MÃOS QUE PINTAM A ARTE: UMA REFLEXÃO SOBRE A SUBJETIVAÇÃO
E O SIGNIFICADO DO VALOR DO TRABALHO DAS ARTESÃS DOS
BRINQUEDOS DE MIRITI DE ABAETETUBA/PA.
LARISSA TUANE LIMA DO NASCIMENTO1
RESUMO: Em Abaetetuba (Pará), é produzida criativamente uma atividade de cunho
artístico-cultural, denominada de Brinquedos de Miriti. Este trabalho realiza
considerações ainda em análise, sobre o status das mulheres no processo criativo desse
tipo de artesanato, percebendo como são vistas e valoradas por elas mesmas e pelos
demais agentes deste campo de relações, em especial seus cônjuges e demais familiares,
e sobre a significação da escassa participação destas artesãs em locais de interesses
públicos e de tomadas de decisões. Demonstra-se que apesar da intensa participação
feminina nas atividades de produção e comercialização destes brinquedos, há uma
pretensa dominação masculina que ainda atribui às mulheres atividades de suporte,
apoio, e tida como pertencentes ao domínio doméstico.
Palavras-Chave: Divisão Sexual do Trabalho. Relações de Gênero. Artesanato.
Artesãs. Brinquedos de Miriti.
INTRODUÇÃO
Existe no município de Abaetetuba (estado do Pará, Brasil), cidade localizada a
56 km de Belém, e com população estimada em 148.873 habitantes entre região urbana
e rural (IBGE, 2014), grande concentração de uma palmeira da área de várzea
denominada popularmente de miritizeiro2 - (Mauritia flexuosa L.f). Do miriti podem-se
produzir diversos artefatos que vão desde cestarias, comidas e licores regionais, à
construção de palafitas. No entanto, entre as expressões culturais deste lócus, existe uma
que se destaca das demais, produzida a partir da bucha destas palmeiras jovens,
caracterizada por Loureiro (2012) como “Brinquedos de Miriti de Abaetetuba”.
Estes brinquedos são analisados aqui como uma expressão artesanal de caráter
artístico, uma vez que, em consonância com Lima (2009), apresentam em seu processo
de produção, técnicas de feitura majoritariamente manual, sem uso de máquinas, apenas
pequenas ferramentas para auxílio na fabricação dos brinquedos, sendo elas, facas,
estiletes, pincéis, lixas e tintas. Em contrapartida, é visto como arte, por envolver neste
mesmo processo, sentimentos e valores como criatividade e sensibilidade por parte das
1
Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista de Iniciação
Científica (CNPq) do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), sob coordenação do Prof.
Dr. Silvio Lima Figueiredo (NAEA/UFPA) e orientação do Doutorando Amarildo Ferreira Júnior
(NAEA/UFPA). E-mail: [email protected]
2
Também conhecida como buritizeiro.
artesãs e artesãos, além de envolver um conjunto de representações simbólicas do
universo abaetetubense, amazônico e ribeirinho, retratando o cotidiano destas famílias, a
fauna e a flora em que convivem além da forte associação à festividade do Círio de
Nossa Senhora de Nazaré, que ocorre em Belém anualmente no mês de outubro.
Em relação a esta última, os brinquedos são considerados pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), bem associado a um bem registrado
como patrimônio cultural imaterial, - a já mencionada festividade - e que, portanto,
espera-se um respaldo legal para o desenvolvimento e manutenção desta prática cultural
a fim do seu não desaparecimento. Como também, a autonomia dos grupos detentores
deste saber.
Ainda sobre os brinquedos e seus significados, Loureiro (2012) nos faz refletir
sobre o caráter lúdico e estético deste objeto. Lúdico, à medida que enquanto brinquedo
possui finalidade específica, utilitária e, estética, quando do uso dos brinquedos como
obra de arte, como artefato colecionável. No mais, é de comum acordo entre Carvalho e
Silva (2012), Loureiro (2012) e Pavão (2010), que a produção dos Brinquedos de Miriti
de Abaetetuba é realizada em núcleos coletivo-familiares, denominados por Ferreira
Júnior (2015) de núcleos criativos familiares, e o processo de ensino-aprendizagem é
realizado de geração em geração a partir da oralidade e da observação. Os chamados
ateliês – espaços de criação dos brinquedos - são definidos pelas artesãs e artesãos como
espaço agregador, em que pode ocorrer de existir em um mesmo ateliê vários grupos
familiares trabalhando. Ainda sobre a criação, ela é normalmente dividida em etapas,
sendo elas: a retirada da matéria-prima pelos ribeirinhos moradores das ilhas ao redor
do centro da cidade de Abaetetuba, o entalhamento e o corte, a montagem e colagem
das peças, o lixamento e a aplicação de massa e por fim, a pintura (PAVÃO, 2010, p. 3).
Estas etapas, quando elevadas ao modo de fazer, baseiam-se em divisões de tarefas
entre os indivíduos que constituem o núcleo familiar.
Porém, cabe aqui ser evidenciado que este trabalho tem como base de discussão
o conceito de processo criativo desenvolvido por Ferreira Júnior (2015) em que,
segundo o autor, o objeto de análise do campo de relações sociais dos Brinquedos de
Miriti não se dará sobre o produto final em si, mas sim, sobre a apreensão de como
determinado:
“grupo específico de artesãos amazônicos, se organizam socialmente em
torno de seu(s) processo(s) de criação e como o conjunto de relações que
desenvolvem concorre para a construção social de sua vida associativa”.
(FERREIRA JÚNIOR, 2015, p.22).
Desse modo, estudaremos aqui, a partir de Ferreira Júnior (2015, p. 23), as
relações sociais que ocasionarão as práticas próprias, o modo de viver e os saberes e
fazeres das artesãs e artesãos de Brinquedos de Miriti de Abaetetuba. Portanto, sempre
que for feito referência à categoria “processo criativo” estaremos nos referindo a
compreensão das expressões de relações e estruturas sociais que simbolizam e
caracterizam o modo de viver e de socialização destes artesãs e artesãos dos Brinquedos
de Miriti de Abaetetuba.
Ademais, o artigo que aqui se desenvolve3 tem por objetivo analisar como dentre
os diversos participantes deste processo criativo, encontram-se as mulheres. A fim de
visualizá-las, este trabalho realiza considerações ainda em análise, sobre o status destas
mulheres no processo criativo dos Brinquedos de Miriti, percebendo como estas são
vistas e valoradas por elas mesmas, e pelos demais agentes deste campo de relações
sociais, sendo eles seus cônjuges e demais familiares. Bem como, compreender a
significação da escassa participação em locais de interesses públicos e de tomadas de
decisões por estas artesãs.
Por fim, a estrutura em que se apresenta este trabalho organiza-se deste modo:
introdução, procedimentos metodológicos, discussão teórica e, por último, as
considerações finais.
1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Como já mencionado, entende-se aqui artesanato como uma atividade
caracterizada por algumas condições: ser essencialmente manual e atribuir liberdade de
escolha da matéria-prima e tecnologia empregada no trabalho, bem como do tempo em
que se produz o objeto (FERREIRA JÚNIOR, 2015, p.36). Nesse sentido, para além
dos estudos da técnica e estética, este trabalho visa compreender as relações sociais que
perpassam os atores criadores da efêmera matéria chamada Brinquedos de Miriti4.
A motivação para discussão de gênero dentro deste campo social (Bourdieu,
2013; 2004) se dá, na medida em que aos pesquisar sobre os Brinquedos de Miriti,
percebe-se que esta discussão ainda se encontra aquém quando tratada no denominado
Campo de Relações no Artesanato de Miriti de Abaetetuba (FERREIRA JÚNIOR,
2015), pois, quando ao analisar autores como Santos & Coelho-Ferreira (2012; 2011);
3
Apresentam-se neste artigo resultados parciais e considerações iniciais em desenvolvimento da pesquisa
de Iniciação Científica desta autora.
4
Para saber mais sobre as relações sociais no processo criativo dos Brinquedos de Miriti de Abaetetuba,
consulte Ferreira Júnior (2015).
Santos & Silva (2012); Silva & Carvalho (2012); Santos (2009); Pontes; Magalhães &
Martin (2008); e Alencar & Lopes (2004) –, percebe-se que o foco primado por eles
será o que tange o desenvolvimento dos métodos e técnicas de criação. Dessa forma,
reitera-se a importância dos estudos sociais dentro deste campo de relações, e em
referência as discussões de gênero, têm-se aí, uma busca à originalidade do discurso.
Apreendendo as estruturas relacionais nas quais estão inseridos os agentes
sociais que aqui se estuda, analisam-se as diversas formas de dominações e práticas
específicas deste determinado espaço social - aqui caracterizado pelo campo de
relações sociais entre artesãs e artesãos de Brinquedos de Miriti -, para assim
compreender a posição das mulheres nos espaços de intervenção destes agentes.
(BOURDIEU, 1989, p.62-66).
Estes espaços de intervenções sociais são aqui
visualizados de forma distinta, porém pertencentes a todos os envolvidos neste
processo, sendo eles o espaço de domínio privado – ateliês, residências – e o espaço
de domínio público – associações civis -. Salienta-se a compreensão do campo de
Relações no artesanato de Miriti como muito mais amplo5, porém, ao visualizar a
mulher artesã que compõe a forma de organização social denominada Campo de
Relações Sociais do Processo Criativo dos Brinquedos de Miriti, pôde-se observar a
partir de FERREIRA JÚNIOR (2015), a categorização de alguns agentes sociais que o
compõe, da seguinte forma:
a)
artesãos de miriti: conjunto das artesãs e artesãos que criam e vendem
os Brinquedos de Miriti, seja sob encomenda, em seus ateliês, ou em eventos
(feiras, exposições, etc.) locais, regionais, nacionais ou internacionais;
b)
familiares: familiares em diversos graus dos artesãos que vivem ou não
na mesma residência e que participam de alguma maneira de seu processo de
criação e de sua comercialização;
c)
assistentes: pessoas que auxiliam os artesãos de miriti durante o processo
criativo ou de comercialização e que não estão incluídas na categoria familiares;
d)
associações e sindicatos: entidades associativas ou sindicais que reúnam
artesãos de miriti com objetivo de fortalecê-los comercial e socialmente por
meio da defesa e da reivindicação de possíveis direitos.
5
O campo de Relações no Artesanato de Miriti de Abaetetuba possui um número maior de agentes,
descritos na dissertação de mestrado de Ferreira Júnior (2015), mas, para os objetivos deste artigo, estará
estabelecido como foco somente estes citados, estabelecendo, dessa maneira, um recorte de gênero entre
os artesãos de miriti.
Para a coleta de dados, realizou-se primeiramente pesquisa bibliográfica a fim de
compreender a discussão da mulher no mundo do trabalho e as relações que compõe a
divisão sexual no trabalho, dando ênfase a textos que discutem sobre a mulher no
campo de trabalho artesanal, em específico. Em seguida, são realizadas entrevistas com
as artesãs e artesãos de miriti, utilizado também o recurso da observação e registro nas
ocasiões de ida a campo, principalmente durante o Círio de Nazaré de 2014, quando da
vinda das artesãs e dos artesãos de miriti à Belém, conforme fazem todos os anos; nas
visitas aos seus ateliês; e durante assembleias da Associação dos Artesãos de
Brinquedos e Artesanatos de Miriti de Abaetetuba (Asamab).
2. DISCUSSÃO TEÓRICA
A noção de Gênero e Divisão Sexual do Trabalho é compreendida como
categoria de explicação sobre o comportamento de homens e mulheres nesta sociedade,
sendo, portanto, complementares em si. Esta compreensão não se restringe a análises
economicistas, mas também, nas várias formas de expressão da dominação masculina
(BOURDIEU, 2014).
A perspectiva de gênero será aqui adotada a partir da análise das primeiras
pesquisadoras norte-americanas dos chamados “estudos de gênero”. Desse modo,
compreende-se que a categoria gender, remete-se aos estudos de diferenciação da
construção social, cultural e histórica das identidades subjetivas entre homens e
mulheres (GROSSI, 1998), desmistificando a explicação de que as diferenciações de
comportamento entre homens e mulheres se davam apenas pelo fator biológico.
Já a noção de divisão sexual do trabalho é aqui percebida como reflexo do
movimento das primeiras feministas francesas da década de 1970 que repensaram os
processos de trabalho. Para Kergoat (2003; 2009), o que impulsiona a discussão da
mulher no campo de trabalho será a percepção de uma “dupla opressão específica” a
qual são submetidas. Tal opressão é vislumbrada no não reconhecimento da dupla
jornada de trabalho, - o doméstico e o profissional - e sua naturalização. No geral, os
estudos sobre divisão sexual do trabalho originam-se para pôr em xeque as estruturas
familiares e o sistema produtivo recorrentes daquele período. Repensar a divisão sexual
do trabalho questionará radicalmente a sociologia da família e o paradigma
funcionalista que lhe sustenta (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 598).
Desse modo, compreende-se que a divisão sexual do trabalho é a expressão da
divisão das relações sociais no trabalho dividida entre os sexos, sendo também o que lhe
sustenta. Com base nessa divisão do trabalho a partir do sexo feminino e masculino,
Hirata e Kergoat (2007) ordenarão princípios reguladores para que tal divisão se
sustente. Segundo as autoras, existem dois modos de enxergar a particularização do
trabalho dividido, sendo a primeira baseada no “princípio de separação” – trabalho de
homem e trabalho de mulher – e o segundo baseado no “princípio hierárquico” –
trabalho de homem vale mais que o trabalho de mulher. E, a partir dessas
categorizações, a “ideologia naturalista” se firma.
Motta-Maués (1993) realiza uma reflexão semelhante, quando a partir de seu
lócus de pesquisa, percebe o prestígio e valor social ligado ao homem nos seus feitios
de trabalho, reservado às mulheres o segundo plano, ou mesmo o papel de apoio ou
apêndice às conquistas masculinas. É esta supervalorização ao trabalho masculino que,
culturalmente, os determina condições de poder e efetivação das representações em
espaços de decisões, não somente públicos, mas também o privado. Ainda que o
ambiente domiciliar esteja supostamente a cargo das mulheres, é o homem que será a
autoridade máxima deste lugar (MOTTA-MAUÉS, 1993).
No entanto, Hirata e Kergoat (2007) não consideram aconselhável apreender a
noção de divisão sexual de trabalho e de gênero como mera verificação de
desigualdades. É imperativa a progressão da análise para que possamos também
compreender seus fundamentos e consequências na vida social de mulheres e homens.
Dessa forma, é necessário atinar para “uma reflexão sobre os processos mediante os
quais a sociedade utiliza essa diferenciação para hierarquizar as atividades e, portanto,
os sexos, em suma, para criar um sistema de gênero” (Hirata e Kergoat, 2007, p. 596).
É sob esta perspectiva de hierarquização das atividades, que apresentamos o
cenário de relações dos agentes que produzem criativamente os brinquedos, refletindo
de que forma são postas sobre certas etapas de fabricação dos brinquedos,
hierarquizações pautadas na construção de gênero, e se estas ocasionam ou não, uma
divisão sexual do trabalho no processo criativo dos Brinquedos de Miriti de Abaetetuba.
3. STATUS, GÊNERO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NO
PROCESSO
CRIATIVO
DOS
BRINQUEDOS
DE
MIRITI
DE
ABAETETUBA/PA.
Existe na criação e venda dos Brinquedos de Miriti, uma dinâmica específica.
Esta dinâmica pauta-se na necessidade da garantia do sustento a partir de outras
atividades laborais que não seja o artesanato, pois, por vezes, este não é capaz de suprir
as necessidades objetivas6 de quem o fabrica. Desta maneira, é percebido através das
entrevistas e do cotidiano vivido junto às artesãs e aos artesãos, que a responsabilidade
por esta atividade em particular, cabe ao homem, sendo responsabilidade das mulheres o
cuidado com a casa e os filhos, ainda que esta também possua outros meios para
garantia de sustento.
É sob este imaginário de cuidados, sensibilidades, zelo pelos detalhes e
necessidade de “resguardá-las de exercícios pesados” que cabe a artesã a função dos
acabamentos das peças, sobretudo a pintura e, também, na ajuda, quando necessária, das
vendas em feiras e eventos, bem como da necessidade de estar bem e apta aos cuidados
do lar.
Outro argumento apresentado reafirma o primeiro quando o justifica com o
discurso da tradição (HOBSBAWM, 2006), que as coisas são como sempre foram. E
quando quase sempre, foi o homem – marido, pai, irmão – que sob o domínio das
técnicas, ensina as mulheres, reafirmando assim, que somente em seus horários livres
auxiliem os homens no núcleo criativo do qual fazem parte.
Outra observação a ser mencionada, é do valor atribuído ao ato de pintar. Esta
etapa do processo não é considerada tão significativa pelas artesãs e artesãos quanto o
corte se tratando de especialidade. No primeiro caso, a qualquer indivíduo que se
encaixe nas categorias anteriormente mencionadas pode ser atribuída esta função. No
entanto, para aqueles que fabricam esta arte, é considerado artesão ou artesão, aquele
que possuir o domínio da etapa do corte e entalhamento da bucha do miriti. E, das
dezenove entrevistadas, apenas três sabem cortar, mas ainda assim alegaram não
preferir fazer esta atividade por medo de se machucarem.
Se tratando de representações em espaço públicos o mesmo acontece. Apesar de
existir um grande número de mulheres dentro dos núcleos criativos familiares, estas não
aparecem com tanta frequência quanto os homens em reuniões nas associações ou em
outros órgãos de caráter público, como Iphan e/ou Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas (Sebrae). E, as poucas que aparecem, costumam não representar
cargos entre a diretoria das associações e os assuntos pertinentes a elas, são sempre
aqueles ligados a decoração de espaços ou organização dos atos religiosos no qual
permeia o brinquedo.
Atualmente na associação visitada, em seus onze anos de existência a
presidência e os cargos da diretoria são majoritariamente masculinos. Nas assembleias
6
Necessidade objetiva aqui compreendida como moradia, alimentação, vestimentas, luz, água, e tudo
aquilo que for relacionada às necessidades mais urgentes da humanidade.
acompanhadas
a
voz
que
comanda
e
padroniza
discursos
são
também
predominantemente masculinas. É perceptível também, que quando homens falam, é
dada uma maior seriedade e atenção, quando o contrário acontece nas falas femininas,
tendo sempre que o homem, principalmente no papel de presidente, interceder pela voz
feminina, a fim de evitar a dispersão.
Todavia, ainda que este cenário apresentado seja recorrentemente visualizado,
temos situações em que estes fatos dados são rompidos. É o caso da “Matriarca dos
Artesãos”, dona Nina Abreu. Esta senhora de 79 anos fora responsável pela criação de
grande parte das representações que são estampadas nas buchas do miriti, além de ter
participado intensamente de diversas expressões culturais e folclóricas no município de
Abaetetuba, sendo aqui considerada como mestra da cultura a partir do conceito
proposto por Figueiredo e Tavares (2006). Mulheres também como Dona Iranil, Dona
Pacheco, Gilda e Gercina Brandão e Rosineia da Silva, também conseguiram ocupar
posições de destaque. Ainda que sejam poucas se comparadas ao universo de mulheres
que de alguma forma trabalham com o artesanato de miriti dentro de seus núcleos, este
fato não pode ser ignorado. Contudo, e mesmo quando as mulheres conseguem assumir
outra posição nesse campo de relações, encontram-se distinções que talvez se originem
das relações patriarcais que ali se desenvolvem.
4. CONCLUSÃO
Este trabalho constitui-se de um processo em desenvolvimento a partir de uma
pesquisa exploratória destinada a indicar as relações de gênero presentes na vida
associativa e na criação dos Brinquedos de Miriti de Abaetetuba, tendo como proposta
basear formulações de problemas específicos e hipóteses coesas a serem aferidas em
estudos posteriores.
Constata-se até o presente momento que, apesar da imaginada maioria de
homens exercendo o ofício de artesão, há sim uma forte presença feminina nas diversas
etapas. E, por compreender aqui, que as mãos que pitam arte também são reprodutoras
do subjetivo significado da efemeridade do Brinquedo de Miriti, não é possível ainda
distinguir e caracterizar esta atividade como sendo de ordem majoritária masculina ou
feminina, pois as análises aqui presentes, não se pautam apenas em valores
quantitativos.
No entanto, é evidente a operacionalização e existência de mecanismos
simbólicos que, descritos por Bourdieu (2014, p. 41-42), assinalam que:
“As regularidades da ordem física e da ordem social impõem e inculcam as
medidas que excluem as mulheres de tarefas mais nobres, assinalando-lhes
lugares inferiores [...] no sentido dos pressupostos fundamentais, das
diferenças biológicas que parecem assim estar à base das diferenças sociais”.
Por fim, a partir de reflexões sobre estes dados, pode-se notar que as atividades
realizadas pelas mulheres são consideradas acessórias e que, quando em entrevista é
perguntado a elas sobre suas funções neste processo criativo, algumas se identificam
como auxiliares, poucas, como artesãs. Estas divergências em definir o que é sociável
entre si e seus status perante estas diferentes artesãs, será mais um objeto de análise
durante o desenrolar desta pesquisa. Objetiva-se ainda que as críticas aqui proferidas,
sirvam de base para o melhoramento da qualidade da pesquisa e ao desenvolvimento de
novas análises desapercebidas.
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