Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Formação de Conselheiros Nacionais Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais Ana Angélica Bezerra de Melo Rocha CONSELHO DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA SUA EFETIVIDADE DEMOCRÁTICA E DAS CONTRIBUIÇÕES PARA O PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR São Paulo 2010 Ana Angélica Bezerra de Melo Rocha CONSELHO DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA SUA EFETIVIDADE DEMOCRÁTICA E DAS CONTRIBUIÇÕES PARA O PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR Monografia apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Ciência Política. Orientador: Leonardo Avritzer Co-orientador: Carla Ferreira Soares São Paulo 2010 2 3 4 Muitas pessoas contribuíram de maneira fundamental para a conclusão deste trabalho. Meus sinceros agradecimentos... ...a Rui, companheiro de vida, por me ajudar a superar todos os meus limites; ... aos meus colegas de trabalho na Ação Fome Zero: Fabiana, Fagner, Fatima, Luiza, Maria Elena e Paloma, pelas discussões e pelo aprendizado diário nesses últimos três anos; ... à Ação Fome Zero pelo apoio aos meus estudos; ...à Carla Soares, por conduzir com ética, dedicação e profissionalismo a orientação deste trabalho. 5 "A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar". (Eduardo Galeano) 6 RESUMO Esta pesquisa se caracteriza como um estudo exploratório. Uma pesquisa qualitativa foi realizada com o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) do município de Junqueirópolis SP. Esse município foi escolhido como estudo de caso por combinar um alto padrão de qualidade da alimentação escolar oferecida aos alunos e uma atuação consistente do CAE. A hipótese definidida a partir da análise dos documentos indica que o CAE tem, de maneira gradativa, assimilado mais atribuições e dessa forma tem ampliado o seu escopo de atuação para além do que versa a lei. Como questão norteadora da pesquisa: é possível afirmar que essa intensificação do papel do CAE tem contribuído para uma melhor qualidade da execução da política pública de alimentação escolar no município de Junqueirópolis? Foi realizado trabalho de campo com a utilização dos seguintes instrumentos de coleta de dados: entrevista semi-estruturada e questionário individual para os conselheiros, questionários individuais para os gestores, análise de documentos – atas de reunião, regimento interno e matérias de jornal. Procurou-se realizar uma análise que priorizasse não apenas os resultados alcançados pelo CAE, mas principalmente os condicionantes que levam ao alcance desses resultados. Dentre os aspectos que fundamentam a atuação do CAE identificados, está a existência de um projeto político comum entre os conselheiros e técnicas municipais responsáveis pelo PNAE. O esforço para garantir uma alimentação de qualidade servida nas escolas consolidou uma relação de confiança e uma atuação colaborativa entre esses atores. Dessa forma, o conselho transcendeu a verificação do cumprimento ou não da lei e passou também a concentrar esforços em questões ligadas à eficiência na execução da política. Palavras-chave: alimentação escolar, conselho de alimentação escolar, política pública, accountability e participação. 7 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................09 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS...................................................................................09 1.2 A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL...........................................................12 1.3 METODOLOGIA........................................................................................................14 1.4 O OBJETO DE ESTUDO – O MUNICÍPIO DE JUNQUEIRÓPOLIS/SP...........17 2 AS FORMAS INSTITUCIONAIS DE CONTROLE PÚBLICO: A EXPERIÊNCIA DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL...............................................................................................19 2.1 ACCOUNTABILITY HORIZONTAL.........................................................................20 2.2 ACCOUNTABILITY VERTICAL...............................................................................22 2.3 A COMPOSIÇÃO DO CAE......................................................................................24 2.4 A DINÂMICA INSTITUCIONAL INTERNA DO CAE.........................................29 3 AS FORMAS DE MEDIAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL........35 3.1 A RELAÇÃO DO CAE COM O ESTADO...............................................................35 3.2 A RELAÇÃO DO CAE COM A SOCIEDADE........................................................40 4 CONCLUSÃO.............................................................................................................43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................47 APÊNDICE A: LISTA DE ABREVIATURAS..........................................................49 ANEXOS A: MATÉRIA DE JORNAL SOBRE O CAE..........................................50 8 1. INTRODUÇÃO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A Constituição de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, é o marco legal que introduz no Estado brasileiro a possibilidade de criação de canais institucionais de participação política da sociedade e de controle sobre as políticas públicas no âmbito municipal, estadual e federal. Esses canais institucionais são considerados uma alternativa real de intensificação da prática democrática no sentido de avançar para além da proposta de uma democracia apenas representativa. Os conselhos gestores de políticas públicas são uma das formas de materialização desses espaços de participação, uma vez que eles permitem uma influência direta da sociedade no interior do Estado no que diz respeito à tomada de decisão, acompanhamento da implementação e fiscalização dos recursos públicos relacionados às diversas políticas públicas existentes. Após duas décadas da promulgação da constituição de 1988, o Brasil já conta com milhares de conselhos nos três níveis: federal, estadual e municipal e em diferentes áreas: saúde, educação, assistência social, habitação, meio ambiente, juventude, entre outros. Há uma série de questionamentos se os conselhos estão ou não sendo capazes de cumprir o seu papel previsto em lei. Teixeira e Tatagiba (2008) destacam que “a bibliografia de referência sugere que essa nova institucionalidade participativa tem ocupado um lugar ainda marginal nos processos decisórios que envolvem a definição das políticas em suas áreas específicas” (pag. 02). As autoras chamam atenção, entretanto, para a necessidade de se reformular as expectativas inicialmente estabelecidas em relação aos conselhos a fim de se poder avançar na avaliação dessas instituições sem o risco de se chegar apenas às conclusões usuais se os conselhos cumprem ou não cumprem o seu papel. Este trabalho se propõe a avançar na avaliação e principalmente na compreensão de quais têm sido as reais contribuições da atuação dos conselhos gestores para uma maior efetividade das políticas públicas no Brasil. Para atingir esse objetivo será utilizado como plano de fundo a política de merenda escolar brasileira, oficialmente denominada Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O Conselho de Alimentação Escolar (CAE) será o estudo de caso apresentado. O PNAE ou programa da merenda, como é mais conhecido pela população, é uma das mais antigas políticas públicas brasileiras na área social, uma importante política de segurança alimentar e também uma das estratégias mais eficazes para difundir hábitos alimentares 9 saudáveis na população desde a infância. Um dos méritos desse programa é ter perpassado diversos governos, ao longo de mais de cinco décadas, e ter se consolidado como uma política de Estado que conseguiu se renovar e se adequar ao contexto atual, mantendo-se relevante e beneficiando diariamente milhões de crianças e adolescentes nas escolas públicas de todo o país. Seu objetivo principal é "contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo." (Art. 4º da Lei Nº 11.947 de 16/06/2009). Esse programa teve a sua forma de gestão diretamente influenciada pela proposta descentralizadora da atual constituição. Criado em 1954, o PNAE foi, durante quatro décadas, gerido de forma centralizada pelo Governo federal por meio do Ministério da Educação (MEC). A descentralização da gestão ocorreu em 1994 e significou na prática que a responsabilidade pelo uso dos recursos e pela qualidade da merenda passou do governo federal para os estados e municípios. Esse é um marco fundamental para a análise deste trabalho, uma vez que implicou em duas importantes conseqüências: a necessidade de uma maior qualificação dos gestores locais para gerir o PNAE e a criação de mecanismos de controle pela população para essa política pública. Cabe ao CAE a função de acompanhar e controlar a implementação do PNAE. O CAE foi criado em 1994, com uma função consultiva de assessoria aos estados, municípios e Distrito Federal (também conhecidos como Entidades Executoras – E.E). Em 1998, o FNDE1 eliminou a necessidade de convênio específico para o repasse de recursos às E.E e, por conseguinte, ampliou o papel do CAE que, a partir de 2000, passou a se constituir como um órgão colegiado e deliberativo, composto por sete membros, incluindo representantes da sociedade e do governo para um mandato de 02 anos2. Não é necessário nenhum tipo de convênio ou contrato para que o município receba os repasses de verba do governo federal para a merenda escolar. A única exigência é que o CAE esteja constituído. Portanto, mesmo sendo o principal instrumento de controle da política pública em questão, é do interesse do gestor que exista o conselho, pois caso contrário, o município não tem acesso aos recursos federais. Logo, duas atribuições centrais do CAE são 1 O Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia ligada ao MEC, é o órgão responsável pela coordenação do programa de merenda e pelo repasse dos recursos federais para a sua implementação nos estados, municípios e distrito federal. 2 Com a aprovação da Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009 a duração do mandato foi ampliada para 04 anos. Para efeito desse estudo será avaliada a gestão de dois anos, uma vez que a Lei entrou em vigor recentemente. 10 “acompanhar e fiscalizar a aplicação dos recursos transferidos à conta do PNAE” e "receber e analisar a prestação de contas do PNAE enviada pela Entidade Executora” (Resolução Nº 32 de 10/08/2006, p. 09 e 10). A centralidade dessas atribuições é constatada na pesquisa realizada por Pipitone (2003) com 1.378 CAEs de todas as regiões do país entre 1997 e 1998, na qual foi identificada que a fiscalização dos recursos destinados ao PNAE se constituía como a principal preocupação desse conselho. O fato de ser uma atividade prioritária do CAE, não significa necessariamente que ela está sendo bem desempenhada. Foi o que revelou uma auditoria integrada realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2002 em 67 municípios de todo o país que constatou que 48% das análises de prestação de contas realizadas pelo CAE foram consideradas insatisfatórias. Essas pesquisas foram realizadas em um contexto histórico bem distinto do atual, no qual a merenda escolar - desde 2003 - vive o seu momento político mais favorável, considerada uma prioridade pelo governo federal. Isso é evidenciado pelos investimentos realizados no intuito de aumentar o valor do repasse financeiro às E.E. Entre os anos de 1994, quando se deu a descentralização da gestão, e 2002 o valor per capita repassado aos estados e municípios permaneceu o mesmo (R$ 0,13). Entre 2003 e 2010, esse valor passou por sucessivos reajutes e atualmente é de R$ 0,30, um aumento de cerca de 130% em relação ao valor inicial. Em junho 2009, foi aprovada a Lei Nº 11.947 que propõe importantes alterações na execução do PNAE com destaque para a a universalização do direito à alimentação escolar para todos os alunos matriculados na Educação Básica. O número de beneficiários passou de 35 milhões de alunos para 47 milhões com a inclusão do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), o que corresponde a aproximadamente 22% da população brasileira. Essa nova lei prevê também que pelo monos 30% dos recursos repassados pelo governo federal sejam utilizados na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar sem a necessidade de licitação. Merecem ser mencionados os esforços empreendidos para melhorar tecnicamente a implementação e a fiscalização do PNAE a partir da criação dos Centros Colaboradores em Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE) em todas as regiões do país. Com sede em universidades federais, os CECANEs estão com a responsabilidade de capacitar não apenas funcionários da prefeitura que trabalham com a merenda escolar, mas também os conselheiros responsáveis pela fiscalização do programa. 11 A partir das mudanças ocorridas na concepção e na execução do PNAE ao longo dos últimos 15 anos (entre 1994 e 2009), espera-se compreender a partir deste estudo se o controle público exercido pelo CAE é capaz de contribuir ou influenciar positivamente a qualidade da alimentação escolar servida aos alunos. Este trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro capítulo introdutório tem como objetivo apresentar uma contextualização do campo temático deste trabalho, a metodologia utilizada para a análise e o objeto de estudo. O segundo capítulo pretende realizar uma caracterização do objeto do estudo, a partir da composição do CAE de Junqueirópolis, isto é, o perfil dos conselheiros que o integram: suas motivações e percepções sobre a sua atuação no conselho. Além disso, irá analisar a dinâmica institucional do CAE, estrutura, temas prioritários, agenda de trabalho, fundamentação legal da sua atuação, capacitação dos membros para exercer o seu papel e ritos procedimentais. O terceiro capítulo enfatizará a relação do CAE com o Estado e com a sociedade, seus mecanismos de prestação de contas e as suas contribuições para a qualidade da execução da política pública no município. O quarto e último capítulo apresentará as considerações da autora sobre os principais aspectos identificados pela pesquisa a fim de elucidar as questões levantadas por este estudo. 1.2. A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL Criado em 1954, o PNAE foi o primeiro a utilizar uma estratégia de suplementação alimentar. Desde o seu início até a década de 1960, os alimentos distribuídos eram oriundos de doações internacionais. Um dos objetivos dessas doações era escoar a superprodução de alimentos da América do Norte, EUA e Canadá, por meio de ajudar alimentar aos países pobres, em especial os da América Latina (Santos at al. 2008). O PNAE tem como beneficiários alunos de escolas públicas. Na maioria dos casos, crianças e adolescentes de baixa renda, público que durante a maior parte da história não foi reconhecido como “sujeito de direito”. O que em certa medida explica por que é associada uma visão assistencialista à merenda escolar. O senso comum tende a crer que essa é uma política necessária em regiões carentes do país onde famílias pobres não possuem condições mínimas para alimentar as suas crianças. Considerando esse contexto, o Estado assume um papel de fornecer alimentação nas escolas a fim de garantir que os alunos consigam assistir aula. Essa visão tira o foco de aspectos mais importantes relacionados ao PNAE. Apresentada 12 desta forma, a alimetação escolar parece um favor dos políticos para a população e não um direito garantido por lei3. Coutinho (1994), explica bem a situação ao afirmar que: ...os direitos sociais foram por muito tempo negados, sob a alegação de que estimulariam a preguiça, violariam as leis do mercado (e, portanto, o direito individual à propriedade), além de impedirem os homens de se libertar da tutela de um poder estatal autoritário e paternalista. (p. 13) A importância de uma alimentação saudável para a qualidade de vida é um dos assuntos mais discutidos na atualidade. O consumo crescente de alimentos industrializados e com baixo valor nutricional tem como conseqüência uma geração com alta incidência de pessoas obesas não só no Brasil, mas em diversas partes do mundo. Esse ganho de peso está diretamente relacionado ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis como hipertensão, diabetes, entre outras que além de serem umas das principais causas de morte no país, têm contribuído para o colapso do sistema público de saúde. A alimentação escolar passa a ser encarada, portanto, como uma importante estratégia de prevenção de doenças na medida em que insere no ambiente escolar uma perspectiva pedagógica ao ato da alimentação e utiliza a escola para estimular a adoção de hábitos alimentares saudáveis desde a infância. A difusão do tema da educação alimentar tem sido uma constante em todas as regiões do país e contribui não apenas para melhorar o hábito alimentar dos alunos nas escolas, mas também das famílias que passam a ser influenciados por seus membros que consomem uma merenda escolar de qualidade. A descentralização da execução do PNAE gerou como conseqüência a possibilidade de adequar a alimentação escolar à realidade local, respeitando aspectos culturais como o hábito alimentar da região. Consumir alimentos próprios da região implica naturalmente na compra de gêneros produzidos localmente. Dessa forma, o PNAE se apresenta como um importante catalisador do desenvolvimento local em muitos municípios brasileiros, os quais têm desenvolvido políticas públicas de incentivo e apoio a agro-indústria familiar a fim de qualificar pequenos produtores para o fornecimento de produtos para a alimentação escolar, possibilitando que o recurso destinado à merenda escolar permanece no próprio local e estimule a economia. A alimentação escolar, portanto, é um exemplo emblemático de política pública que durante décadas esteve associada a um viés assistencialista e que conseguiu se renovar. Ao adquirir um novo significado, o PNAE passa a ser encarado a partir de uma perspectiva 3 A partir de 1988, a alimentação escolar é reconhecida constitucionalmente como um direito 13 estratégica e multisetorial, capaz de apresentar à sociedade alternativas viáveis e de baixo custo para promoção de saúde e geração de renda. Um dos principais desafios continua sendo a falta de capacidade técnica e de autonomia financeira de muitos municípios brasileiros os quais tiveram que assumir uma grande parcela de responsabilidade dos custos de execução do PNAE. Nesses casos, a política muito mal consegue cumprir com o mínimo esperado. 1.3 METODOLOGIA Esta pesquisa se caracteriza como um estudo exploratório. Uma pesquisa qualitativa foi realizada com o CAE do município de Junqueirópolis - SP. A identificação desse objeto de estudo foi feita pela análise de um conjunto de 70 municípios da região sudeste do Brasil que mais se destacaram no Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar4. Foram analisadas todas as informações fornecidas pela gestão local sobre a execução do PNAE e sobre o controle dessa política pelo CAE. Além disso, foram avaliadas as atas de reunião e de assembléias para eleição do representante da sociedade civil de todos esses 70 municípios. A análise objetivava identificar um município que combinasse um alto padrão de qualidade da alimentação escolar oferecida aos alunos e uma atuação consistente do CAE. Um alto padrão de qualidade na alimentação escolar foi compreendido a partir da oferta de uma alimentação saudável, diversificada com regularidade e em quantidade suficiente para todos os alunos e que fosse preparada com respeito às normas de higiene. A partir da análise dos documentos, foi elaborada a seguinte hipótese: o Conselho de Alimentação Escolar tem, de maneira gradativa, assimilado mais atribuições e dessa forma tem ampliado o seu escopo de atuação para além do que versa a lei. A partir dessa hipótese, foi elaborada uma questão central, norteadora, deste estudo: considerando-se que a hipótese acima é verdadeira, é possível afirmar que essa intensificação do papel do CAE tem contribuído para uma melhor qualidade da execução da política pública de alimentação escolar no município de Junqueirópolis? A fim de se esclarecer essa questão central, foram definidos os seguintes objetivos específicos para o estudo de caso: - Mapear as principais atividades do CAE ao longo de sua gestão e quanto tempo os seus integrantes se dedicam a essas atividades. - Analisar como se dá o compartilhamento de informações entre gestão pública e conselho. 4 Trata-se de uma metodologia de avaliação e identificação de boas práticas na gestão pública do PNAE idealizada e executada pela ONG Ação Fome Zero desde 2003 (http://www.premiomerenda.org.br). 14 - Identificar qual perfil dos conselheiros: histórico de participação política, as suas motivações, o grau de escolaridade, idade, profissão. - Identificar qual a estrutura de trabalho do conselho e se ele conta com algum tipo de apoio da gestão pública municipal. - Compreender qual a percepção que a gestão pública tem da atuação do CAE. - Identificar e analisar os fatores que explicam uma atuação diferenciada do CAE. O trabalho de campo foi realizado no mês de setembro de 2009. Foi feito contato por telefone com a coordenadora do PNAE no município que conversou com os conselheiros de alimentação escolar e agendou uma reunião na sede da prefeitura. Foram utilizados os seguintes instrumentos para coleta de dados: entrevista semi-estruturada e questionário individual para os conselheiros, questionários individuais para os gestores, análise de documentos – atas de reunião, regimento interno e matérias de jornal. A entrevista semi-estruturada com os conselheiros de alimentação escolar teve como base os documentos analisados previamente (13 atas de reunião e 01 matéria de jornal). Foi elaborado um roteiro de questões que serviu para conduzir um grupo focal com os conselheiros. A partir dessas questões, procurou-se identificar a dinâmica institucional interna do conselho, bem como resultados alcançados e dificuldades enfrentadas. Participaram desta entrevista 07 conselheiros, sendo 05 titulares e 02 suplentes. A entrevista foi gravada com o consentimento dos participantes, teve duração de 35 minutos e foi transcrita na íntegra para análise dos dados. Essas informações foram contrastadas com os dados coletados por meio das entrevistas individuais. Esse instrumento de coleta foi fundamental para elucidar dúvidas surgidas durante a análise de documentos. O questionário individual foi elaborado com questões fechadas e abertas (em sua maioria), respondido por cada um dos 07 conselheiros presentes na reunião acima citada e teve como propósito construir um perfil dos conselheiros (idade, sexo, profissão, categoria que representa no conselho e grau de escolaridade). Também foram elaboradas questões a fim de se obter a opinião individual dos conselheiros sobre a dinâmica institucional do CAE. Além de poder contrastar com as informações obtidas no grupo focal, outro objetivo pretendido era garantir que todos os conselheiros emitissem sua opinião sobre esse tema. Por fim foram elaboradas questões em que os conselheiros expressassem sua opinião sobre a qualidade da alimentação escolar no município e sobre a relação do conselho com a gestão pública municipal. 15 Outro modelo de questionário individual foi aplicado a 02 representantes da gestão pública municipal: a coordenadora do PNAE e o secretário municipal de educação. As questões além de possibilitarem a construção de um perfil dos gestores (idade, sexo, profissão, função exercida na prefeitura e grau de escolaridade), perguntavam sobre a importância do CAE e quais as suas contribuições para a alimentação escolar do município. Em relação aos questionários individuais aplicados aos conselheiros e aos gestores, foi realizada uma tabulação das questões fechadas. Em relação às questões abertas, procurou-se identificar padrões de respostas entre os entrevistados e as mesmas foram classificadas a partir da freqüência com que foram citadas pelos mesmos. A análise de documentos abrangeu a leitura das atas, do regimento interno e de matérias publicadas pelo CAE no jornal local. Foram 43 atas no total, sendo 42 atas de reunião e 01 ata da assembléia promovida por organizações da sociedade civil para escolher seu representante no conselho. As 13 atas referentes ao 3º ano de gestão (2008) foram analisadas antes da realização do trabalho de campo em Junqueirópolis e geraram subsídios para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados. As atas referentes ao 1º, 2º e a parte do 4º ano (07 meses) de gestão foram coletadas durante o trabalho de campo. Nas atas de reunião foram analisados os seguintes aspectos: local onde a reunião foi realizada, quantidade de conselheiros presentes e assuntos discutidos. Após concluir a análise de todas as 42 atas, foi criada uma categorização para os temas discutidos e foi contabilizada a freqüência com que esses temas eram tratados nas reuniões ao longo de toda a gestão. O objetivo foi identificar quais eram as prioridades do conselho a partir da sua agenda de discussão. Além disso, as atas ajudaram a compor um retrato de mais longo prazo do conselho, uma vez que as entrevista, por melhor que fossem respondidas, refletiriam apenas um momento específico. Já a ata da assembléia da sociedade civil serviu para evidenciar que tipo organizações sociais estão representadas no CAE. Foi analisado também o estatuto do conselho, comparando as atribuições nele previstas com as atribuições definidas na resolução que regulamenta a alimentação escolar. O último documento analisado foram 04 matérias publicadas no jornal local sobre a atuação dos conselheiros em que procurou se identificar que tipo de informação o CAE considerou relevante fornecer à sociedade. A pesquisadora visitou 04 das 09 escolas do município, verificando in loco a estrutura física das cozinhas e a qualidade da alimentação servida aos alunos. Foram realizadas entrevistas com as merendeiras de todas essas escolas em que foi questionado se eles tinham 16 conhecimento sobre a atuação do CAE, além de conversas informais com os alunos no refeitório durante o momento em que a merenda era servida para saber a sua opinião sobre a alimentação oferecida na escola. A coleta de dados ocorreu como foi previsto no projeto. A única alteração relevante é que se optou por considerar os dois mandatos da gestão do conselho (o segundo mandato em andamento) na análise e não apenas um mandato como havia sido planejado inicialmente. A razão para esta decisão, é que se considerou relevante inserir como mais uma variável de análise a evolução da atuação do conselho ao longo de toda a gestão. Por fim, faz-se necessário um esclarecimento sobre as normas que regulamentam a alimentação escolar no Brasil. Em 16 de junho de 2009, foi aprovada a Lei Nº 11.947, uma nova lei que introduziu uma série de mudanças na forma como o PNAE é executado e também mudanças na composição e na duração do mandato do CAE. Esse nova lei subsidiou a publicação da Resolução Nº 38 de 16 de de julho de 2009 pelo FNDE, documento que especifica as regras para execução do PNAE pelos estados e municípios. Pelo fato de 75% da gestão do CAE de Junqueirópolis ter ocorrido sob a lei anterior, para efeitos deste trabalho será utilizada como marco legal a Resolução Nº 32 de 10 de agosto de 2006. 1.4 O OBJETO DE ESTUDO: O MUNICÍPIO DE J UNQUEIRÓPOLIS/SP Junqueirópolis é um município com 19.9765 habitantes, localizado na região de Presidente Prudente, extremo oeste do estado de São Paulo, próximo a divisa com o Mato Grosso do Sul. Faz parte de um contigente de 71,8%6 dos 5.564 municípios brasileiros que possuem até 20.000 habitantes. O município foi fundado em 1948 e é fruto das expedições para colonização do oeste paulista durante o século XX. O nome Junqueirópolis é uma homenagem ao proprietário das terras - Álvaro Junqueira – que foram loteadas e vendidas, dando assim origem ao município7. Junqueirópolis possui forte vocação agrícola e destaca-se por ser o maior produtor de acerola do estado de São Paulo. O IDH é médio 0,7668 e no que se refere à desigaldade social, não foge aos padrões brasileiros, os 20% mais ricos concentram 58,3% de toda a riqueza do município, enquanto os 20% mais pobres respondem por 3,1%. 5 Estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2009. Fonte: IBGE, 2004. 7 Fonte: histórico publicado no site da prefeitura - http://www.junqueiropolis.sp.gov.br/historia.php 8 Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 2000 6 17 Apesar disso, 75,4% da população do município se encontram acima da linha da pobreza. Do restante da população, 8,4% se encontra abaixo da linha de indigência e 16,2% se encontra entre a linha de indigência e a linha de pobreza.9 FIGURA I10 Há cinco escolas de ensino fundamental e quatro creches, todas localizadas na área urbana, com um total de 3.150 alunos matriculados11 e beneficiados pelo PNAE. A alimentação escolar se caracteriza pela diversidade de alimentos servidos no cardápio, com destaque para a presença constante de frutas, legumes e verduras comprados de agricultores locais e pelo rigor do trabalho e dedicação das duas responsáveis diretas pelo programa: a coordenadora e a nutricionista responsável técnica. A estrutura física das escolas públicas é de excelente qualidade e de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), Este município está na 147.ª posição, entre os 5.564 do Brasil, considerando a avaliação dos alunos da 4.ª série e na 234.ª, no caso dos alunos da 8.ª série.12 9 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, coletado no Portal dos Objetivos do Milênio. Fonte: http://www.wikipedia.org.br 11 Dado fornecido pela prefeitura de Junqueirópolis. 12 Fonte: Ministério da Educação, coletado no Portal dos Objetivos do Milênio: http://www.portalodm.com.br/relatorios/perfil-junqueiropolis-sp.html . 10 18 2. AS FORMAS INSTITUCIONAIS DE CONTROLE PÚBLICO: A EXPERIÊNCIA DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL Analisar os aspectos que contribuem para a efetividade da atuação de um conselho e as implicações dessa boa atuação para a política pública acompanhada por ele provoca inevitavelmente uma discussão sobre a importância do controle para a democratização da gestão pública. Provoca também uma reflexão sobre o porquê da necessidade de controle nos regimes democráticos. Em muitos países, as eleições são percebidas como a principal forma de controle exercido por parte da sociedade, denominado de “accountability vertical”. Por meio do voto, os cidadãos escolhem os candidatos que consideram mais aptos para representá-los e, por conseguinte, tomar as decisões mais acertadas durante o seu mandato. Caso o político não se comporte bem no exercício de sua função, as próximas eleições são a oportunidade que a população tem para puni-lo com a escolha de outro representante. Entretanto, até que ponto é possível garantir que essa sistemática de fato existe? De acordo com Luis F. Miguel (2003), a expansão da democracia eleitoral vem acompanhada de uma crise disseminada da representação política em velhas e novas democracias. Há na população uma crise no sentimento de estar representado, o que de acordo com o autor pode ser observado a partir de três evidências: a) o declínio do comparecimento eleitoral (abstenções, voto nulo e em branco); b) ampliação por parte da população da desconfiança em relação às instituições políticas; c) esvaziamento dos partidos políticos. É interessante refletir se a legitimação dos políticos por meio das eleições tem limites. Os representantes eleitos estão autorizados a tomar qualquer decisão em nome da população respaldados apenas pelos votos que receberam? Essas reflexões levam à conclusão da necessidade de ampliar a participação política da sociedade a fim de se fortalecer e qualificar a democracia e gerar uma participação para além do voto. Participação essa que se materializa por meio de canais institucionais e não institucionais. Segundo Anastasia (2006), o desafio hoje é transformar na prática a democracia eleitoral em democracia cidadã. Ou seja, gerar condições que possibilitem ao cidadão comum interferir na política além do momento eleitoral – transformar a democracia em um processo decisório contínuo. Mas afinal quem tem condições de exercer o controle: a sociedade ou o próprio Estado? Segundo Peruzzotti (2002), existem duas correntes que se destacam no debate sobre os desafios e obstáculos das novas democracias: 19 Por um lado, uma literatura que tende a assumir que a existência de uma imprensa independente e de uma sociedade civil sólida e autônoma são dois elementos que contribuem para moldar e melhorar a qualidade da vida pública e institucional de regimes representativos. Por outro lado, os trabalhos acerca da qualidade da vida pública e institucional das novas democracias, que tendem a chamar atenção para os importantes déficits institucionais que afetam a maioria das novas democracias. (p. 4) Essas tendências apresentadas por Peruzzotti (2002) evidenciam as duas principais formas de accountability – horizontal e vertical, as quais serão aprofundadas com foco na realidade brasileira. 2.1 ACCOUNTABILITY HORIZONTAL O’Donnell (1998) é um dos autores que podem ser usados como referência para se compreender a questão institucional nas novas democracias. O ponto de partida é entender a ausência ou fragilidade da accountability horizontal nos países que recentemente se tornaram democracias políticas ou poliarquias. Aqui, poliarquia entendida a partir dos atributos estabelecidos por Dahl (1989), isto é: a) autoridades eleitas; b) eleições livres e justas; c) sufrágio inclusivo; d) direito de se candidatar aos cargos eletivos; e) liberdade de expressão; f) informação alternativa e g) liberdade associativa. A partir da crença de que as poliarquias são sínteses complexas de quatro elementos; a democracia, o liberalismo, o republicanismo mais o Estado e em grande medida concomitantes com outro fenômeno – o capitalismo, O Donnell (1998) chama atenção para o fato de que a forma como esses elementos se combinam é um fator que caracteriza os regimes políticos. A origem desses regimes políticos está primeiramente na Inglaterra, seguida por França e EUA. Fora desses países de origem, como é o caso da América Latina, o que se observa é a constituição de uma proposta transplantada à imagem do império aos quais formalmente ou informalmente os países pertenciam. A expectativa inicial de que essas constituições e instituições transplantadas seriam uma garantia de modernidade política foi frustrada na prática. A existência de uma estrutura administrativa eficiente e profissional é condição básica para o bom funcionamento da accountability horizontal. Esta é entendida como a existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou omissões de outros agentes ou 20 agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas (O’Donnel, 1998, p. 40). Em relação ao acompanhamento da execução do PNAE, o CAE conta com o apoio do TCU, Ministério Público (MP)13, Controladoria Geral da União (CGU) e com o próprio FNDE, os quais disponibilizam serviços de ouvidoria para que a população possa esclarecer dúvidas e fazer denúncias. Esses órgãos realizam auditorias nos estados e municípios, bem como fornecem material didático e capacitação para que os conselheiros possam melhor desempenhar a sua função. Todos esses órgãos têm poder de sanção frente aos delitos identificados na execução das políticas públicas. Luis F. Miguel afirma que “o bom funcionamento da accountability vai depender da existência institucional de sanções efetivas sobre os representantes, da provisão de informação adequada e plural e de interesse pela política disseminado nos diferentes grupos da população.” (2004, p.07) A existência de sanções para os gestores públicos nos casos de corrupção relacionados à alimentação escolar prejudica diretamente os beneficiários do programa, já que quando o CAE realiza uma denúncia de irregularidade grave na execução do PNAE, uma das conseqüências é a suspensão do repasse de verbas para a prefeitura até que a mesma regularize a sua situação. Essa medida implica na suspensão do fornecimento da alimentação escolar para os alunos da rede pública da localidade14. Apesar da existência desses órgãos e do seu poder para aplicar sanções, a sua capacidade de atuação não consegue dar conta de todas as demandas graves apresentadas pela população. Além dos problemas relacionados à eficiência, há que se considerar o alto custo do controle administrativo em um país das dimensões do Brasil. Esse é um fator que provoca uma fragilidade desse tipo de controle que passa a ser visto pela população como lento e ineficaz. Ao mesmo tempo, traz à tona a discussão sobre a capacidade de a sociedade controlar o governo. Em que medida o controle exercido pela população pode ser uma alternativa? Ou o controle pela sociedade seria uma forma de fortalecer e complementar o controle administrativo? 13 A constituição brasileira de 1988 implementou uma mudança significativa no papel do Ministério Público ao lhe conferir ampla atribuição (abrangendo, inclusive, a defesa dos direitos difusos e das minorias não organizadas) e com facilidade de ser acionado pela população. 14 Com a aprovação da Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009, quando for detectada a irregularidade, o governo federal criará meios para que o recurso seja repassado diretamente às escolas por um período de 06 meses a fim de não prejudicar os beneficiários da política enquanto as irregularidades estão sendo apuradas. Isso estimularia mais denúncias, uma vez que o fornecimento da merenda escolar não seria comprometido. 21 2.2 ACCOUNTABILITY VERTICAL Para Scherer-Warren (2009), no novo milênio tem se desenvolvido um movimento cidadão crítico e de controle público do Estado pela cidadania. Avritzer e Pereira (2009) destacam que o processo de redemocratização brasileiro é o marco histórico que abre caminho para uma reorganização da sociedade civil nesse sentido. O próprio processo constituinte que culminou com a promulgação da Constituição de 1988 se tornou a origem de um conjunto de instituições híbridas, isto é, “formas ampliadas de participação política que envolvem um partilhamento de processos deliberativos entre atores estatais e atores sociais ou associações da sociedade civil” (p. 01). Portanto Avritzer e Pereira (2009) reforçam que um grande desafio para se analisar a democracia no Brasil é entender melhor as mediações entre Estado e sociedade civil e as formas de participação institucionalizada. Scherer-Warren (2009) explica que a transição democrática no Brasil é marcada pelo início de uma institucionalização dos movimentos socais, principalmente a partir de algumas organizações que passaram a exercer um papel de mediadoras entre movimentos de base e setores mais excluídos da sociedade e o Estado a fim de garantir a inclusão de novos direitos na Constituição de 1988, considerando a população brasileira em sua diversidade. Já na década de 1990 é quando se consolida esse movimento institucionalizado e, conseqüentemente, há uma ampliação das parcerias entre Estado e sociedade civil. Essas formas de participação institucionalizadas existem em diferentes formatos: orçamento participativo, conferências públicas, audiências públicas, emendas populares, conselhos de políticas públicas. Avritzer e Pereira (2009) destacam que o conselho é um espaço distinto do Estado e dos movimentos sociais, ou seja, constitui-se como uma instância intermediária de discussão e deliberação, além de ser um espaço de luta para a publicização e democratização das políticas públicas. Vale destacar que a constituição de 1988 assegura a participação direta da sociedade por meio do seu parágrafo único: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. No entanto, as formas como essa participação direta deve se dar estão expressas apenas nas leis infraconstitucionais. O êxito da accountability vertical está diretamente relacionado ao grau de politização da sociedade. Faria (2008) chama atenção para a importância do perfil associativo dos municípios como um fator determinante da efetividade democrática da participação social. O associativismo já é em si uma forma de participação e representa uma pré-condição 22 especialmente para os canais institucionais como os conselhos gestores de políticas públicas, uma vez que os municípios que possuem um alto grau de articulação e de mobilização de movimentos e organizações sociais conseguem dar um respaldo maior à atuação dos conselheiros, assim como qualificar o desempenho de seus representantes. O reconhecimento e a legitimação perante a sociedade é o maior patrimônio que um conselho pode possuir. O grau de representatividade do conselho é fortemente afetado pelo perfil associativo do município. No caso do CAE, que deve possuir representantes dos professores, pais de alunos e de organizações da sociedade civil, a qualidade da atuação desses integrantes depende em grande medida do trabalho de mobilização social realizado previamente. É fundamental que os representantes desses segmentos sejam eleitos em assembléia e que haja discussões a fim de qualificar a atuação dessas pessoas no conselho. Um aspecto importante que precisa ser retomado é que o processo de redemocratização foi marcado por outro fenômeno, além da ampliação das formas de participação política: a descentralização na execução das políticas públicas. É impossível dissociar a participação da descentralização, uma vez que a mudança do lócus de tomada de decisão é o que torna possível os mecanismos de deliberação pública. Avritzer e Pereira (2009) afirmam que a descentralização ao agregar três novos componentes às políticas territorialização, centralidade do poder local e deliberação pública – tornou-as mais complexas. Na medida em que a responsabilidade da execução das políticas passa do governo federal para os estados e municípios, há uma necessidade natural de maior qualificação dos gestores locais. Segundo, Matos, “a descentralização e a participação passaram a ser vistos como ingredientes fundamentais na reorientação das políticas públicas” (2009, p. 33). O tópico seguinte será dedicado a compreender e analisar a dinâmica de funcionamento do CAE a partir do estudo de caso de Junqueirópolis. Para essa análise serão utilizadas duas abordagens teóricas. A primeira proposta por Avritzer e Pereira (2009) possibilita o desenvolvimento de uma tipologia dos conselhos a partir de três elementos: a) composição da sociedade civil – quais são os atores disponíveis e interessados em participar? Quais são as características desses atores? b) tipo de hibridismo – as formas de mediação entre a sociedade civil e o Estado; c) os principais elementos deliberativos – qual a capacidade de argumentação dos diferentes atores dentro do conselho? A segunda abordagem é proposta por Teixeira e Tatagiba (2008) e destaca outros três aspectos a serem considerados: a) natureza da política pública – o nível de incidência do conselho está relacionado com as características da política setorial ao qual está vinculado. Na 23 prática significa dizer que os conselhos não possuem meios de se dissociar das limitações da própria política; b) identidade política – avaliada a partir da combinação de dois indicadores: desempenho institucional e contexto de origem; c) atores, dinâmicas e processos – diz respeito ao perfil dos atores e a dinâmica de interação entre eles em cada conjuntura específica. Objetiva-se, dessa maneira, realizar uma caracterização do objeto de estudo dessa pesquisa, identificando o perfil dos conselheiros que o integram, motivações e percepções quanto à sua atuação enquanto conselheiros. Além disso, irá analisar a dinâmica institucional do conselho: estrutura, temas prioritários, agenda de trabalho, fundamentação legal da sua atuação, capacitação dos membros para exercer o seu papel e ritos procedimentais. 2.3 A COMPOSIÇÃO DO CAE O CAE é um órgão colegiado e deliberativo que atua no âmbito dos estados e municípios, com mandato de 02 anos15 (com direito a uma recondução), formado por 07 integrantes: 01 representante do poder executivo, 01 representante do poder legislativo16, 02 representantes de pais de alunos, 02 representantes de professores e 01 representantes de organizações da sociedade civil. Para cada um dos membros, há um suplente e todos eles atuam de maneira voluntária. Com exceção das duas primeiras categorias, todos os demais membros devem ser escolhidos em assembléia com esse fim. O representante do executivo, nem o do legislativo pode assumir as funções de presidente e vice-presidente do conselho. Além disso, o prefeito é obrigado a acatar a composição do conselho, ele não tem poder de veto sobre a escolha dos conselheiros. Em Junqueirópolis, foram entrevistados 07 conselheiros: a representante do poder executivo que é a nutricionista responsável técnica pelo PNAE no município, 03 representantes de pais de alunos, o representante da sociedade civil, 01 representante dos professores e o representante do poder legislativo. Desses conselheiros 05 eram titulares e 02 suplentes, o representante do legislativo e um dos representantes de pais de alunos. De acordo com os conselheiros, o membro suplente tanto pode substitui o titular como pode participar e opinar nas reuniões sempre que estiver disponível. 15 A Lei 11.947 de 16/06/2009 amplia o mandato do CAE para 04 anos, com a possibilidade de uma recondução. A Lei 11.947 extingue essa categoria de representação no CAE e aumenta o número de representantes da sociedade civil para 02. 16 24 O mandato teve início em março de 2006. Os representantes dos pais de alunos e dos professores são eleitos em assembléia convocada pelo secretário municipal de educação. Trata-se de uma reunião aberta em que o conselho é apresentado à comunidade e no próprio local são definidos os representantes dos referidos segmentos. O representante da sociedade civil também é eleito em assembléia, convocada por organizações sociais para este fim. Participaram da assembléia que elegeu o representante da sociedade civil do CAE de Junqueirópolis 07 instituições: Sindicato Rural de Junqueirópolis, Conselho de Segurança, Loja Maçônica, Centro Espírita, Igreja Católica, Lions Clube e a Associação Comercial. O representante eleito pertence ao Sindicato Rural. O simples fato de conseguir reunir em assembléia sete instituições com o propósito de eleger o representante da sociedade civil no CAE já é um fator que diferencia o processo eleitoral desse conselho, uma vez que é comum em municípios pequenos ou até mesmo em capitais não haver uma convocação da sociedade civil e o representante desse segmento ser indicado por alguma instituição que possui relação mais próxima com a prefeitura. Avritzer e Pereira (2009) consideram a composição da sociedade civil um fator determinante para se compreender a atuação do conselho. Percebe-se que no caso de Junqueirópolis, trata-se de uma sociedade civil mais tradicional composta por entidades assistenciais, religiosas e representativas. Teixeira e Tatagiba (2008) destacam que a caracterização dessa sociedade civil, o “contexto de origem”, ajuda a delinear a identidade política do conselho. O tema alimentação escolar no Brasil é uma questão que não foi abraçada pelos movimentos sociais, seja os em defesa dos direitos da criança e do adolescente, ou os movimentos em prol da educação. A ausência dessa mobilização social tem um impacto direto no desempenho institucional do CAE, uma vez que os integrantes dos conselhos na maior parte das vezes não estão respaldados por organizações e movimentos que possam além de dar suporte, ajudar a qualificar a sua atuação a partir dos processos de formação política inerentes a esses grupos associativos. Dificilmente as associações ou movimentos representados no CAE possuem o tema alimentação escolar na sua agenda política. Serafim (2008) considera que o efetivo exercício do controle social depende especialmente da capacidade dos movimentos, organizações, e outros atores da sociedade em debater com qualidade as políticas públicas, que sociedade querem, o que é necessário fazer para transformar a realidade de modo a garantir direitos. 25 Uma conseqüência natural dessa falta de qualificação sobre o tema alimentação escolar é que se cria uma dependência dos técnicos municipais: nutricionista e coordenadora do PNAE para se estabelecer os parâmetros técnicos e conceituais em relação ao acompanhamento do programa. Em Junqueirópolis essa dependência é amenizada por uma forte relação de confiança construída entre os técnicos e os conselheiros. Há um reconhecimento explicito por parte dos conselheiros (com registro em atas de reunião) da competência e do comprometimento das duas técnicas responsáveis pelo PNAE. Essa não apropriação do tema pelos movimentos sociais pode ser resquício de uma política que foi criada e mantida por décadas a partir de um viés assistencialista. Com a descentralização da gestão da alimentação escolar e da sua priorização pelo governo federal, o que se observa é que o PNAE vem ganhando outros contornos, consolidando-se a cada dia como uma política estruturante, executada de forma multisetorial. Tem havido uma apropriação do tema pelo movimento de segurança alimentar e nutricional que durante a construção e aprovação da nova lei da alimentação escolar participou ativamente das discussões e contribuiu de forma significativa para qualificar as discussões. Tanto Avritzer e Pereira (2009), quanto Teixeira e Tatagiba (2008) chamam atenção para o perfil dos conselheiros como outro fator que influencia sua capacidade de incidência na política pública. Alguns elementos como idade, sexo, grau de escolaridade ajudam a compor um retrato. Em Junqueirópolis, há um equilíbrio entre homens e mulheres e a idade média dos conselheiros é de 47 anos. Um aspecto que chama atenção é que a maior parte dos conselheiros (05) possui ensino superior completo, incompleto ou pós-graduação. TABELA I Categoria que representa no CAE Sexo Titular/ Suplente 01 Executivo F T Nutricionista Ensino Superior Completo 53 02 Legislativo M S Funcionário público Ensino Médio Completo 52 03 Pais de alunos M T Funcionário Público Ensino Superior Completo 42 04 Pais de alunos M T Contador Ensino Superior Completo 59 05 Pais de alunos F S Educadora Ensino Médio Completo 30 06 Professores F T Professora Pós-graduação 31 07 Sociedade civil F T Tec. Em contabilidade Ensino Superior Incompleto Profissão Nível de instrução Idade 64 Outros aspectos apontados por Teixeira e Tatagiba (2008) quanto ao perfil dos atores diz respeito: 1) “ao grau de comprometimento dos sujeitos com a efetividade dos processos 26 participativos e a aposta na importância dessa participação para a qualidade da política pública” (p. 19) e 2) a influência dos projetos políticos dos atores que compõem o conselho na qualidade do debate sobre a política pública. Em relação ao primeiro aspecto, foi possível observar durante a análise dos dados vários indícios que demonstram um alto grau de comprometimento dos conselheiros com os processos participativos e também uma consciência dos mesmos quanto à importância de sua participação para a qualidade da política pública. Primeiro cabe destacar o baixo índice de abstenção às reuniões do conselho, com uma presença de em média 8,7 participantes por reunião. Em três anos e meio de gestão do CAE, em apenas uma ocasião não houve quorum para a realização da reunião. Dificilmente um conselheiro falta aos compromissos e, em alguns momentos o número de participantes chega a ser superior ao número de conselheiros titulares, já que os suplentes podem participar sempre que desejarem. A opção por uma gestão horizontal a partir de uma quebra total de hierarquia na prática cotidiana do CAE é um ponto forte desse conselho. Sobre essa questão o presidente, respaldado pelos outros conselheiros, argumenta durante a entrevista: Aqui todo mundo é responsável. A hierarquia aqui é só no papel (...) Todo mundo delibera, todo mundo conversa, todo mundo dá a sua opinião. Não há uma imposição de alguém. No papel tem que ser assinado por uma pessoa. Se são dez opiniões, tem que se ouvir todo mundo. Se houver opiniões divergentes, a gente vai conversando até todo mundo convergir para um resultado só. Dos 07 conselheiros entrevistados, 04 possuíam histórico de atuação em outros conselhos: Conselho de Meio Ambiente, Conselho Escolar, Conselho de Segurança, Conselho de Pais e Conselho Paroquial Pastoral. E 02 conselheiros possuíam experiência em outros espaços participativos: grêmio estudantil, associação de moradores e sindicato. Quando questionados individualmente quais eram as principais contribuições do CAE para a qualidade da alimentação escolar em Junqueirópolis, os conselheiros demonstraram possuir uma visão compartilhada de que o cumprimento do seu papel de fiscalizar e acompanhar de maneira rigorosa a execução do PNAE tem influenciado positivamente na qualidade da alimentação oferecida nas escolas. Sobre as motivações e projetos políticos dos integrantes, quando questionados por que decidiram fazer parte do CAE, os conselheiros dos segmentos não-governamentais afirmaram que era para zelar pela qualidade da alimentação escolar e fiscalizar os recursos 27 públicos, além de representar o segmento da sociedade que o indicou. Já o conselheiro representante do poder executivo afirmou estar cumprindo uma ordem do prefeito que o indicou. Durante a entrevista os conselheiros enfatizaram a postura colaborativa que o CAE procura assumir: Todo mundo está aqui para ajudar, não para criticar. Porque a gente tem que ter um conselho da alimentação e você tem que estar disposto para isso porque não é um cargo que é remunerado. Então você tem que estar ali para ajudar no que for preciso relacionado, no caso, à alimentação escolar. Resumindo, nós não somos figuras decorativas, é muito fácil colocar lá no papel, é presidente, é membro. A gente tá exercendo plenamente a nossa função. A análise das atas e entrevista com os conselheiros não indicou a defesa de interesses partidários pelos conselheiros, nem explicitou objetivos de autopromoção perante a sociedade a fim de obter algum ganho pessoal futuro. Ao contrário, durante a entrevista os conselheiros enfatizaram a responsabilidade que assumem, já que respondem solidariamente por qualquer irregularidade nas contas relacionadas ao PNAE. Além disso, o rigor com que acompanham a execução do programa nas escolas tem provocado animosidades entre eles e a comunidade escolar: A gente não é assim bem visto. Até hoje eu sei que tem lugares aqui que não aceitam o CAE, eles [na escola] olham como se estivessem questionando o que a gente ta fazendo ali. Eu escutei alguém falando: ‘esse cara não tem o que fazer?’. Acho que tem pessoas que não acreditam que as coisas possam funcionar. Sobre a representatividade do Estado e da sociedade civil no interior do conselho, Dagnino (2002) afirma que a compreensão do papel da sociedade civil nos espaços públicos assume facetas variadas e é entendida de formas diversas pelos diferentes atores. Como exposto anteriormente, o CAE possui 07 membros oriundos de cinco distintas categorias. A questão da paridade não é facilmente observada, considerando-se apenas a composição do conselho, pois a depender do contexto local, é possível observar um excesso de representatividade do governo em alguns casos e da sociedade civil em outros. Isso acontece porque no caso de alguns conselheiros há sobreposição de papéis, ou seja, o indivíduo representa os pais de alunos no conselho, mas essa mesma pessoa também é um funcionário da prefeitura. No caso do CAE de Junqueirópolis, esse conflito de papeis ficou evidente quando foi questionado aos conselheiros quanto tempo em média eles dedicavam ao conselho por semana. Três conselheiros responderam que todos os dias se dedicavam ao trabalho como 28 conselheiros. São pessoas que também trabalham como funcionário público e que, portanto, parecem não possuir um limite claro entre a sua atuação como funcionário e como conselheiro. 2.4 A DINÂMICA INSTITUCIONAL INTERNA DO CAE O objetivo deste tópico é descrever e analisar as dinâmicas internas do CAE de Junqueirópolis, isto é, estrutura, temas prioritários, agenda de trabalho, fundamentação legal da sua atuação, capacitação dos membros para exercer o seu papel e ritos procedimentais. Teixeira e Tatagiba (2008) consideram que o desenho institucional do conselho somado ao contexto de origem dos integrantes delineia a sua identidade política. A dinâmica decisória, bem como os elementos deliberativos também fazem parte do desenho institucional. Entretanto, seguindo as considerações de Avritzer e Pereira (2009) de que “a forma deliberativa dos conselhos varia de acordo com os tipos de atores disponíveis e a forma de hibridismo produzida pela legislação” (p. 16), optou-se neste estudo por desmembrar a análise da capacidade decisória do conselho deste tópico a fim de, primeiramente se explorar o tipo de hibridismo presente neste caso (no próximo capítulo), bem como a relação entre estado e sociedade civil para, então, voltar a analisar a capacidade deliberativa do conselho. Após a eleição dos representantes de cada segmento que compõe o CAE, é convocada assembléia geral para eleger, entre os conselheiros, o presidente, o vice-presidente e o secretário. Como explicado anteriormente, nem o representante do executivo, nem o do legislativo pode assumir as funções de presidente e vice-presidente do conselho. No caso do CAE de Junqueirópolis o atual presidente é o representante da sociedade civil e o vicepresidente é representante dos pais de alunos. Os conselheiros de forma coletiva optaram por modificar o presidente no segundo mandato da atual gestão a fim de haver uma alternância no exercício desta função. A secretária do conselho é a representante do poder executivo e a ela cabe a convocação das reuniões bem como o registro das mesmas em ata. Por decisão dos conselheiros, no início de cada ano de gestão é pré-definido um dia do mês em que ocorrerão as reuniões e dessa forma na primeira reunião do ano é estabelecido um cronograma de reuniões para todos os meses. Este formato começou a apresentar problemas apenas no último ano da gestão. Segundo os conselheiros, atualmente a secretária telefona para todos os integrantes e o dia da reunião é definido com base na disponibilidade da maior 29 parte dos membros. As reuniões são itinerantes, ocorrem na sala de reunião da prefeitura, na câmara municipal e nas unidades escolares. As reuniões realizadas nas escolas são combinadas com as atividades de visita às cozinhas e refeitórios escolares para inspeção in loco da forma de preparo, armazenamento e distribuição da alimentação escolar. De acordo com os conselheiros, é uma forma de otimizar o tempo de todos. As reuniões já possuem uma dinâmica consolidada, iniciando-se sempre com a leitura, aprovação e assinatura da ata referente à reunião anterior. Em seguida são listados os pontos de pauta determinados na última reunião e são incluídos outros pontos trazidos pelos gestores municipais ou pelos próprios conselheiros. Segue-se a discussão e a deliberação sobre os pontos de pauta por todos os conselheiros. Não há comissões temáticas e os assuntos trazidos são debatidos em plenário por todos os conselheiros presentes e o representante da gestão municipal. Os conselheiros afirmaram durante a entrevista que nunca participaram de nenhum tipo de capacitação específica para exercerem a sua função. Eles utilizaram o regimento interno do CAE como a principal referência para fundamentar a atuação do conselho, colocando em prática o que determina o documento. Além disso, os conselheiros destacam o apoio das duas funcionárias diretamente ligadas ao PNAE (a nutricionista e a coordenadora da merenda) na orientação sobre aspectos técnicos relacionados à alimentação escolar. Uma alternativa adotada pelos conselheiros para fortalecer a sua atuação foi transformar as reuniões em um espaço para aprendizagem coletiva. Cada um passou a levar matérias de jornal sobre o tema da merenda escolar e sobre outras questões políticas do município e da prefeitura. Também buscaram informação sobre a execução do PNAE em outros municípios a fim de obterem parâmetros de comparação. A Resolução Nº 32 do FNDE define como atribuições do CAE: a) acompanhar a execução do PNAE e fiscalizar a aplicação dos recursos destinados ao programa; b) verificar a qualidade dos alimentos comprados para a merenda escolar, assim como as suas condições de transporte, armazenamento e preparo, comunicando à prefeitura a ocorrência de irregularidades; c) apoiar o trabalho da nutricionista na elaboração dos cardápios a serem utilizados nas escolas; d) visitar as escolas ao longo do ano e verificar in loco a qualidade da merenda servida; e) acompanhar o processo licitatório para a compra de alimentos; f) divulgar em locais públicos os recursos financeiros do PNAE transferidos à EE; g) receber e analisar a prestação de contas preparada pela E.E e emitir parecer conclusivo que deverá ser 30 encaminhado ao FNDE com a aprovação ou não das contas (a não aprovação pode implicar em suspensão do repasse de recursos pelo governo federal). O regimento interno do CAE de Junqueirópolis além conter todas as atribuições previstas em lei, atribui ao conselho outras responsabilidades. Duas delas merecem destaque: a) orientar a aquisição de insumos para o PNAE, dando preferência aos insumos da região; b) divulgar a atuação do CAE como organismo de controle social e de fiscalização do PNAE. O estatuto foi revisto e atualizado pelos conselheiros em 2008 e chama atenção o fato de o conselho assumir uma responsabilidade que viria a se converter em uma exigência do PNAE com a aprovação da nova lei da alimentação escolar em 2009, que é a aquisição de no mínimo 30% dos gêneros alimentícios de produtores locais. Além disso, há o compromisso de publicizar a atuação do conselho para a sociedade o que pode ser apontado como um ponto fraco para muitos conselhos de políticas públicas. A publicização da atuação do CAE em Junqueirópolis é um aspecto que será discutido em mais detalhes no próximo capítulo que trata da relação do conselho com a sociedade. Na entrevista individual, os conselheiros foram questionados sobre quais eram as principais atividades desempenhadas pelo CAE. A tabela abaixo apresenta as atividades citadas e quantos dos 07 conselheiros entrevistados a mencionaram. TABELA II Quant. de conselheiros 1. Visitas às escolas 05 2. Reuniões mensais do CAE 04 3. Verificação da qualidade da alimentação e a higiene em todos os setores 03 4. Fiscalização do processo licitatório de compras 02 5. Acompanhamento da distribuição dos recursos / análise de contas 02 6. Verificação do cumprimeto do cardápio 02 7. Comunicação à entidade executora sobre irregularidades com os alimentos 01 Principais atividades desempenhadas pelo CAE em Junqueirópolis As reuniões mensais do CAE são a segunda atividade mais citada pelos conselheiros. Torna-se relevante combinar a análise da Tabela II à análise da Tabela III apresentada em seguida. Ela explicita os temas mais discutidos nas reuniões ao longo da gestão, identificados por meio da análise das atas. A tabela III indica, portanto a freqüência com que esses temas foram discutidos. 31 TABELA III Temas mais discutidos pelo CAE de Junqueirópolis nas reuniões (Total de 42 reuniões realizadas) 1. Informes sobre aquisição de gêneros alimentícios 57% 2. Cardápio das escolas / educação alimentar 48% 3. Merendeiras 48% 4. Visita às escolas 43% 5. Questões internas 24% 6. Prestação de contas e informes sobre recursos 19% O que se observa na tabela I e na II é uma concentração de esforços nos assuntos relacionados diretamente à execução da política pública. Dentre as três atividades apontadas com mais freqüência pelos conselheiros como as mais importantes, estão as visitas às escolas e a verificação da qualidade da alimentação e a higiene em todos os setores. No que se refere aos temas mais discutidos nas reuniões, percebe-se que em 57% das reuniões os conselheiros discutiram assuntos relacionados aos gêneros alimentícios utilizados na alimentação escolar. Essa discussão abrange principalmente tópicos como: a variedade e a qualidade dos alimentos, os fornecedores e o custo. O cardápio das escolas / trabalho de educação alimentar realizado com alunos e as merendeiras são identificados como o segundo tópico mais discutido, em 48% das reuniões. Também são questões diretamente ligadas à execução da política e dizem respeito principalmente à aceitação dos cardápios pelos alunos e os esforços desenvolvidos pela nutricionista para aumentar o consumo de frutas, legumes e verduras por meio de atividades de educação alimentar. Os conselheiros possuem cópias dos cardápios servidos nas escolas e que antes de entrar em vigor, a nutricionista apresenta os cardápios na reunião para aprovação dos conselheiros. No que se refere às merendeiras, as discussões giraram em torno de problemas como licenças médicas, falta de mão-de-obra, qualificação das profissionais, descumprimento das normas de higiene na cozinha, realização de concurso público para contratação de novas merendeiras. O terceiro tema mais discutido, presente em 43% das reuniões, são as visitas às escolas. Como nem todos os conselheiros participam das visitas, a reunião é um momento em que se compartilha com os demais o que foi observado e também é um momento de avaliação da atividade. Uma importante atividade foi incorporada à rotina do CAE de Junqueirópolis durante a sua gestão e não existe menção a essa atividade nas atas de reunião. Ela foi citada apenas na entrevista com os conselheiros. Trata-se do acompanhamento do processo licitatório para aquisição de gêneros alimentícios para a alimentação escolar. Em 2007, o município passou 32 por uma auditoria do TCU (o PNAE foi um dos programas auditados) que apresentou como uma de suas determinações a adoção da modalidade de “pregão” para as compras da prefeitura. O presidente do CAE assumiu a responsabilidade de acompanhar pessoalmente todos os pregões realizados para compras de alimentos. Os conselheiros atestam que essa mudança trouxe mais transparência e facilitou de forma significativa o trabalho de fiscalização. A auditoria do TCU aos municípios é um dos mecanismos de accountability horizontal existentes. Esse exemplo evidencia a complementaridade que pode existir entre as formas de controle administrativo e o controle exercido pelo CAE, ou accountability vertical. Por fim, é interessante também observar os temas discutidos com mais freqüência nas reuniões do CAE de forma desagregada, ou seja, ano a ano. A Tabela IV demonstra outro aspecto importante, há um equilíbrio na presença desses temas nas reuniões ao longo da gestão, com exceção de duas situações. O tema “merendeiras” foi pouco discutido no primeiro ano de gestão e a sua presença mais constante nos debates se deveu principalmente à identificação de problemas relacionado a licenças medicas e descumprimento das normas de higiene. Outra característica interessante do CAE é o pouco tempo dedicado a questões burocráticas internas, com exceção do terceiro ano da gestão, quando os conselheiros decidiram realizar revisão e atualização do regimento interno. Ao analisar os dados sobre as principais atividades desempenhadas pelo CAE e os temas mais discutidos pelos conselheiros durante as reuniões desse órgão, fica evidente a ênfase dada a aspectos relacionados à execução da política pública: aquisição de alimentos, mão-de-obra responsável por preparar as refeições, cardápio e visita às unidades escolares. O CAE de Junqueirópolis, portanto, tem como foco prioritário da sua atuação assegurar de que o serviço prestado aos beneficiários do programa de alimentação escolar é de qualidade. Teixeira e Tatagiba (2008), ao discutirem sobre influência da natureza da política pública no nível de incidência do conselho, alertam para o fato de que há uma justificativa para que um conselho como o de alimentação escolar defina seu foco de atuação em torno da execução da política. As autoras argumentam que Os resultados dos espaços participativos (no âmbito municipal) dependem da natureza da política a que respondem, a qual, por sua vez, dependem fortemente do papel do município naquela política, fruto em grande medida do tipo de descentralização administrativa levado a termo. (p. 13) 33 TABELA IV Assuntos mais discutidos nas reuniões ao longo da gestão do CAE – Junqueirópolis (ano a ano). Total de atas analisadas: 42 2006 2007 2008 2009 Total 10 12 13 0717 Temas 42 reuniões reuniões reuniões reuniões reuniões 1. Informes sobre aquisição de gêneros alimentícios 07 70% 07 58% 06 46% 04 57% 57% 2. Cardápio das escolas / educação alimentar 05 50% 05 41% 08 61% 02 28% 48% 3. Merendeiras 01 20% 09 75% 06 46% 04 57% 48% 4. Visita às escolas 05 50% 05 41% 05 38% 03 42% 5. Questões internas do conselho 02 20% 01 8% 07 53% 6. Prestação de contas e informes sobre recursos 02 20% 03 25% 01 7% - 43% 0% 24% 02 28% 19% Na prática significa que os conselhos “não conseguem se dissociar das limitações estruturais da política pública ao qual se vinculam” (TEIXEIRA e TATAGIBA, 2008. P. 13). Dessa forma, a maneira como ocorre a descentralização em termos decisórios, a quantidade de recursos destinados à política, o papel do município impactam no tipo de controle exercido pelo conselho. No caso do PNAE, a autonomia dos municípios não é “absoluta”, uma vez que existem regras e procedimentos claros definidos no âmbito federal e que devem ser seguidos pelos gestores locais. Portanto conforme afirma Teixeira e Tatagiba (2008) e Avritzer e Pereira (2009) se a política pública está estruturada a partir de normas nacionais unificadas, a autonomia para elaboração do gestor é baixa, enquanto a responsabilidade é alta em termos de execução. 17 Como o trabalho de campo foi realizado com o último ano da gestão em curso, foram avaliadas apenas 07 atas. Ao final da gestão o CAE Junqueirópolis terá realizado um total de 47 reuniões. Este estudo abrange o conteúdo das 42 reuniões realizadas até o mês de julho de 2009. 34 3. AS FORMAS DE MEDIAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL O capítulo anterior possibilitou uma compreensão sobre a composição do CAE, bem como sobre a sua dinâmica institucional interna. Neste capítulo, objetiva-se ampliar a compreensão sobre a atuação do CAE de Junqueirópolis, considerando-se duas novas perspectivas: a relação do conselho com o Estado - a prefeitura de Junqueirópolis – e, conseqüentemente, a sua capacidade decisória e a relação desse conselho com a sociedade, em especial, os segmentos representados pelos conselheiros. O conselho, segundo Avritzer e Pereira (2009), constitui-se como uma instância intermediária de discussão e de deliberação, distinto do Estado e dos movimentos sociais, caracterizando-se, portanto, como uma instituição híbrida. Essa compreensão é fundamental, na medida em que ela justifica a necessidade de aprofundar o entendimento do conselho enquanto espaço de mediação entre Estado e sociedade e a sua influência na execução das políticas públicas. 3.1. A Relação do CAE com o Estado Um primeiro fator importante para entender a relação entre o CAE e o Estado é que a sua existência é a única exigência para que os estados e municípios recebam a recurso financeiro, em caráter suplementar, para execução do PNAE. Não há necessidade de nenhum tipo de convênio ou contrato com o governo federal, apenas que o conselho esteja constituído e atuante. A análise da prestação de contas e a emissão do parecer conclusivo sobre a sua regularidade ou não devem ser emitidos anualmente pelo CAE. A ausência desse procedimento provoca a suspensão automática do repasse de recursos pelo governo federal. A Resolução No 32 determina que a prefeitura deve entregar até o dia 15 de janeiro a prestação de contas completa referente ao ano anterior. E o conselho tem até o dia 28 de fevereiro18 para analisá-la e enviar o seu parecer ao FNDE. São freqüentes os casos de municípios em que o CAE apenas assina os documentos a serem enviados ao governo federal sem de fato terem realizado a análise das contas. Em relação ao CAE de Junqueirópolis, é possível afirmar que fiscalização das contas é um dos pontos fortes de sua gestão. O presidente participa de todos os pregões, imprime e analisa os respectivos editais para compra dos gêneros alimentícios. A cada três meses, os 18 A Lei 11.947 altera estas datas e estabelece que a prefeitura deve entregar a documentação para análise do CAE até o dia 15 de fevereiro e o CAE tem até o dia 31/03 para enviar seu parecer aos FNDE. 35 conselheiros reservam parte do seu tempo para análise das contas. A prefeitura apresenta as notas fiscais e os conselheiros se dividem em subgrupos e analisam item por item, comparando com os cardápios oferecidos e com os registros de entrega feitos às unidades escolares. Serafim (2008) ressalta dois desafios para o controle social: a falta de acesso a informações necessárias e a falta de capacidade técnica e política para intervenção nos debates. Os conselheiros em Junqueirópolis nunca participaram de nenhum tipo de capacitação sobre análise de contas. Entretanto, 02 integrantes – o presidente e o vicepresidente – são contadores. Além disso, o presidente, atualmente aposentado, já atuou como secretário municipal e possui bom conhecimento sobre compras públicas. Quando questionados individualmente, todos os 07 conselheiros entrevistados afirmaram que o CAE possui uma boa relação com a prefeitura e 05 desses 07 conselheiros justificaram essa resposta afirmando que a relação com a prefeitura é boa porque ela possibilita o acesso fácil a documentos e informações, além de dar ao CAE o direito de opinar durante as licitações para compra de alimentos. Durante a visita ao município, foi possível constatar por meio de conversas com a coordenadora do programa de merenda que a compra dos gêneros alimentícios se tornou um ponto de tensão na gestão do PNAE no município. Em 2007, quando ocorreu a auditória do TCU, houve a determinação desse órgão para modificar a forma como as compras eram realizadas e a prefeitura foi obrigada a utilizar a modalidade “pregão” para a aquisição dos alimentos. Como conseqüência, os dois principais fornecedores não conseguiram se qualificar para participar desse processo. A coordenadora do programa explica que vem enfrentando problemas sucessivos com os novos fornecedores, os quais ela avalia não possuírem um comprometimento com a qualidade dos produtos e também não se comprometerem em cumprir o que foi determinado no contrato. A participação do CAE no pregão presencial e o apoio no momento das negociações para aquisição dos gêneros alimentícios foi apontado pela gestão municipal como um dos pontos positivos da atuação do conselho. Outro aspecto a ser considerado é que a prefeitura ou o governo do estado tem obrigação de apoiar o trabalho do conselho, fornecendo condições para que os membros possam desempenhar o seu papel, ou seja, local apropriado para se reunir, transporte para realizar visitas às escolas, equipamento de informática e recursos humanos. O CAE de Junqueirópolis conta com a concessão de uma sala na prefeitura para realização de parte das reuniões. Durante a entrevista, um dos conselheiros afirmou que sabe o que a lei determina, 36 mas que isso nunca foi cobrado à prefeitura. O fato de ter ou não acesso a esse tipo de apoio da gestão municipal parece não interferir muito na dinâmica de trabalho do conselho. Pode-se dizer que isso atribui certa autonomia ao CAE, uma vez que os conselheiros conseguem cumprir com todas as suas atribuições contando apenas com as suas próprias condições e sem depender da prefeitura. No entanto, o fato de não haver um espaço físico destinado especificamente ao conselho pode gerar algumas conseqüências negativas para a autonomia do CAE. Já é possível encontrar em alguns municípios brasileiros um espaço geralmente denominado “casa dos conselhos”, mantido pela prefeitura, mas independente que é utilizado para guardar os documentos do conselho e como local para reuniões. Em Junqueirópolis a ausência desse espaço faz com que os documentos do CAE sejam guardados na prefeitura, no departamento da merenda escolar. Esse fator é amenizado pela forte relação de confiança entre o CAE e as funcionárias da prefeitura, mas não é a situação ideal e pode significar uma fonte de tensão caso essa confiança venha a diminuir. Esse espaço próprio pode gerar um valor simbólico, pois cria uma referência mais clara para a população sobre a existência desses órgãos de controle e onde é possível encontrá-los. A lei determina que o CAE deve notificar a prefeitura sobre as irregularidades identificadas durante as suas atividades de acompanhamento e fiscalização do PNAE. Esse é um procedimento padrão do CAE em Junqueirópolis que debate com os gestores públicos em reunião todas as observações feitas durante as visitas às unidades escolares. O mais interessante é que essa função de fiscalização da alimentação escolar nas escolas assume um caráter importante de colaboração com a gestão local, que aponta esse como outro ponto positivo da atuação dos conselheiros. Ao analisar as atas de reunião, é possível constatar que sempre que a coordenadora do programa de merenda e a nutricionista apresentaram ao CAE problemas enfrentados na execução do PNAE, os conselheiros responderam de forma pró-ativa, propondo alternativas e assumindo compromissos para a solução dos problemas. Dagnino (2002) propõe que se pense a atuação da sociedade civil e do Estado dentro do conselho considerando o projeto político a partir de uma perspectiva ampla como “aquilo que orienta a ação”. E nesse caso, é possível observar as discussões e decisões serem pautadas pela disputa em torno de projetos políticos que podem aglutinar representantes governamentais e da sociedade civil em torno de uma mesma causa. Em Junqueirópolis essa causa é a garantia de uma alimentação de qualidade servida nas escolas. 37 Duas situações relatadas nas atas de reunião CAE refletem bem essa postura colaborativa entre sociedade civil e gestão pública. Uma primeira diz respeito à identificação de graves problemas de higiene em uma das escolas. As responsáveis pelo programa de merenda descobriram que uma das merendeiras estava descumprindo as normas higiênicosanitárias e guardando grandes volumes de restos de comida na geladeira. A merendeira foi advertida, mas a situação persistiu. Os conselheiros assumiram o compromisso de visitar a escola para conversar com a merendeira e também estabeleceram uma rotina de visitas freqüentes a essa cozinha para monitoramento. Uma segunda situação emblemática foi quando a coordenadora do programa de merenda relatou um problema que vinha enfrentando há tempos com alguns professores das escolas. Isso porque, como forma de estimular os alunos a aderirem à alimentação escolar e, conseqüentemente, diminuir o consumo das guloseimas comercializadas nas escolas, os professores passaram a se alimentar junto com os alunos19. O fato é que alguns professores perderam de vista o propósito pedagógico, passaram a se ver também como beneficiários do programa de merenda e assim iniciaram uma série de queixas sobre os cardápios servidos. A coordenadora do programa pediu apoio ao CAE, pois não sabia mais como lidar com essa situação. Os conselheiros propuseram participar das reuniões de professores e esclarecer aos mesmos os objetivos do programa, quem são os seus beneficiários, como são elaborados os cardápios e a sua importância. As funcionárias da prefeitura responsáveis pelo PNAE são técnicas municipais com pouco poder de barganha política frente à prefeitura e aos funcionários das escolas. Sua atuação é orientada, portanto, por uma postura de negociação e diálogo com esses atores. Diante desse contexto e considerando o compartilhamento de projetos políticos e a forte relação de confiança construída, o CAE passou a ser um importante aliado na resolução de problemas. Não apenas isso, percebe-se também que ao submeter importantes aspectos da execução do programa à aprovação dos conselheiros de forma regular e transparente, as técnicas encontraram no CAE um fator de legitimação para as decisões relativas à execução do PNAE no município. No que se refere à “partilha efetiva de poder entre Estado e sociedade civil”, Dagnino (2002) destaca o processo decisório em torno da política pública como um ponto crucial e também uma das raízes do conflito no interior dos espaços de participação, uma vez que o 19 A lei determina que a alimentação escolar é exclusiva para os alunos. Entretanto quando os professores consomem a merenda por conta de propósitos pedagógicos, tem se aceitado uma flexibilização da norma, desde que não cause prejuízo aos alunos. 38 Estado concentra as funções de decisão e “o poder deliberativo previsto para os Conselhos Gestores com freqüência se transforma na prática apenas em uma função consultiva ou até mesmo apenas legitimadora das decisões tomada nos gabinetes” (Dagnino, 2002. p 282 e 283). A partir da reflexão proposta por Dagnino, é importante refletir se o CAE em Junqueirópolis caiu ou não nessa armadilha. Um aspecto importante é a autonomia do conselho, entendida como a capacidade dos seus membros de determinar regras e procedimentos que irão reger o seu funcionamento. Duas questões discutidas no segundo capítulo deste trabalho ajudam a ilustrar como se dá na prática esse processo de construção de autonomia desse estudo de caso. A primeira diz respeito à existência do regimento interno elaborado pelos conselheiros e utilizado como o principal referencial para a atuação do CAE. Entretanto Avritzer e Pereira (2009) chamam atenção para o fato de que: (...) o crescimento da capacidade deliberativa não pode se dar unicamente pela via da legislação. Esta cumpre a função de criar condições jurídico-institucionais que se tornam realidade quando existem os agentes sociais e os mecanismos políticos capazes de transformar a legislação em uma prática que influencie as ações cotidianas de atores sociais e políticos presentes. (Avritzer e Pereira, 2009. p. 24) Nesse sentido vale destacar uma segunda questão, referente à decisão dos conselheiros de romper na prática com qualquer tipo de hierarquia de funções na dinâmica do conselho, atribuindo a todos os integrantes, inclusive os suplentes quando presentes, a mesma importância no processo decisório. Os conselheiros afirmam a importância de se buscar o consenso e ouvir todas as opiniões mesmo que divergentes. É um processo consciente de escolha de um processo deliberativo baseado na argumentação e discussão coletiva. Vale a pena considerar nesse caso a reflexão sobre teoria democrática e deliberação pública proposta por Avritzer (2000) na qual ele destaca duas correntes na teoria deliberativa. Uma em que a deliberação está centrada no processo decisório, defendida por teóricos como Weber, Schumpeter e Downs. Para eles, argumentação e participação seriam completamente contraproducentes e, por conseguinte, há uma rejeição das formas públicas de argumentação e discussão, bem como uma identificação das práticas decisórias com o processo de escolha dos governantes (Avritzer, 2000). Na outra corrente, a deliberação está centrada no processo argumentativo a partir de teóricos como Rawls e Habermas. Avritzer (2000) identifica Rawls como um autor de transição entre a concepção decisionística e a argumentativa e Habermas como um dos 39 principais responsáveis pela recuperação da dimensão do debate público a partir da definição do conceito de “esfera pública”. Esse conceito é apontado por Avritzer (2000) como fundamental uma vez que enfatiza o processo de argumentação e discussão que reconhece a diversidade da sociedade e a necessidade de contemplar todos esses diferentes pontos de vista na discussão política. Ao valorizar o processo argumentativo, atribuindo igual importância à opinião de todos os conselheiros, o CAE de Junqueirópolis reforça o que Almeida e Cunha (2009) consideram como uma inovação dos conselhos, isto é, trazer para espaços deliberativos atores que até então não participavam de processos decisórios acerca da política pública. Um exemplo são os pais de alunos representados no CAE. 3.2. A Relação do CAE com a Sociedade No segundo capítulo deste trabalho, quando foi discutida a composição do CAE, já foram analisados alguns aspectos iniciais que refletem como se dá a relação entre esse órgão e a sociedade a partir da perspectiva da sociedade civil organizada representada na composição do conselho. Foi evidenciado que há um processo de mobilização das organizações sociais para escolha do seu representante, como essa escolha acontece e as implicações dela no processo participativo. Neste tópico a análise sobre essa relação avançará no sentido de se discutir a questão da representatividade dos conselheiros frente aos seus segmentos de origem e a questão da accountability, isto é, que mecanismos estão sendo utilizados pelo CAE para prestar contas da sua atuação à população. Almeida e Cunha (2009) afirmam que a preocupação com a accountability é uma maneira de fortalecer a qualidade do relacionamento representativo e que é importante definir mecanismos formais de accountability, os quais são compreendidos como um processo de troca de informação e de opinião sobre as questões discutidas no conselho com os segmentos representados. As autoras apontam dois procedimentos que deveriam ser adotados pelos conselhos: discussão previa das pautas das reuniões dos conselhos com os segmentos; e devolução das discussões e decisões realizadas nos conselhos para os segmentos. Esse processo de discussão sobre a política pública para além dos limites do conselho é um desafio não só em Junqueirópolis, como em muitos municípios brasileiros. Isso porque desencadear esse processo participativo vai além da capacidade e da responsabilidade desse órgão de controle. Como já discutido anteriormente neste trabalho, está relacionado ao que 40 Faria (2008) denomina de “perfil associativo dos municípios”. Depende da capacidade de articulação e de mobilização das organizações e movimentos sociais e também, da capacidade dessa sociedade civil organizada de qualificar a atuação dos seus representantes nos conselhos e cobrar deles que prestem contas sobre as deliberações acerca da política pública em questão. Anastasia (2006) indica o desenvolvimento de capacidades pela sociedade como um dos fatores necessários para o funcionamento adequado da democracia. Além de regras claras e conhecidas e canais institucionais, as capacidades requeridas para o exercício político precisam ser construídas e distribuídas entre os atores. Para a autora, é um grande desafio da democracia brasileira pós 1988 garantir a tradução de direitos, dos recursos (acesso a educação, participação política e debate político) e das preferências dos diferentes atores políticos em capacidades do exercício efetivo do seu status de cidadão. A Resolução No 32 do FNDE apresenta como orientação que uma das atribuições do CAE é divulgar em locais públicos os recursos financeiros do PNAE transferidos à prefeitura. O CAE de Junqueirópolis além de prever em seu regimento interno essa atribuição recomenda aos conselheiros que divulguem a atuação do CAE como organismo de controle social e de fiscalização do PNAE. Não há registro de nenhuma iniciativa desse conselho de publicizar o valor dos recursos financeiros destinados ao PNAE, entretanto os conselheiros se colocam à disposição para prestar qualquer tipo de esclarecimento nesse sentido. Já no que diz respeito à divulgação da atuação do CAE, foram publicadas no jornal local do município quatro matérias (Anexo A) que apresentavam à população informações sobre o conselho: o que é, as suas responsabilidade, a sua composição e as atividades que executa; sobre quem são os conselheiros e, por fim, as matérias costumavam apresentar um relato sobre atividades realizadas recentemente pelo conselheiros, ilustradas com fotos. Quando questionados durante a entrevista coletiva sobre a publicação das matérias no jornal, os conselheiros afirmaram que foi uma iniciativa deles e que representou um grande esforço obter esse espaço no jornal. Eles acreditam que a imprensa local deveria ter mais interesse em difundir informações sobre a atuação dos conselhos no controle das políticas públicas da mesma forma que a gestão municipal facilmente obtém espaço para publicar suas realizações, mas na prática isso não ocorre. O objetivo principal das matérias foi mostrar à sociedade que o CAE em Junqueirópolis é atuante, que está trabalhando. Além disso, argumentam sobre a importância de que as pessoas tenham conhecimento sobre qual é o papel do conselho a fim de evitar animosidades com a comunidade durante as atividades de fiscalização nas unidades escolares. 41 Outra questão sobre essa divulgação feita durante a entrevista coletiva foi se os conselheiros avaliavam que essa comunicação no jornal estava surtindo efeito junto a população. A resposta foi positiva, pois percebem que as pessoas estão vendo que existe esse conselho, inclusive os professores e a comunidade escolar. Uma conselheira citou que estava em uma reunião da comunidade e as pessoas falaram que viram a matéria no jornal e elogiaram a atuação do conselho. Os conselheiros de Junqueirópolis afirmam que eles são cobrados pela população, pessoalmente e até por telefone e que o esforço para realizar essa divulgação vale a pena, porque mostra que o conselho funciona. Pois tem conselho que só existe no papel. Se a gente não tivesse feito essas reportagens, praticamente ninguém ficava sabendo nem quem faz parte, nem que existe o conselho. É importante que as pessoas saibam que os conselheiros estão trabalhando, não é mentira. Uma conselheira que também é professora complementa ao afirmar que há pais comprometidos, que cuidam e cobram. Por mais carente que sejam, eles questionam a alimentação, principalmente na escola integral em que a criança fica o dia inteiro. Além de buscar esse espaço na mídia local o CAE se fez presente ao longo de toda a gestão em espaços públicos de referência para a comunidade escolar, como reuniões de pais e mestres, capacitações e confraternizações de merendeiras e pregões para aquisição de gênero alimentícios. Durante visita a 04 unidades escolares pela pesquisadora, foi possível entrevistar merendeiras e professores sobre a atuação do CAE. Todos os entrevistados afirmaram que conheciam os conselheiros e que os mesmos já haviam visitado as escolas observar como estava o trabalho com a alimentação escolar. O CAE obteve importantes conquistas quanto ao seu reconhecimento público frente à sociedade local, especialmente junto à comunidade escolar. Entretanto esse é aspecto que deverar ser aprofundado pelas futuras gestões no sentido de assegurar a continuidade das práticas já iniciadas pelos atuais conselheiros e conseguir ir além na publicização de informações e ampliação do debate com a sociedade sobre o PNAE. 42 4. CONCLUSÃO A definição do CAE enqunato uma instância de controle público é recente, ocorreu em 1994. Entretanto, a transição de órgão consultivo para deliberativo é ainda mais recente, tendo ocorrido há cerca de uma década, no ano 2000. Nesse intervalo de tempo, o governo tem empreendido esforços a fim de fortalecer e consolidar esse canal de participação e controle. As pesquisas e levantamento de dados realizados com o objetivo de acompanhar a evolução da atuação do CAE que foram identificados durante a realização desse estudo tinham como foco indicar atividades prioritárias desse conselho ou se ele era capaz ou não de cumprir o seu papel. A opção por realizar um estudo de caso com uma análise que priorizasse não apenas os resultados alcançados pelo CAE, mas principalmente os condicionantes que levam ao alcance desses resultados são considerados a princial contribuição deste trabalho para o campo de pesquisa em questão. O município de Junqueirópolis foi escolhido como estudo de caso por combinar um alto padrão de qualidade da alimentação escolar servida aos alunos à uma atuação consistente e regular do conselho. Buscou-se compreender como se caracterizava a atuação do CAE – as principais atividades, a agenda de discussão, o perfil dos conselheiros, a dinâmica interna de trabalho, a relação com a gestão pública local e com a sociedade – por meio dos dados coletados no trabalho de campo e pela análise de documentos. Este capítulo final, objetiva, portanto, produzir uma síntese dos principais aspectos que ajudam a entender o funcionamento do CAE de Junqueirópolis enquanto órgão de controle e canal de participação para, a partir dessa comperensão, apontar quais têm sido as contribuições do conselho para a qualidade da política pública em questão. Há uma preocupação de que a atuação do CAE estivesse de acordo com a lei. O processo eleitoral dos representantes de cada segemento no conselho já é um primeiro indício dessa preocupação. Todos eles foram escolhidos seguindo estritamente o que indica as normas estabelecidas pelo governo federal, isto é, os representantes da sociedade civil, pais de alunos e professores foram eleitos em assembléia específica para esse fim e os representantes dos executivo e legislativo foram indicados pelo prefeito e pela câmara municipal respectivamente. Além das normas sancionadas pelo governo federal, o CAE possui no seu regimento interno um dos seus principais referenciais. Os conselheiros procuram cumprir tudo o que determina o estatuto e dessa forma, respaldam sua atuação em critérios objetivos e facilmente verificáveis. 43 Apesar do respeito às normas, os conselheiros souberam definir com clareza situações em que era necessário transcendê-las para assegurar uma maior efetividade a sua atuação. Uma situação que ilustra bem isso foi a decisão de eliminar na prática qualquer tipo de hierarquia entre o presidente e o vice e os demais conselheiros. Optou-se por um processo deliberativo fundamentado na discussão e argumentação coletiva em que a opinião de todos os conselheiros têm o mesmo peso. A busca de consensos foi priorizada a fim de que a decisão final contemple todos os pontos de vista. Houve também a inclusão dos suplentes no processo decisório os quais poderiam participar das reuniões e das atividades do CAE sempre que tiveressem disponibilidade, com direito a voz e voto. Dessa forma foi assegurada a participação de todos em igualdade de condições. Rotinas de trabalho que contribuíram para estabelecer uma regularidade na atuação do conselho foram consolidadas por seus integrantes. As reuniões eram realizadas mensalmente sem interrupções e durante os três anos e meio de gestão avaliados, em nenhum mês a reunião deixou de ocorrer. Buscou-se definir com antecedência os dias de trabalho do conselho, bem como otimizar a atuação dos conselheiros a fim de que todas as obrigações fossem cumpridas. Um exemplo foi a opção de alternar o local das reuniões, optando-se por utilizar as unidades escolares como sede e assim poder conciliar com o trabalho de fiscalização das cozinhas e dos estoques de alimentos. Houve rigor com o cumprimento da agenda de trabalho e também com o registro das mesmas. O foco da atuaçao do CAE, bem como a sua agenda de discussão esteve sempre voltada para aspectos diretamente relacionados à execução do PNAE a partir da preocupação com a qualidade dos gêneros alimentícios adquiridos, com os cardápios servidos nas escolas, com a mão de obra responsável pela preparação da alimentação, com a realização de visitas regulares às unidades escolares para acompanhamento in loco da execução do programa, a com a fiscalização das contas e acompanhamento do processo licitatório. O CAE não se deixou absorver por questões internas ou burocráticas. Os mecanismos formais de accountability utilizados pelos conselheiros com o intuito de estabecer um processo de troca de informação com os segmentos por eles representados é um aspecto que necessita ser fortalecido. Não há registros ou menção por parte dos conselheiros da existência de uma dinâmica de discussão prévia sobre as pautas de reunião a fim de qualificar e respaldar a sua atuação, bem como uma rotina de prestação de contas sobre as decisões tomadas perante os segmentos representados. Existe um esforço realizado 44 para publicizar a atuação do CAE para a sociedade por meio da publicação de matérias no jornal local. A postura colaborativa que o CAE procurou assumir em relação à gestão local, neste caso com a coordenadora do PNAE e com a nutricionista, destacou-se durante a análise dos dados. O comprometimento das técnicas municipais e também dos conselheiros com a alimentação escolar serviu de base para o estabelecimento de um “projeto político” comum no sentido de assegurar a qualidade da execução do PNAE no município. Este estudo de caso, portanto, explicita como a união de esforços e de diferentes expertises entre representantes estatais e da sociedade civil podem contribuir para a qualificação e a consolidação de uma instância intermediária de discussão e deliberação como é o CAE. Um importante determinante para isso foi a percepção por parte das técnicas municipais da contribuição que cidadãos comprometidos com o processo participativo poderiam proporcionar à alimentação escolar. Isso tornou possível a circulação de informações de forma transparente e regular acrescido do esforço das técnicas em tornar essas informações compreensíveis para todos os conselheiros. De certa maneira, as discussões e o compartilhamento de informações entre Estado e sociedade civil no interior do conselho contribuiu para qualificar a atuação dos conselheiros que não estavam diretamente envolvido com a execução da política pública. É na postura colaborativa que foi estabelecida entre o conselho e a gestão local que foi identificada a principal contribuição do conselho para a alimentação escolar em Junqueirópolis, uma vez que o CAE conseguiu exercer um papel de legitimação e aprovação das decisões referentes à execução da política pública frente outros atores governamentais, funcionários públicos e sociedade sem prescindir da sua autonomia enquanto órgão de controle. Identificar a ocorrência desse fenômeno colaborativo é um dos componentes mais difíceis da análise. Essa relação de parceria e cumplicidade é muito interessante e vantajosa para a gestão pública, logo, a questão crucial é conseguir identificar até que ponto se trata de uma parceria legítima ou de um processo de cooptação. A simples análise de documentos pode levar a esse erro, especialmente quando se observa que os documentos e a atividade de registro da atução do CAE estão na maior parte das vezes sob responsabilidade dos atores governamentais. Em que tipo de situação é possível afirmar que essa relação colaborativa entre governo e conselho é interessante e justa? O estudo de caso em foco revela que quando há o compartilhamento de um projeto político legítimo entre os atores estatais e não estatais, 45 voltado para a excelência na execução da política pública, a socidedade e principalemente os beneficiários da política tendem a sair ganhando com esse tipo de postura. Em Junqueirópolis há uma predisposição positiva da prefeitura para o cumprimento da lei o que é atestado pelo resultado da auditoria realizada pelo TCU em 2007. Além de não ter sido encontrada nenhuma irregularidade grave nas contas, a gestão local prontamente acatou todas as determinações do TCU para fortalecer a transparência e o controle da política pública. Logo é possível afirmar que o controle público do PNAE no município transcendeu a questão de cumprimento ou não da lei e passou também a concentrar esforços em questões ligadas à eficiência na execução da política. Foi discutido no capítulo anterior as limitações em termos de poder político por parte das técnicas responsáveis pelo PNAE. A atuação delas é orientada por uma postura de diálogo e negociação com os atores envolvidos com o programa dentro e fora do governo, o que nem sempre implica a resolução dos problemas e/ou conflitos. Ao assumir essa postura colaborativa, o CAE se converteu em um grande aliado para legitimiar as decisões tomadas e assim fortalecer a política pública no município frente aos diversos atores. Dentre eles: as merendeiras por meio das constantes visitas às unidades escolares, estabeceu-se uma rotina de fiscalização do cumprimento das normas de higiene no preparo e armazenamento dos alimentos; os fornecedores pela participação em todos os pregões presenciais e pelo controle de qualidade dos alimentos entregues nas escolas, bem como o cuprimento dos contratos; os professores e diretores das escolas pela cobrança do cumprimento do seu papel pedagógico em relação à alimentação escolar; ao governo por cobrar os investimentos para se manter a qualidade do programa e por reconhecer e atestar o valor do trabalho das técincas, fortalecendo-as politicamente; e à sociedade em geral buscando publicizar o controle exercido sobre a alimentação escolar. Ao analisar a atuação do CAE ao longo de dois mandatos, utilizando diferentes fontes de dados, esse estudo demonstra a importância de se considerar os fundamentos e condicionates do processo participativo para se obter uma melhor compreensão do significado dos resultados alcançados e do impacto gerado na qualidade da política pública. A experiência em foco deixa margem para que outras pesquisas explorem em mais profundidade as implicações na dinâmica participativa de uma possível dependência de atores governamentais para que o conselho se aproprie das discussões sobre a política pública. 46 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANASTASIA, Fátima; INÁCIO, Magna. Democracia, Poder Legislativo, Interesses e Capacidades. Fevereiro de 2006 (no prelo) AVRITZER, Leonardo e PEREIRA, Maria de Lourdes Dolabela. Democracia, participação e Instituições híbridas. 2009. ________. “Teoria democrática e deliberação pública”. Lua Nova, São Paulo, v 49: 25-46, 2000. BRASIL. 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Dinâmicas participativas institucionalizadas e produção das políticas públicas. 6º Encontro da ABCP – Unicamp – Campinas – São Paulo. 48 APÊNDICE A: LISTA DE ABREVIATURAS PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar CAE - Conselho de Alimentação Escolar FNDE – Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação TCU – Tribunal de Contas da União MP – Ministério Público CGU – Controladoria Geral da União ONG – Organização Não-Governamental CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional IBGE – Instituto de Geografia e Estatística MEC – Ministério da Educação E.E – Entidade Executora 49 ANEXO A: MATÉRIA DE JORNAL SOBRE O CAE 50