considerada sublime. Isso só foi
possível porque, no testamento do animal, constava como herdeiro o vigário. Em
nossa observação, notamos que o enredo busca ser denunciativo e faz isso através,
muitas vezes, do riso, da ironia, tentando expor a verdade sem sofrer sanções por
isso. As expressões satíricas, presentes na maior parte das produções do poeta,
recorrem à possibilidade de um riso crítico, que pressupõe a superioridade de quem
ri face ao alvo do riso ou suscitado pelos defeitos daquilo ou de quem se ri.
Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
Mim enterra o cachorro
Inda que gaste um milhão
Coitado! Disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento tão nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente o cobre.
(BARROS, 2002, p.103)
Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou.
Antes do inglês findar
O vigário suspirou.
A sátira é enfatizada pelo discurso do padre, que demonstra uma brusca
mudança de comportamento (fala dócil), de atitude (o suspiro) e da atribuição de
sentimento ao animal. Segundo Frye (1957, p.224),
47
Se um satirista apresenta, digamos um clérigo como tolo ou hipócrita, ele
não está, qua satirista, atacando nem um homem nem uma igreja [...]. Ele
esta atacando um mau homem protegido por sua igreja, e tal homem é um
monstro gigantesco: monstruoso porque não é o que deveria ser gigantesco
porque protegido por sua posição e pelo prestígio dos bons clérigos o hábito
poderia fazer o monge, se não fosse pela sátira.
Portanto, o ataque feito à instituição religiosa, nesse folheto, dá-se através
do desmascaramento de um mau clérigo, protegido por sua igreja, o que não
representa a composição geral dessa instituição, que, para o autor, continua sendo
vista como sublime e, justamente por isso, necessita desse desmascaramento.
Encontramos, também, nesse folheto, uma grande aproximação com a sátira
menipeia explorada por Bakhtin (1981). Em seu estudo, Bakhtin (1981, p.102), ao
falar sobre as sátiras de Luciano de Samósata (escritor da antiguidade clássica),
remete-nos de imediato às produções do cordelista paraibano, e mais detidamente
ao folheto O dinheiro.
As sátiras de Luciano são, no conjunto, uma autêntica enciclopédia da sua
atualidade: são impregnadas de polêmica aberta e velada com diversas
escolas ideológicas, filosóficas, religiosas e científicas, com tendências e
correntes da atualidade, são plenas de imagens e figuras atuais ou recémdesaparecidas, dos “senhores das ideias” em todos os campos da vida
social e ideológica (citados nominalmente ou codificados), são plenas de
alusões a grandes e pequenos acontecimentos da época, perscrutam as
novas tendências da evolução do cotidiano, mostram os tipos sociais em
surgimento em todas as camadas da sociedade.
Percebemos que, assim como as obras de Luciano são impregnadas de
polêmica aberta e velada com diversas escolas ideológicas, filosóficas, religiosas e
cientificas, também o folheto em análise se utiliza desses procedimentos para
compor seu enredo, uma vez que coloca em discussão, em forma de diálogo com o
interlocutor, além de outras, as atitudes e reações do vigário e do bispo, sinalizadas
pela presença do ponto de interrogação, que abre espaço para a reflexão da
temática, veja-se:
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigário tinha feito
O enterro do cachorro,
Que não era de direito
O bispo aí falou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
O vigário entregou-lhe
48
Os dois contículos de réis.
O bispo disse é melhor
Do que diversos fiéis.
E disse: provera Deus
Que assim lá morresse uns dez
E se não fosse o dinheiro?
A questão ficava feia
Desenterrava o cachorro
O vigário ia pra cadeia
Mas como o cobre correu
Ficou qual letras na areia
(BARROS, 2002, p.103-104)
Novamente o discurso entra no poema como forma de satirizar. Desta vez é o
discurso do bispo que irá destacar o efeito satírico, demonstrado pela mudança de
tom na fala e nas atitudes do bispo perante a situação ocorrida. Além disso,
percebemos que essas estrofes encerram a segunda parte sem, contudo, encerrar o
poema, pois há, nesse momento, um retorno à primeira parte do folheto, em que o
autor vai apresentar, novamente, situações em que o dinheiro é determinante das
ações humanas.
Judas era um homem santo
Pregava a religião
Era discípulo de Cristo,
Tinha toda direção
Porém por 30 dinheiros
Dispensou a salvação.
Havendo muito dinheiro
Casa-se irmã com irmão,
O bispo dispensa um quarto
Vai ao papa outo quinhão
O vigário dá-lhe o unto
E porque não casam, então?
((BARROS, 2002, p.104)
O aspecto satírico tão presente nas obras de Leandro encontra-se acentuado
nesse folheto. Nele o poeta satiriza o Inglês, a igreja católica na figura de seus
representantes hierárquicos, critica o poder judiciário, revela as fraquezas humanas
perante o dinheiro, tudo isso em um tom mordaz, porém jocoso.
O folheto O cavalo que defecava dinheiro é escrito em 77 sextilhas em
redondilhas maiores, com esquema rímico que novamente segue a tradição. O
enredo narra a história de um fazendeiro invejoso e avarento chamado na história de
Duque8, que, por várias vezes, é ludibriado por um compadre matuto.
O poema está estruturado em quatro partes. Na primeira, faz-se a
apresentação dos personagens e narra-se o primeiro “quengo” aplicado pelo matuto,
que, nesse tipo de produção, significa armar alguma situação embaraçosa para
8
Era de costume do povo sertanejo a atribuição de título de nobreza a grandes fazendeiros.
49
constranger o outro. Segundo Farias (2010, p14.), “Não há uma definição formulada
para esse termo, mas em nossa perspectiva o quengo consiste na capacidade do
personagem se safar de situações difíceis a partir de planos inteligentes, frutos de
sua própria cabeça, ou, na linguagem popular, de seu quengo.”
Nesse folheto, o primeiro “quengo” consistia em fazer o duque acreditar que
o cavalo defecava dinheiro para assim atiçar a cobiça do duque e lucrar um bom
dinheiro com a venda do cavalo, que já estava magro e doente
Na cidade de Macaé
Antigamente existia
posso
negoci
Um duqueEu
velho
invejoso
Que nada o satisfazia
Desejava possuir
Todo objeto que via
Quando o duque velho soube
Que ele tinha esse cavalo
Disse pra velha duquesa:
-Amanhã vou visitá-lo
Se o animal for assim
Faço o jeito de comprá-lo!
Esse duque era compadre
De um pobre muito atrasado
Que morava em sua terra
Num rancho todo estragado
Sustentava seus filhinhos
Na vida de alugado.
Saiu o duque vexado
Fazendo que não sabia,
Saiu percorrendo as terras
Como quem não conhecia
Foi visitar a choupana,
Onde o !pobre residia.
Se vendo o compadre pobre
Naquela vida privada
Foi trabalhar nos engenhos
Longe da sua morada
Na volta trouxe um cavalo
Que não servia pra nada
-É muito certo compadre
Ainda não melhorei
Porque andava por fora
Faz três dias que cheguei
Mas breve farei fortuna
Com um cavalo que comprei
(BARROS, 1999, p.1-3)
Vamos inventar um "quengo"
Pra ver se o querem comprar
Esse
primeiro
golpe,
aplicado
pelo
matuto
desencadeia
todo
o
desenvolvimento do folheto, pois o compadre sabendo que o duque, ao descobrir
sua armação voltará para pedir-lhe explicação adianta-se a planejar o próximo
golpe, que é narrado na segunda parte do enredo. O matuto, desta vez, com a ajuda
!
da esposa, vende uma rabeca velha ao duque, fazendo-o acreditar que a rabeca
tem poderes mágicos de ressuscitar mortos.
Aí o velho zangou-se
Começou logo a falar:
-Como é que meu compadre
Se atreve a me enganar?
Eu quero ver amanhã
O que ele vai me contar.
50
O pobre entusiasmado
Disse-lhe: _Já conheceu
Quando esta rabeca estava
Na mão de quem me vendeu,
Tinha feito muitas curas
De gente que já morreu!
Disse-lhe o compadre pobre:
_O senhor faz muito bem,
Quer me comprar a rabeca
Não venderei a ninguém
Custa seis contos de réis,
Por menos nem um vintém.
(BARROS, 1999, p.08-10)
Mas ela me está tão cara
Que não me convém dizer.
O velho que tinha vindo
Somente propor questão,
Por que o cavalo velho
Nunca botou um tostão
Ao voltar para casa, o duque decide dar uma lição em sua esposa e, para
isso, aplica-lhe golpes de faca, pensando que conseguirá ressuscitá-la com a dita
rabeca mágica. Ele pensa que, com isso, fará com que a mulher considerada por ele
muito “estouvada”, se tornasse subserviente, porém o plano não dá certo, tendo em
vista que a rabeca é mais uma das armações do matuto. O duque acaba
assassinando a própria esposa e se arrependendo muito por isso.
O velho que confiava
Na rabeca que comprou
Disse a ela: -Cale a boca!
O mundo agora virou
Dou-lhe quatro punhaladas,
Já você sabe quem sou.
Ele findou as palavras
A velha ficou teimando,
Disse ele: -Velha dos diabos
Você ainda está falando?
Deu-lhe quatro punhaladas
Ela caiu arquejando...
O velho muito ligeiro
Foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
-Acorde, minha velhinha!
Porém a pobre da velha,
Nunca mais comeu farinha.
(BARROS, 1999, p.11)
Essa artimanha deixa o duque furioso, ao ponto de querer vingar-se a todo
custo. Então, contrata capangas para matarem o matuto, porém o matuto, sempre
esperto, aproveita a distração dos capangas e consegue ludibriar um boiadeiro que
passava por eles no momento em que ele ia ser empurrado de um penhasco. O
boiadeiro também cai na conversa do esperto e, pensando que irá se casar com
uma milionária, aceita trocar de lugar com o matuto e acaba por ser assassinado em
seu lugar.
51
Mandou chamar dois capangas:
-Me façam um surrão bem feito
Façam isto com cuidado
Quero ele um pouco estreito
Com uma argola bem forte,
Pra levar este sujeito!
Quando acabar de fazer
Mande este bandido entrar,
Para dentro do surrão
E acabem de costurar
O levem para o rochedo,
Para sacudi-lo no mar.
Está muito bem, companheiro
Vamos tomar a bicada!
(Assim falou o capanga
Dizendo pro camarada)
Seguiram ambos pra venda
Ficando além da estrada...
Todos os meus possuídos
Vão aqui nessa boiada...
Fica o senhor como dono,
Pode seguir a jornada!
O pobre quando se viu
Livre daquela enrascada,
Montou-se num bom cavalo
E tomou conta da boiada,
Saiu por ali dizendo:
-A mim não falta mais nada.
Os capangas nada viram
Porque fizeram ligeiro,
Pegaram o dito surrão
Com o pobre do boiadeiro
Voaram de serra abaixo
Não ficou um osso inteiro.
(BARROS, 1999, p.12-14)
O boiadeiro lhe disse:
-Eu dou-lhe de mão beijada,
Passado algum tempo, o matuto esperto volta à fazenda do duque com o
dinheiro que conseguiu com a venda da boiada. O duque fica admirado com riqueza
daquele que ele pensava ter dado um fim. Novamente o duque cai na conversa do
matuto e, pensando ir encontrar muito dinheiro, é jogado do penhasco ao mar,
encerrando assim o enredo do folheto.
Fazia dois ou três meses
Que o pobre negociava
A boiada que lhe deram
Cada vez mais aumentava
Foi ele um dia passar,
Onde o compadre morava...
O velho ia pensando
De encontrar muito dinheiro,
Porém sucedeu com ele
Do jeito do boiadeiro,
Que quando chegou embaixo
Não tinha um só osso inteiro.
(BARROS, 1999, p.15-16)
O compadre matuto representa o claro exemplo do anti-herói das histórias de
folhetos. Personagem da mesma descendência de Pedro Malasartes, João Grilo,
52
Cancão de Fogo, entre outros. Um sujeito pobre e feio que consegue sobreviver
somente pela sua astúcia e destreza ao aplicar o que, na literatura de folhetos,
conhecemos como “quengos”.
O enredo do folheto desliza no imaginário popular com a criação de
personagens enraizados na cultura do povo do sertão. A sátira nesse caso se dá
através da inversão de papeis, e novamente podemos retomar aspectos da sátira
menipeia. Conforme Bakhtin (1981, p.101), “A menipeia é plena de contrastes
agudos e jogos de oximoros: a hetera virtuosa, a autêntica liberdade do sábio e sua
posição de escravo, o imperador convertido em escravo, à decadência moral e a
purificação, o luxo e a miséria, o bandido nobre”.
Temos, nessa história, um personagem oprimido que vence pela astúcia,
mesmo que, para isso, valha-se de meios questionáveis, como é o fato de matar o
boiadeiro e fazer acreditar que os fins justificam os meios. Outro personagem que
enfatiza esse destronamento é o duque, que sai de sua posição de superioridade e
passa para a posição de inferioridade diante da esperteza do compadre.
O fato de fazer o “duque” acreditar que o compadre tinha um cavalo que
defecava dinheiro demonstra o tamanho da ambição do personagem chegando a
torná-lo ingênuo. Esse é mais um aspecto de aproximação entre a obra satírica de
Leandro e a Menipeia, para Bakhtin (1981, p.99), “a ousadia da invenção e do
fantástico combina-se na menipeia com um excepcional universalismo filosófico e
uma extrema capacidade de ver o mundo.”
Essa invenção, que recobre a moral de que a ambição é algo maléfico, para
a sociedade, aparece de forma grotesca9 no folheto. Para Frye (1957, p.220), “A
sátira requer pelo menos uma fantasia mínima, um conteúdo que o leitor reconhece
como grotesco e, pelo menos, um padrão moral implícito, sendo o último essencial,
numa atitude combativa. Vejam-se as estrofes 5 e 6:
Foi na venda de lá trouxe
Três moedas de cruzado
Sem dizer nada a ninguém
Pra não ser censurado.
No fiofó do cavalo
Foi o dinheiro guardado.
9
No geral, o termo grotesco assume, atualmente, o sentido de bizarro, extravagante, caprichoso, mau
gosto, irregular e mesmo ridículo.
53
Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: Sou rico
Inda mais que um fazendeiro
Por que possuo um cavalo
Que só defeca dinheiro.
(BARROS, 1999, p.2-3)
Outro fator importante para o desenvolvimento do aspecto satírico é o
trabalho com a linguagem. A escolha de alguns termos chulos é determinante para
causar o efeito humorístico, como podemos perceber com a utilização do termo
“fiofó” nessas estrofes.
O trágico final vivido pelo duque avarento tende a não gerar piedade e sim o
sentimento de vingança. Veja-se a forma como o autor desenvolve essa parte do
enredo:
O velho ia pensando
De encontrar muito dinheiro
Porém sucedeu com ele
Do jeito do boiadeiro
Que quando chegou embaixo
Não tinha um só osso inteiro
(BARROS, 1999, p.16)
A expressão da oralidade, em conjunto com as situações embaraçosas,
satiriza o personagem prepotente em suas tentativas sempre frustradas de se sair
bem. Daí podemos entender que a criação desses personagens cheios de oxímoros,
o compadre muito pobre e duque muito ambicioso, que perpassam todo o desenrolar
do enredo e se completa com o final trágico para o duque avarento e a vitória para o
compadre pobre.
A sátira elaborada por Leandro Gomes de Barros, nesses dois folhetos,
mostra-se através de histórias em que personagens representam imagens ou tipos
sociais e refletem a vontade presente no ideário popular e, desta forma, consegue
agradar o público leitor que se satisfaz com a revelação das fraquezas humanas
diante da ambição pelo poder e pelo dinheiro.
54
2.4 As proezas de um namorado mofino: presença da mulher
Percorrendo os folhetos do poeta paraibano Leandro Gomes de Barros,
percebemos que há, em alguns, uma espécie de desconforto em relação à postura
da mulher e os “novos tempos”. O poeta tende a explorar as mudanças sociais a
partir da mudança de comportamento da mulher. Dentre os folhetos que versam
sobre essas questões, podemos citar: O peso de uma mulher, A mulher hoje em dia,
A mulher e o imposto, A mulher em tempos de crise, entre outros.
Esse desconforto em relação às atitudes femininas pode ser entendido como
uma possível leitura do papel que a mulher assumia na sociedade da época em que
os folhetos foram escritos. Se levarmos em consideração que, entre os séculos XVIII
e XIX, as mulheres não tinham espaço no mercado de trabalho e suas obrigações se
restringiam ao trabalho doméstico e à educação dos filhos, podemos depreender
que era “natural” a mulher depender financeiramente do marido, o qual tinha
obrigação de trabalhar para o sustento de todos da família. Talvez essa tenha sido a
realidade que influenciou o autor a escrever obras que retratem a mulher como
sendo megera, gastadeira, além disso, em alguns folhetos, encontraremos a mulher
como sendo um ser frágil e romântico.
No folheto As proezas de um namorado mofino, o leitor se depara com uma
personagem que assume muitas das características predominantes nos folhetos que
abordam as atitudes comportamentais da mulher. Neste enredo, Marocas
(protagonista) é uma mulher autoritária que tiraniza literalmente o namorado Zé
Pitada. Segundo Frye (1957, p.224-225), há
[...] o predomínio, na sátira ficcional, do que podemos chamar o tipo Onfale,
o homem intimidado ou dominado por mulheres, que tem sido preeminente
na sátira através de toda a sua história, e abrange uma vasta área do humor
contemporâneo, tanto popular como refinado.
Assim como Onfale10, percebemos, nesse folheto, que a personagem
central, Marocas, demonstra uma enorme capacidade de dominação, utilizando-se
dos seus atributos femininos no início da trama, quando se faz parecer frágil e gentil,
10
Na mitologia Grega, Onfale foi rainha da Lídia e ficou famosa por seu tino comercial e poder de
sedução, tendo, inclusive, tido Hércules como seu escravo.
55
ao mesmo tempo em que articula um plano para desmascarar a valentia do
namorado.
O folheto é composto por 26 sextilhas que seguem o esquema métrico
ABCBDB (xaxaxa) e 01 quintilha. Narra a história de Zé Pitada e Marocas, um casal
apaixonado, porém proibido pelo pai da moça de se relacionar. O pai de Marocas,
satiricamente, tem o nome de João Mole, mesmo representando na história o
valente (vale salientar que na literatura de folhetos os nomes dos personagens
geralmente sugerem ou desviam o caráter do personagem).
O casal resolve fugir e a moça, desconfiada da valentia do namorado,
resolve pregar-lhe um “quengo”. Conforme já mencionamos, nesse tipo de produção,
significa armar alguma situação embaraçosa para constranger o outro. Neste
folheto, Marocas arma uma cilada com o intuito de desmascarar a valentia do
namorado. A armação da personagem faz com que Zé Pitada, ao acreditar ter sido
descoberto pelo pai da moça, mostre-se um verdadeiro covarde ao ponto de “sujar”
as próprias calças,conforme se percebe na seguinte estrofe:
Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E de uma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia
(BARROS, 2002, p.235)
Frequentemente, na Literatura de Folhetos, a figura do “esperto” que prega
esses quengos é masculina, como é o caso dos personagens João Grilo, Cancão de
Fogo, entre outros. Na leitura do folheto analisado, podemos constatar que há um
rompimento ou quebra de expectativa, que se dá a partir da leitura do título iniciado
pelo substantivo “proezas”, que poderia ser entendido como espertezas (como é o
caso do folheto As proezas de João Grilo). No desenrolar do enredo, percebe-se que
a figura feminina, apresentada no início da narrativa como sendo de uma donzela
frágil e romântica, mostrar-se á uma mulher astuciosa e autoritária, a qual realizará a
verdadeira proeza da história, enquanto que Zé Pitada, que se mostra valente,
revelar-se-á um verdadeiro covarde. Veja-se a seguinte estrofe em que, em
conversa com Marocas, ele se diz um valentão:
56
Diga que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por min será apagado,
Eu juro contra minha alma
Que seu pai corre assombrado.
(BARROS, 2002, p.234)
Conforme Jauss (1967, p. 31), “a maneira pela qual uma obra literária, no
momento histórico de sua aparição, atende, decepciona ou contraria as expectativas
de seu público inicial oferece-nos claramente um critério para determinação de seu
valor estético”. Nesse folheto, podemos perceber claramente que o enredo contraria
a expectativa dos leitores, uma vez que, ao aplicar o “quengo”, há um
desmascaramento tanto do caráter do namorado que, no início, era tido como
valente e, no desenvolver da história mostra-se um covarde, quanto da namorada,
que no início mostra-se frágil e romântica, seguindo até mesmo a imagem de
donzela que se tinha no momento histórico da produção do folheto (entre os anos
1865 e 1918, anos de nascimento e morte de Leandro, pois não se tem ao certo a
data em que foi escrito o folheto) e, no decorrer da história, mostra-se astuciosa e
autoritária. Veja - se esta estrofe em que Marocas ao perceber que o namorado
havia sujado o seu jardim com sua “covardia”, obriga-o a limpá-lo:
E deu-lhe ali uma lata,
Dizendo: está aí o poço,
Você o lava o quintal
Ou come um cachorro insosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso
(BARROS, 2002, p.235)
Já no início desta análise, comentamos que a maneira como Leandro Gomes
de Barros trata a mulher, em alguns de seus folhetos (também já citados), é bem
peculiar, ressaltamos, porém, que, muitas vezes, o que se pode depreender dessa
leitura é que há, nesse modo próprio de versar sobre a mulher, uma demonstração
dos de padrões sociais vigentes em muitos lugares e épocas da história, sendo
recorrente na sátira. Para Frye (1957, p.221),
Todo humor exige que se concorde em que certas coisas, como o desenho
de uma mulher surrando o marido numa historieta cômica são
convencionalmente divertidas. Introduzir uma historieta cômica na qual o
57
marido sova a mulher enfadaria o leitor, porque isso significaria a
aprendizagem de uma nova convenção.
Percebemos que é o homem que está o tempo todo se queixando e
chamando a atenção para o temperamento difícil da mulher. Essa característica é
marcante nesse folheto, uma vez que, ao Zé Pitada se dizer um valente e se mostrar
um covarde, revela perfeitamente a fraqueza humana sendo satirizada pelo autor.
Tão forte é esse traço que, ao final, esse personagem diz nunca mais querer se
envolver com mulher alguma. Veja:
Disse o Zé quando saiu:
Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
Desgraçada, vá embora.
(BARROS, 2002, p.236)
No plano satírico, perpetrado contra a imagem de valentia do homem, neste
folheto, funciona como um destronamento, uma vez que retira o homem de sua
posição de valente e o coloca como covarde, somando, assim, o papel imaginário
(presente no ideário coletivo) com o papel real vivido pelo homem no cotidiano.
No capítulo que se segue, apresentaremos os relatos reflexivos da
experiência de leitura dos folhetos, ora analisados, em sala de aula.
58
Relato Reflexivo
[...] a aula de Literatura é,
antes de qualquer coisa, uma
aula de compartilhamento da
leitura, na qual professor e
alunos descobrem juntos as
várias camadas de sentido do
texto. (Rildo Cosson)
59
3 Relato Reflexivo
3.1 Caminhos metodológicos
Antes de seguirmos para o relato da experiência, achamos por bem
mostrarmos os percursos metodológicos pelos quais tentamos trilhar nosso caminho.
Adotamos, para isso, um trabalho descritivo-interpretativo - de análise qualitativa dos
dados, uma vez que nosso procedimento metodológico considerou o exame de
aspectos subjetivos da recepção do texto literário efetuado pelos alunos.
A partir de algumas ideias apontadas pela Estética da Recepção, que
desenvolveu seus estudos dando destaque à figura do leitor e às relações
estabelecidas entre este e o texto, muitas pesquisas voltadas para o ensino de
literatura passaram a centrar-se na recepção que o aluno leitor tem das obras.
Embasamo-nos, para isso, no método recepcional, por acreditarmos que ele nos
auxiliaria no alcance dos nossos objetivos de formar leitores de literatura. Segundo
Bordini e Aguiar (1988, p.31), “A obra é tanto mais valiosa quanto mais
emancipatória, ou seja, quanto mais propõe ao leitor desafios que as expectativas
deste não previam”.
Nesse
sentido,
procuramos
desenvolver
atividades
de
leitura
que
possibilitassem observar o modo de recepção e os efeitos causados pelo texto no
leitor, além de propiciar o contato efetivo com a leitura de cordel na sala de aula.
A relevância desta intervenção se deu a partir da necessidade de apontar
sugestões metodológicas para o trabalho com a Literatura de Cordel em sala de
aula. Sugerimos que a leitura literária fosse privilegiada, além disso, pretendíamos
contribuir para a disseminação da leitura de cordel na escola.
Bell (2008, p.101) afirma que “os métodos são selecionados por fornecerem
dados que você precisa para produzir uma peça de pesquisa completa”. Portanto,
nessa tentativa de verificar com mais precisão o trabalho com a literatura em sala de
aula, é preciso dominar algumas técnicas que possam fornecer dados seguros e
pertinentes.
A priori, observamos a prática do professor de literatura e, posteriormente,
aplicamos um questionário sociocultural para verificar a qualificação profissional e as
60
experiências docentes. O mesmo procedimento foi feito como os alunos
colaboradores, a fim verificar suas experiências de leitura. Os questionários
constaram de questões abertas e de múltipla escolha, que serviram de instrumentos
para traçarmos o perfil da professora e dos alunos colaboradores, os quais já foram
analisados em tópico anterior. Além disso, utilizamos, durante todo o percurso, um
diário de pesquisa, em que eram registradas em forma de relato as experiências
obtidas durante os encontros com os nossos colaboradores.
Utilizamos a pesquisa-ação por considerar que ela nos orientou no decorrer
da nossa experiência, fornecendo dados sobre como criar e formular estratégias que
possam ajudar a desenvolver competências e habilidades de leitura. “A pesquisaação é eminentemente pedagógica e política. Ela pertence por excelência à
categoria da formação, quer dizer, a um processo de criação de formas simbólicas
interiorizadas, estimulado pelo sentido do desenvolvimento do potencial humano”
(BARBIER, 2002, p. 19).
Portanto, nossa experiência pautou-se em dois tipos de procedimentos: a
apreciação crítica e pesquisa-ação. Apreciação crítica no que se refere à leitura e à
análise de folhetos de Leandro Gomes de Barros e pesquisa-ação no decorrer da
nossa experiência com a leitura de folhetos na sala de aula.
Concluída a fase de observação e verificação, partimos para a leitura dos
cordéis, delimitados como corpus literário do nosso trabalho: O dinheiro, As proezas
de um namorado mofino, O cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de
Barros. O objetivo maior era estudar a recepção desses textos, bem como formar o
repertório de leitura de cordéis do autor, de maneira que o aluno pudesse
posicionar-se observando como se constrói a sátira nesses cordéis. Os cordéis que
serviram de objeto de estudo foram entregues aos alunos conforme elaboração e
organização das atividades da sequência didática.
De forma geral, o encaminhamento das aulas seguiu uma sequência básica
para o letramento literário proposto por Rildo Cosson (2009): motivação; introdução;
leitura; e interpretação, ou, respectivamente, construção de situações de
envolvimento dos alunos na prática literária; contextualização do texto a ser
analisado; realização de uma leitura interativa; e reflexão sobre o texto através do
contato do aluno com o texto e da socialização das experiências de leitura literária.
61
Sabemos que a leitura de um texto é um processo complexo, que engloba
algumas fases como compreensão e levantamento de diferentes hipóteses de
significação. Nessa perspectiva, trabalhar com o texto literário na sala de aula exige
do professor um planejamento e organização das atividades de leitura. Pensar
estratégias de leitura de cordel na sala de aula presume, antes de tudo, certa
empatia por parte do pesquisador Marinho e Pinheiro (2012, p.126) afirmam que
“qualquer sugestão metodológica no campo do trabalho com a literatura de cordel
pressupõe esse envolvimento afetivo com a cultura popular”.
Atividade essencial para um trabalho proveitoso com o cordel na sala de aula
é a leitura oral. Neste sentido, procuramos desenvolver algumas atividades que
propiciassem o contato direto do aluno com o texto literário, para que ele pudesse
atribuir sentido à leitura e às discussões em sala de aula. Propusemos, também, que
os alunos partissem da leitura de cordel para outras formas de expressão, como, por
exemplo, rodas de discussões, ilustração, atividades que deixassem os jovens à
vontade para desenvolverem a criticidade e a oralidade.
Buscando propiciar o contato direto dos alunos com a cultura popular,
também proporcionamos o encontro dos mesmos com poetas locais, para troca de
experiências e valorização dessa cultura, uma vez que a cidade campo da
experiência foi, durante muitos anos, conhecida como o berço da poesia popular do
Nordeste brasileiro.
Como etapa final do nosso experimento, propusemos a realização de uma
feira literária de cordel, onde foram expostas para a comunidade escolar as
atividades realizadas no decorrer da experiência, como: exposição dos cordéis
trabalhados e as produções dos alunos, além da participação de repentistas
cantadores de viola, ocorrida durante a Feira de Ciência e Tecnologia, organizada
pela escola sede do experimento.
Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizados questionários,
conforme já mencionamos, além de um diário de pesquisa. Os encontros foram
gravados em áudio/e ou vídeo, para que pudéssemos fazer a transcrição de alguns
depoimentos que compõem o corpus de análise de dados dessa dissertação.
Os
alunos
colaboradores
que
participaram
dessa
experiência,
tanto
respondendo ao questionário (total de doze) quanto participando dos encontros de
62
leitura, foram identificados por meio de um número (aluno 1 a 12), de acordo com a
participação destes na experiência.
3.2 Entrando em campo
Relatar a experiência nos faz retomar as primeiras etapas do trabalho,
quando nos perguntávamos sobre como iniciar a experiência e o que realmente
desejávamos pesquisar.
Tínhamos a certeza de que o trabalho com textos literários em sala de aula
deveria ser prazeroso e instigante para que, a partir daqueles encontros, os alunos
pudessem eles mesmos, buscar a literatura nas suas mais diversas realizações.
A perspectiva que adotamos para a realização deste trabalho está em
conformidade com que sugerem os PCNs (2002, p.145), quando mencionam que a
literatura deve “recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de
construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura”.
Acreditamos que o estudo da literatura deve partir da leitura do texto literário, por
isso decidimos seguir, durante os nossos encontros, um percurso que assim o
fizesse.
Pautados na nossa experiência como professora da educação básica,
consideramos que a melhor hipótese seria desenvolvermos nossa proposta com
alunos da terceira série do ensino médio, primeiro por acreditarmos que o aspecto
satírico, explorado em nossa pesquisa, exigiria um pouco mais de maturidade dos
leitores, mesmo sabendo que essa maturidade nem sempre se concretiza pela faixa
etária ou pelos anos de estudo. Outro fator que também influenciou nossa decisão
foi o fato de acreditarmos que os textos da literatura popular dialogassem bem como
o conteúdo curricular que é proposto para esse segmento, tendo em vista que essa
etapa de ensino engloba os estudos da chamada Literatura Regional, e o estudo de
personagens se destaca pelo aparecimento do Jeca Tatu, personagem de Urupês,
de Monteiro Lobato, que marca esse período da Literatura Brasileira, a qual passa a
direcionar, também, seu olhar para a Literatura produzida no nordeste do Brasil. Os
folhetos objetos da pesquisa apresentam personagens que se aproximam das
características desse Jeca Tatu, como, por exemplo, o compadre matuto do folheto
63
O cavalo que defecava dinheiro. Com essa escolha, buscávamos, também, não
interferir muito no andamento das aulas de Literatura que eles vinham recebendo.
Tínhamos em mente trabalhar em nossa cidade pela histórica ligação com a
literatura popular11. A escola, estabelecimento da rede pública onde foi realizada a
experiência, localiza-se na Rua Cônego Serrão, na cidade de Teixeira PB. A referida
escola funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno, atendendo a uma
clientela escolar composta por 822 alunos, sendo os turnos distribuídos em ensinos
fundamental e médio.
Para atender à clientela, a escola conta com um quadro funcional
composto por 13 funcionários administrativos e serviços gerais, 01 diretora, 01 vicediretor, 01 orientador pedagógico 01 secretária e 31 professores.
O corpo docente que leciona na escola, segundo fonte cedida pela
secretária da mesma, é formado por 2 em nível médio e 29 em nível superior.
Quanto à clientela da escola, esta se apresenta diversificada entre alunos
de nível social médio e baixo. Nosso primeiro contato foi com a equipe gestora da
escola, a qual nos atendeu muito bem e cedeu todo espaço e tempo que
desejássemos para realizarmos a pesquisa. Vale salientar que a cidade só tem uma
escola de Ensino Médio, portanto a escolha da escola não nos era um empecilho.
Em nosso primeiro encontro com a professora da turma, decidimos que
nossas conversas poderiam ser na escola mesmo. Esses momentos tinham como
objetivo traçarmos o percurso a ser trilhado e o espaço de tempo que a professora
poderia nos ceder. Nos momentos de conversas informais com a professora,
procurávamos sondar o perfil leitor da turma procurando saber de que forma eles
encaravam a leitura literária.
Tivemos uns poucos encontros, porém a professora deu-nos a entender que
tinha vontade de fazer com que seus alunos gostassem da disciplina, pois a mesma
era adepta de leituras literárias, principalmente de romances românticos.
11
Teixeira, localizada no sertão paraibano, é uma cidade tida por alguns estudiosos e poetas como
berço da poesia popular do nordeste brasileiro, devido ao fato de ter, em suas origens, nomes de
muitos dos mais renomados cantadores repentistas do Nordeste como, por exemplo, Inácio da
Catingueira, Romano de Mãe d‟água, Agostinho Nunes da Costa e seus filhos Ungolino Nunes da
Costa e Nicandro Nunes da Costa, o poeta do absurdo Zé Limeira, Francisco das Chagas Batista,
Pedro Batista, entre outros.
64
Logo nos primeiros encontros, pedimos à professora para responder a um
questionário que nos auxiliaria na coleta de informações a respeito de seu trabalho
com a turma. Ela se propôs a nos auxiliar e, depois de alguns dias, recebemos o
questionário respondido. A partir dele, tentamos montar o perfil da professora
colaboradora, o qual apresentaremos a seguir.
Havia concluído sua licenciatura no ano de 2004 e se tornado especialista em
Língua, Linguística e Literatura em 2007. Atualmente, lecionava em uma escola da
rede Estadual e uma da rede Municipal, mas também já havia passado pela rede
Particular. Nas duas escolas em que trabalha, transita entre o Ensino Fundamental e
o Médio. Não possui nenhum vínculo efetivo, sendo, portanto, contratada pelos dois
poderes. Leciona há oito anos sempre a disciplina Língua Portuguesa.
Sobre o trabalho com a leitura literária em sala de aula, afirmou que costuma
utilizar o que o livro didático oferece. A professora também contou-nos, em
conversas informais, que, durante esse ano, a escola, sede da experiência, vinha
passando por grandes dificuldades, como a falta de direção no começo do ano, a
demora nos contratos dos professores e frequentes mudanças de turmas
distribuídas aos professores. Esses foram alguns dos fatores, apontados pela
professora, que contribuíram para que os alunos perdessem muitas aulas e ficassem
dispersos e desmotivados. Um exemplo claro, comentado pela professora, foi o de
que os alunos não costumavam permanecer na escola para assistirem à última aula,
e isso era um grande entrave no desenvolvimento das aulas de Literatura, visto que,
em um total de quatro aulas de Língua de que eles dispunham, duas eram nos
últimos horários; logo, essas aulas estavam constantemente prejudicadas pela
ausência total ou parcial de alunos.
Outra dificuldade destacada por ela foi o fato de ter havido mudança
curricular que os deixou apenas com quatro aulas de Língua Portuguesa, e duas
delas eram as últimas. Ela acreditava que a turma tinha sido muito prejudicada,
porém nada podia ser feito por ela, uma vez que se tratava de um problema
pertencente à esfera administrativa da escola.
Apesar das dificuldades, a professora afirmou-nos manter um bom
relacionamento com a turma e que, durante as aulas de Literatura, procura abrir
espaço para reflexão e para o debate diante das leituras realizadas. Quando
questionada sobre um tempo reservado para leitura literária, ela afirmou que toda
65
semana, nas aulas da sexta-feira, costumava levá-los à biblioteca da escola para
que ficassem à vontade para lerem. Porém, com a mudança da carga horária das
aulas de Língua Portuguesa, que diminuíram para que houvesse espaço de tempo
para aulas de Filosofia, esse momento de leitura foi prejudicado12. O trabalho com a
leitura continuou apenas com a indicação de livros da biblioteca para serem lidos em
casa, “eles levam os livros para casa, depois devolvem”.
Quanto à seleção de textos que oferecia aos alunos na sala de aula, a
professora voltou a afirmar que costumava seguir as indicações do livro didático.
Afirmou-nos também que considerava excelente o acervo da biblioteca da escola,
porém, pela dificuldade mencionada anteriormente, apenas indicava as leituras aos
alunos. Sobre a utilização de outros materiais didáticos que utilizava, citou-nos uma
lista de livros didáticos que a ajudavam no desenvolvimento de suas aulas.
Também afirmou-nos que costumava trabalhar com textos cujos temas se
aproximassem da realidade do aluno, com os clássicos, e com os indicados para o
vestibular. Citou alguns autores e obras que já havia trabalhado com a turma
durante esse ano. Entre eles, citou Os sertões, Triste Fim de Policarpo Quaresma e
Urupês. Entre os autores trabalhados, foram citados Augusto dos Anjos, Carlos
Drummond de Andrade e Vinicius de Morais. A respeito do seu conhecimento acerca
dos documentos oficias parametrizadores, afirmou que conhecia e que acreditava
que eles faziam com que os alunos se aproximassem e se interessassem por livros.
Quanto ao trabalho com a Literatura Popular, ela afirmou que costumava
relacionar a Literatura com as outras artes através de “explicações comparativas” e
que acredita que os alunos recepcionam melhor o texto quando o mesmo expressa
algo do mundo deles. Afirmou-nos que conhece a Literatura de Cordel, mas não
costuma ler e citou apenas dois folhetos que disse já ter trabalhado em sala de aula,
mas não com essa turma, que foram: Caminhos sob os signos do cordel e Cordel de
Troncoso; disse também que não sentiu dificuldade alguma para trabalhar com esse
tipo de texto, pois os alunos acham muito divertidos. A forma vaga como a
professora relata sua experiência de leitura de folhetos na sala de aula nos faz
12
As escolas públicas e particulares do Ensino Médio tiveram prazo de três anos, a contar de 2009,
para oferecer plenamente as disciplinas de filosofia e sociologia a todos os estudantes. A regra está
na Resolução nº 1/2009, da Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
66
refletir acerca das palavras de Marinho e Pinheiro (2012, p.128), quando mencionam
que
É inegável que o prazer de ler deve ser cultivado, mas ele não pode ser
bestializado. Isto é, em nome do prazer de ler há uma tendência forte de
cultivar a facilitação, de eliminar o esforço pessoal, o trabalho de
compreensão. Desta forma, tudo fica confortável, mas descartável.
Sabemos, contudo, que a postura da professora colaboradora, diante da
leitura do folheto, é o reflexo da precária formação no âmbito do trabalho com textos
da cultura popular e carrega os resquícios ainda tão enraizados em nossas escolas
de tratar a leitura literária como simples entretenimento. Não que isso seja um
problema (e não é), porém, não se pode relegar a literatura, somente, a essa função.
O ideal é que possamos fazer com que leitura literária vá além da simples leitura; na
escola, ela deve nos ajudar a ler melhor, assim como fornecer os instrumentos
necessários para conhecer e articular com segurança o mundo da linguagem.
Através das conversas e das respostas obtidas com o questionário,
podemos perceber que o ensino naquele espaço se desenvolvia de forma precária e
desmotivadora tanto para os professores, que enfrentam
as dificuldades
administrativas e organizacionais, quanto para os alunos. Reconhecemos o esforço
da professora em aproveitar o bom acervo da biblioteca da escola para indicar obras
para a leitura fora do espaço escolar, porém acreditamos que o trabalho com a
leitura depende muito de um mediador mais ativo, que possa compartilhar o
momento de leitura com seus alunos. Se a leitura integral de um romance, por
exemplo, não for possível, dadas as questões de tempo, caberia a discussão de
alguns aspectos importantes no desenvolvimento da obra e, quem sabe, a leitura
socializada de alguns capítulos.
Achamos, nesse momento, que teríamos mais dificuldades do que
imaginávamos, contudo isso nos impulsionava a seguir com a pesquisa.
3.3 Conhecendo os colaboradores
O primeiro contato efetivo que tivemos com os alunos da turma foi no dia
26/09/2011. Antes disso, havíamos observado três aulas da professora, nas quais
67
pudemos perceber o bom relacionamento que ela mantinha com os alunos, além de
observar a veracidade do fato relatado por ela quanto à dificuldade de realização da
última aula. Em um desses encontros, a aula teve início às 11:00h da manhã e seu
término foi às 11:15h .Esse fato isolado não representaria problema algum se fosse
esporadicamente, porém a professora já havia nos relatado que, por eles só terem
quatro aulas de língua
portuguesa semanais, duas delas estavam sendo
constantemente prejudicadas, tornando o tempo, que já era pouco, insuficiente para
o trabalho com a leitura literária. Em outro momento de observação, apenas sete
alunos permaneceram em sala, o restante simplesmente já havia ido embora.
Nesse dia, iríamos mais uma vez observar a aula, mas, ao chegarmos à
escola, fomos informados de que dois professores da turma faltaram ao trabalho,
inclusive a professora de Língua Portuguesa, e, por esse motivo, os alunos seriam
dispensados na terceira aula. Fiquei apreensiva, achando que, naquele dia, não
conseguiria dados para pesquisa, porém, em conversa informal com um dos alunos
da turma, ele afirmou que, se quiséssemos ir conversar com eles, a turma ficaria. De
imediato, foi o que fizemos e, para minha surpresa, a turma se prontificou a
permanecer na escola. Isso desfazia aos poucos a ideia que alguns professores (na
sala dos professores) tentavam passar da turma, de que a mesma era apática ou
desinteressada.
Ao entrar na sala, cumprimentamos e agradecemos por terem permanecido
na escola; então iniciamos nossa conversa perguntando o que eles achavam das
aulas de literatura. As respostas foram um tanto tímidas e não passando mais do
que “boas”, “é bom”. Alguns alunos comentaram que o aluno que havia respondido
“é bom” era um poeta. Pudemos perceber que realmente parecia que aquele aluno
era o que mais tinha contato com a literatura. Continuamos a conversa perguntando
quantos livros eles tinham lido naquele ano, e dois alunos confessaram terem
começado a leitura de um livro, quando a professora os levava a biblioteca, porém
não haviam concluído a leitura. O aluno “poeta” respondeu que havia lido três e,
entre eles, citou A lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo. Perguntamos se
haviam lido poemas nas aulas de Literatura e, como resposta, obtivemos o silêncio e
a negação, gesticulando com a cabeça. Perguntamos então se haviam realizado
outros tipos de leituras literárias, e a resposta foi da mesma forma: tímida e vaga.
Insistimos em saber se se lembravam de alguma crônica, poema ou mesmo
68
romance que houvesse sido lido em sala de aula. Então alguns alunos folhearam os
cadernos tentando encontrar alguma coisa, e um aluno encontrou um poema que
havia sido trabalhado em sala de aula: Quero, de Carlos Drummond de Andrade, e
todos confirmaram que realmente tinham lido esse poema.
Como
já
estávamos
com
os
questionários
prontos,
pedimos
que
colaborassem um pouco mais com a pesquisa respondendo às questões. Eles se
prontificaram a responder e então os entreguei. Fizemos a leitura oral para a turma
e, depois de quinze minutos, todos responderam. Como alguns alunos haviam
faltado, pedimos a um dos que estavam presentes que entregasse a eles e pedisse
que respondessem e depois nos entregassem. Falamos que havia grande
possibilidade de nos encontrarmos novamente na quarta- feira e que, naquela
ocasião, leríamos um texto interessante. Despedimo-nos da turma um pouco
receosos pela timidez e as poucas respostas ante os questionamentos feitos, mas
com esperanças de que o próximo encontro fosse bem melhor.
Através dos dados coletados com o questionário, montamos um breve perfil
dos colaboradores, que descreveremos a seguir:
Era uma turma de 12 alunos, 8 homens e 4 mulheres, com idades entre 16 e
19 anos, a maioria residente na zona urbana (apenas uma aluna morava na zona
rural). Dos 12 alunos, apenas quatro trabalhavam quando não estavam na escola,
onze afirmaram serem solteiros, apenas um afirmou não ser solteiro nem casado
(marcou a opção outro). Nenhum deles havia ficado algum período sem estudar,
porém 3 deles já haviam repetido de série.
Quanto aos hábitos de leitura, 5 alunos responderam que mantinham esse
hábito, 6 responderam que não costumavam ler e 1 aluno não respondeu a essa
pergunta. Quanto ao tipo de leitura que eles realizam, obtivemos os seguintes
dados:
69
Gráfico1-Questionário respondido pelos alunos colaboradores-10ª Questão - Com que
frequência
você
0%
5%
JORNAL
REVISTA
21%
0%
lê:
16%
LIVRO DIDÁTICO
CORDEL
16%
32%
10%
POESIA
ROMANCES
CRÔNICAS
OUTROS
0%
Fonte (LIRA 2012)
Pudemos perceber que a maioria dos alunos afirma realizar com frequência a
leitura do livro didático, o que, talvez seja influência das ações da professora que,
em seu discurso, afirma utilizar-se muito desse suporte. Também percebemos que a
leitura literária ocupa um espaço de desvantagem em comparação com a leitura de
jornais e de revistas, o que nos deixou um pouco apreensiva quanto ao fato de um
dos motivos que nos levaram a escolher tal série tenha sido uma possível
maturidade leitora. Ao mesmo tempo, acreditamos ser positivo o fato de nossos
colaboradores realizarem com frequência algum tipo de leitura.
Ao serem questionados se na escola lhes eram indicados livros para leitura
em casa, obtivemos o seguinte resultado que, de início, nos pareceu positivo:
Gráfico2 - Questionário respondido pelos colaboradores-11ª Questão - Na sua escola são indicados
livros para leitura em casa¿
Colunas1
SIM
NÃO
Fonte (LIRA, 2012)
70
Esse resultado também confirmava o que dissera a professora que
costumava levá-los à biblioteca para que pudessem escolher livros para lerem,
Porém, ao serem questionados se realizavam as leituras indicadas obtivemos os
seguintes resultados:
Gráfico 3 - Questionário respondido pelos colaboradores- 12ª Questão- Você costuma ler livros
indicados pela professora¿
Colunas1
7
SIM
NÃO
5
Fonte (LIRA, 2012)
Pudemos então depreender que a maioria, mesmo sendo indicado pela
professora, não realiza as leituras, o que nos leva a refletir sobre a mediação
problemática feita naquele ambiente escolar, pois acreditamos que só a atitude de
indicar a leitura de obras, sem estabelecer algum tipo de conexão mais efetiva
durante as aulas de literatura, desestimula os alunos a iniciarem ou mesmo
continuarem uma leitura. Sabemos, portanto, que as dificuldades pessoais de leitura
dos professores podem afetar diretamente a formação de alunos leitores.
Vale ressaltar que um dos alunos que afirmaram não realizar as leituras
indicadas nos procurou posteriormente para destacar que teria respondido “não”,
porém isso não significava que não lia, mas que não lia porque era indicado e sim lia
71
o que lhe dava vontade. Entendemos essa resposta como sendo uma forma desse
aluno firmar sua autonomia e identidade. Ressaltamos, ainda, que esse aluno era o
mesmo que os colegas afirmavam ser poeta; a sua procura nos fez acreditar que
estávamos conseguindo nos aproximar harmoniosamente da turma e até mesmo
ganhar confiança.
Ao serem questionados se conheciam algum poeta popular, 5 alunos
responderam que não e 6 responderam que sim. Porém, ao completarem a questão,
citando o poeta popular que conheciam, citaram nomes como Carlos Drummond de
Andrade, Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Pedro Bandeira e João Cabral de
Melo Neto e Chorão (Vocalista e compositor do grupo musical CBJr.). Essas
respostas demonstraram que a turma não consegue fazer distinção entre poetas,
romancistas ou mesmo compositores musicais e também não identificam nenhum
poeta realmente popular. Quanto aos escritores que eles conheciam, dentre uma
lista que lhes foi apresentada no questionário, obtivemos os seguintes resultados:
Gráfico 4 - Questionário respondido pelos colaboradores – 14ª Questão- Dentre os escritores abaixo
identifique o(s) que você conhece.
0%
0%
12%
35%
20%
18%
3%
9%
3%
Carlos Drummond de Andrade
Cecília Meireles
Leandro Gomes de Barros
Pedro Bandeira
Patativa do Assaré
Olavo Bilac
Arlindo Lopes
Jandhui Dantas
José Limeira
Fonte (LIRA, 2012)
Percebemos que é grande ainda o conhecimento acerca dos escritores já
renomados e cuja relevância está cristalizada na sociedade, enquanto que o
conhecimento dos escritores populares se apresenta de modo tímido, mesmo
aqueles escritores nascidos em sua cidade, como é o caso do poeta Zé Limeira, que
apenas quatro alunos afirmaram conhecerem, isso representa menos de 40 % da
turma. Quando interrogados se já haviam lido textos dos escritores que afirmaram
72
conhecer, tivemos respostas que variavam entre os que confirmavam e citavam
títulos de obras e os que afirmavam terem lido, mas que não lembravam títulos das
obras. Apenas 3 alunos afirmaram nunca terem lido nada de nenhum dos escritores,
e 2 alunos não responderam à questão.
Quanto à leitura de cordel, 09 alunos responderam que já haviam lido algum
folheto na vida, e 3 responderam que nunca haviam lido nenhum folheto. Por fim, foi
indagado se costumavam assistir a programas com violeiros ou cantorias e se
conheciam algum poeta popular ou cantador da região. Foram unânimes em
responder que não costumam assistir a programas com violeiros ou cantorias.
Porém, 7 responderam que conheciam algum poeta ou cantador da sua região, e o
restante respondeu que não.
Concluímos a análise dos dados coletados através do questionário
observando que o contato que esses alunos tiveram durante a educação básica
(visto que se encontravam na última etapa) com a literatura foi um tanto superficial e
que a aproximação com a leitura literária é vaga.
3.4 Vivenciando a leitura em sala de aula
3.4.1 O poder em debate: leitura de O dinheiro
O primeiro encontro sugeria a leitura do folheto O dinheiro, partindo do
pressuposto de que trata Colomer (2007), quando afirma que “compartilhar a leitura
significa socializá-la, ou seja, estabelecer um caminho a partir da recepção individual
até a recepção no sentido de uma comunidade cultural que a interpreta e avalia.”
(COLOMER, 2007, p.147). Decidimos então realizar a leitura seguida de debate.
Preparamos o ambiente (a sala de vídeo cedida pela direção da escola),
dispondo as carteiras em círculos para facilitar a interação durante a leitura e o
debate, e pregamos notas de dinheiro de brinquedo para chamar atenção e criar
expectativas quanto à leitura.
Iniciamos a aula comentando que havia, nas carteiras, algo de que todos
gostavam e, de imediato, alguns começaram a rir e confirmar com gestos
afirmativos. Então perguntamos o que fariam se tivessem ou ganhassem muito
73
dinheiro e nesse momento, houve uma boa participação, conforme revelam as
respostas a seguir:
Aluno 1: Investiria para não gastar tudo de uma vez;
Aluno 2: Criaria uma marca de skate com o meu nome;
Aluno 3: Abriria uma escola de música aqui em Teixeira;
Aluno 4: (criticando a escolha do colega): Tu pensa pequeno, querer abrir
uma escola de música aqui.
Houve risos de alguns, e o clima parecia bem descontraído, então indaguei
sobre o que eles achavam do poder que o dinheiro exercia na sociedade, e
obtivemos novamente uma boa participação, veja-se:
Aluno 5: É hoje em dia quem manda é o dinheiro;
Aluno 6: O prefeito de Maturéia só ganhou as eleições porque comprou os
votos;
Aluno 7:Se um rico comete um assassinato está livre;
Aluno 2: Eu soube de uma mulher que roubou uma margarina e passou
mais de um mês presa;
Aluno 1: É! se alguém chega a um hospital e tem dinheiro recebe um
tratamento diferente daquele que não tem.
A turma, como um todo mostrou-se bastante interessada no tema que era
posto em discussão, mesmo os que não participavam fazendo comentários se
mostravam através de gestos e olhares afirmativos ou mesmo através do riso. Ainda
não havíamos realizado a leitura, contudo percebíamos grande envolvimento da
turma como um todo e, assim, acreditamos ter cumprido com êxito o que Rildo
Cossom (2009, p.77) chama de “motivação”, quando afirma que “A motivação
consiste em uma atividade de preparação, de introdução dos alunos no universo a
ser lido”.
Nesse momento, falamos que a nossa proposta de leitura seria com folhetos
e distribuímos entre eles o folheto para que pudessem perceber os aspectos físicos
da obra. A seguir, pedimos que observassem a capa, a xilogravura e comentamos
que aqueles eram aspectos peculiares da Literatura de Cordel, mas que, em outro
momento, aprofundaríamos essa discussão a respeito dessas particularidades dos
folhetos.
Sugerimos, então, que observassem e comentassem o que eles percebiam
através da xilogravura, se, a partir dali, já dava pra se ter uma ideia do que tratava o
74
enredo da obra. Nesse momento, chegaram dois alunos que, até então, não haviam
entrado na sala, pedimos que se acomodassem. Fizemos um breve resumo do que
tinha acontecido até aquele momento, eles se acomodaram e nós voltamos à
discussão:
Aluno 3: Parece com a história do Auto da Compadecida;
Aluno 1: É mesmo, o testamento do cachorro;
Aluno 5: Alguém já assistiu?
Aluno 8: Onde você viu isso?
Aluno 1: Na capa, o subtítulo. Todo mundo já assistiu, né!
Aluno 8: É mesmo.
Iniciamos a leitura seguindo a sugestão de Marinho e Pinheiro (2012, p.84) de
que “a leitura oral dos folhetos, como já afirmamos, é indispensável. Portanto a
primeira atividade deve ser a leitura em voz alta”. A nosso ver, a primeira leitura de
folhetos em sala de aula deve ser feita pelo professor, tendo em vista que ele
conhece bem o texto e poderá realizá-la com maior qualidade. Realizamos então a
leitura. Os alunos acompanhavam com os seus folhetos. Notamos que muitos
alunos riram enquanto líamos a estrofe 14:
A moça tendo dinheiro
Sendo feia como a morte
Caracteriza-se, enfeita-se.
Sempre melhora de sorte
Mais de mil aventureiros
A desejam por consorte
(BARROS, 2002, p.103)
Outra estrofe que também gerou risos durante a leitura por nós realizada foi a
29:
O vigário entregou-lhe
Os dois contículos de réis
O bispo disse é melhor
De que diversos fiéis
E disse prouvera Deus
Que assim lá morresse um dez
(BARROS, 2002, p.104)
Encerramos esse momento e propusemos então que fizessem nova leitura,
dessa vez, individual, tentando destacar as estrofes que mais lhe chamassem a
atenção. Conforme Marinho e Pinheiro (2012, p.84), “repetidas leituras em voz alta é
75
que vai tornando o folheto uma experiência para o leitor”. Logo obtivemos a
participação dos alunos, que fizeram a leitura de algumas estrofes. O Aluno 1 leu a
estrofe 32:
O dinheiro só não pode
Privar do dono morrer,
Parar o vento no ar
E proibir de chover
O resto se torna fácil
Para o dinheiro fazer
(BARROS, 2002, p. 104)
E afirmou: “nem tudo o dinheiro pode, né?
O aluno 9 leu para a turma a estrofe que mais lhe chamou atenção:
O homem tendo dinheiro
Mata até o próprio pai,
A justiça fecha os olhos
A polícia lá não vai,
Passam-se cinco ou seis meses
Vai indo o processo cai.
(BARROS, 2002, p.102)
E comentou: “a pessoa não se importa nem com a família, tendo dinheiro”.
Então relembramos que alguns dos comentários surgidos no início da aula se
efetivavam na leitura do texto. Então indaguei se havia alguma estrofe que eles
achavam mais engraçada, tentamos observar se eles percebiam o aspecto satírico
da obra. Então o aluno leu a estrofe 14, justamente a que havia provocado o riso
discreto enquanto realizávamos a leitura, confirmando nossa percepção. Ao
percebermos que certo silêncio tomava conta da sala, continuamos a sugerir que
alguém destacasse alguma outra estrofe que tenha achado engraçada. Então o
aluno 7 fez a leitura da estrofe 13:
O bacharel por dinheiro
Só macaco por banana
Ou gato por gabiru
Ou um guaxinim por cana
Só sagüi pela resina
Ou bode por jutirana.
(BARROS, 2002, p. 107)
“É bem engraçada a comparação!”
76
O debate seguiu-se ainda por alguns minutos em que obtivemos comentários
que diziam o seguinte: “é engraçado, mas é desse jeito que acontece!”; “É tudo
verdade!”. Acreditamos que esses comentários remetem a uma das peculiaridades
da sátira menipeia apontadas por Bakhtin (1981), quando menciona que ela gera
uma espécie de reflexão sobre os problemas do mundo através de uma ousada
imaginação e, de fato, podemos perceber que a leitura do texto impulsionou a
reflexão acerca dos problemas humanos, fazendo com que os leitores se
posicionassem a favor do que estava escrito. Outra observação interessante é que
os nossos colaboradores realizam a identificação direta do texto com os problemas
sociais da atualidade, mesmo sendo um texto escrito em época distinta da atual, e
essa atualidade temática é uma característica de muitos dos folhetos de Leandro
Gomes de Barros.
Como já estávamos próximos de encerrar o tempo que nos foi concedido,
decidimos encaminhar a atividade de pesquisa planejada durante a elaboração da
sequência didática. Indaguamos se algum deles conhecia o autor da história, e as
respostas foram todas negativas. Então propusemos que eles realizassem uma
pesquisa oral, em que indagariam parentes, vizinhos ou professores sobre o
conhecimento acerca desse autor. Pedi que trouxessem os dados obtidos para o
nosso próximo encontro. Eles aceitaram a nossa proposta e comentaram ainda
terem gostado muito da leitura. Despedi-me da turma com a certeza de ter realizado
um proveitoso e prazeroso encontro com leitura de folhetos. O importante, também,
foi ter quebrado a expectativa negativa que nos tentaram transmitir a respeito da
turma durante as visitas de observação, uma vez que esta participou ativamente da
leitura e do debate proposto.
3.4.2 A imagem do esperto na Literatura de Folhetos: leitura de O cavalo que
defecava dinheiro.
O segundo encontro com a turma aconteceu no dia 07 de outubro de 2011, e
deu-se em um clima muito favorável; parecia até que já éramos conhecidos ou que
realmente fazíamos parte do grupo de professores daqueles alunos; todos nos
77
cumprimentavam ao chegarmos à escola. Estavam interessados em saber se
iríamos nos encontrar na sala de aula naquele dia, e a resposta afirmativa parecia
empolgá- los. O folheto a ser trabalhado tinha apenas uma edição atualizada, então
não consegui folhetos suficientes, por isso resolvemos xerografar uma parte, assim
garantiríamos o acesso ao texto por parte de todos.
Entramos na sala de aula com o intuito de motivá-los para a leitura que
iríamos propor. Para isso, indagamos se havia ali entre eles alguém que eles
consideravam como sendo o esperto da turma, ao que obtivemos as seguintes
respostas:
Aluno 1: indicou falando o nome de um colega;
Aluno 3: É ele sempre quer se dar bem!
Aluno 2: É, mas, Raissa também!
Aluno 3: Pelo visto temos muitos “espertos” aqui.
Comentamos, que na história que leríamos, havia um personagem que iria
tentar se sair bem em todas as situações. Antes de realizarmos a leitura,
perguntamos se haviam feito a pesquisa que havíamos combinado, e alguns se
mostraram apreensivos por terem esquecido. Apenas quatro alunos disseram terem
realizado a pesquisa e nos apresentaram o resultado, que mostrava que as pessoas
com quem eles conversaram nunca haviam ouvido sequer falar nesse autor e, por
isso, não conheciam nenhum de seus textos.
Distribuímos os folhetos explicando o porquê de alguns serem cópias
xerografadas. Pedimos que observassem a xilogravura atentando para as imagens e
tentassem identificar a figura do esperto no enredo.
Figura 1- Capa do folheto O cavalo que defecava dinheiro
78
Conforme combinado no encontro anterior, tecemos alguns comentários a
respeito das particularidades físicas dos folhetos (estrutura em versos, tipo de papel,
presença de xilogravuras, entre outras). Como resposta a nossa indagação sobre o
enredo do folheto, obtivemos os seguintes comentários:
Aluno 4: com certeza é esse gordinho!
Aluno 5: o de chapéu!
Aluno 7: Parece com (aluno3)!
Todos: Riram e confirmavam com gestos!
Aluno 5: Esse gordinho tem o olhar de que sempre quer se aproveitar.
Sugerimos que fizéssemos a leitura, dessa vez, em forma de jogral, para que
pudéssemos compartilhá-la. Segundo Colomer (2007, p. 144), “as atividades de
compartilhar são as que melhor respondem a esse antigo objetivo de „formar o
gosto‟ a que aludimos”.
Eles concordaram, e iniciamos a leitura. Outro fator que nos influenciou a
sugerir essa metodologia foi fato de o texto ser um pouco mais longo que o primeiro,
uma vez que é composto em 77 sextilhas. Acreditamos, também, que, neste caso, a
leitura feita oral, somente pelo professor, tornar-se-ia enfadonha. Iniciamos a leitura
e pudemos notar que todos os alunos possuíam uma boa entonação de voz para a
leitura oral de cordel, pois eles conseguiam demarcar com bastante expressividade
as rimas e, mesmo tendo afirmado, em sua maioria, não terem contato com o cordel,
a participação se deu de forma que superou nossas expectativas.
Durante a leitura, também pudemos notar que algumas estrofes chamaram
mais a atenção dos leitores, e isso se deu talvez pelo aspecto satírico das estrofes,
enfatizado pelo tom humorístico, principalmente pelo uso de determinadas
expressões, a exemplo das estrofes 5 e 6, que provocaram o riso da maioria dos
alunos:
Foi na venda de lá trouxe
Três moedas de cruzado
Sem dizer nada a ninguém
Para não ser censurado.
No fiofó do cavalo
Foi o dinheiro guardado
Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: sou rico
79
Inda mais que um fazendeiro
Por que possuo um cavalo
Que só defeca dinheiro
(BARROS, 1999, p.2)
Encerrada a leitura, não houve necessidade de provocar o debate, visto que
este se deu de maneira espontânea. Veja alguns dos comentários suscitados:
Aluno 8: É o esperto aí foi o pobre;
Aluno 2: Tem que sobreviver;
Aluno 5: É a lei da sobrevivência.
Perguntamos se eles confirmavam a ideia que tiveram ao observarem a
xilogravura, e obtivemos as seguintes respostas:
Aluno 5: Não, pensei que o esperto fosse o gordinho, fazendeiro!
Os outros confirmavam com palavras como “eu também”. Notamos que a
prática comunga com a teoria da estética da recepção, uma vez que, conforme
Jauss (1994), só a partir da receptividade de uma obra realizada por seus leitores, é
que se pode medir o seu valor estético. Esse efeito pode contrariar, afirmar ou
reforçar a experiência do público leitor.
Aluno 6: É, mas, nem sempre o rico é mais esperto.
Percebemos que o destronamento
13
contribui muito no desenvolvimento do
aspecto satírico e, neste folheto, torna-se fator decisivo na construção do enredo.
Este fato é facilmente percebido pelos nossos alunos, que apontam, logo de início, a
surpresa pelo fato de o esperto ser o que, de início, aparentava ignorância.
Pedimos, então, que alguém lesse a estrofe que mais chamou atenção, dentre
outras, obtivemos a leitura da seguinte estrofe, acompanhada de comentário:
Aluno 2: Tive pena da velhinha, coitada!
O velho muito ligeiro
13
“O cerimonial do rito do destronamento se opõe ao rito da coroação; o destronado é despojado de
suas vestes reais, da coroa e de outros símbolos de poder, ridicularizado e surrado”. (BAKHTIN,
1981, p.107)
80
Foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
Acorde, minha velhinha;
Porém a pobre da velha,
Nunca mais comeu farinha.
(BARROS, 1999, p.11)
Acreditamos que o sentimento de piedade foi suscitado nesse aluno, uma vez
que percebeu a maldade como meio de o matuto “esperto” se sair bem das
situações embaraçosas por ele provocadas.
Outro aluno destacou as estrofes 5 e 6, confirmando a nossa observação de
que essas estrofes tinham realmente chamado atenção pelo tom satírico do autor
enfatizado, certamente, pelo trabalho com a linguagem na seleção de termos
considerados de baixo calão. Acreditamos que esse cuidado com a seleção das
palavras contribui para o tom humorístico do folheto, remetendo-nos à primeira
característica da sátira menipeia, “excessiva importância dada ao elemento cômico”
(BAKHTIN, 1981). Ao serem lidas novamente as estrofes pelo aluno, todos voltaram
a rir.
Conforme comentamos durante a análise do folheto percebemos (e nossos
colaboradores destacaram) que a ousadia da invenção, que recobrem a moral de
que a ambição é algo maléfico para a sociedade, aparecem de forma grotesca no
folheto, uma vez que o fato de fazer o “duque” acreditar que o compadre tinha um
cavalo que defecava dinheiro demonstra o tamanho da ambição do personagem,
chegando a torná-ló ingênuo. Esse é mais um aspecto de aproximação entre a obra
satírica de Leandro e a menipeia. Para Bakhtin (1981, p.99), “a ousadia da invenção
e do fantástico combina-se na menipeia com um excepcional universalismo filosófico
e uma extrema capacidade de ver o mundo.”.
Também tínhamos planejado para esse encontro fazermos uma visita a duas
bibliotecas: a da escola e a municipal. Nossa intenção, previamente já comprovada
em visita anterior a esses locais, era de que eles observassem a ausência desse
tipo de literatura no município, pois, em nenhum espaço público, era possível
encontrar um folheto sequer. Propus que visitássemos esses espaços, buscando ver
quais folhetos existiam por lá.
A proposta obteve dois tipos de reação: um grupo se prontificou
imediatamente, e outro reclamou por já estarmos na sexta aula (esse fato
81
confirmava o comentário da professora, durante nosso momento de observação, de
que os alunos tinham o costume de não ficar para assistir à última aula; mas
acabamos por convencer a todos e fomos à biblioteca da escola). Lá os alunos
puderam observar, conforme o previsto, que nenhum folheto existia naquele lugar.
Partimos então para a biblioteca municipal que se localiza a poucos metros
da escola; porém, ao chegarmos lá, já estava fechada. Outro aluno sugeriu que
fossemos à biblioteca de uma família particular, que ficava na mesma rua e era
aberta ao público e foi o que fizemos. Porém, lá também constatamos a ausência
total de folhetos. Pedimos ajuda ao funcionário da biblioteca, e o mesmo reafirmou o
que havíamos constatado.
Realizadas as visitas, voltamos para a escola onde propusemos que
discutíssemos as visitas feitas no próximo encontro.
3.4.3 Quem é o esperto? Leitura de As proezas de um namorado mofino
No dia 31 de outubro, realizamos o nosso terceiro encontro e, neste, notamos
os alunos com um interesse maior, parecia que já estavam familiarizados com as
leituras; por isso, antes de entrarmos na sala, alguns já nos questionavam sobre a
história que seria lida, outros afirmavam terem lido os folhetos em casa para
familiares ou mesmo colegas os quais teriam gostado muito das histórias; até
mesmo os alunos das outras turmas nos questionavam se não iríamos levar os
folhetos para suas turmas. Essa procura dos alunos fora da sala de aula nos fazia
acreditar que a experiência estava produzindo frutos positivos e levando os alunos a
expandirem a leitura de folhetos para além do espaço escolar.
Comprovamos que a leitura obteve significado para o aluno quando ele lê e
comenta, resume, recomenda para o outro que não teve acesso a essa leitura.
Dessa forma, bastante incentivados pelo resultado do trabalho, começamos a aula
comentando as visitas que havíamos realizado no encontro anterior e obtivemos os
seguintes comentários:
Aluno 5: o povo daqui não sabe o que é cultura;
Aluno 3: não é que não sabe é que não dá valor;
Aluno 2: Nós também, nunca tínhamos parado para ler cordel;
82
Aluno 3: Eu já;
14
Aluno 9: Também sua tia escreve;
Aluno 5: também essas bibliotecas são pequenas demais;
Aluno 8: E é porque foi aqui que tudo começou né!
Percebemos, no discurso dos alunos, que eles procuravam culpados para a
ausência dos folhetos nas bibliotecas e também acreditavam que a população não
dava valor a esse tipo de produção, mesmo tendo sido essa cidade considerada por
muitos estudiosos e poetas como berço da poesia popular durante muitos anos.
Consideramos relevantes todos os comentários e acreditamos termos
conseguido alcançar o objetivo das visitas que era de fazê-los perceberem a
ausência da literatura de folhetos na comunidade. Após mais algumas discussões,
partimos para a leitura do folheto planejado para a aula. De início, perguntamos se
algum dos alunos tinha relacionamento amoroso, ao que obtivemos duas respostas
positivas.
Colocamos para a turma que a história que leríamos era de um casal de
namorados e, de imediato, ouvimos o comentário “hummmm” por parte de alguns
alunos. Fizemos isso no intuito de promover a motivação para leitura, visto que “A
construção de uma situação em que os alunos devem responder a uma questão ou
posicionar-se diante de um tema é uma das maneiras usuais de construção da
motivação” (COSSON, 2009, p.55).
Continuamos a aula entregando os folhetos para serem observados e
pedimos que eles atentassem para o fato de estarem recebendo cópias por ser um
folheto do qual não se tem publicação. Contudo, tentamos preservar o formato dos
folhetos tradicionais. Pedimos também que observassem o título e tentassem pensar
sobre o que seria aquela história. Um dos alunos logo indagou: “O que é mofino”?
Outro também enfatizou “Eu nunca ouvi esse nome!” Perguntamos se alguém sabia
o significado daquela palavra e não obtivemos respostas. Perguntamos se alguém
tinha alguma sugestão, ao que um aluno respondeu: “deve ser alguém magro, feio
sei lá!”. Sugerimos que iniciássemos a leitura e que, diante dela, eles mesmos
poderiam tirar suas conclusões sobre o sentido daquele adjetivo.
Iniciamos a leitura expressiva e pedimos que eles acompanhassem com os
seus próprios folhetos. Notamos que algumas estrofes arrancavam risos dos nossos
14
O aluno citado é sobrinho da poetisa paraibana Julita Nunes
83
alunos, a exemplo da leitura das estrofes 13 e 14, que narram o momento em que o
namorado cai na armadilha da namorada e se revela um covarde:
Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora¿
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vos eu me recomendo.
Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou: oh! Que dor imensa!
Parece que estou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença
(BARROS, 2002, p.235)
Outras estrofes em que notamos reações de risos foram aquelas em que
Marocas impõe ao namorado que limpe a sujeira:
Então a moça lhe disse:
O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
(BARROS, 2002, p.233)
Ao término da leitura, novamente o debate se deu de forma espontânea:
Aluno1: Essa é das minhas!
Aluno8: Parece que é paraibana!
Aluno5: Esse cabra é mole, viu!
Aluno 8: É ela é que é esperta!
Nesses comentários, pudemos notar a identificação dos leitores com a obra;
além disso, observamos o destaque dado à ideia presente no imaginário popular de
que a mulher da Paraíba é valente, como se observa no comentário do aluno 8.
Perguntamos, diante do enredo revelado, se eles já podiam me dizer o que era
Mofino, ao que o aluno 3 respondeu: “é um covarde”, e então perguntamos: E
quanto ao substantivo proezas¿Obtivemos as respostas:
84
Aluno 2: Lembrei daquele As proezas de João Grilo;
Aluno 6: é só que a namorada é que é esperta;
Aluno 2: é ela deu a volta no namorado.
Confirmamos as indagações dos alunos e tecemos alguns comentários a
respeito do personagem e da semelhança com João Grilo, tentando destacar a
diferença ali existente entre o esperto João Grilo e Marocas. Pedimos, então, que
observassem a capa do folheto15, que, como não havia edição atual, ele estava sem
ilustração. Sugerimos que eles representassem, através de ilustração, algum
aspecto do enredo desse folheto. Alguns não gostaram da ideia, mas muitos se
empolgaram com a atividade. Tentamos deixá-los à vontade para essa realização.
Vejamos alguns dos resultados:
Figura 2 - ilustrações feitas pelos colaboradores 3,6,2,1
15
Pelo fato de não haver edição atual para esse folheto, nós mesmos tivemos que confeccioná-lo e
então, propositalmente, deixamo-lo sem gravuras na capa.
85
Podemos supor que a primeira ilustração,realizada por um de nossos
colaboradores, pode ter sido influenciada pelo conhecimento e ligação que o aluno
realizou entre a obra abordada naquele momento e a obra Urupês, de Monteiro
Lobato, uma vez que a primeira imagem representa o personagem Jeca Tatu. No
questionário respondido pela professora, ela nos afirmou ter trabalhado com a obra
de Lobato em sala de aula. Além disso, o aluno tentou representar justamente a
imagem que existe em seu manual didático, confirmando a ligação direta que ele
realizou entre as obras.
Outra imagem reflete a valentia da personagem no momento em que obriga o
namorado a limpar a sujeira que havia feito. Temos, também, a ilustração que traz o
gato como peça importante no desenrolar do enredo, uma vez que, ao fazer barulho
no momento que
o namordao acredita ter sido descoberto pelo pai da jovem,
acentua mais ainda a revelação da covardia do namorado.Temos ainda a ilustração
que traz o lado romântico da história, remetendo para o fato de o casal ser proíbido
de se relacionar. O mais importante foi notar que os nossos colaboradores não se
prenderam a nenhum aspecto específico do folheto e sim
tentaram representar
momentos diversos do enredo atentando, assim, para os elementos que construíram
a narrativa16.
Ao término da aula, provocamos uma situação de expectativa ao revelarmos
que, no próximo encontro, teríamos uma visita especial.
3.4.4 Expandido a experiência: encontro com violeiros locais
Concluída a fase de leitura dos três folhetos, passamos ao momento que
denominamos de expansão da vivência. Isto é, momento em que os alunos podem
perceber que as leituras feitas dizem respeito não só a uma tarefa escolar, mas ao
modo com veem seu mundo e, desse modo, entram num processo de constante
enriquecimento cultural e social.
16
Outras ilustrações podem ser observadas nos apêndices deste trabalho.
86
Esse dia foi muito especial, primeiro por termos conseguido proporcionar o
encontro dos alunos com dois poetas repentistas do município
17
e, depois, por
termos alcançado uma mudança significativa na atitude dos alunos diante desses
artistas durante o encontro.
Preparamos a biblioteca para ser o local do nosso encontro por ter um espaço
mais privilegiado, além da mobília necessária ao evento, e também para não
atrapalhar as outras aulas da turma. Esperamos os artistas, que logo chegaram, e
os direcionamos ao local preparado para o encontro e fomos convidar a turma.
Notamos que, logo na entrada do local, os alunos se entreolhavam e cochichavam a
respeito dos violeiros.
A priori deu-nos a impressão de que um clima de preconceito tomava conta
do local, uma vez que os alunos demonstravam ares de riso perante a simplicidade
dos nossos convidados. Quando todos já estavam acomodados, os artistas iniciaram
o seu discurso agradecendo o convite e dizendo o quanto se sentiam privilegiados
por estarem ali como convidados, visto que tinham pouca experiência com estudo,
(os dois artistas não concluíram o Ensino Fundamental). Eles expuseram para os
alunos algumas experiências que tinham vivido com o repente, como começaram e
os desafios que já haviam enfrentado.
No momento em que os poetas discursavam, notamos que o preconceito
linguístico tomava conta de todos e alguns, em certo momento, até deixavam
escapar risos quando os artistas pronunciavam alguma palavra fora da norma
padrão da língua.
Felizmente, nossos artistas não notaram ou não deram importância ao fato e,
depois de algumas palavras, começaram a declamar alguns versos e, aos poucos
foram envolvendo os alunos. A certa altura do encontro, os alunos estavam já tão
envolvidos com os versos, principalmente com o improviso que os poetas estavam
fazendo com os nomes deles, que esqueceram o preconceito e aplaudiram de pé os
artistas. Supomos que aquela atitude do grupo sugere que, quando há esta
aproximação do artista popular com a comunidade, pode se dar uma troca de
experiência, uma valorização do trabalho do artista, conforme as OCEMS (2008).
17
Os artistas convidados foram Pedro Ivo Catanduba, poeta e locutor na Rádio Comunitária Teixeira
FM, em que apresenta o Programa “Entardecer de repente”; e João Batista de Oliveira, poeta e
vereador, atualmente participa de vários Festivais de Repente da Região.
87
O encontro continuou com uma rodada de questionamentos feitos pelos
alunos aos convidados. Muitas perguntas foram feitas aos poetas e também alguns
alunos pediram versos de determinados temas, e um aluno improvisou até mesmo
um mote, revelando que já havia assistido a um desafio de repentistas.
Figura 3- alunos participando do encontro com violeiros
Fonte – Lira ( 2012)
Infelizmente, o nosso tempo era curto para o encontro, dispúnhamos apenas
de uma aula o que equivale a quarenta e cinco minutos. Já havíamos superado até
mesmo os quinze minutos de intervalo dos nossos colaboradores e, por isso,
tivemos que interromper o encontro para que os alunos voltassem à sala de aula.
88
Finalizamos esse encontro com a certeza de termos avançado na divulgação desse
tipo de arte.
3.4.5 Diversificando a leitura de folhetos
No dia 07 de novembro, tivemos o nosso último encontro de leitura em sala
de aula. O objetivo desse encontro era o de proporcionar aos nossos colaboradores
o contato com folhetos de diversos autores e que abordassem temáticas variadas,
para que eles pudessem perceber a riqueza de possibilidades que existe nesse tipo
de literatura. Para isso, tentamos organizar um espaço propício para leitura na
própria sala de aula.
Colocamos as carteiras em círculo e, no centro da sala, dispusemos uma
mesa com diversos cordéis de nossa coleção pessoal. Ao entrarem na sala,
percebemos que os alunos se empolgavam com a organização do espaço e alguns,
de imediato, aproximaram-se da mesa ao centro, contudo se continham em apenas
olhar e em seguida procuravam lugar para se acomodar.
Quando todos se acomodaram, iniciamos o encontro enfatizando que,
naquele momento, eles iriam poder escolher a própria leitura a ser realizada. O
interessante desse momento foi que, mesmo sem imposição, a maioria dos alunos
optou por ler folhetos que, assim como os folhetos de Leandro, também
enveredavam pelo viés satírico, como, por exemplo, As proezas de João Grilo, de
João Ferreira de Lima, A chegada de Lampião no Inferno, de José Pacheco, e O
gostosão, de Maria Godelivie. Enquanto os alunos escolhiam o cordel a ser lido,
tentávamos motivá-los falando sobre os cordéis, atiçando a curiosidade que se
mostrava através de perguntas como: Esse aqui fala de quê? Tem alguma história
de amor?
Enquanto realizavam a leitura individual, percebíamos empolgação de alguns
que riam e teciam comentários. O aluno 3, que tinha escolhido As proezas de João
Grilo, por exemplo, comentava: “Esse João Grilo não tem a pareia não, viu!” Após
esse momento de leitura, sugerimos que cada um falasse sobre o cordel que havia
lido. Através dos comentários surgidos, pudemos perceber que, talvez buscando
encontrar o mesmo aspecto das histórias que tínhamos lido, alguns se
surpreenderam ao encontrarem histórias de amor ou mesmo adaptações de contos
infantis. Veja alguns dos comentários:
89
Aluna 6: Eu nunca tinha visto Chapeuzinho vermelho em verso, é bem legal!
Aluno 3: Esse de Lampião é bem divertido! Olha o que ele diz quando fala
onde Lampião deve estar no inferno não ficou; no céu também não chegou;
por certo está no sertão! Ele deve está aqui mesmo!
Aluno 7: Essa é bem triste e romântica!
Percebemos, em comentários como o da aluna 6, que realmente o
conhecimento da Literatura de Cordel por esses alunos era superficial, pois é
grande a quantidade de adaptações dos contos de fada na literatura de folhetos, e
essa aluna afirma não saber da existência desse tipo de produção. Leandro Gomes
de Barros, por exemplo, no século XIX, já produzia adaptações, os folhetos: Branca
de neve e o soldado guerreiro e A bela adormecida no bosque. Outro comentário
interessante foi o do aluno 3, ao tratar do folheto A chegada de Lampião no inferno,
de José Pacheco. A imagem que ele faz do sertão, em seu tom de fala, parece que
ele entende o sertão como um lugar pior que o inferno; essa ligação entre o sertão e
lugar ruim e quente muito se aproxima da imagem de inferno presente no imaginário
popular e propagado pelas religiões que apontam o inferno como o lugar seco e
quente, onde as pessoas más pagarão seus pecados. “Assim será na consumação
do século: sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos, e os lançarão na
fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes”. (Mt 41,42,49,50). O comentário
efetuado pelo aluno 7 é sobre o folheto Uma tragédia de amor ou a Louca dos
caminhos, do poeta Manoel Monteiro .
Após os comentários, apresentamos aos colaboradores a ideia de
compartilhar com a comunidade escolar as atividades de leitura que havíamos
realizado. Tínhamos pensado nesse momento em propor a Feira de Literatura de
Cordel. Foi então que surgiu, por parte deles, a ideia desse evento ser a participação
da turma deles na Feira de Ciências que a escola iria promover para encerramento
das atividades do ano letivo. Eles achavam que os trabalhos que eles haviam
pensado em organizar estavam atrasados e “sem graça” (como diziam alguns) e
prefeririam que pudéssemos ajudá-los com essa tarefa.
Consideramos que a ideia era bastante pertinente e, conforme Marinho e
Pinheiro (2012, p. 132), “A feira pode [...] ser uma atividade específica, mas também
figurar dentro de uma semana cultural, artística etc.”.
Nesse momento, decidimos que assim o faríamos, então passamos direto
para organização da Feira. Dividimos as tarefas de divulgação, confecção de
90
cartazes, exposição dos folhetos lidos, confecção de lembrancinhas, ornamentação
do espaço e, por último, decidimos escolher o título da Feira. Como surgiram três
sugestões (Caminhos do Cordel; Literatura de Cordel e Revivendo o Cordel),
achamos por bem decidirmos com uma votação, que acabou por eleger “Revivendo
o Cordel” como título para o nosso evento. Também ficou decidido que eles levariam
os folhetos que tinham lido naquele dia e trariam alguma atividade (podia ser uma
ilustração, uma pesquisa acerca do autor do folheto, entre outros) para que
pudéssemos expor no dia do evento. O acompanhamento dessa atividade ficou por
conta da professora colaboradora.
3.4.6 Revivendo o Cordel
O último encontro que tivemos com os nossos colaboradores foi muito
especial. Na realidade, não foi apenas um encontro e sim dois, o primeiro ocorreu no
dia 01/12/11, durante a organização do local, momento em que pudemos perceber
grande entrosamento entre os alunos. Também pudemos contar com a ajuda da
professora colaboradora, que muito se empenhou para que tudo funcionasse de
maneira positiva. Nesse espaço, dispusemos cartazes confeccionados pelos alunos
sobre a obra de Leandro Gomes de Barros. Também por ideia dos alunos,
organizamos um mural com alguns trabalhos de cordelistas de nossa cidade, a
exemplo do poeta do absurdo, Zé Limeira, e Dona Julita Nunes. Montamos uma
banca de venda de folhetos de diversos autores, e um aluno, que desenha
especialmente bem, grafitou uma imagem de Leandro, em que expusemos folhetos
do autor. Organizamos o Cantinho dos Violeiros, onde os repentistas que estiveram
conosco durante a experiência puderam realizar uma breve apresentação.
Expusemos, também, as atividades produzidas pelos alunos, entre elas, estavam a
confecção das capas para o folheto As proezas de um namorado mofino; ampliação
de algumas xilogravuras; uma pesquisa sobre a vida de lampião; uma nova versão
em quadrinhos para o folheto Chapeuzinho Vermelho, de Manoel Monteiro, entre
outras atividades.
O outro encontro foi no dia 02/12/11, em que tivemos a oportunidade de
compartilhar com a comunidade escolar a nossa experiência de leitura e as
atividades desenvolvidas pelos alunos. Além disso, contamos com a participação
91
dos violeiros com os quais tivemos contato durante o experimento. Eles realizaram
uma breve apresentação que empolgou a todos que visitavam o evento. Esse
momento foi realmente muito especial, pois a escola estava toda envolvida nas
atividades,visto que o evento foi realizado durante a feira de ciências da própria
escola.
Figura 4 - Alunos participando do evento “Revivendo o Cordel”
Fonte – Lira ( 2012)
Outras imagens do evento e de outros momentos da experiência podem ser
observadas nos apêndices deste trabalho.
92
Considerações Finais
A formação de leitores na escola percorre um caminho que passa por
questões relevantes, tais como: as condições de apresentação dos textos, os
suportes utilizados, a formação literária dos mediadores e os momentos de
recepção. Os textos de origem popular foram, durante muitos anos, mantidos fora do
ambiente escolar, o qual privilegiava os textos canônicos. Quando se designava
algum espaço para a Literatura Popular, esta era transformada em folclore e vista
como algo morto e distante da vivência dos leitores.
Visto que consideramos a Literatura de Cordel uma manifestação de grande
valor cultural e produtiva e que acreditamos que ela deva ser experimentada pelos
leitores,
adotamos,
para
a
realização
desta
pesquisa,
metodologias
que
oportunizassem o encontro dos leitores com a experiência cultural ali representada.
Primeiramente, devemos explicitar que, após refletirmos sobre nossa
experiência de leitura, podemos afirmar que, de fato, ao optarmos por desenvolver a
experiência, tendo como objeto poemas satíricos, eliminamos uma barreira inicial,
que era o contato dos alunos com a Literatura de Cordel de forma agradável,
comprovada pelo envolvimento deles com as leituras e pelos diversos momentos de
descontração e riso.
Procuramos realizar uma reflexão sobre como outras perspectivas de ensino
(diferentes do historicismo a que estavam acostumados) podem contribuir para
enriquecer a experiência do aluno com a literatura em sala de aula.
É necessário destacar a postura da professora da turma, que buscava aliar a
orientação curricular ao incentivo à leitura literária e fazia isso através de visitas à
biblioteca. Quando não eram possíveis essas visitas, ela se dispunha, a indicar
leituras disponíveis no acervo da biblioteca da escola, tentando, com isso, não
distanciar os alunos dos livros ali existentes. Porém, acreditamos que o incentivo à
leituras, por parte do professor de Literatura, deve ser mais comprometido, e,
principalmente, compartilhado em sala de aula; deve ir além da mera indicação de
títulos de obras.
Também se faz necessário refletir acerca da falta que faz o conhecimento ou
esclarecimento dos documentos parametrizadores do ensino de Literatura.
93
Observamos que esse fato deixa a professora sujeita a recursos precários de
orientação metodológica e presa às orientações do livro didático.
Quanto ao nosso questionamento em relação ao modo como se daria a
recepção dos textos satíricos, podemos afirmar que a recepção se deu a partir da
aproximação dos textos com a realidade dos alunos, proporcionada pela atualidade
dos cordéis lidos em sala de aula. Podemos de certa forma, dizer que nossas
hipóteses iniciais foram confirmadas, visto que, durante os debates suscitados, os
alunos, mesmo sem mencionarem termos teóricos, atentaram para o fato de que, de
forma jocosa, a sátira fazia a diferença naqueles folhetos, pois instigava a reflexão
acerca de determinadas situações e da condição humana.
A partir dos elementos analisados e destacados por nossos alunos durante a
leitura do folheto O dinheiro, podemos desfazer a imagem que tínhamos feito da
turma, tida quase sempre pelos professores, como apátic e desinteressada.
Também observamos, com a leitura desse folheto, que os alunos de imediato
estabeleceram relação entre a obra lida e a peça teatral O Auto da Compadecida, do
dramaturgo Ariano Suassuna.
Da leitura do folheto O cavalo que defecava dinheiro, podemos destacar que,
assim como enfatizamos em nossa análise no capítulo II desta dissertação, o
destronamento foi o aspecto que mais chamou atenção dos alunos, comprovado
pelos seguintes comentários: aluno 8: “é, o esperto aí foi o pobre!” e do aluno 6:
“Mas nem sempre o rico é mais esperto!”. Percebemos que esse fator é decisivo
para a compreensão do enredo. Quanto às atividades direcionadas ao trabalho de
pesquisa oral, sentimos que a falta de uma atividade mais concreta possa ter
contribuído para o não compromisso da turma no momento de sua realização.
Acreditamos que, se tivéssemos elaborado a atividade em uma folha a ser entregue,
ao invés de deixar a atividade somente na oralidade, talvez tivéssemos obtido dados
mais concretos.
Quanto à leitura do folheto As proezas de um namorado mofino, percebemos
que a forma como o autor discute o machismo chama atenção dos jovens leitores
pela atualidade temática e pela provocação do sentimento de identificação,
principalmente das leitoras, como podemos notar no comentário da aluna1: “Essa é
das minhas!”, querendo dizer que se identificava pessoalmente com a personagem.
A participação da turma e, em especial, o envolvimento deles durante a
realização da Feira de Literatura de Cordel, a qual eles intitularam de “Revivendo o
94
Cordel”, mostra que existe entre eles uma identificação e aproximação com a
Literatura Popular, por menor que seja.
Além disso, durante o encontro com os poetas repentistas, notamos aparente
mudança no comportamento dos nossos colaboradores, uma vez que, no início do
encontro mostraram-se tímidos e, até mesmo, em alguns momentos, pareceram-nos
preconceituosos; mas, no decorrer do encontro, envolveram-se totalmente,
aparentando admiração pela forma como os artistas improvisavam os versos.
Assim como em toda pesquisa, há momentos em que esperávamos que os
alunos se envolvessem mais e achassem graça; no entanto, contrariando nossas
expectativas, obtivemos comentários valiosos quando menos esperávamos, por
exemplo, na leitura do folheto As proezas de um namorado mofino, em que as
alunas identificaram características próprias das mulheres paraibanas (presentes no
imaginário popular) e a personagem do enredo, fato para que, nem em nossa
própria leitura do folheto, tínhamos atentado.
Quanto à perspectiva de leitura literária norteadora de nossa pesquisa,
constatamos que a sala de aula, enquanto espaço de experiência literária
significativa, precisa dar lugar a textos literários que não constam nos manuais
didáticos, auxiliando no desenvolver da criticidade dos alunos.
De uma maneira geral, a pesquisa mostra que o trabalho com o folheto pode
compor um corpus mais amplo de indicação de obras literárias para leitura na
escola. No entanto, como em qualquer trabalho com o texto literário, exige
planejamento adequado, metodologia que favoreça a participação do jovem leitor e
constância. Neste sentido, a experiência comprova que o trabalho com o folheto
pode contribuir para a formação de leitores de literatura.
95
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em
15/03/2008.
RAVOUX-RALLO, Élisabeth. O texto e nada mais In: Métodos de crítica literária.
Trad. Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
RIBEIRO, Lêda Tamega. Mito e Poesia
FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1983.
Popular.
Rio
de
Janeiro:
SILVA, Maria Valdênia. Motivações para Leitura Literária no Ensino Médio. In:
Literatura e Formação de Leitores. Campina Grande: Bagagem, 2008.
TAVARES, Márcia. Quem não leu ficou de fora? Proposta e Concepções de Leitura
na coleção Literatura em Minha Casa. In: Leia Escola: Revista da Pós-Graduação
em Linguagem e Ensino da UFCG. Vol.8, nº1, 2008/Campina Grande: 2008.
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo:
Ática, 2004.
98
Apêndices
99
Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos
do 3º ano do Ensino Médio
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Pesquisadora: Luzia Rita Nunes de Lira
Público alvo: alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual da
cidade de Teixeira-PB.
Duração: aproximadamente 10 aulas
I.
Entrando em campo
Objetivos:
- Observar aulas de Literatura;
- Apresentar a proposta da pesquisa aos colaboradores;
- Conversar e entregar questionário à professora;
- Aplicar questionário na turma em que será realizada a experiência.
Tempo: aproximadamente 5 aulas
II.
Vivenciando a leitura de folhetos em sala de aula
2.1 Primeiro Encontro
OBJETIVOS: - Ler o folheto O dinheiro de Leandro Gomes de Barros;
- Observar a recepção da leitura;
- Propor uma discussão dos temas abordados no enredo do
folheto;
- Situar o autor a partir da leitura do folheto.
Recursos didáticos: - dinheiro de brinquedo
- fita adesiva
- folhetos
Duração: duas aulas (90 minutos)
Procedimentos metodológicos:
- Colocar nas carteiras notas de dinheiro (de brinquedo) e deixar que os alunos ao
entrarem na sala de aula já criem alguma expectativa a respeito do desenvolvimento
da aula;
100
- Iniciar a conversa perguntando o que eles comprariam se tivessem muito dinheiro;
- Comentar que um personagem da história que eles irão conhecer comprou um
enterro cristão para o seu cachorro que havia falecido;
- Distribuir os folhetos entre eles e deixar que observem por um tempo e em seguida
realizar a leitura expressiva;
- Suscitar a discussão através de questionamentos do tipo: gostaram¿ Por quê¿
quais estrofes chamaram mais atenção¿quais trechos acharam mais divertidos¿
para tentar perceber a recepção à leitura;
- Enfocar, também, a questão da atualidade do folheto;
- Finalizar perguntando se alguém conhece o autor da história, caso a resposta seja
negativa pedir para que eles realizem em casa uma breve pesquisa acerca do autor
e traga para o próximo encontro, lembrar que essa pesquisa pode ser feita
perguntando aos pais, avós, vizinhos, professores, tios, entre outros.
2.2 Segundo Encontro
Objetivos: - Retomar as informações sobre o autor a partir de pesquisa realizada;
- Ler o folheto O cavalo que defecava dinheiro;
- Discutir os aspectos do enredo;
- Visitar a biblioteca municipal com intuito de perceber ausência da
Literatura de folhetos na comunidade.
Duração: duas aulas (90 minutos)
Recursos didáticos: - folhetos
Procedimentos metodológicos:
- Organizar a sala em círculo;
- Iniciar a aula perguntando se alguém fez a pesquisa e deixar que eles exponham o
que acharam e então tecer alguns comentários a respeito de Leandro Gomes de
Barros;
- Distribuir os folhetos e deixar que eles manuseiem a vontade e então sugerir que
façam a leitura em forma de jogral;
- Propor uma roda de discussão a partir de questões como: O que acharam das
atitudes dos personagens¿ Concordam¿ O que mais chamou a atenção¿
101
- Convidá-los a fazer uma breve visita à biblioteca municipal para observarem a
presença da Literatura Popular na mesma;
- Comentar que, no próximo encontro, terão uma visita especial.
2.3 Terceiro Encontro
Objetivos: - Aproximar os alunos de artistas populares locais;
- Realizar uma breve Roda de conversa com o(s) artista (s);
- Apreciar a leitura de algum cordel do (s) poeta (s) que participar (em) da
Roda de conversa.
Duração: uma aula (45 minutos)
Procedimentos metodológicos:
- Apresentar o poeta à turma;
- Pedir para o poeta falar um pouco sobre o cordel e sua presença nessa região;
- Abrir espaço para questionamentos dos alunos;
- Pedir que o poeta apresente e leia alguns dos folhetos de sua autoria.
2.4 Quarto Encontro
Objetivos: - Ler o folheto As proezas de um namorado mofino;
- Suscitar a discussão em torno das questões que envolvem a temática o
presente no enredo do folheto;
- Propor a leitura dramatizada por dois alunos;
- Propor a realização de um evento para divulgação e encerramento
desta etapa da pesquisa.
Duração: duas aulas (90 minutos)
Recursos didáticos: folhetos
Procedimentos metodológicos:
- Iniciar a conversa perguntando se alguém tem um relacionamento amoroso na
turma, com o intuito de criar um horizonte de expectativa a respeito da leitura a ser
realizada, deixar que os comentários fluam e então ir aproveitando para envolvê-los
na leitura;
102
- Distribuir o folheto, deixar que eles percebam os aspectos físicos da obra e então
realizar a leitura expressiva do mesmo;
- Propor uma nova discussão a respeito do enredo e destacar os aspectos
estruturais da obra;
- Questioná-los se eles acham justo a Literatura Popular sofrer esse descaso no
meio escolar e propor a finalização dos encontros com a realização de um evento
em que possamos divulgar o que ocorreu na experiência vivenciada por todos
durante os encontros;
- Propor que dois alunos façam uma leitura dramatizada para uma nova apreciação
da leitura do folheto.
2.5 Quinto Encontro
Objetivos: - Apreciar a leitura de folhetos de autores diversos;
- Propor uma atividade de representação do folheto por outro tipo de
expressão;
- Sugerir a organização de uma Feira de Literatura de Cordel.
Duração: 01 aula (45 minutos).
Recursos didáticos: folhetos
Procedimentos metodológicos:
- Organizar uma mesa com vários folhetos de autores diferentes e deixar que os
alunos escolham à vontade o folheto que desejarem ler;
- Pedir que façam uma primeira leitura do folheto que seria a leitura individual;
- Após a leitura, pedir que se organizem em duplas e escolham, entre os folhetos
que leram, um que possam expor, digam se gostaram, por que gostaram, por que
escolheram aquele;
- Feita essa breve apresentação, sugerir que tentem representar o folheto através de
outra forma de expressão que poderá ser uma apresentação teatral, uma ilustração,
um poema, um texto informativo e propor que esses trabalhos sejam expostos em
uma Feira de Literatura de Cordel;
- Pedir sugestões de Organização para Feira, como o nome a ser dado ao evento, o
que deve ser exposto, como deve ser feito, local a ser realizado o evento;
- Dividir as tarefas para realização do evento.
103
2.6 Sexto Encontro
Objetivo: Realizar evento de divulgação da experiência.
Duração: a definir com a turma.
Recursos didáticos: a definir com a turma.
Procedimentos
metodológicos:
Organização
e
realização
de
evento
de
encerramento, com apresentação de cantadores e declamadores.
REFERÊNCIAS
ABREU, Márcia. História de cordéis e folhetos. Campinas: Mercado de Letras,
1999.
AGUIAR, Vera Teixeira. BORDINI, Maria da Glória. A formação do leitor:
alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988, 176p.
BARROS, Leandro Gomes de. O dinheiro (o testamento do cachorro). In:
MEDEIROS, Irani. No reino da poesia sertaneja; antologia Leandro Gomes de
Barros. João Pessoa: Ideia, 2002.
______. As proezas de um namorado mofino. In: MEDEIROS, Irani. No reino da
poesia sertaneja; antologia Leandro Gomes de Barros. João Pessoa: Ideia, 2002.
______. O cavalo que defecava dinheiro. Fortaleza: Tupynaquim.1999.
COLOMER, Teresa. Andar entre livros. Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global,
2007.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 1.ed. São Paulo: Contexto,
2009.135p.
104
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
A pesquisa intitulada: “Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de
leitura com alunos do 3º ano do Ensino Médio”, desenvolvida por Luzia Rita
Nunes de Lira, aluna regularmente matriculada no Mestrado Linguagem e Ensino
da UFCG, objetiva estudar a recepção de cordéis satíricos de Leandro Gomes de
Barros por alunos do 3ºano de uma escola pública. Para que a pesquisa alcance seu
objetivo, gostaríamos de solicitar a V.S.a esforços no sentido de responder, com o
máximo de seriedade, a este questionário, que visa obter informações sobre o
trabalho desenvolvido com a leitura literária em sala de aula. Ressaltamos que, na
escritura da Dissertação e em todos os documentos anexos a ela, os nomes dos
colaboradores
serão
mantidos
em
sigilo,
evitando
assim,
especulações
desnecessárias.
Pesquisadora: Luzia Rita Nunes de Lira
Orientador: José Helder Pinheiro Alves
Público alvo: alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual da
cidade de Teixeira-PB
I.
Informações Pessoais
1. Nome: ________________________________________________________
105
2. Idade:_________________
3. Sexo: ( )feminino
( ) masculino
4. Turmas em que atua:
5. Trabalha em mais de uma escola?
( ) NÃO
( ) SIM, leciono em outra (s) escola(s).
6. Onde cursou e em que ano concluiu a sua graduação?
7. Cursou/cursa alguma pós-graduação?
SIM ( ). Qual¿ __________________________________________ NÃO ( )
8. Há quantos anos atua como professor de língua portuguesa?
II. A respeito da leitura literária em sala de aula:
1. De que forma você costuma trabalhar com textos literários?
2. Há um tempo reservado para a leitura literária em sala de aula?
( ) Se SIM - Como estes textos são selecionados?
( ) Se NÃO - Como a literatura é apresentada aos alunos?
3. Há biblioteca na escola?
( ) SIM
( ) NÃO
106
4. Se sim, o que você acha do acervo literário dela?
5. Costuma utilizar o acervo da biblioteca em suas aulas?
( ) SIM
( ) NÃO
6. Se sim, de que forma você utiliza?
7. Costuma indicar a leitura de livros da biblioteca da escola para que os alunos
leiam fora do horário das aulas?
8. A escola adota algum Livro Didático?
( ) SIM
( ) NÃO
9. Se sim, qual é o livro e como você costuma utilizá-lo?
10. .Você costuma utilizar outros livros didáticos além deste? Quais?
11. Em uma escala, onde o número 01 representa os textos literários que você
geralmente leva para os seus alunos e 07 representa aqueles que você não
leva com frequência, enumere as seguintes proposições:
 textos cujos temas se aproximem da realidade do aluno
 textos que não apresentam ligações com a realidade do aluno
 textos clássicos
 textos indicados para o concurso vestibular
 textos mais recentes, atuais
 textos que representem os conteúdos estudados durante as aulas
 textos presentes nos livros didáticos/manuais
107
12. Como se dá a recepção dos alunos aos textos literários com os quais você
trabalha?Há interesse?
13. Você conhece os documentos oficiais parametrizadores para o Ensino Médio
no Brasil?
( ) SIM
( ) NÃO
14. Se sim, acredita que trazem alguma contribuição para o trabalho com a
Literatura? Qual?
15. Que obras literárias ( poemas, contos, crônicas, romances) foram
trabalhados/lidos com esta turma de 3ºano?
III.
Sobre o trabalho com a Literatura Popular
1. Você costuma relacionar a literatura a outras artes, como cinema, pintura e
música, durante as aulas? Como?Dê exemplos.
2. Costuma relacionar as suas aulas a aspectos da cultura regional? Acredita
que esta prática favorece a recepção dos alunos aos textos literários?
3. Conhece Literatura de Cordel?
4. Costuma ler? Poderia citar algum folheto?
5. Já levou esse tipo de leitura para sala de aula?Poderia citar algum.
6. Se sim, sentiu alguma dificuldade ao trabalhar com esse tipo de
leitura?Comente um pouco.
108
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
Sátira em Leandro Gomes de Barros: uma experiência de leitura com alunos
do 3º ano do Ensino Médio
Pesquisadora: Luzia Rita Nunes de Lira
Orientador: José Helder Pinheiro Alves
Questionário para levantamento de perfil dos colaboradores da pesquisa
Olá! Ajude-nos a conhecê-lo respondendo a este questionário com o máximo de
seriedade.
Suas
informações
são
de
fundamental
importância
para
o
desenvolvimento da nossa pesquisa.
1. Nome_________________________________________________________
2. Endereço ( ) zona urbana ( ) zona rural
3. Idade
( ) entre 14 e 15 anos
( ) entre 16 e 17 anos
( ) entre 18 e 19 anos
( ) entre 20 e 21 anos
( ) mais de 22 anos
4. Trabalha ¿ ( ) sim
( ) não
5. Estado civil ( ) solteiro(a)
( ) casado(a)
( ) outro
109
6. Sexo ( ) masculino
( ) feminino
7. Ficou algum período sem estudar ¿ ( ) não ( ) sim. Quanto tempo¿ _______
8. Já repetiu o ano (série) ¿
( ) sim. Quantas vezes¿ ________
( ) não
9. Tem o hábito de leitura¿ ( ) sim ( ) não
10. Com que frequência você lê:
Raramente
nunca
Com frequência
De vez em quando
Jornais
( )
( )
( )
( )
Revistas
( )
( )
( )
( )
Livro didático
( )
( )
( )
( )
Cordel
( )
( )
( )
( )
Poesia
( )
( )
( )
( )
Romances
( )
( )
( )
( )
Crônicas
( )
( )
( )
( )
Outros
( )
( )
( )
( )
11. Na sua escola, são indicados livros para leitura em casa¿ ( ) sim
( ) não
12. Você costuma ler livros indicados pela professora¿
( ) não
13. Você conhece algum poeta popular¿
( ) sim
( ) sim. Qual¿ _____
14. Dentre os escritores abaixo, identifique o que você conhece
a. ( ) Carlos Drummond de Andrade
b. ( ) Cecília Meireles
c. ( ) Leandro Gomes de Barros
d. ( ) Pedro Bandeira
( ) não
110
e. ( ) Patativa do Assaré
f. ( ) Olavo Bilac
g. ( ) Alindo Lopes
h. ( ) Jandhui Dantas
i.
( ) José Limeira
15. Dentre os escritores da questão anterior, que você conhece, já leu algum
texto dele(s) ¿ Lembra o título¿.
16. Já leu algum folheto de cordel¿
17. Conhece algum poeta /cantador de sua região¿
( ) sim
( ) não
18. Assiste, com frequência a cantorias, programas com violeiros¿( ) sim ( ) não
Obrigada por sua colaboração!
Luzia Rita
111
Figura 5- Capas do folheto As proeza de um namorado mofino, ilustradas pelos alunos
Fonte – Lira ( 2012)
112
Fonte (LIRA, 2012)
113
Fonte – Lira ( 2012)
114
Fonte- Lira ( 2012)
115
Fonte (LIRA, 2012)
Fonte –Lira ( 2012)
116
Fonte- Lira ( 2012)
Fonte – Lira ( 2012)
117
Fonte- Lira ( 2012)
Fonte – Lira ( 2012)
118
Fonte – Lira (2012)
119
Fonte – Lira (2012)
120
Fonte – Lira (2012)
121
ANEXOS
122
As proezas de um namorado mofino
(Leandro Gomes de Barros)
Semore adotei a doutrina
Ditada pelo rifão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.
Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria…
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.
Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
Porque João-mole, o pai dela
era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.
Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigo de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.
Disse pitada a Marocas,
Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.
Disse Marocas a Zezinho:
Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada, ora esta!
Você pode ver-me as tripas,
Poré não verá carreira.
Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh‟alma
Que seu pai corre assombrado.
Disse Marocas, meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.
Disse ele, eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.
Disse Marocas, pois bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.
Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.
Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!…
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo
123
Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou, oh!, que dor imensa!.
Parece qu‟stou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse, oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: vai-te murrinha!
A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Esta me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
E deu-lhe ali uma lata,
Dizendo: está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensolso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.
Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E d‟uma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.
Disse ele, oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
Por alma de sua mãe,
E pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.
Então a moça lhe disse:
O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!…
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.
E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclama chorando
Por amor de Deus não bata.
Disse a moça: quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.
Vai miserável de porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miudo.
Então lhe disse Marocas,
Desgraçado!… eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
Disse o Zé quando saiu:
Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
Degraçada, vá embora.
124
O Cavalo que Defecava Dinheiro
Leandro Gomes de Barros
Uma coisa eu aprendi
que ninguém faz discordância
Riqueza só é um mal
aumentada a importância
Dinheiro não é ruim
O ruim é a ganância
Na cidade de Macaé
Antigamente existia
Um duque velho invejoso
Que nada o satisfazia
Desejava possuir
Todo objeto que via
Esse duque era compadre
De um pobre muito atrasado
Que morava em sua terra
Num rancho todo estragado
Sustentava seus filhinhos
Na vida de alugado.
Se vendo o compadre pobre
Naquela vida privada
Foi trabalhar nos engenhos
Longe da sua morada
Na volta trouxe um cavalo
Que não servia pra nada
Disse o pobre à mulher:
─ Como havemos de passar?
O cavalo é magro e velho
Não pode mais trabalhar
Vamos inventar um "quengo"
Pra ver se o querem comprar.
Foi na venda e de lá trouxe
Três moedas de cruzado
Sem dizer nada a ninguém
Para não ser censurado
No fiofó do cavalo
Foi o dinheiro guardado
Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: ─ Sou rico!
Inda mais que um fazendeiro,
Porque possuo o cavalo
Que só defeca dinheiro
Quando o duque velho soube
Que ele tinha esse cavalo
Disse pra velha duquesa:
─ Amanhã vou visitá-lo
Se o animal for assim
Faço o jeito de comprá-lo!
Saiu o duque vexado
Fazendo que não sabia,
Saiu percorrendo as terras
Como quem não conhecia
Foi visitar a choupana,
Onde o pobre residia.
Chegou salvando o compadre
Muito desinteressado:
─ Compadre, Como lhe vai?
Onde tanto tem andado?
Há dias que lhe vejo
Parece está melhorado...
─ É muito certo compadre
Ainda não melhorei
Porque andava por fora
Faz três dias que cheguei
Mas breve farei fortuna
Com um cavalo que comprei.
─ Se for assim, meu compadre
Você está muito bem!
É bom guardar o segredo,
Não conte nada a ninguém.
Me conte qual a vantagem
Que este seu cavalo tem?
Disse o pobre: ─ Ele está magro
Só o osso e o couro,
Porém tratando-se dele
Meu cavalo é um tesouro
Basta dizer que defeca
Níquel, prata, cobre e ouro!
Aí chamou o compadre
E saiu muito vexado,
Para o lugar onde tinha
O cavalo defecado
O duque ainda encontrou
Três moedas de cruzado.
Então exclamou o velho:
─ Só pude achar essas três!
Disse o pobre: ─ Ontem à tarde
Ele botou dezesseis!
125
Ele já tem defecado,
Dez mil réis mais de uma vez.
─ Enquanto ele está magro
Me serve de mealheiro.
Eu tenho tratado dele
Com bagaço do terreiro,
Porém depois dele gordo
Não tem quem vença o dinheiro...
Disse o velho: ─ meu compadre
Você não pode tratá-lo,
Se for trabalhar com ele
É com certeza matá-lo
O melhor que você faz
É vender-me este cavalo!
─ Meu compadre, este cavalo
Eu posso negociar,
Só se for por uma soma
Que dê para eu passar
Com toda minha família,
E não precise trabalhar.
O velho disse ao compadre:
─ Assim não é que se faz
Nossa amizade é antiga
Desde os tempo de seus pais
Dou-lhe seis contos de réis
Acha pouco, inda quer mais?
─ Compadre, o cavalo é seu!
Eu nada mais lhe direi,
Ele, por este dinheiro
Que agora me sujeitei
Para mim não foi vendido,
Faça de conta que te dei!
O velho pela ambição
Que era descomunal,
Deu-lhe seis contos de réis
Todo em moeda legal
Depois pegou no cabresto
E foi puxando o animal.
Quando ele chegou em casa
Foi gritando no terreiro:
─ Eu sou o homem mais rico
Que habita o mundo inteiro!
Porque possuo um cavalo
Que só defeca dinheiro!
Pegou o dito cavalo
Botou na estrebaria,
Milho, farelo e alface
Era o que ele comia
O velho duque ia lá,
Dez, doze vezes por dia...
Aí o velho zangou-se
Começou logo a falar:
─ Como é que meu compadre
Se atreve a me enganar?
Eu quero ver amanhã
O que ele vai me contar.
Porém o compadre pobre,
(Bicho do quengo lixado)
Fez depressa outro plano
Inda mais bem arranjado
Esperando o velho duque
Quando viesse zangado...
O pobre foi na farmácia
Comprou uma borrachinha
Depois mandou encher ela
Com sangue de uma galinha
E sempre olhando a estrada
Pré ver se o velho vinha.
Disse o pobre à mulher:
─ Faça o trabalho direito
Pegue esta borrachinha
Amarre em cima do peito
Para o velho não saber,
Como o trabalho foi feito!
Quando o velho aparecer
Na volta daquela estrada,
Você começa a falar
Eu grito: ─ Oh mulher danada!
Quando ele estiver bem perto,
Eu lhe dou uma facada.
Porém eu dou-lhe a facada
Em cima da borrachinha
E você fica lavada
Com o sangue da galinha
Eu grito: ─ Arre danada!
Nunca mais comes farinha!
Quando ele ver você morta
Parte para me prender,
Então eu digo para ele:
─ Eu dou jeito ela viver,
O remédio tenho aqui,
Faço para o senhor ver!
126
─ Eu vou buscar a rabeca
Começo logo a tocar
Você então se remexa
Como quem vai melhorar
Com pouco diz: ─ Estou boa
Já posso me levantar.
Quando findou-se a conversa
Na mesma ocasião
O velho ia chegando
Aí travou-se a questão
O pobre passou-lhe a faca,
Botou a mulher no chão.
O velho gritou a ele
Quando viu a mulher morta:
─ Esteja preso, bandido!
E tomou conta da porta
Disse o pobre: ─ Vou curá-la!
Pra que o senhor se importa?
─ O senhor é um bandido
Infame de cara dura
Todo mundo apreciava
Esta infeliz criatura
Depois dela assassinada,
O senhor diz que tem cura?
Compadre, não admito
O senhor dizer mais nada,
Não é crime se matar
Sendo a mulher malcriada
E mesmo com dez minutos,
Eu dou a mulher curada!
Correu foi ver a rabeca
Começou logo a tocar
De repente o velho viu
A mulher se endireitar
E depois disse: ─ Estou boa,
Já posso me levantar...
O velho ficou suspenso
De ver a mulher curada,
Porém como estava vendo
Ela muito ensangüentada
Correu ela, mas não viu,
Nem o sinal da facada.
O pobre entusiasmado
Disse-lhe: ─ Já conheceu
Quando esta rabeca estava
Na mão de quem me vendeu,
Tinha feito muitas curas
De gente que já morreu!
No lugar onde eu estiver
Não deixo ninguém morrer,
Como eu adquiri ela
Muita gente quer saber
Mas ela me está tão cara
Que não me convém dizer.
O velho que tinha vindo
Somente propor questão,
Por que o cavalo velho
Nunca botou um tostão
Quando viu a tal rabeca
Quase morre de ambição.
─ Compadre, você desculpe
De eu ter tratado assim
Porque agora estou certo
Eu mesmo fui o ruim
Porém a sua rabeca
Só serve bem para mim.
─ Mas como eu sou um homem
De muito grande poder
O senhor é um homem pobre
Ninguém quer o conhecer
Perca o amor da rabeca...
Responda se quer vender?
─ Porque a minha mulher
Também é muito estouvada
Se eu comprar esta rabeca
Dela não suporto nada
Se quiser teimar comigo,
Eu dou-lhe uma facada.
─ Ela se vê quase morta
Já conhece o castigo,
Mas eu com esta rabeca
Salvo ela do perigo
Ela daí por diante,
Não quer mais teimar comigo!
Disse-lhe o compadre pobre:
─ O senhor faz muito bem,
Quer me comprar a rabeca
Não venderei a ninguém
Custa seis contos de réis,
Por menos nem um vintém.
127
O velho muito contente
Tornou então repetir:
─ A rabeca já é minha
Eu preciso a possuir
Ela para mim foi dada,
Você não soube pedir.
Pagou a rabeca e disse:
─ Vou já mostrar a mulher!
A velha zangou-se e disse:
─ Vá mostrar a quem quiser!
Eu não quero ser culpada
Do prejuízo que houver.
─ O senhor é mesmo um velho
Avarento e interesseiro,
Que já fez do seu cavalo
Que defecava dinheiro?
─ Meu velho, dê-se a respeito,
Não seja tão embusteiro.
O velho que confiava
Na rabeca que comprou
Disse a ela: ─ Cale a boca!
O mundo agora virou
Dou-lhe quatro punhaladas,
Já você sabe quem sou.
Ele findou as palavras
A velha ficou teimando,
Disse ele: ─ Velha dos diabos
Você ainda está falando?
Deu-lhe quatro punhaladas
Ela caiu arquejando...
O velho muito ligeiro
Foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
─ Acorde, minha velhinha!
Porém a pobre da velha,
Nunca mais comeu farinha.
O duque estava pensando
Que sua mulher tornava
Ela acabou de morrer
Porém ele duvidava
Depois então conheceu
Que a rabeca não prestava.
Quando ele ficou certo
Que a velha tinha morrido
Botô os joelhos no chão
E deu tão grande gemido
Que o povo daquela casa
Ficou todo comovido.
Ele dizia chorando:
─ Esse crime hei de vingá-lo
Seis contos desta rabeca
Com outros seis do cavalo
Eu lá não mando ninguém,
Porque pretendo matá-lo.
Mandou chamar dois capangas:
─ Me façam um surrão bem feito
Façam isto com cuidado
Quero ele um pouco estreito
Com uma argola bem forte,
Pra levar este sujeito!
Quando acabar de fazer
Mande este bandido entrar,
Para dentro do surrão
E acabem de costurar
O levem para o rochedo,
Para sacudi-lo no mar.
Os homens eram dispostos
Findaram no mesmo dia,
O pobre entrou no surrão
Pois era o jeito que havia
Botaram o surrão nas costas
E saíram numa folia.
Adiante disse um capanga:
─ Está muito alto o rojão,
Eu estou muito cansado,
Botemos isto no chão!
Vamos tomar uma pinga,
Deixe ficar o surrão.
─ Está muito bem, companheiro
Vamos tomar a bicada!
(Assim falou o capanga
Dizendo pro camarada)
Seguiram ambos pra venda
Ficando além da estrada...
Quando os capangas seguiram
Ele cá ficou dizendo:
─ Não caso porque não quero,
Me acho aqui padecendo...
A moça é milionária
O resto eu bem compreendo!
128
Foi passando um boiadeiro
Quando ele dizia assim,
O boiadeiro pediu-lhe:
─ Arranje isto pra mim
Não importa que a moça
Seja boa ou ruim!
O boiadeiro lhe disse:
─ Eu dou-lhe de mão beijada,
Todos os meus possuídos
Vão aqui nessa boiada...
Fica o senhor como dono,
Pode seguir a jornada!
Ele condenado à morte
Não fez questão, aceitou,
Descoseu o tal surrão
O boiadeiro entrou
O pobre morto de medo
Num minuto costurou.
O pobre quando se viu
Livre daquela enrascada,
Montou-se num bom cavalo
E tomou conta da boiada,
Saiu por ali dizendo:
─ A mim não falta mais nada.
Os capangas nada viram
Porque fizeram ligeiro,
Pegaram o dito surrão
Com o pobre do boiadeiro
Voaram de serra abaixo
Não ficou um osso inteiro.
Fazia dois ou três meses
Que o pobre negociava
A boiada que lhe deram
Cada vez mais aumentava
Foi ele um dia passar,
Onde o compadre morava...
Quando o compadre viu ele
De susto empalideceu;
─ Compadre, por onde andava
Que agora me apareceu?!
Segundo o que me parece,
Está mais rico do que eu...
─ Aqueles seus dois capangas
Voaram-me num lugar
Eu caí de serra abaixo
Até na beira do mar
Aí vi tanto dinheiro,
Quanto pudesse apanhar!
─ Quando me faltar dinheiro
Eu prontamente vou ver.
O que eu trouxe não é pouco,
Vai dando pra eu viver
Junto com a minha família,
Passar bem até morrer.
─ Compadre, a sua riqueza
Diga que fui eu quem dei!
Pra você recompensar-me
Tudo quanto lhe arranjei,
É preciso que me bote
No lugar que lhe botei!..
Disse-lhe o pobre: ─ Pois não,
Estou pronto pra lhe mostrar!
Eu junto com os capangas
Nós mesmo vamos levar
E o surrão de serra abaixo
Sou eu quem quero empurrar!
O velho no mesmo dia
Mandou fazer um surrão.
Depressa meteu-se nele,
Cego pela ambição
E disse: ─ Compadre eu estou
À tua disposição.
O pobre foi procurar
Dois cabras de confiança
Se fingindo satisfeito
Fazendo a coisa bem mansa
Só assim ele podia,
Tomar a sua vingança.
Saíram com este velho
Na carreira, sem parar
Subiram de serra acima
Até o último lugar
Daí voaram o surrão
Deixaram o velho embolar...
O velho ia pensando
De encontrar muito dinheiro,
Porém sucedeu com ele
Do jeito do boiadeiro,
Que quando chegou embaixo
Não tinha um só osso inteiro.
129
Este livrinho nos mostra
Que a ambição nada convém
Todo homem ambicioso
Nunca pode viver bem,
Arriscando o que possui
Em cima do que já tem.
Cada um faça por si,
Eu também farei por mim!
É este um dos motivos
Que o mundo está ruim,
Porque estamos cercados
Dos homens que pensam assim.
O homem tendo dinheiro
Mata até o próprio pai,
A justiça fecha os olhos
A policia lá não vai,
Passam-se cinco ou seis meses
Vai indo, o processo cai.
O dinheiro (O testamento do cachorro)
Compra cinco testemunhas
Que depõem a seu favor,
Aluga dois escrivãos
E compra o procurador,
Faz dois doutores de prata,
Pronto o homem, meu senhor.
O dinheiro neste mundo
Não há força que o debande,
Nem perigo que o enfrente,
Nem senhoria que o mande
Tudo está abaixo dele
Só ele ali é o grande.
Ainda que vá a júri
Compra logo atenuante,
Dá um unto nos jurados
Se livra no mesmo instante,
Tem o juiz a favor,
Jurados e assim por diante.
Ele impera sobre um trono
Cercado de ambição,
O chaleirismo a seus pés
Sempre está de prontidão,
Perguntando-lhe com cuidado
-O que lhe falta, patrão?
Essas questões muito sérias
Que vão para o tribunal,
Ali exige os papéis
Que levem prova legal,
Cédulas de quinhentos fachos,
É o papel principal.
No dinheiro tem se visto
Nobreza desconhecida,
Meios que ganham questão
Ainda estando perdida,
Honra por meio da infâmia,
Gloria mal adquirida.
Dinheiro faz eloqüência
A quem nunca teve estudo,
Imprime coragem ao fraco,
Dá animação a tudo,
Vence batalha sem arma,
Faz vez de lança e escudo.
Porque só mesmo o dinheiro
Tem maior utilidade,
É o farol que mais brilha
Perante a sociedade.
O código dali é ele
A lei é sua vontade.
Aonde não há dinheiro
Todo trabalho é perdido,
Toda questão esmorece,
Todo negócio é falido,
Todo cálculo sai errado,
Todo debate é vencido.
130
Pois o homem sem dinheiro
É como um velho demente,
Um gato que não tem unha,
Cobra que não tem um dente,
Cachorro que não tem faro,
Cavalo magro e doente.
Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
Mim enterra esse cachorro
Inda que gaste um milhão.
Porque perante o dinheiro
Tudo ali se torna mole,
Porque não há objeto
Que sobre os seus pés não role,
Bote dinheiro no morto
Que a ossada dele bole.
Foi ao vigário e lhe disse:
Morreu cachorra de mim
E urubu do Brasil
Não poderá dar-lhe fim...
-Cachorro deixou dinheiro?
Perguntou o vigário assim.
O bacharel por dinheiro
Só macaco por banana
Ou gato por guabiru,
Ou um guaxinim por cana
Só sagüi pela resina
Ou bode por jitirana.
Mim quer enterrar cachorra!
Disse o vigário: Oh! Inglês
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: Oh! Cachorra
Gasta tudo desta vez.
A moça tendo dinheiro
Sendo feia como a morte
Caracteriza-se, enfeita-se,
Sempre melhora de sorte,
Mais de mil aventureiros
A desejam por consorte.
Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou.
Antes de o inglês findar
O vigário suspirou.
Porque o dinheiro na terra
É capa que tudo encobre
Cubra um cachorro com ouro
Que ele tem que ficar nobre,
É superior ao dono
Se acaso o dono for pobre.
Coitado! Disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento mais nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre.
Eu já vi narrar um fato
Que fiquei admirado,
Um sertanejo me disse
Que nesse século passado
Viu enterrar um cachorro
Com honras de um potentado.
Leve-o para o cemitério
Que vou o encomendar
Isto é, traga o dinheiro
Antes dele se enterrar,
Estes sufrágios fiados
É factível não salvar.
131
E lá chegou o cachorro
O dinheiro foi na frente,
Teve momento o enterro,
Missa de corpo presente,
A Ladainha e seu rancho
Melhor do que certa gente.
O vigário entregou-lhe
Os dois contículos de réis.
O bispo disse: É melhor
Do que diversos fiéis.
E disse: proverá Deus
Que assim lá morresse uns dez.
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigário tinha feito
O enterro do cachorro,
Que não era de direito
O bispo aí falou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
E se não fosse o dinheiro?
A questão ficava feia
Desenterrava o cachorro
O vigário ia pra cadeia
Mas como o cobre correu
Ficou qual letras na areia.
Mandou chamar o vigário
Pronto, o vigário chegou
Às ordens, sua excelência...
O bispo lhe perguntou:
Então que cachorro foi,
Que seu vigário enterrou?
Judas era um homem santo
Pregava a religião
Era discípulo de Cristo,
Tinha toda direção
Porém por 30 dinheiros
Dispensou a salvação.
Foi um cachorro importante
Animal de inteligência
Ele antes de morrer
Deixou à vossa excelência
Dois contos de réis em ouro...
Se errei, tenha paciência.
O dinheiro só não pode
Privar do dono morrer,
Parar o vento no ar
E proibir de chover.
O resto se torna fácil,
Para o dinheiro fazer.
Não foi erro, Sr. Vigário,
Você é um bom pastor
Desculpe eu incomodá-lo
A culpa é do portador,
Um cachorro como este
SE vê que é merecedor.
O sacerdote no templo
Inda estando no sermão
Chega um ateu na Igreja
E traga-lhe meio milhão
Que ele vai encontrá-lo
Bota-o na palma da mão.
O meu informante disse-me
Que o caso tinha se dado
E eu julguei que isso fosse
Um cachorro desgraçado,
Ele lembrou-se de mim?
Não o faço desprezado!
Havendo muito dinheiro
Casa-se irmã com irmão
O bispo dispensa um quarto
Vai ao papa outro quinhão
O vigário dá-lhe o unto
E porque não casam, então?
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Sátira em Leandro Gomes de Barros